Uma Perspectiva Baseada em Recursos em Microempresas e...

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1 Uma Perspectiva Baseada em Recursos em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte de Fast Food de João Pessoa-PB. AUTORES AMANDA DE ALBUQUERQUE QUEIROGA Universidade Federal de Paraíba [email protected] RODRIGO GONÇALVES LUCENA Universidade Federal de Paraíba [email protected] ANDRÉ GUSTAVO CARVALHO MACHADO Universidade Federal de Paraíba [email protected] Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo analisar as estratégias empreendidas por micro empresas e empresas de pequeno porte do tipo “fast food” estabelecidas na cidade de João Pessoa-PB. O artigo resulta de um estudo de casos múltiplos e a teoria utilizada para dar embasamento às análises é a resource-based view (RBV). A metodologia baseia-se em uma abordagem qualitativa e a investigação foi feita através de um estudo de campo e investigação empírica para compreender os fenômenos encontrados. De caráter exploratório e explicativo, foi utilizada entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados. A análise dos dados consta de três fases: na primeira aborda-se sua formação no tempo e principais características; na segunda parte analisa-se os recursos e capacidades de cada empresa com base na teoria da visão baseada nos recursos; e na terceira, consta uma comparação das estratégias adotadas entre as empresas para encontrar alguma similaridade ou contradição. Como resultado, constatou-se que as estratégias empreendidas pelas empresas desse setor, para desenvolver vantagens e fazer frente à concorrência, provem da utilização adequada seus recursos e capacidades tangíveis e intangíveis, confirmando que o desenvolvimento e utilização de recursos e capacidades são uma forma eficaz para obter vantagem competitiva sustentável. Palavras-chave: Visão Baseada em Recursos (RBV), Fast food, vantagem competitiva sustentável Abstract This research aims to analyze the strategies undertaken by micro firms and small businesses like "fast food", established in João Pessoa-PB. The paper results from a multiple case study and the theory used to make sense to analysis is the resource-based view (RBV). The methodology is based on a qualitative approach and the research was done through a field

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Uma Perspectiva Baseada em Recursos em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte de Fast Food de João Pessoa-PB.

AUTORES AMANDA DE ALBUQUERQUE QUEIROGA Universidade Federal de Paraíba [email protected] RODRIGO GONÇALVES LUCENA Universidade Federal de Paraíba [email protected] ANDRÉ GUSTAVO CARVALHO MACHADO Universidade Federal de Paraíba [email protected] Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo analisar as estratégias empreendidas por micro empresas e empresas de pequeno porte do tipo “fast food” estabelecidas na cidade de João Pessoa-PB. O artigo resulta de um estudo de casos múltiplos e a teoria utilizada para dar embasamento às análises é a resource-based view (RBV). A metodologia baseia-se em uma abordagem qualitativa e a investigação foi feita através de um estudo de campo e investigação empírica para compreender os fenômenos encontrados. De caráter exploratório e explicativo, foi utilizada entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados. A análise dos dados consta de três fases: na primeira aborda-se sua formação no tempo e principais características; na segunda parte analisa-se os recursos e capacidades de cada empresa com base na teoria da visão baseada nos recursos; e na terceira, consta uma comparação das estratégias adotadas entre as empresas para encontrar alguma similaridade ou contradição. Como resultado, constatou-se que as estratégias empreendidas pelas empresas desse setor, para desenvolver vantagens e fazer frente à concorrência, provem da utilização adequada seus recursos e capacidades tangíveis e intangíveis, confirmando que o desenvolvimento e utilização de recursos e capacidades são uma forma eficaz para obter vantagem competitiva sustentável. Palavras-chave: Visão Baseada em Recursos (RBV), Fast food, vantagem competitiva sustentável Abstract This research aims to analyze the strategies undertaken by micro firms and small businesses like "fast food", established in João Pessoa-PB. The paper results from a multiple case study and the theory used to make sense to analysis is the resource-based view (RBV). The methodology is based on a qualitative approach and the research was done through a field

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study and empirical research to understand the phenomena found. Exploratory and explanatory, we used semi-structured instrument for collecting data. Data analysis consists of three phases: the first addresses to its formation in time and key features, in the second part we analyze the features and capabilities of each company based on the theory of vision-based resources, and the third, set a comparison of strategies among companies to find some similarity or contradiction. As a result, it was found that the strategies undertaken by companies in this sector, to develop strengths and to face the competition, demonstrating the proper use of its resources and capabilities tangible and intangible confirming that the development and use of resources and capabilities are an effective way to obtain sustainable competitive advantage. Key-words: Resource based view (RBV), Fast food, sustainable competitive advantage

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1. INTRODUÇÃO

No campo de ação das organizações frente à progressiva competição, o mercado demanda das empresas o desenvolvimento de novas capacidades que permitam seguir na mesma direção e ao mesmo tempo se adaptar às mudanças do ambiente externo, para que não haja nenhum tipo de perda e que possam continuar concorrendo. A necessidade de aperfeiçoamento e desenvolvimento de novas habilidades é uma ação obrigatória a todas as empresas inseridas nesse novo meio empresarial, no qual as possibilidades de perda e o perigo de serem ultrapassados pelos outros competidores são cada vez maiores (WEGNER; WITTMANN; DOTTO, 2006)

O agitado ambiente do mercado demanda uma constante busca por inovações por parte das organizações que querem manter uma posição competitiva. Para produzir inovação é necessário o desenvolvimento de competências internas que permitam a existência de um ambiente colaborativo e favorável à concepção de novas idéias. O pensamento dominante sobre a economia industrial das organizações abordando as ligações entre o ambiente interno e externo já não estava mais satisfazendo os estudos e baseando-se em escritores como David Ricardo, Joseph Shumpeter e Edith Penrose, mais atenção passou a ser dada às atividades relacionadas aos recursos e capacidades das empresas (GRANT, 1991).

Na década de 90, manifestou-se uma nova abordagem que resgatou a análise organizacional sob a perspectiva interna, sustentando que o resultado superior, ou a vantagem competitiva, se relaciona à existência de diferenças internas entre as firmas.

Nesse sentido, o objetivo do artigo é analisar as estratégias empreendidas por empresas de micro e pequeno porte do segmento de fast food da cidade de João Pessoa sob a ótica da Visão Baseada em Recursos (RBV). As questões de pesquisa neste artigo são: Quais os recursos e capacidades (tangíveis e intangíveis) de cada organização? Como são avaliados os recursos e capacidades em termos dos seus potenciais para gerar vantagens competitivas sustentáveis? A justificativa para realização dessa pesquisa se embasa no fato de que poucas empresas de micro e pequeno porte permanecem no mercado após cinco anos de abertas (SEBRAE, 2010). Com isso, é interessante conhecer um pouco mais a respeito da realidade das empresas que ultrapassam esse período crítico de seus negócios e ainda compreender como ocorre a execução de estratégias dentro delas para permanecerem por mais de cinco anos no mercado.

Através de diferenças internas entre as empresas é possível alcançar vantagens competitivas em uma mesma indústria. Entre essas diferenças, a disponibilidade de recursos e capacidades, com suas características e utilização dentro das decisões administrativas é que vão permitir a obtenção de vantagem competitiva. Portanto, a exploração dos recursos e capacidades de uma firma apresenta suporte ao posicionamento estratégico (DIERICKX, COOL,1989; GRANT, 1991).

A indústria de alimentos tem grande força frente aos outros setores da indústria no Brasil. Internacionalmente, é um dos setores de negócio que mais tem representatividade no superávit setorial na carteira de exportação brasileira. Os vários momentos de turbulência vividos nos últimos anos pelo mercado financeiro não foram suficientes para sua derrocada. Na verdade, com a força dessa indústria que impulsiona o país, é possível ter uma previsão de crescimento favorável. Na mesma rota, é possível afirmar que o setor de fast food também caminhe nessa maré positiva. Como a vida hoje exige cada vez mais tempo para o trabalho e menos para as reuniões familiares ao redor da mesa para as refeições, este setor se insere como alternativa a essa vida corrida. É uma forma rápida, eficaz e que muitas vezes substitui uma refeição completa por ser de fácil preparo e de fácil aceitação (ABF, 2010).

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Fast-food é o nome genérico dado a refeição que tem como característica o preparo rápido e servido em um curto intervalo de tempo. Muitos desses produtos são consumidos diariamente no Brasil como sanduíches, pizzas e pastéis. Muitas dessas refeições são preparadas em estabelecimentos que pertencem a grandes redes empresarias de alimentos. O fast-food virou um símbolo da vida corrida que as pessoas estão sendo submetidas desde o final do século XX (ABF, 2010).

Ou seja, isto mostra a força que esse tipo de refeição ganhou no decorrer desse período apenas por suprir uma necessidade básica e que tem fácil acesso devido a quantidade de estabelecimentos espalhados no mercado. Corroborando com essa visão, Ortigoza (1997) menciona que o fast food é um novo hábito brasileiro não só nas metrópoles, mas nas cidades de médio porte também, como significado de inserção no mundo global, moderno e onde a velocidade está sempre presente. Isto confirma a vocação de João Pessoa-PB como um nicho para este mercado.

De qualquer forma, como foi constatado nesta pesquisa, a maioria dessas empresas que servem fast-food não necessariamente pertecem às grande redes de empresas de alimentos, mas também à micro e pequenas empresas familiares locais que comercializam seus produtos mesmo com a presença dessas grandes redes. É interessante ressaltar que mesmo com a chegada de grandes redes nacionais e internacionais de fast food nos últimos anos, ou seja, empresas de grande porte, as lanchonetes locais, foco desta pesquisa, continuam inseridas neste mercado, mantendo sua clientela e não perdendo espaço para esses novos concorrentes que se instalaram na cidade de João Pessoa-PB.

1.1 Apresentação das empresas pesquisadas Como forma de manter a imparcialidade, a apresentação das empresas foi feita por

ordem alfabética de seus nomes: A Samaritana Lanches, Cachorro Quente do Zé e Lanche do Jorjão.

Empresa 1 - A Samaritana Lanches - caracteriza-se por ser uma empresa familiar de pequeno porte. Está há 45 anos no mercado e possui 4 filiais. Cada unidade é administrada por integrante da familia. Possui público variado e credita-se isso ao fato da sua localização fácil, com acesso por pessoas de todas as idades, gênero e classe social. Seu principal produto é a combinação do cachorro-quente com caldo de cana, combinação característica e cultural da empresa, fazendo parte de sua história desde quando começou até hoje. Com cardápio sortido, oferece ainda outros tipos de sanduíches, espetinhos e bebidas variadas. Possui ainda o serviço de tele-entregas.

Empresa 2 - Cachorro Quente do Zé - caracteriza-se por ser uma empresa familiar. Está há 35 anos no mercado e possui 3 unidades. Cada unidade é administrada por um membro da família. Possui um público diversificado, que pode ser explicado pela sua atuação em variadas regiões da cidade. Seu principal produto, como o próprio nome já diz, é o cachorro-quente, que pode ser combinado com o tradicional caldo de cana, refrigerantes e sucos. Mostrando assim uma combinação característica de um lanche rápido. Existem ainda outras opções de sanduíches na empresa, mas não se compara à demanda pelo seu principal produto, o cachorro-quente. A empresa possui ainda o serviço de tele-entregas.

Empresa 3 - Lanche do Jorjão - caracteriza-se por ser uma empresa familiar. Está no mercado há 23 anos. A empresa é administrada por 3 sócios (sendo dois da mesma família). Seu público é bastante amplo e diversificado, com clientes advindos tanto das redondezas como também de bairro mais afastados. Uma forte característica da empresa é o seu cardápio variado, que apresenta desde sanduíches, doces, sucos, refrigerantes, saladas e sopas,

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apresentando, então, lanches rápidos assim como refeições, além de um atendimento diferenciado pela utilização de recursos tecnológicos (palm top). Além dos produtos alimentícios, a empresa também oferece serviços de recarga de telefonia celular e tele-entregas.

O trabalho está organizado da seguinte maneira. Na primeira etapa, apresentam-se as idéias centrais referentes à visão baseada em recursos como fontes de vantagem competitiva. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos empregados no estudo. E por fim, expõem-se os resultados encontrados e reflexões a respeito do assunto.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Os recursos e capacidades como fontes de vantagem competitiva

As organizações como um todo, sejam elas locais ou estrangeiras, micro ou grandes, necessitam sempre encontrar uma forma de diferenciar-se no mercado. A competição por marketshare, dos mais diversos segmentos, cada dia mais toma novas dimensões de concorrência. Novas empresas, muitas delas não necessariamente legalizadas, surgem para desafiar aquelas que competem na forma da lei e que pagam seus tributos. Inclusive esta é uma situação que já causa deslealdade de concorrência, afinal, a empresa que não paga seus tributos tenderá a vender seu produto com um valor menor do que aquela que cumpre com a lei, por motivos óbvios e já conhecidos pelos profissionais do mercado e acadêmicos do mundo corporativo.

Este é apenas um exemplo da situação por qual passam as empresas no dia a dia para enfrentarem seus concorrentes e se sobressaírem. Desta forma, é necessário um mecanismo estratégico para que as organizações tenham uma forma de alcançarem vantagem competitiva frente aos seus pares no mesmo mercado, inclusive as não legalizadas já que sabemos de sua existência e, muitas vezes, também sabemos da precária atuação dos governos para combatê-las. A visão baseada em recursos é uma poderosa teoria para explicar os fatores internos nas organizações, fazendo com que as empresas olhem pra dentro delas mesmas e destaquem suas características mais fortes e importantes para que possam fazer diferença entre as outras no mercado e possibilitando obter alguma vantagem.

A ideia de analisar a empresa a partir do seu ambiente interno foi iniciada em 1959, com os escritos de Penrose e a questão passou a ser abordada mais formalmente em 1973, a partir do trabalho de Rubin (WENERFELT, 1984). Os recursos e os produtos de uma empresa representam o mesmo lado da moeda, visto que os produtos necessitam de diversos recursos e ao mesmo tempo, esses recursos podem ser utilizados em inúmeros produtos. Um recurso pode ser entendido como força ou fraqueza de uma empresa e ainda podem ser caracterizados como tangíveis ou intangíveis. Como exemplos de recursos têm-se as marcas, capital, conhecimento tecnológico, recursos humanos qualificados, entre outros. Cabe à empresa identificar quais são os seus melhores recursos e também quais são os seus pontos fracos, para que possam ser explorados e trabalhados para serem utilizados estrategicamente e assim aumentar a disputa pela diferenciação, como também a dificuldade de serem imitados pela concorrência (WENERFELT, 1984; PRAHALAD; HAMEL, 1990).

A visão baseada nos recursos da empresa tem como intuito objetivar um modelo de desempenho a partir dos seus recursos e capacidades como forma de se obter vantagem competitiva frente a seus concorrentes (BARNEY; HESTERLY, 2007). Os recursos e

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capacidades de uma organização podem fazer por ela o que muitas vezes outros movimentos ditos estratégicos não cumprem com sua função, sejam por motivos de má implementação ou por ineficácia de seus resultados. Os recursos e capacidades internas das empresas são adequados para direcionar suas estratégias, assim como podem ser também fontes primárias de lucros (GRANT, 1991). A seguir, algumas abordagens acerca da visão baseada nos recursos serão revistas para uma melhor explanação do seu conceito.

Os pioneiros, também chamados de first movers, são aqueles que detêm previamente um recurso e passam a desfrutar de uma proteção com relação à concorrência, construindo, dessa forma, uma posição de barreira de recursos, visto que criarão dificuldades para os novos entrantes, podendo atuar de forma similar às barreiras de entrada e permitindo o alcance de retornos potenciais e distanciamento das outras empresas. (WENERFELT, 1984; GRANT, 1990) “(...) o que uma empresa quer é criar uma situação em que sua própria posição de recurso a torne direta ou indiretamente mais difícil para os outros alcançá-la” (WENERFELT, 1984, p. 183)

Uma empresa que desfruta de uma posição forte no mercado possui diversas maneiras de influenciar os custos e as receitas de uma concorrente que ocupe uma posição mais fraca. Alguns exemplos abordados são a capacidade de maquinaria (ex: produção em larga escala), lealdade do cliente, experiência de produção e liderança tecnológica. As fusões e aquisições apresentam-se como outra grande oportunidade de adquirir recursos que não poderia ser alcançados de outro modo. (WENERFELT, 1984)

Entrar na disputa no acirrado mercado competitivo requer das empresas o desenvolvimento de habilidades e competências essenciais que sirvam de sustentação no mercado em busca da liderança. Preço e desempenho são considerados parâmetros básicos para continuar competindo no mercado, visto que apenas liderar em custos e qualidade já não é um fator preponderante na diferenciação. A identificação e a correta utilização das competências essenciais dão acesso a um amplo mercado de possibilidades, contribuindo positivamente na definição dos produtos base e, consequentemente, sobre os produtos finais (PRAHALAD; HAMEL, 1990). Vale salientar ainda que a necessidade desta competência base, desenvolvida pela empresa, seja difícil de ser imitada pelas empresas concorrentes, além de perceber ainda quantos benefícios a mesma pode proporcionar se devidamente utilizada e quais limitações sofridas caso não sejam desenvolvidas.

A visão baseada nos recursos indica algumas condições para que as empresas possam utilizar para alavancarem seus recursos e capacidades de forma a se destacarem positivamente no mercado: (1) heterogeneidade, (2) limites à concorrência ex post, (3) mobilidade imperfeita e (4) limites à concorrência ex ante. Como ponto crucial desta análise, a heterogeneidade do mercado faz com que muitas organizações atuem cada uma a seu modo em possibilidade de recursos. E é exatamente esta diferença entre elas que fará com que uma tenha mais sucesso sobre a outra, exatamente na correta utilização dessas capacidades (PETERAF, 1993), visão esta compartilhada com Barney e Hesterly (2007).

A RBV possibilita ajudar os gerentes no nível estratégico de negócio único onde eles podem diferenciar entre recursos que podem dar suporte a uma vantagem competitiva de outros menos eficazes. Não basta apenas identificar os recursos e capacidades das firmas, mas avaliar o seu potencial de geração de vantagens competitiva, bem como a possibilidade de apropriação de seu retorno para que as estratégias sejam mais bem desenvolvidas e selecionadas, explorando os recursos e capacidades, aproveitando as oportunidades externas (GRANT, 1991)

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2.2 O Modelo VRIO e as competências centrais

A RBV tem dois focos centrais que merecem importante atenção por parte das organizações em relação a seus recursos e capacidades: a heterogeneidade de recursos e a imobilidade de recursos (PETERAF, 1993). Ambos os casos necessitam ser levados em consideração porque é preciso compreender que ambos podem ser controlados e podem levar as organizações a obterem a vantagem competitiva necessária para se diferenciarem no mercado. Juntos, esses dois focos podem explicar porque algumas empresas que atuam no mesmo setor superam seus pares de forma mais eficaz.

Neste caso, quando uma empresa possui algo valioso, que poucos dos seus concorrentes possuem no mercado, e que, se estes considerarem muito caro para imitar estes recursos e capacidades, esta organização terá recursos tangíveis ou intangíveis que lhe permitem obter os lucros que desejam. Esta é uma forma de se manter no mercado a frente de seus concorrentes no segmento o máximo de tempo possível com uma estratégia que lhe forneça uma vantagem competitiva sustentável (BARNEY; HESTERLY, 2007). A disponibilidade de um recurso valioso na empresa torna a empresa apta a desenvolver melhores atividades, inclusive a baixo custo em relação aos seus concorrentes (COLLIS; MONTGOMERY, 2008), mas a disposição de um recurso que pode ser perfeitamente negociável no mercado ou perfeitamente imitável, não certifica a sustentabilidade da vantagem competitiva (DIERICKX; COOL, 1989).

A abordagem do modelo VRIO de diagnóstico surge para saber se esses recursos e capacidades tangíveis ou intangíveis têm algum potencial para obtenção de vantagem competitiva. As questões levantadas dizem respeito a: (1) valor, (2) raridade, (3) inimitabilidade e (4) organização (BARNEY; HESTERLY, 2007). Caso essas características não estejam presentes nos recursos desenvolvidos pela organização, a obtenção das vantagens serão dificultadas e até não alcançadas. Com relação à inimitabilidade, os recursos só serão fonte de vantagem competitiva se as empresas que não as possuem tiverem um custo muito elevado para obtê-las, obviamente comparadas às outras empresas que já as tem. Esta visão é corroborada por Peteraf (1993) quando cita sua condição de limites à concorrência ex post.

Para saber se certos recursos e capacidade são realmente valiosos e competitivos, eles precisam passar por testes de mercados externos. Os cinco testes propostos são: inimitabilidade, durabilidade, apropriabilidade, substitutibilidade e superioridade competitiva (COLLIS; MONTGOMERY, 2008). Quanto mais os gestores consigam elaborar estratégias para evitar o quanto puderem a cópia dos seus recursos por parte dos seus concorrentes, mais vantagens competitivas estarão agregando ao seu negócio. Vale salientar que tanto Peteraf (1993) quanto Barney e Hesterly (2007) também comungam desta idéia.

O teste da substitutibilidade, onde é suposta a situação de que se um único recurso pode ser superado por um recurso diferente também é dividida por Peteraf (1993) na sua condição de limites à concorrência ex post e também por Porter (1985) em uma de suas cinco forças competitivas. É interessante mencionar o teste de superioridade competitiva, onde uma empresa deve comparar um recurso interno com um recurso da concorrência para saber se realmente tem alguma vantagem competitiva ou não. Em caso positivo, este recurso deve ser declarado sua core competence (COLLIS; MONTGOMERY, 2008).

O retorno dos ganhos advindos dos recursos e capacidades da firma depende da sustentabilidade da vantagem competitiva desses recursos e capacidades, bem como da habilidade das empresas em apoderar-se dos ganhos oriundos destes. Durabilidade, replicabilidade, transparência e transferibilidade são as características determinantes de sustentabilidade de vantagem competitiva dos recursos e capacidades apontados por Grant

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(1991). Essas características irão influir diretamente nas estratégias a serem desenvolvidas pela organização, que, consequentemente, sofrerá os efeitos causados por alguma falha no desenvolvimento dos recursos e capacidades que por ventura vierem a acontecer.

Com é possível perceber, as visões de alguns autores são entrelaçadas. Isso mostra uma sintonia de conceitos e também afirma uma possibilidade de interpretações mais acuradas no que diz respeito à pesquisa a ser realizada. A visão baseada nos recursos, de acordo com o que foi levantado até então, tem bastante força de embasamento dos objetivos propostos para esta pesquisa. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, que nos últimos 30 anos ganhou mais espaço principalmente nas áreas da psicologia, educação e administração de empresas. Neste tipo de investigação, o pesquisador busca perceber os fenômenos diante da perspectiva dos participantes da situação analisada e, a partir daí, busca interpretar os fenômenos estudados (NEVES, 1996).

Este trabalho configura-se como um estudo de campo, realizada através de uma investigação empírica, caracterizada por uma pesquisa exploratória e explicativa, tendo em vista que buscou-se compreender aspectos de uma determinada população ou fenômeno estudado, neste caso, a partir da teoria da visão baseada em recursos (VERGARA, 2009). No nível exploratório, a intenção é aprofundar algo em que não há demasiado conhecimento aprofundado na área, desta forma contribuindo neste acúmulo. Basicamente é o que acontece nos casos pesquisados neste estudo, onde não havia tantos esclarecimentos acerca das estratégias empreendidas por micro e pequenas empresas, mais especificamente, no segmento de fast food da cidade de João Pessoa-PB. E no nível explicativo, a finalidade é desvendar os motivos do por que algo está acontecendo, ou seja, esclarecer a ocorrência de determinado fenômeno.

Desta maneira, a intenção é compreender como empresas de micro e pequeno porte conseguem sobreviver no mercado por mais de cinco anos na referida cidade, visto que a rotatividade e concorrência nesse ramo de negócios são altos e que apenas alguns poucos perduram (SEBRAE, 2010).

Quanto aos meios de investigação, para responder as questões de pesquisa propostas, o método utilizado foi o de estudo de caso. “O estudo de caso é uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2004, p. 32). É uma forma comumente utilizada quando se quer descobrir o “como” e o “por que” de determinado fenômeno. A utilização do método de estudo de caso é pertinente quando se quer lidar com condições contextuais, acreditando que elas possam ser altamente relevantes ao fenômeno que se deseja estudar. O estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinar acontecimentos contemporâneos, quando comportamentos relevantes não podem ser manipulados (YIN, 2004).

Assim sendo, foram utilizados para aprofundamento do referido fenômeno os estudos de casos múltiplos. “O resultado da replicação de casos individuais contribui sobremaneira para a validade externa ou generalização de suas descobertas” (MERRIAM, 1998, p. 212). Esta abordagem dá embasamento para compreender as visões de alguns empreendedores para conseguirem permanecer num mercado tão concorrido. Desta forma, foi utilizado como critério para escolha das empresas pesquisadas o período mínimo de cinco anos de existência no mercado de “fast food” de João Pessoa-PB. De acordo com os dados do SEBRAE (2010)

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é nesse período que muitas micro e pequenas empresas fecham suas portas. A seleção dos sujeitos ocorreu com base nos critérios de acessibilidade e no potencial de contribuição dos mesmos para o alcance dos objetivos da pesquisa. Assim, foram entrevistados os proprietários das empresas A Samaritana Lanches, Cachorro Quente do Zé e Lanche do Jorjão, com, respectivamente, 45 anos, 35 anos e 23 de atuação ininterrupta no mercado. Todos os proprietários permitiram que fossem citados os nomes das suas empresas neste estudo. A pesquisa foi realizada no mês de Dezembro de 2009.

A coleta de dados primários foi feita através de observação direta e entrevista semi-estruturada, com 48 questões, dividida em duas partes. A primeira, buscando identificar a empresa e informações gerais como sua história e funcionamento e a segunda parte, com perguntas relacionadas à teoria estudada. A entrevista foi a principal fonte da coleta dos dados, realizada diretamente com os proprietários das empresas já citadas, gravada em meio digital com a permissão dos mesmos e transcritas ipsis verbis para posterior análise dos dados.

Quanto à análise dos dados, esta constou de três fases. Na primeira fase foi realizada a caracterização da empresa, apresentando suas principais características, mencionando suas unidades extras, localização, perfil de público e principais produtos ofertados. Na segunda fase, foram analisados individualmente os recursos e capacidades de cada empresa, à luz da teoria da visão baseada em recursos (RBV), fazendo as relações possíveis dentro do arcabouço teórico e a união com a realidade encontrada em campo. E por fim, foi feita a comparação entre as estratégias adotadas em relação aos recursos e capacidades de cada empresa, focando as possíveis contradições ou similaridades encontradas entre elas. 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 4.2 Análise de resultados da Empresa 1 – A Samaritana Lanches

A Samaritana Lanches aposta no seu tradicional cachorro-quente com caldo de cana e sua localização e estrutura física como fonte de vantagem competitiva. O tempo de mercado e o know-how adquirido com a experiência permitiram a ela agregar valor a sua marca. As competências base (PRAHALAD; HAMEL, 1990) da empresa são retratadas pela união da família e os esforços em construir uma empresa com todos os objetivos voltados para a satisfação das necessidades dos seus consumidores.

Essas competências são alcançadas principalmente através do desenvolvimento de capacidades intangíveis, como por exemplo, o seu bom atendimento, visto que seus colaboradores estão constantemente envolvidos em treinamentos e investimentos realizados na contratação de funcionários que estão em seu primeiro emprego, uma forma muitas vezes considerada mais cara e trabalhosa, mas que permite que a empresa treine o funcionário a trabalhar conforme os padrões exigidos na firma e assim entender e assimilar os valores cultivados por ela.

Como principais recursos tangíveis, foram destacados o produto (cachorro-quente e caldo-de-cana), bem como sua estrutura, ampla e aconchegante para seus clientes. Avaliando ainda o potencial competitivo da empresa, quanto a detenção de recursos considerado raro, ou seja, que somente ela tenha frente aos concorrentes, a resposta obtida foi o relacionamento entre a empresa e seus clientes e o alcance da alta fidelização destes (BARNEY, HESTERLY, 2007).

O nome A Samaritana Lanches foi considerado como seu principal recurso intangível, visto que esta marca já possui uma credibilidade no mercado (BARNEY, HESTERLY, 2007).

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O proprietário considera a produção do cachorro-quente, como o recurso fundamental que o torna único e inimitável para os concorrentes. O sabor do seu produto e o tratamento dado aos clientes e seu relacionamento com eles de maneira geral são considerados valiosos e insubstituíveis aos olhos do consumidor, questões evidenciadas nos estudos de Barney e Hesterly (2007), como também por Collis e Montgomery (2008) que mostram ainda a importância de se conhecer bem os recursos e capacidades da empresa para alcançar vantagens competitivas.

Existem ainda capacidades a serem desenvolvidas pela empresa que a permita explorar outros mercados (PRAHALAD, HAMEL, 1990), como o oferecimento de novo produtos, como por exemplo, pizzas, café expresso e sorvetes, que poderão agregar mais valor ao já variado cardápio oferecido pela empresa. Essas novas opções estão sendo pensadas para agradar ainda mais aos seus clientes, mas sem descaracterizar a lanchonete e o seu produto tradicional.

Ao ser questionado se outra empresa obteria as mesmas vantagens da Samaritana Lanches, montando uma unidade contendo os mesmos equipamentos, contratando ex-funcionários em uma localização favorável, o proprietário argumenta que seria possível sim obter as mesmas vantagens desde que se conseguisse imitar ainda o carisma que a empresa possui perante os clientes e a mesma dedicação que ele e sua família entregam à empresa. Neste caso, a principal barreira de entrada constatada para aqueles que desejam investir na área é o alto valor de investimento necessário para montar a empresa (compra de equipamentos, instalações, contratação de mão-de-obra, entre outros) e os retornos não são imediatos, além da dificuldade em adquirir tais recursos e capacidade intangíveis (fidelização dos clientes, dedicação aos negócios), portanto, a existência dessa barreira, transforma-se em barreiras de recursos e permite a possibilidade de um bom retorno e detenção de uma vantagem competitiva (WENERFELT, 1984; GRANT, 1991; PETERAF, 1993).

Quanto aos produtos substitutos e a avaliação da existência deles como forma de impactar os recursos e capacidades que sustentam a vantagem, conforme tratado por Collis e Montgomery (2008) e Peteraf (1993), a empresa aponta a pizza, mas não credita a possibilidade de substituição por ela. A qualidade do seu produto e do seu relacionamento com o cliente permite a existência desses produtos conjuntamente, sem causar perdas.

Os recursos que a empresa possui têm um alto valor dentro da empresa, como também fora da empresa, tendo em vista que inúmeras propostas de compra foram realizadas e negadas pelo fato de não ser de interesse de seus administradores, que pretendem fazer que o negócio continue a prosperar com todos da família trabalhando nele. Caso houvesse a necessidade de repassar ou se desfazer dos ativos da empresa, o empresário considerou que seria fácil de acontecer, indo de encontro à questão da imobilidade imperfeita abordada por Peteraf (1993).

De uma maneira geral, o que parece explicar A Samaritana Lanches estar nesse mercado há tanto tempo, é principalmente o esforço de seus proprietários em construir uma empresa voltada para a plena satisfação dos desejos de seus clientes com o oferecimento de produtos e serviços de qualidade, a busca pela inovação e a preocupação com seu público consumidor, que proporcionaram a construção de uma marca forte e respeitada no mercado e alta fidelização dos seus clientes. 4.3 Análise de resultados da Empresa 2 - Cachorro Quente do Zé

O Cachorro Quente do Zé tem como principal característica, de acordo com seu proprietário, o seu principal produto, o cachorro-quente. De uma forma geral, ele preza por

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sempre estar mantendo a qualidade e o seu sabor iguais ao longo de sua existência, não sofrendo alterações e sempre agradando aos seus clientes. As competências essenciais identificadas na empresa (PRAHALAD; HAMEL, 1990) é a manutenção do seu principal produto comercializado, o cachorro-quente, destacando o tempero da sua carne e os ingredientes utilizados na fabricação do produto, aliado ao eficiente atendimento que o diferencia das demais empresas do ramo. Saber o que está fazendo, ou seja, o know-how que o proprietário possui em fabricar cachorro-quente é destacado como um importante recurso, permitindo assim a diferenciação de outras empresas no mercado. (WENERFELT, 1984; PRAHALAD; HAMEL, 1990; GRANT, 1991; PETERAF; 1993; BARNEY; HESTERLY, 2007).

Com relação aos seus recursos e capacidades, o proprietário atribui que o seu conhecimento sobre o produto juntamente à qualidade dos produtos selecionados e a sua experiência em fazer e vender cachorro-quente confere-lhe características que o tornam único e inimitável para os concorrentes. O sabor do seu produto e o atendimento são considerados valiosos e insubstituíveis aos olhos do consumidor, assunto levado bastante em evidência por Barney e Hesterly (2007), como também por Collis e Montgomery (2008) que evidenciam ainda a importância de se conhecer bem os recursos e capacidades da empresa para alcançar vantagens competitivas.

O atendimento foi considerado como seu principal recurso intangível. O atendimento ainda foi assunto de destaque na análise de quais seriam as atividades que mais contribuem para aumentar a percepção de benefícios por parte dos clientes, apresentando com uma competência essencial neste negócio (PRAHALAD; HAMEL, 1990). Entretanto, quando questionado sobre qual ponto a empresa precisa desenvolver recursos e capacidades que ainda faltam para atender as necessidades dos clientes, foi citada a questão do espaço físico do salão, que precisaria ser maior para acomodar seus clientes mais confortavelmente e evitar que os mesmos esperem do lado de fora nos horários mais movimentados. Esse argumento é corroborado por Grant (1991), quando aborda em seu framework que um dos procedimentos para alcançar vantagem competitiva é o preenchimento das lacunas de recursos.

O proprietário afirma que esse mercado de lanchonetes é competitivo devido seus produtos serem fáceis de produzir, no sentido de ser fácil montar a estrutura de loja e montar o produto, unindo o pão, a salsicha, verduras e a carne. Mas o que vai determinar o sucesso de uma empresa em detrimento da outra é o conhecimento na área. Todos os produtos que compõem o cachorro-quente são de livre acesso a qualquer comerciante na área, todos possuem os mesmos fornecedores, mas o que vai diferenciar, gerando as vantagens entre eles são a forma de fazer e preparar o produto de forma que fique realmente gostoso, e isso é o mais difícil.

Outros empreendedores já abriram lanchonetes, com o mesmo tipo de produto, vizinhas ao ponto do Cachorro Quente do Zé e depois fecharam porque não tinham condições de concorrer com seu produto. Neste caso, mesmo o proprietário dizendo que não tem como impedir a entrada de novos concorrentes nesse mercado, é possível perceber claramente a existência de barreiras de entrada, que indicam um alto potencial de retorno para a empresa, já que esta detém uma vantagem (WENERFELT, 1984; GRANT, 1991; PETERAF, 1993).

As capacidades em uma organização que são difíceis de imitar pela concorrência acabam se tornando valiosas. Isso acontece devido à desvantagem do outro competidor em obtê-las ou dificuldade de desenvolvê-las (BARNEY; HESTERLY, 2007). É perceptível que a qualidade inserida no produto do Cachorro-quente do Zé é difícil de ser imitado, já que muitos já tentaram e falharam. Ou seja, sua vantagem competitiva está intrinsecamente relacionada à capacidade de manutenção das características principais do seu produto ao

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longo do tempo (PETERAF, 1993). Os mecanismos utilizados para evitar a imitação por parte da concorrência são: o acesso limitado à fórmula do tempero da carne, os empregados não têm acesso a essa informação, somente o proprietário e seus filhos donos das filiais. Isso remete ainda às questões de inimitabilidade abordado por Barney e Hesterly (2007) e a transparência, discutida por Grant (1991).

Com relação aos produtos substitutos e a avaliação da existência destes como forma de impactar os recursos e capacidades que sustentam a vantagem conforme tratado por Collis e Montgomery (2008) e Peteraf (1993), a empresa não demonstra nenhum tipo de preocupação com relação a isso. Os possíveis produtos apontados como substitutos seriam os sanduíches e as pizzas e mesmo com a chegada das grandes redes de fast food à cidade não impediram o crescimento do negócio.

Caso houvesse a necessidade de repassar ou se desfazer dos ativos da empresa, o empresário considerou que seria fácil de acontecer, indo de encontro à questão da imobilidade imperfeita abordada por Peteraf (1993). Os recursos que a empresa possui tem um alto valor dentro e fora da firma, tendo em vista que inúmeras tentativas de compra, de sociedade e implantação de franquias já foram oferecidas e todas negadas pelo fato de não ser de interesse de seus administradores.

Portanto, o que explica a sua empresa estar nesse mercado há tanto tempo são as características essenciais do produto, que não foram criadas de qualquer maneira, mas sim construídas ao longo do tempo, pois foram anos desenvolvendo um tempero específico com capricho e dedicação até encontrar o ponto ideal que agradasse a sua freguesia, a preocupação em atender bem os clientes, oferecendo produtos de qualidade que ficaram registrados na reputação do Cachorro Quente do Zé. 4.4 Análise de resultados da Empresa 3 – Lanche do Jorjão

O Lanche do Jorjão tem como principal característica, de acordo com seu proprietário, a diversificação do seu cardápio, que lhe dá uma condição bastante conveniente, abrangendo praticamente todos os tipos de refeição em seus respectivos horários. Isso faz com que ele não se restrinja apenas aos lanches rápidos, oferecendo também refeições mais completas como café da manhã, almoço e jantar.

Mesmo assim, essa diversificação não faz com que seus serviços sejam difíceis de imitar. Na verdade, buscou-se aplicar à empresa mecanismos que lhe façam obter alguma vantagem sobre seus concorrentes. A empresa utiliza palmtops para agilizar o atendimento dos pedidos junto aos clientes, fazendo com que o processo de comanda fosse mais ágil. O garçom tem a autonomia de realizar diversas atividades pelo aparelho, ganhando tempo e facilitando o atendimento. Ainda segundo o proprietário, outro mecanismo implantado para fazer diferença frente a seus competidores foi o sistema de internet sem fio (Wi-Fi), que permite ao seu cliente usar uma conexão gratuita tendo conveniência de usar seu computador enquanto desfruta de suas refeições. Todos esses mecanismos foram formas de agregar valor aos seus produtos e tornar isso visível aos seus clientes, sendo considerado como pontos fortes da empresa (WENERFELT, 1984; PRAHALAD, HAMEL, 1990; GRANT, 1991; PETERAF; 1993; BARNEY E HESTERLY, 2007).

A competências essencial (PRAHALAD; HAMEL, 1990) da empresa é o oferecimento de produtos e serviços de qualidade a um preço justo. Ou seja, a disponibilização de uma comida caseira com um preço adequado. O know-how adquirido nos 23 anos de existência da firma é um importante recurso, permitindo assim a diferenciação de

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outras empresas no mercado. (WENERFELT, 1984; PRAHALAD; HAMEL, 1990; GRANT, 1991; PETERAF, 1993; BARNEY; HESTERLY, 2007).

Com relação aos seus recursos e capacidades, foi destacada a primazia pela prestação de um bom atendimento, que lhe concede características que o tornam único e inimitável para os concorrentes. A tradição de sua empresa no mercado local como também os vínculos criados com seus clientes a partir de um bom relacionamento são considerados valiosos e insubstituíveis aos olhos do consumidor, assunto debatido por Barney e Hesterly (2007), como também por Collis e Montgomery (2008) que evidenciam ainda a importância de se conhecer bem os recursos e capacidades da empresa para alcançar vantagens competitivas.

Os recursos tangíveis destacados foi o oferecimento de um produto de qualidade e a utilização de tecnologia da informação (palmtops, Wi-fi). Ao avaliar o potencial competitivo da empresa (BARNEY, HESTERLY, 2007), foi questionado se a mesma dispunha de algum recurso considerado raro, ou seja, que somente ela tenha frente aos concorrentes e a resposta obtida foi o know-how que a empresa possui na área em que atua durante tantos anos, que a proporciona um conhecimento que outras empresas não possuem.

O relacionamento com seus clientes foi considerado um importante recurso intangível assim como o know-how adquirido nesses anos de atuação (BARNEY; HESTERLY, 2007; PRAHALAD; HAMEL, 1990). O tratamento dado ao cliente e saber escutá-lo foram as percepções de destaque na análise de quais seriam as atividades que mais contribuem para aumentar a percepção de benefícios por parte dos clientes, apresentando-se, portanto como uma competência essencial neste negócio. (PRAHALAD; HAMEL, 1990).

O proprietário argumenta que por se localizar em um bairro relativamente novo e ter em seus arredores bairros mais desenvolvidos e com uma gama maior de empresas interessadas em lá se instalarem, ele acredita ser uma questão de tempo para essas empresas passarem a se interessar por sua região. Portanto, a barreira de entrada identificada para evitar a chegada de novos concorrentes se deve ao fato de sua localização. Pode-se inferir que essa situação permite a empresa desfrutar de uma vantagem (WENERFELT, 1984; GRANT, 1991; PETERAF, 1993).

Os mecanismos utilizados para evitar a imitação por parte da concorrência devem-se à forte presença de sua marca como também o acesso limitado à receita dos seus produtos (PETERAF, 1993), remetendo ainda à questão da transparência, discutida por Grant (1991). Quanto à existência de produtos substitutos e a avaliação deste, conforme tratado por Collis e Montgomery (2008) e Peteraf (1993), como forma de impactar os recursos e capacidades que sustentam a vantagem, a empresa acredita que é possível haver a substituição, desde que se apresentem melhorias de alguns serviços e implantação de novidades. Para evitar a substituição de seus produtos, a empresa trabalha no intuito de sempre estar criando melhorias, trazendo inovações, passando a abrir todos os dias, evitando que a concorrência absorva seu movimento no dia e que está fechada.

Os recursos que a empresa possui tem um alto valor dentro dela como também fora, tendo em vista que já houve tentativas de compra. Caso houvesse a necessidade de repassar ou se desfazer dos ativos da firma, foi considerado que isso seria fácil de acontecer, situação que vai ao encontro à questão da imobilidade imperfeita abordada por Peteraf (1993).

O empresário informou ainda que estão sendo desenvolvidas novas capacidades a serem utilizadas para exploração de novos mercados, com a implantação de serviços de correspondência bancária, possibilitando o pagamento de contas em seu estabelecimento em um horário mais estendido, trazendo diferenciação do seu investimento, além de ser mais um benefício para seus clientes (HAMEL, PRAHALAD, 1990).

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A empresa Lanche do Jorjão elenca em seus produtos e serviços características diferentes e inovadoras frente às outras empresas concorrentes da região, podendo ser considerada uma first mover, aumentando a vantagem competitiva da empresa e gerando ganhos de mercado momentâneos enquanto não são copiados por outros. (WERNERFELT, 1984). É perceptível como a situação vivenciada pelo Lanche do Jorjão vai de encontro ao que se faz para competir e ganhar mais mercado, seja se utilizando de táticas pontuais, ou mesmo alterando a estratégia global da organização (BARNEY; HESTERLY, 2007).

Outro ponto levantado pelo empresário é em relação às melhorias que podem ser feitas para alavancar mais vantagens para seu negócio. Ele enfatiza que a profissionalização da empresa é algo que pode contribuir para o fortalecimento do empreendimento (WENERFELT, 1984, BARNEY, HESTERLY, 2007). Mais especificamente, ele alega que o espaço físico da empresa necessita ser ampliado para facilitar o trânsito dos funcionários e, principalmente, dos clientes, gerando ganho de qualidade tanto no atendimento quanto no conforto. Ainda segundo o proprietário, assim que for possível essa expansão ele alcançará a profissionalização que deseja. Nota-se que a profissionalização mencionada por ele é no sentido de abarcar na sua empresa um clima organizacional mais agradável, seja através da expansão do espaço físico, da melhoria da qualidade no atendimento ou conforto do cliente. Isto significa um preenchimento numa lacuna que a organização tem e que com isso ele pode gerar benefícios futuros em termos de ganho de mercado e acúmulo de clientes (GRANT, 1991).

Portanto, os fatores que explicam a longa existência de sua empresa nesse mercado são: o oferecimento constante de inovações, a contínua busca por diferenciação entre as demais empresas do ramo e o bom relacionamento com seu público consumidor. 4.5 Uma análise geral das estratégias empregadas pelas empresas pesquisadas Todas as empresas pesquisadas apresentam como pontos em comum uma longa existência no mercado de João Pessoa, com uma administração familiar e tendo o início de suas atividades no marcado pela criação de pequenos estabelecimentos, chamados por eles de “barracas”, começando com basicamente os mesmos produtos: o cachorro-quente e o caldo de cana. Ao longo do tempo, foram ampliando seus estabelecimentos e diversificando o seu cardápio de acordo com seus recursos e capacidades e as necessidades dos seus clientes.

Percebeu-se que as empresas sentiram a necessidade de ampliar suas unidades com o intuito de melhor atender aos seus clientes, criando filiais em bairros diversos da cidade e a que possui sede única, o Jorjão lanches, apresenta-se em fase de reestruturação de sua empresa para que possa em breve abrir uma filial, atendendo assim os seus clientes que não moram na região de sua atual localização. Os principais produtos e serviços oferecidos são os lanches rápidos, com exceção da empresa Lanche do Jorjão, que já buscou uma maior diversificação do seu cardápio oferecendo também refeições.

Dentre os pontos fortes (WENERFELT, 1984; PRAHALAD, HAMEL, 1990; GRANT, 1991; PETERAF, 1993, BARNEY HESTERLY, 2007) das empresas, foram citados a sua marca, a qualidade de seus produtos, a localização, atendimento, o tempero, ou seja, todos esses fatores são marcadamente caracterizados como seus recursos e capacidades tangíveis e intangíveis que são criados e desenvolvidos dentro da própria empresa para serem utilizados na formulação de suas estratégias e assim atingir vantagens competitivas sustentáveis..

Outro ponto em comum entre as empresas pesquisadas foi o fato de elas acreditarem que não impõem nenhum tipo de barreira de entrada percebível para que novos concorrentes

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se insiram no setor e obtenham as vantagens competitivas similares à sua, mas na verdade, todas elas apresentam barreiras de recursos que dificultam a chegada de novos entrantes e garantam para elas altos retornos potenciais (WENERFELT, 1984; GRANT, 1991; PETERAF, 1993). Como exemplo podem ser citados o relacionamento com seus clientes, a preocupação com a qualidade do atendimento e do produto oferecido, a busca constante por inovações tanto no que diz respeito ao oferecimento de novos produtos bem como a inserção de tecnologias. O cuidado com os produtos desenvolvidos utilizando materiais selecionados, eficiência do atendimento, know-how e a capacidade de inovação, como forma de estarem surpreendendo seus clientes, são de maneira geral o que permite a empresa manter e sustentar vantagem competitiva através de seus recursos (PETERAF, 1993). Os mecanismos adotados pelas empresas para evitar a imitação por parte da concorrência devem-se, de maneira geral à forte presença de sua marca como também o acesso limitado à receita dos seus produtos, o comprometimento de todos os envolvidos na empresa (PETERAF, 1993).

Com relação aos produtos substitutos e a avaliação deste, conforme tratado por Collis e Montgomery (2008) e Peteraf (1993), como forma de impactar os recursos e capacidades que sustentam a vantagem, as empresas acreditam que prováveis candidatos seriam as pizzarias, e consideram ainda essa possibilidade muito remota, visto que em todo o tempo de existência das empresas pesquisadas e a presença de inúmeras casas de massas não afetaram em nada os seus desempenhos. Para evitar a substituição de seus produtos, as empresa trabalham no intuito de sempre continuar com a prestação dos seus serviços e produtos conservando suas características principais, qualidade conhecida e valorizada pelos seus clientes, como também criando melhorias, fazendo inovações e diversificando o seu cardápio.

Constatou-se ainda que para anular as vantagens dessas empresas não basta apenas comprar o maquinário, contratar ex-funcionários, possuir os mesmos fornecedores e produzir os mesmos tipos de produtos. O que garante o sucesso dessas firmas é a exploração dos recursos e capacidades construídos ao longo de sua existência, que pode não estar na maioria das vezes visíveis aos olhos, mas que fazem toda a diferença no momento de criar suas estratégias e obter vantagens competitivas sustentáveis (DIERICKX; COOL,1989; GRANT, 1991). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção maior do artigo foi descobrir as estratégias empreendidas por empresas do segmento fast food da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, para compreender o motivo de estarem tanto tempo no mercado ininterruptamente. Com isso, foi-se buscar na literatura especializada, fundamentada principalmente na teoria da visão baseada nos recursos (RBV) embasamento para a pesquisa, utilizando-se autores clássicos da área, além de modelos e frameworks criados por estes estudiosos. Todo esse embasamento teve o intuito de estudar e entender as estratégias empreendidas por essas empresas que as permitem atuar com sucesso no mercado e obter uma vantagem competitiva sustentável.

Na análise dos resultados, foi constatada como as três empresas utilizam de seus recursos e capacidades internas para tentarem estabelecer uma vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes. Individualmente, cada uma a sua maneira, utilizam de atributos, muitas vezes comum a todas, como forma de se diferenciarem dos concorrentes. Na análise em conjunto foi confirmado que algumas características, por exemplo, a ampliação de espaço físico, bom atendimento, produtos com qualidade são utilizados por todas elas como forma de manter a demanda já existente e, se possível, atrair mais.

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Portanto, pode-se concluir que o investimento para o desenvolvimento e reconhecimento dos recursos e capacidades das firmas, ou seja, o enfoque no ambiente interno da empresa é uma excelente forma de estabelecer-se no mercado e assim poder concorrer no acirrado ambiente competitivo, pois permite às empresas observarem quais são os seus pontos fracos e fortes, garantido a formulação e utilização de estratégias que garantam efetivamente o alcance de vantagens competitivas sustentáveis.

É recomendado para futuras pesquisas nessa área compreender a visão dos clientes em relação às competências dessas empresas. A visão unilateral do empresário pode ser limitada quanto à percepção do seu próprio empreendimento. Já esta somada à visão do cliente poderia levar a pesquisa a compreender a situação com maior amplitude. 6. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRANCHISING (ABF), em http://www.portaldofranchising.com.br Acesso em 24/04/2010; BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. S. Administração Estratégica e Vantagem Competitiva. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. cap 2, p. 63-98; COLLIS, D. J.; MONTGOMERY, C. A. Competing on Resources. Harvard Business Review, p. 140-150, jul-aug, 2008; COELHO, A. M. R. V. Método do estudo de caso (case studies) ou método do caso (teaching cases)?: Uma análise dos dois métodos no ensino e pesquisa em Administração. Disponível em http://www.pdf4free.com>. Acesso em 19 de julho 2009. DIERICKX, I.; COOL, K. Asset stock accumulation and sustainability of competitive advantage. Management Science, v. 35, n. 12, p. 1504-1511, 1989. GRANT, R. M. The resource based theory of competitive advantage: implications for strategy formulation. California Management Review, v. 33, n.3, p.114-135, 1991. MERRIAM, S. B. Qualitative research and case study applications in education. Jossey-Bass: San Francisco, 1998.

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