Uma no cravo outra na ferradura

8
uma no outra na CRAVO FERRADURA MUSEU MUNICIPAL BENAVENTE DE 29 DE JUNHO A 20 OUTUBRO 2012 a tradição ferreira em BENAVENTE

description

Brochura da exposição "uma no Cravo outra na Ferradura" Museu Municipal de Benavente 2012

Transcript of Uma no cravo outra na ferradura

Page 1: Uma no cravo outra na ferradura

uma no outra na

CRAVOFERRADURA

MUSEU MUNICIPAL BENAVENTE

DE 29 DE JUNHO A 20 OUTUBRO 2012

a tradição ferreira em BENAVENTE

Page 2: Uma no cravo outra na ferradura

a tradição ferreira em BENAVENTE

Page 3: Uma no cravo outra na ferradura

Sinal dos tempos, a partir de meados do século XX, a drástica redução na utilização da tração animal no transporte e nos trabalhos agrícolas determinou o fim deste ofício milenar, pelo menos da forma como se afirmou durante séculos. No entanto, continua a ser necessário ferrar os animais, sobretudo cavalos agora com objetivos de natureza lúdica ou desportiva.

Hoje, a arte de ferrar assenta no mesmo processo tradicional e, embora utilize recursos e algumas ferramentas mais eficazes, continua a ser um trabalho que exige bastante resistência física do homem.

Para nos contarem na primeira pessoa sobre o ofício fomos à conversa com Mestre Roque e Mestre Mesquita e, para nos revelar a dimensão da profissão hoje, conhecemos Francisco Moreira.

A origem remota da expressão está no ato de ferrar os animais, isto é, aplicar pregos (cravos) nos buracos das ferraduras e que ficam espetados obliquamente em relação à pata do animal. Usada em sentido metafórico poderá significar imparcialidade, não comprometimento ou, de forma dúbia, defender duas posições antagónicas ao mesmo tempo. Também se ajusta à expressão, alguns tipos de comportamento, como tomar uma boa atitude e desfazê-la de seguida.

AS FERRADURASÉ milenar a preocupação do homem com a necessidade de proteger os cascos dos animais. Sobretudo nos cavalos domésticos que eram utilizados para percorrerem grandes distâncias, muitas vezes, transportando ou puxando cargas pesadas sobre pisos duros.Os antigos cavaleiros asiáticos já protegiam as patas dos equídeos com sapatinhos de couro e plantas. Os romanos usavam um tipo de ferradura sem cravos, a solea, composta por uma chapa de ferro presa à parte inferior do casco por braçadeiras e tiras de couro. Durante os séculos VI e VII, cavaleiros europeus iniciaram o processo de fixar ferraduras de metal com cravos. Nos séculos século XI e XII, (época das Cruzadas) foram utilizadas na Europa ferraduras de bronze fundido e, um século mais tarde, começaram a ser usadas as ferraduras de ferro.O método de aquecer a ferradura antes de ferrar o animal passou a ser comum a partir do século XVI.

O FERRARO casco (unha) dos animais cresce de forma contínua e renova-se totalmente num período de nove meses. No estado selvagem, existe um permanente equilíbrio entre a velocidade a que o casco se gasta e a velocidade a que cresce. Os animais domesticados são submetidos a maiores esforços e a terrenos mais duros que os pastos macios do seu habitat natural, provocando um desgaste excessivo e não compensado naturalmente. Ferrar é a forma de evitar que o animal fique coxo.

uma no CRAVO outra na FERRADURA

uma no outra na CRAVO FERRADURA a tradição ferreira em BENAVENTE

SOBRE A ARTE DE FERRAR falamos

do mestre ferrador. Mester antigo e de reconhecida importância social, ao ferrador competia colocar as ferraduras aos animais e ainda a capacidade de reconhecer e saber atuar na doença de animais e, tradicionalmente, também das pessoas.

Era, assim, particularmente exigente do ponto de vista do conhecimento e, em rigor, sujeito à existência de diploma para o desempenho de tarefas relacionadas com os tratamentos a aplicar aos animais. Mesmo para a instalação da oficina era necessário a existência de alvará o que permitia a normalização do ofício.

Page 4: Uma no cravo outra na ferradura

OS ANIMAIS

Todos os animais que se destinavam a trabalhos agrícolas, de transporte (tiro) ou de sela precisavam de ser ferrados. As ferraduras tinham de ser mudadas ou ajustadas com regularidade para que os animais pudessem andar confortáveis. Burros, machos e cavalos eram acessíveis de ferrar por serem normalmente mansos. Bastava estarem presos pelo cabeção a uma argola metálica fixada na parede ou ao próprio tronco. Mas, quando necessário, por escoicinharem ou morderem eram imobilizados com uma corda amarrada às três patas que não estavam a ser ferradas. Nos beiços, era colocado o aziar para evitar que o animal mordesse.

Ferrar bois ou vacas era tarefa difícil que exigia alguma habilidade. O animal era introduzido no tronco ficando imobilizado e suspenso, o que não evitava que este rangesse devido à força descomunal da fera. Aos bovinos, aplicavam-se canelos nas unhas constituídos por uma chapa mais fraca que as ferraduras.

“ Registo da obrigação feita por Diogo Portilho, morador em Alhandra, oficial de ferragem e do mais mester, à Câmara de Benavente, para vir ou mandar pessoa hábil todos os meses a esta vila fazer o trabalho de ferrador a toda a pessoa que necessitar, levando 25 reais por ferradura nova, de ferrar 6 reais por cada ferradura, e se for asno 15 reais, dando-lhe a Câmara, por ano 80 sacos de carvão de 6/7 alqueires, entregues no porto da vila. (…) ”

Outubro de 1559In Subsídios para a História Benaventina do século XVI(Sumários de um Livro de Atas da Câmara de 1559 a 1564)

Este registo documental data do século XVI. Possivelmente, não terá sido o primeiro nem o último “oficial de ferragem e do mais mester” a deslocar-se a esta vila para comercializar e ferrar o gado asinino, muar, cavalar e também bovino utilizados pelo homem no transporte e nos trabalhos agrícolas.

Em finais do século XIX (1895), está referenciado um indivíduo, residente em Samora Correia, com a profissão de ferrador, embora não exista informação que nos permita saber onde exercia a atividade. Todo o século XX é fértil em referências a “mestres” ferradores que residiam e exerciam a profissão em Benavente, nas 5 oficinas que funcionaram na vila. A partir da década de 40, também, em Samora Correia, há registos de 2 ferradores com estabelecimentos abertos. No último quartel do século, a profissão está em declínio e as oficinas começam a fechar gradualmente. A última a encerrar portas ainda durou até aos primeiros anos do século XXI. Pertencia ao ferrador José Roque, o último “resistente” no concelho de Benavente.

Os Ferradores:

António Justino d'Oliveira, Samora CorreiaAntónio Rodrigues Guerra, BenaventeJoaquim António Guerra, BenaventeAntónio Marques da Silva, BenaventeAugusto Isidro dos Santos, BenaventeJoaquim Rodrigues Guerra, BenaventeAlfredo Figueira Roque, BenaventeAntónio Luís Guerra, BenaventeAntónio Joaquim Guerra Júnior, Samora CorreiaManuel Cardoso, Samora CorreiaVinício José Figueira, BenaventeJoão Carlos Isidro dos Santos, BenaventeAntónio Mesquita, BenaventeJosé Roque da Silva Catalino, Benavente

OS FERRADORES NO CONCELHO DE BENAVENTE

uma no outra na CRAVO FERRADURA a tradição ferreira em BENAVENTE

Page 5: Uma no cravo outra na ferradura

Abriu portas em novembro de 1938 e sempre funcionou no mesmo espaço até ao seu encerramento, no início do novo século. Alfredo Figueira Roque era já filho de ferrador e aprendeu o ofício com um mestre em Almeirim. Teve como sucessor na arte de ferrar, o seu filho José Roque que manteve a oficina até à aposentação.A oficina não excedia em muito a área de 30 m2. Os equipamentos essenciais para executar as ferragens nos animais eram os seguintes:a forja alimentada com carvão de pedra onde as ferraduras eram aquecidas ao rubro, de modo a poderem ser moldadas;o fole, acoplado à forja, possuía um manípulo que permitia ao ferrador controlar a intensidade das brasas; a bigorna, normalmente apoiada num grande cepo e colocada junto à forja, era onde o ferrador batia as ferraduras quando saiam da forja;o tronco de ferrar, era uma estrutura robusta em madeira, fixada ao solo, utilizada para a ferragem do gado bovino (bois utilizados nos trabalhos agrícolas). Os animais eram aqui presos, amarrados pelos cornos e através de um sistema de roldana com 2 cilhas eram ligeiramente elevados do solo, de modo a permitirem o trabalho do ferrador.

OFICINA DE ALFREDO FIGUEIRA ROQUE

Complementados com outros utensílios como, os malhos e martelo para trabalhar à forja, tenazes para agarrar as ferraduras e um recipiente com água para lhes dar o arrefecimento necessário.Para colocar as ferraduras nas patas dos animais, os ferradores não necessitavam de muitas ferramentas, usavam a turquês para cortar o casco, facas para limpar e desbastar, grosas para nivelar, cravos para fixar a ferradura e martelo.

O avental de cintura, em couro, era peça indispensável dos ferradores para protecção das pernas durante o processo de ferragem, uma vez que aí apoiavam a pata do animal. Muitos usavam um avental maior, de peitilho, que protegia a roupa e o peito das fagulhas libertadas pela forja.Uma grade em madeira, fixada na parede junto à forja, exibia uma série de ferraduras, com diversos tamanhos e feitios.A oficina de Alfredo Roque ainda possuía manjedoura onde os animais aguardavam vez ou, após a ferragem, tinham de esperar pelos donos.

uma no outra na CRAVO FERRADURA a tradição ferreira em BENAVENTE

Page 6: Uma no cravo outra na ferradura

TRATAMENTOS

O conhecimento e a prática exigida ao ferrador no que respeita à anatomia dos animais, permitiu que este homem para além de colocar as ferraduras, tivesse também a capacidade de corrigir, por exemplo, a postura do animal introduzindo ferraduras ortopédicas e ainda que soubesse identificar qualquer maleita ou doença. E, neste sentido, deve referir-se que o ferrador tinha acesso a diversos químicos sabendo como administrá-los.

“ Havia até pessoas (…) que preferiam mais a gente do que o veterinário. Era uma questão de prática…” Palavras de José Roque, o último ferrador de Benavente. Partos a vacas.

Castração a cavalos utilizando talas de madeira de sabugueiro.

Castração de bois por torção - Era torcido à mão e atado com um cordel.

Bestas com broncopneumonias, pneumonias e indigestões - Usando penicilina e mais tarde estreptomicina e outros antibióticos.

Bestas com “aventamentos”, isto é, barrigas cheias de ar que provocavam cólicas aos animais - davam-se a beber garrafadas de chá de marcela com bicarbonato de sódio que provocava a saída de ar. Após este tratamento os animais eram sujeitos a uma dieta até estabilizarem.

Para certas doenças comuns sangravam-se os animais - A renovação do sangue ajudava a combater as infeções.

Cavalos com inflamações na boca e dentes partidos - Usavam-se as “grades” para abrir as bocas dos animais, para poderem ser tratados pelo ferrador.

Bestas com “ossos espigados” que provocavam inchaços - Eram tratadas com pontas de fogo (ferro em brasa).

Bestas coxas e doridas - Eram friccionadas com “emburquecha” um produto antigamente preparado e comercializado nas farmácias, composto por ovos batidos, essência de terbentina com amónio e aguarrás (também aplicado às pessoas). Era também muito frequente o ferrador ser consultado pela vizinhança perante qualquer situação de doença. O acesso a este homem sempre presente na comunidade era, naturalmente, mais facilitado do que ao médico e o ferrador muitas vezes contribuía para a cura. Para curar constipações - Papas de linhaça em cima do peito. Feitas com sementes de linho misturadas com água quente até obter um caldo grosso.

Tratamento de infeções do estômago e dos intestinos - Bebia-se chá de linho.

Sarar feridas e inchaços - Bebia-se chá de malvas.

Para dores estomacais - Ingeria-se chá de marcela (pequenas plantas apanhadas no campo, com cabeças amarelas e pétalas brancas). Secam-se e aproveitam-se apenas as cabeças para a infusão.

Para combater infeções - Bebia-se chá de ervas alcaidia.

Page 7: Uma no cravo outra na ferradura

uma no outra na CRAVO FERRADURA a tradição ferreira em BENAVENTE

Francisco Moreira Herdade da BarachaJunho 2012

Page 8: Uma no cravo outra na ferradura

EXPOSIÇÃO

M U S E U M U N I C I P A L D E B E N A V E N T E