UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

11
UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER?: A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO Rafael de Oliveira Cruz 1 Resumo: Em 1865, um projeto de lei de autoria do então visconde de São Vicente, buscava regularizar um dispositivo constitucional que inseria a Princesa D. Isabel e o seu esposo, o conde d’Eu, no Conselho de Estado e no Senado. A proposta fez com que surgissem inúmeros debates na corte imperial acerca dos níveis de participação de uma mulher e seu marido estrangeiro no jogo político nacional. O presente trabalho analisa os discursos travados nas sessões do Conselho do Estado e na Câmara do Senado e de que forma esses debates nos trazem a construção dos níveis de cidadania no Brasil Imperial. Palavras-chave: Conselho de Estado Senado Monarquia. Introdução Nas últimas décadas têm crescido o interesse da historiografia brasileira acerca da participação da Princesa D. Isabel no cenário político brasileiro nas últimas décadas do século XIX. A Nova História Política a partir de suas influências recebidas da antropologia, sociologia e outras correntes das Ciências Humanas , ultrapassou as fronteiras de uma narrativa que buscava apenas declarar os feitos de reis e heróis, mas que buscou analisar as estruturas e transformações do cenário político, e que no dizer de Ferreira (1992:269), busca a “diversidade dentro dos fundamentos dos poderes econômico, religioso e cultural. Levando em conta as instituições, os homens, as idéias, ao mesmo tempo as práticas, o simbólico e o imaginário.” Que não seja apenas uma narrativa das estruturas, mas da relação entre a estrutura, as instituições e o modo de pensar. O estudo efetivo da relação da Princesa com o momento de decadência das instituições imperiais abre um leque de possibilidade para a compreensão das transformações políticas que acontecem no Brasil. Transformações essas que estão intimamente ligadas às representações e práticas de poder, como assegura Falcon (1997:119) que o estudo do político vai compreender a partir das inserções de novas abordagens profundamente identificadas com o subjetivo e o imaginário não mais apenas a política em seu sentido tradicional, mas, as “representações sociais ou coletivas, os imaginários sociais, a memória ou memórias coletivas, as mentalidades, bem como as diversas práticas discursivas associadas ao poder”. 1 Licenciado em História pela Universidade de Pernambuco Campus Petrolina. Aluno da Especialização em História do Brasil pela Faculdade do Sertão Baiano. Professor da Rede Estadual de Ensino da Bahia. E-mail: [email protected]

Transcript of UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

Page 1: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER?: A PRINCESA

ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

Rafael de Oliveira Cruz1

Resumo: Em 1865, um projeto de lei de autoria do então visconde de São Vicente,

buscava regularizar um dispositivo constitucional que inseria a Princesa D. Isabel e o

seu esposo, o conde d’Eu, no Conselho de Estado e no Senado. A proposta fez com que

surgissem inúmeros debates na corte imperial acerca dos níveis de participação de uma

mulher e seu marido estrangeiro no jogo político nacional. O presente trabalho analisa

os discursos travados nas sessões do Conselho do Estado e na Câmara do Senado e de

que forma esses debates nos trazem a construção dos níveis de cidadania no Brasil

Imperial.

Palavras-chave: Conselho de Estado – Senado – Monarquia.

Introdução

Nas últimas décadas têm crescido o interesse da historiografia brasileira acerca da

participação da Princesa D. Isabel no cenário político brasileiro nas últimas décadas do

século XIX. A Nova História Política – a partir de suas influências recebidas da

antropologia, sociologia e outras correntes das Ciências Humanas –, ultrapassou as

fronteiras de uma narrativa que buscava apenas declarar os feitos de reis e heróis, mas

que buscou analisar as estruturas e transformações do cenário político, e que no dizer de

Ferreira (1992:269), busca a “diversidade dentro dos fundamentos dos poderes

econômico, religioso e cultural. Levando em conta as instituições, os homens, as idéias,

ao mesmo tempo as práticas, o simbólico e o imaginário.” Que não seja apenas uma

narrativa das estruturas, mas da relação entre a estrutura, as instituições e o modo de

pensar.

O estudo efetivo da relação da Princesa com o momento de decadência das instituições

imperiais abre um leque de possibilidade para a compreensão das transformações

políticas que acontecem no Brasil. Transformações essas que estão intimamente ligadas

às representações e práticas de poder, como assegura Falcon (1997:119) que o estudo do

político vai compreender a partir das inserções de novas abordagens – profundamente

identificadas com o subjetivo e o imaginário – não mais apenas a política em seu

sentido tradicional, mas, as “representações sociais ou coletivas, os imaginários sociais,

a memória ou memórias coletivas, as mentalidades, bem como as diversas práticas

discursivas associadas ao poder”.

1 Licenciado em História pela Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina. Aluno da Especialização

em História do Brasil pela Faculdade do Sertão Baiano. Professor da Rede Estadual de Ensino da Bahia.

E-mail: [email protected]

Page 2: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

2

Dessa forma, buscamos a partir desse artigo, refletir de que forma a elite imperial

encarou a possibilidade de inclusão da Princesa dentro do jogo político e os embates

travados em torno da manutenção de um status social vigente. Nesse jogo estavam,

também, a construção dos níveis de cidadania na monarquia brasileira. Para Carvalho

(2007), discutir a cidadania no Brasil imperial aumenta as possibilidades de debate em

torno de novos horizontes na construção da identidade da nação. O conceito de cidadão

é mutável ao longo do tempo, e isso é verificado quando se trata das mulheres,

consideradas como cidadãs não-ativas. Dessa forma, o debate que estava à margem das

pesquisas históricas, nos últimos anos tem tido um debate mais intenso acerca de como

os processos de construção dos níveis de cidadania formula a construção da identidade

nacional.

A Princesa, o casamento e a guerra

Desde quando prestou juramento como Princesa Imperial do Brasil em julho de 1850,

inúmeras perspectivas foram criadas em torno de D. Isabel, já que era a filha e herdeira

imediata do Imperador D. Pedro II, e nela estava representada a continuidade da

monarquia brasileira. No século XIX, somente nove mulheres chegaram ao posto de

Chefe de Estado, sejam como soberanas ou como regentes (BARMAN, 2005); e neste

seleto grupo encontra-se a Princesa nas três ocasiões em que assumiu a Regência do

Império enquanto seu pai viajava. A partir do momento em que jurava solenemente

diante do corpo político do Império, os brasileiros tomaram conhecimento de que uma

mulher poderia a vir a gerir os negócios de Estado e representando máximo da Nação.

Mais do que um procedimento burocrático, era preciso espalhar a

notícia pelo Império e preparar o terreno para que a idéia problemática

de uma Imperatriz como representante máxima da nação se tornasse

natural e aceitável entre os súditos do extenso território. E o primeiro

passo a ser dado era comunicar aos representantes provinciais,

preparando-os para esta nova realidade. [...] Uma aceitação que,

apesar de problemática fornecia a legitimidade básica do sistema.

(DAIBERT JR., 2004: 43).

Ao longo de sua vida, o Imperador manteve a Princesa afastada das funções que a

aguardava. Nunca viu nenhum documento oficial e nem discutia política com ela.

(BARMAN, 2005). Poderíamos até mesmo questionar a perspectiva que o monarca

tinha diante da possibilidade do reinado da filha. Ele sempre gostou do convívio com

elas, mas naturalmente não deveria acreditar que elas pudessem agir sozinhas dentro do

universo masculino da política.

Page 3: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

3

Gostava de estar com a filha mais velha porque podiam conversar

livremente sobre seus temas prediletos. D. Isabel defendia as próprias

convicções e não temia questionar o pai. Para ele, a companhia dela

era estimulante. A relação de D. Pedro II com as mulheres nunca

passou de uma diversão ou de um entretenimento privado. No tocante

aos assuntos públicos, ele não podia concebê-las – nem mesmo as

filhas – participando do governo. A natureza não as havia projetado

para semelhante função. Conseqüentemente, embora valorizasse a

herdeira, na fria realidade ele simplesmente era incapaz de aceitá-la ou

de percebê-la como sucessora, ou de encará-la como uma governante

viável. (BARMAN, 2005:76-77).

Mesmo que não tivesse inserido a filha no processo político nacional, o Imperador sabia

que nela residia o processo de continuidade da monarquia brasileira, e, portanto, era

preciso preocupar-se com as possibilidades de uniões matrimoniais. Nas monarquias, o

casamento é um detalhe que necessita ser extremamente discutido. Segundo Schwacz

(2010), o consórcio entre membros de casas reais é um negócio de Estado em que não

está em jogo a felicidade doméstica dos noivos, mas o jogo das exigências públicas.

Seria um tema dos assuntos públicos, já que os reis não podem se casar com quem

desejam, e privados porque a união deve produzir filhos que seriam os herdeiros da

nação.

Depois de idas e vindas, depois de inúmeros jogos de interesses2, optou-se por um

príncipe francês, oriundo de uma dinastia destronada, os Orleans, ramo cadete3 dos

Bourbons. O escolhido era Luís Felipe Gastão, o conde d’Eu. Um título de pronúncia

difícil, e que segundo Câmara Cascudo (1932), gerou inúmeras anedotas na corte

carioca. O conde era neto de Luís Felipe I, Rei dos Franceses.

O Imperador preferiu para a herdeira do trono o neto mais próximo de

Luís Felipe da França. Pensar em um Príncipe Consorte era pensar na

imagem de Isabel, no Terceiro Reinado e ainda no destino do regime

monárquico. A escolha por um descendente de Luís Felipe trazia, em

si, a expectativa de projeção de uma imagem mais popular ao regime

monárquico, afastando a caracterização de governo absolutista

constantemente imposta por seus críticos. (DAIBERT JR., 2004:50).

D. Pedro II sempre quis dar um aspecto mais liberal à monarquia brasileira, no que se

trata ao cerimonial da corte, já que na estrutura política manteve-se o velho aparato

conservador. Ele abandonou os velhos trajes e o cerimonial pomposo. De acordo com

2 Quando estavam sendo discutidos os casamentos das filhas de D. Pedro II, pensava-se no príncipe

Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha para a Princesa Imperial e em Gastão de Orleans para a Princesa D.

Leopoldina. Algumas intrigas e jogos de interesses fizeram com que os pares fossem modificados.

(SAXE-COBURGO-E-BRAGANÇA, 2012). 3 Tradicionalmente, cadete designa o ramo que não é o primogênito de uma família. Enquanto o filho

mais velho herdava os títulos e as propriedades, os filhos mais novos eram destinados ao sacerdócio ou

aos postos militares. Pode ter sido por esse motivo, que os jovens nobres eram chamados de “cadetes” nas

escolas militares enquanto estudavam antes de se tornarem oficiais.

Page 4: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

4

Carvalho (2007), a monarquia brasileira jamais teve a pompa de uma monarquia

européia, talvez isso fosse uma idéia de aproximar as instituições com o povo, mas no

final significou o distanciamento das mesmas com as elites que a sustentavam.

Daibert Jr. (2004) discute que a escolha de um descendente de Luís Felipe para se casar

com a futura Imperatriz do Brasil era uma forma de construir a imagem do Terceiro

Reinado marcado pela simplicidade e sem exibição de ostentações, fazendo a idéia de a

monarquia ser menos exótica em uma América recheada de repúblicas.

O casamento aconteceu em outubro de 1864, e apesar da inusitada felicidade doméstica

do casal, no plano político apareceu um desconforto. O Príncipe veio imbuído de um

espírito liberal, entusiasta da “marselhesa”, o hino republicano francês, além de ser

leitor de Tocqueville. Tais aspectos eram louváveis para alguns liberais, mas assustava

os membros do Partido Conservador.

Entretanto, um fator político tomou maiores atenções nos bastidores da corte. A Guerra

do Paraguai estourou em dezembro de 1864, transformando-se no maior conflito bélico

da América do Sul. (DORATIOTO, 2010). Além dos embates nos campos de batalha, o

jogo político conduzia os planos de guerra. O conde d’Eu teceu críticas públicas contra

a atuação do então marquês de Caxias (líder do Partido Conservador), que foram

tomadas como posições partidárias. Os liberais, que no momento chefiavam o gabinete

sob a presidência de Zacarias de Góes e Vasconcelos chegou a aventar a possibilidade

do Príncipe Consorte participar do Conselho de Estado (DAIBERT JR., 2004). Para o

azar de Vasconcelos, os liberais caíram do poder e os conservadores voltaram a dominar

a cena política. (SCHWARCZ, 2010). O conde não poderia sair com a imagem mais

desgastada com os conservadores diante das críticas ao Caxias e suas idéias de reforma

parlamentar, emancipação de cativos e liberdade religiosa (CALMON, 1941).

Apesar da movimentação causada pela Guerra do Paraguai, no plano político interno

ocorria um novo debate ligado aos níveis de participação do casal principesco nos

espaços de poder da monarquia brasileira.

O projeto de lei do visconde de São Vicente

Ainda em meio ao desconforto causado pelo posicionamento do Príncipe Consorte aos

modos de condução da guerra e o seu crescente desejo de participar do conflito

(DORATIOTO, 2010), os liberais buscavam ampliar seus espaços de apoio junto ao

conde d’Eu. Em 1867, o senador visconde de São Vicente apresentou uma proposta de

lei em garantiria à Princesa Imperial – na qualidade de herdeira imediata ao trono do

Brasil – e ao seu consorte, assentos no Conselho de Estado e no Senado do Império.

(ALENCAR, 1867).

A proposta surgiu como trunfo dos liberais e um medo crescente do Imperador que tais

posições acirrassem os ânimos dos conservadores já irritados com as posições públicas

do conde. (DAIBERT JR., 2004). De acordo com Rangel (1934), alguns políticos, como

Page 5: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

5

o próprio São Vicente, aconselharam ao Príncipe Consorte que tivesse cautela em suas

relações com as idéias liberais.

Apesar da máxima que chegou aos bancos historiográficos de que não há “nada tão

parecido com um saquarema quanto um luzia no poder”, Mattos (2011) assegura que as

divergências entre os grupos dominantes da elite política imperial merecem uma

atenção maior, e a verificação de como conduziram o jogo político oitocentista aliado às

suas próprias divergências internas. A administração de Zacarias de Góes e Vasconcelos

e o seu descontentamento quando o Imperador exigiu que o marquês de Caxias fosse

nomeado comandante das tropas no Paraguai revelam o afloramento dessas disparidades

durante a década de 1860.

Segundo Carvalho (2011), havia divergências entre os grupos desde as suas origens

regionais, as propostas partidárias que começaram a ser construídas a partir da década

de 1860 e a própria maneira como encaravam a administração do Estado. Por fim, para

Mattos (2011), a própria maneira como os conservadores encaravam os movimentos

liberais do começo do Segundo Reinado como a destruição da ordem social vigente. As

propostas liberais em 1865 incluíam reformas e que estavam ligadas diretamente ao

desenrolar da guerra e marcaram certo desagrado que marcou a queda de Zacarias.

(Vainfas, 2008). Voltando ao projeto de São Vicente, esse era extremamente simples:

PROJECTO PRIMITIVO DO SR. VISCONDE DE S. VICENTE

A assembléa geral legislativa resolve:

Art. 1º As disposições do art. 6º da lei de 23 de Novembro de 1841,

relativas aos principes da casa imperial, são applicaveis ao príncipe

consorte da princeza imperial.

Art. 2º Ficão revogadas as disposições em contrario.

Paço do Senado, 27 de Maio de 1867. – Visconde de São Vicente. –

Barão de S. Lourenço. – Souza Franco. – Furtado. – Silva Paranhos.

(apud ALENCAR,1867:64).4

Marcado pela simplicidade e pelo respaldo de líderes conservadores como o barão de

São Lourenço (RODRIGUES, 1975), a proposta de São Vicente tentava solucionar

algumas lacunas na legislação no que se refere à participação de membros da Casa

Imperial no Senado e ao mesmo tempo amenizar pendências para a participação do

Príncipe Consorte no jogo político imperial.

A inserção nesse momento de uma mulher e um estrangeiro nos espaços de poder do

Brasil imperial é que merece destaque em nossa análise.

O Conselho de Estado: o “cérebro da monarquia”

4 Preferimos manter a ortografia original em todas as citações.

Page 6: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

6

Antes de nos aprofundarmos nos debates que se promoveram na Câmara do Senado e

no Conselho de Estado, faz-se necessário uma análise do órgão que nas palavras de

Joaquim Nabuco (apud Vainfas, 2008:165), funcionava como o “cérebro da

monarquia”. Torres (1965) diz que o objetivo principal do Conselho de Estado era o

auxílio ao governo e a administração imperial.

Foi instituído pela Constituição de 1824 através do artigo 137, foi suprimido em 1834

através do Ato Adicional, e restabelecido em 1841 funcionando até 1889 com a queda

da monarquia. Segundo a Constituição, através do artigo 142, era função do Conselho:

Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negócios graves, e

medidas gerais da pública Administração; principalmente sobre a

declaração da Guerra, ajustes de paz, negociações com as Nações

Estrangeiras, assim como em todas as ocasiões, em que o Imperador

se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder

Moderador, indicadas no Art. 101, à exceção da VI.

(NOGUEIRA:2001:98).

A exceção referida se trata do direito do Imperador de nomear e demitir livremente os

ministros de Estado. De acordo com Rodrigues (1975), havia um temor que o Conselho

não passasse de um grupo de bajuladores, o que de fato aconteceu durante do reinado de

D. Pedro I, e dessa forma o mesmo foi suprimido durante o Período Regencial.

Entretanto, segundo Nogueira (2001), o Conselho fazia-se necessário, pois, faltou um

elo entre o Poder Moderador e o Poder Executivo, foi um erro a sua supressão. Embora

Torres (1965) e Rodrigues (1975) tentem fazer do Conselho uma espécie de super-poder

da monarquia, Carvalho (2010) assegura que ele não era tão poderoso assim. O

Imperador não era obrigado a seguir o conselho da maioria e nem era obrigado a pedir a

opinião de seus membros em todas as ocasiões.

Os debates no Senado

O artigo 6º da lei 243 de 23 de novembro de 1841, que reinstituía o Conselho de Estado,

assegurava que o Príncipe Imperial logo que completasse dezoito anos teria assento no

Conselho, ficando os demais príncipes da Casa Imperial dependendo da nomeação do

Imperador (TORRES, 1965). A proposta do visconde de São Vicente perguntava se esse

artigo tinha o mesmo valor para a Princesa Imperial.

Segundo Rodrigues (1975), para São Vicente e os autores do projeto, para a Princesa

Imperial não havia dúvidas que ela tinha direito à participação no Conselho e no

Senado, mas era necessária uma retificação para a presença do Príncipe Consorte no

dito Conselho.

Page 7: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

7

José de Alencar, famoso por seus romances como Senhora, Lucíola e Diva, tinha

posições diferentes. Para o famoso romancista e célebre desafeto de D. Pedro II, a lei

não se referia para os titulares de “Príncipe Imperial” do gênero feminino, pois quando a

lei de 1841 foi promulgada, a princesa D. Januária, irmã do Imperador, estava na

qualidade de Princesa Imperial e não foi convidada a tomar assento.

Ele publicou em 1867 um trabalho intitulado “These Constitucional” em que analisa a

lei. Ele assegura que para a Constituição de 1824, a pessoa do Príncipe Imperial era

expressamente uma figura masculina e que a caída em uma personalidade feminina se

tratava de um acidente. São Vicente pensava o contrário afirmando que “segundo a

nossa lei fundamental, a princesa imperial é a mesma personalidade do príncipe

imperial, é ele mesmo, tem todos os mesmos direitos e prerrogativas, é a mesmíssima

entidade. Não, não temos, nem queremos, a lei sálica” (apud RODRIGUES, 1975:108-

109).

Temos aí o primeiro embate: o gênero dominante no jogo político. De fato todas as

referências na Constituição e nas leis posteriores eram sempre de “Imperador” e

“Príncipe Imperial”. Como diz Barman (2003), a política não era um espaço feminino,

era um corpo estranho a ela. No Senado, quando a proposta foi debatida alguns

senadores se referiram dizendo que a mulher não poderia assumir tais funções em

virtude da “debilidade de seu sexo” e que nem de longe poderia ser comparada à

virilidade masculina. Outros afirmavam como Silveira Mota que Silveira da Mota: “O

sexo feminino pela nossa legislação e pela legislação de todo o mundo civilizado é

excluído dos cargos públicos. Se a lei sálica fosse adotada entre nós, evidentemente toda

a vez que se falasse de príncipe imperial se entenderia o varão” (apud RODRIGUES,

1975:111).

José de Alencar chama a proposta de inserção da Princesa Imperial no corpo do

Conselho como uma imoralidade política. Segundo ele, a mulher não é responsável por

seus atos, não pode ser chefe de sua família. Dessa forma, como inserir uma mulher

dentro de um espaço em que conselheiros são responsáveis por suas posições e no

Senado onde os príncipes da Casa Imperial podem responder por seus discursos.

Percebe-se nesses debates o grau de exclusão das mulheres, mesmo se tratando em

nosso caso, da futura Imperatriz do Brasil, dos assuntos de Estado. Como dizia Costa

(2010), a mulher brasileira do período monárquico ficou em constante estado de

menoridade.

Alguns senadores, como Francisco José Furtado argumentava quem nem o Príncipe

Imperial e nem mesmo a Princesa Imperial tinham direito a assento no Conselho de

Estado ou no Senado (RODRIGUES, 1975), o que revela uma contradição já que a

Constituição assegurava no artigo 46 assegurava que os príncipes da Casa Imperial eram

senadores por direito, e teriam assento na respectiva câmara assim que atingissem vinte

e cinco anos. (NOGUEIRA, 2001).

Talvez isso revelasse uma posição dos liberais em não concordar na desigualdade

jurídica entre os cidadãos brasileiros e os membros da Casa Imperial. José de Alencar

(1867) segue de perto dessa perspectiva, segundo ele, somente o Imperador é uma

Page 8: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

8

figura diferente do restante dos cidadãos brasileiros e que se trata de uma figura

impessoal, já os príncipes tendem a compartilhar dos mesmos aspectos dos outros

brasileiros. Para Barbosa (2009), esses homens do Partido Liberal, eram em sua

maioria, pessoas do período regencial e que viram a ascensão de D. Pedro II ao trono, e

ao mesmo tempo, eram defensores intransigentes dos princípios liberais.

Rodrigues (1975) mostra que o visconde de São Vicente enfureceu-se com essa

perspectiva afirmando que o governo excluía a Princesa Imperial e seu esposo dos

negócios por pura manipulação e porque se sentia no direito de fazer qualquer coisa. O

senador chegou a fazer uma piada com a situação, pedindo que as senhoras do Império

ficassem atentas ao que os senadores e ministros argumentavam sobre a participação

feminina nos negócios do Estado.

Estas considerações me provar de sobejo meu asserto, contestado por

um illustrado escriptor, sobre a dependencia em que se aha uma

senhora casada, mesmo soberana, a respeito de seu marido, dentro do

circulo da familia, no lar domestico. Não ha poder capaz de derrogar

essa lei immutavel da sociedade, consagrada pela religião e pelo

costume. Sua infracção importaria o aniquilamento da familia.

(ALENCAR, 1867:30-31).

Percebemos o temor na mudança da base social patriarcal e da dependência dessa

mulher de um marido e o pior, deixá-la acima do mesmo. Entretanto, o marido dessa

Princesa ainda revela um problema especial. A participação do conde d’Eu no Conselho

de Estado assumia outra proporção já que se trata de um estrangeiro,

constitucionalmente excluído dos negócios de Estado. De acordo com a legislação

brasileira, o Príncipe renunciou à sua nacionalidade francesa, seus títulos franceses,

passando a ser brasileiro. (RANGEL, 1934). De acordo com Daibert Jr. (2004), quando

foi proposto o enlace das princesas brasileiras com príncipes estrangeiros, isso ainda

não era um problema no cenário nacional. Segundo a Constituição de 1824, o esposo da

Imperatriz não teria participação nos negócios de Estado e só receberia o título de

Imperador depois que tivesse da Imperatriz, um filho ou filha5. (NOGUEIRA, 2001).

Alencar (1867) afirma que o direito de sucessão na figura feminina é um mero acidente

para não desviar o princípio dinástico a um ramo estranho da família, e que isso deixa o

consorte da soberana em uma situação melindrosa. Tomando o exemplo da Inglaterra,

ele afirma que o Parlamento naturalizou o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo-Gotha,

marido da Rainha Vitória como cidadão inglês, entretanto, o brasileiro não fez isso com

o consorte da Princesa Imperial.

São Vicente afirma que o Príncipe Consorte partilha da nacionalidade da esposa, já que

quando ele renunciou à sua antiga cidadania e títulos, passou a ser um Príncipe do

Brasil, não poderia ser um príncipe sem Casa. E dessa forma, sendo Príncipe da Casa

5 Trata-se de um dispositivo constitucional peculiar das monarquias ibéricas (Portugal e Espanha) e do

Brasil como herdeiro dessa tradição em que o marido da titular partilha seus títulos.

Page 9: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

9

Imperial, partilha dos mesmos direitos dos príncipes de sangue e nascimento. Ao final

assegurou que o problema fosse a naturalização do príncipe, que ela fosse

regulamentada por força de lei para solucionar eventuais dúvidas. (RODRIGUES,

1975).

Entretanto, esse dispositivo macula a idéia dos que anseiam a igualdade jurídica entre os

cidadãos brasileiros. Mesmo que as pendências acerca da naturalização do conde d’Eu

fossem resolvidas por força de lei, esbarravam no pensamento que de ele teria

privilégios em relação a outros brasileiros quando entraria no Conselho de Estado com

menos de quarenta anos.

O projecto que habilita o principe consorte á ser nomeado conselheiro

de estado, independente da idade marcada na lei, offende os direitos

politicos do cidadão brasileiro, e fere a nossa constituição em varios

pontos que devião ser inviolaveis. (ALENCAR, 1867:63).

Dessa forma, para alguns parlamentares estavam em jogo os limites da participação de

dois elementos estranhos ao cenário político nacional, e as formas como viam a

igualdade jurídica entre os cidadãos brasileiros. O senador Silveira Mota em seu

discurso, afirmou que os direitos especiais aos príncipes de sangue eram naturais já que

esses tinham a eventual perspectiva de suceder no trono, o que não acontecia com o

Príncipe Consorte, já que ele em hipótese alguma subiria ao trono. (RODRIGUES,

1975). A proposta acabou sendo votada e aprovada:

PROJECTO APROVADO PELO SENADO

A assemblea geral resolve:

Art 1º As disposições do art. 6º da lei de 23 de Novembro de 1841, na

parte relativa ao Principe Imperial, são applicaveis à Princeza

Imperial.

Art.. 2º As disposições do citado artigo, relativas aos principes da casa

imperial, são applicaveis ao Principe consorte da Princeza Imperial.

Art. 3º O casamento da Imperante, ou da Princeza Imperial, com

estrangeiro importa para este a condição de cidadão brasileiro

naturalisado. Ele prestará o respectivo juramento nas mãos do

Imperador.

Art. 4º Ficão revogadas as deliberações em contrario.

Paço do senado, em 27 de Julho de 1867. – Visconde de Abaeté,

Presidente. – Thomaz Pompéo de Souza Brasil, servindo de 1º

secretario. – José Maria da Silva Paranhos, servindo de 2º secretario.

(apud ALENCAR, 1867:64).

Page 10: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

10

Mesmo tida por alguns senadores, como o próprio Silveira Mota, como inconstitucional,

a proposta teve sucesso no Senado e na Câmara dos Deputados. O mal-estar ocasionado

pela idéia de um estrangeiro aconselhar a Imperatriz do Brasil nos assuntos políticos era

um temor ainda não controlado, e de fato havia a rejeição de que a presença do conde

fizesse aflorar ainda mais essa perspectiva.

O debate lançado na Câmara do Senado não apontava uma mera inserção de dois

elementos em um espaço de poder importante da monarquia brasileira, mas a construção

da cidadania no Brasil Imperial. As inserções de dois elementos estranhos ao jogo

político abrem um leque de possibilidades e de debates acerca da formação do processo

democrático do Brasil independente.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, José de. Uma these constitucional: A Princeza Imperial e o Principe

Consorte no Conselho de Estado. Rio de Janeiro: Livraria Popular, 1867.

BARBOSA, Silvana Mota. A política progressista: Parlamento, sistema representativo e

partidos nos anos 1860. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Bastos

das (Orgs.). Repensando o Brasil dos Oitocentos: Cidadania, Política e Liberdade. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil: Gênero e Poder no Século XIX

(tradução de Luiz Antônio Oliveira Araújo). São Paulo: Ed. Unesp, 2003.

CALMON, Pedro. A Princesa Isabel: a “Redentora”. São Paulo: Ed. Nacional, 1941.

CASCUDO, Luís da Câmara. O conde d’Eu. São Paulo: Companhia Editora Nacional,

1933.

CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: A elite política imperial/Teatro

de sombras: A política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

_____________________ (Org.). Nação e cidadania no Império: Novos horizontes.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 9. ed. São

Paulo: Ed. Unesp, 2010.

DAIBERT JR., Robert. Isabel a “Redentora” dos Escravos: uma história da Princesa

entre olhares negros e brancos (1846-1988). Bauru: Edusc, 2004.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: Nova história da Guerra do Paraguai. São

Paulo: Companhia das Letras, 2010.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo/Brasília:HUCITEC/INL,

2011.

Page 11: UMA MULHER E UM ESTRANGEIRO NO QUINTO PODER A PRINCESA ISABEL E O CONDE D’EU NO CONSELHO DE ESTADO

11

NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras: 1824. 2. ed. Brasília: Senado

Federal/Centro de Estudos Estratégicos/ Escola de Administração Fazendária, 2001.

RANGEL, Alberto. Gastão de Orleans: o último conde d’Eu. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1934.

RODRIGUES, José Honório (Org.). Atas do Conselho de Estado: Terceiro Conselho

de Estado 1865-1867. Brasília: Senado Federal, 1975.

____________________________. O Conselho de Estado: O Quinto Poder?. Brasília:

Senado Federal, 1975.

SAXE-COBURGO-E-BRAGANÇA, Dom Carlos Tasso de. A Intriga: Retrospecto de

intricados acontecimentos históricos e suas conseqüências no Brasil Imperial. São

Paulo: Ed. Senac: 2012.

SCHWARCZ, Lília Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos

trópicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

TORRES, João Camilo de Oliveira. O Conselho de Estado. Rio de Janeiro: GRD,

1965.

VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de

Janeiro: Objetiva, 2008.