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157 Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo n o 42, p. 157-179, 2011 UMA ANÁLISE SOCIOCOGNITIVA DAS CONCEPTUALIZAÇÕES ACERCA DO GÊNERO TEXTUAL PROJETO DE PESQUISA Poliana D. V. Leitão e Regina M. P. da Silva RESUMO: Neste trabalho, investigamos os domínios conceptuais e as categorizações ativados por licenciandos em Letras em relação ao gênero textual Projeto de Pesquisa. Fun- damentando-nos em Rodrigues-Leite (2003, 2004a, 2004b e 2006) e Silva (2007), constatamos que foram acionados domínios conceptuais oriundos da tradição escolar, construídos não a partir da noção de gêneros, mas da noção de sequência textual dissertativa. PALAVRAS-CHAVE: Conceptualizações; Mesclagem Conceptual; Gêneros Textuais. 1 A construção do conhecimento compreendida à luz da cogni- ção social interacionalmente situada A cognição social, como a própria denominação sugere, acredita que as atividades cognitivas individuais são influenciadas pelo contexto sócio- cultural. Assim, defende que a construção do conhecimento não pode ser investigada com base apenas no estudo das operações mentais internas ao indivíduo. Por isso, para explicar as capacidades cognitivas, faz-se necessário investigar o papel da interação no desenvolvimento dessas capacidades, aten- tando para a relação existente entre “uma série de mecanismos neurobiológicos responsáveis pelas operações mentais e uma série de contextos sociais, culturais,

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umA ANáLiSE SoCioCoGNiTiVA DAS CoNCEPTuALiZAÇÕES ACErCA Do GÊNEro

TEXTuAL ProJETo DE PESQuiSA

Poliana D. V. Leitão e Regina M. P. da Silva

RESUMO:

Neste trabalho, investigamos os domínios conceptuais e as categorizações ativados por licenciandos em Letras em relação ao gênero textual Projeto de Pesquisa. Fun-damentando-nos em Rodrigues-Leite (2003, 2004a, 2004b e 2006) e Silva (2007), constatamos que foram acionados domínios conceptuais oriundos da tradição escolar, construídos não a partir da noção de gêneros, mas da noção de sequência textual dissertativa.

PALAVRAS-CHAVE: Conceptualizações; Mesclagem Conceptual; Gêneros Textuais.

1 A construção do conhecimento compreendida à luz da cogni-ção social interacionalmente situada

A cognição social, como a própria denominação sugere, acredita que as atividades cognitivas individuais são influenciadas pelo contexto sócio-cultural. Assim, defende que a construção do conhecimento não pode

ser investigada com base apenas no estudo das operações mentais internas ao indivíduo. Por isso, para explicar as capacidades cognitivas, faz-se necessário investigar o papel da interação no desenvolvimento dessas capacidades, aten-tando para a relação existente entre “uma série de mecanismos neurobiológicos responsáveis pelas operações mentais e uma série de contextos sociais, culturais,

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históricos e intencionais que possibilita o desenvolvimento dessas capacidades” 1.Dentre os estudiosos que investigaram a importância da interação para

o desenvolvimento cognitivo, um dos nomes mais significativos é, incontesta-velmente, Lev Vygotsky. Para o autor (1991), a evolução dos processos men-tais está intimamente relacionada às interações com o mundo real, as quais são determinadas sócio-historicamente. Argumenta o pesquisador que, no desenvolvimento do pensamento, existe uma fase pré-linguística e, no desen-volvimento da linguagem, uma fase pré-intelectual.

Explica ainda que a palavra é uma generalização uma vez que se refere a uma classe de objetos, e não a um objeto isolado, sendo, portanto, um ato de pensamento verbal. Por outro lado, o pensamento reflete uma generalização da realidade, “que é também a essência do significado da palavra”. Assim, “o significado é um ato de pensamento. Mas é também parte inalienável da pala-vra”, pertence, indiscutivelmente, ao campo do pensamento e ao da linguagem. Com base nessa argumentação, Vygotsky2 defende que a chave para o entendi-mento da relação entre pensamento e linguagem é o significado das palavras, pois é nele que pensamento e linguagem se unem em pensamento verbal.

Vygotsky3 afirma também que o desenvolvimento do pensamento acon-tece do nível social para o individual e que pode ser observado através do de-senvolvimento da linguagem. Essa, por sua vez, tem como função primordial o contato social, a comunicação. Nessa perspectiva, pensamento e linguagem são processos inseparáveis e interdependentes do desenvolvimento humano, resultantes das interações vivenciadas no contexto sócio-histórico-cultural. Como claramente destaca Rodrigues-Leite4, “o que acontece internamente em nossa mente é inseparável de sua manifestação exterior e as ações dos indi-víduos somente fazem sentido com referência às ações de outros indivíduos”.

1 RODRIGUES-LEITE, Jan Edson. A construção pública do conhecimento: linguagem e inte-ração na cognição social. Tese. Recife: UFPE, 2004b, p. 47. Disponível em: http://intercog.googlepages.com/Tese.pdf 20/05/2008.

2 VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 4.

3 Idem, p. 14.4 RODRIGUES-LEITE, Jan Edson. “A natureza social da cognição: questões sobre a construção

do conhecimento”. In: Veredas. v. 7, n 1 e n 2. Juiz de Fora: Revista de Estudos Linguísticos, jan./dez. 2006. p. 221. Disponível em: http://www.revistaveredas.ufjf.br/volumes/12_13/artigo10.pdf 20/05/2008.

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Com base nessa reflexão acerca do caráter imprescindível das interações humanas para a construção de conhecimento e, consequentemente, para o desenvolvimento humano, Rodrigues-Leite propõe que os estudos do desen-volvimento conceptual utilizem a abordagem teórica denominada cognição interacionalmente situada. Argumenta o estudioso que essa perspectiva teórica procura conceber a cognição como parte de uma ação conjunta mediada atra-vés da linguagem e compreende a união entre cognição e língua como cons-titutivas de um todo indissolúvel responsável pela construção de conceitos.

Vista sob o ângulo da cognição social interacionalmente situada, a lin-guagem é concebida como um instrumento cognitivo5 e a capacidade de co-nhecer como “um ato social produzido coletivamente no exercício da lingua-gem” (MARCUSCHI apud MEDRADO6). Sob essa ótica, a construção de conceitos resulta de um processo cognitivo “que ocorre através da interação social, da relação do indivíduo com o meio, da sua categorização do mundo através da linguagem” 7. Partindo dessa proposição, podemos inferir que a construção de novos conceitos depende dos conceitos que já construímos e que, dentre as atividades cognitivas responsáveis pela construção conceptual, encontra-se o processo de categorização.

2 Categorização

De acordo com Rodrigues-Leite8, é a linguagem que fornece à cognição as categorias construídas na interação e são estas que fornecem aos interactan-tes as versões de mundo. Podemos, então, afirmar que essas categorias funcio-nam como uma espécie de conhecimento prévio que ativamos para construir-mos novas experiências.

5 MIRANDA, Neusa Salim. “Domínios conceptuais e projeções entre domínios: uma intro-dução ao Modelo dos Espaços Mentais”. Veredas, v. 3, n 1: 81. Juiz de Fora, 1999. Disponí-vel em: http://www.revistaveredas.ufjf.br/volume/4/artifo4.pdf 15/07/2008.

6 MEDRADO, Betânia Passos. Cognição como mescla: o que está atrás da forma? In: PIN-TO, Abuênia Padilha (Org.a). Tópicos em cognição e linguagem. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006. p. 95

7 RODRIGUES-LEITE, Jan Edson. “Cognição e linguagem na elaboração do saber”. Investi-gações, 16: 30. Recife: UFPE, 2004.

8 Idem 1, p. 49.

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Segundo Silva9, a categorização, uma das capacidades fundamentais do ser humano, diz respeito ao “processo mental de identificação, classificação e nomeação de diferentes entidades como membros de uma mesma categoria” que acionamos para construção de novos conhecimentos. Rodrigues-Leite corrobora a ideia de Silva e afirma que a atividade categorial se ocupa de méto-dos utilizados pelo sujeito para caracterizar, descrever, justificar, compreender os fenômenos da vida cotidiana, propondo, assim, uma visão mais ampla do termo - visão com a qual concordamos.

Explica o pesquisador que as categorias funcionam como nossas versões públicas de pensar o mundo, constituindo-se “como formas palpáveis que utilizamos para manusear a fluidez da realidade e como meios de organizar o conhecimento sobre algo”. Argumenta ainda que as categorizações que cons-truímos são condicionadas por nossa herança cultural e pelos esquemas men-tais que herdamos. Além dessas influências, as categorizações estão sujeitas às negociações locais, cujas fronteiras semânticas podem ser ativamente mantidas ou transformadas pelos participantes10.

Como propõe o estudioso, percebemos que a dinâmica categorial é, es-sencialmente, discursiva e, portanto, indissociável da prática enunciativa. Esta prática anunciativa permite aos indivíduos se apropriarem “do sistema lin-guístico para ajustar os objetivos particulares e comunicativamente situados à dimensão que define a flexibilidade das categorias”11.

Considerando o caráter indissociável entre a dinâmica categorial e a prá-tica enunciativa, acreditamos que a noção de categorização aparece implícita no conceito de gêneros discursivos proposto por Bakhtin12:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados re-

9 SILVA, Augusto Soares da. “A linguística cognitiva: uma breve introdução e um novo pa-radigma em linguística”. p. 05. Disponível em: http://www.facfil.ucp.pt/lingcognit.htm 15/07/2008.

10 Idem 1, p. 50.11 Idem 1, p. 58.12 BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: __________. Estética da criação verbal. 4ª

ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261 – 262.

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fletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo seu estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseo-lógicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indis-soluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denomina-mos de gêneros do discurso (grifos do autor).

Constatamos, a partir dos grifos do autor, que a conceituação de gêneros discursivos remete à existência de categorias que orientam o indivíduo durante o processo de enunciação, interferindo não só na estrutura composicional - elemento mais influenciado -, mas também no conteúdo temático e no estilo. Assim, essa definição nos suscita a ideia de que os gêneros discursivos atuam como “modelos” pré-construídos sócio-historicamente, mas que estão sujeitos a transformações em virtude do contexto da enunciação. Desse modo, acen-tua a importância da categorização e as possibilidades de investigar os gêneros discursivos a partir de seus elementos constitutivos.

Bronckart (apud MACHADO13), com base nas reflexões de Bakhtin, também visualiza os gêneros textuais como uma fonte de modelos de referên-cia e reconhece a sua mutabilidade:

os gêneros de textos constituem-se como pré-construtos [...], i. é, construtos existentes antes de nossas ações, necessários para sua realização [...] eles são objetos de avaliações sociais, o que acaba por constituí-los, em determinado estado sincrônico de uma sociedade, como uma espécie de ‘reservatório de modelos de

13 MACHADO, Ana Rachel. A perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In: MEURER. J.L. BONINI, Adair e MOTTA-POTH, Désirée (Org.s). Gêneros: teorias, méto-dos e debates. Coleção Linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 250.

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referência’, dos quais todo produtor deve se servir para realizar ações de linguagem. Eles se encontram necessariamente indexa-dos às situações de ação da linguagem, i. é, são portadores de um ou de vários valores de uso: em uma determinada formação social, determinado gênero é considerado como mais ou menos pertinente para determinação da situação.

O conceito de Bronckart reforça a ideia de que a construção de tex-tos/enunciados está intimamente relacionada ao processo de categorização e, principalmente, ao processo de interação. Entretanto, as reflexões teóri-cas referentes ao termo gêneros, nem sempre compreendidas na perspectiva enunciativo-discursiva proposta por Bakhtin, têm gerado diferentes concei-tos em relação ao termo e, consequentemente, diferentes abordagens teórico-metodológicas. Essas têm gerado diferentes categorias de análise, as quais se refletem inclusive na opção da denominação a ser utilizada gêneros discur-sivos ou gêneros textuais - mas que não comentaremos aqui em virtude do foco do nosso trabalho.

Considerando essa diversidade, adotaremos aqui, além do conceito de gêneros textuais na perspectiva de Bronckart, dois dos cinco termos utilizados por Bonini14 como categorias de análise dos gêneros textuais na perspectiva da Linguística Cognitiva, pois acreditamos que serão essenciais em nossas análi-ses. São elas: sequência textual e superestrutura textual:

Sequência textual: refere-se às formas textuais responsáveis pela organização da comunicação linguística, mas que só alcançam existência dentro dos diversos gêneros. São, portanto, mecanis-mos textuais que as tipologias textuais vêem como os tipos nar-rativo, descritivo e dissertativo, mas que no trabalho de Adam (1992) são em número de cinco: narração, descrição, argumen-tação, explicação e diálogo. [...];Superestrutura textual: é o termo que diz respeito ao modo como o conhecimento sobre identidade de textos está organi-

14 BONINI, Adair. Gêneros textuais e cognição: um estudo sobre a organização cognitiva da iden-tidade dos textos. Florianópolis: Insular, 2002, p 16.

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zado na memória, podendo corresponder a princípio, tanto ao gênero quanto á sequência textual.

Podemos, portanto, afirmar que o processo de categorização interfere positivamente na construção do saber, pois, como observa Miranda (apud Rodrigues-Leite15), “qualquer operação de significação presume invocar da memória (...) bases de dados que orientam as expectativas dos sujeitos em suas ações individuais ou conjuntas”. Essas bases de dados, conforme Rodri-gues-Leite, são domínios sócio-cognitivos estáveis classificados como Modelos Cognitivos Idealizados (MCI). Os MCI são categorias formadas a partir de um pequeno grupo de modelos cognitivos idealizados.

Pensando na base de dados invocada durante a atividade de produção textual, teríamos a superestrutura textual como um dos domínios sociocogni-tivos mais amplos e mais estáveis. Em virtude de sua amplitude, acionaria ou-tros domínios pertencentes à sequência textual e/ou aos gêneros discursivos, que podem inter-relacionar-se e gerar domínios locais menos estáveis, mais flexíveis que emergem durante, e especialmente, para cada atividade enuncia-tiva, os chamados Espaços Mentais (EM).

3 Modelos cognitivos idealizados e espaços mentais

De acordo com Rodrigues-Leite16, utilizamos Modelos Cognitivos Idea-lizados para tentarmos compreender o mundo e para criarmos teorias sobre o mundo. Estes MCI têm status cognitivo e são conceituados como “domínios estáveis que ao lado dos enquadres comunicativos e esquemas estruturam o conhecimento social produzido e localmente disponível”.

Seguindo essa mesma linha reflexiva, Jesus e Miranda17, afirmam que os MCI são estruturas de memória pessoal e social, isto é, “são conjuntos de

15 Idem 1, p. 67.16 Idem 1, p. 66 – 67.17 JESUS, Izabel Teodolina de e MIRANDA, Neusa Salim. “Construções condicionais pro-

verbiais: uma abordagem sociocognitiva da questão da composicionalidade”. In: Vere-das. v. 7, n 1 e n 2. Juiz de Fora: Revista de Estudos Linguísticos, jan./dez. 2003. p. 265. Disponível em: http://www.revistaveredas.ufjf.br/volumes/12_13/artigo13.pdf 17/07/2008.

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conhecimentos culturais e sociais estruturados, organizados”. Cada MCI es-trutura um Espaço Mental (EM), que equivaleria, de acordo com Silva, “a um lote do infinito terreno da mente humana”.

Os espaços mentais são constituídos a partir de dados e informações que vão sendo adquiridos ao longo da vida. Como destaca Silva, os EM se formam, momentaneamente, para fins de uso localizados e, na hora do uso, de certa forma, encaminham nosso dizer, ler, escrever e pensar. Desse modo, os espaços mentais são partitivos, “informados” e também fugazes, pois, “Con-forme vão aparecendo novos assuntos ou novas nuances dos assuntos, eles vão se criando e se desfazendo como bolhas de sabão sempre ao sabor da necessi-dade de uso”18.

Fauconnier e Sweetser (apud RODRIGUES-LEITE) reafirmam que os espaços mentais são construídos e estruturados durante os eventos de fala e que, portanto, são motivados pela intenção comunicativa. E acrescentam que os EM estão ligados a partir da gramática, do contexto e da cultura. “O efeito disto é a criação de uma rede de espaços através dos quais nos movemos à medida que o discurso ocorre”.

Destaca Rodrigues-Leite19 que existem expressões linguísticas, denomi-nadas de construtores de Espaços Mentais, que permitem a criação de novos espaços, a ligação entre espaços, ou a remissão do ouvinte a um espaço ante-rior ou posterior. Essas expressões podem ser as mais variadas possíveis, “desde os tempos e modos verbais até sintagmas adverbiais e preposicionais”, podem ainda acionar domínios diversos, tais como: domínios de crença, de imagem, de drama, de lugar, espaços contrafactuais ou hipotéticos, espaços construto-res de tempo, entre tantos outros.

Desse modo, como ressalta o pesquisador, as noções de domínios e pro-jeções são construtos teóricos pertinentes ao Modelo de Espaços Mentais, por isso, a projeção entre domínios é concebida como o princípio nuclear da cognição humana, “operando a produção, o fracionamento da informação, a transferência e o processamento do sentido” e possibilitando a Mesclagem Conceptual.

18 Idem 9, p. 06.19 Idem 1, p. 69.

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4 Mesclagem conceptual

Conforme Silva20, Fauconnier e Turner acreditam ter sido a Mesclagem Conceptual, isto é, a “capacidade de imaginar identidades entre conceitos e integrá-los para criar novos modelos de pensamento e ação” (grifos do autor), a responsável pela evolução do ser humano, elevando-o a um patamar de su-perioridade na escala da espécie animal. Assim, a Mesclagem Conceptual só é possível graças a três operações humanas universais denominadas por Faucon-nier e Turner de os três I’s da mente (The mind’s three I’s) ou três olhos (eyes) da mente. São elas: identidade, integração e imaginação.

Acreditamos que essas operações estão, como em todas as atividades cog-nitivas, presentes na interpretação e na produção textual, tornando-as atos de mesclagem. Por isso, concordamos com o autor quando ele afirma que, na Mesclagem Conceptual, importa perceber a estrutura emergente que surge no espaço mesclado, definido como:

o resultado da mescla de dois ou mais espaços entre os quais a mente humana é capaz de imaginar identidade e formar um terceiro através da integração dessas identidades. Assim o espa-ço mesclado carrega em si traços dos espaços anteriores, mas cria a partir dessa mescla algo novo que emerge, aparece, ma-nifesta-se nesse novo espaço, no espaço integrado ou mesclado (grifos do autor)21

Por isso, afirma Rodrigues-Leite22 que a mesclagem conceptual “fun-ciona como o nascedouro dos sentidos”. Para representar essa construção de sentidos, Fauconnier e Turner utilizam formas esquemáticas, dentre as quais, segundo Silva, se destaca a Rede Mínima (Minimal Network) representada, como demonstra o diagrama a seguir, por “quatro círculos distribuídos hie-rarquicamente”. O círculo de cima representa o que Fauconnier e Turner cha-

20 SILVA, Maurício da. “Mesclagem conceptual: uma explicação possível dos bastidores da produção de textos”. p. 02. Disponível em: http://www.profmauriciodasilva.pro.br/pdf/MESCLAGEM_ARTIGO_FABULA_PRONTO.pdf 30/07/2008.

21 Idem 9, p. 03.22 Idem 1, p. 69 - 72.

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mam de Espaço Genérico, que “conteria uma espécie de categoria geral capaz de abarcar as características compartilhadas pelos dois espaços intermediários entre os quais a mente humana imaginou identidades possíveis”. No diagra-ma, esses espaços intermediários aparecem representados em posição paralela abaixo do Espaço Genérico e são batizados pelos autores de Input 1 e Input 2; por Silva de Espaço Mesclante 1 e espaço Mesclante 2; e por Rodrigues-Leite de Espaço Influente 1 e Espaço Influente 2 – denominação que utilizaremos aqui por acreditarmos revelar de forma mais precisa o que acontece no proces-so de Mesclagem Conceptual.

Os espaços influentes representam as “fontes” entre as quais a mente humana imaginou identidades, são “pequenas estruturas conceptuais cons-truídas à medida que pensamos ou falamos para os propósitos de compreensão e ação local. Eles são conectados às estruturas do conhecimento”. E finalmente temos o Espaço - Mescla (Blend), que representa o espaço resultante dos es-paços emergentes.

Figura 01 – Diagrama da Rede Mínima

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Como propõe Rodrigues-Leite, além dos elementos apresentados, a estrutura acima contém as seguintes características: Enquadres (organiza os elementos de um EM e suas relações vitais); Mapeamento entre espaços (co-necta as contrapartes influentes através do Princípio da Identidade - linhas sólidas - ou de projeções - linhas tracejadas23); Estrutura Emergente (desen-volvida no espaço-mescla a partir de estruturas que não estão nos espaços influentes, envolve composições das relações na mescla que não existem nos inputs, acabamento que traz estrutura adicional para a mescla e a elabora-ção de um mescla integrada); e Conexão (integra diferentes fontes em uma mesma unidade).

São várias as relações conceptuais as quais chegamos através da mes-clagem. Dentre elas, Fauconnier e Turner (apud RODRIGUES-LEITE) destacam: mudança, identidade, tempo, espaço, causa-efeito, parte-todo, representação, função, analogia, dessemelhança (‘desanalogia’), propriedade, similaridade, categoria, intencionalidade, singularidade.

Diante do exposto, verificamos, como sugere Rodrigues-Leite24, que o “acesso às conexões conceptuais é um componente da construção do sentido que a língua reflete de maneira geral, regular e sistemática, independentemen-te de seus domínios particulares de aplicação”. Esse reflexo da “mediação entre conhecimento acumulado em modelos culturais e pessoais e sua ativação nos eventos comunicativos em desenvolvimento” pode ser visualizado através dos Modelos Cognitivos Idealizados (MCI) e dos Espaços Mentais (EM) acio-nados, pois “não é no dito (nas formas linguísticas) que estará o que se quer significar, mas nos territórios mentais que esse dito faz emergir”.

A conceptualização e a (re) conceptualização são, portanto, princípios nucleares da cognição humana. Por acreditarmos nisso, propomo-nos a anali-sar, unindo aspectos linguísticos, cognitivos e sociais e baseando-nos na noção de Mesclagem Conceptual, as conceptualizações que os alunos pré-concluin-tes do Curso de Letras constroem em relação ao gênero textual Projeto de Pesquisa, tendo, como ponto de partida, a identificação dos espaços mentais acionados com relação à superestrutura desse gênero discursivo.

23 Na projeção seletiva nem todos os elementos de um input são projetados na mescla (RO-DRIGUES-LEITE, 2004b, p. 72).

24 Idem 1, p. 63 - 64.

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5 Conceptualizações em relação ao gênero textual projeto de pesquisa

Nosso instrumento de coleta de dados foi um questionário que tinha como finalidade possibilitar-nos a construção do perfil da turma e a verifica-ção das representações dos alunos em relação à escrita, pesquisa e projeto de pesquisa - aqui nos deteremos precisamente à análise de duas questões desse questionário: 1. Para você, o que é um projeto de pesquisa? e 2. Cite e explique as partes constitutivas do projeto de pesquisa.

Tivemos como colaboradores 27 alunos do VI período - matriculados na disciplina Oficina de Redação - de um curso de Licenciatura em Letras de uma instituição particular de pequeno porte localizada em uma cidade do in-terior do estado da Bahia, a qual faz fronteira com os estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Em virtude da localização geográfica da instituição, os alunos são, em sua maioria, provenientes das cidades e estados circunvizinhos. Grande parte desses alunos trabalha - exercem as mais diversas funções: vigilante, cabelei-reiro, policial, professor, secretária, dentre muitas outras, e muitos dependem do trabalho para custear o curso. A faixa etária do grupo pesquisado situa-se, predominantemente, entre os 21 e 35 anos. Boa parte dos estudantes ficou muito tempo sem estudar, fato que, provavelmente, indica que tiveram uma formação escolar ainda pautada em modelos tradicionais. A opção pelo curso deu-se, sobretudo, em virtude do custo, o mais barato dentre os oferecidos, e não por os colaboradores quererem atuar como professores de língua.

Antes de cursarem a disciplina Oficina de Redação - cujo objeto de es-tudo é o Projeto de Pesquisa, visando à produção da Monografia ao final do curso -, os alunos tiveram contato com o gênero no primeiro período do cur-so, através da disciplina Metodologia de Pesquisa, e alguns no quinto período, na disciplina Língua Portuguesa V, cuja avaliação final teve como instrumento a elaboração de um pré-projeto.

No que concerne à primeira questão, Para você, o que é um Projeto de Pesquisa?, de modo geral, podemos dizer que as conceptualizações acerca do projeto de pesquisa referem-se não só a um gênero textual que apresenta o pla-nejamento de uma pesquisa, apontado por 41,67% dos alunos; mas também à própria ação de pesquisar, indicada por 41,67% dos alunos. Já, aproximada-mente 3,33% dos alunos (o que corresponde a um aluno) relacionaram a con-

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ceptualização de projeto de pesquisa ao resultado da pesquisa; 6,66% à “uma prova daquilo que o aluno aprendeu”; e 6,66% não responderam. Vejamos esquematicamente esses dados e, em seguida, analisemos alguns exemplos:

Gráfico 01 - Concepções acerca do gênero Projeto de Pesquisa

Exemplo 01

Exemplo 02

Os exemplos 01 e 02 refletem conceptualizações que concebem o pro-jeto de pesquisa como planejamento necessário à realização da pesquisa. Esse planejamento se apresenta sobre uma estrutura material: um plano, a esque-matização. A concretização da pesquisa é pensada a partir de construtores de EM de tempo: no exemplo 01, o emprego do tempo verbal futuro do presente irei e do vocábulo futuro, que aparece adjetivando estudo, projeta essa con-cretização para um tempo futuro. Essa projeção verifica-se também no exem-plo 02, quando o adjetivo futuro, que também funciona como construtor de espaço mental de tempo, é empregado referindo-se à pesquisa. Já o exemplo

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03, abaixo, remete não a algo materializado através de um gênero textual, mas ao próprio ato de pesquisar, que, por sua vez, vai remeter a outras duas ações, se aperfeiçoar e alcançar um objetivo, ambas colocadas sob a perspectiva do agente pesquisador a partir do pronome pessoal reflexivo se e do pronome possessivo seu.

Exemplo 03

No exemplo 04, o projeto de pesquisa não é conceptualizado como o planejamento da pesquisa, tampouco como a ação de pesquisar, mas como o resultado dessa ação, como o ato de descrever tudo que foi pesquisado. Essa conceptualização remete à sequência textual que será utilizada para apresentar a pesquisa, que, no caso, seria a sequência textual descritiva. A ação de pesqui-sar é colocada numa perspectiva pessoal marcada pelo emprego do pronome pessoal do caso oblíquo mim. Analisemos:

Exemplo 04

Temos, no exemplo 05, uma conceptualização bem particular em relação ao que seja projeto de pesquisa, tendo em vista que o informante concebe esse gênero como o desfecho do aprendizado no curso, esse desfecho é pensado prospectivamente a partir da utilização do construto de EM de tempo futura-mente, além disso, é concebido materialmente tendo em vista que se apresenta como um esqueleto desse desfecho.

Exemplo 05

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No exemplo 06, a conceptualização é marcada por um construtor de EM de crença, apresentada através do emprego da expressão digamos que seja, que revela, talvez, não uma crença pessoal, mas do contexto escolar, pois sua repos-ta remete-nos ao processo avaliativo, geralmente adotado no ambiente escolar, que tenta mensurar quantitativamente o conhecimento do aluno, uma tarefa, para nós, impossível.

Exemplo 06

No que se refere à segunda questão, Cite e explique as partes constitutivas do projeto de pesquisa, 7,4% deixaram a questão em branco, não representaram, por-tanto, sua conceptualização em relação à superestrutura do gênero. Esse fato leva-nos a refletir sobre as razões de os alunos terem agido assim. Acreditamos que, embora tenham deixado a questão em branco, indubitavelmente, ativaram algum espaço mental não necessariamente em relação ao projeto de pesquisa ou à pro-dução de textos, mas concernente à concepção equivocada e punitiva da tradição escolar frente ao erro. Fundamentamos nossa crença no fato de os alunos, durante a aplicação do questionário, terem demonstrado, de forma direta ou indireta, o medo de errar e, principalmente, o de serem “punidos”, através de perguntas como: E se a gente errar? E se a gente não souber? Perguntas essas marcadas por um construtor de espaço mental hipotético, se, que remete à possibilidade de errar ou não saber responder a questão. A proposição elaborada sob a forma de pergunta faz com que a partícula se também estabeleça uma relação de condicionalidade, que remete às consequências quanto à possibilidade de as hipóteses se confirma-rem, deixando implícita a pergunta: o que acontece caso a gente erre ou não saiba responder a questão? O fato ocorreu apesar de nós, pesquisadoras, antes de entre-garmos a atividade, termos explicado que se tratava de uma atividade para orien-tar o planejamento das aulas seguintes. Foi preciso que, em alguns momentos, nós reforçássemos o objetivo da atividade para tranquilizarmos os colaboradores.

Outro dado relevante é que 11,1% dos colaboradores responderam à questão fazendo referência à falta de conhecimento sobre o gênero, exemplo 07; à falta de habilidades para explicá-lo, exemplo 08; ou ao fato de ter esque-cido, exemplo 09:

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Exemplo 07

Exemplo 08

Exemplo 09

Nos exemplos acima, podemos verificar a presença da relação conceptual que Fauconnier e Turner denominam de intencionalidade e que diz respeito a atitudes mentais, nos casos em análise as atitudes saber, saber/explicar e recor-dar. Essa relação é considerada “crucial porque tudo que fazemos ou pensamos ou sentimos é baseado nas relações que ela recobre”25. A relação de intencionali-dade aparece, em todos os exemplos, atrelada à relação conceptual que denomi-naremos de negação, marcada pela presença do advérbio não. No exemplo 08, a relação de negação é reforçada por uma relação de similaridade, estabelecida pelo advérbio também, em relação a não saber explicar, tendo em vista que na questão anterior (Para você, o que é um Projeto de Pesquisa?) a aluna respon-deu “Não sei explicar bem. Mas deve ser um projeto bem trabalhoso”. Essa fala é marcada por um construtor de EM, digamos, apreciativo em relação ao projeto, considerado como bem trabalhoso, nessa expressão, o advérbio bem intensifica o grau de trabalho. Já o exemplo 09 apresenta uma relação conceptual de tempo, marcada pela expressão “no momento”, dando a ideia de que o informante sabe todas as partes constitutivas do projeto, apenas não recorda quais são.

Dentre os colaboradores pesquisados que indicaram os itens do Projeto de Pesquisa, somente 33,3% explicaram os itens apontados. Vamos analisar algumas respostas?

25 Idem 1, p. 81.

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Exemplo 10

No exemplo 10, detectamos, no início do texto, um construtor de EM de crença, Imagino. Em seguida, a apresentação e explicação das partes cons-titutivas do projeto de pesquisa. Essa apresentação é construída a partir de um espaço de base, neste caso, a comanda do questionário, que solicita a indicação e explicação dos itens do projeto de pesquisa e, portanto, impulsiona a ativação de espaços mentais referentes à superestrutura textual. No caso em análise, o espaço de base aciona um domínio cognitivo idealizado, pautado nas sequên-cias textuais, mais precisamente na sequência textual dissertativa. Esse domínio vai funcionar como um domínio fonte e suas informações vão ser transferidas, sem nenhuma transformação, para o domínio alvo. Desse modo podemos afir-mar que a conceptualização observada no exemplo 10, construída a partir da sequência textual dissertativa, cobrada ainda em vários concursos, reflete uma aprendizagem centrada em um modelo tradicional de abordagem da escrita. Vejamos como o exemplo 10, que não produz uma mesclagem conceptual, pode ser representado esquematicamente no modelo de mapeamentos.

Diagrama 01 – Mapeamentos entre Domínios

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Já no exemplo 11, temos um processo de mesclagem conceptual. Essa mesclagem origina-se a partir de um espaço genérico constituído de diferentes itens que poderiam aparecer em um projeto de pesquisa. Esse espaço ativa dois outros espaços: o espaço influente 1, que, assim como no exemplo anterior, pauta-se na sequência textual dissertativa; e o espaço influente 2, que é base-ado em um modelo cognitivo idealizado do discurso técnico-científico, que, no exemplo, diz respeito ao gênero projeto de pesquisa26. No exemplo em análise, as projeções entre os espaços acontecem de forma parcial e geram uma estrutura emergente. Essa vai delinear uma superestrutura textual que abarca itens da sequência textual dissertativa e itens do gênero projeto de pesquisa. Essa mesclagem demonstra que a conceptualização, embora ainda não priorize a categoria gênero, foge do modelo tradicional de ensino.

Exemplo 11

É interessante enfatizarmos que a explicação dada pelo colaborador para justificar a ausência de alguns elementos, Professora fugiu da mente o restante - explicação marcada pela presença de uma relação conceptual de identidade expressa pela construção fugiu da mente - não revela apenas que o colaborador tem consciência da ausência de alguns itens. Revela também um processo mental que caminha para construção de uma conceptualização que tende a diferenciar sequência textual de gêneros discursivos, sobretudo se considerarmos a distribuição dos elementos no papel, pois o item introdução parece ter sido acrescentado depois, marcando não apenas o esquecimento, mas também a dúvida quanto à sua existência ou não no gênero solicitado.

26 Convém destacar que estamos considerando como enquadre desse domínio técnico-cientí-fico a estrutura composicional solicitada pela instituição em relação ao gênero em estudo. Sabemos que alguns dos itens indicados nesse enquadre também fazem parte de outros gêneros que circulam no âmbito acadêmico, revelando as capacidades universais do processo de mesclagem, mas acreditamos que alguns são mais característicos do gênero projeto de pesquisa do que outros, em especial, a Justificativa, os Problemas e as Hipóteses.

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Na Rede Mínima, o exemplo 11, pode ser ilustrado da seguinte forma:

Diagrama 02 – Mesclagem Conceptual – Estrutura Emergente –Estrutura composicional do gênero projeto de pesquisa

No diagrama 03, apresentado a seguir, podemos perceber que a conceptu-alização se aproxima muito da exposta no exemplo anterior. Entretanto, é mais fortemente marcada pela influência da categoria gênero textual, pois encontra-mos itens mais específicos, Hipóteses e Justificativa do Projeto de Pesquisa.

Exemplo 12

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Temos, portanto, no diagrama 03, os mesmos elementos estruturais apresentados no diagrama 02: espaço genérico, espaços influentes e estrutura emergente. O espaço influente 1 tem origem no domínio cognitivo do sen-so comum; e o espaço influente 2, no domínio cognitivo técnico-científico. O colaborador do exemplo 12 parece apresentar uma conceptualização mais segura, uma vez que, comparando sua resposta com a dos colegas, explica de forma mais detalhada cada uma das partes constitutivas do projeto de pesqui-sa. Confirmemos:

Diagrama 03 – Mesclagem Conceptual – Estrutura Emergente –Estrutura composicional do gênero projeto de pesquisa

Os exemplos a seguir ilustram conceptualizações acerca do gênero dis-cursivo projeto de pesquisa que apresentam a presença do domínio conceptual do senso comum, marcado pela sequência textual dissertativa. No exemplo 13, pela presença dos itens, tema e objetivos; no exemplo 14, Desenvolvi-mento e Conclusão; e no exemplo 15, Introdução e Conclusão. Esse exemplo

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traz ainda um item que advém do domínio cognitivo do discurso técnico-científico, representado pela indicação do item Referências Bibliográficas. Essas conceptualizações remetem também a outros domínios que não ativam outras sequências textuais, tampouco outros gêneros textuais, mas aspectos referentes a ações necessárias para elaboração do projeto ou para realização da pesquisa, como no exemplo 14, no qual aparecem os “itens” Análise e Pes-quisa propriamente dita. Entretanto, existem outros itens citados que não se aplicam nem a um nem a outro aspecto, demonstrando que são várias as possibilidades de construção de domínios locais, mas também evidenciando que alguns alunos, apesar de estarem no VI período do curso de Licenciatura em Letras, ainda têm dificuldades de diferenciar “categorias textuais” (supe-restrutura, sequência textual e gêneros textuais) de categorias que explicariam os itens, como em 15, exemplo no qual aparece o vocábulo conceitos, que nos remete à ideia de fundamentação teórica, bem como de categorias que a nosso ver seriam “extratextuais”. Afirmamos isso tendo em vista que, no exemplo 15, localizamos o vocábulo Contexto sócio-histórico e, no exemplo 13, as pa-lavras consequência e sugestão. De que domínios adviriam essas expressões?

Exemplo 13

Exemplo 14

Exemplo 15

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Uma análise sociocognitiva das conceptualizações acerca do gênero textual projeto de pesquisa

Pela análise realizada, podemos perceber que, dentre os itens mais cita-dos, aparecem: Conclusão, presente em 46,66% das respostas; Objetivos, em 40%; Desenvolvimento, indicado em 36,66% dos questionários; Introdução, encontrado em 26,66% das respostas; Tema, em 26,66%; Referências Biblio-gráficas, presente em 16,66% dos questionários. Itens mais característicos do gênero projeto de pesquisa, tais como: Problemas e Hipóteses, foram citados por 3,33% dos alunos, cada item, o que corresponde a apenas um aluno; Me-todologia, por 6,66% dos estudantes; e Justificativa, item citado por apenas 16,66%. Dados que podem ser resumidos no seguinte gráfico:

Gráfico 02 – Itens constitutivos do Projeto de Pesquisa na perspectiva dos alunos

Considerações finais

Esse breve panorama nos demonstra a possibilidade de explicarmos de forma mais completa os processos de construção do conhecimento, abordan-do não só aspectos linguísticos, mas atentando para os aspectos cognitivos e socioculturais que interferem nessa construção. Essa explicação permite ao professor conhecer alguns aspectos concernentes aos conhecimentos domina-dos pelos alunos e aproveitá-los nas atividades de sala de aula, enriquecendo e facilitando o processo de construção de conceitos, especialmente, no que se refere aos conceitos advindos do domínio científico, uma vez que, para construirmos novos conceitos, precisamos ativar os que já possuímos. Os re-sultados apresentados comprovam essa realidade, pois, com relação ao gêne-ro textual Projeto de Pesquisa e, especialmente, à sua superestrutura textual,

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demonstram que um dos domínios conceptuais acionados de forma bastan-te significativa é o concernente à sequência textual dissertativa, amplamente divulgada pela tradição escolar. Indicam ainda que alguns colaboradores já começam a ativar o domínio do discurso técnico-científico, necessário à sua formação do profissional professor, principalmente se pensarmos na formação de um professor-pesquisador imerso em diferentes práticas de letramento. As-sim, é impossível construirmos conhecimentos sem colocarmos em práticas nossas operações humanas universais de identidade, integração e imaginação.

ABSTRACT

In this work, we investigate the conceptual domains and categorizations activated by Undergraduate Students of Modern Languages regarding the textual genre Rese-arch Project. Based on Rodrigues-Leite (2003, 2004a, 2004b and 2006) and Silva (2007), we observed that the conceptual domains activated for text production were predominantly those related to school tradition, which were not built up on the notion of genres, but on the notion of textual sequences.

KEYWORDS: Conceptualizations; Conceptual Blen-ding; Textual Genres.

Recebido em: 17/03/2011 Aceito em: 20/07/2011

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