Uma análise psicológica de Luís da Silva, personagem principal do ...
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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO,
LINGUAGENS E CULTURA
Rosalina Alexandre de Miranda
UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DE LUÍS DA SILVA,
PERSONAGEM PRINCIPAL DO ROMANCE ANGÚSTIA
BELÉM – PA
2014
Rosalina Alexandre de Miranda
UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DE LUÍS DA SILVA,
PERSONAGEM PRINCIPAL DO ROMANCE ANGÚSTIA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia como requisito para a obtenção do título de Mestre. Orientador: José Guilherme de Oliveira Castro.
BELÉM – PA
2014
Rosalina Alexandre de Miranda
UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DE LUÍS DA SILVA, PERSONAGEM PRINCIPAL DO ROMANCE ANGÚSTIA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia como requisito para a obtenção do título de Mestre. Orientador: José Guilherme de Oliveira Castro.
Banca Examinadora:
____________________________________________ Presidente: Prof. Dra. Lucilinda Teixeira Instituição: UNAMA – Universidade da Amazônia ____________________________________________ Titular: Prof. Dr. José Guilherme de Oliveira Castro Instituição: UNAMA – Universidade da Amazônia ____________________________________________ Titular: Prof. Dr. José Ribamar Ferreira Júnior Instituição: UFMA – Universidade Federal do Maranhão
Apresentado em: ___ / ___ / ______
Conceito: _____________________
BELÉM – PA
2014
À minha mãe, Loide Alexandre Miranda.
Ao meu pai, Manoel Vieira de Miranda.
À minha irmã, Sueli Alexandre de Miranda.
AGRADECIMENTOS
A Deus;
À minha família;
Ao meu orientador pela paciência, sabedoria e tranquilidade manifestas à
concretização deste trabalho;
Aos professores e às professoras pelos incentivos e contribuições intelectuais;
Aos meus amigos e amigas do mestrado pelas discussões teóricas e pelos bons
momentos que passamos juntos;
Aos funcionários da Secretaria de Comunicação, da Biblioteca Central e da
Biblioteca do Mestrado pelo carinho ao atender as minhas solicitações;
Às minhas amigas Cleide Lúcia Gaspar da Assunção e Mirna Lúcia Araújo de
Moraes pelos apoios acadêmicos e fraternais;
À UNAMA por me permitir realizar esse grande desejo.
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RESUMO
Este trabalho tem por finalidade fazer uma análise do romance Angústia, escrito em
1936 pelo escritor modernista Graciliano Ramos. Luís da Silva, personagem
principal dessa obra, será objeto de análise desse estudo. A personagem será
analisada a partir da perspectiva psicológica. Esta dissertação está estruturada em
quatro capítulos. No primeiro capítulo, o leitor terá uma visão geral sobre a
personagem de ficção. O segundo capítulo vai mostrar o momento histórico
brasileiro em que o romance foi lançado. Já no terceiro, teremos a oportunidade de
estudar especificamente como se processou a formação da subjetividade de Luís da
Silva, para então identificarmos a real razão de sua eterna angústia, e finalmente, o
quarto capítulo irá mostrar a relação que os símbolos mantêm com causa da
angústia de Luís da Silva. Os conhecimentos teóricos de Beth Brait, Antônio
Cândido, Massaud Moisés, Ana Mercês Bahia Bock, Sigmund Freud, Jean
Chevalier, entre outros, irão subsidiar esse trabalho. Espera-se que esse estudo
possa auxiliar as pessoas que se interessam pela produção literária de Graciliano
Ramos.
Palavras-chave: Personagem. Subjetividade. Símbolos. Angústia. Graciliano Ramos.
ABSTRACT
This work aims to make an analysis of the novel Anguish, written in 1936 by the
modernist writer Graciliano Ramos. Luís da Silva, main character of this work, will be
object of analysis in this study. The character will be parsed from the psychological
perspective. This dissertation is structured in four chapters. In the first chapter, the
reader will have an overview of the fictional character. The second chapter will show
the Brazilian historical moment in which the novel was released. In the third, we will
have the opportunity to study specifically as if sued the formation of the subjectivity of
Luís da Silva, to then identify the real reason of his eternal anguish and finally, the
fourth chapter will show the relationship that the symbols remain with the anguish of
Luís da Silva. Theoretical knowledge of Beth Brait, Antônio Cândido, Massaud
Moisés, Ana Mercês Bahia Bock, Sigmund Freud, Jean Chevalier, among others, will
subsidize this job. It is hoped that this study may assist people who are interested in
the literary production of Graciliano Ramos.
Keywords: Character. Subjectivity. Symbols. Anguish. Graciliano Ramos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 9
2 ARCABOUÇO CONCEITUAL 13
2.1 CONCEITO E ORIGEM DA PERSONAGEM 13
2.2 PERCURSO HISTÓRICO DA PERSONAGEM 15
2.3 CLASSIFICAÇÃO DA PERSONAGEM 17
2.4 O HERÓI E O ANTI-HERÓI NA OBRA LITERÁRIA 18
2.5 O PAPEL DO NARRADOR 20
3 CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO DE ANGÚSTIA 23
4 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DE LUÍS DA SILVA
28
4.1 QUEM É LUÍS DA SILVA? 28
4.2 EM BUSCA DE UMA MÃE 33
4.3 O TRIÂNGULO AMOROSO 34
4.4 IMAGENS DE SI 36
4.5 ESTILO DO NARRADOR PERSONAGEM 37
4.6 GRACILIANO RAMOS OU LUÍS DA SILVA? 39
5 O MUNDO SIMBÓLICO DE LUÍS DA SILVA 43
5.1 A ÁGUA 44
5.2 A CORDA 47
5.3 A CASA 51
5.4 OUTROS SÍMBOLOS 52
5.4.1 A mãe 53
5.4.2 O pai 53
5.4.3 O pé 54
5.4.4 O rato 56
5.4.5 O sexo 57
5.4.6 As sombras 58
5.4.7 A terra 59
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 62
9 1 INTRODUÇÃO
A literatura, desde o início da elaboração do projeto para inserção no curso
de Mestrado da Universidade da Amazônia (UNAMA), destacou-se como a mais
sedutora área de estudo, não só pelo aspecto estético, mas também pela
possibilidade de análise do homem em múltiplas faces: histórica, social, psicológica,
entre outras.
Já durante o curso de Mestrado, a disciplina Discurso, Literariedade e
Ficção, ministrada pelo Professor Dr. José Guilherme de Oliveira Castro, abriu um
leque de opções literárias, de autores diversos, poetas e/ou prosadores que
ofertavam suas talentosas produções para estudo. Um deles mostrou-se como um
enigma a ser revelado, Graciliano Ramos, considerado entre os críticos como um
dos maiores nomes da produção literária dos primeiros anos do século XX, um
período conhecido como Geração de 30.
O literato faz parte da segunda fase do movimento modernista, mais
conhecida como a geração dos escritores do nordeste ou regionalistas. Graciliano se
destacou - juntamente com Raquel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge Amado –
por denunciar a miséria humana em que se encontrava a população brasileira,
sobretudo a do nordeste.
Dentre suas obras, Angústia, narrativa colocada à disposição do leitor em
1936, é considerada por alguns estudiosos como sua obra prima. Esta dissertação
tem como finalidade fazer uma análise dessa obra, na qual o protagonista é o
personagem Luís da Silva, objeto de nosso estudo. Afinal, o que é angústia? Qual a
angústia do personagem? Como ela se originou? De que maneira influenciou o
curso da narrativa?
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro, intitulado
Arcabouço Conceitual, procura-se situar o leitor sobre alguns conceitos literários
básicos, como o de personagem, herói e anti-herói, discutindo-se, ainda, o papel do
narrador e o percurso histórico da personagem.
O segundo capítulo, denominado Contexto histórico literário de Angústia,
mostra as influências dos fatos políticos, econômicos e sociais da década de 30 do
século XX na obra de Graciliano Ramos.
No terceiro capítulo, nomeado O Processo de Formação da Subjetividade de
Luís da Silva, o protagonista está em evidência. Descreve-se, nesse momento,
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quem é Luís da Silva, de que forma buscou a figura materna, como vivenciou seus
relacionamentos afetivos. Além disso, o leitor saberá que imagens a personagem
principal do romance tinha de si, bem como o estilo narrativo de Luís da Silva.
Dessa forma, iremos estudar a personagem de ficção, mostrando que os
teóricos da literatura têm dificuldade para definir o termo personagem em função de
ele estar associado à noção de pessoa. Essa definição que associa
personagem/pessoa é de Aristóteles, que conceituou a personagem como “reflexo
da pessoa humana”, mas se verificará que a conceituação vai variar de acordo com
cada época literária.
Vale ressaltar que, para alguns estudiosos, a definição de personagem
estava associada ao universo psicológico de seu criador; para os formalistas russos,
a personagem era vista como um elemento da fábula, a qual só adquiria sua
especialidade à medida que se submetia às regras da trama. Para outros teóricos, a
personagem é uma mistura dos conceitos anteriores.
Além de se preocuparem com a definição da personagem de ficção, os
estudiosos também procuraram classificá-la. Edward Morgan Forster se destacou
entre os estudiosos. Para ele, a personagem apresenta-se no enredo como planas e
esféricas. Beth Brait, Antônio Cândido, Massaud Moisés e Forster irão subsidiar
nosso estudo sobre esse elemento do texto narrativo.
Assim, esse capítulo vai analisar especificamente a personagem principal do
romance angústia, Luís da Silva. A intenção é identificar a causa real de sua eterna
angústia. Para isso, iremos analisar a vida dessa personagem desde a infância até a
sua vida adulta, sob a perspectiva psicológica. Os conhecimentos teóricos da
psicóloga Ana Mercês Bahia Bock e do psiquiatra Sigmund Freud irão fundamentar
esse capítulo.
O quarto capítulo, denominado de O mundo simbólico de Luís de Silva,
procura identificar as relações que símbolos como a água, a corda, a casa, o pé e a
terra mantêm com a origem, com a fecundação de Luís da Silva. Para essa
pesquisa, serão fundamentais os conhecimentos de Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant, Herder Lexikon, entre outros.
E, finalmente, a conclusão mostra que, de modo geral, os processos mentais
e de relacionamento familiar exercem substancial influência sobre a existência dessa
personagem, de tal forma que, não havendo a sublimação da dor da ausência, é
11
possível o nascimento da angústia, dor de existir e não ter, refletida em símbolos,
que Graciliano descreve com maestria.
13 2 ARCABOUÇO CONCEITUAL
2.1 CONCEITO E ORIGEM DA PERSONAGEM
Personagem é um ser fictício que atua no teatro, no cinema e/ou na
literatura, não necessariamente humano, participando do enredo, agindo, falando.
Na prosa literária, sua ação acontece no conto, na crônica, na novela e no romance.
Essa entidade, criada por um autor, só adquire vida quando sua ação é posta em
prática. Pela sua atuação, o leitor vai saber quem é esse ser irreal, o que pensa, de
que gosta, a que classe social pertence e qual o seu nível cultural. O lexicólogo
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Novo Aurélio Século XXI, assim define
personagem:
Personagem (Do fr.Personnage.) S.f. e m. 1. Pessoa notável, eminente, importante; personalidade, pessoa. 2. Cada um dos papéis que figuram numa peça teatral a que devem ser encarnados por um ator ou uma atriz: figura dramática. 3. P. ext. Cada uma das pessoas que figuram em uma narração, poema ou acontecimento. 4. Por ext. Ser humano representado em uma obra de arte. (FERREIRA, 2001, p. 1552).
Como se pode perceber, a personagem pode ser confundida com uma
pessoa, pois esse ser irreal vivencia fatos que são específicos do ser humano. Até
mesmo os especialistas em Literatura encontram dificuldades para definir a
diferença entre personagem e pessoa, como se verifica no dicionário de Termos
Literários, do professor Massaud Moisés: “Personagens são seres fictícios
construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se esses são pessoas
reais, aqueles são pessoas imaginárias” (MOISÉS, 1993, p. 396).
Mesmo esclarecendo, ainda, que o ser humano habita o mundo real e a
personagem, o da fantasia, falta uma definição que trace, de fato, um conjunto mais
específico de características para cada um dos elementos supracitados. Por isso, os
conceitos ora ou outra são postos como sinônimos: “Pessoa (ô), (Do lat. persona) S.
f. 1. Homem ou mulher. 2. V. Personagem” (FERREIRA, 2001, p. 1557).
O professor e crítico literário Antônio Cândido reconhece a relação entre
esses dois termos e mostra suas afinidades e diferenças. Segundo Cândido (2006a),
embora sejam estabelecidas regras de análise para tentar definir a essência
14
humana, a totalidade de uma pessoa nunca será atingida, pois não se pode
esquadrinhar seus pensamentos e seus atos. Ao contrário do que ocorre com a
personagem de ficção, que, ao ser criada pelo escritor, tem uma vida definida por
seus pensamentos e por suas ações, ou seja, a personalidade do ser fictício é
definida ao longo de uma obra literária.
Ao terminar de ler essa obra, o leitor tem uma idéia exata de quem ela é, no
entanto, essa situação não ocorre com o ser humano, pois só se tem uma visão
aparentemente completa da pessoa quando ela morre. Daí Cândido concluir que:
A nossa interpretação dos seres vivos é mais fluida, variando de acordo com o tempo ou as condições de conduta. No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação da personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência fixada para sempre, delimitando a curva de sua existência e a natureza de seu modo de ser. Daí ser ela relativamente mais lógica, mais fixa do que nós. E isso não quer dizer que menos profunda; mas que sua profundidade é um universo cujos dados estão à amostra. (CÂNDIDO, 2011, p. 58-59).
Percebe-se, portanto, que essa lógica da personagem de ficção surge da
criatividade do escritor, pois cabe a ele, por meio de sua técnica de caracterização,
determinar os gestos, gostos, vestuário, linguagem, etc., com o intuito de convencer
o leitor de que esse ser irreal é reflexo de um ser vivo real.
Na opinião de Beth Brait (2006), tanto a definição de personagem e sua
função no discurso estão relacionadas com a mobilidade criativa do fazer artístico,
quanto à reflexão a respeito dos modos de existência e do destino desse fazer. Ela
diz que, para se compreender a personagem, é importante entender a construção do
texto, a maneira como o autor deu forma, independência, autonomia e vida a essa
criatura de ficção que é um ser lingüístico, pois não existe fora do mundo das
palavras.
Michel Zéraffa concorda com a opinião de Beth Brait, acrescentando que o
autor depende do leitor para que sua personagem ganhe vida. Para ele, a
personagem é a criação do artista, que envolve sensibilidade e intelecto na
produção para atingir o olhar imaginativo e intelectual do leitor (ZÉRAFFA, 2010, p.
504).
15
Na avaliação de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, a personagem é o elemento
mais importante da narrativa: “sem personagem não existe verdadeiramente
narrativa, pois a função e o significado das ações ocorrentes numa sintagmática
narrativa dependem primordialmente da atribuição ou da referência dessas ações”
(SILVA, 1994, p. 687).
Gancho ressalta que, por mais que a personagem seja o resultado da mente
criativa do escritor, sua criação está baseada nas ações humanas:
A personagem é um ser fictício responsável pelo desempenho do enredo, em outras palavras, é quem faz a ação, mesmo quando se constata que determinadas personagens são baseadas em pessoas reais ou em elementos da personalidade de um determinado indivíduo. (GANCHO, 2006, p. 17).
Portanto, mesmo estando no plano ficcional, a personagem está sujeita aos
sentimentos e emoções provenientes do desenrolar de ações e acontecimentos
recorrentes no cotidiano. A partir daí, nessa realidade paralela, produz
manifestações de toda ordem, inclusive traumáticas, ou seja, o ser que faz a ação
apresenta reações. A personagem não só pertence à história, mas a faz; apresenta
juízos de valor, bem como está sob julgamento das demais personagens.
2.2 PERCURSO HISTÓRICO DA PERSONAGEM
Esta preocupação em definir a personagem de ficção acontece desde a
Idade Antiga. O primeiro teórico a se ocupar dessa função foi o Grego Aristóteles, o
qual definiu a personagem como “reflexo da pessoa humana” ou como “construção,
cuja existência obedece às leis particulares que regem o texto.
Mais tarde, o poeta latino Horácio em “Ars Poética” reforçou o conceito
aristotélico de mimeses, ao conceber a personagem não somente como “reprodução
dos seres vivos, porém como modelos a serem imitados, identificando personagem-
homem e virtudes e advogando para esses seres o estatuto de moralidade humana
que supõe imitação. Coube ainda a Horácio associar a personagem ao aspecto de
entretenimento à sua função pedagógica, enfatizando o aspecto moral desse ser
fictício.
16
Os conceitos aristotélico e horaciano de personagem de ficção como reflexo
das ações humanas foram reforçados na Idade Média e na Renascença. A
personagem desses períodos conservava o caráter de força representativa para
servir de modelo aos ideais cristãos.
O ser fictício do século XVI ao século XVII procurou reproduzir aquilo que
havia de melhor no ser humano. A personagem como espelho das ações humanas
herdadas da concepção aristotélica e horaciana entrou em desuso na segunda
metade do século XVIII.
Essa concepção foi substituída por uma visão que concebeu a personagem
como uma representação do universo psicológico de seu criador. Foi nesse período
que a estética clássica entrou em declínio e perdeu sua homogeneidade e rigidez,
permitindo o desenvolvimento do romance.
A classe burguesa foi a grande consumidora da produção desse gênero
literário que colocou em discussão os sentimentos humanos, questões políticas,
sociais e filosóficas. Durante a segunda metade do século XIX, o romance atingiu o
seu apogeu, refinando-se enquanto escritura e articulando as mais diversas
experiências humanas.
Paralelo à exaltação do romance, os teóricos da literatura procuraram
identificar na origem da produção artística, nas circunstâncias psicológicas e sociais
que envolviam o artista, o mistério da criação, a natureza e a função da personagem
na obra literária.
Em função disso, as personagens de ficção não são mais reflexos do mundo
exterior, porém são vistas como projeções da maneira de ser do escritor. Apesar de
todo esse percurso literário pelo qual o conceito de personagem passou, o ser
fictício continuou sendo vista como um ser antropomórfico, pois o ponto de partida
para composição da personagem ainda se espalhava no ser humano.
A narrativa de ficção do século XX passou por grandes transformações em
relação à do século XIX. A personagem de ficção desse período viveu ao mesmo
tempo em comunhão e em oposição com o mundo que a cercava. Em 1927, o
romancista Edward Morgan Forster, ao publicar a obra Aspectos do Romance,
surpreendeu os teóricos da literatura ao classificar a personagem de ficção em dois
tipos: planas ou desenhadas e redondas ou modeladas.
Em 1928, o crítico e poeta Edwin Muir, na obra Estrutura do Romance,
lançou um novo conceito de personagem. Para ele, o personagem se definia como
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produto do enredo e da estrutura específica do romance, ou seja, a personagem não
era concebido como uma representação humana.
O conceito de personagem sofreu uma mudança radical com os formalistas
russos no ano de 1916. Para eles, a personagem era vista como um elemento da
fábula e ela só adquiria sua especificidade à medida que se submetia às regras da
trama.
Foi a partir dos formalistas russos que a definição de personagem se
desprendeu de sua relação com o ser humano. A personagem passou então a ser
vista como um ser da linguagem, adquirindo, portanto, uma fisionomia própria. O
estudo da personagem desvinculado da relação com o ser humano ocorreu
definitivamente na obra Morfologia do Conto Maravilhoso, de autoria do formalista
Wladimir Y. Propp (2006).
Foi a partir dessa ruptura, que os estudos literários passaram a analisar a
personagem sob o ângulo de sua funcionalidade no sistema verbal compreendido
pela narrativa. Sob essa perspectiva, a personagem foi caracterizada como:
“Um signo e, consequentemente, a escolher um ponto de vista que constrói
este objeto, integrando-o no interior da mensagem, definida como um composto de
signos linguísticos.” (BRAIT, 2006, p. 45).
Ainda hoje a maioria das personagens é resultado da imaginação, da
experiência pessoal do autor ou uma mistura de tudo isso. Brait explica como ocorre
o processo de criação de uma personagem:
O escritor recorre aos artifícios oferecidos por um código a fim de engendrar suas criaturas. Quer sejam tiradas de sua vivência real ou imaginária, dos sonhos, dos pesadelos ou das mesquinharias do cotidiano, a materialidade desses seres só pode ser atingida através de um jogo de linguagem que torne tangível a sua presença e sensíveis os seus movimentos. (BRAIT, 2006, p. 52).
2.3 CLASSIFICAÇÃO DA PERSONAGEM
Segundo Edward Morgan Forster (1969), as personagens podem ser
classificadas em duas categorias: planas e redondas. As personagens planas são
definidas apenas por um traço, por um elemento característico básico que as
acompanha por toda vida. São construídas em torno de uma qualidade ou idéia.
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São personagens que necessitam de profundidade. Elas não alteram seus
comportamentos no decorrer da narrativa e, em função disso, o leitor não é
surpreendido durante o enredo. Em geral, essas personagens tendem para a
caricatura e apresentam uma natureza cômica ou humorística.
As personagens redondas, por sua vez, são definidas em função de várias
tendências e qualidades. Por isso, são consideradas personagens complexas. Elas
surpreendem o leitor no desenrolar do enredo por possuírem profundidade
psicológica. Entretanto, Flávio Kothe faz uma crítica a essa classificação de Forster,
pois, para ele, as personagens não podem ser totalmente planas ou totalmente
redondas: São categorias analiticamente operacionalizáveis e úteis, mas elas não apreendem o que efetivamente acontece com as personagens. São insuficientes até mesmo enquanto termos: de certo modo, nada mais plano do que uma esfera: até se dá a mesma resposta nunca é a mesma. Mas isso não é levado em conta quando se fala em personagem plana ou esférica. Por outro lado, uma personagem aparentemente ‘redonda’ pode ser intrinsecamente muito plana. Essas categorias pressupõem a personagem como existente em si no texto literário isolado do contexto social. Pressupõe que a obra literária existia como um ente autônomo. (KOTHE, 2006, p. 5-6).
Vítor Manuel Aguiar e Silva reforça a opinião de Flávio Kothe:
A densidade e a riqueza destas personagens não as transformam, porém em casos de absoluta unidade: através de suas feições peculiares, das suas paixões, qualidades, dos seus ideais, tormentos e conflitos, o escritor ilumina e revela a vida. (SILVA, 1994, p. 710).
De acordo com Cândida Vilares Gancho, quanto ao papel desempenhado no
enredo, as personagens podem ser classificadas em protagonistas (personagem
principal do enredo) e antagonistas (personagem que se opõe ao protagonista). A
personagem protagonista é quem exerce o papel de herói ou anti-herói do enredo.
2.4 O HERÓI E O ANTI-HERÓI NA OBRA LITERÁRIA
O herói nasce com o mito que corresponde às crenças de um povo. O mito
passa então a ser a verdade dessa comunidade. Embora o mito não explique a
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realidade desse povo, ele representa o aspecto legal dessa coletividade e é por isso
que ele sobrevive no espírito do grupo.
Nesse sentido, as comunidades primitivas procuravam, na idade mítica,
aquilo que julgavam ter perdido: a verdade eterna que compreende os cultos, os
ritos, as lendas, como se isso permitisse o retorno do mito. O mito é um paliativo à
brusca arrancada do processo histórico e uma tentativa de compensar a imitação do
ser humano. Massaud Moisés assim define o herói:
O protagonista ou personagem principal (masculina ou feminina) da epopéia, prosa de ficção (conto, novela, romance) e teatro. Na Antiguidade Clássica, o apelativo ‘herói’ era destinado a todo ser fora do comum, capaz de obrar façanhas humanas, que o aproximassem dos deuses. Equivalia aos semideuses, produto da aliança entre um deus e uma mortal(...) À sua semelhança, o herói literário se caracterizava pela valentia, a coragem física e moral (...) E na ficção do século XIX contemplamos a permanência residual e equivocada do herói, ao mesmo tempo que o surgimento do anti-herói. (MOISÉS, 1997, p. 272-273).
Para Flávio Kothe, o herói clássico é aquele que defende a ideologia da
classe alta, rebaixando os ideais da classe baixa. Já o anti-herói, segundo Kothe, é a
personagem que expõe ao leitor toda a problemática da classe baixa, que é vítima
do massacre da classe alta. E Massaud Moisés enxerga mais diferenças entre esses
dois tipos de personagens:
O herói identifica-se por atos de grandeza no bem e no mal, enquanto que o anti-herói não alcança emprestar altitude ao seu comportamento, seja positivo ou negativo; ao passo que o herói eleva e amplia as ações que pratica, o anti-herói os minimiza ou rebaixa. Em suma, comporta-se como reverso do herói. (MOISÉS, 1997, p. 29).
Luís da Silva é o anti-herói da narrativa Angústia. A partir das inquietações
de seu ser, ele expõe toda a problemática existencial de sua comunidade que é
explorada pela classe que controla o poder econômico, político e social do Brasil. A
intenção da personagem é colocar em evidência todo o mal que a classe dominante
causa a essa comunidade explorada que não consegue vencer suas misérias.
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A classe exploradora permite a geração de uma comunidade - miseráveis,
prostitutas, ladrões, preguiçosos, tarados, maníacos, doentes mentais - que tenta a
todo custo se libertar dessa opressão, mas não consegue, pois os controladores
estão por todos os lados, vigiando seus passos e suas ações. Não é de se estranhar
que, muitas vezes, o desejo dessa libertação se dê apenas na mente ou em
conversas entre amigos, como acontecia com Luís da Silva e Moisés:
“Essa porcaria não endireita. Revolução no Brasil! Quem vai fazer revolução!
Os operários! Espere por isso. Estão encolhidos, homem. E os camponeses votam
com o vigário, gostam do governo” (RAMOS, 2004, p. 47-48).
A classe dominante controla a classe oprimida com favores, em geral
empregos públicos, com a finalidade de deter a revolução e se manter no poder.
Luís da Silva era uma dessas vítimas, que embora criticasse a classe opressora,
precisava dela para sobreviver; por isso, praticava uma literatura ordinária que
defendia os interesses dessa classe opressora:
Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo umas linhas. Os chefes políticos do interior brigam demais. Procuram-me, explicam os acontecimentos locais, e faço diatribes medonhas que, assinadas por eles, vão para matéria paga. Ganho pela redação e ganho uns tantos por cento pela publicação. Arrumo desaforos em quantidade, e para redigi-los necessito longas explicações, porque os matutos são confusos. Além disso, recebo de casas editoras de segunda ordem traduções feitas à pressa, livros idiotas, desses que Marina aprecia. Passo uma vista nisso, alinhavo notas ligeiras e vendo os volumes no sebo. (RAMOS, 2004, p. 45-46).
2.5 O PAPEL DO NARRADOR
Foco narrativo é o ponto de vista do narrador ou da narração, são as
funções que o narrador exerce em uma história. Dessa forma, temos dois tipos de
narrador, um em primeira pessoa e outro em terceira pessoa.
Em Como Analisar Narrativas, Cândida Vilares Gancho define o narrador em
primeira pessoa ou narrador personagem como:
Aquele que participa diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto, tem seu campo de visão limitado, isto é, não é onipresente nem onisciente. No entanto, dependendo da personagem que narra a história, de quando o faz e de que relação
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estabelece com o leitor, podemos ter algumas variantes do narrador personagem. (GANCHO, 2006, p. 33).
Ainda segundo Gancho, o narrador personagem se apresenta em duas
formas: narrador testemunha e narrador protagonista. O narrador testemunha, em
geral, não é a personagem principal, porém ele narra os fatos dos quais participa. O
narrador protagonista é o narrador que exerce o papel de personagem principal do
enredo. Luís da Silva é um bom exemplo desse tipo de narrador:
Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. (RAMOS, 2004, p. 7).
De acordo com Gancho, o narrador em terceira pessoa é aquele que:
Se posiciona fora dos fatos narrados, portanto, seu ponto de vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira pessoa é conhecido também pelo nome de narrador observador e suas características principais são a onisciência e a onipresença. (GANCHO, 2006, p. 31).
O narrador em terceira pessoa também apresenta variantes: narrador intruso
e narrador parcial. O narrador intruso é aquele que dialoga com o leitor ou analisa as
atitudes do personagem, pois persegue a personagem e penetra em seu íntimo. Já o
narrador parcial se identifica com determinada personagem, embora não faça a
defesa dela explicitamente, permite que tal personagem tenha mais espaço na
narrativa.
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. (RAMOS, 2004, p. 9).
23 3 CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO DE ANGÚSTIA
Compreender o período histórico-literário situado entre 1930 e 1945, exige
que se observe o contexto internacional anterior a esse momento. De acordo com
Boris Fausto:
A partir do fim da 1ª Guerra Mundial, os movimentos e ideais totalitários e autoritários começaram a ganhar força na Europa. Em 1922, Mussolini assumiu o poder na Itália; Stálin foi construindo seu poder absoluto na União Soviética; o nazismo se tornou vitorioso na Alemanha, em 1933. A crise mundial concorreu também para o desprestígio da democracia liberal. Esse regime estava associado no plano econômico ao capitalismo. (FAUSTO, 2012, p. 301).
A 1ª guerra mundial, que ocorreu de 1914 a 1918, fez com que muitos
países precisassem ser reconstruídos. Assim, os Estados Unidos exportaram, de
forma significativa, produtos agrícolas e industrializados que iriam reerguer grande
parte desses espaços.
No entanto, o boom de exportação foi gradativamente sendo diminuído, o
que fez com que a superpotência conhecesse a crise de 1929, quer dizer, uma
grande desvalorização das ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque.
Naturalmente, estando abalada a nação norte-americana, de certa forma, cada um
dos Estados Internacionais ligados a ela conheceu um pouco de tal insegurança
econômica.
Dessa forma, o capitalismo e o liberalismo começaram a ser questionados
como fonte de felicidade. Nesse quadro, desenha-se, um ano após o estouro da
crise norte-americana, no Brasil, a estruturação do poder totalitário de Getúlio
Vargas, advogado e político brasileiro, que foi líder civil da “revolução” de 30.
O governo provisório do novo líder dissolve o congresso e nomeia
interventores para os Estados, atuando como um governo centralizador, mas que
dialogava com a igreja católica. Quanto à economia, devido à queda da exportação
de café para os E.U.A., apoiou as oligarquias cafeeiras, queimando milhões de
sacas do produto a fim de mantê-lo em bom preço no comércio.
No que se refere à política trabalhista, “teve por objetivos principais reprimir
os esforços organizatórios da classe trabalhadora urbana fora do controle do Estado
e atraí-la para o apoio difuso do governo” (FAUSTO, 2012, p. 286). Na educação,
24
criou o Ministério da Educação e Saúde em 1930, dando, depois, uma série de
orientações quanto a ciclos de ensino, currículo, entre outros.
No entanto, o dito “governo provisório” de Vargas instala-se no poder por 15
anos, ao longo dos quais vai delineando sua ditadura, coberta pelo populismo e pelo
Estado Novo (1937).
A literatura do período registrou esse momento nacional, sendo uma
materialidade a ser usada para a denúncia e reflexão, na medida em que traça o
perfil de classes sociais brasileiras antes não tão bem evidenciadas.
Vive-se o Modernismo, mas não a irreverência de 1922, exposta na
Semana de Arte Moderna em São Paulo, com a ânsia de nacionalismo observada à
luz do Pau Brasil ou da Antropofagia. A 1ª fase do modernismo trazia a ruptura com
os antigos padrões não só na arte literária, mas nas demais expressões artísticas,
como foi o caso das expressões pictóricas de Anita Malfati e Tarsila do Amaral.
Após a irreverência dos primeiros modernistas, da fragmentação, do
dinamismo, ocorre um período de moderação, relacionado às reflexões trazidas pela
2ª guerra mundial e, também, por uma nova forma de ver o Brasil, influenciada por
estudos sobre a sociedade brasileira, com destaque especial para Casa-grande e
senzala (1933), de Gilberto Freyre.
O Modernismo do momento era, pois, o da 2ª geração, ou do Romance de
301, caracterizado também por um novo tipo de nacionalismo, agora era voltado para
impulsionar o conhecimento das regiões do país.
Os romancistas dessa geração eram neo-realistas, primando pela narrativa
linear, porquanto se percebe a estrutura início, meio e fim, atendendo a uma lógica
regular. Pretendia-se a verossimilhança, quer dizer, embora o romance fosse
ficcional, seria sua narrativa possível na realidade.
Ressalte-se que o romance dessa geração primava pela análise psicológica,
o intimismo, conhecido também como introspecção psicológica, em que a mente do
personagem fica evidenciada. Desse modo, toda trama mental é exposta na busca
da compreensão do ser psicológico, mas também imerso no mundo social, o que faz
lembrar as narrativas machadianas.
1 Assim, chama-se romance de 30 a produção ficcional brasileira de inspiração produzida a
partir de 1928, ano de publicação de A bagaceira, de José Américo de Almeida.
25
Dessa forma, a criticidade é uma das molas mestras e também a busca de
uma tipificação social, em que nem só a burguesia é retratada, mas tipos como o
nordestino que foge da seca também interessam.
Nesse sentido, um dos maiores escritores dessa geração foi Graciliano
Ramos, que nasceu em 1892, falecendo aos 61 anos em 1953. Foi cronista,
contista, romancista, jornalista e político. Membro do Clube dos 13 e ateu confesso,
o “Velho Graça” exerceu cargos públicos, como o de prefeito de Palmeira dos índios,
sendo preso pelo governo Vargas por sua amizade com comunistas, mesmo sem
fazer parte do partido, ao qual irá se filiar apenas em 1945.
O autor escreveu vários livros, mas, como é comum no país, não conseguiu
viver confortavelmente apenas do lucro de suas obras, contando regularmente com
a ajuda de amigos como José Lins do Rego.
Os textos de Graciliano Ramos, seguindo os passos da proposta dos
romancistas de 30, refletem uma síntese entre o indivíduo e o meio, em que o social
e o psicológico se fundem e são expressos por uma linguagem concisa e clara.
Excelente mostra desse tipo de linguagem é a obra Vidas Secas.
Nessa obra, o autor analisa a figura do retirante que migra com sua família,
sem condições mínimas de sobrevivência. Vê-se a pobreza, a falta de perspectiva,
em que a própria linguagem á árida. Frases curtas ou silêncio. O que dizer diante da
dureza diária ou da falta de sonhos maiores, além daquele que é manter-se vivo, no
mínimo, pelo consumo de pão e água, numa condição animalesca.
Entretanto, nem todas as narrativas de Ramos são ambientadas no campo.
Angústia (1936), por exemplo, é um romance urbano, o 3º livro do autor, um dos
mais interessantes de sua obra, o qual foi publicado no ano em que o autor foi
preso, o que Graciliano registra, em carta a Raúl Navarro, ao dizer o seguinte: “três
romances fabricados em situações horríveis – Caetés, publicado em 1933, S.
Bernardo, em 1934, e Angústia, em 19362”.
É importante frisar que a linguagem é o padrão culto urbano, pois o público
leitor da época teria melhor acesso à obra, o que não impede que se identifiquem os
grupos sociais que atravessam sua produção, bem como o conflito existente entre o
2 Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos Benjamín de Garay e
Raúl Navarro.
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herói problemático e a estrutura degradada da sociedade; retoma-se a antiga tensão
vivida entre o eu e o mundo.
27
Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
(Carlos Drummond de Andrade)
28 4 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DE LUÍS DA SILVA
4.1 QUEM É LUÍS DA SILVA?
O crítico Antônio Cândido considera Luís da Silva, personagem principal do
romance Angústia, escrito em 1936, por Graciliano Ramos, como a mais dramática
da literatura brasileira. Por essa observação compreende-se a extensão da dor, ou,
talvez melhor dizendo, angústia da personagem, a qual seguia por lugares odiosos,
temendo pessoas, cheio de horrores. Assim, sobre ele, disse Cândido:
É um livro fuliginoso e opaco. O leitor chega a respirar mal no clima opressivo em que a força criadora do romancista fez medrar o personagem mais dramático da moderna ficção brasileira - Luís da Silva. Raras vezes encontramos na nossa literatura estudo tão completo de frustração. (...) Um frustrado violento, cruel, irremediável, que traz em si reservas inesgotáveis de amargura e negação. (...). Nele, há depravação dos valores, sentimento de abjeção ante o qual tudo se colore de tonalidade corrupta e opressiva. (CÂNDIDO, 2006b, p. 47-48).
Luís da Silva expõe toda essa dramaticidade ao leitor por meio de suas
memórias. Ele, ao visitar seu passado, percebe sua medíocre existência. Diante
desse quadro cinzento, a personagem vê-se sem força e sem perspectiva nenhuma
para enfrentar os desafios da vida, pois não consegue conviver consigo e com seus
semelhantes. Luís da Silva odeia a vida, também ele mesmo e os outros; não há
estima, confiança, apenas a degradação que aprendera desde menino com
ausências, medos e incompreensões.
Tudo gerou em Luís da Silva a grande angústia. Sigmund Freud (1969)
define angústia como uma excitação sexual reprimida, como um prazer frustrado
que não foi solucionado. Literalmente, a angústia para Freud é “excitação no vazio,
uma energia da alienação amorosa”. É o desejo impedido, a ação paralisada, o
desconforto do ser que não encontra em seu espaço um lugar para suas
realizações.
O conceito freudiano incorpora dois vocábulos (sexo e amor) importantes
para a concepção do ser humano, embora nem sempre o amor esteja presente no
29
ato da concepção. Há ser que é gestado apenas em função de uma atração, de um
impulso sexual, é essa a realidade de Luís da Silva.
Para, portanto, conhecer a origem de sua angústia, faz-se necessário
conhecer sua história de vida. Menino, passou sua infância no interior de Alagoas -
Estado situado a leste da região nordeste - na companhia do pai Camilo Pereira da
Silva e dos avós paternos Trajano Pereira de Aquino Cavalcanti e sinhá Vitória que
já estavam caducos.
A existência de sua mãe é silenciada em quase toda a narrativa tanto pelos
familiares quanto pelo próprio Luís da Silva, o qual desejava ardentemente vivenciar
a relação mãe filho. Esse desejo foi manifestado inconscientemente durante um
delírio que ele teve após o enforcamento de Julião Tavares, responsável pelo
rompimento do noivado de Luís com Marina.
Em tal delírio, Luís está fragilizado, amparado pelo embalar de sua mãe,
agora presente, mas sem palavras, entoando uma canção nascida da necessidade
de presença maternal que a personagem possui:
O som de uma vitrola ecoava-se nos meus ouvidos, acariciava-me, e eu diminuía, embalado nos lençóis, que se transformavam numa rede. Minha mãe me embalava cantando aquela cantiga sem palavras. A cantiga morria e se avivava. Uma criancinha dormindo um sono curto, cheio de estremecimentos. Em alguns minutos a criancinha crescia, ganhava cabelos brancos e rugas. Não era minha mãe a cantar: era uma vitrola distante, tão distante que eu tinha a ilusão de que sobre o disco passeavam pernas de aranha. (RAMOS, 2004, p. 218-219).
Não se sabe nada a respeito da mãe de Luís da Silva: se teve um
relacionamento efêmero com Camilo Pereira da Silva, se sua gravidez aconteceu a
partir de uma atração sexual, se abandonou o filho ou morreu. Contudo, sabe-se
muito a respeito de seu pai.
Camilo Pereira da Silva era um pequeno comerciante que passava a maior
parte de seu dia dentro de uma rede, entregue à leitura de romances. Percebe-se
que a literatura era mais importante para Camilo do que Luís. Mesmo sabendo o
valor da cultura e do conhecimento, ele não se preocupou com a educação do filho
que só começou a estudar aos dez anos de idade. O acesso tardio à escola revela o
30
descuido que a família teve com o menino, especialmente seu pai que o tratava
como um animal:
Meteram-me na escola de seu Antônio Justino, para desasnar, pois, como disse Camilo, quando me apresentou ao mestre, eu era um cavalo de dez anos e não conhecia a mão direita. Aprendi a leitura, o catecismo, a conjugação dos verbos. (RAMOS, 2014, p. 13).
Ao afirmar que o “meteram” na escola, fica evidente, pois, a falta de
assistência no processo educativo. Luís é visto como um cavalo, um asno, como se
fosse o responsável por não ter adquirido o conhecimento negado pelo pai,
responsável pela formação de seu filho.
Como não bastasse o descaso com a educação do filho, o pai torturava o
menino, lançando-o num lugar fundo do poço da Pedra, apenas segurando-o por um
de seus braços, depois o puxando e deixando-o respirar em curtos intervalos.
Repetia o ritual, até que o garoto, por sua conta e desespero, aprendeu a nadar e
livrou-se do drama.
De acordo com a psicóloga Ana Mercês Bahia Bock (2002), em caso de
agressão, é comum que as crianças e os adolescentes do sexo masculino sofram
violência física de seus pais, mostrando o oposto da ideia que muitas vezes se cria
sobre o ambiente familiar como um lugar de proteção e cuidado.
São as primeiras experiências de violência, praticadas por pessoas muito
próximas, como a falta de cuidados com a criança, o abandono, a agressão física
e/ou psicológica; havendo muitos casos de violência física contra os meninos, e,
mais especificamente, o abuso sexual, no que se refere às meninas.
Luís da Silva, como se vê, é um exemplo dessa experiência e sua família
afasta-se da representação do mito da segurança. Cedo, ele percebeu isso, e mais
tarde passou a definir o amor como “uma coisa dolorosa, complicada e incompleta”
(RAMOS, 2004, p. 102).
Talvez tivesse chamado qualquer outro sentimento de amor, por nunca ter
conhecido o verdadeiro afeto paterno e/ou materno, sequer a consideração de uma
companheira. Afinal, o conceito de amor encontrado em dicionário é totalmente
diferente do que Luís conheceu:
31
Amor (ô) SM. 1. Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem. 2. Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro, ou a uma mesma coisa. 3. Inclinação ditada por laços de família. 5. Afeição, amizade, simpatia. (FERREIRA, 2001, p. 39-40).
Segundo os psicólogos, sentir-se amado é a principal necessidade do ser
humano. O apóstolo Paulo afirma que qualquer ato humano não motivado por esse
sentimento é por si vazio e sem significado. Para Bock, sem amor a pessoa adoece,
pode até morrer, porque não há sobrevivência física e psíquica no desamor.
Assim, o vínculo biológico, social e afetivo é indispensável para que uma
criança se desenvolva plenamente saudável, por isso, ao se encontrar problemas
físicos e/ou psicológicos em uma criança pequena, é possível perceber, muitas
vezes, atrás desse quadro, o desajuste familiar.
O sentimento de amor e afetividade é um vínculo de mão dupla, relacional,
pais precisam do afeto de filhos assim como filhos necessitam do acompanhamento
afetivo. Dificuldades de relacionamento no primeiro núcleo, que é o familiar, tendem
a estenderem-se a outros grupos, como o escolar, de trabalho, entre outros.
O desamor causou em Luís da Silva um isolamento: “Eu ia jogar pião,
sozinho, ou empinar papagaio. Sempre brinquei só” (RAMOS, 2004, p. 13).
O ato de brincar só é comum à criança, que cria amigos imaginários e, num
processo criativo, desenvolve diálogos e ações, práticas interativas, embora
apontem para um monólogo interior. O que chama atenção na situação de Luís é a
palavra sempre, o menino não tinha perenemente alguém que o estimulasse ao
sentimento de amizade, ao jogo lúdico, à parceria na solução de problemas,
aspectos estimulados por meio do ato de brincar.
Na verdade, para que não se diga que a personagem principal nunca
recebeu um gesto de carinho, a narrativa registra uma ação considerada carinhosa
pela personagem:
Quem me acordou foi Rosenda, que me trazia uma xícara de café. - Muito obrigado, Rosenda. E comecei a soluçar como um desgraçado. Desde esse dia tenho recebido muito coice. Também me apareceram alguns sujeitos que me fizeram favores. Mas até hoje, que me lembre, nada me sensibilizou tanto como aquele braço estirado, aquela fala mansa que me despertava. - Obrigada Rosenda.
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Iam levando o cadáver de meu pai Camilo Pereira da Silva. Corri para a sala, chorando. Na verdade, chorava por causa da xícara de café de Rosenda, mas consegui enganar-me e evitei remorsos. (RAMOS, 2004, p. 19).
O impacto sentimental sofrido com o recebimento da xícara de café substitui
o possível sentimento de dor oriundo da morte do pai. Um simples café o faz
“soluçar como um desgraçado”, finalmente a personagem sente o carinho de
alguém, numa representação da mãe que alimenta e aquece seu filho.
Percebemos que o falecimento de Camilo Pereira da Silva trouxe um grande
alívio a Luís da Silva, pois ele se livrara das constantes humilhações praticadas pelo
pai. A personagem não conseguia sentir saudades, mesmo que tentasse chorar,
lembrava dos maus tratos, das torturas sofridas durante as atividades mais banais
do cotidiano, como banhar-se no poço da Pedra ou aprender o alfabeto. Eram bolos
e cocorotes que não o deixavam desejar a presença do rude pai, as ofensas que o
taxavam de cavalo, entre outras coisas, soavam dentro daquela ausência.
Após a morte do pai, a personagem principal de Angústia se viu sozinho, por
isso, se perguntava: “Que iria fazer por aí à toa, miúdo, tão miúdo que ninguém me
via?” (RAMOS, 2004, p. 18).
Com medo, sem amor, sem educação e cheio de mágoa no coração, Luís da
Silva se viu obrigado a enfrentar a vida. Por isso, abandonou o interior de Alagoas e
foi morar na cidade de Maceió.
Lá, enfrentou os piores desafios de sua existência: miséria, mendicância,
injustiça, humilhações, dormiu nas ruas, passou fome e vivia implorando por
empregos para garantir sua sobrevivência.
Os anos se passaram, mas Luís da Silva não conseguiu superar a
necessidade de vivenciar a relação mãe-filho; por isso, via em qualquer situação a
possibilidade de concretizar esse desejo. Tudo relacionado à maternidade lhe
chamava a atenção, como por exemplo, a imagem de uma mulher grávida. Aliás,
essa é uma das cenas da narrativa do romance Angústia que mais chama a atenção
do leitor, por ela ser extremamente grotesca:
O espaço que ocupara na calçada era atravessado por outros corpos que iam e viam, sem me despertar interesse. Mas a imagem do primeiro corpo vivia em mim. Era uma mulher gorda, amarela, mal vestida, com uma barriga monstruosa. Não sei como podia andar na
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rua conduzindo aquela gravidez que estava por dias. A saia, esticada na frente, levantava-se exibindo pernas sujas e imundas. (...) Na calçada um ventre extraordinário ia inchando, ventre que tomava proporções fantásticas. Os transeuntes atravessavam aquela barriga transparente, às vezes pararam dentro dela, e isto era absurdo, dava-me a idéia de gestações extravagantes. (RAMOS, 2004, p. 130-131).
4.2. EM BUSCA DE UMA MÃE
Percebe-se que a carência afetiva de Luís da Silva, causa da pela falta da
mãe, leva-o a querer, a todo custo, ter laços maternais. Então, ele buscava isso nas
mulheres com quem mantinha um contato mais duradouro. As empregadas
domésticas foram seus principais alvos. Vimos acima que a primeira mulher a quem
ele direcionou esse desejo foi a Rosenda.
Na fase adulta, essa carência afetiva foi dirigida à empregada Vitória, pois as
duas garantiram sua alimentação diária. Essa função cabe à mãe, que procura a
todo custo proteger o filho.
Esse mesmo ato é manifestado de forma confusa durante seu delírio, pois,
nele, uma mesma pessoa que o serve é chamada primeiro de Vitória e depois de
Rosenda; estão ligadas às necessidades básicas de comer e beber.
Essa obsessão pela presença da mãe era natural, segundo a psicóloga Ana
Mercês Bahia Bock, pois é na família, em que os papéis de pai e mãe são
tradicionalmente cumpridos, que o desenvolvimento do indivíduo se dá. Assim, na
ausência desse importante grupo, o Estado busca uma substituição, algumas vezes
outra família ou mesmo uma instituição.
As funções de cuidado e segurança, portanto, precisam ser efetivadas para
que haja a inserção da pessoa assistida na coletividade, na sociedade.
As entrelinhas de Angústia mostram que a mãe de Luís da Silva era Quitéria,
ex-escrava de Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva. O pai da personagem
principal ficava nervoso quando Quitéria gritava misericórdia por se assustar com
trovões.
Por outro lado, quando Camilo morreu, a preta ficou a lastimar-se, gemendo,
escondida. Camilo, provavelmente, não a teria desejado para esposa por se ex-
cativa, negra, pobre, sem nenhuma instrução, uma mulher, que, como muitas outras,
servira para as relações sexuais dos filhos de seus “senhores”.
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No decorrer da narração, essa maternidade vai se concretizando, porquanto
Luís da Silva tem características físicas e étnicas idênticas as de Quitéria: “Além de
tudo sei que sou feio. Perfeitamente, tenho espelho em casa. Os olhos baços, a
boca muito grande, o nariz grosso.” (RAMOS, 2004, p. 34). Via em si a presença das
duas raças, reconhecendo essa mistura como um infortúnio ao qual estaria
subjugado.
Conhecia, ainda, o fato de que os filhos das pretas eram posse do senhor
Trajano e não deveriam ser poucos, porque as pretas conheciam muitos homens e
não se envergonhavam disso, o que era muito diferente das práticas da mulher
branca.
Apesar de todos os indícios, Luís da Silva não tinha certeza de que fosse
filho de Quitéria com Camilo Pereira da Silva; por isso, sua angústia não tinha fim. A
falta de amor familiar comprometeu os relacionamentos afetivos de Luís da Silva,
que procurava as prostitutas para satisfazer suas necessidades sexuais.
4.3 O TRIÂNGULO AMOROSO
Apesar de ter dificuldades para se envolver com as mulheres, Luís da Silva
se interessou por sua vizinha Marina. Os dois começaram a namorar e em pouco
tempo noivaram.
O noivado, de uma certa forma, fora precipitado por parte de Luís da Silva,
pois ele percebeu que Marina não gostava dele o suficiente para assumir um
compromisso sério. Marina só estava interessada em gastar o dinheiro do noivo.
Ao perceber que ele não tinha mais o que gastar e que não iria dar uma boa
vida, Marina desistiu desse casamento:
Eu tenho umas economias, pouco, mas tenho. Também você não precisa de muita coisa. Umas fronhas, umas camisas. (...) Marina recebeu o dinheiro sem constrangimento, e eu me sensibilizei julgando que ela procedia assim por estar identificada comigo (...) havia de brigar com ela, dizer-lhe que tivesse juízo, explicar que sou pobre, não posso comprar camisas de seda, pó de arroz caro, seis pares de meia de uma só vez (...) – Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição. (RAMOS, 2004, p. 67-86).
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Mesmo noiva de Luís da Silva, Marina já se interessava pelo rico advogado
Julião Tavares, que só queria se divertir com meninas ingênuas e interesseiras da
periferia:
Ao chegar à Rua do Macena, recebi um choque tremendo. Foi a maior decepção que já experimentei. À janela da minha casa, caído para fora, vermelho, papudo, Julião Tavares pregava os olhos em Marina, que, da casa vizinha, se derretia para ele, tão embebida que não percebeu a minha chegada. (RAMOS, 2004, p. 74-75).
Julião Tavares assumiu o namoro com Marina. Ela estava deslumbrada com
tudo que o novo amante lhe proporcionava. O namoro chamava a atenção da
vizinhança que corria às janelas para assistir ao casal em seus passeios de
domingo, como se já casados, na expressão satisfeita de Julião e no orgulho da
mulher a ostentar jóias e roupas de luxo.
E o ódio de Luís da Silva só aumentava. Ele passou a perseguir o casal,
mas para freqüentar os lugares requintados aos quais os namorados iam, precisava
de dinheiro, porém não dispunha do mesmo.
A alternativa foi roubar da empregada Vitória que também era acostumada
a pegar as moedas do protagonista. O roubo lhe causou um grande remorso, mas
lhe garantiu a perseguição.
Julião Tavares, enfadado das futilidades de Marina, rompeu o namoro. Ela é
abandonada grávida. Sem saber da gravidez, Luís da Silva encheu-se de esperança
para reatar o namoro. Mas logo se surpreendeu com a gravidez.
Ele passou a perseguir ainda mais os passos de Marina. Numa dessas
perseguições, vê Marina entrando na casa da parteira Albertina para fazer o aborto.
Quando saiu da casa da parteira foi humilhada pelo ex-noivo:
“Levanta a cabeça. Deixa de inocência (...) E atirei-lhe à cara. Com raiva: -
Puta!” (RAMOS, 2004, p. 174).
Era comum, de acordo com Luís da Silva, Julião Tavares engravidar as
meninas e não assumir a paternidade. O funcionário público também seguiu à risca
os passos do advogado e descobriu que ele estava envolvido com outra moça
ingênua.
No pensamento de Luís da Silva, Julião Tavares o impediu de constituir uma
família com Marina. O filho abortado poderia ter sido filho dele. É a partir desse
36
momento que Luís da Silva começou a tramar a morte de Julião Tavares. Na
verdade, Luís da Silva não simpatizou com o advogado desde o primeiro dia em que
o conhecera. Descobriu a nova amante do rival, mais uma das moças que seriam
enganadas, vindo a abortar e receber um valor de Julião para esquecer pelo que
passou.
Luís da Silva começou a traçar a morte do advogado:
Retirei a corda do bolso e em alguns saltos, silenciosos como os das onças de José Baía, estava ao pé de Julião Tavares. Tudo isto á absurdo, é incrível, mas realizou naturalmente. A corda enlaçou o pescoço do homem, e as minhas mãos afastaram-se. Houve uma luta rápida, um gorgolejo, braços a debater-se. Exatamente o que eu havia imaginado. O corpo de Julião Tavares ora tombava para frente e ameaçava arrastar-me, ora para trás e queria cair em cima de mim. A obsessão ia desaparecer. Tive um deslumbramento. (RAMOS, 2004, p. 191).
Julião Tavares foi alvo da fúria de Luís da Silva, porque tirou o direito de ele
ser pai, de dar amor ao filho que ele poderia ter com Marina. Julião Tavares impediu
o protagonista de construir uma família para realizar seu maior desejo: amar sua
mulher e seu filho.
Diante dessa situação, Luís da Silva se definia como insignificante, pequeno,
sem origem.
4.4 IMAGENS DE SI
Segundo Ruth Amossy, a personalidade, a identidade de uma pessoa é
revelada pelo discurso:
Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Para tanto, não é necessário que o locutor faça seu autorretrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências linguísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma representação de sua pessoa. (AMOSSY, 2013, p. 9).
Isso é uma realidade na vida de Luís da Silva. É muito negativa a imagem
que essa personagem tem de si e dos outros. A autoestima é importante, porque é
37
através dela que a pessoa se identifica com o seu eu e com outras pessoas com as
quais ela se relaciona.
A Psicologia diz que se a criança for oprimida em suas atitudes, terá baixa
autoestima, resultando em uma pessoa insegura, indecisa, triste, ansiosa.
Ao passo que a autoestima elevada resulta em um ser humano seguro,
decidido, alegre, feliz. Essa pessoa tem amor próprio, não vive em conflito e não é
ansiosa e insegura. Com a autoestima elevada, o ser humano tem capacidade para
defender seus interesses e enfrentar os desafios da vida.
É perceptível que Luís da Silva tinha uma baixa autoestima em função do
desamor familiar, especialmente por parte de seu pai, que oprimia e humilhava o
garoto.
A narrativa mostra que essa personagem se sentia uma pessoa sem
nenhum prestígio social, infeliz e feio: “Eu sou um infeliz, não tenho onde cair morto”
(RAMOS, 2004, p. 52).
Nessa crise de identidade, muitas vezes, Luís da Silva se sentia como um
animal, uma identificação originada na infância, porquanto seu pai é quem
costumava compará-lo a bichos, o que foi assimilado e adotado pela personagem
protagonista.
Algumas vezes duvidava se seria ou não um homem, ou quem sabe um
misto disso. Assim, aceitava que Marina o chamasse de Lobisomem, havia uma
desestruturação interior, inclinada ao abuso e opressão, educada para a submissão.
Era, como a própria personagem diz, um “Luís da Silva qualquer” (RAMOS,
2004, p. 22), um João-ninguém, um objeto a ser explorado de todas as formas. Tal
depreciação negativa de sua pessoa se estendia a outras pessoas, ou seja, ele se
projeta no outro: “Eu e Julião Tavares éramos umas excrescências miseráveis”
(RAMOS, 2004, p. 197).
Quer dizer, Luís equipara-se ao que lhe parece mais vil e cruel, seu rival,
uma espécie de Camilo, seu próprio pai, aquele que abandona sua descendência.
4.5 ESTILO DO NARRADOR PERSONAGEM
A linguagem é o meio de comunicação do ser humano. Segundo Chevalier e
Gheerbrant (2009), “a linguagem está impregnada de valores simbólicos: imagens,
idéias, emoções, sonoridades, grafismos. Esses valores simbólicos, presentes na
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narrativa Angústia, refletem o estilo de Graciliano Ramos. Segundo Hênio Tavares
(1991), o estilo procede do latim ‘stilu’ que é uma maneira particular de alguém se
apropriar da língua.
Esse modo particular de Graciliano Ramos se apropriar da língua chamou a
atenção do escritor Otto Maria Carpeaux.
Para esse teórico, Graciliano Ramos é um mestre, cuja riqueza literária
reside em seu estilo, entendido como o “talento” para escolher palavras, construções
sintáticas, acontecimentos, e a ordenação, o ritmo das ações.
É um trabalho cauteloso, em que constrói sua produção literária de forma
que reste o essencial, quer dizer, o lirismo, o poético.
O próprio Graciliano Ramos concorda que sua maneira de escrever é
objetiva. Para ele, escrever é cortar supérfluos:
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas têm seu ofício. Elas começam. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra lima, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso: a palavra foi feita para dizer. (RAMOS, 2012, p. 338).
E é cortando supérfluos que Graciliano Ramos cria suas personagens. Luís
da Silva é o reflexo desse estilo. A narração de Angústia é marcada por uma
linguagem essencialmente objetiva como informa Octávio Tarquínio de Souza:
Sua linguagem é de extrema coesão, seca, concisa, despojada de qualquer enfeite, evitando imagens como quem, andando, evita os buracos. Por vezes, sua frase é tão tensa, tão estirada, que lembra a corda retesada de um violino. (SOUSA, 2011, p. 235).
Luís da Silva faz uso constante em sua narrativa de períodos curtos,
pontuação precisa, estrutura sintática direta, linguagem popular, provérbios,
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palavrões, ironia. Ele mesmo avalia a sua linguagem: “A minha linguagem é baixa,
acanalhada. Às vezes sapeco palavrões obscenos” (RAMOS, 2004, p. 49).
O narrador personagem fez críticas severas à linguagem rebuscada e cheia
de erros gramaticais:
“Linguagem arrevesada, muitos adjetivos, pensamento nenhum” (RAMOS,
200, p. 43). Ou ainda “Proletários, uni-vos. Isto era escrito sem vírgula e sem traço, a
piche (...) Aquela maneira de escrever comendo os sinais indignou-se. Não dispenso
as vírgulas e os traços” (RAMOS, 2004, p. 164).
A falta de criatividade para a criação textual também foi alvo de críticas. A
personagem seu Ramalho, por exemplo, foi vista por Luís como incapaz de criar,
porquanto sempre repetia o conto de um moleque que “desonrara” a filha do senhor,
sendo torturado por ele ao ser descoberto.
O fato de Ramalho sempre repetir o mesmo trecho, não sendo capaz de
trazer nada de novo ao desenrolar da narrativa, quebra a expectativa do
personagem principal.
Percebe-se que a linguagem de Luís da Silva reflete a pessoa amarga que
ele é, uma pessoa sem amor próprio, sem amor para com seus semelhantes, um ser
carregado de uma amarga ironia. O pobre, o rico, o governo, a educação e as
mulheres são alvo do desamor de Luís da Silva, que não vê nenhuma melhora para
o futuro:
“O filho de Julião Tavares não viria ao mundo penar, cantar na escola o hino
do Ipiranga, mover-se no exercício militar, curtir fome nos bancos dos jardins,
amolar-se nas repartições, adular nos jornais o governo. E a família de seu Ramalho
nada sofreria” (RAMOS, 2004, p. 171).
4.6 GRACILIANO RAMOS OU LUÍS DA SILVA?
A memória de Graciliano Ramos guarda fatos de sua infância que o
traumatizaram profundamente. Seus pais foram os principais responsáveis por
esses traumas que são relembrados em alguns dos trinta e nove contos que
compõem o livro Infância, lançado em 1945. Le Goff ressalta a importância e a
função da memória para o ser humano:
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A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. (LE GOFF, 2003, p. 419).
Os contos ‘um cinturão’ e ‘Cegueira’ mostram o quanto o escritor alagoano
foi maltratado por seus pais. A criança foi vítima de violência física, verbal e
psicológica. Essas atitudes paterna e materna causaram no garoto revolta. No conto
‘Um cinturão’, Graciliano afirma que qualquer motivo justificava uma surra:
Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldades, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. (RAMOS, 2012, p. 33).
Nesse mesmo conto, o escritor fora vítima da violência do pai que procurava
por um cinturão. Não encontrando o objeto, dirigiu-se ao garoto, que já se
encontrava escondido com medo do pai. É nesse momento que Graciliano Ramos
passa a conhecer a justiça injusta do pai, pois ao encontrar o cinturão dentro poucos
minutos após a surra, foi incapaz de pedir desculpas ao filho:
O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça, nunca ninguém se esgoelou de semelhante maneira. Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro (...) Foi esse o primeiro contacto que tive com a justiça. (RAMOS, 2012, p. 35).
Já no conto ‘Cegueira’, essa doença deixou recordações amargas no
menino. O desdém e os apelidos dados pela mãe lhe causaram uma grande dor
emocional que o afastava da convivência com outras crianças. Uma forma de fugir
dessa humilhação era o isolamento das outras crianças:
Sem dúvida o meu aspecto era desagradável, inspirava repugnância. E a gente da casa se impacientava. Minha mãe tinha a franqueza de
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manifestar-me viva antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e cabra-cega. Bezerro-encourado é um intruso. Quando uma cria morre, tiram-lhe o couro, vestem com ele um órfão, que, neste disfarce, é amamentado. A vaca sente o cheiro do filho, engana-se e adota o animal. Devo o apodo ao meu desarranjo, à feiura, ao desengonço (...) A outra alcunha era mais insultuosa que a primeira. Lembrava-me do jogo infantil e arreliava-me: - Cabra-cega! - Inhô. - Donde vem? - Do mundéu. - Traz ouro ou prata? - Ouro. Largavam em seguida uma porcaria que tinha besouro como rima; se a resposta fosse prata, a incidência terminava em barata. Eu abominava os nomes sujos, a brincadeira imunda enojava-me. Não sabia por que me batizavam daquela forma. (RAMOS, 2012, p. 144-45).
É interessante observar que esses traumas familiares vivenciados na
infância de Graciliano Ramos estão presentes na narrativa de Angústia. Luís da
Silva tem um ressentimento enorme do pai Camilo Pereira da Silva em função da
tortura que sofrera no Poço da Pedra; essa personagem nega a existência de sua
mãe em quase toda a narrativa do romance. Seria uma forma de Graciliano Ramos
compensar o menosprezo que sofrera dos pais em sua infância? E a mania de Luís
da Silva em se comparar e comparar os outros aos animais: “Colo-me às paredes
como rato assustado.” (RAMOS, 2004, p. 8), e “Marina é uma ratuína.” (RAMOS,
2004, p. 11) seria uma mania herdada da mãe? Percebe-se, portanto, que há uma
mistura de fatos reais e fictícios que causaram a eterna angústia desse ser real
(Infância) e irreal (Angústia), a ponto de Luís da Silva confirmar que ‘Esta claro que
todo desarranjo é interior’ (RAMOS, 2004, p. 22), por isso ele se sente um ‘Luís da
Silva qualquer’ (RAMOS, 2004, p. 22).
“Não havia roupa que se assentasse no meu corpo: a camisa tufava na
barriga, as mangas se encurtavam ou se alongavam, o paletó se alargava nas
costas, enchia-se, como um balão” (RAMOS, 2012, p. 144).
43 5 O MUNDO SIMBÓLICO DE LUÍS DA SILVA
“Seria dizer pouco que vivemos num mundo de símbolos – um mundo de símbolos vive em nós.” (Chevalier e Gheerbrant).
Os símbolos são poderosos instrumentos de comunicação. Eles expressam
as experiências do nosso interior, revelando as imagens de nossos desejos
inconscientes. Estão presentes em todas as culturas humanas, nas estruturas
sociais, nos sistemas religiosos, nas artes.
Eles contribuem para a nossa visão de mundo ao nos proporcionar
informações sobre o nosso lugar no cosmo. A simbologia é ciência que estuda os
símbolos Aurélio Buarque de Holanda Ferreira assim define esse vocábulo:
Símbolo (Do gr.Sýmbolon, pelo lat. Symbolu) S.m. 1. Aquilo que, por um princípio de analogia, representa ou substitui outra coisa. 2. Aquilo que, por sua forma ou sua natureza evoca, representa ou substitui, num determinado contexto, algo abstrato ou ausente. 3. Aquilo que tem valor evocativo, mágico ou místico. 4. Objeto material que, por convenção arbitrária, representa ou designa uma realidade complexa. 5. Elemento descritivo ou narrativo suscetível de dupla interpretação, associada quer ao plano das idéias, quer ao plano real. 6. Elemento gráfico ou objeto que representa e ou indica de forma convencional um elemento importante para o esclarecimento ou realização de alguma coisa: sinal, signo. 7. Sinal que substitui o nome de uma coisa ou de uma ação. 8. Figura convencional elaborada expressamente para representar uma coisa. 9. Pessoa ou personagem que representa determinado comportamento ou atividade. (FERREIRA, 2001, p. 1856).
Para Joseph Campbell (2007), os símbolos, na maioria das vezes, têm
significado universal, porque o ser humano cria-os e recria-os de acordo com a
cultura na qual está inserido: “Os símbolos são produtos espontâneos da psique e
cada um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte” (CAMPBELL, 2007,
p. 16).
Agripina Encarnación Alvarez Ferreira afirma que os símbolos não possuem
um significado único em nenhuma área do conhecimento:
O simbolismo não é fixo, único e objetivo, nem para a psicanálise, nem para a literatura. Cada indivíduo cria e recria um simbolismo de
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acordo com as forças simbolizantes que preexistem no ‘inconsciente’ ou de acordo com as suas ‘tendências’ particulares. Assim, não poderá existir, nem na psicanálise, nem na literatura, um simbolismo determinado, pois as fontes são infindas. Na Literatura, a imaginação cria a realidade, multiplicando as imagens e os símbolos com a ‘atividade polissimbólica’, proporcionada pelo devaneio poético. (FERREIRA, 2008, p. 180).
Vimos acima que os símbolos são criados de forma espontânea, que alguns
possuem significado universal, que outros adquirem sentidos específicos, pois
retratam a cultura de determinada sociedade.
Os símbolos são originários de diversas fontes de inspiração como nos
informam Mark O’Connell e Raje Airey:
Os símbolos são o coração da identidade cultural, passando informações sobre todos os aspectos da vida. São retirados de todas as fontes – animadas e inanimadas – para inspiração e aparecem em todas as formas concebíveis, tais como figuras, metáforas, sons e gestos, como personificações em mitos e lendas ou representados através de rituais e costumes. (O’CONNELL; AIREY, 2010, p. 8).
Foi por reconhecer a importância e função dos símbolos que Graciliano
Ramos fez uso freqüente deles no enredo de Angústia. Este capítulo vai mostrar
qual é o real significado da simbologia da água, da cobra, da corda, da casa, da
mãe, do pai, do pé, do rato, e do sexo na narrativa desse romance, bem como a
relação que tais símbolos mantêm com a causa da angústia de Luís da Silva.
Iremos perceber, sobretudo, que tais símbolos estão intimamente
relacionados com a origem, com a fecundação dessa personagem.
5.1 A ÁGUA
A maioria dos dicionários de símbolos mostra que a água exerce um papel
importante no simbolismo mundial. Apesar de possuir uma significação extensa, em
geral, a simbologia da água pode se restringir a três temas dominantes: fonte de
vida, centro de regenerescência e meio de purificação.
Esses três temas estão presentes na narrativa de Angústia como forma de
revelar o mundo angustiante de Luís da Silva. Segundo Chevalier e Gheerbrant,
quando uma pessoa mergulha na água, ela retorna à sua origem:
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Mergulhar nas águas, para delas sair sem se dissolver totalmente, salvo por uma morte simbólica, é retornar às origens, carregar-se de novo num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova: fase passageira de regressão e desintegração, condicionando uma fase progressiva de reintegração e regenerescência. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 15).
A água representaa origem de tudo, a origem do mundo criado por Deus, o
mesmo Deus a quem Luís da Silva recorre para pedir perdão por ter pecado ao
enforcar Julião Tavares.
A personagem diz que “O espírito de Deus boiava sobre as águas.”
(RAMOS, 2004, p. 105) e precisava de sua presença, da capacidade de gerar um
novo mundo em que não houvesse culpa, medo, penalidades, nenhum Julião
Tavares para assassinar.
A personagem também desejava pairar sobre tudo, mas, em sua condição
animalesca, de cavalo, asno, não poderia desvencilhar-se da angústia de ser mais
um, seguindo a sina do abandono que gera a violência e nega a existência a Julião
Tavares, da mesma forma que negava o nascimento de seus filhos com as ingênuas
moças da cidade.
Após o assassinato, a personagem se dirigiu ao banheiro, porque se sentia
suja e precisava de ser purificada:
Fui ao banheiro, meti as mãos no balde de água e lavei-as, muito lentamente, porque as feridas começavam a doer em demasia. Deitei fora a água, mergulhei o balde no tanque e recomecei a lavagem (...) o corpo estava todo sujo, mas o que mais me preocupava eram os cabelos e as mãos. O banho durou uma eternidade. (RAMOS, 2004, p. 204-205).
Vê-se que Luís da Silva foi ao banheiro como se fosse a um templo. Lá mete
as mãos no balde, há urgência na imersão das mãos, elas são as responsáveis
principais da ação criminosa que resultou na morte de Julião Tavares.
O processo de purificação é lento, ele as lava “muito lentamente”, como que
garantindo a eficiência de seu intento.
Há feridas abertas pelo esforço no combate e elas doem, como dói o fato de
se ver assassino; estava sujo, de tal forma que teve de renovar a água e recomeçar
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a higienização “eterna”, porque o tempo negava-se a transcorrer como usualmente o
faz, havia o peso da morte e uma renovação em processo.
Em outro momento, a simbologia da água ganha nova representação para
essa personagem. Esse líquido passou a representar a tirania, a tortura de Camilo
Pereira da Silva:
“Quando eu não sabia nadar, meu pai me levava para ali, segurava-me um
braço e atirava-me num lugar fundo. Puxava-me para cima e deixava-me respirar um
instante. Em seguida repetia a tortura” (RAMOS, 2004, p. 15).
A água, nesse caso, é o meio usado pelo pai para maltratar o filho. Luís da
Silva não queria ir, era levado, segurado por apenas um dos braços - o que revela a
falta de cuidado – e atirado, como se fosse uma pedra.
Havia a preferência do pai pelo lugar fundo, onde não houvesse forma de a
personagem ficar de pé, era o pai quem decidia quando viria à tona e o tempo que
lhe seria cedido para que respirasse.
De fato, metaforicamente, Camilo jogou o filho num lugar fundo, de miséria,
violência, traição, do qual ninguém o puxou para cima.
Luís ficou imerso em sua baixa estima, na imagem feia que vê no espelho ao
colocar-se diante dele, na falta de estudo que não o faz um advogado como o
inimigo que levou aquela que poderia ter sido sua esposa.
Desejava o mesmo a Marina, por ter sido abandonado:
“Se eu pudesse fazer o mesmo com Marina, afogá-la devagar, trazendo-a
para a superfície quando ela estivesse perdendo o fôlego, prolongar o suplício um
dia inteiro” (RAMOS, 2004, p. 15).
Percebe-se, então, o desejo de poder em relação a Marina, a vontade de
decidir sobre o momento de ela viver ou morrer, para vingar-se do interesse
monetário dessa mulher e de sua falta de amor.
Há, pois, a vontade de reprodução da violência aprendida na infância, assim
como acontece na narrativa Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que um
escravo de Brás Cubas (que servira de montaria para que seu senhor ainda menino
pudesse brincar, às custas de seu sofrimento), ao tornar-se livre, junta dinheiro,
compra um escravo e com ele experimenta o lugar do outro, a dominação. Agora era
ele quem figurava como cavaleiro da montaria humana.
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Mesmo apelando para a misericórdia de Deus, Luís da Silva não se sentia
perdoado, como fica explícito no poema “A mão suja”, de Carlos Drummond de
Andrade:
A MÃO SUJA Minha mão está suja. Preciso cortá-la, Não adianta lavar. A água está podre. Nem ensaboar. O sabão é ruim. A mão está suja. Suja há muitos anos...
A mão, portanto, está suja há muitos anos, de longos tempos são o
abandono e o trauma, a violência e o crime. Ramos não evidencia apenas as mãos
de Luís, mas do homem em geral, denunciando as mazelas de uma vida de pobreza
e ausências.
A água é a tentativa de purificação, mas Drummond sugere o corte da
mesma, quer dizer, é preciso “cortar o mal pela raiz”, eliminar as causas da
desumanização, da coisificação ou animalização do indivíduo.
5.2 A CORDA
A exemplo da água, a corda possui uma ampla simbologia. Segundo
Chevalier e Gheerbrant, ela está associada à ascensão, ao dinheiro, ao nome de
uma pessoa, à meditação, à solidariedade, à fertilidade e à serpente.
No romance Angústia, a imagem da corda é sugerida muitas vezes. Uma
delas é quando um cano comprido ao pé de uma parede faz lembrar uma longa
corda ou, por outro lado, quando arames balançavam como cordas.
A personagem principal está sempre atraída pela imagem da corda, a qual é
como a serpente que convence ao pecado. A corda envolve-o, convidativa, sendo o
objeto usado para o assassinato de Julião Tavares e transporta o anti-herói a uma
superioridade sobre o rival que foi mais fraco.
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Mas o objeto atravessa o caminho de Luís da Silva definitivamente mais
tarde, sendo um presente, uma maneira de realização de seu intento, uma peça
chave em seu destino:
Seu Ivo apareceu aqui em casa faminto, meio nu e meio bêbado, como sempre. Enquanto Vitória lhe preparava a comida, fez-me um presente: - Está aqui, seu Luisinho, que eu lhe trouxe. E pôs em cima da mesa uma peça de corda. (RAMOS, 2004, p. 143).
Ele sabia do que o objeto era capaz, havia observado seu Evaristo
enforcado num galho de carrapateira, balançando como suas ideias. A corda parecia
ganhar vida, torcendo-se e retorcendo-se, a serpente o impelia a Julião Tavares.
A corda aparece como ascensão social e econômica, desejada
ardentemente por Luís da Silva para que ele pudesse dar uma vida confortável à
Marina que só pensava em gastar dinheiro. Na verdade, essa também era a vontade
de Luís da Silva, pois ele queria ter os mesmos direitos que o dinheiro permitia à
família de Julião Tavares.
Cem contos de réis, dinheiro bastante para a felicidade de Marina. Se eu possuísse aquilo, construiria um bangalô no alto do Farol, um bangalô com vistas para a lagoa. Sentar-me-ia ali, de volta da repartição, à tarde, como Tavares & Cia., dr. Gouveia, olhando os coqueiros, as canoas dos pescadores. (RAMOS, 2004, p. 72).
Pode-se ver, ainda, a representação da corda como fortuna. De acordo com
Chevalier e Gheerbrant, a corda:
“É representada também, muitas vezes entre as mãos da Fortuna, que pode
pôr termo a uma vida, contando os fios da existência segundo os seus caprichos”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 286).
Luís da Silva era pobre e sobrevivia com um salário de um subemprego
público. Para complementar a renda, trabalhava como jornalista free lance. Como a
pobreza de Luís da Silva contrastava com a riqueza de Julião Tavares, Marina
rompeu seu noivado com o vizinho Luís para namorar o advogado e filho de
comerciante Julião Tavares, por causa da posição social privilegiada dele.
Tudo isso mexeu com a virilidade do protagonista que não teve o direito de
constituir uma família com Marina.
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Todos esses problemas remetem à origem de Luís da Silva: nascimento
indesejado, abandono da mãe, desprezo paterno, sexualidade reprimida. Essa
situação aumentou ainda mais o ódio que Luís da Silva tinha dos representantes da
burguesia.
A corda também está relacionada ao nome. O povo egípcio, por exemplo,
acredita que a simbologia da corda está intimamente relacionada com o nome e a
história de vida de uma pessoa. A história de vida e o nome de Luís da Silva têm
tudo a ver com o significado da corda:
“Nos hieróglifos egípcios, a corda em nó designa o nome de um homem ou
existência distinta do indivíduo. É o símbolo de uma corrente de vida, refletida sobre
si mesma e se constituindo enquanto pessoa” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009,
p. 285).
Analisando a história de vida do protagonista de Angústia, percebe-se que o
nome dele sofreu uma redução. Tal fato mostra que essa família teve momentos de
riqueza e pobreza. O avô chamava-se Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva,
era um rico fazendeiro do nordeste brasileiro.
O pai, Camilo Pereira da Silva, era um pequeno comerciante e o filho, Luís
da Silva, era um simples funcionário público que sobrevivia com dificuldades nos
subúrbios da capital alagoana.
Na verdade, o nome completo dele era Luís Pereira da Silva. Fica bem claro
que no nome dele não havia o sobrenome de sua mãe, apenas o do pai, pois ele foi
abandonado por ela.
Por isso, ele preferia ser chamado de Luís da Silva. Era uma maneira de ele
esconder que não tinha mãe, pois essa situação causava-lhe uma angústia e
constrangimento social. A solução encontrada por ele foi se “rebatizar” como um
Luís da Silva qualquer.
Os vocábulos um e qualquer mostram o quanto essa personagem se sentia
sem nenhum valor social, ao contrário de Julião Tavares.
Há ainda de se considerar a corda como fecundação. Chevalier e
Gheerbrant mostram que além da relação simbólica da corda com a fecundação, a
corda representa a feminilidade e uma tensão. Foi exatamente a falta dessa
presença feminina (da mãe) que causou a tensão, a angústia do menino.
Ressalte-se que de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2009), “a corda é a
via de concentração pela meditação”, que foi extremamente presente na vida de
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Luís da Silva. Essa prática começou na infância, durante seus momentos de
isolamento, ocasionados pela falta de carinho familiar.
A morte de Julião Tavares tornou-se uma obsessão para Luís da Silva. O fim
da existência de seu inimigo foi traçada meticulosamente pela mente doentia dessa
personagem que preparou o leitor para o assassinato, ato cruel, mas muito desejado
pelo protagonista:
O que eu desejava era apertar o pescoço do homem calvo e moreno, apertá-lo até que ele enrijasse e esfriasse. Lutaria e estrebucharia a princípio, depois seriam apenas convulsões, estremecimento. Os meus dedos continuariam crispados, penetrando a carne que se imobilizaria, em silêncio. Este pensamento afugentava outros. (RAMOS, 2004, p. 106).
Como se percebe, há na narração em primeira pessoa de Luís da Silva,
grande introspecção psicológica, já presente nos romances realistas, por exemplo.
Acompanha-se o passo a passo de suas idéias, seus incômodos, suas reflexões,
desejos de vingança e plano de eliminação do rival.
Ele conta, pois, sobre o seu desejo, cuidando para que se saiba em que
medida quer cada ação. Para o assassinato, visualizou as reações do rival, a força
de seus dedos aplicados à pele, entre outros. A personagem, portanto, planeja,
imagina, até o desenlace de suas atitudes.
A solidariedade também pode ser simbolizada pela corda. Para Chevalier e
Gheerbrant (2009), a corda com nós é o símbolo da solidariedade humana. Ao
enforcar Julião Tavares, Luís da Silva foi solidário e justo com todas as pessoas que
eram exploradas e oprimidas pela classe burguesa, representada pelo advogado e
pelo empresário Dr. Gouveia que alugava seus imóveis para o protagonista:
“Seu ramalho, sujeito calado, sério, asmático, eletricista da nordeste. Era
uma criatura seca por natureza e humilde por ofício. Tinha um sorriso franzino, um
ombro alto e outro baixo” (RAMOS, 2004, p. 51).
A serpente é um outro elemento sugerido pela corda. O nascimento de Luís
da Silva e a traição que ele sofreu de Julião Tavares, Marina e Camilo Pereira da
Silva têm estreita relação com a simbologia da corda que, pela obsessão do
narrador, transformava-se em serpente.
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A traição faz o leitor lembrar a história de Adão e Eva, registrada no livro
Gênesis, da Bíblia Sagrada. Eva, enganada pela serpente, traiu Adão.
Este, por sua vez, desobedeceu a Deus que já tinha advertido Adão para
não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Por causa dessa traição,
Adão foi expulso do Paraíso e Eva foi condenada a um sofrimento eterno em função
da maternidade:
Mas uma neblina subia da terra e regava toda a superfície do solo. Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente. (...) Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para cultivar e o guardar. E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás: porque no dia em que delas comeres, certamente morrerás (...) Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só, far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea (...) E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-se numa mulher e lha trouxe (...) Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher. É assim que Deus lhe disse: não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher. Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. O Senhor Deus, por isso, lançou-o fora do jardim do Éden. (GÊNESIS, cap. 26, ver. 23, 1993).
5.3 A CASA
É um símbolo do espaço psíquico do ser humano, ou seja, a casa é o interior
do ser. Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 197) dizem que a casa simboliza a
proteção: “Um símbolo feminino, com o sentido de refúgio, proteção, de seio
maternal”.
Mas essa proteção materna a personagem nunca teve. Após a morte de seu
pai, Luís da Silva, abandona a casa de seu pai, porque ele não se sentia à vontade,
nem acolhido neste local.
“A casa era dos outros, o defunto era dos outros. Eu estava ali como um
bichinho abandonado. (...) Na casa escura, cheia de lamentações de Quitéria, não
encontrei sossego” (RAMOS, 2004, p. 17-19).
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Nota-se a importância da habitação para Luís, que sempre morara na casa
de seu pai, mas não se sentia parte dela ou da família. Após a morte do pai, o lugar
ficara ainda mais vazio e sofrido, porquanto agora havia lamento de Quitéria pela
ausência de Camilo, expressão de sentimento de que Luís da silva não
compartilhava.
É interessante observar que em todas as casas que Luís da Silva morou
havia nelas algo de desconfortante, de imundo, de sujo, de triste. Esses imóveis
retratavam a alma depressiva dele:
Tenho vivido em numerosos chiqueiros. Provavelmente esses imóveis influíram no meu caráter, mas sou incapaz de recordar-me das divisões de qualquer deles (...) Afinal, para a minha história, o quintal vale mais que a casa. (RAMOS, 2004, p. 38).
A personagem reconhece a identidade de seu eu com o depressivo
ambiente. Tal relação é comum, por exemplo, nas obras de Alencar. Em Senhora
(2000), a personagem Aurélia Camargo, cujo nome remete ao ouro, habita uma casa
com decoração dourada, um lugar que ostenta a riqueza que a heroína herdou.
Eça de Queiroz, por sua vez, no romance O crime do padre Amaro (1969)
descreve o sombrio e carcomido quarto em que o Padre Amaro aproveita-se de uma
jovem sonhadora, à qual ele engravida e abandona. O lugar é equiparado ao caráter
e aos sentimentos mais íntimos do “religioso”.
Os psicólogos dizem que os compartimentos de uma casa revelam o
inconsciente do ser humano. A cozinha, por exemplo, é um local de transformação
alquímica, onde ocorre a preparação dos alimentos. Portanto, pode ser associada ao
cuidado que os pais têm com os filhos, pois é na cozinha que a alimentação é
preparada para garantir a sobrevivência de alguém.
5.4 OUTROS SÍMBOLOS
Outros símbolos apresentam importância para que se compreenda melhor a
personagem Luís da Silva. Cada um contribui para um todo representativo de suas
angústias e dramas.
53 5.4.1 A mãe
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009), o simbolismo da mãe está
associado ao mar, pois os dois vocábulos são ao mesmo tempo receptáculos e
matrizes da vida. Portanto, mar e terra são símbolos do corpo materno. Os dois
teóricos concluem que:
Encontra-se nesse símbolo da mãe, a mesma ambivalência que nos dá terra e mar: vida e morte são correlatas. Nascer é sair do ventre da mãe; morrer é retornar a terra. A mãe é a segurança do abrigo, do calor, da ternura e da alimentação. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 580).
Se do pai ele recebeu opressão, da mãe nada obteve. Por isso, a criança
abandonada, a mulher grávida, o bebê embalado, entre outras cenas relacionadas à
maternidade povoam a mente de Luís da Silva:
A multidão é hostil e terrível. Raramente percebo qualquer coisa que se relacione comigo; um rosto bilioso e faminto de trabalhador sem emprego, um cochicho de gente nova que deseja ir para a cama, um choro de criança perdida. Às vezes isso me perturba, tira-me o sono. (RAMOS, 2009, p. 129).
Como se vê, a criança sem acalanto, representação da própria personagem
a incomoda, como se a dor da ausência materna emergisse de seu inconsciente e
se materializasse na angústia do ser indefeso, da infância sem segurança, da
mulher que gesta sem o compromisso da maternidade, causado por dificuldades
financeiras, emocionais, até mesmo por indiferença.
5.4.2 O pai
O pai de Luís da Silva, como se sabe, é Camilo Pereira da Silva, que dá seu
nome ao menino, mas não sua paternidade. O avô do garoto também não cumpre
essa função, como muitas vezes fazem os avôs na ausência de seus filhos.
Além da perspectiva da proteção, Chevalier e Gheerbrant ampliam a
representação simbólica do pai:
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Símbolo da geração, da posse, da dominação, do valor. Nesse sentido, ele é uma figura inibidora: castradora, nos termos da psicanálise. O papel paternal é concebido desencorajados esforços de emancipação, exercendo uma influência que priva, limita, esteriliza, mantém na dependência. Ele representa a consciência diante dos impulsos instintivos, dos desejos espontâneos, do inconsciente; é o mundo da autoridade tradicional diante das forças novas de mudança. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 678).
O pai não lhe deu irmãos, mesmo que existissem e o possuía como se a um
animal. Dominava-o e reprimia-o, lançando-o solitário à vida, assim como o jogava
na parte mais funda do poço da Pedra, quer dizer, de fato, Camilo inibe Luís, o qual
cresce acuado, sem expressão social e carente.
Mesmo saindo do interior, Luís da Silva continua preso às amarras da
opressão, não consegue emancipar-se, sempre frágil, tanto que não soube receber
a negativa de Marina e o afastamento da moça, deixou-se explorar por ela e
transformou-se num criminoso.
Pelo vazio existente, ainda na presença do pai, Luís da Silva não soube
chorar a morte de Camilo:
Procurava chorar – lembrava-me dos mergulhos no poço da Pedra, das primeiras lições do alfabeto, que me renderam cocorotes e bolos. Desejava em vão sentir a morte do meu pai. Tudo aquilo era desagradável. ‘ – Isto é um cavalo de dez anos e não conhece a mão direita. (RAMOS, 2004, p. 18).
Havia a intenção de sofrer, sentir, lamentar, mas não seria possível sentir
saudade do que não tivera. Não haver também consolo na memória, porque tudo o
que vêm à mente da personagem lembra a dor da convivência com o pai, a tortura e
a desvalorização do filho que não fora desejado.
5.4.3 O pé
O pé está intimamente relacionado com a terra, por isso ele está associado
à estabilidade e ao movimento. Um pé descalço é um símbolo de lamentação.
Mostrando que sua mente vivia agitada por pensamentos de revolta, mágoa e
tristeza, o movimento e o lamento eram constantes na vida de Luís da Silva: “Entro a
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falar sobre a minha vida de cigano, de fazenda em fazenda, transformado em mestre
de menino” (RAMOS, 2004, p. 26).
É comum o filho de Camilo descrever imagens referentes aos pés e aos
calçados de pessoas da casa e/ou transeuntes:
A minha curiosidade se concentrava nos sapatos dos transeuntes. Passaram os tamancos de um carregador, os chinelos de Antônia, umas botinas velhas, que julguei serem do Lobisomem. As crianças de d. Rosália corriam e gritavam, mas estavam descalças. (RAMOS, 2004, p. 76).
É compreensível que Luís da Silva tivesse a visão para um plano baixo,
porquanto havia nele baixa estima e insegurança, fazendo-o, certamente, um
menino - e mais tarde um homem - incapaz de encarar e desafiar os outros. Na
situação sócio-cultural da personagem, olhar os outros nos olhos seria um desafio.
Outra personagem da narrativa, Vitória, empregada de Luís da Silva, era a
que mais tinha contato com a terra na história. Ela fazia buracos no chão para
esconder seu ordenado.
Recolhia cada mensalidade e fazia do quintal uma agência bancária
insegura e sem rendimentos, mas parecia plantar os valores, que em vez de
brotarem lucros, foram roubados por Luís da Silva.
Apesar disso, o filho de Camilo tinha Vitória como sua mãe, pois ela lhe
garantia todos os dias alimentação e proteção.
Camilo, pai de Luís, também teve os pés observados pela personagem
principal:
Que ia ser de mim, solto no mundo? Pensava nos pés de Camilo Pereira da Silva, sujos, com tendões da grossura de um dedo, cheios de nós, as unhas roxas. Eram magros, ossudos, enormes (...) Eu não podia ter saudade daqueles pés horríveis, cheios de calos e joanetes. (RAMOS, 2004, p. 18).
A impressão que Luís tem dos pés de seu pai, como se vê, é a pior possível.
A personagem descreve os pés de forma física, principalmente pelo sentido da visão
tida pelo menino curioso e temeroso ao mesmo tempo. Entretanto, a partir do físico
desenha-se o sentido figurado.
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Na verdade, a personagem faz dos pés uma metonímia, mais
especificamente da parte pelo todo; os pés sujos, cheios de nós, com tendões
grossos, com unhas roxas, enormes, magros e ossudos, edificam a figura
aterrorizante de um pai assemelhado a um ogro dos contos de fadas, aos monstros
do imaginário infantil.
O sapato e o pé são dois símbolos fálicos que representam o feminino e o
masculino. Um pé calçado representa sexualidade, fertilidade, origem; simboliza,
portanto, o nascimento de Luís da Silva.
5.4.4 O rato
O rato representa, para Chevalier e Gheerbrant (2009), um “Animal impuro,
que escava as entranhas da terra, tem uma conotação fálica e anal, que o liga à
noção de riqueza, de dinheiro (...) É associado à noção de roubo, de apropriação
fraudulenta”.
“Os ratos é que me roíam a paciência. Corrote, corrote – era como se
roessem qualquer coisa dentro de mim. Lembrava-me do tempo em que andava
pelas ruas sentindo o cheiro das mulheres” (RAMOS, 2004, p. 89)
Com significados importantes, esse símbolo traz a idéia de fecundação,
adultério e riqueza. Todas essas representações estão relacionadas à vida de Luís
da Silva, pois lembra o seu nascimento, de Marina e as humilhações que sofreu na
vida por ser pobre.
Tais humilhações fazem recordar Julião Tavares, por representar a classe
burguesa que explora os menos favorecidos economicamente, dentre eles, Luís da
Silva. Assim como o rato, o burguês corrói as oportunidades dos menos favorecidos
e, para Herder Lexikon, personifica males, como a doença (LEXIKON, 1997, p. 171).
Os ratos é o nome de um romance de Dyonelio Machado, publicado em
1935. Nele, a personagem Naziazeno não consegue dormir e pensa em ratos
roendo seu dinheiro.
Depois duma trégua, os ratos voltaram a roer, a roer... outra vez naquele canto do assoalho do comedouro o triturar fininho da madeira roída (decerto é a madeira). Talvez depois de consumido o dinheiro, eles passem a roer, a roer a tábua da mesa... Preta
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atenção. Alonga o ouvido. Espera ouvir o crepitar miudinho das mandíbulas, vindo lá do fundo, de longe. (MACHADO, 2010, p. 178).
Essa narrativa, semelhante à Angústia, de Graciliano Ramos, também
mostra o desespero de um personagem em conflito, por não possuir valores que
possam pagar suas dívidas, o que o faz vagar atrás de soluções para uma
dificuldade que parece eterna.
Mais uma vez, então, ratos apresentam-se para a destruição e o
desmoronamento, não apenas daquilo que eles corroem, mas também do sono e
sossego de personagens vivendo crises e tormentos surgidos a partir dos obstáculos
da vida.
5.4.5 O sexo
Subentende-se na narrativa de Angústia que Luís da Silva foi fruto de um
relacionamento amoroso frustrado, porque foi baseado apenas pelo desejo sexual.
Por isso, o sexo não era para ele algo prazeroso, pelo contrário, era
problemático e lhe trazia tensão. O sexo por si só, sem compromisso e/ou
afetividade, ao gerar uma criança, estaria também originando dor e abandono.
Chevalier e Gueerbrant fala como ocorre essa tensão “O sexo indica não só
a dualidade do ser, mas sua bipolaridade e sua tensão interna. Quanto à união
sexual, ela simboliza a diminuição da tensão, a realização plena do ser”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 832).
Para Luís da Silva, o sexo era algo imundo e pecaminoso. Em função disso,
ele tinha uma vida de abstinência, porém não conseguia controlar seus impulsos
sexuais. Para realizar seus desejos sexuais, vivia em busca de prostíbulos, porque o
sexo não saía de seu pensamento.
Tudo para ele cheirava a sexo “A fome desaparecera, mas a falta da mulher
atormentava-me. As que passavam pela rua tinham cheiro violento, e eu andava
com as narinas muito abertas, farejando-as, como um bode” (RAMOS, 2004, p. 98).
Os instintos sexuais da personagem estão em alerta, numa postura que se
assemelha à do personagem naturalista, em que a carne explicita suas vontades.
Tais desejos são incontroláveis, tanto que Luís anda com suas narinas abertas, a fim
de receber todo o poder atrativo do sexo.
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As relações sexuais alheias também lhe interessavam, prova disso é o seu
detalhismo ao contar sobre as relações íntimas de D. Rosália, que acompanhava do
início ao fim com ouvidos abertos, assim como ficavam suas narinas e seus olhos
em outros momentos, porquanto, mesmo cercado por valores e restrições, o homem
é uma criatura sexual:
“Não sei como aquelas criaturas se podiam amar assim em voz alta, sem
ligar importância para os vizinhos. D. Rosália se resfolegava e tinha uns espasmos
longos terminados num ui!” (RAMOS, 2009, p. 102).
Entretanto, mesmo que Luís da Silva esteja atento a corpos, seus cheiros e
sons, o que mais interessa não é a carne que copula, mas a representação do ato
sexual, bem como a ausência dessa prática na vida da personagem. Ou seja, o
importante é saber qual o percentual da falta da plena realização sexual na
formação de sua angústia e desamor.
5.4.6 As sombras
A narrativa Angústia inicia com uma reflexão do narrador. Nesse momento,
ele faz uma retrospectiva de sua vida, dizendo que ainda permanecem algumas
sombras que ficaram em sua memória.
São as sombras de seu passado de desesperança, desamor, humilhações.
Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas, umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. (RAMOS, 2004, p. 7).
A existência de sombras que perturbam Luís da Silva faz parte de uma vida
atribulada. Elas são como fantasmas para ele, relembrando-o das atitudes por ele
praticadas, escusas ações, violentas, as quais ele pretende ocultar, talvez até de si
mesmo.
A personagem prefere, embora seja angustiante, viver sob sombras, pois a
luz intensa deixaria ver mais do que Luís pretende revelar, o que comunga com as
idéias de Jung, que “qualifica de sombra tudo o que o sujeito recusa reconhecer ou
admitir e que, entretanto, sempre se impõe a ele, como, por exemplo, os traços de
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caráter inferiores ou outras tendências incompatíveis” (CHEVALIER;
GUEERBRANT, 2009, p. 843).
5.4.7 A terra
Chevalier e Gheerbrant (2009) afirmam que “a terra simboliza a mãe, fonte
do ser e protetora contra qualquer força de destruição”. É dela que brota o fruto e
também o homem.
Na narrativa bíblica, encontra-se a informação sobre o modo como Deus
produzira o homem, formando-o da terra e soprando-lhe a vida. A terra, além de
oferecer o alimento, também se faz casa, moradia de muitas espécies.
Um dos quatro elementos citados na filosofia grega, a terra representa o
início, porém a ela o fim está ligado. Já com o exemplo bíblico da morte humana,
percebe-se que o homem voltará ao pó, será enterrado, quer dizer, posto na terra,
de forma que a ela se misture e renove na fertilização do mundo.
Pela característica de se fazer mãe, a terra faz parte do grupo de elementos
simbólicos da obra. A empregada Vitória é a personagem que melhor retrata a
relação existente entre terra e maternidade. Ela vive escavando a terra para enterrar
o ordenado que recebia de Luís da Silva. Ele vive desenterrando seu passado com a
intenção de desvendar sua origem maternal. Não é à toa que Luís da Silva se
identifica bastante com Vitória por todos os cuidados que ela tem para com ele, pois
é ela quem cuida de sua casa, de sua alimentação. A casa e a alimentação mantêm
íntima relação com a maternidade.
A terra simboliza também o lugar de repouso eterno do ser humano. Foi a
terra que recebeu Camilo Pereira da Silva e Julião Tavares. Dois personagens que
desrespeitaram a função paterna.
O lado obscuro da terra, portanto, é mais um ponto significativo e muitos
povos vêem a terra como um sepulcro que se opõe ao céu. Tal túmulo apossar-se-ia
da matéria, enquanto a espiritualidade seguiria em busca de luz.
Outras vezes, a personagem principal de Angústia descreve o aspecto
fétido, degenerativo da terra: “os bichos da fazenda vinham abrigar-se no copiar; o
chão da terra batida ficava todo coberto de excremento” (RAMOS, 2004, p. 15).
60 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido com a finalidade de verificar
como se construiu a perturbação mental e emocional presente no romanceAngústia,
de Graciliano Ramos, problematizando a questão. Buscou-se, para tanto, lançar um
olhar mais profundo sobre as personagens, observando a maneira como se
relacionam e os mistérios que as circundam. Assim, houve a oportunidade de
estudar especificamente uma das personagens mais dramáticas da literatura
brasileira: Luís da Silva, o qual traz dilemas existenciais.
Analisada sob a perspectiva psicológica, essa personagem, vítima do
desamor familiar, mostra as conseqüências de uma fecundação indesejada,
demonstrando que a falta de amor de um pai e uma mãe prejudica toda a existência
de uma pessoa.
Nesse sentido, comprovou-se a desestruturação familiar, princípio básico da
grande angústia na obra, retratando as relações genealógicas e, se for possível
nomear assim, afetivas entre as personagens.
Além do jogo entre as personagens, o significativo corpo de elementos
simbólicos relacionados à maternidade e ao abandono forma descritos, reforçando a
compreensão de que a personagem Luís da Silva, inconscientemente, vive uma
saga em busca de suas origens, principalmente quando se trata da pessoa materna.
As consequências desse problema foram a falta de educação, ter condição
apenas de viver em habitação precária, sofrer humilhações, não ter a possibilidade
de constituir família, entre outros.
Desse modo, pode-se concluir que, embora o momento histórico-social
apresentasse uma burguesia exploradora - a qual empurrava a classe baixa ainda
mais para a miséria – a família, no caso de Luís, foi o tormento maior.
Tal grupopoderia ter funcionado como um ensaio para a inserção social. Na
família, ao presenciar o relacionamento amoroso entre os pais, Luís provavelmente
passaria a estabelecer vínculo entre o sexo e a afetividade.
Por outro lado, uma família, que lhe desse educação, tratando-o como um
membro do grupo e não com um animal, oferecer-lhe-ia uma maturidade menos
dolorosa. De tal forma, poderia igualar-se um pouco mais ao seu rival Julião
Tavares, talvez até ascendesse economicamente.
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Entretanto, a vida de Luís da Silva foi um talvez. Tornou-se um homem
carente, obsessivo quanto às figuras femininas, projetando-se em situações de
acalanto materno e de gestações. Criou aversão a um pai torturador, insensível e
dominador.
Portanto, a obra não é só fruto de um grupo conhecido como geração de 30,
preocupado em evidenciar o homem simples e pobre. Denuncia, sim, a rivalidade e
batalha desigual entre as classes, mas sobretudo as necessidades do indivíduo já
nos primeiros anos de vida.
Graciliano registra as reflexões de Luís, suas dores, inseguranças, solidão e
medo. Faz ver melhor o mínimo indispensável a ser oferecido a uma pessoa para
que possua sanidade emocional e mental.
Com tudo isso, constata-se a atualidade da obra Angústia e a maestria de
Ramos, o qual conseguiu transformar traumas e dramas em arte romanesca. A
infância e mesmo o ser já adulto continuam a sofrer violência pelo jogo político e
econômico que desconsidera os riscos que cria, porquanto o fruto do abandono - à
luz da obra – será o desvio de conduta.
No caso de Luís, ele passa a furtar e matar, tudo porque Julião Tavares
rouba-lhe mais uma vez o que a família lhe tirara, em outras palavras, a chance de
ter um lar, uma família no sentido pleno do termo.
É fato que há muito mais a explorar sobre o assunto ausência familiar e
conseqüências do abandono na obra, que a personagem Luís da Silva revela muito
bem.A intenção deste trabalho não é, de forma alguma, esgotar o tema na obra, mas
o registrar a ventilar novas possibilidades para a observação do objeto em evidência,
a personagem principal.
62
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