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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa socialUniversidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais

22 a 26 de Outubro de 2012502

UMA AGENDA POLÍTICA DE ESQUERDA E PRÁTICAS POLÍTICAS DE DIREITA: AS CONTRADIÇÕES DO

PARTIDO DOS TRABALHADORES NAS RELAÇÕES EXTERIORES

Bruno C. Pires de Freitas

Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de MaringáE-mail: [email protected]

Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise da agenda política do Partido dos Trabalhadores (PT), referente à política externa, no período que compreende oito anos de mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os dois primeiros anos de governo da presidenta Dilma Rousseff. A pesquisa tem por objetivo observar as possíveis contradições, entre o programa de política externa previsto pelo partido e a sua concreta efetivação, a partir da condução dos governantes petistas. O estudo busca identificar, por meio de pesquisas em documentos e nas resoluções dos Congressos do PT, como o partido concebe a política externa brasileira; de que maneira são encaminhadas as diretrizes dessa pauta, que ocupa grande importância entre os ministérios; e, por fim, se as políticas governamentais elaboradas para o Ministério de Relações Exteriores (MRE) se efetivam na prática. Ao término da pesquisa, pretende-se compreender em que medida a política externa conduzida por Presidentes petistas vai ao encontro das deliberações daquilo que o partido postula em sua Secretaria de Política Externa. Por ora, apresentamos parte dos dados apurados, especificamente aqueles que remetem às diferentes formulações PT para a política exterior do Brasil no período em tela.

Palavras-chave: Política externa brasileira; Partido dos Trabalhadores; Relações internacionais.

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INTRODUÇÃO

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da república, em 2002, foi recebida com grande expectativa por grande parte da esquerda nacional e internacional. Pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores (PT), em uma coligação que incluía ainda o PC do B e o PCB, chegava ao poder com a promessa de um governo popular. A expectativa positiva se justificava pelas bandeiras esquerdistas historicamente defendidas pelo partido ao longo das duas décadas predecessoras à vitória. No âmbito das Relações Internacionais, as expectativas pautadas nas teses programáticas do PT previam um governo combativo ao neoliberalismo, focado nas relações Sul-SuL e crítico à globalização e ao livre mercado.

No entanto, as expectativas de grande parte de setores da esquerda foram se demonstrando frustradas. O governo de Lula não demonstrou, na prática, seguir o que previa os programas defendidos historicamente pelo seu partido. Sua política econômica pouco rompeu com a lógica direcionada pelo seu sucessor, que implementou medidas neoliberais.

O presente estudo visa executar uma investigação comparativa entre os governos do PT (2003 a 2012) com as diretrizes programáticas do Partido dos Trabalhadores no que concerne às relações internacionais. E, desta forma, observar se há uma relação entre o que prevê as resoluções históricas do partido e a prática dos governos do PT.

O PARTIDO DOS TRABALHADORES E A POLÍTICA EXTERIOR DO BRASIL

O Estado é o ator preponderante das relações internacionais e através dele que se constituem as relações econômicas e políticas interestatais. Esses Estados encontram-se dispostos no sistema político internacional e há uma ideia que norteia o sistema político vigente de que os Estados nacionais encontram-se em igualdade que é legitimada pela concepção de Estado Soberano. No entanto, os países possuem projetos, valores, interesses distintos uns dos outros. Segundo a teoria realista, a desigualdade de recursos e a grande heterogeneidade entre os Estados nacionais induzem a disputa por mais poder, pois cada Estado busca atender as suas necessidades internas e responder aos interesses nacionais. Com base nessa desigualdade interestatal, se compreende como está organizado o sistema político internacional e a realidade Latino Americana, em especial a do Brasil.

No sistema internacional está prevista a igualdade formal entre os Estados, entendimento garantido pela ideia do estado soberano, todavia, sob uma perspectiva crítica, considerando as contradições da realidade, os estados também podem ser apreendidos a partir das suas heterogeneidades e, subsequentemente, a partir de seus interesses específicos. Essa perspectiva nos permite considerar a existência de interesses políticos divergentes entre Estados, que fomentam pressões sobre a ordem estabelecida. (MATHIAS, 2010)

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Apesar da concepção de soberania dos Estados – a qual prevê o direito de autodeterminação dos povos, a organização política, social e jurídica – que compreende as nações soberanas e modernas, não se pode desconsiderar os atores hegemônicos na dinâmica política das relações internacionais. Como formula Martin Wight (1983, apud MATHIAS, 2010), muitos Estados não podem desvencilhar-se do poder que as grandes potências exercem, pois são dependentes delas no âmbito econômico e militar. Tendo sua capacidade de movimentação, dentro do sistema político internacional, limitada, sofrendo pressões políticas das grandes potencias.

A concepção de igualdade entre Estados, que é exposta no sistema político vigente, é dúbio e criticamente questionável. Como pode haver igualdade entre nações como os Estados Unidos – que dispõem de grande poder econômico, político e militar – e Brasil, por exemplo? Ambas são nações soberanas, com suas organizações políticas, sociais e jurídicas. Não obstante, dentro do sistema internacional, o peso político da nação estadunidense se sobrepuja em detrimento da nação brasileira.

Para compreender o encaminhamento da política externa brasileira realizada pelo Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, entender os interesses internos do país é que se faz necessário o desenvolvimento desta pesquisa. Para tal análise, será investigado o período que compreende oito anos do mandato do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e os dois primeiros anos de governo da presidenta Dilma Rousseff. A escolha deste período se justifica pelo rearranjo que a política externa brasileira sofreu nos governos petistas. Observa-se, nesse espaço de tempo, uma ampliação das relações com países fora do eixo central da política internacional, a diversificação das relações bilaterais com países africanos e asiáticos e maior aproximação com a América Latina. O Brasil volta os olhos para o Sul e não se restringe a sua relação com diminuta quantidade de países do Norte, acima da linha do equador.

A ampliação das relações políticas com outros países se comprova pelos novos postos diplomáticos que o governo brasileiro criou em inúmeros países espalhados pelo mundo. Segundo reportagem da Rádio Câmara, foram 66 novas representações diplomáticas, no período entre 2003 a 2010, sendo 16 novas embaixadas no continente africano e 16 no continente europeu. O intercurso de representações diplomáticas entre as nações se estendeu até a Capital Federal, pois nesse mesmo período, foram abertas 27 embaixadas de outros países em Brasília. Verifica-se a reciprocidade das relações diplomáticas nessa perspectiva “Sul- Sul”

Essa movimentação política e a nova direção diplomática Sul-Sul, causou sérias críticas por parte dos opositores ao governo do PT. O embaixador Rubens Barbosa deixa claro sua posição em relação à criação de novas embaixadas:

Eu acho que foi correta a idéia de que o Brasil precisava aumentar o numero das representações no exterior, agora eu acho que foi um pouco apressada a criação de embaixadas em postos que não tem nenhuma significação nem política, nem econômica e nem comercial para o Brasil, como alguns postos na África e alguns

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postos na região do Caribe. Nem os Estados Unidos e nenhum outro país têm

embaixada em alguns desses países.1

Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante do MERCOSUL, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, rebate as críticas afirmando a importância das representações diplomáticas nesses países, o que proporciona um contato direto com as sociedades locais. Para o ex-ministro, as novas embaixadas aumentam a troca comercial e constitui novos mercados.

No caso de países africanos, como nós podemos ver nos últimos anos, houve um aumento muito significativo do comércio com esses países. Esse aumento de comércio naturalmente é devido às ações das empresas, mas é muito facilitado pela presença das embaixadas brasileiras, tanto no caso dos países africanos como no caso dos países asiáticos.2

Para o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o encaminhamento dessa nova política externa, de aberturas de representações diplomáticas seria útil ao Brasil devido o anseio do país à vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Contudo, a explicação dada pelo assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Antonio Jorge Ramalho da Rocha, se distingue:

Eu diria que isso obedece a uma visão nova do Brasil, um país que tem uma voz a ser ouvida no mundo, que precisa participar de certos processos que não se restringem a regiões específicas, e que portanto precisa se fazer presente em várias partes do mundo. Por exemplo, Afeganistão eu lembro que foi muito criticado e a meu ver de uma forma equivocada. Quer dizer, o Afeganistão está no centro de interesses da política externa de vários países europeus, aliás, dos Estados Unidos, e em certo sentido um dos hubs de informação do mundo. Então você estar presente nisso significa ter informação sobre uma série de processos que às vezes vão ter desdobramentos globais, nas nossas regiões de interesse mais próximos. E ao mesmo tempo o fato de estar ali significa a possibilidade de abertura de novos mercados.3

Um ano após as eleições presidenciais de 1998, em que o até então candidato a presidência Luiz Inácio Lula da Silva não se elege como estadista, fora realizado o II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, no período entre 24 a 28 de novembro de 1999, em Belo Horizonte. As resoluções desse Congresso, voltadas para agenda política externa, propõem a convivência com a economia mundial, dentro da dinâmica da globalização. O Partido dos Trabalhadores explicita claramente sua posição contrária à política hegemônica e militarista, ou seja, à política estadunidense. O texto demonstra que a opressão capitalista na América Latina submeteu o

1 Entrevista concedida pelo embaixador Rubens Barbosa a Rádio Câmara.

2 Entrevista concedida pelo Alto Representante do MERCOSUL, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos Samuel Pinheiro Guimarães a Rádio Câmara.

3 Entrevista concedida pelo assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Antonio Jorge Ramalho Rocha a Rádio Câmara.

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continente a novos mecanismos de escravidão, o discurso e posicionamento anticapitalista são latentes na resolução do Congresso. A proposta desse documento é alterar a relação desigual entre o hemisfério norte e o hemisfério sul que é resultado da composição injusta como está organizada a política no campo internacional.

A contrapartida dessa política seria a diversificação das relações da política externa brasileira, abrindo o campo das negociações e parcerias político-econômicas com outros países, em especial a América Latina. Nesse contexto, o bloco econômico do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) adquire grande proeminência, sendo que a proposta abrange uma agenda social, com pautas para educação, indústria, questões agrícolas, comércio exterior e ciência e tecnologia. A consolidação do MERCOSUL seria uma forma de criar uma barreira político-econômica as políticas predatórias dos Estados Unidos, principalmente uma manobra efetiva contra a imposição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) na América Latina. Na resolução do Congresso de 1999, o Partido dos Trabalhadores demonstra o interesse em diversificar as relações com países diversos, aprofundando as relações internacionais com países africanos, principalmente os lusófonos e uma aproximação maior de países como Rússia, Índia, China e África.

Celso Amorim (2012), ao discursar em 2, de janeiro de 2003, na cerimônia de posse do Ministério das Relações Exteriores (MRE), lembra que as relações diplomáticas entre Brasil – Argentina são a base do bloco econômico do MERCOSUL. Outros aspectos, que o então ministro evidencia em seu discurso é que a política externa brasileira estaria a serviço do povo, para trazer melhorias para a vida das pessoas. Deixando claro que a política externa não se restringe somente ao Itamaraty, mas envolve todos na sociedade. Para ampliar a participação da sociedade civil, deveria se empenhar para que a Comissão Parlamentar Conjunta reforce a participação da sociedade no encaminhamento da integração regional do MERCOSUL.

Amorim afirma ainda que a integração regional é de suma importância para o Brasil e, para aprofundar esse espaço de integração com os países sul-americanos em diversos planos, é preciso a construção de espaços de livre comércio, aliados a projetos de infraestrutura, associados a um espaço econômico unificado.

Na mesma direção, destaca que as relações com Estados Unidos e União Européia não seriam descuidadas. Segundo o ministro, o Brasil e os Estados Unidos partilham valores e interesses e irão explorar esse fator para construir uma “parceria madura”. As negociações com a União Européia, segundo a visão do ministro Celso Amorim, favorecem elementos da multipolaridade do sistema internacional.

Após o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, no III Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, ocorrido entre 30 de agosto a 2 de setembro de 2007, em São Paulo, as questões ligadas a integração regional aparecerem como essencial para sobrepujar

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o neoliberalismo e constituindo a cooperação dos povos latinos para o desenvolvimento regional. A resolução do III Congresso aponta a América Latina como uma região populosa e um grande mercado em potencial; apontando a força motriz energética como a riqueza em petróleo, gás natural, energia elétrica hidráulica. O Documento manifesta que para a integração física das nações sul-americanas, primasse pelo investimento na infraestrutura, construção de pontes, rodovias, ferrovias. Sob esses fatores que se constituirá e tornará dinâmica a integração regional.

A agenda de política externa do PT aponta que as relações, parcerias e trocas entre os povos latinos não devem se restringir ao campo econômico, mas privilegiar o intercurso cultural entre as nações parceiras como o ensino de idioma e cultura. Garantindo aos cidadãos a circulação livre entre os países, permitindo também a participação de sindicatos, parlamentos, empresas e autoridades para que a sociedade civil como um todo participe efetivamente do projeto de integração. Todavia, concretamente, em relação ao Brasil, é evidente a fragilidade da aplicação desse discurso: As relações entre o Brasil e os demais membros do MERCOSUL, quase que na totalidade, se limitam apenas a aspectos econômicos.

Exemplo dessa fragilidade é observado na questão de intercurso cultural, para ser mais exato no ensino de idiomas: A lei brasileira nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, torna o ensino de língua espanhola obrigatório nas escolas de todo o país, tendo um prazo de cinco anos para implementar efetivamente a lei em questão. Entretanto, apesar da lei ser sancionada pelo ex-presidente Lula em seu primeiro mandato presidencial, atualmente, sete anos após a lei ter sido sancionada, não se observa a implementação do ensino de língua espanhola nas escolas públicas. O governo federal defende-se alegando que não há professores de língua espanhola suficientes para suprir a demanda. Devido a essa situação, o Ministério da Educação (MEC) realizou um acordo com o Instituto Cervantes para formar e capacitar professores. A discrepância que ocorre nesse fato é que dentro do MERCOSUL há outros países falantes de língua espanhola, o Brasil está envolto por vários países hispânicos e, mesmo assim, desconsidera e desrespeita esses países, optando por um acordo com um país europeu, a Espanha. Este exemplo evidencia de forma muito clara, a prática incongruente da política externa petista em relação ao que preconiza os documentos de seus congressos.

Existem, também, discrepâncias em outros âmbitos: a proposta central da resolução do III Congresso Petista era mudar a política neoliberal, que norteava as relações do bloco. Tal resolução também deixava clara a crítica em relação à condução antidemocrática do MERCOSUL, pois salientava a necessidade da participação efetiva da sociedade civil na condução do bloco. No entanto, esse discurso ficou só no plano das ideias. Não se percebe a participação da sociedade civil na tomada de decisões importantes no que tange a política externa brasileira, os sindicatos não se articulam nem em território nacional, o governo dificilmente dialoga e atende as reivindicações desse seguimento da sociedade. Os sindicatos

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foram excluídos da participação da integração regional, sequer se debate um salário mínimo comum entre os países do Cone Sul.

O próprio texto do III Congresso do PT aponta contradições: o documento mostra o potencial econômico que a América Latina tem, e expõe o continente como um mercado a ser explorado e, concomitantemente, elabora uma crítica ao modelo de política neoliberal que vigora atualmente nas relações entre as nações sul-americanas, em especial no MERCOSUL. A incoerência do discurso do Partido dos Trabalhadores é imensurável, como a resolução de um documento elabora uma diretriz política contrária a lógica capitalista realizando sérias críticas ao modelo neoliberal que prejudica as relações com os países do Cone Sul, inseridos no MERCOSUL, ao mesmo tempo se deixa influenciar pelo discurso capitalista e trata os demais latinos como simples consumidores dentro da lógica do mercado?

As contradições entre a agenda política externa e a prática política efetiva também se evidenciam em parcerias feitas pelo Governo Federal, durante o governo Lula, com empresas privadas como a Organização Odebrecht. O programa federal Minha Casa Minha Vida, por exemplo, beneficia fortemente a empresa Odebrecht Realizações Imobiliárias. De acordo com Luz e Cançado (2010), essa empresa executa, além de projetos empresariais, a construção de residências para famílias de todos as classes sociais. Somente com o programa do governo federal, a referida empresa garante 40% do seu faturamento. Nas obras de infraestrutura, a Odebrecht tem forte participação em países vizinhos como México, Panamá, Republica Dominicana, Equador, Argentina, Colômbia e Venezuela.

O Grupo Odebrecht, na Venezuela, direciona sua atuação na construção de moradias, pontes e linhas de metrô. Está presente em vários setores naquele país, dentre os quais o petroquímico, óleo e gás e segurança alimentar se destacam. Na Colômbia, a empresa atua, principalmente, na construção e manutenção de estradas. Há ainda atuação por toda a América Andina, como na construção de portos e gerenciamento de várias usinas hidrelétricas no Peru.

Nos referidos documentos, O PT apresentou o desejo de aproximação com os países do hemisfério sul, como a ampliação do comércio com os demais países na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio. Para, desta forma, constituir uma política de diminuição da dependência de países centrais. No entanto, sem descuidar das relações com a Europa.

No discurso de posse do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em janeiro de 2003, fica evidente o posicionamento de aproximação entre MERCOSUL e União Européia. Apesar de o partido propor um rearranjo nas suas relações no campo da política externa, não se pode desconsiderar certos fatores determinantes, como o fato de, dentro do sistema internacional, o Brasil ser um país periférico em relação às potencias hegemônicas. Inseridos na lógica desse sistema desigual, os países periféricos dependem, em grande parte, das relações comerciais com as potências detentoras de grande capital.

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Na resolução do IV Congresso do PT, que é direcionada ao mandato da Presidente Dilma Rousseff, o que se verifica é a intenção em se empenhar na conclusão da rodada de Doha, trabalhar para a consolidação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), efetivar o avanço na integração do MERCOSUL, fortalecer as intervenções no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), além de manter as relações com os países desenvolvidos como os Estados Unidos, Japão e União e Européia.

No entanto, apesar de o documento evidenciar muitas semelhanças com o direcionamento da política externa do governo Lula, percebe-se que, no governo Dilma Rousseff, a conduta é diferenciada. A própria escolha de Antônio Patriota para Ministro das Relações Exteriores demonstra o desejo de alterar a conduta que o Itamaraty possuía no governo Lula, sob a direção de Celso Amorim4. Pois Antonio Patriota, ao contrário de Celso Amorim, construiu uma carreira diplomática pautada na proximidade com os EUA: Serviu ao Brasil na embaixada de Washington e, de acordo com Peixoto (2010), durante esse período frente à representação brasileira na capital estadunidense, desenvolveu ótimas relações com o governo local, inclusive com o subsecretário de Estado norte-americano para assuntos políticos, Willian Burns.

Para a reforma estatutária, foi realizado um novo encontro do IV Congresso do PT, que ocorreu nos dias 2, 3 e 4 de setembro de 2011, O documento produzido no encontro evidencia o posicionamento contrário às privatizações, à política neoliberal e defende um sistema financeiro estatal e público. No âmbito das relações internacionais, fica evidente a intenção de fortalecer as parcerias com os países emergentes para uma articulação contra a guerra cambial imposta pelas nações desenvolvidas, especialmente Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. O texto aborda, ainda, o crescente fortalecimento da esquerda na América Latina. De acordo com o referido texto, tal crescimento cria uma resistência ao neoliberalismo e sedimenta a possibilidade de construir uma alternativa ao modelo capitalista.

Evidencia-se a intenção de acelerar o processo de integração, sob a ideia de defesa das riquezas naturais e humanas que existem na América do Sul. Assim, se constitui um mecanismo de barreira contra a cobiça das grandes potências. O modelo de desenvolvimento preconizado pelo texto propõe a inclusão social e a integração regional efetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que a partir do neoliberalismo, altera-se o papel do Estado e sua função não é prioritariamente social, voltada para políticas que possibilitem suprir as necessidades básicas dos indivíduos, como educação, moradia, transporte, entre outras. O Estado nação, inserido dentro da lógica neoliberal, é um cartão de visitas de grandes empresas e corporações que usam dessa instituição para suprir suas necessidades particulares. O povo apenas legitima esse

4 Como Exemplo dessa diferença, Celso Amorim não possui vínculos com os Estados Unidos.

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sistema elegendo um representante como chefe de Estado. Após esse rito simbólico, as ações pautadas por esses governos desconsideram o interesse e anseios de grande parte da população, para se submeter a mediador de empresários detentores de grande capital inseridos no sistema político internacional.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Celso. Discursos, palestras e artigos do Chanceler Celso Amorim 2003-2010. Volume I. Disponível em <http://www.itamaraty.gov.br/.../discursos-palestras-artigos>. Acesso em: 26 set. 2012.

II Congresso Nacional do PT. Disponível em <http://www2.fpa.org.br/portal/uploads/resolucoes.pdf>. Acesso em: 26 set. 2012.

III Congresso Nacional do PT. Disponível em < http://pt.scribd.com/doc/47775629/Resolucoes-do-III-Congresso-Nacional-do-Partido-dos-Trabalhadores>. Acesso em: 27 set. 2012

IV Congresso Nacional do PT. Disponível em <http://pagina13.org.br/biblioteca/documentos/iv-congresso-do-pt/>. Acesso em: 25 set. 2012.

LUZ, Cátia; CANÇADO, Patrícia. O avanço do império Odebrecht. Estadão,São Paulo, p. 4-4. 01 fev. 2010. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-avanco-do-imperio-odebrecht,504487,0.htm>. Acesso em: 16 out. 2012.

MATHIAS, Meire. Paradoxos de uma política externa: por que o Mercosul? Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

TANCREDI, Letícia. Acordo vai permitir a difusão do idioma nas escolas públicas. Em <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&catid=221&id=14072:acordo-vai-permitir-a-difusao-do-idioma-nas-escolas-publicas-&option=com_content&view=article>