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DCI POLÍTICA | Sábado a quarta-feira, 1 a 5 de março de 2014 A4 são paulo Carioca nascido no bairro da Gló- ria, na cidade do Rio de Janeiro, em 1931, ele vem de uma tradicional família da cidade de Campos dos Goytacazes. Seu trisavô, chegado ao Brasil ainda menino, vindo de Portugal, no século 19, estabele- ceu-senaquelacidadedonorteflu- minense, a primeira a ter luz elétri- ca no Brasil. Casou-se lá, teve 12 fi- lhos efundou a família,sendo tam- bém grande empreendedor do se- tor canavieiro e açucareiro, e im- plantou a primeira fábrica de teci- dos da região. O avô Ramiro Satur- nino Braga, médico de Campos, foi deputado federal ligado ao líder fluminense e presidente da Repú- blica, Nilo Peçanha. Seu pai, Fran- cisco Saturnino Braga, também campista, foi engenheiro, funda- dor do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Rio no governo Amaral Peixoto, e depois também diretor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e ainda foi deputado federal por trêsmandatos. Portanto, está no sangue. Presidente da CPI Time-Life, que investigou denúncias de par- ticipação inconstitucional do grupo americano na implanta- ção da Rede Globo de Televisão, ele conta que, na ocasião, seus companheiros de Câmara fugi- ram da raia, não queriam assumir a presidência da CPI. Saturnino impôs uma condição, a de esco- lher o relator, que acabou sendo o Djalma Marinho (PMDB-RN). Saturnino também foi relator da CPI que investigou as ativida- des da mineradora americana Hanna, assunto muito debatido no Brasil de então. Saturnino foi integrante da Frente Parlamentar Nacionalista e líder do PSB em 1964-65, figurando sempre na lis- ta dos dez deputados mais atuan- tes escolhidos então pelos jorna- listas políticos. Com a dissolução dos partidos pelo AI-2, integrou o grupo fun- dador do MDB, em oposição ao regime militar. Candidato à ree- leição em 1966, Roberto Saturni- no foi vetado pelo Serviço Nacio- nal de Investigações (SNI), tendo sua candidatura impugnada por pedido daquelaagência governa- mental da ditadura, sob a alega- ção de que pertencia ao Partido Comunista. Voltou-se, então, pa- ra o trabalho no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), sem poder assumir re- gularmente nenhum cargo de chefia, em razão de sua ficha nos órgãos militares de informação. Retorno Oretornode Saturninoàcenapo- lítica aconteceu oito anos mais tarde, em 1974, pelo MDB, parti- dodo qualfoium dosfundadores. Candidato a senador pelo Estado doRio, foivotadopormais dedois terços do eleitorado, e desta- cou-se no Senado ao lado de Pau- lo Brossard, Franco Montoro, Marcos Freire, Itamar Franco e çado candidato a governador, e entrou no PDT de Leonel Brizola. Candidato à reeleição na chapa Brizola-Darcy-Saturnino, saltou de 4% nas pesquisas em julho de 1982 para uma vitória consagra- dora em novembro do mesmo ano. Apresentou no Senado du- rante esse novo mandato proje- tos importantes, rejeitados pela maioria governista, como o Pro- grama de Refeição Básica para o Trabalhador, o Estatuto das Em- presas Estatais e a tributação dos ganhos de capital e teve transfor- mado em lei seu projeto de regu- lamentação da engenharia de se- gurança no trabalho. Foi de sua iniciativa também, em mandato posterior e junto com Roseana Sarney, o projeto que veio a ser lei instituindo o ensino de música nas escolas públicas. Depois de 15 anos de mandato como deputado e senador, Satur- nino enfrentou sua primeira elei- ção municipal, transforman- nanceiro, ele recuperou as finan- ças do município e ainda cum- priu o compromisso de dignifica- ção do servidor, com vários pla- nos de cargos e salários, a come- çar pelos professores. Sua gestão na prefeitura foi marcadapor inovaçõesecriações de grande alcance para a cidade do Rio de Janeiro. Realizou a pri- meira experiência no Brasil de gestão participativa, com a im- plantação dos Conselhos Gover- no-Comunidade, que reuniam, em sessões mensais, represen- tantes dos vários setores da admi- nistração municipal com repre- sentantes das Associações de Moradores e de Empresários de cada regiãoda cidade,para discu- tir a gestão da prefeitura e as prio- ridades de cada bairro. Serviu de exemplo, anos mais tarde, para Luiza Erundina, em São Paulo. Profissional do desenvolvi- mentismo, criou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que efetuou o estudo das voca- ções da cidade do Rio de Janeiro e deu início à implantação do pro- grama dos polos de desenvolvi- mento de indústrias de tecnolo- gia avançada. Infelizmente essas duas iniciativas, absolutamente inovadoras e altamente promis- soras, foram dissolvidas pelo pre- feito seguinte. Criou ainda a Se- cretaria de Cultura, antes inexis- tente, a Secretaria de Transportes coma CET-Rio,assimcomo oIns- tituto de Previdência, o Previ-Rio, e os Conselhos de Defesa dos Di- reitos do Negro e dos Deficientes. No plano da saúde, construiu e pôs em funcionamento 24 novos postos de saúde, de grande reso- lutividade, sendo 20 na zona oes- te da capital, mais carente desses atendimentos. Em meados de 1987, teve di- vergências políticas com o líder Leonel Brizola e rompeu com PDT, que tinha metade da banca- da dos vereadores e recebeu or- dens de fazer oposição cerrada ao prefeito. Saturnino retornou en- tão ao seu antigo partido, o PSB, que tinha somente um vereador na Câmara. No final do mesmo ano o Plano Cruzado naufragou e a inflação mal contida reacendeu-se com ceu a eleição com mais de dois milhões e trezentos mil votos, derrotando Roberto Campos, após uma memorável campanha desenvolvida no mais alto nível de mútuo respeito e seriedade. No seu terceiro mandato como senador destacou-se como membro do Conselho de Ética e relator do rumoroso caso da vio- lação do painel do Senado, pro- cesso que culminou com a re- núncia para evitar a cassação de dois importantes senadores: o presidente da casa, Antonio Car- los Magalhães, e o então líder do PSDB, José Roberto Arruda. Em março de 2002, desfiliou-se do PSB por não concordar com a de- cisão do partido de lançar candi- dato próprio à Presidência da Re- pública, Anthony Garotinho, e fi- liou-se ao PT, defendendo uma aliança entre todos os partidos de esquerda em apoio a Lula, apon- tando o momento de então como “crucial” para uma verdadeira mudança na história do Brasil. Foi ainda presidente da Comis- são de Relações Exteriores do Se- nado e das subcomissões de Ciência e Tecnologia e de Cinema e Teatro, como membro titular da Comissão de Educação. ESPECIALENTREVISTA Roberto Saturnino Braga, depois da política, finalmente na idade da razão Agência Senado “A política é excitante, fasci- nante, demanda você por inteiro, mas a literatura é mais saudável, compatível com a felicidade. Essa é que é a verdade: a política suga a felicidade. Você está sendo sem- pre observado, fotografado, co- mentado, julgado. Não desenvol- ve seu próprio ser”, assinala o ago- ra escritor. A uma pergunta do repórter, ele esclarece que até podia escre- ver memórias. Mas ele gosta mais de inventar do que de contar. Depressão Aderrocadado socialismofoicau- sa de depressão para sua geração? “Minha geração, na juventude, foi fascinada pela União Soviéti- ca. Era a novidade no mundo, ti- nha resolvido problemas mate- riais fundamentais do ser huma- no. Um país de mujiques analfa- betos se transformou numa po- tência e ainda teve força para pa- rar a maior máquina de guerra que tinhasido montada,a dosna- zistas. Também foi o momento em que li O Capital. Para um en- genheiro como eu ler O Capital foi como um míope que colocas- se óculos. Quem não era comu- nista na minha geração não tinha intensidade incontrolável. Satur- nino pediu à Câmara Municipal revisão para o IPTU e reajuste mensal da unidade fiscal, nega- dos sucessivamente pela maioria totalmente adversa. A inflação já atingia o patamar de 20% ao mês. Erao garroteamentopropositado das magras receitas da prefeitura e a condenação à falência do mu- nicípio. Usando seu prestígio no Con- gresso Constituinte, Saturnino, junto a outros prefeitos de capi- tais, lutou pela melhoria substan- cial das receitas municipais, que acabou sendo aprovada na Cons- tituição de 1988, com um novo sistema tributário bem mais fa- vorável aos municípios, a entrar em vigor em janeiro do ano se- guinte. Pediu então autorização para lançar novos títulos da dívi- da pública do município porque sabia que, com as novas receitas que entrariam a partir de 1989, a prefeitura teria condições de res- gatá-las. Mas o Banco Central ne- gou o pedido e comunicou a to- dos os bancos do País que estava proibindo até mesmo a rolagem dos empréstimos à Prefeitura do Rio. Era a decretação da falência do Rio pelo Banco Central. Saturnino resolveu então de- clarar honestamente a falência da prefeitura, numa tentativa de mobilizar a opinião pública para a necessidadede conseguirnovas receitas. Depois de três meses de luta, os resultadosacabaram apa- recendo: a Câmara aprovou no fim do ano de 1988 tudo aquilo que havia rejeitado em 1987, a re- visão do IPTU e a atualização mensal da Unif. Aprovou, porém, para o prefeito seguinte, para en- trar em vigor a partir de janeiro de 1989, juntamente com a nova re- ceita tributária aprovada pela Constituinte. Saturnino sofreu um profundo isolamento e um enorme desgas- te político, mas ficou definitiva- mente reconhecido como políti- co honrado, coerente e democra- ta. Depois de quatro anos voltou, com seriedade e humildade, a servir o Rio de Janeiro e ao seu partido PSB, elegendo-se verea- dor em 1992. Candidato nova- mente ao Senado em 1998, ven- Um socialista que trocou a política pela literatura k COMUNISMO «Quem não era comunista na minha geração, nos anos 1945, definitivamente não tinha sensibilidade moral, política, social» k LITERATURA «A partir de 2004, não aguentava mais aquelas sessões do Senado. Eram extremamente chatas, idiotas.» Roberto Saturnino Braga iniciou sua trajetória política em 1962, quando saiu candidato a deputado federal pelo PSB. Eleito, destacou-se como presidente da CPI Time-Life. “A par- tir de 2004, não aguentava mais aquelas sessões do Senado”, conta Saturnino Braga, que virou escritor. do-se no primeiro prefeito do Rio de Janeiro eleito pelo voto direto do povo, numa eleição em que derrotou 18 outros candidatos, obtendo 40% dos votos válidos. Uma prefeitura falida Encontrou a prefeitura em janei- ro de 1986 praticamente falida, com a conta bancária bloqueada por falta de pagamento da dívida, os salários dos servidores com- pletamente defasados e o 13º sa- lário por pagar, além de dívidas enormes. A situação pré-fali- mentar era de quase todas as pre- feituras do País, em decorrência da reforma constitucional de 1966, feita pelos militares, que es- vaziou enormemente as receitas dos municípios. Com um impor- tante trabalho de saneamento fi- Casado há mais de 50 anos com Eliana, Saturnino tem três fi- lhos e seis netos. Fastio “A partir de 2004, não aguentava mais aquelas sessões do Senado”, conta Saturnino Braga. “Eram ex- tremamente chatas, idiotas. O ní- vel baixou muito. Da primeira vez que fui senador, entraram tam- bém o Paulo Brossard, o Marcos Freire, o Itamar Franco. Era uma geração de senadores novos, in- teressantes, porque foi a primeira eleição em que a sociedade brasi- leira mostrou que queria praticar política outra vez. Dos 22 estados que havia, o candidato do MDB, da oposição, ganhou em 16. Mi- nha melhor lembrança do Sena- do são aqueles anos.” sensibilidade moral, política, so- cial. Na primeira eleição no Rio, depois de 1946, a maior bancada de vereadores era do PCB, o sena- dor eleito era Luiz Carlos Prestes. Estava todo mundo fascinado pe- lo comunismo. Depois veio a de- silusão. Stalin era louco, um neu- rótico. Mas a desilusão com ele, apesar de grande, foi digerível. Pensávamos que Stalin podia ser ruim, mas o sistema era o melhor do mundo. Quando o sistema ruiu pela incompetência, fica- mos perdidos: não há o que colo- car no lugar. Digo-me socialista ainda, e sigo dizendo que a evolu- ção política vai chegar ao socialis- mo, mas não pela visão do mar- xismo-leninismo da conquista pela luta armada”. henrique veltman Nelson Carneiro, sendo conside- rado o porta-voz da oposição nos assuntos econômicos. A expe- riência do mandato de deputado e do trabalho em um órgão da ad- ministração pública voltado para o desenvolvimento fez dele um senador atuante, de formação econômica e especialização em economia latino-americana, sendo um dos maiores críticos do “milagre brasileiro” de Delfim e da ditadura. Foi ainda vice-presi- dente nacional do MDB. Os anos 1980 trariam para o se- nador nova mudança de partido. Discordando do ingresso do go- vernador Chagas Freitas e seu grupo, em 1982, altamente com- prometidos com o jogodo bicho e outras ilegalidades, desligou-se do PMDB, no qual havia sido lan- Um grande retrato sem retoques “É tudo invenção, com pouca verdade”. Com essa frase, Ro- berto Saturnino Braga abre uma obra que questiona os li- mites entre ficção e biografia. Internado em um hospital após sofrer um atentado, o protagonista-autor escreve um livro refletindo sobre a vi- da que levou. Em suas lem- branças – reais ou inventadas – surgem amores, arrependi- mentos e acertos do perso- nagem, que, nas entrelinhas de sua história, constrói um possível retrato do ser. Retrato revelado no menino que colecionava selos e cres- ceu ouvindo notícias da Segun- da Guerra, vibrando com a vi- tória dos russos em Stalingra- do – que criou nele uma afei- ção mais tarde aprofundada em seus estudos sobre Marx. No homem que fala com respeito e amor de seus antepassados e da sua família, sempre envol- vida na política do País. No in- divíduo que traz em si uma grande religiosidade e respeito a Deus. Entre o filosófico e o co- loquial, Saturnino Braga nos envolve numa narrativa que traz ao leitor um pouco de um Rio de Janeiro antigo, com sua Copacabana quase into- cada e partidas de futebol de botão. Fala também do rapaz fascinado por física que se tornou engenheiro e estudou no Instituto Superior de Es- tudos Brasileiros, o Iseb, cen- tro de formação e debate dos rumos do País, fechado após o golpe militar de 1964. E conta, acima de tudo, sobre um homem que vive buscan- do nas paixões da vida a força para tomar as decisões cor- retas. Este livro é mais do que um exercício literário ou bio- gráfico. Ao mesclar reflexão e narrativa, história e fabu- lação, Retrato do Ser valoriza e celebra o prazer da exis- tência. Roberto Saturnino Braga venceu o Prêmio Malba Tahan em 2000, é autor de 15 livros publicados, entre eles: Os qua- tro contos do mundo, Contos do Rio, Contos de Reis e Quar- teto, lançados pela Editora Re- cord. Retrato do Ser será lançado em São Paulo neste mês de março, na Casa do Saber. Lançamento na Casa do Saber Divugação Saturnino Braga foi o primeiro prefeito do Rio eleito pelo voto direto do povo, com 40% dos votos válidos

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DCIP O L Í T I C A | Sábado a quarta-feira, 1 a 5 de março de 2014A4

são paulo

Carioca nascido no bairro da Gló-ria,nacidadedo RiodeJaneiro,em1931, ele vem de uma tradicionalfamília da cidade de Campos dosGoytacazes. Seu trisavô, chegadoao Brasil ainda menino, vindo dePortugal, no século 19, estabele-ceu-se naquela cidade do norte flu-minense,aprimeira aterluzelétri-ca no Brasil. Casou-se lá, teve 12 fi-lhos efundou a família,sendo tam-bém grandeempreendedor dose-tor canavieiro e açucareiro, e im-plantou a primeira fábrica de teci-dos daregião. O avôRamiro Satur-nino Braga, médico de Campos, foideputado federal ligado ao líderfluminense e presidente da Repú-blica, Nilo Peçanha. Seu pai, Fran-cisco Saturnino Braga, tambémcampista, foi engenheiro, funda-dor do Departamento de Estradasde Rodagem do Estado do Rio nogoverno Amaral Peixoto, e depoistambém diretordo DepartamentoNacional de Estradas de Rodagem,e ainda foi deputado federal portrês mandatos.

Portanto, está no sangue.Presidente da CPI Time-Life,

que investigou denúncias de par-ticipação inconstitucional dogrupo americano na implanta-ção da Rede Globo de Televisão,ele conta que, na ocasião, seuscompanheiros de Câmara fugi-ram daraia, nãoqueriam assumira presidência da CPI. Saturninoimpôs uma condição, a de esco-lherorelator, queacabousendooDjalma Marinho (PMDB-RN).

Saturnino também foi relatorda CPI que investigou as ativida-des da mineradora americanaHanna, assunto muito debatidono Brasil de então. Saturnino foiintegranteda FrenteParlamentarNacionalista e líder do PSB em1964-65, figurando semprena lis-ta dos dez deputados mais atuan-tes escolhidos então pelos jorna-listas políticos.

Com a dissolução dos partidospelo AI-2, integrou o grupo fun-dador do MDB, em oposição aoregime militar. Candidato à ree-leição em 1966, Roberto Saturni-no foi vetado pelo Serviço Nacio-nal de Investigações (SNI), tendosua candidatura impugnada porpedido daquelaagência governa-mental da ditadura, sob a alega-ção de que pertencia ao PartidoComunista. Voltou-se, então, pa-ra o trabalho no Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico(BNDE), sem poder assumir re-gularmente nenhum cargo dechefia, em razão de sua ficha nosórgãos militares de informação.

Re t o r n oOretornode Saturninoàcenapo-lítica aconteceu oito anos maistarde, em 1974, pelo MDB, parti-dodo qualfoium dosfundadores.Candidato a senador pelo EstadodoRio, foivotadopormais dedoisterços do eleitorado, e desta-cou-se noSenado ao ladode Pau-lo Brossard, Franco Montoro,Marcos Freire, Itamar Franco e

çado candidato a governador, eentrou no PDT de Leonel Brizola.Candidato à reeleição na chapaBrizola-Darcy-Saturnino, saltoude 4% nas pesquisas em julho de1982 para uma vitória consagra-dora em novembro do mesmoano. Apresentou no Senado du-rante esse novo mandato proje-tos importantes, rejeitados pelamaioria governista, como o Pro-grama de Refeição Básica para oTrabalhador, o Estatuto das Em-presas Estatais e a tributação dosganhos de capital e teve transfor-mado em lei seu projeto de regu-lamentaçãoda engenhariadese-gurança no trabalho. Foi de suainiciativa também, em mandatoposterior e junto com RoseanaSarney, oprojeto queveio aser leiinstituindo o ensino de músicanas escolas públicas.

Depois de15 anosde mandatocomo deputado esenador, Satur-nino enfrentou suaprimeira elei-ção municipal, transforman-

nanceiro, ele recuperou as finan-ças do município e ainda cum-priu o compromissode dignifica-ção do servidor, com vários pla-nos de cargos e salários, a come-çar pelos professores.

Sua gestão na prefeitura foimarcadapor inovaçõesecriaçõesde grande alcance para a cidadedo Rio de Janeiro. Realizou a pri-meira experiência no Brasil degestão participativa, com a im-plantação dos Conselhos Gover-no-Comunidade, que reuniam,em sessões mensais, represen-tantes dos vários setores da admi-nistração municipal com repre-sentantes das Associações deMoradores e de Empresários decada regiãoda cidade,para discu-tira gestãodaprefeiturae asprio-ridades de cada bairro. Serviu deexemplo, anos mais tarde, paraLuiza Erundina, em São Paulo.

Profissional do desenvolvi-mentismo, criou a Secretaria deDesenvolvimento Econômico,que efetuou o estudo das voca-çõesdacidadedo RiodeJaneiroedeu início à implantação do pro-grama dos polos de desenvolvi-mento de indústrias de tecnolo-gia avançada. Infelizmente essasduas iniciativas, absolutamenteinovadoras e altamente promis-soras,foram dissolvidaspelopre-feito seguinte. Criou ainda a Se-cretaria de Cultura, antes inexis-tente, a Secretaria de Transportescoma CET-Rio,assimcomo oIns-tituto de Previdência, o Previ-Rio,e os Conselhos de Defesa dos Di-reitos do Negro e dos Deficientes.No plano da saúde, construiu epôs em funcionamento 24 novospostos de saúde, de grande reso-lutividade, sendo 20 na zona oes-te da capital, mais carente dessesa t e n d i m e n t o s.

Em meados de 1987, teve di-vergências políticas com o líderLeonel Brizola e rompeu comPDT,quetinha metadedabanca-da dos vereadores e recebeu or-dens de fazer oposição cerrada aoprefeito. Saturnino retornou en-tão ao seu antigo partido, o PSB,que tinha somente um vereadorna Câmara.

No final do mesmo ano o PlanoCruzado naufragou e a inflaçãomal contida reacendeu-se com

ceu a eleição com mais de doismilhões e trezentos mil votos,derrotando Roberto Campos,apósuma memorávelcampanhadesenvolvida no mais alto nívelde mútuo respeito e seriedade.

No seuterceiro mandatocomosenador destacou-se comomembro do Conselho de Ética erelator do rumoroso caso da vio-lação do painel do Senado, pro-cesso que culminou com a re-núncia para evitar a cassação dedois importantes senadores: opresidente da casa, Antonio Car-los Magalhães, e o então líder doPSDB, José Roberto Arruda. Emmarço de 2002, desfiliou-se doPSB pornão concordarcom ade-cisão do partido de lançar candi-dato próprioà Presidênciada Re-pública, Anthony Garotinho, e fi-liou-se ao PT, defendendo umaaliança entre todos os partidos deesquerda em apoio a Lula, apon-tandoomomento deentãocomo“cr ucial” para uma verdadeiramudança na história do Brasil.Foi ainda presidente da Comis-são de Relações Exteriores do Se-nado e das subcomissões deCiênciae Tecnologiae deCinemae Teatro,como membrotitular daComissão de Educação.

ESPECIAL ENTREVISTA Roberto Saturnino Braga, depois da política, finalmente na idade da razão

Agên

cia

Sena

do

“A política é excitante, fasci-nante,demanda vocêporinteiro,mas a literatura é mais saudável,compatível com a felicidade. Essaé que é a verdade:a política suga afelicidade. Você está sendo sem-pre observado, fotografado, co-mentado, julgado.Não desenvol-ve seu próprio ser”, assinala o ago-ra escritor.

A uma pergunta do repórter,ele esclarece que até podia escre-ver memórias.Mas elegosta maisde inventar do que de contar.

D e p re s s ã oAderrocadado socialismofoicau-sa de depressão para sua geração?

“Minhageração, najuventude,foi fascinada pela União Soviéti-ca. Era a novidade no mundo, ti-nha resolvido problemas mate-riais fundamentais do ser huma-no. Um país de mujiques analfa-betos se transformou numa po-tência e ainda teve força para pa-rar a maior máquina de guerraque tinhasido montada,a dosna-zistas. Também foi o momentoem que li O Capital. Para um en-genheiro como eu ler O Capitalfoi como um míope que colocas-se óculos. Quem não era comu-nistana minhageração nãotinha

intensidade incontrolável. Satur-nino pediu à Câmara Municipalrevisão para o IPTU e reajustemensal da unidade fiscal, nega-dos sucessivamentepela maioriatotalmente adversa. A inflação jáatingiao patamarde20% aomês.Erao garroteamentopropositadodas magras receitas da prefeiturae a condenação àfalência do mu-n i c í p i o.

Usando seu prestígio no Con-gresso Constituinte, Saturnino,junto a outros prefeitos de capi-tais,lutou pelamelhoriasubstan-cial das receitas municipais, queacabousendo aprovadanaCons-tituição de 1988, com um novosistema tributário bem mais fa-vorável aos municípios, a entrarem vigor em janeiro do ano se-guinte. Pediu então autorizaçãopara lançar novos títulos da dívi-da pública do município porquesabia que, com as novas receitasque entrariam a partir de 1989, aprefeitura teria condições de res-gatá-las.Maso BancoCentralne-gou o pedido e comunicou a to-dos os bancos do País que estavaproibindo até mesmo a rolagemdos empréstimos à Prefeitura doRio. Era a decretação da falênciado Rio pelo Banco Central.

Saturnino resolveu então de-clarar honestamente a falência daprefeitura, numa tentativa demobilizar a opinião pública paraa necessidadede conseguirnovasreceitas. Depois de três meses deluta, os resultadosacabaram apa-recendo: a Câmara aprovou nofim do ano de 1988 tudo aquiloque havia rejeitado em1987, a re-visão do IPTU e a atualizaçãomensal da Unif. Aprovou, porém,para o prefeito seguinte, para en-trar em vigor apartir de janeiro de1989, juntamente com a nova re-ceita tributária aprovada pelaCo n s t i t u i n t e.

Saturnino sofreuum profundoisolamentoe umenormedesgas-te político, mas ficou definitiva-mente reconhecido como políti-co honrado,coerente edemocra-ta. Depois de quatro anos voltou,com seriedade e humildade, aservir o Rio de Janeiro e ao seupartido PSB, elegendo-se verea-dor em 1992. Candidato nova-mente ao Senado em 1998, ven-

Um socialista quetrocou a políticapela literatura

k CO M U N I S M O

«Quem não eracomunista na minhageração, nos anos 1945,definitivamente nãotinha sensibilidademoral, política, social»

k L I T E R AT U R A

«A partir de 2004, nãoaguentava maisaquelas sessões doSenado. Eramextremamente chatas,idiotas.»

Roberto Saturnino Braga iniciou suatrajetória política em 1962, quandosaiu candidato a deputado federalpelo PSB. Eleito, destacou-se como

presidente da CPI Time-Life. “A par-tir de 2004, não aguentava maisaquelas sessões do Senado”, contaSaturnino Braga, que virou escritor.

do-se noprimeiro prefeitodo Riode Janeiro eleito pelo voto diretodo povo, numa eleição em quederrotou 18 outros candidatos,obtendo 40% dos votos válidos.

Uma prefeitura falidaEncontrou a prefeitura em janei-ro de 1986 praticamente falida,com a conta bancária bloqueadaporfaltade pagamentodadívida,os salários dos servidores com-pletamente defasados e o 13º sa-lário por pagar, além de dívidasenormes. A situação pré-fali-mentar era de quasetodas as pre-feituras do País, em decorrênciada reforma constitucional de1966,feitapelos militares,quees-vaziou enormemente as receitasdos municípios. Com um impor-tante trabalho de saneamento fi-

Casado há mais de 50 anoscomEliana,Saturnino temtrêsfi-lhos e seis netos.

Fa s t i o“A partir de 2004, não aguentavamais aquelas sessões do Senado”,conta SaturninoBraga. “Eram ex-tremamente chatas,idiotas. Oní-vel baixou muito.Da primeira vezque fui senador, entraram tam-bém o Paulo Brossard, o MarcosFreire, o Itamar Franco. Era umageração de senadores novos, in-teressantes, porque foi a primeiraeleiçãoem quea sociedadebrasi-leira mostrou que queria praticarpolítica outra vez. Dos 22 estadosque havia, o candidato do MDB,da oposição, ganhou em 16. Mi-nha melhor lembrança do Sena-do são aqueles anos.”

sensibilidade moral, política, so-cial. Na primeira eleição no Rio,depois de 1946, a maior bancadade vereadores era doPCB, o sena-dor eleito era Luiz Carlos Prestes.Estava todo mundo fascinado pe-lo comunismo. Depois veio a de-silusão. Stalin era louco, um neu-rótico. Mas a desilusão com ele,apesar de grande, foi digerível.Pensávamos que Stalin podia serruim, mas o sistema era o melhordo mundo. Quando o sistemaruiu pela incompetência, fica-mos perdidos: não há o que colo-car no lugar. Digo-me socialistaainda,esigo dizendoqueaevolu-ção políticavai chegarao socialis-mo, mas não pela visão do mar-xismo-leninismo da conquistapela luta armada”.

henrique veltman

Nelson Carneiro, sendo conside-rado o porta-voz da oposição nosassuntos econômicos. A expe-riência do mandato de deputadoedo trabalhoem umórgão daad-ministraçãopública voltadoparao desenvolvimento fez dele umsenador atuante, de formaçãoeconômica e especialização emeconomia latino-americana,sendo umdos maiorescríticos do“milagre brasileiro” de Delfim eda ditadura. Foi ainda vice-presi-dente nacional do MDB.

Os anos1980 trariam parao se-nador nova mudança de partido.Discordando do ingresso do go-vernador Chagas Freitas e seugrupo, em 1982, altamente com-prometidos com o jogodo bicho eoutras ilegalidades, desligou-sedo PMDB,no qual haviasido lan-

Um grande retrato sem retoques

“É tudo invenção, com poucav e rd a d e ”. Com essa frase, Ro-berto Saturnino Braga abreuma obra que questiona os li-mites entre ficção e biografia.Internado em um hospitalapós sofrer um atentado, oprotagonista-autor escreveum livro refletindo sobre a vi-da que levou. Em suas lem-branças – reais ou inventadas– surgem amores, arrependi-mentos e acertos do perso-nagem, que, nas entrelinhasde sua história, constrói umpossível retrato do ser.

Retrato revelado no meninoque colecionava selos e cres-ceu ouvindo notícias da Segun-da Guerra, vibrando com a vi-tória dos russos em Stalingra-do – que criou nele uma afei-ção mais tarde aprofundada emseus estudos sobre Marx. Nohomem que fala com respeito eamor de seus antepassados eda sua família, sempre envol-vida na política do País. No in-divíduo que traz em si umagrande religiosidade e respeitoa Deus.

Entre o filosófico e o co-loquial, Saturnino Braga nosenvolve numa narrativa quetraz ao leitor um pouco de umRio de Janeiro antigo, comsua Copacabana quase into-cada e partidas de futebol debotão. Fala também do rapazfascinado por física que setornou engenheiro e estudouno Instituto Superior de Es-tudos Brasileiros, o Iseb, cen-

tro de formação e debate dosrumos do País, fechado apóso golpe militar de 1964. Econta, acima de tudo, sobreum homem que vive buscan-do nas paixões da vida a forçapara tomar as decisões cor-re t a s .

Este livro é mais do queum exercício literário ou bio-gráfico. Ao mesclar reflexãoe narrativa, história e fabu-lação, Retrato do Ser valorizae celebra o prazer da exis-tência.

Roberto Saturnino Bragavenceu o Prêmio Malba Tahanem 2000, é autor de 15 livrospublicados, entre eles: Os qua-tro contos do mundo, Contosdo Rio, Contos de Reis e Quar -teto, lançados pela Editora Re-c o rd .

Retrato do Ser será lançadoem São Paulo neste mês demarço, na Casa do Saber.

Lançamento na Casa do Saber

Divu

gaçã

o

Saturnino Braga foi o primeiro prefeito do Rio eleito pelo voto direto do povo, com 40% dos votos válidos