UM PREFÁCIO A POVOS DA GUINÉ-BISSAU: o Boletim Cultural da ... Cristina... · Divisão...
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FÁTIMA CRISTINA LEISTER
UM PREFÁCIO A POVOS DA GUINÉ-BISSAU:
o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (1946-1973)
SÃO PAULO - SP
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
FÁTIMA CRISTINA LEISTER
UM PREFÁCIO A POVOS DA GUINÉ-BISSAU:
o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (1946-1973)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em História Social, sob
a orientação da Profª Drª Maria Antonieta
Martinez Antonacci.
SÃO PAULO - SP
2012
Banca Examinadora
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Aos povos da Guiné-Bissau
e de todas as Áfricas
Povos da Guiné-Bissau
painel de Augusto Trigo*
Aos meus ancestrais e Irãs protetores
que me permitiram “ouvir os tambores”
* Augusto Fausto Rodrigues Trigo nasceu em Bolama (Guiné-Bissau), a 17 de Outubro de 1938. Foto do painel
feita por Rui Fernandes e publicada no blog Luís Graça e Camaradas da Guiné. Disponível em:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com.br/2007/10/guin-6374-p2177-artistas-da-guin.html. Acesso em: 12
set. 2010.
AGRADECIMENTOS
Certamente, há muito para agradecer e também é certo que alguém será
involuntariamente esquecido, razão pela qual adianto minhas sinceras desculpas.
À minha querida orientadora e amiga, Profª Maria Antonieta Antonacci, cujo
exemplo e sapiência serviram de inspiração para buscar o melhor de mim durante os
momentos solitários da escrita.
Aos professores da Universidade Veiga de Almeida, onde tudo começou, em
especial ao coordenador do curso de História, Prof. Paulo Sérgio Miranda Alves, pelo
incentivo e disponibilidade.
À coordenadora do curso de graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), Profª Mariza Romero, pela paciência e auxílio durante
momentos complexos e burocráticos, além da amizade e da excelência de suas aulas.
A todos os dedicados e competentes professores da graduação e pós-graduação
em História da PUC-SP, e, em especial, a Antônio Rago Filho, Estefânia Fraga, Heloísa Cruz,
Luiz Antônio Dias, Maria do Rosário Peixoto, Olga Brites e Yvone Avelino, agradecimentos
sinceros por terem escolhido lecionar e terem ouvido e criticado minhas ideias e lamentos.
Ao Prof. José da Silva Horta, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
e ao Prof. Carlos Manuel Valentim, da Escola Naval de Lisboa, pelas sugestões, material
disponibilizado e auxílio desde o outro lado do Atlântico.
Aos companheiros Cristina Carvalho, Jorge Lúzio, Victor Martins e Carla Vieira,
pelos bons e inesquecíveis momentos vividos em sala de aula e fora dela. Aos meus amigos,
de perto e de longe, apenas por serem meus amigos.
Aos meus irmãos, Elza e Ari, meus cunhados João Carlos, Eloísa e Janice, meus
sobrinhos Fernanda, Eric, Fabiano, Vanessa, Conrado, Larissa e Jéssica, a gratidão por
fazerem parte da minha família.
Aos meus pais, Julieta e Ariovaldo, meu querido irmão João e meu sobrinho
Marcus Vinícius, com eterna saudade.
Ao meu companheiro Jorge Barcellos e nossa filha Thaís, razões de minha
existência, meu amor incondicional.
_ O Senhor declara que há um Deus supremo
que fez o céu e a terra - disse Akunna durante uma
das visitas do sr. Brown. _ Nós também acreditamos
n’Ele e O chamamos Chukwu. Ele fez o mundo
inteiro e todos os outros deuses.
_ Não existem outros deuses - retrucou o sr.
Brown. _ Chukwu é o único Deus e todos os demais
são falsos. Vocês entalham um pedaço de madeira,
como aquele lá (e apontou para os caibros, dos
quais pendia o ikenga entalhado de Akunna), e
dizem que é um deus. Mesmo assim, continua não
passando de um simples pedaço de madeira.
_ Certo - respondeu Akunna. _É mesmo um
pedaço de madeira. Mas a árvore da qual foi
cortado foi feita por Chukwu, da mesma maneira,
aliás, que todos os deuses menores. Chukwu fez
esses deuses para serem os mensageiros através dos
quais todos nós podemos nos aproximar d’Ele.
“O Mundo se despedaça”, Chinua Achebe
RESUMO
Não obstante a promulgação da Lei 10.639, que desde 2003 tornou obrigatório o ensino de
História, Cultura Africana e Afro-Brasileira, ainda há muito que avançar para minimizar
deficiências curriculares nacionais e reorientar reflexões sobre as Áfricas e os africanos. Há,
ainda, um vasto campo a ser explorado para preencher os vazios que a marca colonial legou.
Nesse sentido, a fim de ampliar horizontes históricos e contribuir com debates historiográficos
já formulados, o foco do presente trabalho dirige-se para a região da atual Guiné-Bissau,
especialmente no período em que compunha o Império Colonial Português. Praticamente
ausente da historiografia disponível no Brasil, as culturas de povos guineenses foram
destacadas dos registros contidos no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Esta revista
colonial, publicada entre 1946 e 1973, encontra-se hoje disponibilizada através da página
eletrônica do Projeto Memória de África e Oriente. Coordenado pela Fundação Portugal-
África, este projeto tem como objetivos coletar, tratar, digitalizar documentos espalhados
pelos centros de documentação de países lusófonos, disponibilizando-os aos pesquisadores
através da internet. O Boletim Cultural é uma fonte variada composta por 110 edições
publicadas quadrimestralmente de forma ininterrupta. São mais de 20 mil páginas, das quais
foram priorizados os artigos de cunho etnográfico, os quais, embora permeados pelos filtros
desqualificadores europeus, ofereceram a oportunidade de fazer contato com culturas pouco
conhecidas, majoritariamente constituídas na tradição oral. A intermediação realizada pelos
articulistas não inviabilizaram o processo. Ao contrário, através de seus estranhamentos, a
diferença foi evidenciada e ganhou uma linguagem escrita publicada nas páginas da revista,
que expressava, materialmente, a lógica colonial construída sob a interação entre política e
ciência. Nessa medida, esse conhecimento “científico” proporcionou, apesar de intenções
subjacentes, um canal de diálogo com vários atores que construíram histórias próprias,
contudo encapsuladas, até hoje, por outras que lhes foram impostas. Assim, orientados pela
política colonial “científica”, os trabalhos publicados nas páginas do Boletim Cultural
permitiram as primeiras aproximações com a Guiné-Bissau e seus elementos constituintes de
meados do século XX.
Palavras-chave: Guiné-Bissau, povos africanos, saberes, cultura material, liturgia e magia,
danças e cerimonial.
ABSTRACT
In spite of the publication of Law 10.369 in 2003, which made the teaching of the history and
culture of Africa and African Brazilians compulsory, there is still much to be done to reduce
the defects in the national curriculum and offer better guidance for the study of the Africas
and of Africans. There are still many avenues that need to be explored in order to fill the gaps
that the colonial legacy has left. To this end, in order to broaden historical horizons and
contribute to the historiographical debate already under way, the focus of the present work is
directed at the area occupied by current Guinea-Bissau, especially during the period of the
Imperial Colonial Portuguese Empire. This area has been almost totally neglected in Brazil,
but the culture of Guinean people has been described in the annals of the Boletim Cultural da
Guiné Portuguesa. This colonial periodical, published between 1946 and 1973 is now
available online as the Projeto Memória de África e Oriente. Coordinated by the Fundação
Portugal-Africa, the aim of this project is to collect, collate and digitalize documents at
present scattered among the documentation centers of various Portuguese-speaking countries
and make them available to researchers on the internet. The Boletim Cultural is a varied
source made up of 110 editions published uninterruptedly three times a year. There are over
20,000 pages, whose main emphasis is on articles concerning ethnographics, which, although
often seen from an undesirably European perspective, offer the opportunity to study these
little-known cultures, which have been mostly handed down by oral tradition, and despite the
cultural bias they display, these articles are nevertheless well worth reading. In fact,
paradoxically, this alien perspective serves to highlight certain cultural features and the very
characteristic language used in them expresses quite pointedly the colonial logic upon which
political and scientific studies were based. In this way, this “scientific” knowledge, despite its
subtexts, has enabled a dialog to take place with various actors who made their own history,
despite this remaining restricted even until today, by others who sought to control it. Thus,
despite being strongly influenced by “scientific” colonial attitudes, these studies published in
the pages of Boletim Cultural, did allow the first approaches to be made to Guinea-Bissau and
its constituent elements in the 20th
century.
Keywords: Guinea-Bissau, African peoples, knowledge, cultural material, liturgy and magic,
dances, ceremonies.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapas:
Guiné-Bissau e países vizinhos 14
Senegâmbia 21
Divisão administrativa da Guiné Portuguesa 62
Ocupação do espaço pelos povos da Guiné, 1950 69
Regiões onde foi aplicado o Inquérito Etnográfico de 1946 75
Impérios africanos 78
Trocas comerciais na Alta Costa da Guiné - séc. XVII e XVIII 79
O “Império Português” - séc. XVI e XIX 79
Povos da Guiné-Bissau, por região 86
Guiné-Bissau e Guiné, mapa linguístico 86
“Carta étnica das densidades da população”, p/ Avelino Teixeira da Mota, 1954 88
Mande 94
Reinos Mandinga, Fula e outros reinos; Senegâmbia, séc. XVIII 96
Regiões de origem dos Fula da Guiné 97
Arquipélago dos Bijagó, principais ilhas 100
Arquipélago dos Bijagó e as gerações donas do chão 103
Figuras:
Cartilha colonial de Pedro Muralha, 1928 32
Sem título (grupo de jovens Bijagó correndo) 36
Juvenal Cabral 47
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (BCGP), n.1, 1946 49
Brasão de armas da Guiné Portuguesa 56
Felupe com seus instrumentos de caça 58
Gráfico comparativo: recenseamentos de 1950 3 1991 65
Árvore genealógica da “tribo Papel” 93
Djam-Djam, rei de Bubaque/Rubane 104
Primeiros “cidadãos diplomados” 121
Exposições coloniais 122
Família do tipo clânico do grupo Balanta-Mané 129
Morança-conjunto de palhotas dum agregado familiar do litoral 130
Tabanca em Ambeno, Ilha Roxa, Arquipélago dos Bijagó 132
Tipos de morança 132
Vista aérea de uma morança em construção 133
Bijagó: dança do vaca-bruto 137
Bijagó: dança do peixe-verga 137
Dança fúnebre Felupe 138
Dançarinos Balanta 138
Dançarinos Bijagó 138
Dança de mulheres Fula 139
Bombolon 139
Balafon 140
Mandinga, judeu, tocador de korá 141
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Músicos Felupe 141
Moça Papel aos pés do poilão 145
Irãs dos Manjaco de Bassarel, região de Cacheu 146
Interior de uma balouba Bijagó 147
Oniká 150
Excertos do Alcorão 152
A “bolsa de mandinga”de Abdul Injai 152
Um ferreiro - Odjiqui - da Ilha Formosa 158
Ferreiro fabricando adornos 159
Mestre escarificador manjaco 165
Moça Manjaca com escarificações 165
Rapaz Manjaco e seus dentes afiados 165
Meninas Balanta em dança ritual por ocasião do fanado 166
Rapazes Balanta regressando do fanado 166
Homem Grande Beafada, mulheres e filhos 169
Conselho de anciãos Balanta 170
Amortalhamento de um cadáver 172
“Cansarés” 172
Funeral Manjaco 174
Cobertura de cova tumular de um régulo de Biombo 175
Irã Manjaco assinalando galerias tumulares 176
Mulheres Felupe ceifando arroz 183
Homens Balanta arando a terra 183
Quadros:
Série “Memórias” do Centro de Estudo da Guiné Portuguesa 74
Inquérito Etnográfico de 1946 - distribuição dos grupos e funcionários 75
Ideias portuguesas associadas aos povos guineenses 123
Repartição das responsabilidades e funções nas diferentes fases da vida do Bijagó 161
Tabelas:
População “não civilizada”, Censo de 1950 64
Atividades praticadas pela população “não civilizada”, p/ gênero, Censo de 1950 66
População do Arquipélago dos Bijagó, Censo de 1950 101
Distribuição da população no Arquipélago dos Bijagó, por ilha, Censo de 1950 102
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11
CAPÍTULO 1: CONHECIMENTOS SOB MEDIDA 30
1.1 Uma “ciência colonial” à moda lusitana 30
1.2 Conhecimentos coloniais à serviço da metrópole 44
1.2.1 As primeiras notícias 44
1.2.2 O Centro de Estudos e o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa 47
1.3 Individualizar é preciso: fiscalizar e administrar 60
1.3.1 O Recenseamento de 1950: a Guiné em números 62
1.3.2 O Inquérito Etnográfico de 1946 70
CAPÍTULO 2: DESCOBRINDO A GUINÉ-BISSAU 77
2.1 Os tempos coloniais 77
2.2 A ocupação do chão guineense 87
2.2.1 O continente 93
2.2.2 O Arquipélago 100
2.3 A política colonial: a Guiné sob a “tutela” do Estado moderno 109
CAPÍTULO 3: POVOS DA GUINÉ-BISSAU E O BOLETIM CULTURAL 125
3.1 Aspectos das comunidades em meados do século XX 125
3.2 A magia dos povos da Guiné 142
3.3 Viver a magia 155
3.3.1 O cotidiano 155
3.3.2 Do nascimento à outra vida 162
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 179
BIBLIOGRAFIA 184
FONTES DO BOLETIM CULTURAL DA GUINÉ PORTUGUESA 199
APÊNDICE 203
11
APRESENTAÇÃO
Chama a atenção o fato de navios de guerra norte-americanos estarem fundeados
ao largo da costa da Guiné-Bissau para garantir a ordem em caso de uma “eventual convulsão
política e militar”1, durante as eleições presidenciais do último 18 de março de 2012. A
Guiné-Bissau, país que apenas em 1974 alcançou a independência política de Portugal ainda
evidencia resquícios da “violência” política e exploração econômica nitidamente presentes.
Há indícios de que possua, ao longo da costa, em mar aberto, riquezas a explorar, tais como o
petróleo. Por essa e outras razões, as ações engendradas por países além Estados Unidos,
fazem lembrar disputas vividas por povos africanos desde o impacto da partilha da África no
final do século XIX.
Essa notícia teve pouca divulgação, assim como a fotografia do candidato Kumba
Yalá2, em trajes tradicionais, brandindo um machado típico de sua comunidade. A experiência
política na Guiné-Bissau tem sido conflituosa: golpes e contragolpes foram desfechados nos
últimos 15 anos e as consequências sociais e econômicas são, e continuam sendo, danosas. O
cerne do problema tem sido pouco debatido, cabendo às instituições internacionais, em
tentativas intervencionistas, tratar apenas sintomas, sem levar em conta as verdadeiras
responsabilidades sobre as causas da “doença”. Talvez não seja conveniente expô-las,
exatamente por serem conhecidas.
Não tenho dúvidas de que, alguns anos atrás, estes fatos passariam ao largo de
minhas atenções, pois não estaria envolvida com leituras, pesquisa e compromissos oriundos
deste deter-me na Guiné-Bissau. Até então, por conta de minha experiência durante os anos
fundamentais de escolarização (1963-1973), as Áfricas e os povos africanos praticamente
inexistiam em meus horizontes. Naqueles anos, estudar história era apenas um desafio para a
memória, pois, em tempos de ditadura militar, os alunos brasileiros “tinham que se contentar,
ou aturar, uma História de influência positivista, recheada por memorizações de datas, nomes,
de herois, listas intermináveis de presidentes e personagens”3.
1 CASSAMA, Lassana. Estados Unidos atentos às eleições na Guiné-Bissau. VOA Portuguese. Washington, 13
mar.2012.(jornal eletrônico). 2 Kumba Yalá já foi presidente entre 2000-2003 quando foi afastado por um golpe militar. Desde sua
independência política, nenhum presidente da Guiné-Bissau completou o mandato. 3 OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares: representações e imprecisões na
literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, 2003, p. 424.
12
Uma das sequelas deixadas por esse tipo de ensino é que estudantes brasileiros, e
de outros países com práticas similares, passaram a conceber o continente africano através da
história europeia e norte-americana. Estas, pautadas no pensamento hegeliano4, propagaram
uma não historicidade em África, bem como relegaram o negro africano à coadjuvante de suas
próprias histórias. No Brasil, até hoje, tais discursos ainda são reproduzidos, isto é, a África
continua sendo apresentada apenas como pano de fundo para as narrativas dos feitos e das
conquistas europeias, como se seus movimentos dependessem de ações de outrem.
Nas últimas décadas, no entanto, essas “verdades” têm sido discutidas por
estudiosos de várias áreas do conhecimento. A partir desses debates, o que era inquestionável
perdeu consistência, pois foram sendo elucidadas as estratégias articuladas pelo poder, que
manipularam ou ocultaram os fatos para atender conveniências e interesses. Por essa razão, a
África, que antes era percebida como algo vazio e desinteressante, passou a ser “preenchida”
por povos e culturas africanas, repletos de histórias e memórias, que ainda reclamam seu
devido lugar.
Ao preparar um seminário sobre a Guiné-Bissau, em 2008, de início ficou
evidente o pouco conhecimento sobre a geografia política do continente africano5. Precisei de
certo tempo para localizar aquele país dentre os demais6, pois um olhar desatento pode,
facilmente, confundi-la com a Guinée (antiga colônia francesa) ou com a Guiné Equatorial
(antiga colônia espanhola)7.
4 HEGEL, Friedriech. Filosofia da História. Brasília: UnB, 1999.
5 O professor e antropólogo africano Kabengele Munanga afirma que o desconhecimento dos brasileiros em
relação à África passa por questões básicas. Com muita propriedade ele considera importante “ensinar aos alunos
brasileiros alguns aspectos da geografia política africana em geral, que a maioria dos brasileiros, até adultos,
ignora bastante” (MUNANGA,2009, p.9).
6 Atualmente, o continente africano é constituído pelos seguintes países: África do Sul, Argélia, Angola,
Benin, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Comores, Cabo Verde, República Centro africana, Chade, Camarões,
República Democrática do Congo, República do Congo, Costa do Marfim, Djibuti, Egito, Eritreia, Etiópia,
Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Quênia, Lesoto, Libéria, Líbia, Madagascar,
Malaui, Mali, Mauritânia, Mauricio, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Níger, Nigéria, Ruanda, São Tomé e
Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Somália, Suazilândia, Sudão, Sudão do sul, Tanzânia, Togo, Tunísia,
Uganda, Zâmbia e Zimbábue.
Há uma questão antiga e pouco divulgada referente ao Saara Ocidental, único território africano que ainda não é
independente. Desde 1976, quando da saída dos colonizadores espanhóis, a região tem sido alvo de conflitos
entre a Frente Polisário, representante do povo Saaráui e o Marrocos. Segundo Pio Penna Filho (2010, p.3),
“muitas atrocidades foram cometidas de lado a lado (mesmo que de forma desproporcional) e o território virou,
literalmente, um campo minado [...] o governo marroquino ergueu um impressionante muro de areia com uma
extensão de 2.500 a 2.700 km”. Estes fatos são pouco comentados e revelam, entre outras arbitrariedades, que a
falta de comprometimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na condução política do problema, é
reflexo da influência tanto da França quanto dos Estados Unidos, os quais apoiam as pretensões marroquinas na
região. 7 A Guiné-Bissau, a Guinée e a Guiné Equatorial pertencem à região também denominada Guiné (Alta Guiné,
Senegâmbia, etc.) que é também integrada pelo Senegal, Gana, Cabo Verde, Costa do Marfim, Benim,
Camarões, Gabão, Gâmbia, Libéria, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Serra Leoa e Togo. A região da Guiné
assumiu várias denominações e não possui uma delimitação espacial constante ao longo do tempo. Sobre essas
13
A Guiné-Bissau é um pequeno país da costa oeste africana. Sua extensão
territorial varia, pois a parte litorânea é regularmente inundada pelas marés que avançam até
40 quilômetros para o interior. Por conta desse fenômeno natural diz-se que a Guiné-Bissau
possui 36.125 km² na maré baixa e 28.000 km² na maré alta. O mar desempenha um papel
muito importante, pois
duas vezes ao dia ele se arremessa contra a terra, irrompendo pelas valas dentro e
formando [...] enseadas, penínsulas, istmos, ilhas e ilhotas. Os cursos de água, que
serpenteiam na Guiné, não são rios. São valas lodosas invadidas pelo mar. Apenas
em duas valas, que se abrem ao fundo duma outra mais vasta, a qual corta as terras
baixas da costa em duas metades quase perfeitamente iguais, vêm encontrar com o
mar fios de água doce, cascalhando sobre fundo de pedra solta: Geba e Corubal.
[...]. Foi o mar que directamente ou indirectamente contribuiu para a formação de
todos os entrepostos [...], com seu arfar ciclópico, enchendo e esvaziando as valas,
inundando terras que ficam à beira delas, conduzindo para o interior, bem para o
interior, uma fauna marítima, que serve de alimento a inúmeros seres, incluindo o
homem, tem sido o fulcro de todo o sistema orgânico local. 8
A região costeira é recortada por braços de mar que a distingue do relevo
essencialmente plano da região do interior, de poucas altitudes, não ultrapassando os 300
metros nos planaltos de Bafatá e Gabu. A faixa de florestas, incluídas as matas de Oio,
Catanhez, Cabedu e de Cacine, acompanha o limite máximo das marés. Em direção ao litoral
este cenário dá lugar a amplas planícies com muitas palmeiras e valas lodosas cercadas pelos
manguezais.
O clima é tropical (úmido e quente) e as estações do ano dividem-se entre os
meses de dezembro a abril (seca) e maio a novembro (chuvas). A riqueza e a diversidade da
fauna e da flora chamam a atenção na Guiné-Bissau, no entanto, em meados do século XX, já
se observava que o leão e o elefante, animais anteriormente abundantes na região, estavam
escasseando9, pois “um ou outro muito raramente ainda se (via) na mata de Cantanhez”
10.
Um cordão de ilhas junto à parte continental - o arquipélago dos Bijagó - é
separado da parte insular pelos canais de Geba, Pedro Álvares, Bolama e Canhabaque. As
fronteiras que separam a atual Guiné-Bissau da Guinée (République de Guinée,1958) e do
variações e designações ver: HORTA, José da Silva. “O nosso Guiné”: representações luso-africanas do espaço
guineense-(sécs. XVI-XVII). 8 QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.22, 1967, n.85-86, p.21. O avanço das
águas do mar sobre os dois rios (Geba e Corubal) produz um fenômeno localmente conhecido como macaréu. 9 Segundo dados apontados no Plano de Acção Nacional para a Biodiversidade, elaborado em 2002 pelo
Ministério de Desenvolvimento Rural e Agricultura, Recursos Naturais e Ambiente da República da Guiné
Bissau, o elefante (Loxodonta africana cyclotis - Blumenbach) foi considerado uma espécie em extinção e o leão
(Panthera leo senegalensis- Mayer) foi apontado como animal raro no território guineense. Cf. http://www.accc-
africa.org/documents/Strat_Biodiv_bissau.pdf. 10
QUINTINO, Fernando Rogado. op.cit, p.32.
14
Senegal (République du Sénégal,1960) foram fixadas pelo acordo luso-francês de 1886. Foi a
partir desse ato que “ficaram incorporadas a Guiné Portuguesa as ilhas do arquipélago”11
.
O arquipélago, que já foi conhecido como Ilhas de Buam12
, entre outras
designações, está localizado na costa ocidental da África à frente dos rios Geba, Grande e
Tombali. Com uma área aproximada de 2.624 km², é constituído por 88 ilhas e ilhéus, foi
classificado pela Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas -
UNESCO, em 1996, como reserva da biosfera13
. A maioria das ilhas é desabitada e são
utilizadas, pelas populações locais, na agricultura, em cerimônias, libações ou rituais de
iniciação.
A vegetação é tipicamente tropical, com florestas úmidas, manguezais e savanas.
Muitas de suas riquezas naturais ainda não são conhecidas ou exploradas e as águas que
envolvem as ilhas são consideradas das mais ricas em peixe de toda a África. Sua fauna
também é particularmente rica e diversa abrigando, entre outros animais, hipopótamos14
,
tartarugas e golfinhos. Muitas aves migratórias permanecem no arquipélago até o final do
inverno de seus hábitat naturais, entre elas os flamingos, pelicanos e garças.
A partir da História Geral da África15
travei os primeiros “contatos” com o
continente. Esta obra, iniciada em 1964, foi produzida ao longo de 30 anos com
11
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Bissau, v.22,
1967, n.85-6, p.16. 12
Cf. cartografia do navegador Aires Tinoco de 1578. 13
Em 1996 foi criada a reserva Bolama-Bijagós em razão da exuberante fauna e flora preservadas. 14
O hipopótamo do arquipélago possui uma particularidade interessante: são os únicos no mundo a viverem em
água salgada e, por isso, por vezes são designados como hipopótamos marinhos. 15
No início de 2008 a biblioteca da PUC-SP possuía apenas os dois primeiros volumes da coleção História
Geral da África. Em 2011 a obra completa, finalmente, chegou ao público brasileiro, inclusive àquela biblioteca
e está, também, disponível através da internet na página do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Guiné-Bissau e países vizinhos, vistos por satélite.
GUINÉ-BISSAU
SENEGAL
GUINÉE ARQUIPÉLAGO
DOS BIJAGÓ
15
financiamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO). Surgiu em resposta ao clamor por uma história da África a partir da perspectiva
dos próprios africanos e em consonância com os objetivos daquela entidade, “criada no pós-
guerra, período da cisão do mundo em dois grandes blocos e da Guerra Fria, bem como das
lutas de libertação dos povos africanos contra os poderes coloniais europeus”16
.
Em meados da década de 1990, mais de 300 cientistas, coordenados por um
comitê formado por 39 especialistas, majoritariamente africanos, completaram o desafio de
reconstruir a historiografia africana em tentativas de se libertar dos estereótipos do olhar
eurocêntrico. Desse significativo conjunto destaquei a análise de Amadou Hampâté Bâ17
sobre a tradição africana. Trata-se de leitura imprescindível para a compreensão de uma
mundividência singular, na qual o universo visível
é concebido e sentido como o sinal, a concretização ou o envoltório de um universo
invisível e vivo, constituído de forças em perpétuo movimento. No interior dessa
vasta unidade cósmica, tudo se liga, tudo é solidário, e o comportamento do homem
em relação a si mesmo e em relação ao mundo que o cerca (mundo mineral, vegetal,
animal e a sociedade humana) será objeto de uma regulamentação ritual muito
precisa cuja forma pode variar segundo as etnias18
ou regiões. A violação das leis
sagradas causaria uma perturbação no equilíbrio das forças que se manifestaria em
distúrbios de diversos tipos. Por isso a ação mágica, ou seja, a manipulação das
forças, geralmente almejava restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a
harmonia, da qual o Homem, como vimos, havia sido designado guardião por seu
Criador.19
A leitura da epopeia de Sundjata20
aumentou ainda mais meu interesse sobre
temas africanos. Nesta obra, o historiador e escritor Djibril Niane21
apresenta a marcante
16
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. História
Geral da África. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190257POR.pdf 17
Hampâté Bâ nasceu em 1900 em Bandiagara, região das savanas do oeste africano, atualmente o Mali.
Estudou e trabalhou na administração colonial francesa e, por indicação do diretor do Institute Français de
l’Afrique Noire (IFAN), em 1942, coletou narrativas de sociedades negro-africanas das savanas. Embora
educado na religião islâmica, sempre esteve ligado às suas raízes ancestrais e dedicou grande parte de seus
trabalhos à tradição oral. 18
Apesar das discussões em torno dos termos etnia/grupo étnico, vários autores os utilizam para referirem-se a
grupos humanos possuidores de características comuns, tais como língua, percepção de uma mesma
ancestralidade, costumes, etc. Obviamente, nas citações os termos estão transcritos tal como empregados pelos
autores. Porém, considerando que se trata de um termo impregnado de referências classificatórias, utilizado por
administradores e etnólogos coloniais, numa substituição “politicamente correta” do termo raça, ao longo do
presente trabalho preferi utilizar povos ou grupos ao fazer referências afins. 19
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. V.1.
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982 p.167-212, p.173. 20
NIANE, Djibril Tamsir. Sundjata ou a Epopéia Mandinga. São Paulo: Ática, 1982. Coleção Autores
Africanos, n. 15. 21
A obra de Djibril Tamsir Niane, nascido na Guinée (Conacri), foi lançada no Brasil, na década de 1980. Seu
trabalho fez parte do projeto “Coleção Autores Africanos” da Editora Ática (a maioria dos títulos publicados
encontra-se, infelizmente, esgotada). Outros títulos da coleção: De uma costela torta (Nuruddin Farah, Somália);
Dizanga dia Muenhu (Boaventura Cardoso, Angola); Flagelados do Vento Leste (Manuel Lopes, Cabo Verde);
O Astrolábio do Mar (Chems Nadir, pseudônimo de Mohamed Aziza, Tunísia); Aventura Ambígua (Cheikh
Hamidou Kane, Senegal); As aventuras de Ngunga (Pepetela, Angola); Climbiê (Bernard B. Dadié, Costa do
Marfim); O Mundo se despedaça (Chinua Achebe, Nigéria); Ilheu de Contenda (Teixeira de Sousa, Cabo
16
trajetória daquele heroi e fundador do Império do Mali, contada pelo griô22
Mamadou
Kouyaté. Ao falar sobre seu trabalho como depositário do passado transmitido através da
palavra, Kouyaté tece críticas à história escrita:
Os reinos têm o seu destino traçado, tal como os homens: só o conhecem os
adivinhos, que investigam o futuro, cuja ciência dominam. Nós outros, griots reais,
somos os depositários da ciência do passado; mas quem conhece a história de um
país poderá ler o seu futuro. Há povos que se servem da linguagem escrita para fixar
o passado; mas acontece que essa invenção matou a memória entre os homens: eles
já não sentem mais o passado, visto que a língua escrita não pode ter o calor da voz
humana. Todo mundo acredita conhecer, ao passo que o saber deve ser algo secreto.
Os profetas não escreveram, e sua palavra nem por isso é menos viva. Pobre
conhecimento, esse que se encontra imutavelmente fixado nos livros mudos...23
A importância do trabalho de Niane, segundo o historiador Boubacar Barry
(2001), reside no fato de ser a primeira obra que utilizou, exclusivamente, a tradição oral
como fonte, restabelecendo a figura do griô como guardião da memória. A tradição oral foi
equiparada aos registros escritos abrindo, assim, um caminho importante para historiadores
africanos24
e para a utilização de novos objetos e metodologias de pesquisa. Para Barry, “do
ponto de vista metodológico, as tradições orais são consideradas, acima de tudo, como
documentos de outra natureza, que são recolhidos para completar os documentos escritos de
origem europeia, principalmente.”25
Comumente, o período escravista do Brasil é estudado a partir das plantations,
dos “ciclos econômicos” ou do comércio europeu. A figura do negro é coisificada a ponto de
sua humanidade ser ignorada. Por essa razão a leitura de Los viajes de Equiano26
causou
surpresa, pois revelou ser possível uma história narrada a partir da experiência vivida pelo
africano escravizado Gustavus Vassa, ou melhor, Olaudah Equiano.
Verde). Apesar de nascidos em Portugal, também fazem parte da coleção as obras de Manuel Ferreira (Hora di
Bai) e de José Luandino Vieira (Luuanda e A vida verdadeira de Domingos Xavier). Um dos grandes
responsáveis desse projeto foi o Prof. Fernando Augusto Albuquerque Mourão, da Universidade de São Paulo,
que atualmente é coorientador da mestranda Joseneida Eloi com o trabalho O papel da coleção Autores
Africanos, iniciado em 2010. 22
Segundo Niane (1982, p.5), o termo griô (em francês griot) é utilizado para designar várias funções. Nas
sociedades africanas, em que o conhecimento era transmitido de forma oral, ou seja, pela Palavra, o griô
cumpria, entre outras, a função de transmitir a tradição histórica: “era o cronista, o genealogista, o arauto, aquele
que dominava a palavra, sendo, por vezes excelente poeta”. Com o passar do tempo passou, também, a ser
músico, percorrendo grandes distâncias, visitando vários povoados, tocando seu instrumento e falando do
passado. 23
NIANE, Djibril Tamsir. Sundjata ou a Epopéia Mandinga. São Paulo: Ática, 1982. Coleção Autores
Africanos, n. 15, p.65. 24
Como exemplo, Barry cita os trabalhos de Thierno Diallo (Fuuta Djalon), Abdoulaye Bathily (Gajaaga),
Mamadu Diuf (Kayoor), Umar Kane (Fuuta Toro), Sekené Mody Cissoko (Xaao) e o seu Royayme du Waalo.
Neles os autores abordaram, em grande maioria, o reino correspondente aos povos a que pertenciam. 25
BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da história regional. Sephis. Rio de Janeiro: Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 2001, p.26. 26
VASSA, Gustavus. Los viajes de Equiano. Cuba: Editorial Arte y Literatura, 2002.
17
Nascido em 1745 numa vila Ibo27
(Igbo, Ebo ou Heebo), no oeste da África,
Equiano, ainda muito jovem, foi capturado de sua aldeia juntamente com uma irmã mais
nova. Separado dela, foi “comercializado” várias vezes e passou por vários “senhores” de
lugares diferentes. Atravessou o Atlântico num navio de escravos e aportou em Barbados,
onde ficou brevemente, seguindo depois para a então colônia britânica da Virgínia. Ali foi
comprado por um tenente da marinha real, Michael Pascal, que o “rebatizou” Gustavus, em
homenagem ao rei Gustav I da Suécia28
. Vendido em 1763 a Robert King, trabalhou como
marinheiro, barbeiro, fabricante de vinho, e aprendeu a falar e escrever em inglês. Após
comprar sua alforria, em 1770, participou ativamente do movimento abolicionista na
Inglaterra e teve vários artigos publicados em jornais. Casado com uma inglesa branca,
Susannah Cullen, teve dois filhos e, com a ajuda de amigos, publicou, em 1789, As viagens
de Equiano, onde relata toda sua trajetória desde a aldeia Ibo. Lutou até sua morte, em 1797,
pelo fim do escravismo e revelou, através de sua obra, que a História pode ser escrita através
de diferentes perspectivas.
Ao escrever O Mundo se despedaça29
, o romancista, poeta, crítico literário e
professor Chinua Achebe30
destacou os efeitos do colonialismo. Mostrou, por exemplo, que
os interesses europeus despedaçaram mundos constituídos em tempos imemoriais.
Estabelecidos em espaços organizados, dos quais foram expropriados em nome da
“civilização”, muitos dos povos africanos foram manipulados em função de acordos políticos
e comerciais. O desalentado diálogo travado entre a personagem principal do romance,
Okonkwo, com um de seus pares, Obierika, expõe a barbárie:
_ Por acaso o homem branco entende os nossos costumes no que diz respeito à
terra?
_ Como é que ele pode entender se nem sequer fala a nossa língua? Mas declara que
nossos costumes são ruins; e nossos próprios irmãos, que adotaram a religião dele,
também declaram que nossos costumes não prestam. De que maneira você pensa
que poderemos lutar, se nossos próprios irmãos se voltaram contra nós? O homem
branco é muito esperto. Chegou calma e pacificamente com sua religião. Nós
achamos graça nas bobagens deles e permitimos que ficassem em nossa terra.
Agora, ele conquistou até nossos irmãos, e o nosso clã já não pode atuar como tal.
Ele cortou com uma faca o que nos mantinha unidos, e nós nos despedaçamos.31
27
Ibo é um dos povos estabelecidos na região sudeste da atual Nigéria. 28
O rei Gustav I (1496-1560) da Suécia foi o fundador da dinastia Vassa. 29
ACHEBE, Chinua. O Mundo se despedaça. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. 30
Albert Chinụalụmọgụ Achebe, assim como Equiano, nasceu entre o povo Ibo, em Ogidi , região sudeste da
atual Nigéria. 31
Ibid., p.198.
18
Mundos repletos de saberes, histórias e culturas32
foram estrategicamente desqualificados.
Isto ocorreu, basicamente, pelo fato de terem sido classificados através de parâmetros
europeus, os quais, sob a primazia da razão cartesiana, apartaram da história tudo aquilo que
diferia de seus parâmetros e modelos de desenvolvimento.
Nestes últimos anos observei o reduzido número de obras publicadas e o exíguo
espaço concedido às questões africanas no mercado editorial brasileiro. Isto é facilmente
visualizado nas prateleiras das livrarias em geral e nos lançamentos em destaque. Na
biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por exemplo, não
existem mais do que uma dezena de livros sobre a África. Por outro lado, há considerável
bibliografia sobre a história francesa, inglesa, portuguesa ou estadunidense. Talvez isto seja
um reflexo da formação teórica de nosso sistema educacional, a qual, ao longo dos anos e sob
a hegemonia europeia e norte-americana, tem se pautado em historiografias lineares e
evolutivas33
. Há silêncios profundos, extensos e abrangentes, os quais urgem por ações
efetivas no sentido de rompê-los.
As incômodas inquietações decorrentes dessa trajetória encontraram abrigo na
indagação de Edward Said: “Quem deverá revelar e elucidar as disputas, desafiar e ter
esperança de vencer o silêncio imposto e a quietude conformada do poder?”34
. Desse encontro
surgiu a necessidade de “elucidar a disputa, desafiar e derrotar tanto o silêncio imposto quanto
o silêncio conformado do poder invisível.”35
Tais silêncios atuaram como forças
mobilizadoras que capturaram, irremediavelmente, minha atenção e conduziram ao tema do
Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de graduação em História36
.
A leitura de Aimé Césaire37
e Franz Fanon38
, dentre outros importantes
diaspóricos, chamou à reflexão acerca da responsabilidade com a qual deveria abordar
questões sobre a África e os africanos. Pensar sobre rótulos tais como o “nós” e “os outros”
ou o “ocidente” e o “resto”, por exemplo, permitiu que eu encarasse a zona de conforto na
32
A par dos significados do termo cultura, aqui é entendido conforme trabalhado por Raymond Williams
(2007, p.121), ou seja, um “substantivo independente, quer seja usado de modo geral ou específico, indicando
um modo particular de vida, quer seja de um povo, um período, um grupo da humanidade em geral”. 33
Sobre o ensino de história da África no Brasil ver OLIVA, Anderson Ribeiro. Lições sobre a África:
Diálogos entre as representações dos africanos no imaginário Ocidental e o ensino da história da África no
Mundo Atlântico (1990-2005). 2007, 404p. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de Brasília,
Brasília, 2007. 34
SAID, Edward. O papel público de escritores e intelectuais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 30. 35
Ibid., p.34. 36
Sob a orientação da Profª Maria Antonieta Antonacci, o TCC transformou-se, em 2009, no Projeto de
Pesquisa: Os Povos da África do Oeste através do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa - 1946/1973.
Aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da PUC-SP foi o ponto de partida para o presente
trabalho. 37
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre el colonialismo. Madrid: Akal Ediciones, 2006. 38
FANON, Franz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005.
19
qual estive por muito tempo. Conclui, incomodamente, que foram anos reproduzindo, sem
grandes questionamentos, discursos “adaptados” sobre o continente africano.
Apesar dos silêncios forçados pelo poder, surgiram as vozes e as lutas do
movimento negro no Brasil. Retomadas nas primeiras décadas do século XX39
, após a ilusória
“abolição”, sofreram um refluxo importante após o golpe militar de 1964. Apesar da
repressão, continuaram promovendo debates cada vez mais significativos e abrangentes,
porém as ações eram fragmentadas e não guardavam um sentido político de enfrentamento ao
regime. Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) foi constituído e entrou em cena um
movimento politicamente organizado. (DOMINGUES, 2007). Uma de suas propostas,
apresentada em 1982, reivindicava a introdução do ensino de História da África nas escolas
brasileiras o que, após 21 anos, tornou-se realidade, ao menos formalmente, através da Lei nº
10.639/2003.40
A necessidade de uma lei específica evidencia a necessidade de reflexões e
debates. A começar pelo ensino de História, que, entre outros aspectos, “deveria considerar as
matrizes culturais da formação do Brasil”41
. Nas publicações e livros didáticos, que ainda
circulam nas escolas brasileiras, transparecem equívocos, ou seja, as narrativas insistem em
deformar ou omitir um passado que, em grande medida, ainda está por ser apreendido no
Ocidente. Há, portanto, muito que avançar no sentido de corrigir deficiências curriculares e
didáticas. Cléa Ferreira aponta que
a História e Cultura Afro-Brasileira quando não invisibilizada tem sido folclorizada
e estereotipada nos conteúdos didáticos, bem como as contribuições dos povos
indígenas. Os desafios são muitos para a superação dessas dificuldades e o papel das
39
A visibilidade do movimento negro no Brasil esteve mais evidente nas últimas décadas, contudo é
conveniente ressaltar que desde ele esteve presente desde o início do século XX. Naquela época os negros
uniram-se em torno de agremiações, sem cunho político, que, por vezes, incorporavam trabalhadores do mesmo
ramo de atividade. Segundo Petrônio Domingues (2007), a agremiação mais antiga de São Paulo foi o Clube 28
de Setembro, constituído em 1897. As maiores foram o Grupo Dramático e Recreativo Kosmos (1908) e o
Centro Cívico Palmares (1926). Em 1931, com a Frente Negra Brasileira (FNB), sucessora do Centro Cívico
Palmares, foi somado ao cunho assistencialista-cultural das antigas agremiações um perfil político formalizado
em 1936 com a constituição do Partido da Frente Negra Brasileira. Na década de 1930 as entidades, tal como a
FNB, visavam, principalmente, a inserção do negro na sociedade brasileira. Com a ditadura do Estado Novo de
Getúlio Vargas, os partidos foram extintos e houve grande repressão aos movimentos contestatórios. Sobre o
movimento negro no Brasil, especialmente nos anos da República, ver DOMINGUES, Petrônio. Movimento
Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo: Niteroi, v.12, n.23, p.100-123, jul.2007;
FERNANDES, Ricardo Luiz da Silva. Movimento negro no Brasil: mobilização social e educativa afro-
brasileira. África e Africanidades, Rio de Janeiro: ano 2, n.6, ago.2009, sem paginação, entre outras publicações. 40
A lei 10.639 de 09/01/2003 tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, em instituições
públicas e particulares, em caráter transversal, em todos os níveis de ensino no Brasil. Ela alterou o art. 26-A da
Lei no 9.394, de 20/12/1996, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Referido artigo passou
a vigorar com a seguinte redação: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira". A lei 11.645 de 10/3/2008 trouxe
nova alteração, ou seja, foi incluída a obrigatoriedade do estudo da história e da “cultura indígena”. 41
FLORES, Elio C. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana. Tempo. Niteroi, v.11, n.21,
p.65-81, Jul.2001, p.73.
20
universidades e agências nacionais e estaduais de fomento é central, tendo em vista
os entraves que as hostes acadêmicas têm colocado para assumir uma ética na
produção de conhecimentos que reflitam um novo compromisso com a teoria, como
um espaço muito mais amplo de trocas.42
Das primeiras aproximações com a Guiné-Bissau, em 2008, reuni informações
que, de alguma forma, relacionavam-na com o Brasil. Durante o tráfico negreiro, por
exemplo, a região da Guiné forneceu escravos cujo destino, entre outros, foram os portos
brasileiros de Belém e São Luís. Este comércio não se prolongou por muito tempo, pois
perdeu a primazia para o litoral da Baía de Benin. O Brasil reconheceu a independência da
Guiné-Bissau em setembro de 1973, oficialmente em julho de 1974, antes mesmo da
“aceitação” dos portugueses43
. Paulo Freire44
, educador brasileiro que introduziu novos
métodos pedagógicos para a alfabetização, esteve na Guiné-Bissau, em 1977, prestando
consultoria para o projeto de reforma educacional durante o primeiro governo45
. Rogério
Andrade Barbosa46
, professor e escritor brasileiro, ex-voluntário das Nações Unidas na Guiné-
Bissau, também ali lecionou nos primeiros anos após sua independência e, hoje, é um
premiado recontador de histórias africanas.
O professor titular do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, nas áreas de
economia e administração, Ladislau Dowbor47
, foi coordenador técnico do Ministério do
Planejamento da Guiné-Bissau entre 1977 e 1981. A partir dessa experiência escreveu Guiné-
Bissau: a busca da independência econômica48
, uma análise das difíceis questões,
especialmente de ordem econômica, enfrentadas pelo novo país nos primeiros anos após sua
independência (e porque não dizer até os dias atuais). Relatou que o “fim do colonialismo
42
FERREIRA, Cléa Maria da Silva. Formação de professores à luz da história e cultura afro-brasileira e
africana: nova tendência, novos desafios para uma prática reflexiva. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a
Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 3, n. 5, 2008, p.236-7. 43
A política externa brasileira em relação às colônias portuguesas em África caracterizou-se por avanços e
recuos. Até o governo Médici (1969-1974) o apoio a Portugal, principalmente junto à ONU, era mantido mesmo
após as denúncias de arbitrariedades cometidas pelo colonialismo lusitano. Havia, também, a parceria comercial
com a África do Sul em tempos de apartheid o que tornava mais difícil uma aproximação, não obstante os
interesses comerciais de ambos os lados do Atlântico. Segundo Svartman (2006, p.16), “o rápido
reconhecimento da independência das ex-colônias portuguesas neutralizou as críticas ao lusitanismo da política
externa brasileira”. 44
Sobre o trabalho de Paulo Freire na Guiné-Bissau ver: FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: uma
experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 45
O primeiro presidente da República da Guiné-Bissau foi Luís Cabral, irmão do líder revolucionário Amílcar
Cabral, que foi assassinado na Guinée (Guiné-Conacri) em 1973, poucos meses antes da independência da
Guiné. 46
Rogério Andrade Barbosa trabalha na área de literatura afro-brasileira e publicou mais de 70 livros sobre o
tema. Sobre seu trabalho e publicações ver: http://www.rogerioandradebarbosa.com/apresentacao.asp. 47
Ladislau Dowbor é formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suíça; Doutor em
Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Cf.
http://dowbor.org/default.asp. 48
DOWBOR, Ladislau. Guiné-Bissau: a busca da independência econômica. São Paulo; Brasiliense, 1986.
21
português” não significou autonomia ou o desvencilhar de pressões do mundo capitalista, que
continuaria desrespeitando as necessidades intrínsecas do novo país. Concluiu que
A Guiné-Bissau busca sem dúvida um outro desenvolvimento, mais justo, baseado
no mercado interno, adequado às suas necessidades reais. Mas o conjunto dos meios
financeiros e materiais deste desenvolvimento vêm de uma máquina internacional
rodada para promover a extraversão econômica, a implantação de multinacionais, a
monocultura de exportação. Entre a sua forma de vinculação internacional e as suas
opções internas, a Guiné-Bissau encontra cada vez menos espaço. O financiamento
externo, a tecnologia importada, aparecem como soluções mais fáceis e mais
rápidas para o desenvolvimento. Nem os financiamentos, no entanto, nem a
tecnologia são neutros. Com os meios, vêm os fins. E estes fins importados
raramente coincidem com os objetivos da população..49
Partindo dessas (poucas) informações
procedi a um levantamento historiográfico que,
obviamente, não esgota o que hoje se tem
publicado no Brasil sobre a África, a Guiné-
Bissau ou a Guiné “Portuguesa”. Consultando
autores africanos consagrados como Ki-Zerbo50
ou M’Bokolo51
, leituras obrigatórias para o
iniciante nos assuntos das Áfricas, percebi que as
referências à Guiné-Bissau ou à Guiné
“Portuguesa”, geralmente, as inserem num conjunto mais amplo, o qual assume várias
denominações tais como Alta Guiné, Senegâmbia52
, África Negra, África Subsaariana, entre
outros.
De acordo com o escritor português Mário Beja Santos (2008), muito pouco foi
publicado sobre a Guiné. Segundo ele, os relatos existentes são compostos, sobretudo até o
ano de 1936, por parcos testemunhos como os clássicos de André Álvares de Almada -
Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde (1594)53
- e Senna Barcellos - Subsídios
para a História de Cabo Verde e Guiné (1899)54
. Além destes trabalhos, os relatórios de
governadores e comandantes de campanha, bem como outros documentos oficiais,
compuseram a “historiografia” até 1938 quando João Barreto publicou História da Guiné,
49
DOWBOR, Ladislau. Guiné-Bissau: a busca da independência econômica. São Paulo; Brasiliense, 1986,
p.50-1. 50
KI-ZERBO, Joseph. História Geral da África. v 2, São Paulo: Ática: UNESCO, 1982. 51
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. São Paulo: Casa das Áfricas, 2009. 52
A região da Senegâmbia compreendia os atuais países do Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau chegando até ao
sul de Serra Leoa. Segundo Mamadou Mané (1989), a Senegâmbia foi o primeiro espaço de estruturas políticas,
formadas por negros, que os portugueses encontraram em meados do século XV. 53
ALMADA, André Álvares. Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde: desde o Rio Sanagá até os
Baixos de Sant’Anna.Porto: Typographia Commercial Portuense, 1841. 54
BARCELOS, Christiano José de Senna. Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné. Lisboa:
Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1899.
Senegâmbia
22
1418-191855
. Somente em 1954 surgiu a Guiné Portuguesa56
, de Avelino Teixeira da Mota,
que também permaneceu “única” até o historiador francês René Pélissier, na década de 1980,
apresentar a História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-193657
.
Estudiosos de outras nacionalidades têm revelado aspectos plurais do continente
africano, embora a Guiné-Bissau não tenha sido abordada de forma específica. John Thornton,
por exemplo, analisou o impacto do comércio escravista nos dois lados do Atlântico, numa
“tentativa de resgatar essa pouco conhecida imigração de africanos para as Américas”58
.
Catherine Coquery-Vidrovitch organizou registros escritos deixados por viajantes,
exploradores, geógrafos e comerciantes, da antiguidade até o século XIX, e apontou “certos
aspectos significativos da descoberta pré-colonial”59
. James Sweet contribuiu “para a revisão
académica da diáspora africana, debruçando-se sobre os povos africanos e as culturas que
estes criaram no contexto do mundo colonial português”60
. Linda Heywood, com seu foco na
diáspora negra centro-africana no Brasil, revelou como “as dinâmicas culturais se fundiram
para influenciar a formação identitária e as tradições culturais entre as populações afro-
diaspóricas nas Américas e na África.”61
.
Percorrendo temáticas diversas, tais como migrações, reinos e impérios africanos,
comércio escravista, diáspora e expressões culturais afro-brasileiras, entre outras, estudiosos
no Brasil, na última década, têm garantido aproximação com as Áfricas, os povos africanos e
suas dispersões62
, assim como ofereceram trabalhos elaborados em face da lei 10.639/0363
.
55
BARRETO, João. História da Guiné- 1418-1918. Lisboa: edição do autor, 1938. 56
MOTA, Avelino Teixeira da. Guiné Portuguesa. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1954. 57
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
2001, v.1; 1997, v.2. 58
THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico 1400-1800. São Paulo:
Campus, 2003, p.11. 59
COQUERY-VIDROVITTCH, Catherine. A descoberta da África. Lisboa: Edições 70, 2004, p. 13. 60
SWEET, James H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007 p. 16. 61
HEYWOOD, Linda M. Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009, p.18. 62
Estão relacionadas apenas algumas obras de autores brasileiros publicadas nos últimos anos, a título de
exemplo: COSTA E SILVA, Alberto da. A Enxada e a Lança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011; SANTOS,
Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza. O desafio português na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897).
São Paulo: Alameda, 2010; GEBARA, Alexsander. A África de Richard Francis Burton: Antropologia, política
e livre-comércio, 1861-1865. São Paulo: Alameda, 2010; FLORENTINO Manolo. Tráfico, Cativeiro e
Liberdade: Rio de Janeiro séc. XVIII-XIX. São Paulo: Civilização Brasileira, 2005; GOMES, Flávio.
Experiências atlânticas: ensaios e pesquisas sobre a escravidão e o pós-emancipação no Brasil. Passo Fundo:
UPF, 2003; REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo:
Companhia das letras, 2003; HERNANDEZ, Leila M.G.L. Os filhos da terra do Sol: a formação do Estado-
Nação em Cabo Verde. São Paulo: Selo Negro, 2002. 63
Estão relacionadas apenas algumas publicações brasileiras, a título de exemplo, que atendem às demandas da
lei 10.639/03: HERNANDEZ, Leila M.G.L. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São
Paulo: Selo Negro, 2005; ARNAUT, Luiz; LOPES, Ana Mónica. História da África: uma introdução. Belo
Horizonte: Crisálida, 2005; MATTOS, Regiane A. de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto,
2007; SERRANO Carlos, WALDMAN, Maurício. Memória D’África: a temática africana em sala de aula. São
23
Alguns poucos brasileiros dedicaram estudos à Guiné. O antropólogo e professor
Wilson Trajano Filho, nos anos de 1987-88 e 1992, realizou pesquisas de campo, que
resultaram em artigos divulgados na Série Antropológica64
. A professora e socióloga Dilma
de Melo Silva viveu na Guiné-Bissau entre os anos de 1978 e 1984. Escreveu Por entre as
Dórcades Encantadas: os Bijagó da Guiné-Bissau65
, um olhar, certamente único, sobre um
povo praticamente desconhecido no Brasil.
Moema Parente Augel66
, que também viveu na Guiné-Bissau entre 1992 e 1998,
tem estudado, entre outros temas, a literatura daquele país. O desafio do escombro: nação,
identidades e pós-colonialismo na Guiné-Bissau67
, revelou que “com seu mosaico étnico e
consequente multiplicidade cultural, (a Guiné-Bissau) é um espaço onde naturalmente muitas
identidades convivem e se entrelaçam”.68
Porém, isto não expressa a constituição de uma
unidade ou uma identidade nacional, ao contrário, a Guiné-Bissau vive um contínuo processo
de buscar-se.
Através desses autores foi possível compreender que a Guiné-Bissau é constituída
por uma pluralidade singular, ou seja, num pequeno espaço geográfico coexistem múltiplas
falas, escritas, cores, vidas, gentes que compõem várias “Guinés”. A maior parte dos grupos
ali estabelecidos foi constituída dentro da tradição oral, em que a “palavra” falada exerce
outras funções para além da comunicação, sendo responsável, principalmente, pela gestão da
memória social.
A oralidade, é preciso esclarecer, não é um mero conjunto de histórias, lendas ou
relatos mitológicos. Como explica Maurício Waldman, “prefigura um conhecimento total,
vinculado a uma perspectiva cosmológica peculiar à consciência social negro-africana”.69
Nessa medida, para mergulhar em culturas africanas, o estudioso precisa “saber esquecer seu
Paulo: Cortez, 2008; SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007; MACEDO,
José Rivar. Desvendando a História da África. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2009. 64
A Série Antropológica é uma divulgação de responsabilidade do Departamento de Antropologia da
Universidade de Brasília e reúne diversos artigos, que estão disponíveis na página:
http://www.dan.unb.br/br/serie-antropologica. 65
SILVA, Dilma de Melo. Por entre as Dórcades Encantadas: Os Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo: Terceira
Margem, 2000. 66
Moema Parente Augel é doutora em Literaturas Africanas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi
radicada na Alemanha, onde lecionou Português e Cultura Brasileira. Dedica-se à literatura afro-brasileira e à
literatura guineense. 67
AUGEL, Moema P. O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné-
Bissau. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. 68
Ibid, p.22. 69
WALDMAN, Mauricio. Africanidade, Espaço e Tradição: a topologia do imaginário espacial tradicional
africano na fala do griot sobre Sundjata Keita do Mali. São Paulo, África, v.20-21, 2000, p.7.
24
próprio mundo, do contrário [...] estará simplesmente transportando seu mundo consigo ao
invés de manter-se à escuta”70
.
Diferentemente da mundividência ocidental, a tradição oral, segundo Hampâté Bâ
(1982), incorpora uma associação inquebrantável entre o espiritual e o material. Ela faz parte
do cotidiano do homem africano e de sua comunidade. É algo que lhe é próximo e significa
uma visão particular do mundo onde todas as coisas são ligadas e interagem. Nesse sentido,
compreendi a importância de ter em conta tal particularidade para ser capaz de pensar sobre
“as muitas Guinés”.
Após ter buscado, sem muito sucesso, fontes bibliográficas sobre a Guiné, deparei
com o Projeto Memória de África e do Oriente71
. Coordenado pela Fundação Portugal-
África72
, este projeto, iniciado em 1997, vem recolhendo, tratando e disponibilizando no
formato digital, grande quantidade de registros (periódicos, fotografias, documentos oficiais,
livros didáticos, etc.), dispersos entre os centros de documentação dos países lusófonos. Entre
eles descobri o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa73
(BCGP), o qual, sob a
responsabilidade do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (CEGP), teve 110 edições
publicadas entre 1946 a 1973, todas integralmente digitalizadas e disponíveis para consulta.
Segundo Moema Parente Augel,
nada se iguala ao Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (BCGP), realmente sem
similar nos outros países de colonização portuguesa [...] Constitui um receptáculo
precioso de informações no campo da administração colonial e no âmbito cultural,
no seu mais amplo sentido. 74
Este corpus documental possui, dentre outros registros, uma quantidade
significativa de artigos sobre temas variados. Naqueles de cunho etnográfico75
, vislumbrei
brechas para sondagens em torno de grupos da Guiné, considerando que a etnografia, na
70
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. v.1.
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.212. 71
O portal do Projeto Memória de África e do Oriente está disponível através do endereço http://memória-
africa.ua.pt. 72
A Fundação Portugal-África é uma organização não governamental de desenvolvimento, criada em 1995 na
cidade do Porto. Tem por finalidade “contribuir para a realização e incremento de acções de carácter cultural e
educacional a desenvolver em Portugal e em África, designadamente junto dos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa, visando a valorização e continuidade dos laços históricos e de civilização mantidos entre
Portugal e os países africanos, numa perspectiva de progresso e de projecção para o futuro”. Cf.
http://www.fportugalafrica.pt/ 73
O Boletim Cultural é uma revista acadêmica criada em 1945. A partir de 1946 passou a circular sob a
supervisão do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, instituição surgida em Bissau, nesse mesmo ano, com o
fim de promover a colônia e disseminar “cultura e informação”. Sobre o Centro de Estudos e o Boletim Cultural
da Guiné Portuguesa ver o capítulo 2 adiante. 74
AUGEL, Moema P. Sol na Iardi: perspectivas otimistas para a literatura guineense. Via Atlântica, São Paulo,
n.3, 1999, p.26. 75
Além dos artigos etnográficos, que promovem a descrição dos costumes dos povos guineenses, o Boletim
Cultural apresenta vários contos e muitas fotografias. Botânica, veterinária, medicina tropical, história, saúde,
comércio, são alguns dos temas abordados em suas páginas.
25
época, era um dos “primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição, (um) trabalho de
campo”.76
Os colaboradores do Boletim Cultural foram, majoritariamente, funcionários civis
ou militares, muitos oriundos de Cabo Verde, colônia portuguesa à época da existência dessa
publicação. Embora efetuassem “pesquisas de campo” não “possuíam uma formação
específica, nomeadamente em antropologia (ao contrário das colaborações de médicos,
agrônomos, biólogos, veterinários), cujo ensino era incipiente em Portugal.”77
Por outro lado,
não é possível negar que existia uma
“antropologia aplicada”, funcionando nos momentos de normalidade da prática
colonial, ainda que não praticada necessariamente pela mão de antropólogos. Na
verdade, até há alguns anos em Portugal não se formavam antropólogos a um nível
académico, mas a antropologia era uma cadeira das escolas de quadros coloniais. Os
sistemas manejados por estes funcionários do regime foram os mais variados, desde
que permitidos pelo enquadramento colonial, e a pesquisa de campo constituiu o
denominador comum entre eles. O argumento que daqui emana refere-se a uma
especificidade do colonialismo português que, a despeito da pobreza, fragmentação
e subalternidade da antropologia portuguesa, agregou autonomamente um conjunto
de saberes sobre as colónias. 78
De fato, os colaboradores do Boletim Cultural não possuíam procedimentos
teórico-metodológicos críticos que amparassem suas investigações. Apesar destas
fragilidades, Henri Moniot considerou que “certa história era feita, por um punhado de
exploradores, militares, missionários, administradores [...] quase sempre empíricos e
autodidatas, ainda mais, isolados, sem eco, sem suporte universitário.”79
Grande parte da produção literária contida no Boletim Cultural é fruto da reflexão
e da escrita de funcionários da administração colonial portuguesa e de estudiosos da elite
metropolitana. Carrega preconceitos e o olhar culturalmente hierarquizante do colonizador,
porém, conforme Carlo Ginzburg (2006), o filtro e a intermediação presentes não inviabilizam
essa fonte, que oferece “fragmentos de discurso” prontos para novas leituras.
Diante dessas considerações, os artigos do Boletim Cultural foram abordados para
além da superfície, através de leituras a contrapelo, lembrando Walter Benjamin (1987). Na
percepção da diferença, que se destaca nos artigos publicados, culturas de povos da Guiné
foram destacadas e “traduzidas” para a escrita do colonizador. Como explica Homi Bhabha
76
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p.377. 77
CARVALHO, Clara. O saber e o olhar colonial: política e iconografia no Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa. Soronda Revista de Estudos Guineenses. Bissau, n.8 - Nova Série, 2004a, p.63. 78
FALCÃO, Ana Mafalda A. C. M. Antropologia Colonial e a produção de Conhecimento sobre grupos étnicos
da Guiné Portuguesa: reflexão em torno da tese de Mário Humberto Ferreira Marques ‘Comportamento dos
Mandingas da Guiné’. CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ANTROPOLOGIA, 3. 2006,
Lisboa, Actas...Lisboa:APA,2006,p.4. 79
MONIOT, Henri. A história dos povos sem história. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: Novos
Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p.100.
26
(1998, p.111), “o discurso colonial produz o colonizado como uma realidade social que é ao
mesmo tempo um ‘outro’ e ainda assim inteiramente apreensível e visível.” Busquei, assim,
surpreender a diferença que permeia a escrita dos colaboradores do Boletim Cultural, relendo-
os com indispensável precaução. Procurei não apenas desfiar os “acontecimentos como as
contas de um rosário”80
, mas, a partir do mal estar provocado por conta de meus
desconhecimentos sobre a Guiné-Bissau a as Áfricas, articular presente e passado.
O recorte espacial foi direcionado para antiga Guiné Portuguesa, atual Guiné-
Bissau. O recorte temporal abrange a fase final do colonialismo português, particularmente o
período posterior à segunda guerra mundial, quando uma nova ordem foi estabelecida e
Portugal procurou reforços teóricos para manter seu ultramar. Nesse contexto surgiu o
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (BCGP), principal fonte de registros utilizada. Os
marcos da pesquisa estão pautados no período de vida desse periódico. Isto não significa que
houve condições, dado o expressivo volume de textos, artigos, temas e abordagens presentes
nesse corpus documental, de abordá-lo em todas suas possibilidades. Foram priorizados os
artigos de cunho etnográfico, principalmente aqueles das décadas de 1940 até o início dos
anos 60, período em que houve maior número de publicações neste gênero.
Assim, para elaborar um prefácio a povos da Guiné-Bissau, o presente trabalho
foi organizado em três capítulos. O primeiro aborda a construção do conhecimento na
metrópole portuguesa, bem com as instituições criadas para, além de inserir estudiosos
lusitanos nos círculos acadêmicos internacionais, “produzir” teóricos e montar discursos que
reforçavam a manutenção do ultramar português. A articulação entre ciência e política ficou
evidenciada e serviu de suporte “científico” para os objetivos “imperiais” do governo
autoritário montado a partir de 1926. Coube destacar que estudiosos portugueses, assim como
alemães, alinhavam-se, no início do século XX, a estudos da antropologia física, ferramenta
imprescindível para suportar relações rácicas de poder.
Na Guiné, a partir das ações do Centro de Estudos e da publicação do Boletim
Cultural, apesar de instrumento da política “científica” colonial, nota-se outro tipo de
encaminhamento. Enquanto nos centros de estudos portugueses as características somáticas
ainda eram consideradas relevantes e estudadas à distância, a colônia aproximava-se dos
trabalhos “de campo” e das premissas da antropologia cultural. Por essa razão, todo o valioso
trabalho realizado no âmbito dessa agência foi praticamente ignorado pelos intelectuais da
metrópole e, possivelmente, tenha tido pouca divulgação.
80
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.232.
27
Muitas das ações articuladas em Lisboa pretendiam, entre outras expropriações,
ter controle sobre a vida e o trabalho de povos africanos, além de cobrar-lhe impostos tão
necessários aos cofres de uma metrópole pobre e dependente. Porém, o aparato administrativo
sempre fora tão precário que, até meados do século XX, a Guiné era uma colônia
praticamente desconhecida, à exceção de poucos aglomerados populacionais, especialmente
da região costeira. Por essa razão foram realizados vários recenseamentos e inquéritos,
todavia pouco resultado prático adveio deles. À exceção do Inquérito Etnográfico de 1946,
único do qual se tem notícia, pois teve ampla divulgação através do Boletim Cultural. Da
mesma forma, os resultados e apreciações sobre o Recenseamento de 1950, não obstante as
prováveis inconsistências, estão fartamente detalhados em várias de suas edições.
O segundo capítulo traz um perfil da Guiné antes e depois de sua autonomia
administrativa, em 1879. Enquanto a Guiné de Cabo Verde merece destaque por sua
significativa e, ao mesmo tempo, curta participação no comércio escravista, revela, também,
ter sido uma região que era tudo, menos portuguesa. Após desvincular-se de Cabo Verde, tem
destaque o recrudescimento das campanhas de ocupação e “pacificação”, as quais perduraram
até meados da década de 1930.
A ocupação dos espaços continentais e insulares e o mapa redesenhado a partir da
expansão de povos islâmicos oferecem uma visão do complicado mosaico que foi sendo
construído desde os séculos anteriores à efetiva presença portuguesa a partir do final do XIX.
Os povos guineenses entram neste contexto, trazendo suas características gerais, considerando
que detalhes, certamente importantes, podem ter passado despercebidos.
Para além das populações autóctones, outros atores compunham o cenário da
Guiné Portuguesa, especialmente nos aglomerados urbanos. Destaca-se a presença cabo-
verdiana e os conflitos que ela acarretou junto a colonos portugueses e a luso-guineenses. A
ameaça econômica de estrangeiros e a rebeldia de grumetes81
tornava a administração colonial
impraticável. De um lado, uma elite crioula incipiente, reclamando por maior autonomia; de
outro, as rédeas curtas do Estado Novo português, fizeram daquele pequeno espaço uma
efervescência de interesses e valores conflitantes. Pode-se afirmar que a Guiné era, e continua
sendo, um espaço geograficamente pequeno, porém culturalmente denso.
81
Grumete é um aprendiz da marinha, um ajudante dos marinheiros na execução de vários trabalhos. No
contexto colonial português o termo é utilizado para designar o negro cristianizado, estabelecido no entorno dos
aglomerados populacionais de Cacheu e Bissau. Segundo Pélissier (2001, p.36), exerciam funções de
“marinheiros, de operários e de pequenos bufarinheiros negociando na sua etnia de origem[...]segundo o seu grau
de integração, mesmo de mestiçagem, são, quer auxiliares corajosos e muito úteis aos Portugueses contra os seus
irmãos - ou primos - de raça, quer aliados destes últimos.”
28
As dificuldades da metrópole e suas repercussões na colônia são apontadas de
forma a compreender os encontros e desencontros com o governo de Lisboa e seus
representantes em solo guineense. Após as mudanças políticas ocorridas em Portugal, nas
primeiras décadas do século XX, especialmente após a instalação do regime autoritário,
ampliaram-se os mecanismos de controle e foi construído o amálgama jurídico que pretendeu
dispor e modificar modos de viver ancestrais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e as
crescentes pressões internacionais pela descolonização, surgiram teorias cuidadosamente
elaboradas para oferecer o suporte necessário à posição intransigente pela manutenção e
continuidade do império português.
Por último, foram acompanhados alguns aspectos básicos das comunidades
guineenses, tais como estruturas de poder, organização social e famílias, formas de
povoamento e moradia, trabalho agrário, música e dança, em dinâmicas culturais. Com este
olhar descortinaram-se as singularidades da Guiné, revelando o chão, a morança, a família
“alargada”, a sacralidade da música, dos instrumentos e seus instrumentistas.
Em relação aos primeiros vislumbres da magia foi imprescindível o diálogo com
Hampâté Bâ (1982). Das páginas do Boletim Cultural, apesar de estranhamentos e
designações atribuídas aos grupos de forma exógena, foi possível perceber a forma como essa
magia esteve sempre presente na vida dos diversos povos da Guiné, mesmo entre os grupos
islamizados. A convivência com o visível e o invisível fazia parte do “ser” na Guiné, desde
sua gestação, nascimento até a morte, ou melhor, até a outra vida. Fica claro, porém, que tal
percepção ocorreu de forma superficial, pois seria impossível compreender tal experiência de
forma aprofundada, uma vez que só os “iniciados” podem vivenciá-la. Como apropriadamente
apontou Hampâté Bâ (1982), é imprescindível buscar a “tradição viva” que ainda permeia
pelas imensidões africanas, inclusive nalgum canto da Guiné.
Por fim, vale explicar que foi adotada a designação Guiné Portuguesa ou
simplesmente Guiné nas referências à Guiné-Bissau durante o período da dominação política
portuguesa. O gentílico guineense e sua forma plural são termos que não guardam relação
com os povos tradicionais, porém na falta de termo apropriado, a eles nos referimos como
povos guineenses ou povos da Guiné.
A grafia dos nomes dos povos guineenses apresenta variações de acordo com o
autor e o idioma de sua escrita. Nas citações, foram respeitadas, obviamente, as formas
adotadas no original. Ao longo do texto, os nomes atribuídos aos diversos povos foram
grafados sem flexão de gênero e número. Isto se explica pelo fato de que, entre povos
guineenses, apresentados pelo Boletim Cultural, não está presente a concepção da
29
individualidade, ou seja, a pessoa e sua comunidade são um só. Portanto, as flexões tornam-se
impróprias. Iniciados em letra maiúscula faz-se a distinção entre o substantivo e a forma
adjetiva. (os Bijagó / povo bijagó, por exemplo).82
É preciso esclarecer, também, que nas citações extraídas do Boletim Cultural,
foram utilizados caracteres itálicos para diferenciá-las das bibliográficas e possibilitar que o
leitor observe essa distinção.
Sem dúvida alguma, há uma Guiné-Bissau diferente daquela (pouco) divulgada
nas mídias, esperando ser conhecida de forma positiva. Assim como há muitas Áfricas
espalhadas pelo imenso continente e pelas diásporas. Talvez outros estudiosos sintam-se
instigados a refletirem sobre elas e seus filhos, uma vez que “nada do que um dia aconteceu
pode ser considerado perdido para a história”83
.
82
Cabe mencionar, também, o acordo firmado na 1ª Reunião Brasileira de Antropologia realizada no Rio de
Janeiro em 1953, quando foi estabelecida uma “convenção para a grafia dos nomes tribais” para uniformizar a
maneira de escrever os nomes das sociedades indígenas em textos em língua portuguesa. Foi estabelecido, por
exemplo, 1) Escrever os nomes com inicial maiúscula, sendo facultativo o uso dela quando tomados como
adjetivos; 2) Os nomes tribais, quer usados como substantivos, quer como adjetivos, não terão flexão de gênero e
de número, a não ser que sejam de origem portuguesa ou morficamente aportuguesados. 83
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 223.
30
CAPÍTULO 1
CONHECIMENTOS “SOB MEDIDA”
1.1 Uma “ciência colonial” à moda lusitana
Praticamente a Guiné era desconhecida: para o grande público
português, mesmo para o seu escol de cientistas, políticos
e homens de letras, continuava por descobrir! [...]
Acaso se pode fazer séria política indígena antes de se saber o que a
antropologia e a etnografia estão em condições de nos ensinar sobre
os naturais da terra?1
Marcelo Caetano, Ministro das Colônias, 1946
Ao início da República, em 1910, a instabilidade política em Portugal agravou-se.
A agitação social e a fragilidade econômica, situação “herdada da monarquia, fazia do
Portugal republicano pouco mais do que uma colônia em larguíssimos aspectos.”2 Sendo um
país essencialmente rural, houve, nessa época, uma forte tendência migratória do campo para
as cidades. Em razão do atraso no setor industrial, essa mão de obra não absorvida gerou um
excedente, o qual foi compelido a emigrar. Por conta desses deslocamentos, Portugal perdeu,
aproximadamente, meio milhão de habitantes na primeira década do século XX. Destes, cerca
de 220 mil chegaram ao Brasil, fortemente atraídos pelas oportunidades no Novo Mundo.
O governo republicano tentou direcionar a população rural do norte para suas
possessões no ultramar, pois isso resolveria, ao menos em parte, o desafio de povoá-las e,
assim, avançar no sentido da colonização. Era preciso, então, tornar as colônias conhecidas,
uma vez que eram, costumeiramente, referenciadas apenas enquanto coadjuvantes das
narrativas que exaltavam a história da expansão colonial. Pouco ou quase nada se sabia acerca
dos aspectos físicos daquelas paragens africanas e asiáticas e, principalmente, sobre os povos
que ali habitavam.
Em 1875 foi criada a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL)3 voltada,
especialmente, para a exploração do ultramar. Essa instituição pretendia, também, inserir os
estudiosos portugueses no contexto acadêmico europeu, pois, provavelmente, eles estivessem
1 CAETANO, Marcelo. Uma crónica nova da conquista da Guiné. BCGP, Bissau, v.1, 1946, n.1, p.11.
2 MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. 6 ed. Lisboa: Editorial Presença, 2006, p.597.
3 A SGL foi fruto da iniciativa privada e concorreu, em seus primeiros anos de funcionamento, com a
Comissão Central Permanente de Geografia, órgão do governo para o qual eram priorizados os recursos
públicos.
31
desconectados das novidades e avanços científicos conquistados pelas demais potências
coloniais e, assim, ocupassem uma posição inferiorizada entre seus pares. Havia, portanto, a
intenção de
agremiar os esforços e realizar as aspirações de inúmeros estudiosos; ligar o país ao
convívio scientífico do mundo civilizado (…), e finalmente evocar a luz e a justiça
da Crítica moderna para o grandioso e infelizmente esquecido, caluniado ou
mutilado trabalho com que a Nação Portuguesa, pelos velhos cosmógrafos e
navegadores, há contribuído para a civilização geral e para a vasta e completa
Sciência da Terra.4
A situação marginal à qual era relegada a intelectualidade lusitana no âmbito
internacional decorria, em parte, dos longos anos de inércia em relação aos estudos coloniais.
Portugal esteve, literalmente, atrasado na produção de conhecimentos sobre suas possessões.
Quando da fundação da SGL, por exemplo, “já existiam cerca de quarenta instituições do
mesmo tipo”5 espalhadas pelas demais potências colonizadoras. Esse descompasso custou, às
iniciativas portuguesas, desconfiança, pouca credibilidade e a permanência numa posição
secundária entre os estudiosos europeus.
Dos trabalhos realizados no âmbito da SGL resultaram algumas publicações, que,
no entanto, tiveram curta duração e circularam de forma restrita nos espaços da
intelectualidade lusitana e, também, junto aos interessados em negócios no ultramar. Somente
a partir de 1920 passou a existir “uma propaganda oficial, por parte do aparelho de Estado,
dando origem a uma propaganda colonial de carácter moderno.”6, que pretendia redirecionar a
corrente migratória do Brasil para os espaços ultramarinos.
A maioria dos documentos de propaganda oficial tinha por finalidade melhorar a
imagem dos espaços coloniais, notadamente daqueles no continente africano, pois, ao longo
do século XIX, a África, de forma geral, carregava todo um referencial de negatividades.
Sobre a Guiné, em particular, o Guia do Viajante de 19077 mostrava que os portugueses
permaneciam, como ao longo de todo o período colonial, confinados às estruturas fortificadas
e divulgava um cenário pouco propício ao europeu:
A Guiné é bastante insalubre; contudo, na parte prehendida entre os rios Compony e
Colobá, que apresenta um pequeno relevo orographico, o clima e o ar são melhores e
a temperatura é mais baixa. Bissau [...] é o centro commercial mais importante de
4 SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA. A S.G.L. e as edições próprias de cartografia ultramarina
oitocentista. Cf. http://www.socgeografialisboa.pt/biblioteca-e-cartoteca/cartoteca. 5 THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro império português. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p.97. 6 COSTA, Nuno Silva. Da Barbárie à Civilização: representações do espaço Africano na propaganda Colonial
Portuguesa do primeiro quartel do século XX. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE
HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL: MEMÓRIA SOCIAL, PATRIMÔNIO E IDENTIDADES, 29., 2009,
Porto, Anais...p.11. 7 EMPRESA NACIONAL DE NAVEGAÇÃO. Guia do Viajante em Portugal e suas colónias em África. Typ.
De Christovão Augusto Rodrigues, Lisboa, 1907.
32
toda a Guiné. Esta ilha mede 60 kilometros de comprimento e 35 de largura, é quasi
plana, muito fértil, arborizada e abundante d’água potável. No interior é a ilha
occupada pela raça Papel, só dentro do exíguo perímetro da praça é que temos
domínio effectivo. A não ser os encantos da natureza, nada há na Guiné que convide
a uma visita. Commodidades e distracções não há de espécie alguma (EMPRESA
NACIONAL DE NAVEGAÇÃO, 1907 apud COSTA, 2009, p.10)8.
A propaganda elaborada sobre as colônias, nas primeiras décadas da república,
não mencionava a existência de povos locais: era como se eles, praticamente, não existissem.
Privilegiava-se a divulgação de mapas, rotas, plantas de terrenos, por exemplo, além de serem
destacadas as ações do governo, as quais garantiam, embora com pouca verdade, boas
condições de vida e investimentos em infraestrutura nas cidades coloniais, especialmente de
Angola. Em última instância, “eliminaram os traços autóctones, tendo como consequência
uma clara censura ao conhecimento sobre os ‘espaços do outro’ ao mesmo tempo em que se
permitiu uma crescente popularização do império e do imperialismo português.”9
A Cartilha Colonial10
, elaborada por Pedro Muralha, em 1928, é um bom
exemplo da orientação que a propaganda colonial assumiu. Mais do que um informativo, este
documento, além de ter por objetivo atrair a população nortenha para o ultramar, revela uma
necessária inflexão do olhar português sobre a África:
Durante mais de quatro séculos as nossas possessões ultramarinas foram
consideradas como regiões vastíssimas e insalubres; inhospitos sertões cheios de
feras. A frase «costa d’ Africa» só nos fazia chegar á mente o crime, pois só para lá
iam degredados que o clima, que se dizia mortífero, castigava impiedosamente. E
todavia a Africa tem regiões onde o clima é tão benigno como na Europa; onde se
encontram vastíssimos campos de produção, onde o homem que trabalha vê a
compensação do seu trabalho. Em Africa, muito ao contrário da Europa, não há
mendigos nem ladrões. Dorme se com as portas abertas, sem receio dum assalto; ali
ninguém pede esmola porque todos trabalham e todos recebem o produto do seu
labor. Quem percorre a Africa numa excursão de estudo, antes que o não queira,
ficará eternamente um propagandista desse vastíssimo império que os nossos
antepassados nos legaram e que todos os portugueses teem obrigação de conhecer.
(MURALHA, 1928 apud COSTA, 2009, p.16)11
O investimento na propaganda colonial não era privilégio do governo republicano.
As empresas de exploração agrícola, pecuária, extrativista, entre outras, eram grandes
interessadas em possíveis colonos, ou seja, na mão de obra que eles poderiam oferecer.
Assim, ao inserir peças de propaganda em jornais, catálogos, panfletos, entre outros veículos,
8 EMPRESA NACIONAL DE NAVEGAÇÃO. Guia do Viajante em Portugal e suas colónias em África. Typ.
De Christovão Augusto Rodrigues, Lisboa, 1907, p. 300-303. 9 COSTA, Nuno Silva. Da Barbárie à Civilização: representações do espaço Africano na propaganda Colonial
Portuguesa do primeiro quartel do século XX. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE
HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL: MEMÓRIA SOCIAL, PATRIMÔNIO E IDENTIDADES, 29., 2009,
Porto, Anais..., p.18. 10
MURALHA, Pedro. Cartilha colonial: breve resenha histórica, geográfica e econômica das colônias
portuguezas, o esforço portuguez na África, América, Ásia e Oceania. Lisboa: Tip. Luso-Gráfica, 1928. 11
Id., p. 5.
Cartilha Colonial de
Pedro Muralha, 1928.
33
divulgavam ofertas de trabalho e possíveis benefícios que a vida colonial poderia
proporcionar.
O projeto republicano português defendia que a “soberania e a independência
nacional haviam de sustentar-se sobre a ‘empresa de além-mar’, uma espécie de ‘utopia
lusitana’ que pretendia retornar a ‘gesta heroica de Quatrocentos’.”12
Tal qual a monarquia, o
regime republicano apoiava a instituição colonial em todos os sentidos, pois era ela que
alicerçava e dava fôlego a uma metrópole que em nada lembrava as glórias e riquezas dos
séculos passados.
Portugal deixava transparecer para as demais potências coloniais muitas
dificuldades para cumprir o acordo de promover civilização, progresso e melhoria nas
condições de vida dos habitantes de suas colônias. Era voz corrente sua incapacidade no
sentido de elaborar um conhecimento sobre o ultramar, a não ser por alguns esforços isolados.
Porém, a necessidade de manter o “império” e de enfrentar a pressão internacional foram
molas propulsoras que movimentaram os estudiosos, nem sempre na melhor direção.
Desde meados do século XIX, apesar de decretos oficiais solicitando que se
promovessem estudos sobre as colônias, a comunidade científica portuguesa não
correspondia. Mesmo inexistindo uma tradição investigativa nesse nível13
, ainda falava mais
alto, junto à intelectualidade, o sentimento de superioridade racial branca. Este desvalorizava
o negro a tal ponto que não o considerava importante a ponto de estudá-lo. O escritor Eça de
Queirós (1845-1900), por exemplo, nunca escreveu sobre as colônias, “pois elas não eram
consideradas relevantes. E o historiador Oliveira Martins (1845-1894) considerava que se
estava a esbanjar muito dinheiro com as colônias"14
.
Segundo Patrícia Matos (2006), foi Oliveira Martins quem introduziu em Portugal
a ideia de que as raças inferiores deveriam ser submetidas, pois estariam fadadas à extinção.
Para ele
sempre o preto produziu em todos esta impressão: é uma criança adulta. A
precocidade, a mobilidade, a agudeza própria das crianças não lhe faltam; mas essas
qualidades infantis não se transformam em faculdades intelectuais superiores. Resta
educá-los, dizem, desenvolver e germinar as sementes [...] Há decerto, e abundam os
documentos que nos mostram no negro um tipo antropologicamente inferior, não
12
PROENÇA, Maria Cândida; FARINHA, Luís. I República e Republicanismo. Lisboa: Instituto Camões,
2009, p.24. 13
O estudo oficial da antropologia em Portugal ocorreu, inicialmente, no âmbito da Universidade de Coimbra e
as primeiras investigações estavam voltadas à antropologia física adotando-se, como modelo, manuais franceses.
Conhecida como antropologia etnológica, visava ao estudo e característica das “raças”. 14
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.55-6.
34
raro próximo do antropoide, e bem indigno do nome de homem. (MARTINS, 1978
apud OLIVA, 2009, p.35)15
Aliás, a ideia que norteou, por muito tempo, o pensamento do colonizador tinha o
negro como um ser inferior e, por conseguinte, indigno de possuir os mesmos direitos que os
brancos. Como ver igualdade àqueles percebidos como completamente diferentes à concepção
do “ser humano”? Daí as diferenças produzidas pela “raça”, que explicavam a existência
daqueles “à margem da compreensão dos europeus, e cujas formas e feições de tal forma
assustavam e humilhavam os homens brancos, imigrantes e conquistadores que eles não
desejavam mais pertencer à mesma comum espécie humana.”16
Essa repulsa motivou,
segundo Anderson Oliva (2009), alguns ideólogos do colonialismo a defender a eliminação,
quer pelo homem, quer pelo tempo, das populações “indígenas”. No entanto, a ideia que
prevaleceu entre os portugueses propunha subjugá-las e explorá-las sem qualquer
contrapartida.
A investigação científica sobre as colônias portuguesas, no início do século XX,
praticamente inexistia. Era notório o “atraso português comparativamente aos avanços
estrangeiros em matéria de ciência e administração coloniais.”17
. O país estava isolado
relativamente aos pensadores da época, os quais valorizavam os aspectos sociais e culturais
dos povos em detrimento de suas características físicas.
As ideias do antropólogo Franz Boas (1858-1942), por exemplo, em oposição às
teses do evolucionismo e do determinismo biológico e geográfico, apontavam para a
necessidade de estudar as singularidades das culturas dos diferentes povos. Para ele, tais
singularidades transcendiam ideia de raça, parceira indissociável do etnocentrismo. Nesse
sentido o “anacronismo científico era evidente [...] em Portugal e de um modo semelhante na
Alemanha, continuava a insistir-se no estudo das características somáticas”18
. Era o momento
da exaltação do ser português, branco homem e europeu e, consequentemente, de um
pensamento colonial racista extremado.
Em Portugal, Antônio Augusto Esteves Mendes Correia19
foi um dos precursores
de estudos com base na antropologia física, tendo, provavelmente, se aproximado desse aporte
15
MARTINS, Oliveira. O Brasil e as Colónias Portuguesas. Lisboa: Guimarães, 1978, p.262. 16
ARENDT, Hanna. As origens do Totalitarismo, Imperialismo e Expansão do Poder, uma análise dialética.
Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1976, p. 93. 17
LOBATO, Manuel. Ciência portuguesa nas regiões tropicais: do projecto africano ao esvaziamento de
políticas sob a III república, parte I. Blogue História Lusófona, Lisboa, IICT, 2008, sem paginação. 18
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.139. 19
Mendes Correia (ou Corrêa) nasceu no Porto em 1888 e morreu em Lisboa em 1960. Enveredou pelo
caminho da pesquisa antropológica nas primeiras décadas do séc. XX tendo sido um dos fundadores da
35
teórico por conta de sua formação em medicina. Introduziu o ensino de antropologia na
Universidade do Porto em 1912 e foi um grande defensor da pesquisa nas colônias, razão pela
qual chefiou algumas das missões antropológicas na África “portuguesa” entre 1930 e 1950.
Possivelmente, por conta de sua formação acadêmica, não concordava que a cultura
sobrepujasse o conceito de raça, pois, para ele, ambos estariam relacionados. Mendes Correia
deixava clara sua opção por um estudo que considerasse os aspectos biológicos e
hereditários de cada grupo humano, bem como seus comportamentos psicossociais,
sua aptidão maior ou menor ao trabalho e sua produção cultural. Sua opção teórica e
metodológica ganha maior sentido quando atentamos para a sua proposta de
trabalho: dar conta da totalidade das "raças" que convivem no interior de uma
estrutura política, o império, que, na verdade, traduz uma nação extremamente
heterogênea na multiplicidade dos povos que a habitam, mas nem por isto carente de
uma unidade de espírito.20
Nas primeiras décadas do século XX surgiram novas instituições, entre elas, a
Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (SPAE), fundada no Porto em 1918 por
Mendes Correia e que, “apesar de uma opção dominante pela antropologia física e pela
arqueologia, não deixará de estimular alguma pesquisa etnográfica.”21
Em janeiro de 1946, dois propósitos principais conduziram a visita de Mendes
Correia à Guiné: “estruturar as relações da ciência portuguesa com a África Ocidental
Francesa, especialmente com o Instituto Francês da África Negra (IFAN)” e, também, efetuar
levantamentos sobre o “estado biológico de populações consideradas em regressão.”22
É
importante salientar que a aproximação com o IFAN ocorreu por vários motivos, um dos
quais se refere à presença de grupos étnicos que se estendiam do território português para o
francês (ou vice-versa?), ainda havendo questões de fronteiras a serem definidas após o
acordo em 1886.
Ao retornar a Lisboa, Mendes Correia obteve a aprovação do Ministro das Colônias,
Marcelo Caetano, para a criação da Missão Antropológica e Etnológica da Guiné, cujos
objetivos demonstravam o escopo do trabalho:
a) a realização de investigações antropológicas, etnológicas e pré-históricas;
b) estudo da robustez e vitalidade dos indígenas e dos vários grupos étnicos à
Colônia;
Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (1918), além de membro de várias instituições de pesquisa.
Escreveu diversas obras, entre elas Raça e Nacionalidade (1919), Da raça e do espírito (1940) e a mais
significativa delas Raças do Império (1945). Foi deputado da Assembleia Nacional (1945-56) além de
presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa. Consta ter visitado o Brasil em 1934 e 1937, e também ser
membro da Academia de Medicina do Rio de Janeiro. 20
THOMAZ, O. R. O bom povo português: usos e costumes d´aquém e d´além-mar. Mana, Rio de Janeiro, v.
7, n. 1, Abr. 2001, p.68. 21
LEAL, João. Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 2000, p.35. 22
MOTA, Avelino Teixeira da. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946c, n.2, p.381-2.
36
c) os estudos psicotécnicos e experimentais com o objetivo de colherem elementos
que permitam se conhecer as aptidões dos indígenas para os vários misteres
(podendo para este fim a missão manter estreita colaboração com missões
religiosas e serviços de saúde);
d) o estudo das instituições tradicionais e direito consuetudinário, devendo o chefe
da missão ouvir e consultar os serviços de saúde e de administração civil da
Colônia sobre os problemas de maior importância para a administração e para o
interesse das populações.23
Os estudos organizados sob a orientação de Mendes Correia buscaram investigar,
entre outros aspectos, a composição étnica, os hábitos alimentares, a ocupação demográfica e
as possibilidades de cooperação dos povos locais. Era a concepção de uma “antropologia da
mestiçagem” que se voltava para, principalmente, analisar a realidade do mestiço “a fim de
definir sua possibilidade de aproveitamento (ou não) no projeto colonial português do Estado
Novo.”24
Em última instância, a mestiçagem estava sendo analisada em termos do ganho
final, ou seja, o quão produtivo e proveitoso para o sistema seria “permitir” ou não que os
brancos se misturassem com os pretos.
Enquanto os portugueses deixavam de lado os estudos sobre as colônias e
sonhavam com as academias francesas, em 1928, o antropólogo e fotógrafo Hugo Adolf
Bernatzik25
intereou-se pela Guiné, especialmente pelo arquipélago dos Bijagó. Entre outras
atividades, fez várias fotografias e levantou dados para escrever No reino dos Bijagós26
. Na
mesma época o estudioso alemão Bernard Struck efetuou medições ao estilo da pesquisa
antropométrica.
Sem título. (grupo de jovens Bijagó correndo)
Hugo Bernatzik, final da década de 1930.
23
MOTA, Avelino Teixeira da. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946c, n.2, p.382. 24
THOMAZ, Omar Ribeiro. THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro
império português. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p.133. 25
Hugo Bernatzik (1897-1953) nasceu em Viena e deixou muitas obras de cunho etnográfico. Muitas
fotografias, entre outros pertencentes, foram destruídas durante a 2ª Guerra Mundial. Cf.
http://www.michaelhoppengallery.com/artist,show,1,29,0,0,0,0,0,0,hugo_bernatzik.html 26
BERNATZIK, Hugo Adolf. Im reich der Bidyogo: geheimnisvolle inseln in west Afrika. Imsbruck:
Kommissions Verlag, 1944.
37
Em 1937, na cidade de Coimbra, foi criada a Sociedade Portuguesa de Estudos
Eugênicos (SPEE) pelo então Ministro da Instrução Pública, Eusébio Tamagnini27
. Surgia
amparada num projeto que vinculava a “pureza racial” à garantia do poder e da soberania da
nação. O artigo 2º, da portaria de constituição da SPEE, previa, como finalidade principal, o
estudo científico de temas voltados à “hereditariedade e eugenia que (pudessem) contribuir
para a conservação e progresso da espécie humana e, em especial, para o aperfeiçoamento
físico, intelectual e moral da população portuguesa.”28
Segundo Patrícia Matos (2006), os princípios da eugenia não foram aplicados de
forma extrema, uma vez que não houve mortes ou esterilizações. A questão girou, na verdade,
sobre a mestiçagem, assunto que produzia calorosos embates entre a elite lusitana. Havia
aqueles que condenavam a mistura racial, como o ministro Tamagnini, pois considerava as
nações colonizadoras mais evoluídas que os povos colonizados. Em 1940, ele rebateu a tese
de que os portugueses teriam “absorvido em demasia quantidade considerável de sangue
negro, em consequência de mestiçagem intensa com escravos negros importados da África
[...] e, conseguido manter a pureza étnica relativa da massa populacional” (TAMAGNINI,
1940, apud BRASIO, 1944, p.131)29
. Na academia do Porto, Mendes Correia mantinha um
discurso similar e considerava que a mestiçagem poderia produzir pessoas imprevisíveis,
prejudicando, dessa maneira, a continuidade da nação que deveria buscar a “pureza”.
O governo da Primeira República investiu na melhoria da formação dos
funcionários administrativos destacados para atuar nas colônias, pois eles eram, em última
instância, o elo entre Lisboa e os povos colonizados. Para isso foi reorganizada a Escola
Colonial, criada em 1906, e passou a oferecer, a partir de 1919, o curso geral30
, para
funcionários civis e militares das colônias e repartições do Ministério das Colônias, e o curso
para colonos, empregados do comércio e para todos os que desejassem exercer atividades no
ultramar.
Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, apesar da escassez de meios militares,
Portugal juntou-se aos aliados (Inglaterra, França, Rússia, Itália, Estados Unidos, Japão)
27
Eusébio Tamagnini de Matos Encarnação (1880-1972) foi Ministro da Instrução Pública de 23/10/1934 a
18/01/1936. 28
Cf. Portaria nº 7.948 de 14/12/1934, art. 2º Diário da República Eletrônico: www.der.pt 29
BRÁSIO, António. Os Pretos em Portugal. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1944. Nesta obra há um
significativo retrato da presença negra em Portugal desde o século XV. 30
O decreto 5.823 de 31 de maio de 1919 estabeleceu a duração do curso geral em 3 anos. Ministravam-se
disciplinas como geografia geral, meteorologia, colonização e história da colonização portuguesa, administração
e legislação colonial, regime econômico das colônias, higiene colonial, entre outras. Eram oferecidos, também,
cursos de línguas coloniais: fula e mandinga (Guiné), fioti e quimbundo (Angola), landim e suahili
(Moçambique), concani (Índia), teto e galoli (Timor).
38
contra as potências centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano e Bulgária). Sem
uma estratégia definida e com um precário aparato militar, apenas em janeiro de 1917 é que
os primeiros contingentes de portugueses embarcaram para frente de batalha. Apesar da
vitória, Portugal não obteve a contrapartida desejada, principalmente em relação a
investimentos esperados para suas colônias. Porém, sem o apoio político obtido
posteriormente, não seria possível manter “os espaços coloniais, (tão extensos e tão separados
entre si), libertos da cobiça de países como a Bélgica (sobre Cabinda), da União da África do
Sul (sobre Moçambique)”.31
O custo, financeiro e humano, da participação portuguesa na guerra, gerou
grandes dificuldades para o governo, principalmente quando cresceu a insatisfação entre os
soldados. As fortes pressões levaram os republicanos a abdicarem da liberdade em nome da
ordem e, como consequência, sobreveio o golpe militar de 1926. O autoritarismo do novo
regime chegou à sua forma final com a ditadura do Estado Novo, a constituição de 1933, e a
ascensão de António de Oliveira Salazar32
. “O ano de 1931 constituiu o início da mudança da
designação de Ditadura Militar para Ditadura Civil, etapa que antecedeu a formação em 1933
do Estado Novo.” Gradativamente, a influência de membros das “Forças Armadas que outrora
havia sido absoluta nas decisões políticas do país, começava a desaparecer a partir deste
período.”33
A partir do governo autoritário, a liberdade existente nas colônias sofreu um duro
golpe. Com uma política extremamente centralizadora e uma forte contenção de gastos, toda a
população do ultramar, das primeiras décadas do século XX, foi bastante afetada. Arquitetado
por Salazar, o Acto Colonial de 1930, incorporado à Constituição de 1933, alterou a relação
entre a metrópole e as colônias instituindo, à maneira inglesa, o Império Colonial Português34
e consagrando a colonização como parte da essência orgânica da Nação. O processo
colonizador, a partir daí, passou a alicerçar-se sobre uma “ciência colonial”, responsável por
construir um conhecimento “científico sobre o outro”. O conhecimento, a dominação e a
exploração dos domínios ultramarinos estavam, portanto, interligados. Surgiram discursos
31
PROENÇA, Maria Cândida; FARINHA, Luís. I República e Republicanismo. Lisboa: Instituto Camões,
2009, p.30. 32
De 1928 a 1932, Salazar foi Ministro das Finanças, presidente do Conselho de Ministros de 1932 a 1968 e
presidente interino de Portugal em 1951. 33
LARANJO, David Miguel. Ditadura Portuguesa. In: A política externa portuguesa na ditadura militar: as
relações com a Espanha (1926-1930). Dissertação (Mestrado em História Moderna e Contemporânea) – Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 2008, p.17. 34
O Império Português era formado por 8 colônias: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola,
Moçambique, Estado da Índia (Goa, Damão e Diu), Macau e Timor. Era regido pelo Decreto-Lei 23.228 de
15/11/1933, modificado em 13/2/1937 pela Lei 1.948.
39
simultaneamente político e científicos que definem a “nação” portuguesa como uma
“nação colonial”. Por essa razão, grande parte das preocupações dos autores que se
debruçam sobre a questão da “raça” e da “identidade nacional” diz respeito às
colónias. No que diz respeito à produção de um “saber colonial”, há um
comprometimento da ciência com o campo político. Por detrás do fortalecimento
deste “saber” estiveram instituições, escolas e museus que reuniram um vasto
espólio de obras, trabalhos e colecções de objectos, financiaram e patrocinaram
publicações, exposições, congressos e eventos similares ligados à divulgação de
“saberes” sobre as colónias.35
Enquanto a ditadura do presidente António Carmona36
desarticulava toda a
estrutura do sucumbido estado liberal português, foi estruturado um conjunto de dispositivos
legais37
, os quais, ao mesmo tempo em que concentravam todo o poder em Lisboa,
acentuavam a distância entre o mundo metropolitano e o mundo colonial. Sob a égide da
construção de uma nacionalidade portuguesa estendida a todo império, o que ocorreu, de
fato, foi o aprofundamento do abismo que sempre existiu entre o colonizador e os povos
colonizados traduzido, em grande media, a partir da determinação do que era ser civilizado ou
não civilizado. A diferença do estágio civilizatório separou, assim, os civilizados da
metrópole, Cabo Verde, Macau e Estado da Índia, de um lado, e os não civilizados das
colônias continentais africanas e, a partir de 1946, de São Tomé e Príncipe e Timor. A
nacionalização das colônias
deveria dar-se nos âmbitos econômico e político e também cultural: os “indígenas”
e os habitantes de todas as colônias portuguesas fariam parte do corpo da “nação
portuguesa”, espalhada pelos quatro cantos do mundo. Criava-se, assim, uma
estrutura legal para o império na qual se passava a associá-lo à idéia de “nação” ou
até mesmo a traduzi-lo por esta.38
Embora os textos legais buscassem transparecer respeito aos costumes dos povos
autóctones, continham a intenção implícita (ou não) de subjugá-los. As leis específicas
serviram
para retirar aos indígenas os seus direitos à propriedade do solo, à sua liberdade de ir
e vir, a sua liberdade de ter os seus “deuses”, de contratar os seus serviços, e lhes
impor o dever de trabalhar, de pagar impostos, sem que nada disto fosse considerado
ilegal [...] Era o momento de transcender do discurso colonizador para ação prática.
Era a hora de retirar dos indígenas a sua liberdade e de submetê-los à autoridade
35
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.55. 36
António Óscar de Fragoso Carmona era militar e participou do golpe de 1926; foi presidente de Portugal de
1926 a 1951, sucessivamente. Eleito a partir da Constituição de 1933, teve Oliveira Salazar como ministro das
finanças entre 1928 e 1932, como chefe de governo e homem de confiança até 1951. 37
Dentre os dispositivos legais destacam-se: o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e
Moçambique (1926), abolido em 1961, o Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de África
(1928), o Acto Colonial (08/7/1930), abolido em 1951, a Carta Orgânica do Império Colonial Português e
Reforma Administrativa Ultramarina, de 1933. 38
THOMAZ, O. R. O bom povo português: usos e costumes d´aquém e d´além-mar. Mana, Rio de Janeiro, v.
7, n. 1, Abr. 2001, p.61.
40
portuguesa, que lhes dirigiria a vida, determinando o que eles podiam ou não fazer,
como andar, como se vestir, para quem trabalhar o que beber, e onde gastar39
.
A nacionalização das colônias instituiu a figura do Império-Nação, que também
pretendia frear as ameaças dos demais imperialismos no período entreguerras. A estrutura do
regime e suas ações - a censura sobre a imprensa e o controle das instituições - impediam
debates em torno do colonialismo, não apenas na metrópole, mas extensivamente nas
colônias. Colocar-se em oposição ao projeto colonial significaria opor-se à própria nação.
A criação da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado(PVDE)40
, em 1933,
alicerçou um governo baseado no “medo, na delação e na perseguição aos ‘inimigos’, um
regime policial, evidenciado por arbitrariedades de toda ordem e pelos espaços reservados à
prática de violências físicas”.41
O norte empregado pela repressão na metrópole foi estendido
aos territórios coloniais e “sobrepôs à violência quotidiana do colonialismo outras formas de
violência e repressão institucionais que tinham como propósito impedir qualquer tipo de
manifestação nacionalista ou emancipatória por parte das populações nativas”.42
Nos congressos e nos círculos acadêmicos eram frequentes os debates acerca da
necessidade de conhecer as populações autóctones, tanto em seus aspectos biológicos quanto
socioculturais. Esse conhecimento passou a ser encarado como uma questão de relevância
nacional, razão pela qual, entre outras medidas, o ensino da antropologia tornou-se obrigatório
na Escola Superior Colonial43
, local de formação dos funcionários que prestariam serviço no
ultramar, bem como dos missionários encarregados da educação dos povos locais. Cabe
lembrar que o papel da Igreja, neste momento, foi o de reforçar a “missão civilizadora”
portuguesa e se comprometia a “educar, proteger e evangelizar os nativos no sentido de estes
se tornarem ‘assimilados’ e saírem do estado de selvajaria, para uns, ou de barbárie, para
outros”.44
A Escola Superior Colonial surgiu a partir de um movimento intelectual português
que
preconizava uma “ocupação científica” dos territórios ultramarinos [...] em que o
controle dos nativos (da sua força de trabalho) e dos territórios coloniais (a
39
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. Revista África e Africanidades. São
Paulo, n.11, nov. 2010, sem paginação. 40
A PVDE deu origem à famigerada PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) em 1945. Esta existiu
até 1969 atuando na efetiva “neutralização” de ações contra o Estado Novo. 41
THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro império português. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p.89. 42
Id.O bom povo português: usos e costumes d´aquém e d´além-mar. Mana, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, Abr.
2001, p.60. 43
A Escola Superior Colonial surgiu em 1927 quando da reorganização da Escola Colonial fundada em 1906. 44
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.68.
41
exploração adequada dos seus recursos físicos) seria eficaz quando orientado por
pressupostos científicos; o seu fim seria a incorporação plena dos indígenas ao corpo
político da nação.45
A formação de quadros para atuar em todos os cantos do império passou a ser uma questão de
Estado. A pesquisa “científica” nas colônias fazia-se imprescindível a partir das ideias que
circulavam entre as potências colonizadoras.
O Ministério das Colônias e a Escola Superior Colonial promoveram congressos e
encontros de intercâmbio procurando inserir a intelectualidade lusitana nos debates
internacionais. Com a finalidade de dar continuidade aos estudos geográficos e cartográficos
do ultramar, foi criada a Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais (1936).
Entretanto, cinco anos após sua criação, apenas uma quarta parte do império estava mapeada,
os trabalhos de geologia eram restritos, ao passo que a “Índia Portuguesa era considerada
quase completamente estudada pelos britânicos”46
. Os estudos no campo da antropologia e da
etnografia eram episódicos, mesmo em colônias pequenas como a Guiné e o Timor.
Os estudos etnográficos desenvolvidos na metrópole durante o Estado Novo
ocorriam, muitas vezes, “à sombra das iniciativas governamentais e o tom repetitivamente
celebratório dos textos (articulava-se) mais amiudadamente com uma retórica ideológica de
inspiração ruralista e nacionalista.”47
Havia, portanto, uma intelectualidade metropolitana
“capaz de produzir análises etno-antropológicas passíveis de apropriação para uso político
sobre a população dominada e de cariz propagandístico na metrópole.”48
Esse mesmo tom
propagandístico está presente em muitos dos artigos publicados pelo Boletim Cultural da
Guiné Portuguesa, especialmente aqueles de autoria de funcionários egressos da Escola
Superior Colonial.
Muitas reformas institucionais sobrevieram no pós-guerra, entre as quais a
nova orientação da Escola Superior Colonial. Assumindo sua direção, Mendes Correia
lançou, em 1946, dois novos cursos: Administração Colonial e Altos Estudos Coloniais49
, este
45
THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro império português. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p.101. 46
LOBATO, Manuel. Ciência portuguesa nas regiões tropicais: do projecto africano ao esvaziamento de
políticas sob a III república, parte I. Blogue História Lusófona. Lisboa: IICT, 2008, sem paginação. 47
LEAL, João. Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 2000, p.49. 48
ABREU, Ana Mafalda; FALCÃO, Castro Menezes. Antropologia colonial e a produção de conhecimento
sobre grupos étnicos da Guiné Portuguesa... In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE
ANTROPOLOGIA, 3., 2006, Lisboa. Actas. Lisboa: APA, 2006, v. 1, p.8. 49
O curso de Administração Colonial preparava os funcionários da administração civil do império (a partir de
1954 seu nome mudou para Curso de Administração Ultramarina); o curso de Altos Estudos Coloniais estava
destinado aos funcionários nomeados para funções mais elevadas (a partir de 1954 passou a ser designado Curso
de Altos Estudos Ultramarinos; em 1961 surgiu o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina -
ISCSPU).
42
último “visando preparar os quadros teóricos do colonialismo”.50
Vários profissionais
envolvidos com a Escola Superior Colonial “buscaram produzir um saber colonial em geral (e
uma antropologia em particular) à altura das demais potências colonizadoras da época,
salvaguardando sempre as particularidades da colonização portuguesa.”51
Cada vez se tornava
mais visível o caráter funcional que a produção de conhecimentos sobre as colônias passava a
assumir.
Por conta da reestruturação da Escola Superior Colonial foi criado o Instituto de
Línguas Africanas e Orientais, o qual tinha entre seus objetivos:
Estudar a língua árabe, quer como instrumento de investigação da história do
domínio português no norte da África, quer como elemento de conhecimento do
mundo islâmico e da sua influência actual na Guiné, em Moçambique e na Índia;
Estudar o quimbundo (Angola), o ronga (Moçambique), o suaíli (norte de
Moçambique), o dialecto do Sena (Zambézia), o fula (Guiné) e o teto ou lalóli
(Timor);
Estudar as linguagens crioulas de Cabo Verde, Guiné, Índia e Macau;
Abrir cursos para ensino das línguas estudadas.52
Dessas diretrizes denota-se a precariedade da comunicação, mesmo após séculos, entre os
portugueses e os povos coloniais. Na Guiné, o estudo do árabe justificava-se em razão da
“progressiva islamização dos povos ainda há pouco feiticistas.”53
As outras dezenas de
línguas faladas na colônia foram excluídas, e “os termos do decreto que instituía o estudo do
fula seriam absolutamente arbitrários se não (estivesse claro) que este contingente muçulmano
era tido como ‘amigo de Portugal’.”54
O Centro de Estudos de Cartografia e Geografia Colonial surgiu para intensificar
os trabalhos de caráter geográfico iniciados pela antiga Comissão de Cartografia e
continuados pela Junta de Investigações coloniais. Mendes Correia também assumiu, em
julho de 1946, a presidência da Junta das Missões Geográficas de Investigações Coloniais
para “apoiar a obra colonizadora portuguesa cada vez mais na ciência e na técnica.”55
Os aparatos montados pelos portugueses denotam o esforço na busca da
legitimação do poder sobre o “outro”. Isto é feito através da produção de conhecimentos que
50
ABREU, Ana Mafalda; FALCÃO, Castro Menezes. Antropologia colonial e a produção de conhecimento
sobre grupos étnicos da Guiné Portuguesa... In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE
ANTROPOLOGIA, 3., 2006, Lisboa. Actas. Lisboa: APA, 2006, v. 1, p.5. 51
THOMAZ, Omar Ribeiro. O bom povo português: usos e costumes d´aquém e d´além-mar. Mana, Rio de
Janeiro, v. 7, n. 1, Abr. 2001, p.76. 52
MOTA, Avelino Teixeira da. , BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.2, 1947b, n.5, p.286. 53
Ibid., p.287. 54
THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro império português. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2002, p.104. 55
MOTA, Avelino Teixeira da. BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.1, 1946a, n.4, p.907.
43
apresentam “o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem
racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução.”56
Em 1945, quando advieram fortes movimentos contra o colonialismo e emergiram
o atraso e a servidão que persistiam por todo império, o Estado Novo português tinha
praticamente consolidado o discurso que dava respaldo ao seu anacrônico império. A política
colonial de “ocupação científica” também deveria ser estendida às colônias, razão pela qual
Sarmento Rodrigues57
recebeu a nomeação para governar a Guiné. Foi lançado na vida
político-administrativa ultramarina pelo Ministro das Colônias, Marcelo Caetano, depois de
ter frequentado a Escola Superior Colonial com distinção. Também foi notado por ter alguns
artigos publicados na “Revista Militar”, que tratavam sobre estratégias da administração
ultramarina.
Um ano depois de ter chegado à Guiné, e por conta das comemorações do quinto
centenário de sua “descoberta”, várias obras públicas foram inauguradas por todo o território.
No campo cultural surgiu o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (CEGP), idealizado por
Sarmento Rodrigues e Avelino Teixeira da Mota58
, a quem convidou para acompanhá-lo e
assessorá-lo, tão logo recebeu a incumbência de administrar a colônia. Ambos conheceram-se
nos Açores
uma das áreas mais quentes da Segunda Guerra Mundial – tocada por uma guerra
submarina sem quartel entre os Aliados e a Alemanha -, onde Teixeira da Mota se
encontra em comissão a bordo do “Lima”, que surgem na imprensa periódica insular
os seus primeiros artigos. O Comandante do navio, capitão-tenente Sarmento
Rodrigues, nota desde logo a propensão do Tenente, em princípio de carreira, para a
escrita, revelando também um sentido de cumprimento rigoroso das tarefas que lhe
estão acometidas e da disciplina. Por isso mesmo, quando Sarmento Rodrigues é
nomeado governador da “Guiné Portuguesa”, Teixeira da Mota é naturalmente
convidado a integrar a sua equipa, cessando a comissão de embarque a 3 de abril de
1945. Um mês depois a Alemanha rendia-se. A guerra chegara a fim na Europa.59
56
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: ED. UFMG, 1998, p.111. 57
Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979), português de Freixo de Espada à Cinta, governou a colônia
da Guiné Portuguesa entre 1945 e 1948. Integrou o governo de António Salazar como secretário do ministro dos
Negócios Estrangeiros (1928), como ministro das Colônias entre 1950 e 1961 (designação alterada em 1951 para
ministro do Ultramar) e como governador-geral de Moçambique (1961-1964). Galgou cargos na Marinha
chegando ao posto de almirante. Faleceu em Lisboa em 1979 deixando várias publicações sobre a vida política
do império português. 58
Nascido em 22/9/1920 em Lisboa, Avelino Teixeira da Mota teve longa carreira militar. Entre outros títulos,
foi da Academia Portuguesa de História (1962), lecionou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
(1965-1969) como regente da cadeira de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Presidiu o
Tribunal da Marinha e deixou inúmeras obras, em especial sobre cartografia antiga e sobre a expansão marítima
portuguesa. Morreu em abril de 1982. Como auxiliar direto do governador Sarmento Rodrigues, foi o grande
impulsionador da pesquisa etnográfica no território da Guiné. 59
VALENTIM, Carlos Manuel. O Trabalho de uma vida. Bibliografia de Avelino Teixeira da Mota (1920-
1982). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2007, p.32.
44
1.2 Conhecimentos coloniais a serviço da metrópole
1.2.1 As primeiras notícias
Coincidindo com a autonomia administrativa da Guiné, após desvincular-se do
governo indireto desde Cabo Verde, surgiram as primeiras produções escritas e impressas na
colônia. Bolama, então a “nova” capital, recebeu a primeira tipografia na cidade. Alguns anos
depois passou a circular o primeiro Boletim Official do Governo da Província da Guiné
Portugueza60
, publicação vinculada à administração e similar às já existentes, há bastante
tempo, nos demais territórios coloniais luso-africanos: Cabo Verde (1842), Angola (1846),
Moçambique (1854) e São Tomé e Príncipe (1859).
Nessa mesma época o cônego, Marcelino Marques de Barros (1844-1929),
nascido em Bissau e estudioso do vocabulário Mandinga, Beafada, Fula, Balanta e Bijagó,
teve divulgadas as suas recolhas pelo território da Guiné, com exemplos da literatura oral de
diversos grupos. Segundo João Vicente,
suas capacidades narrativas são postas ao serviço duma observação atenta da terra e
das gentes da sua Guiné, ao longo de 19 anos de presença activa e movimentada. Por
isso ele nos pôde deixar alguns escritos apreciáveis publicados em revistas
portuguesas do tempo, onde sobressai o etnólogo autodidacta que teve de ser, já que
o Governo português não lhe deu oportunidade de uma formação universitária
especializada.61
Os trabalhos de Marques de Barros foram publicados no Novo Almanaque para 1875 e 1892
(traduções de lendas), e no Almanaque Luso-Africano para 1899 (cantos e contos dos Balanta
e Beafada). Em 1900, o resultado da recolha de contos e parábolas em língua papel e
mandinga, além de canções em crioulo (kriol)62
foram publicados na revista Literatura de
60
O Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portugueza surgiu em 1884. Ao longo dos anos teve
alterações em seu nome: Boletim Official da Guiné Portugueza (1892-1898), Boletim Official da Província da
Guiné Portuguesa (1898-1927), Boletim oficial da Colónia da Guiné (1927-1951) e o Boletim oficial da Guiné
(1951-1974), este impresso na cidade de Bissau. Diferentemente do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa,
estes boletins tratavam, basicamente, de informes relativos à legislação da colônia. 61
VICENTE, João Dias. Subsídios para a biografia do sacerdote guineense Marcelino Marques de Barros
(1844-1929). Lusitania Sacra: Lisboa, 2ª série, n.4, 1992, p. 424. 62
O kriol ou crioulo de base portuguesa surgiu do contato da língua portuguesa com as línguas africanas,
provavelmente no final do séc. XVI na região da Senegâmbia, em especial nos entrepostos comerciais
(Ziguinchor, Cacheu, Geba e Farim) . Possui o léxico, na sua maioria, de origem portuguesa, porém, do ponto de
vista gramatical, assim como outras línguas crioulas, é autônomo e diferenciado. Segundo Dulce Pereira [2010?,
s/p], “os crioulos são línguas naturais, de formação rápida, criadas pela necessidade de expressão e comunicação
plena entre indivíduos inseridos em comunidades multilíngues relativamente estáveis.” Embora atualmente a
língua oficial da Guiné-Bissau seja o português, o kriol é a língua franca do país.
45
Negros. Entre outras contribuições, o cônego Barros foi colaborador da Revista Lusitana63
,
onde, sob o título geral de O Guinéense, publicou vários artigos sobre as línguas da Guiné.
Os primeiros jornais que circularam na Guiné datam da década de 1920. Todos
tiveram vida efêmera, não sobrevivendo mais do que seis meses. Ecos da Guiné (1920), A Voz
da Guiné (1922) e Pró-Guiné (1924) apresentavam uma abordagem jornalística que,
notadamente, expressava a saudade da metrópole ou a apologia do desenvolvimento colonial,
temas bastante próximos ao recente regime republicano da metrópole. Pouco se referiam à
população autóctone, a qual era bastante reduzida nas cidades, apenas tolerada na prestação de
serviços na casa de colonos e administradores, ou seja, um tipo de escravidão doméstica.
O clima tensionado pelas Campanhas de Pacificação e Ocupação, que ocorriam
em pontos distintos do território, assim como os conflitos políticos na metrópole, estavam
refletidos na produção literária. Havia um clima
em que proliferava a má-língua, onde uma multidão burocrática efusiva se
projectava nos jornais, uns contra os outros, em ataques e contra-ataques: em suma,
um ambiente que denotava fortemente o sentimento generalizado de degradação
moral e política a que estavam sujeitos os colonos na Guiné. Daí que não se
produziu literatura no sentido estrito da palavra, salvo algumas manifestações
poéticas (poucas) que, mesmo assim, pouco ou nada tinham de africano.64
Existiram outros três jornais, também na década de 1930, os quais tiveram apenas
uma edição: 15 de Agosto (1932), Sport Lisboa e Bolama (1938) e Guiné Agradecida (1939).
Enquanto na metrópole a ditadura estabelecia-se, surgiu, em 1931, o jornal Comércio da
Guiné, “dirigido por Armando António Pereira, talvez um dos únicos guineenses com
formação superior na altura.”65
Apesar de, também, ter tido curta duração, pode ser
considerado o ponto de partida para uma produção literária a partir da colônia.
No Comércio da Guiné, o cabo-verdiano Fausto Duarte (1903-1953) obteve
especial destaque. Tendo migrado em 1928, atuou nesse periódico como repórter, cronista
desportivo, além de também desenvolver seu talento como romancista. Com a instabilidade
do setor jornalístico enveredou pela literatura colonial. Participou de concursos literários
patrocinados pela metrópole, que os utilizava dentro do contexto propagandístico colonial que
tencionava atrair a curiosidade da população branca para as colônias. Segundo Avelino
Teixeira da Mota, Fausto Duarte, entre outros escritores na década de 1930, procurava “na
63
Sobre a Revista Lusitana ver: http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/etnologia/revistalusitana/index.html. 64
AMADO. Leopoldo. A literatura colonial guineense. Icalp, v.20-21, jul./out.1990, p.4. 65
Ibid., p.9.
46
colónia os temas de romances com grande aceitação pública”66
, colaborando, assim, para a
divulgação romanceada dos espaços coloniais.
Embora Moema Augel (2007) aponte que a literatura de Fausto Duarte67
denota
uma visão estereotipada e reducionista dos povos tradicionais, Leopoldo Amado (1990)
destaca, por outro lado, que ela abordou o confronto cultural entre brancos, cabo-verdianos e
povos guineenses, promovendo denúncias e “apelos à justiça e compreensão raciais”68
. O fato
de que Fausto Duarte era mestiço e letrado, e, por isso, não totalmente aceito quer pelos
brancos portugueses, que viam nele um usurpador de cargos, quer pelos mestiços da Guiné,
pode ter dado o tom à sua estética literária.
Não há notícias de que tenha havido outros trabalhos aos moldes das recolhas
efetuadas pelo cônego Barros, ou seja, voltados ao estudo das línguas e dos costumes das
populações autóctones. Preponderaram, ao contrário, “leituras pessoais das manifestações de
oratura [...] versões traduzidas em português (ou em francês), nas quais se sente o
arrastamento para o apuramento da expressão estética.”69
Os trabalhos elaborados dessa
maneira eram, na verdade, reformulações voltadas para um público específico na metrópole,
interessado no exótico e no pitoresco do mundo colonial. Como exemplo, destacam-se os
autores Viriato Augusto Tadeu, Contos do Caramó, Lendas e Fábulas Mandingas (1945) e
Norberto Lopes, Terra Ardente (1947), entre outros.
Os autores que atuavam na Guiné, nesse momento, eram, majoritariamente, cabo-
verdianos. É bom lembrar que nas décadas de 1920/30 houve uma grande entrada na Guiné de
emigrantes de Cabo Verde, os quais, em grande maioria, letrados. A baixa escolarização do
luso-guineense e dos grumetes pode explicar a ausência de colaborações nos jornais ou
produções literárias.
Nos anos 40 do século XX a atividade editorial na Guiné fica praticamente
paralisada, à exceção das publicações oficiais. Em 1943, surge o Arauto, quando as missões
católicas sentem a necessidade de um veículo de divulgação de suas atividades. Nesse
período, a política assimilacionista colheu os primeiros frutos “a par do refreamento da
resistência guineense, o que permitiu que o ‘Arauto’ fosse publicado com a periodicidade
66
MOTA, Avelino Teixeira da. O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.8, 1953, n.32,
p.610. 67
Principais obras de Fausto Duarte: Auá: Novela Negra (prêmio de literatura colonial de 1934); A Revolta (2º
lugar do concurso de 1942); O negro sem alma (1935); Rumo ao Degredo (1938); Foram estes os vencidos
(1945). 68
AMADO. Leopoldo. A literatura colonial guineense. Icalp, v.20-21, jul./out.1990, p.13. 69
GOMES, Aldónio; CAVACAS, Fernanda. A literatura do saber tradicional: a oratura. In: A Literatura na
Guiné-Bissau. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1997, sem paginação.
47
possível até 1968.”70
Fausto Duarte escreveu para este periódico, assim como o cabo-verdiano
Juvenal Cabral, pai de Amílcar Cabral. Entre outros colaboradores, consta Caetano Filomeno
de Sá, natural da colônia da Guiné.
1.2.2 O Centro de Estudos e o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (BCGP)
e esta Revista surge na hora própria, na hora oportuna
para recolher novos estudos e divulgá-los,
sobretudo para levar ao conhecimento do maior número
de pessoas possível aquilo que os estudiosos forem
apurando sobre esta nossa rica e promissora colônia.
Marcelo Caetano, Ministro das Colônias, 194671
Em 1945 tomou posse na Guiné o novo governador capitão-tenente Manuel Maria
Sarmento Rodrigues. Pertencente ao alto escalão da Marinha e tendo frequentado a Escola
Superior Colonial, entre 1940 e 1942, o novo governador fazia parte do grupo que apoiava a
ditadura do Estado Novo. Os aliados de Salazar promoviam a legitimidade e fundamentavam
a sobrevivência do império, mesmo em face de seu anacronismo. Buscando dar “sentido e
significado de Portugal no mundo, [...] Salazar e seus ideólogos apresentavam-se ao mundo
como antiliberais e anticomunistas, aspecto que demarcava o cariz essencialmente fascista do
regime”.72
A atuação política de Sarmento Rodrigues é digna de nota, principalmente porque
quando deixou a Guiné, substituiu Marcelo Caetano no Ministério das Colônias em 1950.
Num cenário hostil às práticas coloniais, trabalhou no sentido da consolidação do império
mesmo quando alguns países já haviam concedido a independência às suas colônias.
Promoveu mudanças, de início, ao nível dos discursos, quando apresentou a Salazar a obra de
70
AMADO. Leopoldo. A literatura colonial guineense. Icalp, v.20-21, jul./out.1990, p.14. 71
CAETANO, Marcelo. Uma crónica nova da conquista da Guiné. BCGP, Bissau, v.1, 1946, n.1, p.11. 72
PINTO, João Alberto da Costa. Gilberto Freyre e o lusotropicalismo como ideologia do colonialismo
português (1951-1974). Revista UFG, Goiânia, jun.2009, nº 6, p.147.
Juvenal Cabral
48
Gilberto Freyre e, segundo João Alberto da Costa Pinto (2009), convenceu-o de sua
importância e utilidade política.
Através da obra freyreana, “buscava-se uma arquitetura teórica que justificasse a
tradição do colonialismo lusitano ao longo do tempo, como uma estrutura histórica
diferenciada daquela ocorrida em outros países colonialistas.”73
Nesse sentido, Casa Grande
e Senzala (1933) e O mundo que o português criou (1940), serviram com perfeição e com a
mesma perfeição foram utilizadas. Freyre moldou o português como um colonizador
diferente dos demais. Tornou-o, a partir da experiência brasileira, capaz de provar seu trato
fraterno com as populações tropicais em razão de seu passado multicultural. Em 1951
escreveu sobre a Guiné:
é, ao mesmo tempo, a mais antiga e a mais moça das terras ocupadas pelos
portugueses nos trópicos. Aqui madrugou o lusotropicalismo: todo um movimento
na moderna história humana de contatos de uns povos com outros, começado com os
contatos dos portugueses com ou mouros e que só essa expressão parece definir.
Mas foi uma aventura tão superficial, da Guiné, que a colonização do Brasil tropical
por portugueses decididos a se fixarem em terras tropicais, como agricultores,
superou-a como superou o próprio início dessa mesma expansão,a princípio tão
brilhante, em terras do Oriente.74
A arquitetura do lusotropicalismo serviu de base “teórico-científica” incorporada à maciça
propaganda internacional do colonialismo português, que pretendia fazer frente às pressões
em defesa da autodeterminação dos povos. Assim, Sarmento Rodrigues e Gilberto Freyre, em
grande medida, construíram uma “tradição inventada”, lembrando Eric Hobsbawm e Terence
Roger (2008), em que o colonialismo português era diferente dos demais e, portanto, sua
implementação era apropriada.
Não obstante a atuação política de Sarmento Rodrigues no Ministério das
Colônias, importa focar o início de seu governo na Guiné. Juntamente com Avelino Teixeira
da Mota criou o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (CEGP), instituição que objetivava
dar “à cultura do espírito incremento paralelo ao progresso material”75
. Idealizado em
dezembro de 1945, o Centro de Estudos foi oficialmente organizado em julho de 1946 para
traçar os rumos de uma nova revista colonial.
73
PINTO, João Alberto da Costa. Gilberto Freyre e o lusotropicalismo como ideologia do colonialismo
português (1951-1974). Revista UFG, Goiânia, jun.2009, nº 6, p.147. 74
FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Rio de Janeiro: Topbooks: UniverCidade, 2001, p.247. 75
RODRIGUES, Manuel Maria Sarmento. Para a elevação do nível cultural da Guiné. BCGP, Bissau, v.1,
1946, n.1, p.8.
49
Em julho de 1945, amparado pelo artigo nº 31 do Acto
Colonial, e pelo artigo nº 37 da Carta Orgânica do Império
Colonial Português, surgiu o Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa (BCGP). A primeira edição, em 1946, destacava que a
nova publicação tinha por objetivo divulgar “cultura e informação”
para todo o território colonial e além dele. Segundo a versão
oficial, permitiria “que a gente da Guiné pudesse mais facilmente
tomar parte no movimento literário, científico, artístico, numa
palavra, intelectual, com vista à formação e desenvolvimento dos
valores espirituais. Ler e escrever”76
Curioso imaginar uma proposta para a alfabetização de
povos africanos, que dela prescindiam, através de um periódico português! O “discurso”
estava, certamente, mal elaborado.
Os primeiros artigos publicados foram escritos por Marcello Caetano e pelo
próprio governador e, na ocasião, foram nomeados membros honorários do Centro de
Estudos. Esta iniciativa “cultural” trazida pelo governador não teve aprovação unânime na
colônia, pois seu propósito desprendia-se dos interesses econômicos predominantes na Guiné.
Porém, apesar das relutâncias, Sarmento Rodrigues deu andamento a seu projeto “científico”,
contando com o trabalho in loco de seus funcionários:
É ao superior interesse que espero lhes mereça o estudo do que diga respeito aos
valores indígenas, das suas artes primitivas, das suas línguas, costumes e tradições,
de tudo que possa registrar uma existência, uma personalidade que o tempo
fatalmente destruirá[...] É preciso que a nossa vinda e permanência seja, como é,
superiormente acolhedora do presente e do passado, dos vencedores e dos
vencidos.77
O discurso de Sarmento Rodrigues deixa claro que a Guiné era um mundo
desconhecido para os portugueses. Prova disso é o fato de que ele acreditava ser possível
suprimir culturas ancestrais e seu pensamento demonstra pouco saber sobre as dinâmicas de
mundos africanos. Por outro lado, nesse fragmento de discurso estavam relacionados todos os
aspectos importantes para os quais as atenções deveriam ser direcionadas. Conhecer e
controlar povos autóctones era o caminho para a permanência portuguesa no ultramar.
Os estudos de caráter histórico, etnográfico e antropológico efetuados no âmbito
do Centro de Estudos “ganharam mais sistematicidade e qualidade (embora) realizados no
76
RODRIGUES, Manuel Maria Sarmento. Para a elevação do nível cultural da Guiné. BCGP, Bissau, v.1,
1946, n.1, p.6. 77
Id. Discurso proferido durante a 1ª Reunião Magna do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. BCGP, Notas
e Informações, Bissau, v.2, 1947, n.5, p.268.
BCGP, n. 1, 1946.
50
território mais ‘marginal’ do império”78
. É possível relativizar a imbricação entre a produção
antropológica e os instrumentos de domínio colonial na Guiné, considerando que: “grande
parte das estruturas nativas foi mantida, a exploração se fazia de forma indireta, nunca houve
uma afluência significativa de colonos brancos” e a Guiné era um “dos territórios que menos
interessava à moderna empresa colonial capitalista”.79
Dessa maneira, passou a existir,
naquela colônia, uma instituição promotora de estudos, os quais constituíram um
“conhecimento científico” sobre a Guiné sem equivalência em todo o império ultramarino.
Quando visitou a Guiné em 1951, Gilberto Freyre ressaltou a iniciativa de
Sarmento Rodrigues ao dizer que
bastaria a presença, neste Centro, dos dois admiráveis investigadores de coisas da
Guiné que são o zootécnico Tendeiro e A. Teixeira da Mota para lhe dar solidez,
permanência, constância de esforço: virtudes não de todo comuns em iniciativas
portuguesas depois que ao ardor como que nupcial dos primeiros tempos se segue a
inevitável rotina da estabilização. Somos portugueses e brasileiros, gente de
entusiasmo fácil mas de constância difícil. O Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa vem sendo uma afirmação dessa capacidade de constância, rara entre
portugueses homens de letras ou de ciência, quando se organizam para esforços de
interesse comum.80
A primeira Comissão Executiva do CEGP foi presidida por Caetano Filomeno de
Sá81
. Contava com membros residentes82
na Guiné e membros correspondentes83
moradores
em outras colônias, na metrópole ou no exterior, Para ser membro do CEGP era necessário ser
colaborador do Boletim Cultural ou prestadores de serviços no Centro de Estudos. Os
membros residentes eram funcionários administrativos da colônia e, assim como os
correspondentes, nomeados através de ato formal.
Anualmente era formada uma Comissão Executiva composta por um presidente,
alguns vogais, escolhidos entre os membros residentes, e um secretário. Tinha, entre outras, a
78
THOMAZ, Omar Ribeiro. "O bom povo português": usos e costumes d´aquém e d´além-mar. Mana, Rio de
Janeiro, v. 7, n. 1, Apr. 2001, p.64. 79
Ibid., p.64. 80
FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Rio de Janeiro: Topbooks: UniverCidade, 2001, p.232. 81
Caetano Filomeno de Sá foi chefe da Delegação Aduaneira onde exerceu, de 1916 e 1919, a função de censor
- postal e telegráfico - das correspondências enviadas da Guiné. 82
Os primeiros membros residentes nomeados foram: Agostinho Gomes Pereira(secretário da Circunscrição
Civil de Catió), Amadeu Inácio Pereira Nogueira (Administrador da Circ. Civil de S. Domingos), 1º tenente
Antonio Augusto Peixoto Correia(Chefe da Repartição do Gabinete), Antonio Barbosa Carreira (Administrador
da Circunscrição Civil de Cacheu), Augusto de Jesus Santos Lima (Administrador da Circ. Civil dos Bijagós),
Fausto Castilho Duarte (Secretário da Comissão Municipal de Bolama), Dr. Honório José Barbosa (Juiz de
Direito da comarca), João Basso Marques (Delegado Aduaneiro de Cacheu), Alferes João Maria Bento, José
Mendes Moreira (Secretário da Circunscrição Civil de Gabú), Louride de Sousa Bel (comerciante e agricultor),
Octávio Candido Gomes Barbosa (Administrador de Circunscrição Civil), Rui dos Santos Serpa(Chefe da Seção
de Estatística) e Virgolino José Pimenta (Gerente do Banco Nacional Ultramarino). 83
Os primeiros membros correspondentes nomeados foram Edmundo Correia Lopes (filólogo) e Dr. J. P.
Marinho da Silva (escritor) de Lisboa e Dr. José de Oliveira (professor do ensino secundário) de Lourenço
Marques, Moçambique.
51
função de compor a Comissão de Redação do Boletim Cultural, dirigir sua publicação, avaliar
os trabalhos apresentados e submeter, previamente, cada número à apreciação do governador.
Em tempos de salazarismo e de sua polícia política, a cultura e a informação, mesmo numa
colônia distante, eram promovidas sob o olhar atento do poder.
Além de gerir a publicação do Boletim Cultural, a Comissão Executiva era
responsável por organizar a Biblioteca e o Museu da Guiné. Os primeiros relatos da comissão
apontam inexistir qualquer biblioteca no território naquela época, embora houvesse uma
grande quantidade de materiais recolhidos para a Exposição Colonial de Bissau84
. A comissão
observou que a documentação histórica existente era pobre em virtude da “instalação
precária dos arquivos e a sua destruição por acção de agentes próprios do meio [...], por
incêndios naturais e por queimas propositadas.”85
Por desleixo ou precaução, muito se
perdeu e o pouco do que restou foi enviado ao Arquivo Histórico Colonial de Lisboa. Sobre o
Museu, a comissão relatou existir material em abundância, porém sem identificação e
tratamento adequados, razão pela qual foram estabelecidas algumas ações para a coleta e
catalogação daquilo julgado de interesse.
Foi, portanto, a partir do Centro de Estudos que foram sendo organizados o
museu, o arquivo histórico e a biblioteca na colônia da Guiné, no entanto, mudanças
significativas ocorreram a partir de 1973. Conforme o Guia do Museu Nacional da Guiné-
Bissau, publicado em 1988, após “a proclamação da independência política e transferência de
poder, foram desaparecendo, paulatinamente, peças e colecções do ex-Museu da Guiné
Portuguesa”86
. Além disso, merecem destaque as consequências da guerra civil ocorrida entre
1998 e 1999, que destruiu, quase que totalmente, as instalações e o acervo do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), instituição que abrigava, na época, todo o acervo
cultural do país após a independência.87
Coube ao Centro de Estudos, em 1947, a organização da 2ª Conferência
Internacional de Africanistas Ocidentais (CIAO)88
. Nessa conferência, que aconteceu entre 8
84
A Exposição de Bissau ocorreu em meio às festividades promovidas pelo V Centenário da Descoberta da
Guiné, em 1946. 85
MOTA, Avelino Teixeira da. Relatório da 1ª Comissão Executiva do Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa. BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.2, 1947a, n.6, p.562. 86
MUSEU Nacional da Guiné Bissau. Guião. Bissau: Gráfica Eme Silva Ltda., 1988, sem paginação. 87
Através do Protocolo de Cooperação de 28/6/2007, a Fundação Mário Soares e técnicos da Guiné-Bissaus
vêm trabalhando para a recuperação dos fundos documentais do INEP e de suas instalações contando, também,
com o apoio das embaixadas da Alemanha e dos Estados Unidos. Em janeiro de 2009 foi possível a reabertura da
Biblioteca Pública e do Arquivo Histórico Nacional da Guiné-Bissau. Também em 2009 foi iniciado o projeto de
recuperação, tratamento e digitalização do fundo da Repartição do Gabinete dos Governadores da Guiné. 88
A 1ª Conferência dos Africanistas Ocidentais aconteceu em janeiro de 1945 na cidade de Dakar por iniciativa
do Institute Français de l’Afrique Noire (IFAN) e Mendes Moreira compareceu como representante de Portugal.
52
e 14 de fevereiro em Bissau, foram discutidas propostas para pesquisas imediatas na região,
tendo em conta as rápidas transformações que eram percebidas. A partir dela, o CEGP
aproximou-se de outras instituições de estudo, tais como o International African Institute, da
Grã-Bretanha e, especialmente, com o Institute Français de l’Afrique Noire (IFAN)89
, com
sede em Dakar.
A relação existente entre o CEGP e o IFAN tornou-se mais intensa a ponto de, em
1949, Teixeira da Mota ser nomeado membro do Conselho Superior Científico dessa
instituição francesa. Curiosamente, o mesmo não se verificava em relação aos centros de
estudos em Portugal, como sublinhou Sarmento Rodrigues:
As nossas relações culturais têm-se intensificado sobretudo com os territórios
vizinhos, no meio dos quais já hoje não somos mancha escura como outrora...É
claro que apesar de nunca termos merecido a devida consideração dos organismos
metropolitanos encarregados deste domínio das ciências coloniais - pois até hoje
ainda não foi enviada nenhuma das colaborações prometidas - nem por isso
deixaremos de tentar estabelecer contactos com eles, sempre agradáveis e sem
dúvida úteis em ensinamentos90
O intercâmbio que Teixeira da Mota mantinha com os intelectuais do IFAN, como
Theodore Monod e o historiador Raymond Mauny, era intenso, contrastando com o
distanciamento das instituições de pesquisa colonial da metrópole. Em meados do século XX,
por todo ocidente africano, tanto no ultramar francês quanto no inglês, multiplicavam-se
“quadros administrativos, técnicos, cientistas, intelectuais, que procuravam um novo rumo
para a investigação científica e para as ciências auxiliares da governação ultramarina”91
.
Cabe lembrar que os estudos antropológicos na metrópole na década de 1940
eram liderados por Mendes Correia e ainda estavam pautados na observação de aspectos
somáticos e físicos. É possível compreender a existência de embates em torno dos referenciais
teóricos adotados em Lisboa e em Bissau, o que não impediu as iniciativas “inovadoras” na
colônia, conforme relata Teixeira da Mota
Logo de início o “Centro de Estudos” procurou reagir contra a tendência, que se
nos afigurava demasiado centralizadora e antiquada, da investigação científica
ultramarina em Portugal, a qual se manifestava sobretudo através de missões
temporárias aos territórios. Sem negar as vantagens que algumas dessas missões
ofereciam, sobretudo quando movimentam recursos e meios científicos e técnicos de
Aconteceram outros encontros em Ibadan (Nigéria) em 1949 e Fernando Pó, em 1951, e a todos compareceram
representantes do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa - CEGP. 89
O Instituto Francês da África Negra (IFAN) foi criado em 1938 e publicou, de 1947 a 1956, a revista Études
Guinéennes (sucedida pela Recherches Africaines). Através dela foram divulgados os resultados de pesquisas
sobre ciência física, etnologia, economia e cultura da África ocidental francesa. Patrocinado pelo governo da
Guiné Francesa, foi dirigido por Georges Balandier e Theodore Monod, entre outros. 90
RODRIGUES, Manuel M. Sarmento. Discurso. Discurso proferido durante a Reunião Magna do Centro de
Estudos da Guiné Portuguesa em 16/2/1948. Bissau: BCGP, Notas e Informações, v.3, n.10, 1948, p.526. 91
VALENTIM, Carlos Manuel. O Trabalho de uma vida. Bibliografia de Avelino Teixeira da Mota (1920-
1982). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2007, p.33.
53
que as províncias ultramarinas não dispõem, sempre apelámos para que, a par
delas, se fomentasse o desenvolvimento de instituições locais de investigação.92
O que Teixeira da Mota entendia como “científica” era a pesquisa direta, efetuada
por investigadores que vivenciassem a experiência do cotidiano em comunidades locais.
Segundo Carlos Manuel Valentim,
é indiscutível que os contactos que (Teixeira da Mota) manteve com cientistas e
investigadores europeus (entre outros Georges Balandier, Theódor Monod), que
trabalhavam em África, lhe proporcionou uma actualização com as novas correntes
científicas. Aos poucos foi-se distanciando da via “tradicionalista”. Tinha contactos,
é bem verdade, com o investigador e professor António Mendes Corrêa, mas não
seguia os seus métodos [...] Avelino Teixeira da Mota optará por seguir as teorias
das “escolas” francesa e inglesa, e ler as obras de autores como Georges Balandier,
que se apoiavam no Estruturalismo de Claude Levi-Strauss e na Antropologia
funcionalista anglo-saxônica.93
Não se pode falar dos anos iniciais do Centro de Estudos e do Boletim Cultural
sem conceder destaque ao empenho de Teixeira da Mota. Tendo chegado à Guiné através do
convite de Sarmento Rodrigues, desenvolveu um trabalho singular. Para ele, o Boletim
Cultural deveria servir como
um laço de união com a Metrópole e as outras colónias, por um lado, e com as
colónias estrangeiras vizinhas, pelo outro. E isto porque não só os trabalhos a nele
publicar terão a sua natural repercussão, mas também por muito haver a contar dos
indivíduos de fora, dos estudos afins lá feitos e de muitos elementos a lá obter [...]
(com) a publicação de trabalhos sobre a Guiné, escritos por pessoas vivendo na
colónia ou fora dela.”94
Para oferecer um tom “científico” ao Boletim Cultural, foram estabelecidas
“regras de publicação”.95
Os manuscritos encaminhados deveriam ter caráter histórico,
abordando fatos sobre o domínio português na região da Senegâmbia, cunho científico, no
sentido do estudo sistemático da Colônia e seus meios físico, biológico e humano,
particularmente a etnografia, ou cunho literário e artístico, notadamente na recolha da
literatura oral.
Para Teixeira da Mota, os funcionários administrativos e os missionários eram os
mais indicados para desenvolverem estudos etnográficos, pois eram os mais próximos dos
povos guineenses. Sua ideia baseava-se nos trabalhos do etnógrafo francês Maurice
Delafosse96
e do cônego Marcelino Marques de Barros. Os funcionários da colônia da Guiné
eram amadores na investigação e nunca contaram "com o apoio dos sábios de profissão, que
92
MOTA, Avelino Teixeira da. O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Bissau: BCGP, Notas e
Informações, v. 8, 1953, n.32, p.643-4. 93
VALENTIM, op.cit., p.155. 94
MOTA, Avelino Teixeira da. BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.2, 1947a, n.6, p.555-6. 95
Ver Apêndice B. 96
Maurice Delafosse (1870-1926), funcionário administrativo e etnógrafo francês, deixou extensa obra sobre a
África Ocidental francesa.
54
sempre lhes faltou e foi negado."97
Porém, apesar disso, participaram de um trabalho pioneiro
que, hoje, oferece um elo com culturas africanas de meados do século XX.
Os primeiros manuscritos enviados à publicação foram considerados muito
genéricos, pois abordavam “grande extensão de pontos, (e) relativa pequenez de
profundidade”98
. Por essa razão, Teixeira da Mota orientou os colaboradores para que
fizessem observações localizadas, atentas às especificidades de cada região. Sugeriu, também,
que privilegiassem temas considerados de maior interesse, tais como a arte, especialmente
Bijagó, Mandinga e Nalú, religião, bem como a recolha de tradições históricas (orais e
escritas), na forma de lendas, mitos, contos, fábulas e provérbios. Há que ser considerado o
desconhecimento em relação à maioria das línguas faladas pelos povos guineenses, razão pela
qual seria praticamente impossível atender as orientações de Mota. Isto talvez explique a
ausência de trabalhos sobre alguns povos, tais como Sosso, Nalú, Banhum, entre outros.
O estudo das línguas locais era, portanto, muito importante, notadamente pelo fato
de que os portugueses tinham dificuldades na comunicação com a maioria dos povos
guineenses e certa resistência ao uso da língua crioula, a qual nem todos dominavam. Para
Teixeira da Mota, “o mundo das palavras é uma base de primeira ordem para o
conhecimento da vida psíquica e mesmo da social”99
das populações nativas e essa
compreensão permitiria “penetrar na complexidade da vida dos indígenas, discernir e
aprofundar os seus modos e a sua maneira de ser”100
.
O Boletim Cultural foi criado para ser uma revista colonial e, como tal, além das
orientações básicas, foi atribuída preferência a trabalhos oriundos de observações diretas pela
convivência com os povos autóctones. Assim, os manuscritos deveriam ser produto de
“pesquisas de campo”, a fim de serem evitadas distorções ou criatividades. Buscava-se a
novidade e originalidade, porém, de forma subjacente, apreender culturas para integrá-las ao
projeto estadonovista.
Segundo Fernando Simões da Cruz Ferreira (1950), presidente da 2ª Comissão
Executiva do CEGP, a observância de regras permitia que o Boletim não fosse desviado de
suas finalidades. A recusa de alguns trabalhos
trouxe ao Boletim uma série de inimizades e aborrecimentos, que desde então nunca
mais deixaram de o perseguir. Pretendia-se a todo custo fugir à literatura fácil, à
história de frases retumbantes, ao pitoresco de mau gosto, a que o Português é tão
propenso e que se revelam tão lamentàvelmente em numerosas publicações
97
MOTA, Avelino Teixeira da. BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.2, 1947a, n.6, p. 565. 98
Id. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946d, n.1, p. 184. 99
Ibid, p. 184. 100
Id. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946c, n.2, p.380. Sobre as pesquisas em torno das línguas dos povos
guineenses orientada por Teixeira da Mota ver item 1.3.2 adiante.
55
nacionais. [...] (o Boletim) estimulou ao máximo a colaboração de indivíduos de
reduzida preparação científica mas de conhecimentos notáveis sobre determinados
assuntos por virtude de uma longa prática e permanência no território. Este acto
veio a acarretar-nos a má vontade de vários cientistas. E assim começou a correr a
vida do Boletim, sempre entre a hostilidade de escrivinhadores, de um lado, e a de
alguns investigadores científicos, do outro.101
Havia tensões em torno do Centro de Estudos e da publicação, pois o estímulo à
colaboração dos membros residentes, de “reduzida preparação científica”, incomodou a
intelectualidade metropolitana. Talvez esse menosprezo não tenha sido causado apenas por
essa destacada falta de preparo. Cabe ressaltar que a maioria desses colaboradores era oriunda
de Cabo Verde e, portanto, luso-africanos, o que leva a crer que o racismo velado pairava
sobre os “cientistas” metropolitanos. Em 1953, Teixeira da Mota ressaltava que a orientação
técnica imprimida às atividades do CEGP foi criteriosa, principalmente pelo fato
de as comissões executivas serem constituídas por indivíduos de vistas largas, que
souberam ràpidamente apreender a essência dos problemas de interesse para a
Guiné e que, mercê de um activo contacto com os organismos de investigação
estrangeiros de África, sobretudo os franceses, puderam manter em dia os seus
conhecimentos sobre as tendências e evolução na investigação científica africana.
Dessa maneira, se evitou que a organização caísse no patrioteirismo histórico-
saudosista, na literatice retórica, no pitoresco de mau gosto, tudo escondendo a
falta de idéias e de objectividade, em que tão frequentemente organizações culturais
tombam entre nós.102
Os colaboradores do Boletim Cultural tinham formação diversificada. Eram
engenheiros, agrônomos, médicos, oficiais da marinha, sacerdotes católicos, alguns egressos
da Escola Superior Colonial com múltiplas ocupações e áreas de interesse. Além dos artigos
etnográficos, também foram abordados temas variados, tais como geografia física e humana,
economia e administração, direito comum e particular dos diversos povos, demografia,
botânica, zoologia, parasitologia, medicina tropical, matemática, engenharia civil (pavimentos
e construções de moradias), entre outros.
Entre os colaboradores, destaca-se Amílcar Cabral. Através de sua participação
no recenseamento agrícola de 1953, por conta de sua formação como engenheiro agrônomo,
juntou subsídios para escrever sobre práticas agrícolas da maioria dos povos guineenses.
Segundo Cabral,
o tipo de exploração agrícola (variava) de povo para povo [...] a terra é um bem
colectivo, sendo-o também os produtos das plantas espontâneas. A propriedade
privada incide sobre os produtos obtidos pela agricultura praticada pelos elementos
constitutivos da família.103
101
MOTA, Avelino Teixeira da. Id. O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.8, 1953, n.32,
p.614. 102
Ibid., p.641-642. 103
CABRAL, Amílcar Lopes. Recenseamento Agrícola da Guiné: estimativa em 1953. Bissau: BCGP, v.11,
nº43, 1956, p.11.
56
Tendo sido um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde
– PAIGC, soube aproveitar o conhecimento da região, obtido quando do recenseamento
agrícola, para articular a luta armada que desencadeou a guerra pela independência no início
da década de 1960.104
Teixeira da Mota referia-se a Amílcar Cabral como um
agrônomo com preocupações sociais (que) escreveu sobre o recenseamento
agrícola, mecanização - tema de grande oportunidade - e utilização da terra na
África Negra [...] o primeiro agrônomo a chamar a atenção para a importância dos
sistemas de agricultura indígenas, na mesma altura em que nós próprios, por outro
caminho, essencialmente geográfico, também salientámos a necessidade de estudar
a fundo tais sistemas para que se possa fazer progredir a agricultura guineense.105
Nos primeiros 10 anos de existência o Boletim Cultural foi impresso em Lisboa,
na Sociedade Industrial de Tipografia106
. Seu formato é sóbrio e todas as capas têm cores
diferentes e discretas, além de trazerem o brasão107
da colônia da
“Guiné Portuguesa”. Adotado a partir de 1935, a metrópole
portuguesa era representada na parte esquerda, em branco, com
cinco pequenos escudos azuis posicionados em cruz, cada um deles
com cinco besantes de prata108
. A colônia da Guiné aparece em preto
com um cetro em ouro finalizado pela cabeça de um negro, alusão a
D.Afonso V, o Africano, rei de Portugal ao início da exploração do
continente. Unindo as partes, ondas verdes simbolizam a ligação
entre Portugal e a Guiné através do oceano.
Cada uma das representações reforçam a alteridade e as distâncias, geográfica e
cultural, que havia entre Portugal e a Guiné. Este símbolo demonstra que a metrópole e a
colônia estão, ao mesmo tempo, estão unidas e separadas pelo Atlântico e, ainda,
subentendem-se dualidades, tais como branco/negro, colonizador/colonizado,
civilizado/inculto, poder/submissão, marcadamente presentes no reforço constante da
diferença.
104
A importante trajetória de Amílcar Cabral e do PAIGC não faz parte do escopo do presente trabalho, porém
sugere-se consultar: FRANCO, Paulo Fernando Campbell. Amílcar Cabral: a palavra falada e a palavra vivida.
2009. 178f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2009. 105
MOTA. Avelino Teixeira da. O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Bissau, BCGP, v.10, 1955, n.40,
p.649. 106
Do nº 45 ao nº 59 as edições do Boletim Cultural foram impressas ora em Bolama (números do ano de 1956),
ora na Imprensa Portuguesa da cidade do Porto, o que se manteve até os últimos números. 107
O brasão de armas foi instituído a partir de 1935 para cada uma das colônias portuguesas. Todos seguem o
mesmo padrão, exceto quanto à parte direita que guarda particularidades de cada uma delas. 108
O besante é uma peça de ouro ou prata, semelhante a uma moeda. Consta que o primeiro rei de Portugal,
D.Afonso I, adotou por brasão de armas do seu reino as cinco chagas de Cristo, com cinco besantes em cada uma
delas.
Brasão de armas da Guiné
Portuguesa - 1935
57
A circulação do Boletim Cultural era feita de várias formas: todos os membros do
CEGP recebiam um exemplar, aos autores eram oferecidas 50 cópias de seus artigos, havia o
serviço de assinaturas mediante pagamento de frete e, também as edições eram permutadas
com organismos que manifestassem interesse.109
Considerando que o índice de alfabetização em Portugal, segundo Justino
Magalhães (1996), na década de 1950, chegava a apenas 50% da população, que a maioria
dos povos tradicionais vivia em culturas orais e que a publicação foi menosprezada pela
intelectualidade metropolitana, resta saber quem eram os leitores do Boletim Cultural. A
princípio, ele pode ter servido como um veículo de comunicação e informação entre o
governo colonial e os funcionários administrativos, haja vista que isto ocorria de forma
precária. Pode, também, ter feito parte do conjunto de ações que pretendiam divulgar o
desempenho da administração colonial na “melhoria” da vida dos povos colonizados. Tendo
em vista o grande número de países europeus que recebia, graciosamente, um exemplar, é
possível supor que a publicação tenha sido utilizada como instrumento de propaganda sobre
as pesquisas “científicas”em andamento na Guiné. De qualquer maneira, o Boletim Cultural e
os povos guineenses estão intimamente relacionados. Não através da prestação de serviços ou
do entretenimento, mas pelo fato de que, através de suas páginas, seus modos de vida estão
presentes.
Ao longo dos 28 anos ininterruptos de existência (1946-1973) foram impressas
mais de 23 mil páginas110
. Cada edição trazia, em média, 225 páginas organizadas em seções
permanentes:
Crónica da Colónia (Crónica da Província a partir de 1951): descreve os eventos
oficiais, discursos proferidos, visitas recebidas e efetuadas, enfim, fornece dimensões do
cotidiano das instituições coloniais. Destinava-se a “dar conta dos principais factos de
administração que vão ocorrendo [...], dando conhecimento a uns do que outros estão
fazendo noutro canto da Guiné, contribui-se para a formação mais nítida de um espírito de
equipa”111
. Esta seção cumpriu, em grande medida, o papel da imprensa jornalística,
inconstante durante o período colonial;
109
Foram permutados exemplares com todo o “mundo português”: Portugal, Madeira, Açores, Angola, Cabo
Verde, Moçambique, São Tomé, Timor e Macau. Vários países também receberam exemplares como Alemanha,
França, Holanda, Hungria, Inglaterra, Itália, Polônia, Romênia, Rússia, China, Colômbia, Estados Unidos,
Uruguai, assim como diversos países no continente africano a exemplo da Nigéria, Senegal, Gabão, entre outros.
O Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, possui 100 dos 110 exemplares publicados. 110
No Apêndice A consta o detalhamento das 110 edições do Boletim Cultural. 111
MOTA, Avelino Teixeira da. Relatório da 1ª Comissão Executiva do Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa. BCGP, Notas e Informações, Bissau, v.2, 1947a, n.6, p.559.
58
Etnografia (a partir do nº 5 juntou-se à seção Notas e Informações): visava dar
publicidade sobre a “actividade cultural da colónia, principalmente a do Centro de Estudos
[...] (e abordar) assuntos científicos e culturais do exterior que (fosse) de interesse divulgar
por se relacionarem com a colónia ou terem utilidade para os investigadores locais.”112
A seção Econômica e Estatística tinha por objetivo informar sobre economia,
finanças, transações comerciais da colônia com a metrópole, demais colônias e outros países,
bem como trazia a contabilidade final das exportações e importações. Ao final de 1948, por
exemplo, sabe-se que 57% das exportações foram direcionadas para Lisboa. Em valores, eram
expressivas as exportações para a “Checo-Eslováquia no valor de 16.000 contos, para a
França no valor de 10.125 contos, [...] para a Inglaterra 750 contos e para a África
Ocidental Britânica 627 contos.”113
No final da década de 1940, por exemplo, os produtos
mais representativos do comércio da Guiné eram a madeira bruta, o couro, o arroz, o óleo de
palma e a cera.
A seção Livros e Publicações tinha por objetivo compilar tudo o que fosse publicado
sobre a Guiné. Sem dúvida, guarda uma base de dados historiográfica de grande valor.
A seção Aspectos e tipos da Guiné Portuguesa foi incluída no sumário das
edições a partir do nº 61 (1961), embora já existisse desde o nº 3, de 1946. Traz um total de
438 fotografias, na maioria retratando representantes de povos autóctones. Na legenda dessas
fotografias, os retratados não são referidos por seus nomes, mas por seus grupos de origem ou
gênero, deixando transparecer a intencionalidade de coisificá-los, como no exemplo a seguir:
112
MOTA, Avelino Teixeira da. O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.8, 1953, n.32, p.
616. 113
ECONOMIA E ESTATÍSTICA, BCGP, v.3, n. 12, 1948, p.1.139.
Felupe com seus instrumentos de caça.
BCGP n.71, 1963, Aspectos e Tipos da Guiné Portuguesa.
p.177)
59
Por todas as edições surgem fotografias que acompanham os artigos, num total de
3170114
. Segundo Clara Carvalho (2004b, p.131), elas atuam como uma justificativa da
colonização e, dentro do Boletim Cultural, formam três grandes conjuntos:
as fotografias dos actos oficiais, ilustrando as secções “Crónica da colónia” e
“Crónica do Centenário” (até 1947), a fotografia etnográfica e a ilustração de artigos
científicos, geralmente de veterinária ou agronomia, a que (pode-se) acrescentar os
estudos históricos que por vezes são acompanhados de reproduções fotográficas de
documentos [...] Na sua totalidade formam um conjunto de representações
iconográficas significativo sobre as actividades coloniais e expressivo da forma
como são expostos o território e as populações controladas.
Compõem, também, algumas edições do Boletim, artigos voltados à literatura,
distinguidos em dois tipos: os contos recolhidos da tradição oral e os “contos de ficção”. Os
primeiros pretendiam traduzir, para a forma escrita, o que fora apreendido no contato direto
com os diversos grupos. Nessa linha merecem destaque os trabalhos de António Carreira
junto aos Mandinga; João Eleutério Conduto e os contos Bijagó e A. Gomes Pereira e os
contos Fula. Os “contos de ficção” surgiram, em grande medida, como resultado de prêmios
de incentivo concedido pelo Centro Cultural ou pela metrópole. Fernando Rodrigues
Barragão, Alexandre Barbosa e Francisco Valoura, juntamente com Fausto Duarte, são
destaques nesse particular.
Apesar de estarem permeados de marcas preconceituosas, os “contos de ficção”
trazem registros sobre atividades comerciais e práticas locais, como o de Egídio Álvaro ao
descrever a região de Gabú-Sara, pequeno entreposto comercial no interior da colônia.115
Abordando aproximações e afastamentos em relação a sociedade tão hierarquizada quanto
diversa, encimada pela presença militar, Egídio Álvaro acompanha cipaios116
, que contam
com a parceria de povos Fula e Mandinga:
Na Administração (da vila) os cipaios aguardam nem eles sabem o quê, sentados na
escadaria. Fulas e mandingas esperam também, acocorados [...] Cipaios, felizes
nas suas atribuições, impedem a entrada à multidão [...] Um mar de gente corre já
para o celeiro. [...] Comerciantes avançam, proa branca rompendo entre as ondas
negras. [...] Soldados sorridentes em pequenos grupos discutem [...] Com cadeiras
114
Clara Carvalho (2004a, 2004b) faz uma importante análise do corpus fotográfico do Boletim Cultural.
Contabilizou 3170 imagens ou 3351 considerando o número especial dedicado à comemoração do V Centenário
da Descoberta da Guiné. 115
Pequena vila do interior da Guiné, sem divertimentos, sem variações, eternamente entregue ao mesmo ciclo
de compra e venda, de mancarra e panos, de fartura e fome, de batuques e trabalho. Limite entre o Sul
luxuriante e a fronteira leste ameaçando as secas e o deserto, meio termo entre a floresta de dois andares e
lamaçais constantes e as extensões áridas, a lama gretada, as árvores retorcidas e secas pelo Sol e pelas
queimadas, pequena, laboriosa vila, sentinela vigilante num posto avançado, ignorando se para trás ainda se
encontra alguém. Ver: ÁLVARO, Egídio. O calor, o abandono e um olhar meigo. Bissau, BCGP, v.19, n.73,
1964, p.64. 116
O cipaio (sipaio,sipai ou sipal) era uma espécie de polícia e tropa auxiliar que obedecia às ordens de um seu
superior europeu. É um termo que deriva do Persa, sipahi. Crê-se que foi uma categoria militar criada pelos
ingleses na Índia, que podia ter um subchefe não europeu. Na Guiné, auxiliavam a administração colonial, mas,
além disso, era a mão repressora utilizada pelas autoridades.
60
e bancos, os fulas tomam lugar. O espetáculo é uma festa, e eles vestem os fatos de
fazer vista. Comerciantes e militares ocupam os lugares. O comerciante é a
aristocracia da terra, o militar, é, quase, o poder e, pelo menos a força. Benévola,
sem dúvida.117
O Centro de Estudos, através de Boletim Cultural, traz informações e
impressões das quais, possivelmente, não se teria conhecimento por outros meios. Os
caminhos traçados por Avelino Teixeira da Mota, apesar de perpassados pelo dever colonial,
oferecem oportunidades sem equivalência. Segundo ele, os resultados produzidos no âmbito
desse projeto estão
sujeitos a futuras rectificações e melhor esclarecimento. Cada trabalho ou estudo é
sempre um novo passo, nunca a obra final [...]. Os trabalhos que cada um faz são
apresentados não só para esclarecer os outros, mas para que estes os completem e
corrijam quando para isso disponham de elementos [...] julgamos desenvolver a
noção da responsabilidade por parte dos autores [...] Somos poucos e, em muitos
ramos de conhecimento possuímos preparação deficiente [...] No que respeita à
técnica de estudo tem sido nossa preocupação declarada o melhorá-la. Procuramos
continuamente arejar os conhecimentos de todos, pondo-os a par dos trabalhos de
outros que se dedicam aos mesmos problemas, em qualquer parte que seja.118
Carlos Valentim conclui:
A dinamização do Centro de Estudos da Guiné, a proliferação de edições de
temática ultramarina, o incentivo ao trabalho prático, de investigação, junto das
populações da Guiné, inscreve-se, assim, num movimento cultural e científico vasto,
englobando o intercâmbio e a troca de experiências com os espaços coloniais
dominados por outras potências europeias (ingleses e franceses) na costa Ocidental
de África.119
1.3 Individualizar é preciso: fiscalizar e administrar
Até meados do século XX, a Guiné era uma colônia desconhecida, mesmo após
séculos de presença europeia. Por essa razão, em resposta às pressões do pós-guerra, o
governo português lançou mão de instrumentos para reverter tal situação. Entre eles
destacam-se os Inquéritos Etnográficos e os Recenseamentos. Dos primeiros, apenas se tem
notícia daquele aplicado em 1946, cujas informações foram, em grande parte, transformadas
em artigos do Boletim Cultural. Uma das prioridades do Centro de Estudos, quando criado,
era que fossem elaboradas etnografias locais pelos funcionários administrativos. As primeiras
117
ÁLVARO, Egídio. O calor, o abandono e um olhar meigo. Bissau, BCGP, v.19, n.73, 1964, p.67-8. 118
MOTA, Avelino Teixeira da. No limiar do 3º ano. BCGP, Bissau, v.3, 1948, n.9, p.4-6. 119
VALENTIM, Carlos Manuel. O Trabalho de uma vida. Bibliografia de Avelino Teixeira da Mota (1920-
1982). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2007, p.33.
61
monografias publicadas “consistem, aliás, num desenvolvimento das respostas aos diversos
itens que constituíam o inquérito.”120
Antes de 1940, os recenseamentos “não foram rodeados de cautelas, nem
sistematizados em condições de darem a conhecer o valor numérico da população com o
relativo rigor exigível.”121
Tinham a finalidade principal de subsidiar o governo da colônia
com informações para a cobrança de impostos. Assim, ao longo da década de 1950, houve
várias iniciativas nesse sentido, principalmente depois que da transformação do “imposto de
palhota”, cobrado por residência desde 1903, em uma “taxa per capita”. Nesse período,
o agente recenseador (preocupou-se) principal e essencialmente com a massa
suscptível de pagar imposto com o objectivo de não deixar baixar os réditos [...]
pelo facto de não ter havido o cuidado de adoptar um mínimo de precauções, os
dados apurados de 1953 em diante acusam desvios consideráveis ou anomalias
flagrantes.122
Na verdade, procuraram “individualizar”, invadindo a manutenção do sentido
comunitário de viveres concebidos por povos guineenses. Além de contabilizar a população,
era importante mantê-la sob registro. Para António Carreira
o valor educativo do registo civil e dos censos é enorme. Além do mais, concorre, de
certo modo para ir desfazendo da mente do indígena a ideia colectivista enraizada
nele pela educação do grupo. Ele passa assim a ter um pouco de personalidade
própria, e a possuir um elemento útil às suas relações com os civilizados. Esta
ideia, esta maneira de encarar o problema, parece, de certa forma incompatível ou
inconciliável com a existência de uma sociedade assente em base do colectivismo,
tal como a dos negros africanos. Entre estes o individualismo não é, pelo menos na
pura acepção do termo, conhecido. O indivíduo fica preso, da nascença à morte,
aos elementos da respectiva “classe de idades”, ao seu grupo restricto, à
comunidade familiar ou geral. Não lhe é possível repudiar a situação ou modificá-
la, das condições específicas da sua orgânica social e, principalmente, porque dela
usufrui enormes vantagens.123
Este autor conseguiu, em poucas palavras, evidenciar as diferenças, ficando explícito o
choque cultural que, já instituído, agravava-se. Era um embate de forças opostas: de um lado a
necessidade urgente de obtenção de recursos e aumento da receita portuguesa, de outro, a
manutenção de práticas e costumes ancestrais. Como era de se esperar, os mundos guineenses
caminhavam para momentos agudos e difíceis que redundaram no longo período da guerra de
libertação124
e das instabilidades, em moldes eurocentrados, no pós-“independência”.
120
CARVALHO, Clara. O olhar colonial: antropologia e fotografia no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.
In:______; CABRAL, João de Pina. (Orgs.) A persistência da História: passado e contemporaneidade em
África. Lisboa: ICS, 2004b, p.124. 121
CARREIRA, António, O Censo Geral da População de 1960. BCGP, Bissau, v.16, 1961, n.61, p.125. 122
Id. População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. BCGP, Bissau, v.15, 1960, n.57, p.54-
5. 123
Id. A educação dos indígenas africanos pela administração local. BCGP, Bissau, v.8, 1953, n.29, p.100. 124
Não é escopo de o presente trabalho adentrar sobre o tema da guerra de libertação. Sugere-se o recém-
publicado trabalho do guineense Leopoldo Amado (2012).
62
O registro civil da população foi realizado, basicamente, entre aqueles que tinham
a intenção de tornarem-se assimilados. Mais do que classificados e individualizados, aqueles
tiveram seus nomes modificados através de um aportuguesamento forçado. Alguns Josés e
Marias devem ter “nascido” nessa ocasião, porém grande parte dos povos guineenses
encontrou meios de resistir.
Por estas razões e por ter sido executado em período próximo ao Inquérito
Etnográfico de 1946, os dados obtidos no Censo de 1950 guardam relação com os artigos
iniciais do Boletim Cultural, valendo a pena serem vistos mais de perto.
1.3.1 O Recenseamento de 1950: a Guiné em números
A divisão administrativa implantada na Guiné guardou as mesmas características
da metrópole, ou seja, o território foi dividido em concelhos125
e circunscrições. Essa
“divisão” não levou em consideração que as populações autóctones não possuíam “massas
nem espaço para elas"126
, ou seja, não havia a compreensão sobre tais apropriações divisórias,
tal como presente no mundo moderno.
Divisão administrativa da Guiné Portuguesa:
3 concelhos: Bissau, Bafatá e Bolama;
8 circunscrições: Cacheu, São Domingos, Farim, Mansoa, Gabu, Fulacunda, Bubaque e Catió
BCGP n.24, 1951, p.931.
125
Concelho, em Portugal, é uma circunscrição administrativa resultante da subdivisão de um distrito. 126
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
2001, v.1, p.31.
63
A lógica colonial portuguesa da época precisava “tornar compreensível o
desconhecido, de modo a criar um controle efetivo sobre as comunidades.”127
Esse tipo de
organização buscava certo controle e construía uma malha de comunicação entre os vários
pontos do território.
O recenseamento de 1950128
, organizado por António Carreira, traduziu em
números o que Pélissier chamou de “funil de poeiras étnicas”, ou seja, a existência de mundos
plurais que conviviam, de forma diferenciada, num pequeno espaço territorial. Os números
revelados, embora não muito precisos, oferecem uma dimensão que passou ao largo das
muitas histórias escritas até hoje. Além disso, apresentam, possivelmente, o primeiro “retrato”
de uma colônia praticamente abandonada por séculos. O mérito
desta apresentação de números reside no facto de ser a primeira vez que a Guiné dá
à publicidade um trabalho do género embora, ainda, limitado na extensão. E se
outra valia não tiver, servirá para que, de futuro, os organismos internacionais não
a incluam na lista de “países, cujas estimativas e recenseamentos da população, o
referido anuário (o da Sociedade das Nações de 1939-1940) marca como incertos e
por vezes hipotéticos”. 129
Os dados obtidos em 1950, bem como respectivos comentários feitos por Carreira,
foram publicados no Boletim Cultural em vários números. Por razões não muito claras, os
primeiros informes foram divulgados entre 1951 e 1953 e os demais apenas entre 1959 e
1962, quando já se misturam a outros de anos posteriores a 1950. Para António Carreira
(1959) o descaso com os resultados era incompreensível, uma vez que, não obstante as
possíveis imprecisões, deveriam embasar as ações do governo. Considerava
indispensável fazer inquéritos sobre os movimentos migratórios da principal
riqueza da [...] Guiné (o seu nativo); do êxodo das populações rurais sobre as
concentrações urbanas de tipo civilizado; da falta de trabalho ou de ocupação ou
actividades dos destribalizados; das condições de vida dos aglomerados
populacionais das zonas suburbanas; da prostituição; da influência do islamismo
sobre as populações animistas; sobre as dietas e orçamentos domésticos das
populações rurais e suas condições de habitação; sobre as possíveis influências das
tributações na vida económica e social, etc., etc.130
Ao que parece estes problemas perduraram na Guiné, porém a política
assimilacionista do Estado Novo em Portugal, certamente somou “outros” aos já existentes.
127
FRANCO, Paulo Fernando Campbell. Amílcar Cabral: a palavra falada e a palavra vivida. 2009. 178f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2009, p.17. 128
CARREIRA, António. População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. BCGP, Bissau
1960, n.58 (divisões administrativas de Bafatá, Bissau e Farim); 1961, n.61 (Fulacunda); 1961, n.62 (Mansoa);
1965, n.65 (Bolama, Bijagós e Cacheu); 1952, n.66 (Catió e Gabu); 1962, n.67 (São Domingos). 129
Id. Apreciação dos primeiros números discriminados do censo da população não-civilizada de 1950 da Guiné
Portuguesa. BCGP, Bissau, v.6, 1951, n.21, p.162. 130
Id. A população civilizada da Guiné Portuguesa em 1950. BCGP, Bissau, v.14, 1959, n.56, p.548-549.
64
Os novos “cidadãos”, agora “destribalizados”, estavam, em grande maioria, alijados de suas
referências de vida e sem inserção no mundo colonial.
Quantificar e conhecer a população era importante para avaliar possíveis
contingentes com os quais o governo poderia contar nas futuras necessidades militares. Muito
mais importante do que isso, foi buscar a melhoria da arrecadação fiscal. Por essa razão
atingiu num mesmo período, todo o território até os mais insignificantes povoados.
[...] Pretendeu-se - e em parte isso foi conseguido - imprimir à notação uma ordem
condizente com a divisão regional dos territórios de forma a facilitar os
apuramentos, na sua especialidade, para os fenómenos locais.131
A população da Guiné, em 1950, contava com 508.970 negros “não civilizados”.
Destes, os grupos mais numerosos eram os Balanta, Fula, Manjaco, Mandinga e Papel,
conforme detalhado na tabela a seguir
População “não civilizada” - 1950132
* Balanta e Balanta-Mané **Fula do Boé (Boenca), Fula do Futa ou Futa-Fula, Fula do Toro (Toranca)
e Fula-forro e Fula preto
Desse total, 500.676 eram negros e 8.291 “mistos”, assim considerados os
de ligações matrimoniais regulares ou ilegítimas de brancos ou mistos de África
com negros puros ou já mestiçados entre si; ou do cruzamento dos homens europeus
ou asiáticos (de cor branca) ou mistos de coloração menos acentuada, em ligações
ilegítimas ou simplesmente transitórias com mulheres nativas (de cor negra ou
mista), estes em muito pequena percentagem. Como aos produtos destas últimas
ligações falta quase regra geral, o reconhecimento e adopção por parte do pai,
131
CARREIRA, António. Apreciação dos primeiros números discriminados do censo da população não-
civilizada de 1950 da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.6, 1951, n.21, p.131. 132
Ibid., p.143. (com adaptações). Consta a existência de “estrangeiros não civilizados”, oriundos,
majoritariamente, das colônias francesas fronteiriças. Segundo Carreira (1951), havia egressos da Costa do Ouro,
Gâmbia, Guiné Francesa, Marrocos Espanhol, Mauritânia, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Sudão Francês.
grupo total grupo total
1 Balanta* 152.243 14 Sosso 1.685
2 Fula** 108.402 15 Pajadinca 1.101
3 Manjaco 71.712 16 Jacanca 885
4 Mandinga 63.750 17 Cassanga 420
5 Papel 36.341 18 Banhum 267
6 Brame ou Mancanha 16.300 19 Jalofo 213
7 Beafada 11.581 20 Taná 185
8 Bijagó 10.332 21 Bambará 170
9 Felupe 8.167 22 Suruá 157
10 Cunante ou Mansoanca 6.050 23 Landumá 116
11 Baiote 4.373 24 Baga 97
12 Nalú 3.009 25 Téméné 8
13 Saracolé 2.049 26 outros 841
sub-total 502.457
ausentes 6.513
total geral 508.970
65
conservam o status jurídico e social da mãe e por isso entram no censo dos não
civilizados133
Note-se que os “mistos” eram pensados como “produtos”resultantes de ligações “ilegítimas e
transitórias”. Em grande maioria, não eram reconhecidos como filhos, deslindando um
comportamento racista próprio do homem português branco da época. A mulher da Guiné,
negra e “não civilizada”, com seus filhos “mistos”, foi, assim, usada de acordo com as
necessidades do colonizador.
Dentre a população autóctone, 1807 foram classificados como “civilizados”,
número que, ao que tudo indica, refere-se àqueles que alçaram o “direito à cidadania” e
portavam respectivos diplomas. Não obstante possíveis divergências, fica claro que, mesmo
sob fortes e contínuas pressões, os povos da Guiné não renunciaram a seus modos de vida e
práticas ancestrais.
Comparando os dados apurados em 1950 e 1991, conforme o gráfico adiante,
observa-se o expressivo crescimento numérico dos grupos islamizados, especialmente dos
Fula. Esse aumento alterou, nesse período, a composição sócio-religiosa da antiga colônia.
Em 1950, 63,5% da população “não civilizada” era adepta de religiões de matrizes africanas,
chamadas, eurocentricamente, de animistas134
, 35,6% era muçulmana e menos de 1% era
católica ou pertencente a outras religiões cristãs. Atualmente, na República da Guiné-Bissau,
cerca de 45% das pessoas são muçulmanas, os cristãos representam 5 a 8% e o resto da
população, 47 a 50%, são adeptos das religiões tradicionais135
.
Gráfico comparativo: Recenseamentos de
1950 e 1991 (Introdução a geografia
económica da Guiné-Bissau, 1991)
133
CARREIRA, António. Apreciação dos primeiros números discriminados do censo da população não-
civilizada de 1950 da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.6, 1951, n.21, p.141. 134
Animismo é a crença ou sistema de pensamento que atribui alma própria a seres vivos, objetos inanimados e
fenômenos da natureza. Tal conceito foi desenvolvido ao final do século XIX pelo antropólogo Edward B.Tylor.
Ele considerava esse tipo de crença (a totalidade da natureza como essencialmente viva através de espíritos e
divindades que habitam árvores, rios, montanhas, ferramentas, armas, etc.) o estágio mais antigo da “evolução”
religiosa. Entre outros princípios, o animismo prevê a continuidade da vida dos ancestrais após sua morte, a
interação direta com tais espíritos através da mediação de pessoas preparadas para esse fim e, principalmente, a
existência da força vital que permeia todo o universo. Assim, justifica-se a padronização utilizada por António
Carreira, porém há que se ter em conta que o termo deve ser empregado com certa reserva, pois os grupos sociais
da Guiné, retratados pelo Boletim Cultural, são bem mais complexos e ricos do que o termo permite apreender. 135
Cf. http://ec.europa.eu/delegations/delgnb/guia/6.htm. Acesso em: 15 ago. 2011.
66
A população “civilizada” de 1950 somava 8320 pessoas. Desse total, 95,6% eram
portugueses, aí incluídos os assimilados e os nascidos em colônias não abrangidas pelo
indigenato. O restante, 4,4%, eram estrangeiros vindos, principalmente do Líbano. Houve,
nos anos seguintes, uma mudança significativa em relação à nacionalidade dos estrangeiros
estabelecidos na Guiné. Segundo António Carreira, em 1959 restavam poucos alemães,
franceses, ingleses e suíços. Por outro lado, ele previa um aumento da população norte-
americana, “ainda que temporàriamente, dada a circunstância de (existirem) empresas de
prospecção de petróleos.”136
Do total da população autóctone, 309.065 foram contabilizados e classificados
segundo suas atividades, porém é preciso destacar que os elementos considerados seguiam a
ótica europeia e os resultados, provavelmente, apresentam equívocos por conta de
interpretações eurocêntricas. Os números obtidos, conforme a tabela abaixo, certamente,
contêm inconsistências, porém traçam um perfil dos ofícios e afazeres a que se dedicavam os
povos da Guiné em meados do século XX:
Atividades praticadas pela população “não-civilizada”, por gênero - Censo de 1950137
Profissões total homens mulheres
309.065 147.672 161.423
Manuais ou mecânicas da agricultura:
Pecuária e Pesca:
1-Agricultores isolados 133.913 133.913 -
2-Caçadores 21 21 -
3- Hortelões 16 16 -
4- Jardineiros 6 6 -
5- Lenhadores/preparadores de carvão 7 7 -
6-Pastores/guardadores de gado 218 210 8
7-Pescadores 303 303 -
8-Trabalhadores agrícolas não discriminados 3.122 3.122 -
Manuais ou mecânicas de caráter industrial:
Próprias dos trabalhos em metais:
9-Aprendizes de ferreiro 12 12 -
10-Aprendizes de ourives 7 7 -
11-Aprendizes de serralheiro 11 11 -
12-Caldeireiros 3 3 -
13-Ferreiros 668 668 -
14-Ourives 26 26 -
15-Serralheiros 19 19 -
Trabalho em minerais não metálicos:
16-Oleiros 39 4 35
136
CARREIRA, António. A população civilizada da Guiné Portuguesa em 1950. BCGP, Bissau, v.14, 1959,
n.56, p.551. Este dado é significativo, considerando que, atualmente, há indícios de que a Guiné-Bissau possua
reservas de bauxita, fosfato e petróleo, em alto mar, ainda não exploradas. 137
Ibid., p.748-751.
67
Trabalho em madeira:
17-Aprendizes de carpinteiro 149 149 -
18-Carpinteiros 777 777 -
19-Manufatores de canoas gentílicas 19 19 -
20-Serradores de madeira 77 77 -
Próprias das indústrias têxteis:
21-Tecelões 305 305 -
Próprias do fabrico de produtos alimentícios:
22-Magarefes 15 15 -
23-Manipuladores de pão 24 24 -
Próprias do fabrico de roupas e calçados:
24-Alfaiates 568 568 -
25-Aprendizes de Alfaiate 41 41 -
26-Costureiras 106 - 106
27-Sapateiros 315 315 -
Próprias das Indústrias Gráficas
28-Compositores tipográficos 10 10 -
Trabalho de Construção e das Obras Públicas:
29-Aprendizes de pedreiro 94 94 -
30-Pedreiros 542 542 -
31-Pintores 26 26 -
Transportes e Comunicações:
32-Ajudantes de motorista 207 207 -
33-Estivadores marítimos 116 116 -
34-Guarda-fios 28 28 -
35-Marinheiros mercantes 270 270 -
36-Marítimos não discriminados 76 76 -
37-Mecânicos 12 12 -
38-Motoristas ou condutores de automóveis 226 226 -
Outras profissões de caráter industrial:
39-Cesteiros 13 8 5
40-Eletricistas 4 4 -
41-Fogueiros 15 15 -
42-Maquinistas 9 9 -
43-Tintureiros 449 219 230
Comerciantes, Vendedores, Agentes comerciais:
44-Caixeiros de balcão 507 507 -
45-Marçanos 20 20 -
46-Vendedores e compradores ambulantes 328 328 -
Empregados de Escritório, Secretaria/Tesouraria:
47-Empregados de repartições 11 11 -
Profissões de caráter intelectual:
48-Professores não discriminados 22 22 -
49-Sacerdotes muçulmanos 14 14 -
Profissões de caráter subalterno:
50-Capatazes 16 16 -
51-Encarregados de diversos serviços 6 6 -
52-Mestres de embarcações de cabotagem 14 14 -
68
Das Forças Armadas ou Guarda e Fiscalização:
53-Cantoneiros 19 19 -
54-Cabos e marinheiros da armada 36 36 -
55-Cabos e soldados do exército 346 346 -
56-Cipaios 179 179 -
57-Guardas de estabelecimentos e serviços 15 15 -
58-Guardas de locais públicos 19 19 -
59-Guardas fiscais 6 6 -
60-Guardas florestais 51 51 -
61-Guardas noturnos 216 216 -
62-Guardas de polícia de segurança pública 107 107 -
Profissões não especializadas(auxiliares):
63-Ajudantes de tecelão 44 44 -
64-Carregadores e descarregadores 726 726 -
65-Contínuos e serventes de repartição/escritório 330 330 -
66-Cozinheiros 411 388 23
67-Criados 1.017 854 163
68-Lavadores e engomadores de roupa 658 18 640
69-Moços de recados 38 38 -
70-Pessoal de limpeza urbana 19 19 -
Outras profissões:
71-Enfermeiros 12 12 -
72-Outras profissões 41 32 9
Profissões mal definidas 187 145 42
Profissões ignoradas 1.075 603 472
Condições não Profissionais:
73-Chefes gentílicos 31 31 -
74-Domésticas 5.827 - 5.827
75-Domésticas rurais 153.863 - 153.863
Dos números apresentados nota-se que grande parte da população autóctone
desenvolvia atividades agrícolas ou pastoris. Um número expressivo de homens,
provavelmente pertencentes a grupos estabelecidos próximos aos centros urbanos de Bissau e
Cacheu, executavam atividades voltadas ao mar ou à navegação. Curiosamente, havia um
contingente nas forças armadas (marinha e exército), além de outro que compunha milícias
(cipaios). Havia apenas 22 professores, porém quase 7.000 criados e domésticas. Muitos
homens trabalhavam no comércio e na construção de obras públicas. O número expressivo de
“profissões indeterminadas” leva a crer que recenseados e recenseadores não conseguiram
chegar a um denominador comum. Talvez o desconhecimento de várias línguas locais possa
ter contribuído para tais inconsistências.
Encontram-se representadas, também, as atividades de caráter sagrado ou oculto,
isto é, aquelas cujo produto final resultava da transformação da natureza. Aí estão incluídas as
atividades dos carpinteiros (777), ferreiros (668), tecelões (305), ourives (26), serralheiros
69
(19), todas executadas exclusivamente por homens. A única exceção ocorre no caso da olaria
que é uma atividade das mulheres, notadamente entre os Manjaco, especialistas nesta arte.
Torna-se muito importante ter em conta que o trabalho dos artesãos tradicionais
tem um sentido diverso daquele entendido e pelo viés econômico eurocêntrico. Para além da
produção de um bem, esse trabalho, segundo Hampâté Bâ (1982),exerce uma função sagrada
na medida em que emprega as “forças fundamentais da vida” e se aplica a todo o ser do
próprio artesão.138
O mapa a seguir, elaborado por René Pélissier139
, oferece uma ideia aproximada
da ocupação do espaço guineense no início da década de 1950 e revela, entre outras
informações, uma interpenetração entre os diferentes grupos de modo singular:
Esse emaranhado de povos, com suas diversas línguas, cores, profissões, religiões,
aproximações e resistências, foram investigados pelos funcionários do Centro Cultural
quando da aplicação do Inquérito Etnográfico de 1946. Além dos números, era preciso
conhecer, também, os costumes.
1.3.2 O Inquérito Etnográfico de 1946
Sarmento Rodrigues levou para a Guiné os instrumentos da política colonial
“científica” articulada pelo governo do Estado Novo. Sendo grande aliado de Salazar, causa
estranheza que este o tenha nomeado para uma colônia sem grandes atrativos e considerada
138
Esse assunto tornará a ser abordado no capítulo 3. 139
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
2001, v. 1, p.27.
Ocupação do espaço pelos povos da Guiné,
1950 (mapa simplificado)
70
problemática. De qualquer forma, a par das diretrizes políticas, Sarmento Rodrigues apoiou o
desenvolvimento de uma investigação sem similar no império ultramarino português, a partir
da criação do Centro de Estudos e de seu veículo informativo, o Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa.
Os primeiros artigos publicados foram, em grande parte, fruto do Inquérito
Etnográfico de 1946 organizado por Avelino Teixeira da Mota. Como grande entusiasta da
etnografia, ele acompanhou tudo o que foi “escrito e publicado nesta área do conhecimento,
tornando-se autor de sucessivas recensões (de obras que são editadas no estrangeiro e em
Portugal) que vão aparecer nos primeiros números do Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa”.140
A “institucionalização da pesquisa etnográfica (na Guiné fez-se) no contexto da
instauração de uma nova política colonial, e (correspondeu) à instalação efectiva da
organização administrativa e militar na colônia, bem como ao desenvolvimento de estruturas
produtivas.” 141
Assim, o Inquérito Etnográfico surgiu para concretizar e dar suporte a muitas
das ações políticas pensadas numa vertente dita “científica”.
Este não foi o primeiro inquérito etnográfico aplicado na Guiné. Em 1918, 1927 e
1934 foram realizados outros com a finalidade de ser elaborado um código de justiça
“indígena”. Pouco ou quase nada se sabe acerca desses trabalhos, sendo o inquérito de 1946 o
único a ter divulgação e “muitos dos seus dados continuam a constituir uma fonte da
etnografia local.” 142
Os primeiros trabalhos publicados no Boletim Cultural foram resultado
do desenvolvimento das respostas a esse inquérito, daí a importância de conhecer como ele foi
elaborado e colocado em prática.
Ao invés do modelo de perguntas e respostas, tal como os inquéritos eram feitos
na época, “preferiu-se a enumeração dos tópicos, a citação abundante dos casos que se
podem dar, a fim de facilitar a escolha e determinação dos verdadeiramente existentes.” 143
Como o conhecimento das línguas locais foi considerado fundamental para que informações
fossem precisas e confiáveis - nem todos os intérpretes tinham disposição para colaborar com
os arguidores - o estudo da gramática foi incluído no inquérito. Utilizando 1200 palavras
básicas tentaram “garantir a uniformidade da escrita mediante a adopção de regras fixas,
140
VALENTIM, Carlos Manuel. O Trabalho de uma vida. Bibliografia de Avelino Teixeira da Mota (1920-
1982). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2007, p.155. 141
CARVALHO, Clara. O saber e o olhar colonial: política e iconografia no Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa. Soronda. Bissau, 2004a, n.8 - Nova Série, p.57. 142
Ibid., p.60. 143
MOTA, Avelino Teixeira da. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946c, n.2, p.380.
71
tudo tendente a assegurar a maior utilidade dos resultados colhidos e empregá-los em futuros
desenvolvimentos.” 144
Além do estudo dos falares locais, foi dada grande importância à “literatura
indígena”. Isto também ocorreu entre outros países colonizadores, especialmente na vizinha
África Ocidental Francesa, onde os inquéritos pretenderam registrar “de forma duradoura os
produtos da observação e imaginação indígena.”145
No entanto, a maior dificuldade de
realizar um inquérito sobre a literatura oral da Guiné, naquela época, foi a barreira linguística.
Por essa razão, existem poucos trabalhos sobre o tema publicados pelo Boletim Cultural.
O filólogo português Edmundo Correia Lopes foi contratado pelo Centro de
Estudos, em fevereiro de 1948, para iniciar estudos sobre a língua bijagó. Porém, em junho
do mesmo ano, faleceu em Bubaque e seu trabalho ficou praticamente perdido. Restaram
“notas, apontamentos e relatórios que dificilmente serão interpretados, atendendo a que
muitos dos escritos que deixou, focam os intrincados problemas da linguística”146
. Num de
seus relatórios ele destaca:
Na Guiné há problemas linguísticos que excedem em quantidade e dificuldade os de
todas as outras Colónias juntas e a fertilidade é grande também em problemas
etnográficos; e isto, com vantagem da concentração em um pequeno território sob
uma administração única. Seria simplicidade afirmar que estes problemas são
apenas de curiosidade científica. Isso seria negar a influência dos factores étnicos,
tão poderosamente diferenciados nesta Colónia.147
Depois que Teixeira da Mota estruturou a abrangência do inquérito e o modelo do
questionário, enviou uma cópia para apreciação do professor António de Almeida148
, da
Escola Superior Colonial. Após alguns ajustes, o modelo foi distribuído entre os secretários e
chefes de postos que o aplicaram nas várias regiões administrativas. O questionário possuía a
seguinte estrutura:
Parte I - Caracteres linguísticos
Cap.1 - Comunicação de ideias a curta distância
a) Gestos
b) Palavras
- classificação, afinidades e evolução
- gramática
- vocabulário
144
MOTA, Avelino Teixeira da. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946c, n.2, p.380. 145
Id. Etnografia. BCGP, Bissau, v.1, 1946b, n.3, p.623. 146
À MEMÓRIA de Edmundo Correia Lopes. BCGP, Bissau, v.3, 1948, n.12, p. 1.037. 147
Ibid., p. 1048. 148
António de Almeida (1900-1994) era membro da “Escola do Porto” organizada por Mendes Correia. Era
médico e, em 1954, efetuou pesquisas junto aos angolares de São Tomé. Para o Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa escreveu apenas 1 artigo; suas maiores contribuições foram publicadas no Boletim Geral das
Colônias, órgão de informação metropolitano. Foi professor de Etnologia e Etnografia Coloniais na Escola
Superior Colonial
72
Cap.2 - Meios de comunicação a distâncias relativamente grandes
a) Sinais Ópticos
b) Sinais Sonoros
Cap.3 - Meios de comunicar a qualquer distância, no espaço e no tempo
Parte II - Caracteres Sociológicos
Cap.1 - Vida Material
a) Alimentação
- alimentos
- preparação dos alimentos; cerâmica; moagem; conservação
- excitantes
b) Habitação
c) Higiene
d) Vestuário e adornos
- enfeites com modificação no próprio corpo
- enfeites com objetos ligados ao corpo
- fabricação de tecidos e confecção do vestuários
e) Meios de Existência
- instrumentos, ferramentas e armas
- caça, pesca, agricultura, animais domésticos
Cap.2 - Vida psíquica
a) Jogos e entreténs
b) Manifestações artísticas
- artes plásticas
- dança, música, canto, literatura e poesia
c) Religião
- tipos de religião; religião e moral
- ritos, cerimônias, sacrifícios
- sacerdócio
- influência das religiões internacionais
d) Mitos
e) Ciências
- conhecimento dos números
- geometria, cômputo do tempo, calendário, relógios,
astronomia, meteorologia, geografia, cartografia
- medicina, cirurgia
- história e cronologia
Cap.3 - Vida familiar
a) Relações sexuais e posição social da mulher
b) Casamento e família
- formas de casamento; divórcio
- filhos
- parentesco, domicílio, ausência, incapacidade, sorte dos
anciãos, morte, ritos funerários, testamento, heranças,
- sucessão
Cap. 4 - Vida social
a) Vida interna
- organização econômica e social
b) Vida Internacional
- relações simpatizantes, hostis e neutra
- transportes e vias de comunicação
73
Teixeira da Mota elencou tópicos importantes na preparação do questionário, além
de seu universo cultural. A abrangência da investigação, bem como a metodologia proposta,
demonstra, diferentemente de outros estudos coloniais, um interesse para além do aumento da
arrecadação fiscal e dos aspectos somáticos. Apesar de seu olhar eurocentrado, Mota foi
capaz de destacar que na Guiné, entre outras diferenças, havia uma gestualidade
particularmente significativa, corpos “contavam” sobre a vida de pessoas, os meios de
comunicação utilizados fugiam ao padrão do mundo “evoluído”, existia uma organização
social e familiar fora dos padrões europeus. Tudo isso precisava ser conhecido, razão pela
qual procurou mobilizar os investigadores locais para “traduzir” estas e outras diferenças para
suas formas de compreensão escritas.
O inquérito foi encarado como uma “contribuição do pessoal administrativo para
as comemorações culturais do Centenário [...] (e representava) uma base para futuros
desenvolvimentos do estudo da Etnografia da Colónia.”149
Isto não quer dizer que todos
corresponderam integralmente ao que era esperado, ou seja, muitos dos chefes de posto e
funcionários não enviaram suas repostas ou, quando o fizeram, apenas preencheram os
quesitos mais evidentes, sem grandes apreciações. Isto pode ser expressão de um
funcionalismo desmotivado e mal remunerado. Por outro lado, pode denotar as dificuldades
havidas com as populações locais, quer pela diferença das línguas, quer pela resistência dos
povos em revelar seus modos de vida.
A qualidade dos relatórios finais não foi homogênea em razão do “diferente grau
de conhecimentos gerais, conhecimentos locais, tempo de permanência na região e tempo
disponível, entre todos os funcionários.”150
Aqueles melhor elaborados foram publicados ao
longo das primeiras edições do Boletim Cultural, os mais simples e lacônicos na Seção Notas
e Informações. Algumas respostas ao inquérito transformaram-se em monografias, as quais
deram início à série “Memórias”151
, também organizada e publicada pelo Centro de Estudos,
conforme detalhado no quadro a seguir:
149
MOTA, Avelino Teixeira da. Inquérito Etnográfico: organizado pelo governo da colónia no ano de 1946.
Lisboa: Soc. Industrial de Tipografia Ltda., 1947, p.22. 150
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.22, 1967, n.85-86, p.7. 151
Dentre essas publicações, merece destaque o trabalho de António Carreira que, na ocasião do inquérito, era
administrador na região de Cacheu, além de também ter exercido funções subalternas na região durante os
períodos de 1931/2, 1935/36, 1940/41. Carreira também deixou várias colaborações junto à imprensa colonial,
bem como junto a diversas revistas: Revista do Centro de Estudos de Cabo Verde - Série de Ciências Humanas,
Raízes, Ponto & Vírgula,, Revista Geográfica, Revista Ultramar, Revista do Centro de Estudo Demográfico do
Instituto Nacional de Estatística, Revista de História Económica e Social, Cadernos de Antropologia, etc.
74
Série "Memórias" do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (CEGP)
*a partir do Inquérito Etnográfico de 1946
O Boletim Cultural publicou as respostas ao Inquérito até 1950, porém tudo
indica que muitas informações ainda estejam por revelar, principalmente pelo fato de Teixeira
da Mota, o organizador por trás desse trabalho, ter deixado suas funções administrativas para
juntar-se à Missão Geo-Hidrográfica da Guiné, em 1947. Esta impressão se confirma através
da introdução aOs Povos da Guiné. Nela, Fernando Rogado Quintino (1967, p.8) informou
que “grande parte (das respostas) - mesmo a maior parte - ficou por receber a luz da
publicidade. Donde resultou manterem-se ainda desconhecidos do público importantíssimos
elementos reunidos no inquérito.”
Por volta de 1961, Fernando Quintino, que na época da aplicação do inquérito era
chefe da circunscrição de Mansoa, recebeu de Teixeira da Mota uma cópia das respostas que
ainda estavam em seu poder152
. Esse material que serviu de fonte para Os Povos da Guiné
teve seus dois primeiros capítulos (Ambiente Físico e Biológico e Estrutura Social)
publicados no Boletim Cultural153
, juntamente com o mapa das regiões abrangidas pelo
inquérito:
152
Segundo Quintino (1967, p.8) “foram quatro as vias entregues por cada investigador. Uma é aquela que nos
veio parar às mãos. As outras três ficaram arquivadas, uma na Repartição de Gabinete, outra na Repartição
Central dos Serviços de Administração Civil e a terceira no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.” 153
Os demais capítulos estruturados por Quintino não foram publicados no Boletim Cultural. Também não há
notícias acerca de sua publicação por outros veículos.
Série “Memórias” nº /autor título ano
1-António Carreira Vida social dos Manjacos* 1947
2-Augusto J. Santos Lima Organização económica e social dos Bijagós* 1947
3-António Carreira e J. Basso Marques Subsídios para o estudo da língua manjaca 1947
4-António Carreira Mandingas da Guiné Portuguesa* 1947
5-Jaime Walter Honório Pereira Barreto 1947
6-José Mendes Moreira Fulas do Gabu* 1948
7-Vários A habitação indígena 1948
8-J. Velez Caroço Monjur-o Gabu e sua história 1948
9-Fernando S. Cruz Ferreira As tripanosomíases nos territórios africanos
portugueses 1948
10-João Tendeiro Tripanosomíases animais da Guiné Portuguesa 1949
11-Théodore Monod, A.Teixeira da Mota
e Raymond Mauny
Description de la Côte Occidentale d’Afrique por
Valentim Fernandes (1506-1510) 1951
12-António Carreira Mutilações corporais e pinturas cutâneas rituais dos
negros (questionário de inquérito) 1950
13-João Tendeiro Estudos sobre o tipo murino na Guiné Portuguesa 1950
14-Avelino Teixeira da Mota
Topónimos de origem portuguesa na Costa Ocidental
de África, desde o Cabo Bojador ao Cabo de Santa
Catarina
1950
15-João Tendeiro Actualidade veterinária da Guiné Portuguesa s.d.
75
Regiões (assinaladas manualmente
em letra de forma) onde foi aplicado o Inquérito
Etnográfico de 1946,
BCGP n.85-86, 1967, p..8
Faz-se jus aos funcionários-investigadores que aplicaram o Inquérito de 1946 e cujas
respostas transformaram-se em artigos do Boletim Cultural e/ou serviram de fonte para os
Povos da Guiné de Fernando Quintino:
CIRCUNSCRIÇÃO
Posto grupo funcionário
1 - S. DOMINGOS (sede) Baiote
Banhum
Caetano Pessoa P. de Borja
Alberto F. Pereira da Silva
Suzana Felupe
Baiote
António da Cunha Taborda
*
Sedengal Cassanga Amadeu Nogueira e
Antero da Costa Taveira
FARIM (Sede) Mandinga Antero de C. M. Duarte
Augusto do S. Monteiro
Bigene Mandinga Manuel Lopes dos Santos
Mansabá Mandinga *
2 - CANCHUNGO (sede) Manjaco António B. Carreira
Cacheu Papel
Manjaco
*
João Bernardo Viana
Calequisse Felupe
Manjaco
*
Joaquim Estevam dos Reis
Caió Manjaco *
Pecixe Manjaco *
Bula Brame ou Mancanha *
3 - MANSOA (sede) Balanta Fernando Rogado Quintino e
James Pinto Bull
Binar Balanta *
Bissorã Balanta Eugênio da Silva Levy
Nhacra Balanta *
Enchalé Balanta *
4 - BAFATÁ (sede) Fula (fôrros e pretos)
Mandinga
Luís Amilcar Pires
*
Contubo Fula (fôrros e pretos) António Campos Gramaxo
Bambadinca Fula (fôrros e pretos) Augusto de Barros
Chitole Fula (fôrros e pretos) *
5 - GABÚ (sede) Padjadinca
Fula (fôrros e pretos)
Luís Correia Garcia
José Mendes Moreira
Sonaco Fula (fôrros e pretos) *
Piche Mandinga (Padjadinca)
Futa-fula
José Queiroz de A. Pinto
*
76
Inquérito Etnográfico de 1946 - distribuição dos grupos e funcionários, p/região administrativa * não respondido ou não divulgado
A importância do inquérito constituiu-se, principalmente, pelo fato de reunir uma
documentação valiosa sobre as últimas décadas da colônia da Guiné. Através dele
abriram-se muitas linhas de investigação e colocaram-se muitos problemas que
ainda não havia sido postos. De um momento para o outro os horizontes da
investigação alargaram-se extraordinariamente. Neste aspecto pode dizer-se com
propriedade que o inquérito marca uma data no estudo os povos da Guiné
Portuguesa e vem abrir um novo e fecundo período na investigação etnográfica.154
Este trabalho coletivo, embora montado nas bases do cientificismo colonial, contribuinte da
“desmontagem” de modos de vida tradicionais, oferece pistas e abre frestas para viveres e
imaginários de povos da Guiné.
154
MOTA, Avelino Teixeira da. Inquérito Etnográfico: organizado pelo governo da colónia no ano de 1946.
Lisboa: Soc. Industrial de Tipografia Ltda., 1947, p.15-6.
Pirada Fula (fôrros e pretos) Francisco Grandão
6 - BOLAMA (sede) Brame ou Mancanha Francisco Artur Mendes e
Jorge Varela T. de Sousa
7 - FULACUNDA (sede) Beafada Camilo J. Soares Montenegro e
Octávio Gomes Barbosa
Enchudé Balanta *
S. João Brame ou Mancanha Virgínio Agostinho Júnior
Buba Fula (fôrros e pretos) António Tiago P. da Rocha
Empada Beafada *
8 - CATIÓ (sede) Balanta – Nalú *
Bedanda Sôsso
Nalú
*
Joaquim Garcia de Carvalho
Cacine Nalú António B. Morais Trigo
9 - BUBAQUE (sede) Bijagó Augusto de J. Santos Lima e
Veríssimo Fernandes
Uno Bijagó Adolfo Gomes Ramos
Caravela Bijagó Carlos Alberto da Silva
Formosa Bijagó João Faria Leitão
Canhabaque Bijagó Domingos António G. Alves
Ilha das Galinhas Bijagó Paulo José P. Guimarães
Ilha Roxa Bijagó Carlos Alberto da Silva
Caraxe e Unhocomo Bijagó Domingos A. Gomes Alves
10 - BISSAU (sede) Papel *
Safim Papel João Eleutério Conduto
Biombo Papel *
Prábis Papel Adriano Rodrigues Pires
77
CAPÍTULO 2
DESCOBRINDO A GUINÉ-BISSAU
A Guiné Portuguesa pode considerar-se um dos pontos de convergência,
segundo uns, de irradiação segundo outros, do mundo animal e vegetal da
África. Homens, plantas e bichos, raças, religiões e costumes, tudo ali se
apresenta como um mostruário maravilhoso do continente africano.
Um pouco de tudo, desde o árabe, o berbere, o sudanês – do lado setentrional –
ao banto feiticista das partes equatoriais e do Sul: os pássaros e as plantas,
vindos dos extremos dessa África portentosa, marcam na nossa
Guiné as suas fronteiras expansionistas ou o seu berço donde dispersam.1
Sarmento Rodrigues, governador da Guiné, 1948
2.1 Os tempos coloniais
A região onde está localizada a atual Guiné-Bissau foi uma das primeiras
“conquistas portuguesas” e, segundo A. Silva (1997), a mais antiga colônia estabelecida pelas
potências modernas em qualquer continente. Como possessão colonial, e por isso, designada
Guiné Portuguesa, estava inscrita no império colonial português do século XX a partir de um
conjunto de atos oficiais2, que classificava como “indígenas os indivíduos de raça negra ou
dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes se não distingam do comum daquela
raça” 3.
Por volta do século XV, diferentes povos estavam ali estabelecidos em locais
definidos e havia algumas animosidades entre eles. Basicamente decorriam de ofensas ou
desrespeito às tradições entre um grupo e outro por rivalidades surgidas ao longo do tempo. É
importante destacar que desde o século VII a região da Senegâmbia vinha passando por
pequenas e constantes mudanças. Estas ocorreram por conta da difusão do Islã, consequência
da expansão árabe que alcançou todo o norte africano.
1 RODRIGUES, Manuel Maria Sarmento. Os maometanos no futuro da Guiné. BCGP, Bissau, v.3, 1948, n.9,
p.221-2. 2 No conjunto do Império Colonial Português a Guiné era uma colônia - artigos 1º e 2º da Constituição
Política da República, 3º do Acto Colonial e 1º da Carta Orgânica do Império - de indigenato - artigo 246º,
§único da Carta Orgânica do Império. Seus naturais estavam sujeitos à designação legal de “indígena” e,
consequentemente, a um regime jurídico especial - artigos 22º do Acto Colonial e 246º da Carta Orgânica do
Império. 3 BARBOSA, Honório. Os indígenas da Guiné perante a Lei Portuguesa. BCGP, Bissau, v.2, 1947, n.6, p.343.
(artigo 2º do decreto 16.473, de 6 de fevereiro de 1929).
78
Segundo Mamadou Mané (1989), soberanos locais do antigo Sudão Ocidental4,
em especial grandes líderes dos Impérios do Mali e Songhai, foram convertidos ao Islã de
forma pacífica. Dessa conversão surgiu uma camada de seguidores responsáveis por difundir
a crença muçulmana através das rotas comerciais existentes. Estes povos islamizados
possuíam uma organização social estratificada: nobres e aristocratas, artesãos, donos de gado
e artífices especializados, tais como ferreiros, tecelões, ourives, músicos, além dos
responsáveis pela transmissão da tradição oral e pela gente comum e escravos. Entre eles o
poder político era exercido, de forma centralizada, havendo, portanto, a figura de um chefe
que contava com o auxílio de um grupo de conselheiros.
Impérios Africanos
Contrariamente à concepção eurocêntrica sobre o isolamento do continente
africano, “as comunicações entre os Berberes da orla do Mediterrâneo e os negros nunca
chegaram a cessar”.5 Essa relação fica nítida quando são consideradas as intensas rotas
comerciais existentes em várias direções. Especificamente em relação à Guiné, os
movimentos ocorriam, nos séculos XVII e XVIII, em mão dupla, quer do interior, quer do
litoral, conforme o mapa a seguir:
4 Faziam parte da região do antigo Sudão Ocidental os atuais estados do Senegal, Guiné, Mali, Burkina Faso,
Níger, Nigéria, Camarões, Chade, República Centro Africana e a Guiné-Bissau. 5 QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.893.
79
Trocas comerciais na Alta Costa da Guiné -
séc. XVII e XVIII 6
Colonizada por Portugal, cujo império, forjado ao longo de cinco séculos, perdeu
poderio rapidamente após o fim do tráfico de escravos, a região da Guiné foi relegada ao
desinteresse metropolitano após esse período.
Ingleses e franceses avançaram sobre a região e Portugal, após a perda do Brasil e
sem força política e econômica para fazer frente às potências imperialistas, viu escapar o que,
na verdade, nunca tinha sido seu. Entre 1841-1844, perdeu quase metade das fronteiras
estabelecidas no século XVI, as quais alcançavam o rio Senegal ao norte até Serra Leoa ao
sul. A França arrebatou a região do Casamança (ou Casamansa) e o rio Nunes, após o acordo
de fronteiras firmado em 18867, na sequência da Conferência de Berlim (1884-1885).
6 LOPES, Carlos. Kaabunké: espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais.
Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, p.253. 7 Dentre os assuntos discutidos, o acordo luso-francês tratou da renúncia portuguesa em relação à bacia do rio
Casamança, incluindo o porto de Ziguinchor ao passo que a França abandonou a área de Cacine, ao sul da Guiné.
O "Império” Português - séc. XVI e séc. XIX
80
Até meados do século XIX a África não atraía o interesse dos dignitários
europeus, que “não se constrangiam por ignorar sua geografia. Deixavam-na de bom grado
aos Ministros da Marinha ou das Colônias, e até a iniciativa das autoridades locais [...] não se
falava da África negra no concerto das grandes potências.”8 A descoberta de riquezas e a
possibilidade de melhor posição no cenário internacional contribuíram para que esse
desinteresse fosse transformado numa disputa diplomática sem precedentes. Essa viragem
repartiu um continente em função de propósitos unilaterais que refletiam disputas europeias
concretizadas num sem-números de tratados e acordos de ocupação e delimitação de
fronteiras.9
As ações engendradas, que desenharam uma divisão geopolítica até então
inexistente, encerraram “um processo interno de reestruturação do espaço por forças sociais e
políticas relacionadas com a história do continente no longo prazo.”10
Enquanto impérios,
reinos e comunidades autônomas eram ignorados, repartidos e redistribuídos, um quinto do
planeta passava ao domínio das potências imperialistas. Como um rolo compressor, decisões
foram colocadas em prática, sem levar em consideração costumes e tradições locais. Isto
explica, ao menos em parte, conflitos e desequilíbrios intermitentes ainda hoje presentes em
Áfricas, onde populações vivem “mal no interior das fronteiras dos Estados-Nações e colocam
com agudeza a gestão desse legado colonial que fixou fronteiras tanto artificiais como
arbitrárias.”11
Sob o novo “desenho”, a colônia da Guiné ficou encravada em meio a possessões
francesas. Os ingleses abandonaram suas pretensões sobre a Ilha de Bolama12
, porém vetaram
o projeto lusitano em relação ao mapa cor-de-rosa, o qual traduzia suas pretensões em relação
aos territórios limítrofes às colônias de Angola e Moçambique, que uniriam os oceanos Índico
e Atlântico encurtando, dessa maneira, os caminhos comerciais. Essa pretensão portuguesa
vinha de encontro à estratégia inglesa de ligar o Cairo à Cidade do Cabo, numa extensa rota
entre o Mediterrâneo e o Atlântico Sul.
8 BRUNSCHWIG, Henri. A partilha da África Negra. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 16.
9 Ibid., p.58. A Inglaterra, por exemplo, firmou 30 tratados de delimitação com Portugal; na África Ocidental,
a França firmou mais de 240. 10
BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da história regional. Sephis. Rio de Janeiro: Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 2001, p.66. (meu grifo) 11
Ibid., p.65. 12
Os ingleses fundaram uma feitoria na Ilha de Bolama no final do séc. XVII (Bolama e a Ilha das Galinhas são
as mais próximas da parte continental da Guiné). Ao reclamar sua posse, Portugal apelou para a intermediação
do presidente norte-americano Ulisses S. Grant (1869-1877) que concordou com a reivindicação portuguesa. Por
conta disso, um dos poucos monumentos erigidos na Guiné-Bissau é uma estátua em sua homenagem, a qual, no
entanto, desapareceu de seu pedestal na ilha de Bolama provavelmente após a independência da Guiné-Bissau
em 1974. A denúncia sobre o desaparecimento foi efetivada em 2007 e o processo foi arquivado sem solução.
81
Em janeiro de 1890, os portugueses receberam um memorando exigindo sua
retirada da região do Chire (atual Zâmbia, Zimbábue e Maláui). Conhecido como o Ultimatum
inglês, repercutiu de tal maneira junto à monarquia de D. Carlos I que abalou a estabilidade
do regime. Para os portugueses, foi considerado como um momento de humilhação, pois nada
era possível fazer a não ser acatar as ordens britânicas. Foi o estopim que acendeu a chama
política e desencadeou a revolta republicana do Porto no ano seguinte. A crise que sobreveio
revelou que a continuidade do colonialismo português em África necessitava de um projeto
radical onde o nacionalismo deveria retomar “a forma imperial perdida com a independência
do Brasil.”13
Era o início do fim da monarquia.
A situação no ultramar, que nunca tinha sido efetivamente controlada agravou-se.
A desorganização da metrópole espelhava-se em todas as direções. A Guiné, governada à
distância, a partir de Cabo Verde14
, estava entregue nas mãos de comerciantes e grumetes, os
quais conviviam com as populações locais dentro de um mundo paralelo. Honório Pereira
Barreto15
desabafa:
Desgraçadamente só pode dizer que nestas Possessões há um Governador, e
Commandantes: mas que não há Governo. O paiz está inteiramente desorganisado.
Todos os Empregados, desde o primeiro até o último, ignoram quaes são as suas
atribuições, e por consequência, quaes são os seus deveres: só tratam de seus
negócios, pois são negociantes. (BARRETO, 1843, apud HAVIK, 1996, p. 164)16
Na verdade, a Guiné de Cabo Verde sempre fora “um agregado muito frouxo de
feitorias” onde a escravidão e o tráfico, ora ilícitos e tolerados, a partir das proibições de
1810, 1815, 1817, 183617
, mantinham o interesse especulativo “de um governador-geral não
residente”18
, sem maiores propósitos a não ser enriquecer. No início do XIX, a situação era e
13
TRAJANO FILHO, Wilson. Pequenos mas honrados: um jeito português de ser na metrópole e nas colônias.
Série Antropologia. Brasília, n. 339, 2003, p.7. 14
Até 18 de março de 1879 a administração da Guiné era feita a partir da Colônia de Cabo Verde, razão pela
qual era conhecida por Guiné de Cabo Verde. Há autores que sugerem que a Guiné era “colônia da colônia” de
Cabo Verde. Após essa reorganização passou a ter autonomia e um governador próprio. Bolama foi instituída
capital colonial e Agostinho Coelho (1879-1881) foi o primeiro governador. 15
Honório Pereira Barreto (1813-1859) foi capitão-mor de Bissau e administrador da Guiné por quatro
períodos, não consecutivos, entre os anos de 1836 até 1859. Nessa época a Guiné era governada a partir da
colônia de Cabo Verde. 16
BARRETO, Honório Pereira. Memoria sobre o Estado Actual de Senegambia Portugueza, Causas de sua
Decadência e Meios de a Fazer Prosperar [1843]. In Walter, J. (dir.), Honório Pereira Barreto. Bissau: Centro
de Estudos da Guiné Portuguesa, 1947. 17
Em 19/2/1810 foi assinado o tratado luso-britânico, o qual proibia o tráfico na Guiné; em 08/6/1815 o
Tratado do Rio proibia o tráfico ao norte da linha do Equador; em 18/7/1817 Portugal assinou a convenção
adicional ao tratado de 1810 tornando crime o transporte de escravos em navios portugueses; em 10/12/1836 foi
proibido o comércio de escravos em todas as colônias portuguesas. 18
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841-1936. Lisboa: Estampa
2001, v.1, p.43-44.
82
precária, assim como em todo império, que passou a ser “administrado” desde o Brasil, após a
ocupação de Lisboa pelo exército de Napoleão19
.
Os portugueses estavam confinados “a uns quantos fortes e aldeias, como Bissau,
Bolama, Cacheu, Zinguichor, Geba, Farim e outros poucos, quase só ligados entre si por
navegação de cabotagem”20
. O número reduzido de colonos ficou concentrado nos
aglomerados onde acontecia a grande e lucrativa atividade da colônia: o tráfico de escravos.
Na Senegâmbia, durante o século XVI, existiu o que hoje se conhece como o
primeiro ciclo da escravidão21
, que teve um papel econômico significativo, porém de curta
duração. A Guiné fornecia escravos para Cabo Verde, assim como Angola fornecia para São
Tomé e todos, por fim, atendiam às demandas do Brasil. (MARQUES, 2006). Isto não
significa que o comércio escravista teve início nesse período, pois desde 1441 já eram
transportados negros da Senegâmbia e da Alta Guiné para Lisboa e ilhas atlânticas.
Segundo James Sweet (2007), a partir de 1518, até aproximadamente 1580,
chegaram ao Brasil escravos de origem Beafada, Fula e Mandinga. Estes grupos estavam
localizados em regiões do interior da Guiné e, provavelmente, foram alvo de pombeiros22
, vez
que os portugueses não se arriscavam a irem muito longe do litoral e das feitorias fortificadas.
Maria Celeste Gomes da Silva (2009) aponta que, durante a segunda metade do
século XVIII, a maioria dos escravos chegados ao Maranhão era oriunda dos portos
guineenses de Cacheu e Bissau. Esse comércio, realizado quase exclusivamente pela
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (CGGPM)23
, visava suprir as regiões produtoras
brasileiras com mão de obra escrava africana24
, trazendo
para o Brasil produtos manufacturados, ferramentas, utensílios, alguns géneros
alimentícios, medicamentos e escravos, trazendo açúcar, café, cacau, especiarias,
madeiras, algodão, matérias corantes, tabaco, atanados e couro. Os postos mais
importantes de abastecimentos e trocas eram Bissau, Cacheu, Cabo Verde, Costa da
Mina, Angola, Pará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, ilhas da Madeira e dos
19
Nessa ocasião D. João VI, sua corte e a maior parte de seus governo refugiou-se no Brasil, transferindo,
assim, a metrópole da Europa para a América do Sul. O Brasil, então, passou a ser o centro do império lusitano.
D. João VI retornou a Portugal em julho de 1821, deixando no Brasil seu filho Pedro como príncipe regente. 20
MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. 6 ed. Lisboa: Editorial Presença, 2006, p.522. 21
Segundo o etnólogo Pierre Verger (1987), a escravidão pode ser compreendida em quatro momentos, sendo
que o primeiro deles é conhecido como ciclo de Guiné. Este aconteceu a partir da Senegâmbia durante a segunda
metade do século XVI. Os ciclos subsequentes são: de Angola e do Congo(séc.XVII), da Costa da Mina (até
meados do séc. XVIII) e da Baía de Benim (1770-1850). 22
Pombeiros eram mercadores africanos de escravos, que se embrenhavam pelo continente, em verdadeiras
razias, e capturavam nativos para comercializá-los com os traficantes. Geralmente mestiçados, tinham
facilidades no contato com os povos locais e conheciam bem a região. 23
A CGGPM foi criada em 1755. 24
O estado do Grão-Pará e Maranhão abrangia as regiões atuais do Maranhão, Pará, Amazonas, Piauí, parte do
Ceará e os territórios do Acre, Rondônia, Rio Branco e Amapá. A sede dos governadores e capitães-generais
ficava na cidade de São Luís. Segundo Maria Celeste G. da Silva (2009) esta configuração manteve-se até o
início da segunda metade do séc. XVIII.
83
Açores.25
Apesar de figurarem outros produtos, a pauta de exportações a partir da Guiné
Portuguesa, era, basicamente, de escravos. De 1756 a 1777 saíram 20338 cativos dos portos
de Cacheu e Bissau. Outros 1920 negros apresados, dos quais 710 em Cacheu e 1210 em
Bissau, morreram nos “barracões dos portos de carga em consequência de doenças diversas,
de fugas (ou) abatidos durante a repressão de rebeliões”.26
A partir de 1775 e até 1799, a CGGPM “exportou” cerca de 910 cativos da Guiné
anualmente27
, muitos dos quais chegaram indiretamente ao porto de São Luís, redirecionados
de outros portos brasileiros. Segundo Gomes da Silva (2009), esse comércio era fruto de
acordos entre traficantes de escravos e chefes tradicionais africanos da Alta Guiné. A estes
cabia a organização dos pontos de venda - as feiras - ou a indicação de locais de concentração
dos negros resgatados para o tráfico. Entre os grupos “vendedores”, participantes ativos desse
comércio, destacavam-se os Fula28
, Jalofo, Banion e Geba. Os negros apresados, pertencentes
aos grupos Banhum, Cassanga, Felupe, Baiote, Balanta e Brame, foram transportados através
dos rios Casamansa e Cacheu, ao norte, enquanto os Balanta, Papel, Manjaco, Bijagó,
Beafada, Nalu, Mandinga e Padjadinca através do porto de Bissau.
João Fragoso (2002) apontou que as relações entre colonizadores e africanos, ao
contrário do que anteriormente se explicava, não ocorreram a partir de mera subordinação,
pois travaram parcerias em negócios altamente rentáveis e de interesse recíproco. Desde os
primeiros contatos, no século XV, os exploradores europeus encontraram, por toda a
Senegâmbia, dinâmicas internas bem estruturadas, que controlavam o espaço administrativo,
político, econômico e cultural. As elites locais acolheram os europeus como parceiros
comerciais e deles exigiam o pagamento de taxas e impostos, inclusive sobre o comércio de
escravos. Os primeiros navegadores portugueses
ficaram surpreendidos pelo grande número de espaços territorializados na
Senegâmbia (reinos, impérios, etc.) que aí existiam desde há muito e que tinham
dado à zona uma fisionomia uniforme. Do rio Senegal, ao Norte, ao Rio Grande, ao
Sul, passando pelos rios Gâmbia, Casamança e Cacheu, tinham-se afirmado como
entidades políticas autônomas os espaços Peul-Denianke, Wolof-Serer, Kaabunke
(Kaabu), Kassanga (Kasa), Papel-Brame, Biafad, etc. [...] (havia) três principais
focos motores políticos: o conjunto Folof-Salum (entre os rios Senegal e Gâmbia); o
25
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO (catálogo). Cia Geral do Grão-Pará e Maranhão. 26
CARREIRA, António. Os portugueses nos rios da Guiné (1500-1900). Lisboa: s.n., 1984, p.66. 27
Id. As companhias pombalinas de navegação, comércio e tráfico de escravos entre a costa africana e o
nordeste brasileiro. Lisboa: Ed. Presença, 1983, p.20-21. 28
Conforme apontou James Sweet (2007), alguns Fula foram vendidos como escravos e trazidos para o Brasil
no século XVI. No séc. XVIII, após sua penetração maciça no interior da colônia da Guiné, passaram à condição
de vendedores.
84
Kaabu, controlando a Gâmbia, o Alto Casamança e o rio Geba; o Kasa, que deu o
nome ao rio Casamança.29
A partir do século XVIII o continente africano passou a ser alvo de disputas pelas
potências europeias. Portugal ficou à margem desse movimento, na dependência do capital
estrangeiro, especialmente o inglês30
, que aniquilava o controle nacional de parte da pequena
indústria existente no país. Lisboa contava com seus espaços ultramarinos e nas
oportunidades de negócio que ofereciam ou poderiam oferecer. Entretanto, as demais
potências europeias vislumbravam as mesmas oportunidades e buscavam avançar ainda mais
sobre essa fonte de riquezas por desbravar.
Perdendo a primazia do autoatribuído “direito histórico” de ocupação31
sobre os
espaços alcançados ao longo dos séculos, os portugueses foram impelidos a traçar estratégias
para transformar suas possessões em território, efetivamente, português. Em decorrência,
“várias comissões de cartografia, missões geográficas e operações militares complementaram
as tarefas básicas iniciadas pelos exploradores dos Oitocentos”32
. Na verdade, uma “nova”
política colonial começava a ser aplicada pelos portugueses, pois
gostando ou não, entendendo ou não, para que as nações colonizadoras se
estabelecessem, o respeito aos usos e costumes dos naturais da terra tinha de ser
observado para que o mínimo de organização fosse alcançado, porquanto era
necessária a colaboração dos naturais da terra para que os objectivos dos
colonizadores, seja de povoação, seja de exploração das colónias, fossem
atingidos.33
Assim, por volta de 1880, os portugueses intensificaram as Campanhas de
Ocupação e Pacificação34
na Guiné, embora já ocorriam desde o início do século XIX. Várias
operações militares investiram contra os Balanta, Papel, Felupe, Manjaco e Bijagó, refratários
à colonização. Uma das figuras de destaque desse movimento foi o capitão Teixeira Pinto.
29 MANÉ, Mamadou. Algumas Observações sobre s Presença Portuguesa na Senegâmbia até ao séc. XVII.
Revista Icalp, Lisboa, v. 18, dez.1989, p.6. 30
No início do séc. XX a Inglaterra absorvia 70% das exportações portuguesas tornando, assim, a dependência
econômica um peso insustentável para Portugal. 31
Entre outras deliberações, na Conferência de Berlim ficou definido o “princípio de ocupação” de territórios
coloniais em detrimento do “princípio do direito histórico”, ou seja, era preciso ocupar para definir a
“propriedade” e manter o direito à possessão colonial. Além disso, as nações colonizadoras deveriam envidar
esforços no sentido de levar “civilização” e proporcionar melhorias à vida dos povos colonizados. 32
MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. 6 ed. Lisboa: Editorial Presença, 2006, p.522. 33
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. África e Africanidades, São Paulo,
n.11, nov. 2010, sem paginação. 34
Os portugueses empregam o termo “pacificação” em alusão às campanhas militares levadas a efeito na Guiné
desde o século XIX. Considerando que o termo transmite a ideia de conciliação, concluir que alguns grupos
tenham sido pacificados, nesse momento, é um tanto equivocado. Muitos lutaram pelo direito de não serem
civilizados e não pagar impostos, pois estes, na verdade, não geravam qualquer espécie de benefício. À custa de
muitos confrontos e mortes, os portugueses, ladeados por parceiros locais, mantiveram um frágil controle sobre
grupos mais resistentes. Somente em 1936 os Bijagó assinaram um acordo “paz”, após terem sofrido muitas
perdas. As campanhas militares portuguesas no território da Guiné são ricamente detalhadas nos dois volumes da
obra de René Pélissier História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936).
85
Nascido na colônia de Angola, em 1876, liderou a “pacificação” entre os anos 1913-1915 e,
com a prática adquirida nos dez anos em que conduziu a “política indígena” angolana, agiu
“na Guiné com a brutalidade de um condottiere e o encarniçamento de um administra-
cobrador de impostos que andou na dura escola do Sul de Angola, a mais severa do Ultramar
do seu tempo.”35
Teixeira Pinto atuou na Guiné com o apoio de um exército de mercenários
liderados por Abdul Indjai. Nascido no povo Wolof (Senegal), Injai, que fora nomeado
tenente de 2ª linha do exército português em 1914, era muçulmano e liderava muitos
combatentes. Após as vitórias ao lado de Teixeira Pinto, recebeu, em 1916, do governador
colonial, como prova de reconhecimento por seus serviços, o regulado de Oio.
Posteriormente, recusou a submeter-se à autoridade colonial e ao pagamento de impostos, o
que motivou ações militares contra ele e seus seguidores. Abdul Injai entregou-se, foi
destituído de seu regulado e de sua patente em 1919. Foi condenado à deportação em
Moçambique, porém morreu em Cabo Verde. A aliança entre Teixeira Pinto e Abdul Indjai
conjugou
os interesses do Estado português na dominação efectiva do território e os interesses
dos grupos fula do interior na conquista e submissão das populações locais, iniciada
no século XIX [...] Esta aliança permitiu ao pequeno exército português submeter a
maioria das populações do território entre 1913 e 1915, embora tenham continuado a
existir focos de resistência, originando sublevações pontuais, até 1936.36
Ao longo do período colonial ocorreram diversos movimentos de resistência e
insubmissão por parte das populações locais, como, também, ações de apoio e cooperação. Na
verdade, “desde os primeiros tempos houve ambos os lados da medalha, a hostilidade e a
hospitalidade, a reação e a submissão, o compromisso e a revolta”37
.
Os portugueses conviveram com mundos plurais, cuja diversidade cultural era
praticamente desconhecida e aquém de sua compreensão. A maioria dos povos estava
estabelecida naquela região desde tempos imemoriais, dividiam-se em vários grupos
linguísticos, com características marcadamente diferenciadas, conforme mapas a seguir:
35
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
v2, 1997, p.45. 36
CARVALHO, Clara. O olhar colonial: antropologia e fotografia no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.
In: ______; CABRAL, João de Pina. (Orgs.) A persistência da História: passado e contemporaneidade em
África. Lisboa: ICS, 2004b, p.121. 37 AUGEL, Moema Parente. O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da
Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, p.57.
86
Povos da Guiné-Bissau, por região. (simplificado)
Guiné-Bissau e Guinée: mapa linguístico
87
Embora diferentes, os povos guineenses possuíam alguns aspectos em comum:
falavam línguas aparentadas, utilizavam, em geral, instrumentos de ferro e possuíam uma
cosmogonia singular. Não se achavam organizados “segundo formas tradicionais de realeza,
constituindo antes clãs independentes ou tributários”38
. Tal miríade de estruturas e de
transgressões foram, certamente, obstáculos à ocupação e à exploração dos espaços,
notadamente para um “império” decadente e despreparado. Compreender como esses grupos
estruturaram-se no espaço guineense explica, ao menos em parte, o panorama da Guiné de
meados do século XX.
2.2 A ocupação do chão guineense
Classificar os povos guineenses é um desafio, pois qualquer critério utilizado
corre o risco de deixar escapar algum aspecto importante. No entanto, considerando o estágio
atual dos estudos sobre a Guiné-Bissau, os quais ainda são incipientes, há classificações que
podem ser utilizadas para melhor compreensão acerca desse espaço e de seus habitantes.
Leila Hernandez (2005), por exemplo, aponta que na Guiné-Bissau há quatro
grandes grupos etnoculturais na região litorânea:
os Felupe (Diola ou Diula) e os Balanta (mais numerosos),
os Manjaco (incluindo Papel39
) e os Banhum,
os Beafada e Nalu e
os Bijagó, Cocoli e Padjadinca (habitantes do arquipélago dos Bijagó).
A característica comum a estes povos, segundo a autora, é a centralidade da família como
unidade política e econômica tornando-as, assim, sociedades horizontalizadas. Na região do
interior há dois outros grandes grupos:
os Mandinga (guerreiros, comerciantes, agricultores, convertidos ao Islã
desde o século XII) e
os Fula (islamizados).
Campbell Franco (2009) também caracteriza os povos guineenses de acordo com
sua localização. Do litoral relaciona aqueles citados por Leila Hernandez, à exceção dos
Cocoli e Padjadinca acrescentando, porém, os Mancanha (ou Brame), Baiote e Sôsso.
Estabelecidos no interior, também menciona os Fula e Mandinga.
38
MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. 6 ed. Lisboa: Editorial Presença, 2006, p.525. 39
Segundo Pélissier (2001), os portugueses chamavam de Papel o povo que se estabelecera mais ao interior,
entre os rios Cacheu e Mansoa, e de Manjaco aquele localizado mais para o litoral. Para aquele autor, as
diferenças existentes entre esses dois grupos eram difíceis de serem detectadas e o “verdadeiro” grupo Papel
estaria concentrado na ilha de Bissau.
88
Outro tipo de diferenciação40
, mais detalhada, distingue-os de acordo com sua
região de origem:
Sahelianos: Boença ou Fula Burué; Futa Fula (Fula do Quebo ou
Quebunca; Fula do Futa Toro ou Toranca); Fula Forro ou Fulacunda e
Fula Preto,
Sahelo-Sudaneses: Mandinga; Oinca; Jãcanca; Saracolé; Bambarã;
Sarna e Jalofo,
Sudaneses Meridionais: Padjadinga ou Badjaranca e Tanda,
Recalcados Subguineenses: Felupe; Baiote; Balanta de Naga; Balanta
Mané; Balanta de Xá ou de Canja; Banhum; Cassanga; Cabiana;
Manjaco; Papel; Brame; Beafada; Nalú; Sôsso; Jalonca; Bijagó; Baga;
Landumã e Temene.
Cabe salientar que os povos da Guiné não tinham concepções de fronteira, ou
seja, marcos ou divisas imaginárias que os apartassem uns dos outros. As divisões espaciais
foram concebidas pela administração portuguesa, que nomeou e “dividiu” a colônia em
regiões administrativas. A tentativa de utilizar os mesmos padrões da metrópole esbarrou
numa ocupação de território que fugia à lógica colonial. Pequenos espaços, especialmente na
região costeira, eram, por vezes, ocupados por mais de um grupo, muito em razão de
movimentos populacionais importantes ocorridos ao longo dos séculos. Isto fica evidenciado
pelo mapa elaborado, em 1954, por Avelino Teixeira da Mota:
“Carta étnica das densidades da população”, por Avelino Teixeira da Mota, 195441
A interpenetração das várias culturas é facilmente percebida, cabendo realçar que o grupo
Bijagó é o único exclusivamente estabelecido na região insular, não sendo observada sua
presença, ao menos em quantidade significativa, fora do arquipélago.
40
Cf. www.forumafrica.com.br/pais%20guine.pdf. 41
BALDÉ, Saico. BUBA-QUEBO: corredor de desenvolvimento no sul da Guiné-Bissau. 2008, 122f.
Dissertação (Mestrado em Estudos Africanos) - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa,
Lisboa, 2008, p.66.
89
Assim como a “divisão” territorial, os nomes atribuídos pelos portugueses aos
diversos grupos da Guiné foram arbitrários, ou seja, a lógica colonial arvorava-se o direito de
desconsiderar o que estivesse posto. Quanto a isto, Fernando Rogado Quintino concorda que
nenhum dos grupos sociais tinha “a noção do que (era) etnia, ou etnónimo, ou mesmo
raça.”42
e, em geral, “aceitavam” as designações dadas pelos europeus, porém mantinham as
suas próprias designações nas relações entre si, de certa forma, também desconsiderando o
que lhes era imposto.
António Carreira considerava que os nomes aportuguesados atribuídos aos
diversos grupos autóctones prevaleceram sobre as designações tradicionais “porque estas
fossem mais difíceis de pronunciar ou porque a sua diversidade e o desconhecimento
pormenorizado da região por parte de elementos estranhos dificultariam a pronta
identificação de cada povo.”43
O fato é que a complexidade das línguas faladas na Guiné não
permitiu que os portugueses, apesar de esforços esporádicos, mantivessem uma comunicação
em níveis razoáveis com seus “colonizados”. Até meados do século XX, nos primeiros anos
da publicação do Boletim Cultural, muitos artigos veiculavam esse fato e clamavam por ações
da metrópole a fim de revertê-lo.
Não obstante as concepções pretensamente superiores do colonizador, conclui-se
que não foram suficientes para alcançar as estruturas mais profundas presentes na maioria dos
povos guineenses. Os termos classificatórios utilizados, em qualquer nível, não puderam
encobrir, mesmo nas tentativas mais esforçadas, o universo rico e diferenciado com o qual se
defrontaram. Ao contrário, apesar do esforço em suprimir formas diversas de vida e
mundividências culturalmente diferenciadas, os povos da Guiné resistiram de várias maneiras
e mantiveram presentes, de forma mais ou menos velada, seus costumes, valores e tradições.
Fernando Quintino (1969) oferece alguns exemplos sobre a designação que certos
grupos atribuíam a si próprios. Os Felupe, por exemplo, referiam a si mesmos como
Kadjamát. Nos documentos mais antigos o etnônimo44
aparece grafado como Falupe, Flupe,
Fulupe, Halupe, entre outras formas e também há referências a um Mansa (rei) Falupe.
Os Baiote designavam-se Kassikenei e, na época do Inquérito Etnográfico de
1946, havia a ideia de que eram culturalmente próximos aos Felupe, embora falassem línguas
muito diferentes o que torna tal aproximação arriscada. Os Banhum eram os Iagar e os
42
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.873. 43
CARREIRA, António. A etnonímia dos povos de entre o Gâmbia e o estuário do Geba. BCGP, Bissau, v.19,
1964, n.75, p.262. 44
Etnônimo é a “palavra que designa o nome de tribo, casta, etnia, nação etc.”, cf. Dicionário Aulete Digital
disponível em http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital.
90
Cassanga, Ilhadja. Os primeiros referiam-se a estes como Eguechá, assim com os últimos
referiam-se aos primeiros como Eaer ou Uaer.
Sobre o etnônimo Manjaco (Mandjaco), Fernando Quintino o traduziu como eu
disse (Man=eu + Dja=disse + Co= partícula reforçativa da afirmação). Afirmou, também, que
a “expressão (era) frequentemente usada pelo grupo, no decorrer da conversação, à maneira
de estribilho. Passou a funcionar como alcunha e, com o rodar dos tempos, como
etnónimo.”45
É interessante considerar que as repetições são recursos linguísticos da
oralidade, que as utilizam no processo de memorização e transmissão. Segundo Anete Di
Gregório
O reuso (duas ou mais vezes) dos mesmos ou de parecidos segmentos linguísticos na
cadeia discursiva contribui para a leveza textual, criando condições facilitadoras
que, por um lado, permitem ao ouvinte ter tempo de assimilar melhor as
informações, por outro, propiciam ao falante as circunstâncias precisas não só para
(re)organizar o seu discurso, mas também para acompanhar e avaliar a coerência
textual. [...]a repetição não é apenas uma simples característica da língua falada. Ela
assume diversas funções, tornando-se, por conseguinte, essencial em uma gramática
da textualização nessa modalidade de língua.46
O grupo Brame (ou Mancanha) designa-se e é conhecido como Bau-lé ou Ba-
hula. Os Beafada são conhecidos e também se autodenominam Djola (Bedjola no plural). Nos
documentos mais antigos, são apontados como os Beafar (Beafares, no plural). No apogeu da
dominação dos Mandinga, estes os denominavam Djola, assim como a todos os povos
subjugados, pagadores de impostos, como os Felupe e Balanta. Após o declínio da hegemonia
Mandinga, o termo passou a qualificar indivíduos considerados culturalmente “inferiores”, ou
seja, que não foram influenciados por aquele grupo.
Fernando Quintino destacou que a tradição local afirmava que
os Beafadas vieram do Oriente, da região chamada Mândè, região que
abandonaram quando a propaganda do islamismo assumiu ali forma violenta. Na
caminhada para o litoral, estabeleceram-se primeiro no Firdú, que englobava as
terras de Patchana e Patchisse, rumando depois para Oio. Aqui se repartiram - diz
ainda a tradição - dirigindo-se num, núcleo para o Corubal (para a região de
Binala) atravessando o estuário de Geba. Binala traduz-se por isto é nosso.O grupo
que se dirigiu para Corubal foi mais tarde dali desalojado por fulas, estabelecendo-
se em Cubisseco. 47
45
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.873. 46
DI GREGÓRIO, Anete Mariza Torres. A Repetição-marca da oralidade no discurso literário de Adriana
Falcão. In: CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, 9., 2005, Rio de Janeiro.
Anais...Rio de Janeiro: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos, 2005. s/paginação. 47
QUINTINO, op.cit, p.884.
91
Os Nalu designavam-se Bunale e, segundo a tradição local, teriam saído do Futa
abandonando a região do Mande sob o comando de Sundjata48
. Entre várias regiões fixaram-
se, por fim, em Bigine, que pode ser traduzido por viemos. Com relação ao etnônimo Bijagó a
hipótese mais aceitável em relação à sua origem, segundo Rogado Quintino (1969), aponta
para o vocábulo odjogô, cuja tradução é pessoa inteira. Assim, Be-odjogô, na forma plural,
significaria pessoas inteiras. Bidjogô e Bijagó representam “variantes, a primeira forma
crioula e a segunda portuguesa” do vocábulo original.49
Nas relações entre si e com outros grupos, os Balanta denominam-se Beraça ou
Braça. Em português são designados, geralmente, de acordo com sua localização: Balanta de
dentro ou Balanta Bravo (interior) e Balanta de fora (litoral). Estes tiveram maior contato
com os Beafada e julgavam-se deles aparentados. Aqueles que sofreram maior influência
mandinga são conhecidos como Balanta-Mané. Segundo Quintino, “com esse apelido (Mané)
pretenderam os balantas submetidos passar por nobres junto dos restantes do grupo.”50
Há,
também, referências aos Balanta-Mané como sendo os Tilidjinca, designação mandinga que
significa gente que fica do lado poente.
António Carreira (1961a) atribui certa afinidade entre os Balanta, Felupe e Baiote,
os quais acreditavam descender de um mesmo tronco, embora bastante mestiçados. Tendo
permanecido por muito tempo no mesmo território, possuíam, segundo este articulista, certa
unidade de crenças, usos e costumes, além de interesses comuns. Fernando Quintino também
aponta afinidades entre os Manjaco, Papel e Brame concluindo, a partir delas, que no passado
constituíram um só grupo. “Estruturados em reinos distintos, passaram a olhar-se
sobranceiramente, o que não impedia que a gente dum grupo, sobretudo mulheres e crianças,
frequentassem as feiras realizadas no chão do grupo diferente.”51
Apesar das similaridades apontadas, é bastante imprudente aproximar os povos
apontados sem um estudo mais apurado. No entanto, os portugueses não dispunham de
referencial teórico que permitisse a construção de análises mais aprofundadas. Cabe, apenas,
destacar suas observações decorrentes da convivência com os diversos grupos, fazendo,
portanto, as ressalvas devidas.
Apesar da proximidade física em que viviam, os autóctones constituíam grupos
mais ou menos fechados, mas não isolados. Possuíam organização sociopolítica própria, além
48
Sundjata Keita (c.1217-c.1255), heroi Mandinga, imperador do Mali, “seguia a palavra de Deus
rigorosamente; protegia o fraco contra o forte; as pessoas consumiam vários dias de marcha para vir pedir-lhe
justiça. Sob seu sol, o justo foi recompensado, o perverso foi punido”. (NIANE, 1982, p.119). 49
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.887. 50
Ibid., p.881. 51
Ibid., p.874.
92
de uma economia de subsistência que lhes proporcionava relativa autonomia. Cada qual era
dono do seu chão (tchon, em crioulo), território cuja “propriedade” era atribuída ao grupo que
primeiro ali se estabelecesse. Por conta dessa prioridade, o nome do chão era definido pela
geração52
primeira ocupante.
O povo dono do chão (dunu di tchon) assumia “certo poder sobre todos os
indivíduos e grupos que sucessivamente vie(ssem) morar neste tchon, mesmo os de outras
etnias”53
. A relação entre os ocupantes e seu chão guardava um sentido sagrado, ou seja, o
homem e a terra mantinham uma interação algo incompreensível para outras culturas. Aos
portugueses, isto soava desafiador, tal como relatou, indignado, o comandante Teixeira Pinto:
O atrevimento dos Papeis era tal nas ruas de Bissau, que se cruzavam com algum
europeu na rua, em lugar de se afastarem, pelo contrário esbarravam com o europeu
e, com um encontrão, afastavam-no. Quando algum branco ia passear para fora da
vila, logo a cem metros, era frequente encontrar um Papel que lhe dizia para voltar
para a vila, porque aquele chão não era do Governo – era deles.54
Um grupo pode estar constituído por diferentes gerações, conforme Quintino
(1969) exemplificando os sete clãs55
do povo Papel, cada um guardando relação com um
animal: Intchassu (onça), Intsutu (urso formigueiro), Intsáfintê (lebre), Intsó (sapo),
Indjókomô (hiena), Iga (cabrito do mato) e o Intsátê (macaco). Da mesma forma, os Beafada
reuniam três “gerações”: Málobal (onça), Mássene (jiboia) e Mabadje (gundugu, ave-de-
rapina). A família Intchassu era a detentora do poder e possuía o apelido de Nanke - onça -
símbolo da força. Da mesma forma, é possível inferir que o mesmo ocorria com o clã Málobal
dos Beafada.
O grupo Papel, também conhecido por Pepel, possui uma lenda de origem que
fala de um caçador chamado Mecau, da família Buduque, filho de um poderoso régulo de
Quinara, região próxima à ilha de Bissau. Quando Mecau esteve nesta ilha ficou fascinado
pela região. Ali se estabeleceu com sua irmã mais velha, Punguenhum, e suas seis mulheres e,
a partir delas, constituiu-se aquele clã. Essas representações revelam as estreitas interações
que os povos da Guiné, e os africanos de modo geral, mantêm com o mundo animal, vegetal
52
Geração (gerasson, geraçom, dgèracom ou djorson) é a designação do grupo social ao qual cada um dos
componentes está vinculado, entendendo serem descendentes de um ancestral comum através de laços de
parentesco. 53
BICARI, Lino. Reorganização das Comunidades Rurais: base e ponto de partida para o desenvolvimento
moderno da Guiné-Bissau. Soronda Revista de Estudos Guineenses, Bissau, n.8 Nova Série, jul.2004, p. 135. 54
PINTO, João Teixeira. A ocupação Militar da Guiné. Lisboa, Agência Geral das Colónias, Divisão de
Publicações e Biblioteca, 1936, p. 183. (meu grifo) 55
De acordo com Hoebl e Frost (2006, p.227), a diferença entre linhagem e clã é que os membros daquela
“podem realmente remontar as suas genealogias de descendência comum até um passado conhecido, enquanto
que os membros do clã não o podem”. Os membros de um clã acreditam em uma descendência comum, a qual
assume uma explicação mítica que dá fidedignidade à sua origem.
93
e mineral, onde o humano não está à parte desses mundos, ao contrário, juntamente com eles,
conforme Hampâté Bâ (1982), compõe um só mundo.
Árvore genealógica da tribo papel.
De Mecau, caçador oriundo de Quinara, casado com seis mulheres,
e da sua irmã Punguenhum, procede toda a tribo.
Cada uma das suas sete ‘gerações’ possui um totem, que lhe serve de apelido.
(Desenho e legenda reproduzidos de F. Rogado Quintino, BCGP, n.66, 1962, p. 343)
2.2.1 O continente
O interior da Guiné é o chão natal de muitos grupos que migraram para a região
litorânea que, em 1950, era a mais populosa da Guiné, notadamente em razão de ser a mais
rica do ponto de vista agrário. No interior, as culturas eram do tipo itinerante, isto é, o cultivo
dependia do desmatamento de áreas que, com o passar do tempo, provocavam o esgotamento
do solo e, consequentemente, obrigavam a repetição do método em novas áreas. Os povos da
Guiné são essencialmente ligados à terra, “e a agricultura não é apenas a base da economia
guineense: é a própria economia da Guiné. Sem ela, nem alimento, nem comércio, nem
indústria.”56
56
CABRAL, Amílcar. Acerca da contribuição dos “povos” guineenses para a produção agrícola da Guiné.
BCGP, Bissau, v.9, 1954, n.25, p.772.
94
Segundo Fernando Quintino (1969), os portugueses encontraram, de início, a
região entre os rios Gâmbia e Geba dominada pelos
Mandinga57
(Mandinka, Mandingo, Malinké),
organizados em vários reinos: Cantor, Niani, Uli,
Cabu e Brasso. O povo Mandinga faz parte de uma
grande família que se estabeleceu na região do
Mande58
, no Sudão Ocidental, ao longo do rio
Níger, onde floresceu o Império do Mali (cerca do
séc. XIII). Ao chegarem à região da Guiné, o povo
Mandinga ocupou “uma parte do Oio, desalojando
núcleos Balanta que ali se encontravam, os quais
tinham já antes dali expulsado os Banhuns ou
Banhulos”59
.
Sobre a presença Mandinga e Soninqué60
na Guiné, António Carreira aponta a
possibilidade de terem ocupado os espaços com o consentimento dos “donos do chão”, pois
a organização política de Mandingas e Soninqués era fraca, de pouca coesão,
limitada a règulados e chefados de pequena área e de escassa população [... e]
nunca tiveram organização militar eficiente para dominar e converter os
animistas61
. Por essa razão a par de pequenas lutas sem relevo, usaram mais
métodos pacíficos de dominação cultural, pelo comércio, pelo casamento com
mulheres de etnias diferentes e pela boa convivência.62
57
O termo Mandinga também se refere a um grande grupo linguístico do oeste africano pertencente à família
Níger - Congo. Segundo Carlos Lopes (2005, p.11, nota 6) nessas línguas os “sufixos ‘nké’ (‘nquê’ na
transcrição para o português) ou ‘nka’ representam a ideia de integração e território (‘o país de’ ou ‘o povo de’),
como, por exemplo, ‘mandenka’ que, obviamente, está na origem da terminologia ‘mandinga’.” Assim, para
outros povos oriundos da região do Mande ou influenciados pela cultura mandinga, o sufixo está presente, como
em Soninquê ou Kaabunquê, entre outros. 58
O Mande é uma região do Sudão Ocidental, no entorno do alto curso do rio Níger. Ali surgiu o Império do
Mali e muitos grupos dali expandiram-se para outras regiões do continente africano. 59
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.888. 60
O grupo Soninqué (Soninké, Sarakolé, Saracolé, Saraxole, Serhuli, Serakhulle), também é da família
Mande. Segundo Olson (1996), foram islamizados a partir do século XI sob as missões Almorávidas. São
considerados fundadores do Império de Ghana (cerca do séc. IV ao séc. XI) e, segundo sua própria tradição oral,
seriam descendentes dos Berbere do norte da África. 61
O termo animismo/animista foi desenvolvido ao final do século XIX pelo antropólogo inglês Edward
B.Tylor. Ele considerava esse tipo de crença (a totalidade da natureza como essencialmente viva através de
espíritos e divindades que habitam árvores, rios, montanhas, ferramentas, armas, etc.) o estágio mais antigo da
“evolução religiosa”. Entre outros princípios, o animismo prevê a continuidade da vida dos ancestrais após sua
morte, a interação direta com tais espíritos através da mediação de pessoas preparadas para esse fim e,
principalmente, a existência da força vital que permeia todo o universo. Este conceito, muito utilizado pelos
autores do Boletim Cultural, guarda um sentido eurocêntrico, razão pela qual sua utilização deve ser
compreendida naquele contexto. Hoje é sabido que as religiões de matriz africana são bem mais complexas e
ricas do que o termo pretendeu explicar. 62
CARREIRA, António. Evolução do islamismo na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.21, 1966, n.84, p. 408-
412.
Mande (Império do Mali)
95
Os grupos que ocupavam a região que acolheu a presença Mandinga e Soninqué -
Balanta e Beafada entre outros - sofreram maior ou menor influência, inclusive em relação à
adoção da religião muçulmana. É importante deixar claro que tal “conversão” ocorreu entre os
membros mais elevados dos grupos, sendo que os demais mantiveram suas práticas e
costumes tradicionais. Seria, portanto, um equívoco supor que os negros “convertidos” da
Guiné o foram de fato, pois as práticas tradicionais sempre conviveram com a “nova” religião
adotada.63
A religião muçulmana foi adaptada segundo cada grupo. Entre os Banhum,
Cassanga e Balanta-Mané, por exemplo, o consumo de carne de porco e a ingestão de álcool
não eram proibidos. A influência mandinga ocorreu, especialmente, em relação à língua, à
maneira de obter o cônjuge, nos trajes, nos adornos, nas marcas corporais e nos tipos de
habitação.
Conforme Hampâté Bâ esclarece, o encontro do Islã com os costumes africanos
proporcionou uma simbiose que, por vezes, fica difícil perceber o que pertence a um ou ao
outro. Nas escolas muçulmanas, por exemplo, os princípios tradicionais africanos não eram
repudiados, mas “utilizados e explicados à luz da revelação corânica.”64
. Isto pode ser
compreendido em razão dos pontos convergentes entre as duas culturas: a visão sagrada do
universo, a mesma concepção do homem e da família, a preocupação em citar as fontes e não
alterar as palavras do mestre nas transmissões orais e o mesmo sistema de caminhos
iniciatórios “que tornam possível aprofundar, através da experiência, aquilo que se conhece
pela fé.”65
Os marabus, letrados em árabe ou em jurisprudência islâmica, e os xeques,
chefes/soberanos de grupos árabes, juntaram-se aos “conhecedores” tradicionais africanos.
Mantiveram preservadas as estruturas sociais dos grupos locais, inclusive nos meios mais
fortemente influenciados, e continuaram a proceder às iniciações particulares.
A influência Mandinga/Soninqué foi declinando a partir das sucessivas fases
expansionistas dos Fula66
, iniciadas entre os séculos XII e XIII, desde a região onde
atualmente é o Senegal. Chegaram, a princípio, em quantidades reduzidas, conviveram
63
Atualmente, na Guiné-Bissau celebram-se datas católicas, muçulmanas, tradicionais e políticas, como por
exemplo, o Dia dos Herois Nacionais/Dia Amílcar Cabral (20/1), Dia dos trabalhadores da Guiné-Bissau/Dia dos
Mártires do Colonialismo/Dia de Pidjiguiti (03/8), Dia da Independência (24/9), Dia di Difuntos (01/11), Dia do
Movimento Reajustador (14/11), Natal (25/12), além do Tabaski, Ramadã, Carnaval, Páscoa, em datas
variáveis. 64
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Coord.). História Geral da África. v.1.
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.205. 65
Ibid., p.205. 66
A designação Fula é a forma usual em português (em inglês, Fulani; em francês, Peul).
96
pacificamente com os Mandinga chegando, até mesmo, a pagar-lhes tributos. Durante algum
tempo, foram “hóspedes dos Mandingas, considerados donos do chão [...] progressivamente,
tiveram necessidade de conquistar novos territórios mais a Sul, porque (vieram) com muito
gado e família”.67
A partir do século XVIII, os Fula “vieram em massas compactas, provocando
perturbações em todo o leste (da Guiné). Uns procederam de Tekrur, outros de Massiná - dos
prados de Massiná, região situada nas fraldas do Futa-Djalom”68
. No leste da Guiné
estavam estabelecidos os Mandinga, Padjadinca, Conhagui, Tanda, Tiapi e Cocoli, os quais, à
exceção dos dois primeiros, deslocaram-se para territórios vizinhos. Permanecendo na região,
os Mandinga passaram a ser vassalos de Mussa Molo69
, líder do movimento expansionista
Fula. Cabe destacar que nessa época havia de 70 a 80 “diferentes reis e chefes tradicionais que
reinavam simultaneamente no que outrora correspondia ao actual território da Guiné-Bissau,
mas todos estavam submetidos, de uma maneira ou doutra, ao reino mandinga.”70
Sarmento Rodrigues (1948) destacou que os Fula ocuparam os espaços do interior
“catequizando os [...] Mandingas – que por sua vez já tinham fugido a um ataque semelhante
feito na sua própria pátria de origem, - e outras raças, ‘virando’ os Beafadas, seduzindo os
Nalus e empurrando para o mar os mais impenitentes”.71
67
CARDOSO, Carlos. As tendências actuais do Islão na Guiné-Bissau. In: GONÇALVES, António Custódio
(Org.). O Islão na África Subsariana. Porto: Tipografia Nunes Ltda., 2004a, p.47. 68
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v. 22, 1967, n. 85-86, p.36. 69
Mussa Molo, atuando por ordem de seu tio e soberano Bakari Demba, “conduziu os seus homens (Fulas-
Pretos do Casamansa e do Gabu) contra os Biafadas de Bijine (sul de Geba) e os Mandingas do Cossé.[...]
Amigo dos portugueses de Geba que vieram a Ndorna em Abril de 1883, Mussa Molo teve a caridade de os
avisar de sua intenção de vir combater Biafadas e Mandingas meridionais com 3000 cavaleiros e infantes.”
(Pélissier, 2001, p.222 et seq. 70
CARDOSO, Carlos. A formação da elite política na Guiné-Bissau. Lisboa: ISCTE, Centro de Estudos
Africanos, 2002, p.11. 71
RODRIGUES, Manual M. Sarmento. Os maometanos no futuro da Guiné. BCGP, Bissau, v.3, 1948, n.9,
p.224.
Reinos Mandinga, Fula, e outros reinos.
Senegâmbia, séc. XVIII.
Guillaume Delisle, 1707
97
A centralização do poder entre os Fula propiciou a organização de movimentos
que redundaram em importantes conquistas na Guiné. Isto teria relação direta com o
islamismo característico desse povo, pois, segundo Paula Pinto (2009, p.39), “o Islão favorece
a criação de estruturas políticas, por influência de uma estrutura religiosa fortemente marcada
e hierarquizada”. Por outro lado, há que se considerar a incapacidade portuguesa em rechaçar
invasões ao território, razão pela qual, em meados do século XX, o governador Sarmento
Rodrigues (1948, p.225) concluiu: “assistimos, quase indiferentes, à instalação em nossa
casa, da maior barreira à nossa expansão.” Tal fragilidade conduziu a acordos com Mussa
Molo e, assim, as autoridades coloniais eram colocadas “de lado” nas questões entre os
grupos estabelecidos no território da Guiné e o expansionismo Fula.
Alguns autores designam os Fula, que
ocuparam a Guiné, conforme sua região de origem,
ou seja, os Fula-Forro72
, vindos de Maciná (Masina)
são os membros do primeiro grupo a chegar e que por
isso consideram-se mais “puros”; os Futa-Fula73
, são
os mestiços dos primeiros com povos locais, tais
como Sossos e Jaloncas, e os Fula-Preto74
ou Fula-
Cativo, antigos escravos de guerra de forros e futas,
“uns e outros cruzados com muitas etnias:
Mandingas, Beafadas, Conhadjis, Tandas, Ladúmás,
etc.”75
.
Tanto os Mandinga quanto os Fula jamais tiveram preconceito em relação à
mestiçagem com os povos estabelecidos no espaço guineense. Ao contrário, tal mistura veio
ao encontro de seus propósitos, principalmente ao se ter em conta que os filhos havidos dessas
relações estariam integrados ao clã do pai e, consequentemente, à religião muçulmana.
Acerca dos Fula, Fernando Rogado Quintino acrescenta que subdividiam-se em
quatro grandes famílias:
Djal-djaldó, Ururó, Djaêdjô e Perêdjô. E os membros de cada família usavam
apelido próprio - respectivamente Djaló, Jah, Bari e Soh. As famílias eram de feição
acentuadamente clânica. Desarticularam-se com o tempo, mas no espírito de todos
72
O termo “forro” é empregado para designar os Fula que ficaram inicialmente submetidos aos Mandinga e
Beafada. 73
Segundo Carlos Lopes (1999, p.69), os Futa-Fula seriam os Toranka, do Senegal, estes oriundos da região do
Futa-Toro. Entretanto, este autor considera, a partir dos conhecimentos mais atualizados sobre os Fula, que
qualquer designação é, “no mínimo, fantasiosa”. 74
De acordo com Paula Pinto (2009), os portugueses atribuíram a designação Fula-Preto para distingui-los dos
Fula “genuínos”, os quais tinham a cor da pela mais clara e cabelos mais lisos. 75
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.890.
Regiões de origem dos Fula da Guiné
98
os elementos subsiste ainda o sentimento duma ascendência comum. Dizem-se
parentes - lênhol, cujo significado é parente de sangue. 76
Todo o processo histórico que permeou o movimento expansionista Mandinga,
Soninqué e Fula sobre a região da Guiné merece destaque em razão das significativas
mudanças que proporcionaram. Para além do muito que há para ser apreendido, um dos
aspectos relevantes, que decorreu de forma indireta a partir desses movimentos, especialmente
em se tratando dos Fula, foi a “sobrevivência” do colonialismo português. Vale lembrar que
somente a partir do final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX Portugal
buscou a efetiva ocupação do território da Guiné, bem como exercer a autoridade colonial.
Em virtude da insuficiência de quadros militares que amparassem tais ações, firmou acordos e
ignorou conflitos entre os grupos, usando-os uns contra os outros. Estrategicamente, os
portugueses integraram autoridades tradicionais à “nova” estrutura política e administrativa,
instituindo, para tanto, os regulados e a nomeação dos chefes (régulos) passou a ser de
competência da autoridade colonial.
Segundo Moema Parente Augel (2007), o termo régulo é oriundo do léxico
português, diminutivo de rei (reizinho, pequeno rei). Sua utilização pelo colonizador para se
referir aos líderes autóctones demonstra, segundo essa autora, uma forma eurocentrada de
apequenar autoridades muitas vezes donas de grande riqueza, poder e respeito77
. Ciente de
que essas lideranças eram um elo nas relações com as populações locais, os régulos que não
cumprissem com os propósitos coloniais eram substituídos. Entretanto, este sistema não
demonstrou eficácia, pois colocavam em conflito dois poderes políticos divergentes,
culturalmente estranhos e, certamente, de difícil convivência.
As autoridades fula estiveram ao lado dos portugueses nas campanhas
“pacificadoras” movidas contra os povos resistentes à ocupação, notadamente os Bijagó e
Papel. Pelos serviços prestados receberam benefícios comerciais e puderam reforçar sua
influência cultural, denominada por alguns autores como “mandinguização” e “fulanização”78
.
Para os portugueses, no entanto, essa parceria revelou-se prejudicial, considerando que a
76
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.895. 77
Maurício Waldman (2000, p.10, nota 14) acrescenta que o termo régulo foi utilizado, também, para “nominar
ampla gama de chefarias tribais asiáticas, africanas, latino-americanas e da Oceania, com as quais os navegantes
portugueses travaram contato. Em Antropologia, o termo continuou a frequentar os textos com o mesmo
significado original, qual seja, de referir-se a um pequeno potentado, a um governador de província, preposto
local de um imperador, um chefe de aldeia ou grupo tribal, situações que em comum, referem-se a formas locais
e/ou autárquicas de exercício do poder”. 78
Há discussões em torno da propriedade dessas designações, porém não é objetivo do presente trabalho
discuti-las. Apenas cabe, por ora, seu registro.
99
islamização dos povos tradicionais tornou-se outra “arma” com a qual as missões católicas
eram incapazes de lutar.
Em 1950 existiam, na Guiné, 43 cristãos, 4400 católicos, 317.000 adeptos das
religiões tradicionais e 180.000 muçulmanos. Os “chefes das confrarias Qadiriya (Mandinga)
e Tidjaniya (Fula) viviam na África francesa e a acção cultural portuguesa na Guiné era muito
insuficiente”79
para fazer face às suas influências. Cabe ressaltar que às confrarias cabe a
função, ainda hoje, de “conservar, transmitir e difundir os ensinamentos do seu fundador,
nomeadamente, a sua experiência mística e os seus métodos.”80
Nessa medida, a islamização
na Guiné era um movimento praticamente irreversível, alimentado tanto interna quanto
externamente e pode explicar as mudanças expressivas no percentual de adeptos à religião
muçulmana, em torno de 45%, na Guiné-Bissau dos dias atuais.
O trabalho empreendido por muçulmanos e católicos, durante o período colonial,
pode ser avaliado em função da quantidade de escolas existentes à época. Enquanto que
existiam 450 escolas corânicas, além de 50 centros de cultura islâmica para adultos, as escolas
católicas não eram mais do que cem. Havia poucos cristãos não católicos e uma missão
evangélica anglo-americana estabelecida em Bissau. A quase totalidade da população branca
e mestiça da Guiné era constituída por católicos, assim como poucos negros “assimilados”.
Estavam concentrados nas áreas urbanas de Bissau, Cacheu e Bafatá, porém representavam
muito pouco em relação ao total da população guineense da época.
Muitas foram as transformações decorrentes dos processos expansionistas dos
grupos Mandinga e Fula. Dentre elas destacam-se aquelas que impactaram as estruturas
tradicionais alterando, significativamente, os quadros demográficos dos grupos autóctones. Os
deslocamentos decorrentes das guerras e das migrações, forçadas ou espontâneas, bem como
as consequentes mestiçagens, provocaram a quase extinção de alguns grupos, os quais se
integraram a outros mais numerosos. Essa integração ocorreu, por vezes, a partir da iniciativa
dos próprios agrupamentos locais “por se considerarem, assim, em melhor posição no seio de
vizinhos ou de dominadores mais poderosos.”81
. Em outros casos, como dos Futa-Fula e
Fulas-Forro sobre os Beafada, por exemplo, a integração se deu sob a violência de armas ou
estratégia militar. Povos tais como os Arriata, Jabundo, Sacalate e Chão, praticamente
79
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841-1936. Lisboa: Estampa
2001, v.1, p.32, nota 2. 80
GARCIA, Francisco Proença. O Islão, as confrarias e o poder na Guiné (1963-1974). O Islão na África
Subsariana : actas do 6º Colóquio Internacional Estados, Poderes e Identidades na África Subsariana . Porto,
Universidade do Porto. Faculdade de Letras. Centro de Estudos Africanos, 2004, p.100. 81
CARREIRA, António. A etnonímia dos povos de entre o Gâmbia e o estuário do Geba. BCGP, Bissau, v.19,
1964, n.19, p.235.
100
desapareceram ao passo que ocorreu o efetivo crescimento dos Balanta-Mané, Caboiana e
Mansoanca.
Considerando as influências mandinga e fula, também é possível caracterizar os
povos da Guiné de acordo com sua maior ou menor islamização. Segundo José Júlio
Gonçalves82
, em meados do século XX, o perfil religioso dos povos guineenses poderia ser
descrito de quatro maneiras: os que praticavam as religiões tradicionais (Felupe, Baiote,
Banhum, Papel, Brame, Balanta - Berasé e Benaga - e Bijagó), outros pouco islamizados
(Manjaco e alguns subgrupos Balanta - Betxá e Cunante), alguns bastante islamizados
(Cassanga, Nalú, Beafada, Bajaranca ou Pajadinca) e os quase totalmente islamizados
(Mandinga, Fula e Sôsso). À exceção dos Bijagó, praticamente isolados no arquipélago, os
demais, enquadrados nos dois primeiros perfis, sempre foram alvo das ações de conversão à
religião muçulmana, porém as tentativas de islamização, bem como de cristianização,
encontraram forte resistência.
2.2.2 O arquipélago
Em 1946, quando o
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa
(BCGP) foi criado, o arquipélago
contava com mais de 9 mil habitantes
espalhados “por uma quinzena de ilhas”,
vivendo num moderado isolamento
geográfico. Apesar dessa pulverização de
habitantes, foi a população mais
resistente à colonização portuguesa, a
qual, segundo René Pélissier (2001),
historicamente, sempre iniciava sua
dominação pelas regiões insulares.
Não obstante a escassez de informações é possível afirmar que o povo Bijagó ali
se estabeleceu, pelo menos, desde o século XV, conforme relatos de exploradores e
comerciantes da época. Consta que no século XVI costumavam assaltar o “continente
fronteiro, fazendo presa nos bens e pessoas de Buramos (Brames, Papéis e Manjacos) e
82
GONÇALVES, José Júlio. O Islamismo na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.13, 1958, n.52, p. 412-3.
Arquipélago dos Bijagó - principais ilhas.
101
Beafadas. Nas suas correrias chegavam mesmo a Cacheu”83
e promoviam o apresamento de
negros Beafada comercializados pelos habitantes das ilhas de Sogá, Bubaque e Rubane.
Considerados pelos portugueses, em meados do século XIX, como “inimigos de toda a gente
e amigos de ninguém”. (VALDEZ, 1864 apud MOTA, 1947, Prefácio, p.24)84
, os Bijagó
demonstravam, dessa maneira, sua preponderância no arquipélago e resistência à colonização.
A maioria dos habitantes das ilhas considera-se aparentada dos Nalu, Beafada,
Felupe e Papel. O povoamento pode ter ocorrido em diferentes épocas: algumas das ilhas, tais
como Enu, Rubane, João Vieira, por exemplo, só são habitadas de forma sazonal, ou seja, de
acordo com os períodos de semeadura e colheita. Outras se destinam a práticas religiosas e
existem, em alguns casos, restrições sobre a permanência de vida humana.
Há ilheus e/ou parte de ilhas onde não é permitido ter relações sexuais, caso da ilha
de Cute, do ilheu de Manassa, da ilha de Poilão, da Ponta de Amessoo na ilha de
Onhucomo, das ilhas de Papagaio e Maramba, etc. Há outras em que não pode haver
derramamento nem de sangue humano nem de animal, por exemplo, no ilhéu de
Quai e na ilha de Angurrna, Há ainda algumas que são vedadas às pessoas não
iniciadas, como é o caso dos ilhéus de Amepata e Ebenuga. Na ilha de Rubane, onde
actualmente foram construídos dois acampamentos turísticos, não pode haver
moradias bijagós permanentes. Os mortos não podem aqui ser enterrados. 85
Apesar da presença de outros povos, estes se encontravam de tal forma espalhados
e em quantidade reduzida de forma a não influenciar culturalmente o meio bijagó. De acordo
com o recenseamento realizado em 1950, as ilhas eram habitadas pelos seguintes grupos:
População do arquipélago dos Bijagó - Censo 195086
Como se pode notar, a presença de islamizados era pequena e havia
predominância de grupos tradicionais além do próprio Bijagó, como o Papel e o Manjaco.
83
MOTA, Avelino Teixeira da. Prefácio. In: LIMA, Augusto J.Santos. Organização Económica e Social dos
Bijagós.Lisboa: Sociedade Industrial de Tipografia, 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série
“Memórias” n.2. No prefácio aqui referido há um excelente levantamento historiográfico feito por Teixeira da
Mota sobre os Bijagó. 84
VALDEZ, Francisco Travassos. África Ocidenta - notícias e considerações. Lisboa: Imp.Nacional, 1864. 85
PEREIRA, Honório; CARDOSO, Filipe. Os Bijagós: Estrutura e Funcionamento do Poder. Dakar:
CODESRIA, 2009, p.14. 86
CARREIRA, António. População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. BCGP, Bissau,
v.17, 1962, n. 65, p. 81.
grupos Quantidade
Bijagó 8.252
Papel 470
Manjaco 137
Mandinga 92
Beafada 86
Outros 163
Total 9.200
102
Embora o arquipélago possua mais de 80 ilhas e ilhotas, o recenseamento apurou que apenas
16 delas eram habitadas, conforme detalhado na tabela a seguir:
Distribuição da população no arquipélago dos Bijagós, por ilha - Censo 195087
Embora abrigasse, majoritariamente, habitantes Bijagó, não havia homogeneidade
entre as ilhas. Os portugueses observaram que não havia “uma sociedade Bijagó, mas sim
várias sociedades distintas de ilha para ilha, e até de povoação para povoação”.88
Talvez isto
possa ser explicado pelo mito fundador que norteia a existência dos Bijagó, que se considera
descendentes de uma entre quatro gerações dona do chão. Apesar de possíveis
impropriedades decorrentes da tradução para o português, para o povo Bijagó existia um
“criador” e, no início, a ilha de Orango, uma das maiores do arquipélago e primeira a existir,
era o “mundo”. Depois
chegou um homem com a sua mulher Akapakama. Tiveram quatro filhas: Orakuma,
Ominka, Ogubane e Oraga. A seguir vieram os animais e as plantas. Cada uma das
filhas teve várias crianças que, por sua vez, receberam um direito especial do avô.
Orakuma recebeu a terra e fez a primeira estátua do Irã conforme a imagem do
Deus. Ela era responsável pelas cerimónias a realizar na terra. Deu também às suas
irmãs o direito de fazer o Irã. Ominka recebeu o mar e os seus descendentes
ocuparam-se da pesca. Oraga recebeu a natureza com as bolanhas89
e as palmeiras
que a tornaram rica. Ogubane recebeu o poder da chuva, do vento e o controle do
tempo da chuva. As quatro faziam seu trabalho; cada uma da sua maneira. Elas eram
diferentes e ao mesmo tempo iguais. 90
87
CARREIRA, António. População autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais. BCGP, Bissau,
v.17, 1962, n. 65, p. 74. 88
MOTA, Avelino Teixeira da. Prefácio. In: LIMA, Augusto José Santos. Organização Económica e Social
dos Bijagós.Lisboa: Sociedade Industrial de Tipografia, 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série
“Memórias” n.2, p.44. 89
Bolanhas são terrenos baixos, alagados ou alagáveis sazonalmente por água dos rios e chuvas, ou por água
salgada. Os povos da Guiné utilizam as bolanhas para o cultivo do arroz. 90
KIPP, Eva. A arte da Guiné-Bissau. Bissau: Editora Gráfica Nimba, 1990, p.6.
Ilhas nº de povoados população
Canhabaque 13 762
Bubaque e Rubane 13 1.060
Sogá 5 375
Formosa 17 1.371
Ponta 4 508
Caravela 12 738
Caraxe e Unhocomo 9 555
Uracane e Eguba 6 594
Uno 30 1.362
Orango, Canogo, Orangozinho e Meneque 31 1.875
Totais 140 9.200
103
As quatro irmãs equiparam-se em importância, desempenham funções diferentes,
porém complementares. Nenhuma recebeu um privilégio especial, a não ser tornar-se dona do
chão em que primeiro teria chegado. Fica evidenciado que as incumbências atribuídas a cada
uma delas estavam estreitamente ligadas à natureza e à forma como o povo Bijagó com ela se
relacionava.
Arquipélago dos Bijagó e as gerações donas do chão (elaborado por Augusto José Santos Lima, 1947)
Todos os cargos de autoridade, como os reis, chefes, sacerdotes e sacerdotisas, por
exemplo, eram sempre ocupados por membros da geração dona do chão. A coexistência de
membros de gerações diferentes numa mesma ilha, não motivava desentendimentos, pois
sempre era respeitada a prevalência da geração primeira ocupante. Dessa forma, não havia
restrições quanto ao deslocamento e fixação de homens ou mulheres provenientes de outras
gerações.
Nas ilhas de Bubaque e Rubane, por exemplo, havia 12 povoados em 1947, todos
submetidos à autoridade do rei Djam-Djam. Como seus antecessores, ele chegou ao poder
pela hereditariedade, visto pertencer à primeira geração ocupante - Orácuma. Em Bubaque
104
conviviam todas as demais gerações, em povoados chefiados por um representante da geração
correspondente, como mostra o esquema elaborado por Augusto Santos Lima91
:
BUBAQUE/RUBANE (12 - tabancas/ povoados)
Djam-Djam - Rei de Bubaque/Rubane.
“ Na cabeça, a cartola, que só ele pode usar no seu reino; no braço
esquerdo uma espécie de abanador, na mão um pequeno bastão,
símbolo do seu poder, rematado por 3 hastes de gazela”. 93
Os “chefados da realeza” eram atribuídos pelo Rei aos seus “filhos e parentes
mais próximos. Tais filhos e parentes desse Rei eram de ‘Gerações’ diferentes, conforme as
das suas mães.”94
Essa forma de distribuição do poder, porém, não era comum a todo o
arquipélago. Além de Bubaque e Rubane era apenas observada nas ilhas Roxa e Orango
Grande, porém nestas a geração reinante era Oraga.
Na mesma época havia os reinos de Canhabaque, com 20 povoados, liderado pelo
rei Joaquim da geração Oraga e o reino de Orango, com 14 povoados, representado pelo rei
Papo-Seco, também da geração Oraga. Nas demais ilhas (Sogá, Orangozinho, Canogo,
91
LIMA, Augusto José Santos. Organização Económica e Social dos Bijagós. Lisboa: Soc.Industrial de
Tipografia Ltda., 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série “Memórias”, n. 2, p.59. 92
Além destas povoações havia também Etimbato e Ameta, criadas a partir da instalação da Companhia
Agrícola Fabril, que lá acomodou seus “funcionários” oriundos, na maioria, dos vários grupos da região
continental. 93
Ibid., encarte. 94
Ibid., p.54.
autoridade tabancas92
geração
Rei:
Djam-Djam
Bijante, Bijana, Agumpa, Brusse (Bubaque)
Ilha de Rubane
Orácuma
Chefados da realeza Ancadona, Ancamona, Ancabaxe Oraga
Chefados da realeza Charo, Ambanhe Ogubane
Chefados da realeza Anhimango Ominca
105
Meneque, Formosa com Ponta e Maio, Uno, Uracane, Caravela, Carache, Unhocomo) não
havia reis, mas figuras de autoridade oriundas da geração dona do chão respectivo.95
Apesar de as ilhas de Bolama e das Galinhas pertencerem ao arquipélago, sempre
tiveram movimentos diferentes das demais. Na década de 30 do século XIX, por exemplo,
serviram de ponto de partida para um tráfico comandado por “armadores e comerciantes cabo-
verdianos metidos de permeio, servindo-se a fundo das suas redes de parentes ou aliados
continentais [...] com o conhecimento, como é evidente, das autoridades portuguesas,
impotentes ou cúmplices.”96
Uma figura singular dessa época foi Ña97
Aurélia Correia, bijagó
da Ilha de Orango, foi uma hábil comerciante da Guiné entre os anos 1820 e 1840. Dona de
embarcações com muitos marinheiros e artesãos experientes, possuía muitos escravos, era
influente junto aos portugueses e figura eminente na hierarquia de sua geração. Casou-se com
capitão-mor da Guiné, o também comerciante cabo-verdiano Caetano José Nozolini. Em
virtude dessa união Nozolini gozava de prestígio entre os Bijagó, pois associou suas
habilidades de liderança ao talento comercial de Mãe Aurélia para, juntos, dominarem o
comércio de escravos e gêneros alimentícios ao longo dos rios Geba e Grande, além das ilhas
vizinhas.98
Em 1856, Honório Pereira Barreto, na qualidade de administrador da Guiné,
visitou pela primeira vez a ilha de Canhabaque, provavelmente temendo que um régulo
hasteasse uma bandeira estrangeira naquelas paragens99
. Na oportunidade ele firmou um
tratado de amizade e cessão de território com as autoridades locais, pois a metrópole dependia
de acordos dessa natureza para poder exercer algum controle sobre aquela região. Além das
questões locais, os portugueses conviveram com as constantes incursões francesas e inglesas
sobre a costa ocidental africana, praticamente desguarnecida100
. Canhabaque, entretanto, foi o
maior foco de resistência tanto em relação aos franceses, que partiam do Senegal em suas
95
Segundo Santos Lima (1947, p.67), a diferença entre essas “chefias” e os reis é que “se não vai buscar o
parente mais próximo e mais velho para o substituir, mas se faz a nomeação por escolha dos Grandes”. 96
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841-1936. Lisboa: Estampa,
v.1, 2001, p.42-3. 97
Ña , senhora em crioulo da Guiné. 98
Sobre Mãe Aurélia e Nozolini ver: HAVIK, Philp J. Silences and soundbytes: The gendered dynamics of
trade and brokerage in the pre-colonial Guinea-Bissau region. Zugl.: Leiden, Univ., Diss, 2004. 99
Em 28/11/1854 os franceses assinaram um tratado de paz e amizade com Canhabaque e, no ano seguinte, o
governador da Gâmbia, colônia inglesa, foi à ilha com o mesmo intuito encontrando ali uma comunidade de
gambianos e um comércio expressivo com Inglaterra. A Viagem de Honório Pereira Barreto ocorreu entre 11 e
27 de janeiro de 1856. 100
Segundo René Pélissier (2001), em meados do séc. XIX encontravam-se estabelecidos na Guiné 7 oficiais e
149 soldados. A ilha de Bolama contava com apenas 4 soldados e o maior contingente estava em Cacheu: 2
oficiais e 43 soldados.
106
investidas pelo arquipélago, quanto aos portugueses, os quais só alcançaram algum resultado -
se é que assim se pode considerar - nas primeiras décadas do século XX.
Do arquipélago sempre surgiam empecilhos à pretendida unidade administrativa e
política da Guiné, pois a maioria da população relutou “ao convívio do colono, (foi)
refractária à civilização e preguiçosamente rebelde à auto-integração na vida progressiva da
Colónia”101
. A incômoda “preguiça rebelde”, para além da adjetivação eurocêntrica, revela
um posicionamento eloquente por parte dos insulares, pois apesar das ações “civilizatórias”
propostas pelos portugueses, ao longo do período colonial, mantiveram firmemente sua forma
de viver. Por essa razão, assim como os Felupe e Papel, por exemplo, causaram espanto e
indignação àqueles que pretendiam, através do discurso e da cobrança de impostos, subjugá-
los e suprimir sua cultura.
Durante as ações “pacificadoras”, o arquipélago dos Bijagó, rico em palmeiras de
onde obter os produtos comercialmente viáveis, foi bastante visado, especialmente no início
do século XX. Nas ilhas de Canhabaque e Formosa os habitantes relutavam, principalmente,
quanto ao pagamento de impostos e quando o faziam era de forma irregular. As autoridades
da ilha de Canhabaque recebiam refugiados de outras ilhas que ali encontravam um modo de
escapar ao pagamento e ao trabalho na ilha de Bubaque, por exemplo. Era uma estratégia de
resistência que funcionava contra o arbítrio da cobrança, pois, afinal, estavam sendo cobrados
por algo que lhes pertencia, e contra o trabalho compulsório, na verdade, um “novo” tipo de
escravização: a colonial.
A resistência dos ilheus de Canhabaque
é um símbolo: o último bastião, na África Ocidental “lusófona”, onde o Africano
não quer conhecer o seu “colonizador”[...]. Fisicamente, demograficamente e
financeiramente, Canhabaque é uma insignificância inteiramente suportável para as
autoridades coloniais, pois que limitaram, há algum tempo, a sua agressividade, à
pilhagem de algumas pirogas naufragadas ou extraviadas entre os bancos de areia da
ilha[...]. O aborrecimento para os Portugueses [...] é que esta poeira de
independência segredista tem uma individualidade demasiado marcada, num
arquipélago que muito tem feito falar de si.102
O papel dos feiticeiros103
de Canhabaque foi bastante significativo nas ações de
resistência, notadamente durante a campanha militar dos anos 1935-36 comandada pelo
101
MOREIRA, José Mendes. Breve Ensaio Etnográfico Acerca dos Bijagós. BCGP, Bissau, v.1, 1946, n. 1,
p.70. (meu grifo) 102
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
v.2, 1997, p.251-2. 103
É preciso esclarecer que o termo feiticeiro/feitiçaria não guarda relação com a conotação ocidental de
maldade ou pecado. Segundo James Sweet (2007, p.191), os feiticeiros africanos são dotados de poderes, entre
outros de adivinhar, curar, ou seja, buscam dominar as forças da natureza com o intuito de restaurar o equilíbrio
dos indivíduos e das comunidades. Ver capítulo 3.
107
governador Carvalho Viegas104
. Mais eficazes do que as armas, os feiticeiros envenenavam as
fontes de água, com exceção daquelas fortemente guardadas dos povoados de Bine e Inorei.
Este artifício movimentou tropas de outras regiões e levou à evacuação de velhos, mulheres e
crianças para as ilhas de Orango, Orangozinho e Enu.
Nenhuma tática militar estava preparada para fazer frente às estratégias utilizadas
pelos ilheus. Tampouco era imaginável que os Bijagó de Canhabaque suportariam, com
tranquilidade, qualquer estado de sítio adotado, uma vez que era no meio da mata, escondidos
e à espreita, que provinham o sustento e articulavam ações contra a presença portuguesa.
Aplicavam, a partir dessa trincheira natural, verdadeiras táticas de guerrilha minando,
constantemente, o pequeno contingente do exército colonial. Quando as disputas tornaram-se
mais aguda, o auxílio dos Fula, Mandinga e Beafada, grupos islamizados que habitavam a
hinterlândia guineense, somou forças às portuguesas em troca de benefícios comerciais105
.
Curioso notar que esse auxílio só chegou ao final do Ramadã de 1936106
, apesar da urgência
da situação. O próprio governador, fato inédito até então, tomou a frente das ações militares e
comandou um grupo paradoxalmente formado por brancos e mestiços católicos e negros
muçulmanos.
Caracteristicamente um povo das savanas, os Fula, não se sentiam à vontade em
meio à floresta. À espreita, os ilhéus de Canhabaque impingiram muitas perdas, motivo pelo
qual todo o contingente disponível na Guiné foi convocado para contra-atacar. Foi
estabelecido um estado de sítio que só se extinguiu em maio de 1936. Porém, “conhecendo as
suas florestas, árvore por árvore, os Canhabaques reconstituíram as suas aldeias escondidas e
(mantiveram) as ligações com as outras ilhas e o continente. Enfim, (viviam) um pouco pior
que antes, mas inteiramente livres”.107
Durante todo o primeiro período republicano português (1910-1926) até a
instalação da ditadura do Estado Novo, em 1933, a Guiné, e em especial a ilha de
Canhabaque, sempre foi um palco de tensões. Entre períodos de ofensivas armadas e paz
efêmera, os portugueses não conseguiram fazer, nem à custa das armas, com que os insulares
104
Nascido em Lisboa, no ano de 1887, Luís António de Carvalho Viegas foi governador da Guiné de 1933 a
1941. 105
Por conta da absoluta falta de recursos, os “auxiliares” recebiam apenas alimentação em troca de sua
participação nas ações contra os Bijagó, porém os benefícios comerciais compensavam a falta de pagamento. 106
O Ramadã é um feriado não fixo que se movimenta a cada ano e ocorre no nono mês do calendário
muçulmano. Acredita-se que no mês do Ramadã o Alcorão sagrado foi enviado do céu como uma orientação aos
homens e como um meio de sua salvação. É durante este mês que os muçulmanos jejuam. Este mês é chamado
de Jejum do Ramadã e dura um mês inteiro. Cf. http://www.business-with-turkey.com. 107
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
v.2, 1997, p.259.
108
trabalhassem de acordo com suas expectativas, tanto na extração do óleo de palma quanto na
recolha do coco108
. Além disso, nunca conseguiram arrecadar os impostos com a regularidade
pretendida e no montante necessário, mesmo após os recenseamentos realizados para maior
controle da arrecadação fiscal.
Nessa medida, o modo particular de viver do Bijagó era considerado uma afronta
à “missão civilizadora” portuguesa, pois estava longe de contribuir com as necessidades
econômico-financeiras de uma metrópole carente de recursos e sem forças ante as demais
potências europeias. A recusa ao trabalho, em particular, era motivo de censura, mas, para
além da questão econômica, denotava um abismo cultural difícil de transpor, notadamente
como explicitado num dos primeiros artigos publicados no Boletim Cultural. Num pequeno
trecho estabelece-se, nitidamente, o confronto entre a expansão europeia e povos alheios ao
seu universo mercadológico:
Rodeado por uma natureza generosamente pródiga que nada lhe regateia nem lhe
exige esforços musculares violentos, mas, apenas o natural esfôrço de estender a
mão ou dar alguns passos para obter o que lhe é preciso para o seu sustento e
satisfação das suas necessidades, não admira que o Bijagó seja a expressão
material autêntica da “Lei do menor esfôrço”.
É a personificação viva da preguiça e da indolência, resumindo-se a sua actividade
ao exercício da pesca, apanha do coconote e à sementeira do arroz necessário ao
seu sustento e ao pagamento dos impostos políticos devidos aos nossos direitos de
soberania. Só o indispensável para não morrer de fome. Trabalho organizado, luta
pela vida, propensão ao esfôrço produtivo - condição do melhoramento da sua vida
material - tudo isso desconhece o Bijagó, ou melhor, nada disso lhe interessa [...]
Tudo quanto se tem tentado para criar necessidades ao Bijagó, insuflar-lhe o
instituto do progresso, interessá-lo na melhoria do seu nível de vida, tudo
absolutamente tem esbarrado de contra à sua indiferença, à resistência passiva ao
trabalho, à sua predilecção pela vida livre em plena natureza, na espessura dos
seus palmares. E quanta vez não tem ele defendido de armas na mão esse direito de
viver livre, ocioso e despreocupado?! 109
Muitos perderam a vida durante os últimos tempos da “pacificação”: foram dois
meses e meio de combates e 14 de negociações para que os portugueses considerassem a
Guiné sob controle. Em janeiro de 1936 vários dignitários de Canhabaque foram mortos
durante negociações estabelecidas com certo tenente Luis das Dôres Santos.
Segundo René Pelissier (1997, p.276), os povos da Guiné não se uniram na
resistência ao colonialismo português, pois nenhum “chefe ou notável africano, na Guiné,
(falou) em nome de outra coisa que não (fosse) dos interesses do seu clã, da sua etnia, da sua
classe ou da sua religião (Islão).” Ao contrário de interesses individualizantes que esse autor
108
O arquipélago dos Bijagó é rico em palmeiras de onde se obtém produtos considerados economicamente
viáveis, tais como o óleo de palma e o coconote. 109
MOREIRA, José Mendes. Breve ensaio etnográfico acerca dos Bijagós. BCGP, Bissau, v.1, 1946, n.1-4,
p.74.
109
pode sugerir, tais posicionamentos denotam, mais uma vez, a distância dos povos locais em
relação ao mundo colonial europeu.
Entretanto, a maioria deles lutou com outras armas, tais como aquelas descritas
por James Sweet (2007) ao estudar os escravos centro-africanos no Brasil do século XVII.
Segundo ele, os africanos usaram “as armas mais poderosas que tinham ao seu dispor - não a
força física e a coragem, mas a religião e a espiritualidade.”110
Nessa medida podemos afirmar
que a Guiné esteve longe de ser “pacificada”.
2.3 A política colonial: os povos da Guiné sob a “tutela” do Estado moderno
ao chegar à Guiné tudo ruía ao redor de mim. Era uma impressão em parte exacta
- porque os prédios caíam ou exigiam demolição: as secretarias de Canchungo e S.
Domingos, a igreja de Farim, a ponte de Bubaque etc., etc [...] um grande número
de obras inacabadas, umas pela sequência natural dos trabalhos e pelas
dificuldades da guerra, outras abandonadas, não se sabe porquê.
Sarmento Rodrigues, governador da Guiné, 1946111
No discurso proferido, em novembro de 1946, durante a primeira reunião com os
funcionários administrativos da colônia, o governador Sarmento Rodrigues descreveu o
estado de abandono que encontrou quando chegou à colônia da Guiné. Os resquícios das lutas
travadas durante a “pacificação” e os sucessivos governos descoordenados e sem recursos,
faziam da colônia um lugar difícil de viver: para os portugueses. Não havia água, luz elétrica
ou comunicação entre os postos da administração espalhados pelo território colonial,
comodidades do mundo europeu, porém dispensáveis pelos povos autóctones.
Por conta da celebração do V Centenário da “descoberta” da Guiné, nesse mesmo
ano, multiplicaram-se obras e benfeitorias pela colônia. Sarmento Rodrigues tinha, entre
outras, a missão de tornar aquele espaço colonial algo semelhante ao seu mundo, com uma
infraestrutura que pudesse lembrar sua concepção de “civilização”. Além disso, deveria
transformar a colônia da Guiné de forma a rentabilizar sua produção, com ganhos financeiros
que somassem aos demais auferidos pelas outras colônias do império, uma vez que a
metrópole pouco contribuía para sua própria sobrevivência. Em grande medida, a liberalidade
existente na colônia, por conta, principalmente, do abandono à qual esteve relegada por
séculos, estava com seus dias contados.
110
SWEET, James. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007, p.21. 111
RODRIGUES, Manuel M. Sarmento. Discurso de abertura da 1ª Reunião da 2ª Conferência de
Administradores do ano de 1946. BCGP, Crónica da Colónia, Bissau, v.2, 1947, n.5, p 211-3.
110
Por essas razões, o combate à “vadiagem” e a “moralização dos costumes dos
indígenas” foram fruto da ação de um governo que se configurava firme e ao mesmo tempo
paternal. A autoridade passou a ser exercida, principalmente, em relação à produção e à mão
de obra local. As negociações diretas com os comerciantes, inclusive estrangeiros, foram
proibidas e a mão de obra disponível foi, de maneira geral, direcionada para o projeto de
“modernização” da Guiné e para o aumento das áreas de cultivo. A relação com os povos da
colônia mudou de tom, pois passou a ser necessário aproximar-se deles, conhecê-los, registrá-
los, distanciá-los de suas práticas ancestrais para torná-los “cidadãos” participantes do esforço
conjunto (dos povos colonizados) para o “progresso” do império.
Durante séculos a Guiné Portuguesa viveu sem o controle efetivo da metrópole e
os poucos representantes que ali se estabeleciam enredavam-se no cotidiano, pouco
interferindo, ou com condições de interferir, a bem da verdade, nas dinâmicas locais. Em
1844, o conselheiro real Lopes de Lima112
relatou que havia, junto aos aglomerados urbanos,
três grupos distintos: negociantes brancos, pretos e mulatos que viviam à europeia, moldados,
entretanto, às exigências das populações nativas; soldados mal nutridos, sem pagamento,
alguns doentes e outros indisciplinados, na maioria formada por um contingente “descartável”
de Cabo Verde, e grumetes, negros cristianizados estabelecidos junto às fortalezas e sujeitos
às autoridades coloniais, porém em constantes escaramuças com elas. Os grumetes não
encontravam repressão às suas insurgências, em razão da fragilidade da autoridade colonial, e
sempre que necessário contavam com o apoio dos negros “do mato”.
Enquanto a Guiné era governada a partir de Cabo Verde e, portanto, sem
autonomia administrativa, o que ocorreu em 1879, recebia de lá, e não da metrópole, pessoal
para atuar na administração e nas forças armadas. Em geral, os governadores da Guiné de
Cabo Verde113
livravam-se de funcionários indesejáveis e de condenados por delitos diversos,
despachando-os para o continente. Nessa época, o poder na Guiné era compartilhado entre
traficantes, mestiços ou negros “aculturados”, oriundos, em grande maioria, de Cabo Verde, e
“acessoriamente de famílias alargadas114
crioulas locais, tendo os mais destacados deles
tecido redes de aliança e de clientelas comerciais, e mesmo políticas com Cabo Verde e os
povos locais.”115
Havia, portanto, uma dinâmica própria e funcional, que atendia a vários
112
Lopes de Lima (c.1797-1852) foi governador da Índia e do Timor portugueses; viveu por alguns meses na
colônia da Guiné. 113
A designação Guiné de Cabo Verde é utilizada, por alguns autores, para distinguir o período anterior à
autonomia administrativa ocorrida em 1879. 114
Sobre a concepção das famílias alargadas, ver cap.3. 115
CARDOSO, Carlos. A formação da elite política na Guiné-Bissau. Lisboa: ISCTE, Centro de Estudos
Africanos, 2002, p.12.
111
interesses particulares. Fora das áreas fortificadas, os povos autóctones não reconheciam a
autoridade portuguesa, assim como outras potências imperialistas ignoravam a “posse”
lusitana.
De seu lado, os luso-africanos nascidos na Guiné tinham pouco ou quase nenhuma
influência. Exceção era feita em relação a algumas famílias comercialmente influentes, como
a de Honório Pereira Barreto. Nascido na Guiné em 1813 era filho de Rosa Alvarenga,
nascida na Guiné, de influente família da região de Ziguinchor, e do cabo-verdiano João
Pereira Barreto.
Embora tratado por um cronista como “preto de raça fina”, não era Honório de todo
preto mas mulato escuro. Seu pai fora o sargento-mor de Cachéu. Sua mãe uma
Dona Rosa de Carvalho Alvarenga, senhora de cor, famosa pelo seu prestígio tanto
entre brancos como entre africanos. [...] O filho, mandaram-no os Alvarengas
estudar em colégio de Portugal, de onde voltou rapaz em 1829, por morte do pai,
para dirigir a casa comercial da família. Começou então Honório a desenvolver uma
ação pró-lusitana que cedo o colocou entre os indivíduos que mais concorreram para
a resistência portuguesa à usurpação de terras de Portugal por franceses e ingleses.116
Após a separação administrativa de Cabo Verde, Bolama foi escolhida como a
primeira capital. Uma escolha um tanto arriscada, considerando-se tratar de uma das ilhas,
embora próxima ao continente, dos Bijagó, povo dos mais resistentes à presença colonial.
Assim como eles, o povo Papel resistia tenazmente, recusava-se a pagar um imposto que não
lhe dizia respeito, mesmo após os portugueses, acompanhados de inéditos reforços117
mandados da metrópole, terem arrasado os povoados de Intim e Bandim, este último
“santuário do grande sacerdote de todos os Papéis.”118
Segundo Pélissier, com a instauração da República, em 1910, emerge na Guiné,
em Bissau e Bolama, uma pequena elite de convicções republicanas. Insatisfeita, esperando
que o novo regime oferecesse certa ascensão social, essa elite agregava, além de poucos luso-
guineenses, alguns egressos de São Tome e Cabo Verde, majoritariamente. Todos apostaram
“na República e, para o fazerem, procurarão apoiar-se numa camada popular que conhecem
bem, a dos grumetes.”119
Os luso-guineenses e os cabo-verdianos, cada vez mais numerosos e em grande
maioria letrados, desempenharam um papel econômico e político significativo, mesmo após a
presença mais efetiva de colonos vindos da metrópole. Segundo Carlos Cardoso (2002, p.16),
116
FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Rio de Janeiro: Topbooks: UniverCidade, 2001, p.225. 117
Junto ao contingente da Guiné, somaram-se 3 companhias: uma de Angola, outra de Cabo Verde e uma
companhia de fuzileiros navais de Lisboa. 118
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
v.2, 1997, p.36. 119
Ibid., p. 129.
112
A consolidação da estrutura administrativa colonial de 1920 a 1950 reforçou, assim,
a proeminência política de um pequeno número de africanos relativamente
privilegiados. Esta elite era largamente constituída por caboverdianos obrigados a
emigrar de Cabo Verde para a Guiné, descendentes destes e mestiços e,
progressivamente, passou a envolver alguns destacados elementos da comunidade
local. Assim, alguns guineenses de côr escura também faziam parte desta elite. O
facto de o colonialismo lhes ter concedido determinados privilégios permitiu-lhes
beneficiar de vantagens ou regalias em termos de educação, fluência na língua
portuguesa e familiarização com vários aspectos da cultura ocidental. Estes factores
permitiram, por sua vez, que os membros desta elite pudessem ser designados como
funcionários da administração colonial.
Com vistas a minimizar os efeitos negativos da política colonial metropolitana, ou
melhor, da ausência dela, a elite crioula fundou a Liga Guineense120
(1910) e o Centro Escolar
Republicano (1911). Entre seus objetivos, cabia-lhes “promover a instrução de seus membros
e familiares e trabalhar para o desenvolvimento da Guiné e seus associados.”121
Como a
alfabetização e o letramento eram imprescindíveis, dentro da lógica civilizacional europeia, e
a oferta de escolas, por parte do governo português, era precária, o investimento nesse sentido
partiu dos maiores interessados em “mudar de status” dentro da incipiente sociedade colonial.
Aos povos tradicionais a alfabetização era oferecida pelas escolas religiosas,
porém há que se ter em conta que a maioria não via sentido nesse aprendizado. Constituídos,
majoritariamente, dentro da tradição oral, com sua forma particular de transmissão de
conhecimento, ler e escrever era desprovido de significado para a maioria dos povos
guineenses e, portanto, dispensável. A imposição cultural do “civilizador” português
encontrava na oralidade uma barreira difícil de transpor. Pode-se entender, a partir desse
confronto, que a recusa ao letramento e a manutenção dos falares locais, bem como a
existência de uma língua crioula, denotaram formas de resistência dos povos autóctones, para
além do uso das armas.
Em relação aos grumetes, estabelecidos no entorno das praças122
, a situação era
semelhante, pois “falavam mal o português porque [...] não lhes era ensinado nas poucas e
precaríssimas escolas da colônia.”123
Também neste caso o colonizador português não se
mostrou capacitado para a tarefa e, assim, o débil processo “civilizador” lusitano produziu um
cenário de contrastes na colônia da Guiné, onde conviviam
120
Segundo Carlos Cardoso (2004), a Liga Guineense era composta, basicamente, por pequenos comerciantes,
artífices e trabalhadores marítimos, na maioria residente em Bissau e Bolama. 121
TRAJANO FILHO, Wilson. Pequenos mas honrados: um jeito português de ser na metrópole e nas colônias.
Série Antropologia. Brasília, n. 339, 2003a, p.22. 122
Segundo Trajano Filho (2004a), praça e um termo crioulo que designa os centros urbanos em geral e, no
interior deles, a parte mais urbanizada, o centro. 123
Id. A constituição de um olhar fragilizado: notas sobre o colonialismo português em África. In:
CARVALHO, Clara; CABRAL, João de Pina (Orgs.). A persistência da História: Passado e contemporaneidade
em África. Lisboa: ICS, 2004b, p.44.
113
pobres, remediados e negociantes; letrados e analfabetos, funcionários coloniais com
habilitações literárias e trabalhadores do cais. Pequenos e respeitosos, todos
esperavam do governo uma proteção para as mazelas individuais e coletivas. (O
governo colonial) também se considerava frágil perante as colônias vizinhas das
outras potências europeias e perante a alta administração de Lisboa, que se
considerava apequenada frente à colossal força das grandes nações do norte. 124
Em torno da Liga Guineense e do Centro Escolar congregava-se uma parcela da
população que, simpatizante dos preceitos republicanos, defendia maior autonomia na Guiné.
Procurava, também, afirmar sua identidade portuguesa e, por conta disso, indispunha-se com
as populações autóctones. Curiosamente, crioulos e grumetes da Liga Guineense, unidos por
seus interesses, protagonizaram ações inéditas. Uma delas, articulada com o povo Papel, um
dos mais transgressores ao colonialismo, apoiou a resistência deste contra a ocupação da Ilha
de Bissau. A resistência ao “pacificador” Teixeira Pinto, considerado um aficionado por
soluções através das armas, foi fortemente rechaçada e, ao final, o povo Papel submeteu-se e
os grumetes dispersaram-se pelas regiões vizinhas. “Lá onde duas expedições europeias
tinham fracassado, este obscuro capitão, os seus Cuanhamas deportados em 1912, de Angola,
por dez anos, e os seus auxiliares nortistas, recitando o Corão125
, fizeram com que a ilha de
Bissau entrasse definitivamente na Guiné.”126
Sobre o episódio, Teixeira Pinto escreveu:
Todos os Grumetes, mesmo os melhores colocados, apoiados pela Liga Guineense,
empregaram todas as suas influências e conjugaram todos os seus esforços para
impedir a guerra.[...] Dizia-se que eu que incitava a guerra. Mandaram um
comissionado a Lisboa para enganar o Ministro, para lhe arrancar ordem para que a
campanha se não fizesse, alegando que os pobrezinhos não tinham armas e eram
muito obedientes. Digo enganar, porque a presente campanha provou que os Papéis
e Grumetes estavam muito bem armados e municiados. (PINTO, 1936 apud
SANTOS, 2011)127
Desse massacre poucos números foram divulgados. O régulo Cassande de Biombo informou
ter perdido cerca de 1300 homens. Também “houve massacres de não combatentes papéis,
pelos auxiliares. Durante a campanha e mesmo depois. Nem uma palavra se (disse) sobre os
grumetes mortos.”128
A associação da Liga Guineense à resistência do povo Papel na ilha de Bissau, fez
com que ela tivesse vida curta. Foi extinta em 1915 quando governador José Oliveira Duque
chegou “à conclusão de que a sua actividade se tornara nociva para os interesses da colónia
124
TRAJANO FILHO, Wilson. Pequenos mas honrados: um jeito português de ser na metrópole e nas colônias.
Série Antropologia. Brasília, n. 339, 2003a, p.21. 125
A referência ao Corão explica-se pela colaboração prestada pelo povo islamizado Fula. 126
PÉLISSIER, René. História da Guiné: portugueses e africanos na Senegâmbia 1841 -1936. Lisboa: Estampa,
v.2, 1997, p.178. 127
PINTO, João Teixeira. A ocupação militar da Guiné. Lisboa: Divisão de Publicações e Biblioteca-Agência
Geral das Colónias, 1936. A campanha de Teixeira Pinto contra o grupo Papel e os grumetes ocorreu entre 29/5 e
17/8/ 1915. 128
PÉLISSIER, op.cit., p.177, meu grifo.
114
sendo grande responsável pela insubordinação dos grumetes e Papéis.”129
Causa estranheza,
conforme apontou René Pélissier (1997, p.178), a mudança de norte da Liga Guineense, que,
em 1911, oferecia seus serviços para “punir o gentio e em 1915 era acusada de conluio com o
inimigo”. O que pode ter levado a tal mudança?
A população crioula da Guiné sempre esteve entre o universo cultural europeu e o
africano e não elaborou um perfil próprio. Na verdade, incorporou práticas e valores de
ambos, construindo um discurso externo a ela, permeado por uma imagem à maneira lusitana,
esta caracterizada pela humildade, pessimismo e fraqueza. Talvez isto possa explicar a falta
de coesão desse grupo em torno de suas próprias necessidades. Essa fraqueza, importada da
metrópole, não permitiu que fosse levado adiante um projeto, considerado por alguns autores,
como o embrião do nacionalismo guineense.
No início do século XX, grande parte das transações comerciais, em Bissau e
Cacheu, eram restritas às “casas comerciais francesas que abasteciam, financiavam e
mantinham sob extrema dependência os pequenos comerciantes portugueses e luso-
africanos.”130
Por conta dessa concorrência desigual, estabelecida por séculos pelos franceses
e também por ingleses, as iniciativas locais sucumbiam. A situação tornou-se ainda mais
difícil quando da onda de migração libanesa.131
A elite comercial crioula, então, pressionava
os governadores no intuito de “recuperar” a colônia da mão dos estrangeiros, reivindicando
ações efetivas no sentido de levantar o prestígio da nacionalidade portuguesa. É importante
observar que, mesmo sendo considerados, na metrópole, cidadãos de segunda linha em razão
de sua cor, essa parcela da população da Guiné sentia-se e designava-se portuguesa.
Atentando para esses reclamos e, principalmente, para o domínio estrangeiro na
região, o governador da Guiné, Velez Caroço132
, redigiu seu Relatório Anual -1921/1922 nos
seguintes termos:
É realmente deprimente para nós portugueses que há séculos regamos com o nosso
sangue a Guiné, que, desembarcando aqui, tenhamos a impressão de nos
encontrarmos em território estrangeiro [...] É preciso que a metrópole saiba [...] que
se amanhã esta colónia deixasse por qualquer motivo de estar debaixo do domínio
português, em meia dúzia de anos se apagariam os vestígios de nossa passagem por
aqui, pois nem a nossa língua por cá seria conhecida. Hoje é vulgar ouvir na Guiné,
129
CARDOSO, Carlos. Formação e Recomposição da Elite Política Moderna na Guiné-Bissau: continuidades e
rupturas (1910-1999). In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 8., 2004,
Coimbra, Anais, p.6. 130
TRAJANO FILHO, Wilson. Pequenos mas honrados: um jeito português de ser na metrópole e nas colônias.
Série Antropologia. Brasília, n. 339, 2003a, p.16. 131
De acordo com René Pélissier (1997, p.250), dos estabelecimentos comerciais existentes na Guiné ao final da
década de 1920, 549 pertenciam a portugueses e colonos, 16 a alemães, 26 a franceses e 172 a libaneses. Em
1933, do total da população branca, 1/3 era composta por sírio-libaneses. 132
Jorge Frederico Velez Caroço foi governador da Guiné de 1921 a 1926.
115
entre o elemento caboverdeano, que nós somos estrangeiros; o que seria amanhã?
(CAROÇO, apud PÉLISSIER, 1997, p.122) 133
O que Velez Caroço apontou era reflexo da política adotada para o ultramar durante o período
da primeira experiência republicana em Portugal. A descentralização administrativa e a maior
autonomia aos governos locais, a maioria deles encabeçados por militares despreparados para
a função, quase provocou a perda da Guiné. Por outro lado, o conteúdo do relatório também
dá pistas de que os estrangeiros não afrontavam os povos guineenses e suas culturas, com eles
tendo travado parcerias comerciais por séculos.
Outras tensões rodeavam as praças da Guiné. Enquanto esteve vinculada a Cabo
Verde, o fluxo de pessoas entre as duas regiões era frequente, porém, após a Conferência de
Berlim e a consequente obrigatoriedade de povoar a Guiné, os cabo-verdianos foram
incentivados a emigrar. O relacionamento entre os egressos de Cabo Verde e os colonos
portugueses tornou-se conflituoso, pois estes os tinham como usurpadores. Os primeiros, por
vezes mais instruídos, consideravam-se “superiores aos Portugueses e por estes travados por
preconceitos de cor na sua ascensão social.” 134
Essa intelectualidade crioula cabo-verdiana,
dominava os cargos médios da administração colonial e provocava disputas em meio à
sociedade “civilizada”. Embora não tivessem o status de “indígenas”, nunca foram
considerados cidadãos portugueses plenos - afinal, não eram brancos - e, por conta dessa
subalternidade, aproximaram-se dos povos locais, porém estes não viam “com bons olhos a
identificação e, em alguns casos, colaboração que os cabo-verdianos, na verdade, prestaram
ao aparelho administrativo na Guiné.”135
A Carta Constitucional de 1917 reforçou a diferença social, política e jurídica
entre africanos e portugueses. Segundo Marques (2006), o direito da população nativa era
“reconhecido”, não se comparando, no entanto, ao direito do indivíduo metropolitano. Para os
portugueses, a legislação podia ser considerada importante e suficiente, porém, para os povos
guineenses, que não viviam sob leis escritas ou elaboradas em gabinetes, significou o arbítrio
e a interferência em seus modos de vida ancestralmente constituídos.
Na metrópole, militares, antiliberais e opositores ao Partido Democrático
derrubaram o governo. A liberalidade republicana deu lugar ao governo ditatorial suportado
por ideias nacionalistas. A unidade política dos territórios foi restabelecida cessando, dessa
forma, o processo de descentralização iniciado poucos anos antes. Nesse mesmo ano foi
criado o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, que,
133
CAROÇO, Jorge Frederico Velez. Relatório anual do governador da Guiné (1921-1922). Coimbra, 1923. 134
Ibid., p.250. 135
AMADO. Leopoldo. A literatura colonial guineense. Icalp, v.20-21, jul.-out.1990, p.6.
116
poucos anos depois, se estendeu à Guiné136
. Ao tempo em que se promovia a unidade política,
aprofundavam-se as diferenças e a sociedade guineense foi dividida entre “indígenas” e “não
indígenas”.
O golpe militar de 1926 produziu agitações significativas na metrópole e,
decorrente disso, chegaram à Bolama, capital da Guiné nessa época, os desafetos do novo
regime. Cerca de uma centena de opositores políticos, muitos deles profissionais liberais,
além de 40 ou 50 condenados comuns, estes, destinados a trabalhos forçados no arquipélago
dos Bijagó e, sob a supervisão de militares, abriram estradas e esperaram a morte, quer por
doenças tropicais, quer por esgotamento
Até 1928, quando da reforma do Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias
Portuguesas em África, o trabalho forçado era uma prática comum no ultramar137
. Essa
reforma aconteceu em reposta às denúncias de trabalho “escravo” na África portuguesa,
apresentadas por Edward Ross138
, junto à Comissão Temporária sobre a Escravidão da
Sociedade das Nações. O novo código não modificou muita coisa, pois “nas décadas de 30 e
40 era comum afirmar-se que não existia escravatura em Portugal, embora essa prática ainda
se verificasse em algumas colónias e protectorados estrangeiros.”139
Entre outras premissas, as novas regras enfatizavam que os autóctones “tinham a
obrigação moral e legal de trabalhar como forma de melhorar a sua condição material e moral,
obrigação que, não cumprida, voluntariamente, seria imposta pelo Estado”140
, já que o
incentivo ao trabalho fazia parte do processo de “civilização” implementado na colônia.
Assim, o Estado assumia para si o direito de exigir que povos não integrados ao mundo
capitalista, assim o fizessem por força de lei. Civilizar, então, passou a significar a formação
de trabalhadores dóceis, submissos e produtivos, mas nem por isso, passivos.
A ideia de trabalho, atrelada à melhoria de condições de vida, não encontrava
sentido junto à maioria das populações locais. Estas adotavam outras formas de produzir, em
136
O Estatuto Social Político e Criminal dos Indígenas, de 1929, é uma versão atualizada do Estatuto Político,
Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, de 1926, inicialmente aplicado nestas colônias e
estendido à Guiné em 1927. Também no ano de 1927 o estatuto alcança as companhias de Moçambique e Niassa
e apenas em 1946 chega a São Tomé e Príncipe e ao Timor. Em 1953 foi retirada a condição de “indígena” aos
nativos destas duas colônias. Os naturais de Cabo Verde, Estado da Índia Portuguesa e de Macau nunca foram
submetidos ao Indigenato, embora também fossem designados “indígenas”. 137
Existiram várias leis anteriores: o Código do Trabalho de 1899, o Regulamento do Trabalho dos Indígenas,
de 1911, revogado em 1914 quando foi substituído pelo Regulamento Geral do Trabalho dos Indígenas nas
Colónias Portuguesas até a criação, em 1928, do Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas
em África (Decreto-Lei nº 16.199 de 6/12/1928). 138
Edward Ross (1866-1951) era professor de sociologia da Universidade de Wisconsin, EUA. 139
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.67. 140
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. Revista África e Africanidades. São
Paulo, n.11, nov. 2010, sem paginação.
117
outras palavras, suas necessidades eram supridas a partir da própria produção e pela troca de
produtos, existindo, subsidiariamente, conhecimentos técnicos apropriados e milenares, os
quais nunca foram compartilhados com o colonizador.
Porém, para a metrópole, as razões de ordem econômica falavam mais alto, pois
era preciso
que os seus domínios prosperassem e, a par disso, tinha de trazer o indígena para o
mundo civilizado através do esforço físico (trabalho). A fórmula, ou seja, a
civilização pelo trabalho, que não era uma novidade portuguesa, dado que todas as
nações civilizadoras, sob o mesmo argumento, cumprir o fardo que lhe era imposto
[...] utilizavam-na. O ineditismo de Portugal é exatamente a criação deste novo
direito do Estado de exigir, compelir o indivíduo a trabalhar, porque este tinha o
dever moral de fazê-lo e sem direito de recusa.141
Para o industrial da região de Bafatá, Francisco Quadros, estava claro que a interferência do
Estado era imprescindível, pois, para ele, o “indígena” era improdutivo e limitava-se,
na sua indolência, a pedir ao seu esforço o estritamente indispensável para
satisfazer, e mal, as suas parcas necessidades. Se, porém (fosse) orientado, e, em
acção constante persuadido a trabalhar mais, já então, de certeza, (colheria) o
suficiente para viver com abastança e rodear-se de relativo conforto, melhorando,
assim, o seu nível de vida.142
Um “novo” tipo de trabalho compulsório foi, portanto, escamoteado pelas leis e pelo discurso
da emancipação. Por outro lado, atendia aos interesses das fábricas, companhias, fazendas e
até mesmo particulares, todos carentes de mão de obra para tocar suas atividades.
As leis e os discursos davam suporte à “civilização pelo trabalho”, que encobria,
na verdade, a apropriação da mão de obra do negro “indígena”, numa forma repaginada de
escravização. A montagem jurídica articulada na metrópole proporcionou contradições, na
medida em que passaram a coexistir, na Guiné e nas demais colônias portuguesas alcançadas
pelo indigenato, dois regimes legais: a lei dos brancos-colonos-civilizados, e o direito
consuetudinário das populações autóctones.
Legalmente, não sendo cidadão nem sendo aceite como civilizado, o africano não
possuía direitos civis, sendo obrigado a laborar em actividades pouco remuneradas e
em profissões menores, relegado a escolas inferiores e separadas e sujeito a
espancamentos, violência física, banimentos em colónias penais e ao trabalho
forçado em plantações, estradas, caminhos-de-ferro e em portos, reflexo da
centralidade da questão do trabalho indígena para as políticas coloniais. Nos espaços
coloniais, a nacionalidade surgia ‘desnaturalizada’ para os indígenas, obrigando-os
aos mesmos deveres dos cidadãos – a obrigação/direito ao trabalho –, sem lhes
garantir a igualdade de direitos.143
141
MARTINEZ, Esmeralda Simões. O trabalho forçado na legislação colonial portuguesa - o caso de
Moçambique (1899-1926). 2008. 344f. Dissertação(Mestrado em História da África) - Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008, p.101. 142
RODRIGUES, Manuel M. Sarmento. Discurso proferido na inauguração da passagem sobre submersível de
Contuboel. BCGP, Crónica da Colónia, Bissau, v.2, 1947, n.7, p.799-800. 143
MENESES, Maria Paula G. O “indígena” africano e o colono “europeu”: a construção da diferença por
processos legais. E-Cadernos do CES, Coimbra, n.7, 2010, p.82.
118
As leis produzidas para o ultramar foram um grande equívoco, embora tenham
existido para amparar propósitos impublicáveis. Os legisladores, a quilômetros de distância
dos legislados, possuíam vidas, trabalhos e modos de pensar que seguiam em direções opostas
e desqualificavam as dinâmicas culturais existentes na Guiné. Provavelmente, imaginaram
que o direito de propriedade, de família, do trabalho, perante o Estado seriam compreendidos
e incorporados por povos que tinham formas diferentes de vivenciar a propriedade, a família,
o trabalho e que não conheciam o Estado moderno.
É difícil, hoje, imaginar como os portugueses supuseram que os povos africanos,
possuidores de mundividências tão particulares, dotadas de um sentido comunitário de viver e
de uma ligação inquebrantável com o mundo invisível, pudessem se submeter,
tranquilamente, ao mundo moderno, apenas pelo fato de serem negros. Provavelmente, a
urgente necessidade de sobreviver e continuar existindo dentro do mundo capitalista europeu
possa explicar construções portuguesas tão enredadas quanto ineficazes.
Outra missão do governador Sarmento Rodrigues dizia respeito à comercialização
dos produtos da Guiné. Os comerciantes, estrangeiros e coloniais, reivindicavam maior
liberdade após a implementação de medidas de controle e fiscalização sobre as transações
diretas com as populações locais. Estava estabelecido o início de um controle que jamais
havia existido nos espaços ultramarinos, que provocou a insatisfação daqueles que
conheceram o “antigo” comércio livre. Para aumentar o descontentamento, desde o final da
década de 1930, a metrópole abriu espaço nas colônias para “novos” parceiros.
O que antes era de domínio quase exclusivo de estrangeiros, assumiu um caráter
“nacional”. Desse processo destaca-se a Companhia União Fabril (CUF), controladora de
quase toda a Guiné até o momento anterior à sua independência política. Numa atuação
monopolista e com mão de obra local a custo baixo, ou praticamente sem custo, a CUF
dominou a produção e o comércio de madeira, amendoim, arroz, óleo de palma, etc. O
controle, de fato, era bastante rígido e em 1959, por exemplo, quando os carregadores do
porto de Pidjiguiti entraram em greve por melhores condições de trabalho, foram reprimidos
com tamanha violência que gerou 50 mortes. Também têm destaque a Sociedade Agrícola de
Gambiel, no rio Geba e a Cia. Agrícola e Fabril da Guiné-AGRIFA, inicialmente britânica e
depois luso-alemã, que explorava as palmeiras de óleo e a mão de obra dos Bijagó.
Coube, também, a Sarmento Rodrigues e seus funcionários, oferecer aos povos
guineenses a “oportunidade” de deixarem a condição de “indígena” e obter o “Diploma dos
119
Cidadãos”144
. Mesmo os islamizados, que dominavam a escrita árabe e a leitura do Corão
(Fula, Mandinga, Beafada e Nalú), deveriam cumprir as seguintes exigências:
a) Falar, ler e escrever a língua portuguesa;
b) Possuir bens de que se mantenham ou exercer profissão, arte ou ofício de que
aufiram o rendimento necessário para o sustento próprio (alimentação, vestuário e
habitação) e, sendo casados, para suas famílias;
c) Ter bom comportamento e não praticar os usos e costumes do comum da sua
raça;
d) Haver cumprido os deveres militares que, nos termos das leis sobre
recrutamento, lhes tenham cabido.145
Foram, assim, lançadas as estruturas para que os negros da Guiné deixassem de
ser indígenas e se tornassem cidadãos assimilados. Provavelmente os portugueses
imaginavam estar cumprindo sua missão “civilizadora” junto às sociedades consideradas
“atrasadas” e, por conta disso, consideravam sua missão de “chamar os nativos de raça negra
ou dela descendentes ao grémio dos cidadãos portugueses.”146
Porém, essa estratégia atingia algo bem mais importante do que o discurso poderia
deixar transparecer. Para os portugueses era preciso despojar o “indígena” de sua própria
forma de vida e, para tanto, reiterar e incutir as ideias sobre “cidadania portuguesa” e
“civilização”, além de defender que o
o único testemunho dessa emancipação só poder(ia) resultar do repúdio dos usos e
costumes indígenas, e só este pode(ria) condicionar a sua integração num meio
social civilizado. Quer dizer, só a assimilação da massa populacional dos povos
indígenas que se procura, aliás, acentuar, poder(ia) autorizar a supressão do
indigenato. 147
Certamente, não pensavam em transformar africanos em cidadãos portugueses, mas
formalizar a diferença entre ambos. Longe de agregar o negro da Guiné à nação portuguesa, a
intenção da cidadania encobria a submissão que se pretendia impor-lhe. Era preciso
quebrar-lhe a vontade, “coisificá-lo”, surrupiar-lhe a língua, as crenças, as tradições
engabelá-lo com mistificações e roubar-lhe a capacidade de escolha própria.
Desprestigiar, desconsiderar a cultura autóctone em detrimento da cultura imposta,
embriagando o colonizado com o elixir da civilização.148
Foi a face mais perversa do colonialismo: ficava estabelecido o que Aníbal
Quijano conceituou como “colonialidade do poder”, em que a Europa Ocidental toma para si
o “controle de todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do
144
Diploma Legislativo nº 1.364 de 07/10/1946, conhecido como “Diploma dos Cidadãos”. 145
TAVARES, Álvaro. Do Indigenato à Cidadania: o Diploma Legislativo nº 1.364, de 07 de outubro de 1946.
BCGP, Bissau, v.2, 1947, n.8, p. 855-6. 146
BARBOSA, Honório. Os indígenas da Guiné perante a Lei Portuguesa. BCGP, Bissau, v.2, 1947, n.6, p.345. 147
TAVARES, op.cit., p.861. 148
AUGEL, Moema P. O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné-
Bissau. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, p.133.
120
conhecimento, da produção do conhecimento”149
. A colonialidade do poder é uma forma bem
articulada de dominação onde o
colonizador destrói o imaginário (do “outro”), invisibilizando-o e subalternizando-o,
enquanto reafirma o próprio imaginário. Assim, a colonialidade do poder reprime os
modos de produção de conhecimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do
colonizado e impõe novos. Opera-se então, a naturalização do imaginário do invasor
europeu, a subalternização epistêmica do outro não europeu e a própria negação e
esquecimento de processos históricos não europeus.150
A oferta de “civilização” buscava seduzir, principalmente, os naturais da terra
que habitavam regiões mais distantes das cidades, pois nessas regiões, por conta da distância e
da falta de comunicação, assuntos como esse provocavam certa “curiosidade”. Apesar disso, a
quantidade de adesões ao programa português ficou muito aquém do esperado. Segundo os
dados apurados no recenseamento de 1950, apenas 1807 negros da Guiné eram considerados
“civilizados” e 510.777 eram classificados como “não civilizados”.
Ocorreram muitos casos em que, após a obtenção da “cidadania”, os “novos
portugueses” retomavam suas práticas ancestrais. Por essa razão, o legislador colonial dispôs
sobre a perda da condição, ou seja,
Os indivíduos de raça negra ou delas descendentes naturais das colónias onde haja
indigenato incorrem na perda de qualidade de cidadãos quando se verifique que
praticam os usos e costumes dos indígenas, competindo às autoridades
administrativas organizar os respectivos processos para a anulação desses direitos, a
qual será feita por despacho do Governador sob proposta da Repartição Central dos
Serviços de Administração Civil. 151
Os portugueses, certamente acreditavam que a concessão ou suspensão da
“cidadania” poderia afetar a relação do negro da Guiné e suas práticas e costumes, razão pela
qual Álvaro Tavares152
concordava com a revogabilidade da medida:
a atracção que certos indivíduos da raça negra sentem pelo meio em que nasceram
ou que os rodeia e que os leva a abandonarem a civilização europeia e a
reintegrarem-se na sociedade indígena (determina) a necessidade de tornar
revogável o despacho governamental que lhe reconheceu a qualidade de cidadão ,
pois só a revogabilidade garante que o abandono dos usos e costumes indígenas
não seja mera fraude ao mesmo tempo que reforça a determinação do ex-indígena,
pelo receio da sanção, em se manter emancipado desses usos e costumes.
149
QUIJANO, Aníbal. Quijano, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In:
LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-
americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. set.2005, não
paginado. 150
OLIVEIRA, Luiz Fernandes. História, epistemologia e interculturalidade. In: História da África e dos
africanos na escola: as perspectivas para a formação dos professores de História quando a diferença se torna
obrigatoriedade curricular. 2010. f.37-73. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010, p.46. 151
Artigo 5º do Diploma Legislativo nº 1.364 de 07/10/1946 (Diploma dos Cidadãos). 152
TAVARES, Álvaro. Do Indigenato à Cidadania: o Diploma Legislativo nº 1.364, de 07 de outubro de 1946.
BCGP, Bissau, v.2, 1947, n.8, p.858.
121
Os dois primeiros negros da Guiné que receberam o diploma de cidadãos tiveram
seus retratos publicados nas páginas do Boletim Cultural. O auxiliar de enfermagem Tomaz
Gomes, “solteiro, filho de José Gomes e de Maria Olímpia da Silva, natural da freguesia de
S. José de Bolama, (foi) elevado à categoria de cidadão nos termos do Diploma Legislativo nº
1364 de outubro de 1946”153
, conforme despacho do governador datado de 31/12/1947. Da
mesma forma, Halime Abdulai Said, de 16 anos, natural de Chitole, circunscrição de Bafatá,
“filha de Abdulai Said - natural da Síria - e de Gedere Embaló, também passou a ser
“cidadã”154
na mesma época.
Os assimilados, vivendo nas cidades, estavam longe de se sentirem integrados ao
mundo português e, ao mesmo tempo, desenraizavam-se do único mundo ao qual haviam
pertencido. Eram, invariavelmente, discriminados, mantinham-se numa espécie de “limbo
social”, como
arremedos de europeus que, também por isso, eram objeto de ironia, do sarcasmo,
patrocinado pelo racismo velado, mas identificado dos portugueses o que, aliás,
perdura hoje em dia e é facilmente visível, quando observamos os olhares, dos de
pele clara, que são lançados aos de pele escura, que insistem em povoar o Rossio e
adjacências”.155
Portugal articulou mecanismos que julgou capazes de modificar o modo de ser
das populações autóctones. Incentivou o abandono dos costumes tradicionais para que
pudessem adentrar ao mundo “civilizado” dos brancos. Em contrapartida, tiveram que tolerar
alguns costumes, mesmo após construírem um arcabouço jurídico-administrativo específico
para as populações locais. Apesar de todo o aparato arquitetado, é significativo que, em 1961,
quando da revogação do Estatuto dos Indígenas, apenas 0,3% da população pertencente aos
grupos tradicionais, não mais do que 2000 pessoas, tinha pleiteado a cidadania portuguesa.
153
CORREIA, A. A. Peixoto. BCGP, Crónica da Colônia, Bissau, v.3, 1948, n.9, p.285. 154
Ibid., p.286. 155
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. Revista África e Africanidades. São
Paulo, n.11, nov. 2010, sem paginação.
Primeiros "cidadãos diplomados”
BCGP, n.9, 1948, Secção Crónica da
Colónia, p. 285-6
122
Isso leva à conclusão que a cultura dos povos guineenses não fora seduzida pela cultura
europeia, bem como as tradições não poderiam ser modificadas por atos e decretos.
A política colonialista portuguesa, em grande medida, optou por um modelo de
colonização que previa assimilar e integrar os povos colonizados.
Este paradigma traduzia-se, em termos práticos, numa política que por um lado
advogava a manutenção das “tradicionais” formas de organização social e política,
próprias das sociedades autóctones, o que implicava a manutenção dos líderes
tradicionais e, por outro, numa tentativa de constituição de uma classe de
intermediários entre o poder colonial e as populações locais para facilitar os
contactos entre as estruturas implantadas pelo Estado colonial e as estruturas ditas
tradicionais.156
Embora na metrópole poucos soubessem sobre as populações da Guiné, as
representações sobre elas eram muitas. Um dos veículos nos quais essas representações
tornavam-se explícitas eram as exposições coloniais, muito comuns nas primeiras décadas do
século XX. Eram locais “onde se encenava a lógica dos modelos coloniais, se reproduziam as
supostas tribos e os seus denominados ‘usos e costumes’[...] e europeus e americanos foram
convidados a ver ‘em casa’ os povos nativos (colonizados ou não)”157
.
Portugal aproveitava esse espaço de propaganda para melhorar sua imagem
enquanto império colonial, principalmente após as denúncias do relatório Ross. Também
serviu para divulgar de forma positiva o regime autoritário instalado em 1926 e propagandear
o Estado Novo. Por essa razão, após a participação na Exposição Colonial de Paris de 1931,
Portugal promoveu a primeira de suas grandes exposições: a Exposição Colonial do Porto de
1934.
Exposições coloniais:
Paris, 1931; Porto, 1934.
156
CARDOSO, Carlos. A formação da elite política na Guiné-Bissau. Lisboa: ISCTE, Centro de Estudos
Africanos, 2002, p.16. 157
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.162.
123
A ideia de um Império Colonial consolidado, ativo, grande e indivisível foi, também,
divulgada nas exposições de Bruxelas (1935), Paris (1937) e Nova Iorque (1939), onde as
“peças de exposição” - “espécimes” de povos africanos - foram cuidadosamente
selecionadas.
Armando Augusto Gonçalves de Moraes Castro, funcionário do Ministério das
Colônias, viveu na Guiné durante os anos mais conturbados da “pacificação”. Representou
Portugal na Exposição Colonial de Paris e foi incumbido de elaborar a Memória da Província
da Guiné destinada à Exposição Colonial Inter-Aliada de Paris (1925), expondo, assim, suas
impressões sobre as populações locais, sintetizadas no quadro a seguir:
Ideias portuguesas associadas aos povos guineenses158
As classificações apresentadas por Castro apontam para a diferença que permeava
as relações entre portugueses e os povos da Guiné. Aqueles mais próximos, como Fula e
Mandinga, eram tidos como de boa “índole”, os Felupe e Balanta eram considerados
“preguiçosos”, pois não se adequavam ao esquema de trabalho imposto pelas autoridades
coloniais. A beleza, para Castro, era praticamente inexistente na Guiné e as resistências ao
colonialismo foram traduzidas como uma tendência inata a guerrear. Tais impressões,
próprias da época, denotam como os povos guineenses, assim como todos os povos negros
africanos em geral, tiveram sua imagem construída a partir do olhar eurocêntrico racista e
excludente.
158
MATOS, Patrícia Ferraz de. As “côres” do império: representações raciais no Império Colonial Português.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.169.
nome do grupo
homem mulher
Comportamento índole boa Fula, Mandinga
índole má Banhum, Nalu, Balanta
trabalhadores Manjaco, Banhum, Balanta Banhum, Beafada
preguiçosos Felupe, Balanta
desonestos Mandinga, Banhum, Balanta
guerreiros Todo em geral, sobretudo os Balanta
lascividade/poligamia Todos são polígamos Bijagó
costumes incompreensíveis Fula, Papel, Manjaco, Balanta, Nalu, Bijagó Fula, Manjaco
carácter concentrado Fula, Papel
expansivos Mandinga
espertos Papel
Fisionomia pouco robustos Fula
robustos Felupe, Papel, Manjaco
beleza Manjaco
124
Sarmento Rodrigues, ao discursar para seus funcionários, numa reunião realizada
em 1947, deixa pistas de como o racismo e a violência permeava as relações na Guiné.
Discursou o governador:
os senhores chefes de posto são os protectores dos indígenas. Nada de permitir ou
exercer violências. O indígena é um homem como nós, digno da mesma
consideração que nos atribuímos. É preciso tratá-los com firmeza, mas com
bondade. Reprimir os seus abusos, mas não permitir que sejam maltratados ou
enxovalhados [...] Ser chefe de posto é ter o mais invejável lugar no Ultramar. Não
há outro que se lhe compare em importância. Da sua actuação resulta o bem e todo
o mal na vida de uma colónia. Só verdadeiramente pessoas de escol mereceriam
estas funções supremas [...] me regozijo por dispor de um grupo de funcionários
como os senhores [...] reconheço que muitos vieram para cá desanimados
compreenderam a sua missão e se sentem entusiasmados, mas pressinto que além
do que fizeram está a minha esperança naquilo que de hoje em diante irão
empreender. Uma idéia os norteará: levar aos povos que lhes estão confiados
saúde, abundância e paz. Um sentimento os dominará: para se governar um povo é
preciso amá-lo. Assim apetrechados, creiam, meus senhores, que o futuro da Guiné
estará e muito bem, nas suas mãos. 159
Ao assumir o governo estava imbuído de vários propósitos, inclusive o de reorganizar as
relações entre seus representantes e os povos autóctones, os quais passavam para a “tutela”
colonial. Dentre as ferramentas que utilizou estava o Boletim Cultural, cuja gênese aconteceu
num momento em que os imperialismos eram postos em xeque. Nesse sentido, o Estado Novo
salazarista, o colonialismo “científico” e o novo periódico estavam intimamente imbricados.
Havia uma história sendo construída pelos povos guineenses. Contudo, os liames
do colonialismo, a “colonialidade do poder”, além de usurpar vidas e culturas, surrupiaram
suas histórias de uma forma tal que passaram a fazer parte
da própria história portuguesa, que, insistentemente, tentava negativá-la, como
forma de confirmar a sua própria, aquela dos grandes descobrimentos e do
pioneirismo, da própria missão civilizadora, que encontrando “selvagens”,
transformava-os, através do evangelho, cumprindo a missão secular e que lhe foi
confiada por Deus. A preocupação era retirar a história do “Outro”, e fazê-lo aceitar
a do “Mesmo”.160
Para corrigir estas apropriações, cabe acompanhar o que sugere Carlos Lopes, ou
seja, “perceber os fenómenos socio-políticos da Guiné-Bissau e da região em que está inserida
a partir de uma historicidade endógene que minimiza a relação com o exterior.”161
É um
trabalho que demandará um esforço conjunto entre estudiosos de várias áreas do
conhecimento e, provavelmente, dependerá da atenção das gerações futuras.
159
RODRIGUES, Manuel M.Sarmento. Discurso proferido na abertura da 3ª Sessão da 1ª Conferência de
Administradores de 1947. BCGP, Crónica da Colónia, Bissau, v.2, 1947, n.8, p.1.070. 160
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. Revista África e Africanidades. São
Paulo, n.11, nov. 2010, sem paginação. 161
LOPES, Carlos. Os limites históricos de uma fronteira territorial: Guiné “Portuguesa” ou Guiné-Bissau.
Lusotopie, Paris, 1994, p. 137.
125
CAPÍTULO 3
POVOS DA GUINÉ-BISSAU E O BOLETIM CULTURAL DA GUINÉ PORTUGUESA
3.1 Aspectos das comunidades em meados do século XX
Percorri o território em diversos sentidos, a pé
ao executar o arrolamento de palhotas; assisti de perto ao desenrolar
das cerimónias do “fanado, dos “choros”
(numa época em que ainda “descascavam” os cadáveres),
das mutilações pigmentares, dos casamentos
(em que a mulher se sujeitava ao que chamam “pisar o risco”)
e das consultas ao “irã”. António Carreira, Chefe da Circunscrição de Cacheu
1
António Carreira e Fernando Rogado Quintino são os autores mais publicados no
Boletim Cultural2, seus artigos, especialmente de cunho etnográfico, estão presentes ao longo
da existência daquele periódico. Carreira é cabo-verdiano e Rogado Quintino, assim como a
maioria dos funcionários da administração colonial, possivelmente fosse. Ambos viveram
durante muitos anos na da Guiné exercendo funções administrativas, porém dedicaram-se,
especialmente, ao estudo das comunidades de povos da Guiné, bem como à observação de
seus costumes. Além do convívio muito próximo com vários grupos e estudiosos de suas
culturas, apresentaram trabalhos diferenciados, isto é,
não são mais expressivos do entusiasmo ingênuo dos primeiros anos do Boletim, em
que se apresentava a Babel linguística e cultural de que os jovens administradores
eram guardiões titulares, ou das preocupações do administrador colonial em
implementar políticas de controlo político e produtivo.3
Por essa razão, seus artigos permeiam grande parte do presente capítulo.
A maioria dos colaboradores do Boletim Cultural compreendia os povos
guineenses a partir de debates teóricos das primeiras décadas do século XX, ou seja,
1 CARREIRA, António. Região dos Manjacos e dos Brâmes: alguns aspectos da sua economia. BCGP, Bissau,
v.15, 1960, n.60, p.735-6. 2 A relação dos artigos publicados no BCGP, bem como outras obras de António Carreira e Fernando Rogado
Quintino está disponível através de consulta à biblioteca digital do Projeto Memória de África e Oriente. 3 CARVALHO, Clara. O olhar colonial: antropologia e fotografia no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.
In: ______; CABRAL, João de Pina. (Orgs.) A persistência da História: passado e contemporaneidade em
África. Lisboa: ICS, 2004b, p.129.
126
pensavam sobre eles tendo em conta o conceito de etnia4, partindo de comparações com
normas e perfis etnocêntricos. Eram classificados, em grande medida, a partir daquilo que não
eram ou não possuíam, ou seja: não eram brancos, não eram alfabetizados, não eram cristãos,
não tinham luz elétrica, não se vestiam adequadamente, entre outras negações.
Partindo desses pressupostos, António Carreira atentou para a existência de povos
que não contavam com uma autoridade política centralizada e, em alguns casos, como os
Balanta, por exemplo, nunca terem ficado sob controle de um chefe político comum.
Observou, também, que, apesar disso, “as relações entre as famílias eram reguladas
eficientemente entre os patriarcas dentro da respectiva esfera de acção, reunidos em
conselho de poderes deliberativos.”5 Não obstante tais relações de poder, opostas àquelas
consideradas “superiores”, as relações sociais eram reguladas de forma adequada, atendendo
as necessidades de cada um dos povos em suas gerações.
Cabe salientar que na África pré-colonial existiam organizações políticas de
variadas formas e dinâmicas e não entidades culturais, linguísticas ou étnicas, tais como se
concebe atualmente. Como aponta Wolfgang Dopcke (1999, p.81), Estados ou Impérios
“eram máquinas de integração de grupos, sociedade, chefias de diversas origens, tradições,
línguas, etc.” Nesse sentido, qualquer recorrência a parâmetros eurocêntricos torna-se
temerária, não sendo possível pensar sobre povos guineenses como entidades fechadas ou
isoladas. Há algo mais complexo, como em todo o no mundo africano, para ser compreendido
do que os debates teóricos acerca de conceitos tais como etnicidade, Estado-nação ou
nacionalismo, por exemplo, podem revelar.
As estruturas tradicionais da Guiné sofreram mudanças importantes, notadamente
a partir das primeiras décadas do século XX. Nos aglomerados circunvizinhos às cidades, por
exemplo, alguns costumes estavam bastante modificados, quer pela influência europeia, quer
pela ascendência de povos islamizados. Para os portugueses, as mudanças eram
compreendidas como parte do processo “civilizatório” decorrente do próprio colonialismo. É,
no entanto, mais aceitável compreender tais mudanças a partir da perspectiva de zonas de
contato, proposta por Mary Louise Pratt, em que
culturas díspares se encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra,
frequentemente em relações extremamente assimétricas de dominação e
4 Segundo Carreira (1961a, p.663), o termo etnia compreendia “grupos de indivíduos aparentados, ou não, uns
com os outros; fixação destes grupos e destes indivíduos num mesmo território; relativa unidade de língua, de
crenças religiosas e de estrutura social; certa consciência de grupo; comunidade de interesses e autoridade
política, ou não.” 5 CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau. v.16, 1961a,
n.64, p.663.
127
subordinação – como o colonialismo, o escravagismo, ou seus sucedâneos ora
praticados em todo o mundo. 6
Os grupos estabelecidos no entorno das praças mantinham um relacionamento
mais aproximado com a cultura portuguesa e boa parte dessa população já estava
“assimilada”. Em razão da precária comunicação na Guiné durante todo o período colonial,
pode-se supor que as comunidades rurais foram alcançadas em menor proporção. Alguns
artigos do Boletim Cultural apontaram que em algumas comunidades rurais as práticas
culturais foram mantidas de forma mais consistente.
O poder político português na Guiné de meados do século XX era exercido de
duas maneiras. Uma, de forma centralizada, caracterizando-se pela presença de um régulo que
assumia o poder coadjuvado por um conselho de anciãos e por uma estrutura social
verticalizada. Isto se observava entre os Fula, Mandinga, Manjaco, Mancanha e Papel. Os
chefes das moranças e das tabancas submetiam-se à autoridade do régulo, a qual só era
referendada após o cumprimento de algumas formalidades, dentre elas a comprovação da
propriedade de bens de reinança.
Os bens de reinança eram constituídos por bens móveis e imóveis, concedidos em
usufruto, que ficavam na posse do chefe enquanto este permanecesse no exercício do cargo.
No grupo Papel e Manjaco, por exemplo, a fruição desses bens cessava quando de sua
destituição ou morte, porém, neste caso, “a família (conservava) o direito de colheita na
época própria de todas as espécies que à data da morte (estivessem) cultivadas.”7 Pode-se
afirmar, assim, que o prestígio político dos régulos estava relacionado com o valor e a
quantidade de bens atribuídos ao cargo. Através da exploração desses bens, o sustento era
garantido para eles, seus familiares e aproximados.
Os imóveis especiais de reinança eram destinados a três atividades principais: à
exploração direta por parte do régulo, para seu consumo, ao arrendamento por parte de outros
membros do grupo e à exploração destinada ao amparo de velhos e crianças órfãs. As
propriedades assim caracterizadas eram bem delimitadas e os direitos sobre elas
rigorosamente respeitados, “não se conhecendo casos de usurpação por supressão ou
deslocação de marcos ou sinais destinados a estabelecer os limites.”8
6 PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999, p.27.
As transformações pelas quais passaram os diversos povos da Guiné carecem de investigações mais apuradas.
Não foi, entretanto, objetivo do presente trabalho analisar os processos que desencadearam tais mudanças, porém
assinalar que eram perceptíveis, porém não generalizadas. 7 CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.712. 8 Id. Alguns aspectos do regime jurídico da propriedade imobiliária dos Manjacos. BCGP. Bissau, v.1, 1946,
n.4, p.711.
128
Dos bens móveis de reinança destacam-se os tambores utilizados nos ritos
funerários e os Irãs9, designação crioula para as representações antropomórficas ou abstratas
que estão presentes em locais e momentos de importância na vida da maioria dos grupos
étnicos. Portanto, a manutenção dos régulos e chefes de tabanca (povoados) era, em grande
medida,
assegurada pelos rendimentos provenientes do arrendamento dos imóveis, do
aluguer dos tambores, da presidência nos irãs aos ritos relacionados com o início
do ano agrícola e outros, e, também através da tributação paga pelos súbditos,
especialmente aqueles que emigram para os territórios vizinhos, ao regressarem às
terras.10
Segundo Santos Lima, o Bijagó trabalha “sempre e em toda a parte para consumir
[...] A quantidade produzida é consumida num instante, às vezes no próprio local de
trabalho”.11
A relação entre trabalho e consumo era bastante peculiar ao Bijagó, causando
irritação e espanto aos portugueses. Adotavam práticas opostas às capitalistas - o que, aliás,
era comum aos povos africanos em geral - e o pouco excedente de produtos não fazia face ao
pagamento dos impostos cobrados. O que os colonizadores não conseguiam compreender, era
que a terra e o africano mantinham uma relação de interação e não de exploração. Para o
Bijagó o desenvolvimento não era
um requisito pertinente ao grupo, uma vez que as crenças e rituais agem como
substituto à pesquisa e à busca de supostas melhorias técnicas. Na medida em que a
produção supõe uma relação fundamental com o sagrado - a terra é entidade sagrada
cuja utilização pede atos propiciatórios, oferendas - há um limite à extensão e
alcance de sua exploração. O ritmo do processo produtivo regula-se por um total
respeito à natureza. 12
A percepção africana da terra, como um legado divino, vai de encontro à ideia da
propriedade privada, individualizada. Não existindo a propriedade da terra, existe, por outro
lado, sua posse, a qual assume um perfil de usufruto comunitário. A posse é concedida pela
entidade detentora do poder, que varia de acordo com a natureza da organização social,
política ou religiosa do grupo. Essa autoridade “tanto pode ser real como abstracta, régulo,
entidade religiosa com graduação ou, simplesmente, um ente imaginário que, pela crença
9 Nas moradas, plantações, ritos fúnebres, nascimentos, etc., os Irãs estão sempre presentes. Representam uma
força espiritual, um espírito ancestral e, em grande medida, a força vital, que está presente em toda a parte e deve
ser cultuada, consultada, e apaziguada. O assunto será retomado mais adiante. 10
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.713. 11
LIMA, Augusto José Santos. Organização Económica e Social dos Bijagós. Lisboa: Soc. Industrial de
Tipografia Ltda., 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série “Memórias” n.2, p.56. 12
SILVA, Dilma de Melo. Por entre as Dórcades Encantadas: Os Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo: Terceira
Margem, 2000, p.94-5.
129
própria, foi consultado, via de regra, por intermédio dos espíritos dos antepassados.”13
De
qualquer forma, o direito à terra, a partir dessa orientação, se mantém enquanto perdurar a
representatividade do usufrutuário em relação à comunidade familiar.
Embora as questões relativas ao direito sobre a terra tenham sofrido mudanças ao
longo do tempo, em meados do século XX ainda mantinha-se viva a convicção, entre alguns
povos guineenses, particularmente entre os não islamizadas, de que as terras lhes teriam sido
legadas por seus antepassados. Dessa maneira, deveriam ser, da mesma forma, deixadas às
gerações futuras tais como foram recebidas.
Na estrutura social dos Balanta, Felupe, Baiote e Bijagó, a família é a unidade
básica da organização e quaisquer questões são resolvidas pelo conselho de chefes de
moranças (moransa em crioulo da Guiné-Bissau). É, pois, uma sociedade horizontalizada e o
poder político é descentralizado, ou seja, distribuído entre a comunidade. As moranças
reúnem várias famílias extensas ou alargadas, que são
caracterizadas pela existência do grupo constituído por homem, mulher (ou
mulheres), filhos, sobrinhos e outros parentes em linha recta - e em alguns casos até
em linha colateral - os quais ficam rigidamente vinculados à obrigação de cooperar
perfeita e lealmente na manutenção e perpetuação dessa unidade social.14
A família alargada está presente não apenas na Guiné-Bissau, mas, em grande
medida, por toda a África do Oeste. Possui um significado para além dos laços sanguíneos,
pois funciona, também, como “elemento mítico-espiritual, social e até juridicamente
solidário”15
. Para Fernando Quintino, a natureza clânica da família guineense é representada
pelo culto prestado aos antepassados tornando-a, assim, “uma comunidade social e uma
corporação religiosa.”16
Em síntese, a família é constituída pelos parentes diretos, colaterais
e afins, tanto vivos quanto mortos.
Família do tipo clânico do grupo Balanta-Mané.
BCGP, n.96,1969, p.895.
13
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.693. 14
Ibid., p.642. 15
GARCIA, Francisco Proença de. Guiné 1963-1974: Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder
Português. Disponível em: http://www.triplov.com/miguel_garcia/guine/index.htm, sem paginação. 16
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1967, n.96, p.896.
130
Nestas sociedades horizontalizadas prevalece o tipo de família patriarcal. O
“indivíduo” cede lugar ao grupo familiar - “coletivo” - em que todos os membros mantêm
íntima ligação entre si e as tradições são mantidas, principalmente, o culto aos antepassados.
Na Guiné, tanto nos povos islamizados quanto tradicionais, a figura paterna exerce grande
autoridade perante o núcleo familiar, orientando-o nos diversos aspectos da vida social,
política e religiosa. Entre os grupos islamizados, e particularmente, nos ajustes quanto a
casamentos, os sobrinhos e sobrinhas são orientados pelo tio paterno mais velho, na falta
deste, pelo tio materno.
No recenseamento de 1950 foram computadas 55.700 famílias e cada qual
procurava bastar-se. Não havia, dentro da estrutura familiar tradicional da Guiné, pessoas
desamparadas, vivendo de assistência pública, pois eram “todos sustentados pelo agregado
familiar a que (pertenciam)”17
. Essa forma abrangente de viver, que tornava a presença do
Estado desnecessária, possivelmente incomodou (e incomoda até hoje) aqueles que
pretendiam levar a “civilização” a povos considerados “atrasados”.
A reunião de moranças, que podem agregar de 400 a 500 pessoas, forma as
tabancas (tabanka, em crioulo da Guiné-Bissau), que são as povoações, as aldeias. Cada
morança possui um representante que exerce autoridade sobre todos os membros e os
representa nas relações fora dela. Entre todos os representantes está aquele que pertence à
geração do fundador da tabanca e, por isso, assume o papel de chefe da tabanca, coordenando
as moranças de sua jurisdição, bem como representando a tabanca nas relações com outras.
Esta autoridade não representa interferência nos assuntos internos de cada morança, isto
ocorrendo apenas quando solicitado.
Morança - conjunto de palhotas dum agregado familiar do litoral.
BCGP, 1967, n.85-86, p.35
17
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.22, 1967, n.85-86, p.40.
131
Segundo Lino Bicari, “antigamente a tabanka era formada por moransas da
mesma etnia, embora de djorson (gerações) diferentes. Actualmente há muitas tabankas em
todos os tchon com moransas de diferentes etnias e de diferentes djorson.”18
Como unidade
residencial da família alargada, a morança tem fundamental importância, pois também é
a primeira célula da vida social organizada em que se geram e se harmonizam as
relações económicas (produção, transformação, distribuição, consumo, troca,
“dívidas” e “créditos”), sociais (família, linhagem, etnia, género, educação, saúde),
políticas (direitos, deveres, encargos, hierarquias, heranças) e cosmológicas
(religião, magia, tempos e espaços sagrados e profanos) da sociedade étnica.19
Assim, a morança tem uma importância que vai além da reunião de pessoas que
assumem uma ancestralidade comum ou um conjunto de regras de relacionamento entre si e
entre as próprias moranças. Nessa célula principal das sociedades tradicionais africanas estão
especificados os papeis de cada membro, de acordo com a idade, gênero, geração e, também,
em relação à produção e aos serviços comunitários. Tais especificidades garantem, segundo
Bicari (2004), a segurança de todos os membros da morança e, consequentemente, o
equilíbrio e a estabilidade daí decorre.
Cabe ainda destacar que na morança o sistema econômico possui características
próprias, tais como
a reciprocidade, o intercâmbio, a entreajuda, o dom, a ‘propriedade’ e usufruto
comunitários da terra (tchon), o controle comunitário dos excedentes da produção
individual, etc. Estes aspectos específicos podem garantir a estabilidade social e um
mínimo de segurança económica quer aos membros mais fracos como crianças,
velhos, viúvas e deficientes, que a todos os outros nos tempos de emergência por
causa de guerras, secas, inundações, migrações, etc.20
Entre os Bijagó, a tabanca (emgba, na língua bijagó) constitui a unidade-base do
sistema político e cada uma delas é propriedade de uma geração (kuduba), cujo poder se
estende a outras tabancas. Isto quer dizer que uma determinada geração pode ser a dona do
chão (uam-moto) de várias tabancas em ilhas diferentes. As tabancas bijagós são, de maneira
geral, autossuficientes, tanto em relação a suas atividades econômicas, quanto sociais e
religiosas. Mesmo as ilhas desabitadas têm seus donos tradicionais, como por exemplo, as
ilhas de Cavalos, Polão, Meio, Maju Inorei, Maju Anchorupe, Bane e Egumbane pertencentes
às diferentes tabancas de Canhabaque.
18
BICARI, Lino. Reorganização das Comunidades Rurais: base e ponto de partida para o desenvolvimento
moderno da Guiné-Bissau. Soronda Revista de Estudos Guineenses, Bissau, n.8 Nova Série, jul.2004, p.136. 19
Ibid.,p.136. 20
Ibid.,p.137.
132
Conforme observou António Carreira (1961), nos grupos estabelecidos no litoral
as moranças eram separadas por espaços longos (Manjaco, Brame) e, por vezes, estavam mais
concentradas (Papel, Felupe, Bijagó, Balanta, Banhun, Cassanga). De forma oposta, naqueles
estabelecidos no interior (Mandinga, Fula), o povoamento era, geralmente, caracterizado por
moranças concentradas, raramente encontrando-se grandes espaços entre elas.
Tipos de tabanca - dispersa (litoral, grupos tradicionais), concentrada (interior, grupos islamizadas) desenhos elaborados por Avelino Teixeira da Mota e ilustrativos do artigo de António Careira (1961)
Tabanca em Ambeno, Ilha Roxa,
Arquipélago dos Bijagó Foto de
Hélio & Van Ingen
133
António Carreira (1961) ainda observou que tanto na região costeira quanto no
interior predominavam as palhotas redondas21
, cobertas com colmo e paredes entrelaçadas de
bambu preenchidas com lama. No litoral, as moradias possuíam um ou vários compartimentos
que serviam, simultaneamente, à habitação, celeiro e guarda de animais domésticos durante a
noite. No interior, ao contrário, as moradias não possuíam divisórias internas e serviam
apenas para habitação, ou seja, estábulos e celeiros eram construídos de forma independente.
Havia uma habitação exclusiva para o homem pernoitar com uma de suas mulheres, outra
para as mulheres casadas ou solteiras da mesma morança e outra para os rapazes solteiros.
Segundo José Mendes Moreira (1962), os Bijagó utilizavam as palhotas apenas para dormir
ou abrigar-se das intempéries vivendo, assim, a maior parte do tempo ao ar livre.
Vista aérea de uma morada em construção ainda sem cobertura.
A maioria dos povos do litoral dedicava-se à cultura do arroz, extração do sal,
pesca e coleta de mariscos e à extração do azeite e do vinho de palma, utilizado especialmente
nas festas, práticas rituais, funerais, etc.
Os grupos do interior praticavam uma agricultura do tipo itinerante e as funções
estavam bem especificadas para homens e mulheres. Aqueles que trabalhavam para os chefes
e régulos cuidavam do desbaste do mato e da preparação dos campos para o cultivo,
especialmente da mancarra (amendoim), mandioca, milho, etc. Além disso, eram responsáveis
pela colheita das produções de maior porte. Às mulheres e adolescentes de ambos os sexos
cabiam tarefas mais leves, como o cuidado com as sementeiras, limpeza das terras altas e
21
Entre os Felupe, Baiote, Balanta e Papel as palhotas têm formado redondo ou retangular, com predomínio do
primeiro. Ente os Banhun e Cassanga há predominância do formato retangular, ao contrário dos Manjaco onde as
palhotas são redondas. Os Nalu e Beafada constroem palhotas de ambos os formatos. Os mais velhos do grupo
Brame as fazem no formato redondo e os mais novos, na forma retangular. (CARREIRA, 1952).
134
campos de cultura, manutenção da horta próxima às palhotas, ordenha das vacas e preparo da
manteiga, criação de animais domésticos e transporte da produção destinada à venda. Os
rapazes entre 6 e 15 anos eram responsáveis por apascentar o gado. Cabe destacar a
importância que o gado bovino tinha entre esses grupos, pois simbolizava riqueza e compunha
o dote nos contratos de casamento arranjados pelas famílias.
Os “excedentes da produção” dos povos guineenses, como “o vinho de palma dos
Mandjaco, o arroz dos Balanta, os artesanatos dos Fula, os tecidos dos Mandinga”22
, eram
trocados por outros produtos. Merece destaque a longa tradição que os Fula e Mandinga
possuíam no que tange ao comércio. Em alguns casos amealharam riquezas que, certamente,
conseguiram atrair muitas parcerias e muitos interesses portugueses.
As trocas eram realizadas nas feiras e a diversidade de produtos oferecidos supria
muitas das necessidades locais:
Reúnem-se homens e mulheres (talvez na proporção de 1 homem para 10 mulheres)
e crianças e adolescentes, à sombra de poilões frondosos e aí fazem a exposição, em
cestos ou em grandes balaios, de géneros alimentícios (feijão, milhinhos, fundo,
inhame, manfafa, mandioca, palmito, malagueta, chabéu, arroz descascado a pilão
ou em casca, mampataz, fole, manganaz, etc.), sabão da terra, cestos em folha de
cibe, objectos de barro (da cerâmica tradicional: potes, moringues, panelas, etc.),
animais domésticos (cabritos, leitões, porcos, cabras, cães, gatos, galinhas), ovos,
azeite de palma, azeite de cola amarga, banha de jibóia, esteiras (em tara e em
cibe), panos de fabrico local ou simplesmente bandas, cabaços, arados e ferros do
arado, enxadas (aqueles e estas de fabrico local), bolas de terra extraída dos
morros de baga-baga (cupinzeiro) e que as mulheres grávidas comem com muito
agrado (o hábito da geomania23
ou geofagia), e um sem número de outros géneros e
objectos indispensáveis à vida destas gentes. 24
Após um longo período de escaramuças, os Manjaco e os Brame passaram a
realizar as feiras todos os dias da semana, em regime rotativo, no chão manjaco de Canhobe,
Tame, Bugulha, Baboque, Pelundo e no chão brame de Có e Bula. Em tempos anteriores, as
feiras também aconteciam, porém apenas as mulheres e as crianças podiam pisar no chão
rival. Aos homens isto era impensável. As feiras aconteciam sob o poilão, árvore de grande
porte, muito comum no litoral da Guiné, considerada sagrada, razão pela qual os homens
grandes de algumas tabancas reuniam-se sob sua sombra.
Além das trocas, as feiras ofereciam um espaço de sociabilidade e comunicação.
Ali eram transmitidas notícias de familiares, falava-se sobre política de chefias, do preço dos
produtos nos centros de comércio, entre outros assuntos de interesse coletivo. Também eram
22
AUGEL, Moema P. O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné-
Bissau. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, p.77. 23
Geomania (geomancia) é um tipo de adivinhação onde um punhado de terra é jogado sobre uma superfície e,
posteriormente, faz-se uma interpretação. 24
CARREIRA, António. Região dos Manjacos e dos Brâmes: alguns aspectos da sua economia. BCGP, Bissau,
v.15, 1960, n.60, p.752.
135
comentados casamentos, festas, rituais de iniciação, e exaravam-se críticas “aos actos dos
agentes de autoridade, com verdade e com falsidade, às vezes.”25
Lino Bicari (2004) assinalou que em todos os momentos, inclusive na execução
dos trabalhos mais pesados ou nas dificuldades do dia a dia, a fruição do convívio
comunitário estava sempre presente. Tal acontecia, invariavelmente, com o acompanhamento
da música, do canto e da dança, partes indissociáveis do modo do viver do africano em geral.
Essa música envolvente levou Fernando Quintino, mesmo a contragosto, a admitir sua
qualidade e discordar
que o negro não tinha cultura nenhuma. (que) era um pagão, um selvagem, um
inculto [...] Na música e na dança, está marcando uma posição de vincante
superioridade, que chega a causar pasmo às gerações que entraram na fase da
maturidade. O homem branco das camadas juvenis, mesmo aquele que teima em
manter o negro afastado de si, não consegue resistir ao impacto da cultura deste.
Imita-o a cada passo.26
Quintino percebeu, também, que a dança na Guiné era mais do que o movimento de pés e
corpos. Vislumbrou a existência, mesmo sem compreender, de algo a ser respeitado. Tentou
explicar, sob sua concepção religiosa, que a música e a dança estavam
imbuídas de formalismos e de conceitos próprios dum mundo povoado de espíritos,
de feitiços, de Irãs - anjos e demônios. São estes anjos que governam o mundo e
desencadeiam, segundo sua crença, os eventos na Terra e no Céu. A música e a
dança, como as oferendas e as imolações de animais, constituem meros actos
propiciatórios, processos mágicos de se entrar em comunicação com os espíritos,
como as preces são, para outras crenças mais evoluídas, quando os crentes querem
entrar em comunicação com as divindades.27
A música, que impregna o cotidiano dos povos da Guiné, através da dança e do
canto, representa mais do que uma expressão artística ou estética: é considerada sagrada. Isto
decorre da ideia de que, baseada nos sons e estes relacionados a movimento, são possuidores
de espíritos. Nessa medida, os instrumentistas gozavam de prestígio e eram muito respeitados.
Com seus instrumentos de percussão, convocavam a tabanca para reuniões, chamavam para
os batuques ou notificavam a comunidade sobre o falecimento de algum membro, entre outras
funções. Também lhes cumpria cantar em festas organizadas em homenagem aos homens
mais velhos e aos chefes e autoridades, os quais podiam ouvir improvisações sobre seus feitos
e qualidades. Isto acontecia, porém, desde que fosse pago o lava-remos, isto é, mediante
gorjeta.
25
CARREIRA, António. Região dos Manjacos e dos Brâmes: alguns aspectos da sua economia. BCGP, Bissau,
v.15, 1960, n.60, p. 752. 26
QUINTINO, Fernando Rogado. Música e dança na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.18, 1963, n72, p.553. 27
Ibid., p.554.
136
Dentre outros sentidos, a música exerce uma função preponderante entre grupos
constituídos sob a oralidade. Neles, a Palavra vai além da comunicação, pois a herança de
conhecimentos da sociedade é por ela transmitida. A ligação do homem com a Palavra não é
muito compreendida fora do contexto da oralidade africana, pois a Palavra define o homem
em si, e não os bens e riquezas que possui, além de outras exterioridades.
Na tradição africana, segundo Hampâté Bâ (1982, p.172), a Palavra é concebida
“como um dom de Deus. Ela é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no
sentido ascendente.” O falar e o escutar tomam uma importância da qual não apreendemos
totalmente, pois no universo tudo fala, tem força e gera um movimento “de vaivém” o qual,
por sua vez, “gera movimento e ritmo, e, portanto, vida e ação.” Daí a importância dos sons,
da fala, da música, do rimo, da dança, do corpo:
Enraizadas em confluências palavra/som/ritmo, culturas de tradições orais africanas
acumulam memórias em timbres da voz, deixando ecos em sons e rastros em
caracteres rítmicos e artefatos musicais produzidos com técnicas e formas de
emissões sonoras apropriadas a rituais e outros meios de transmissão e
comunicação.28
Em sua grande maioria, os músicos eram homens; no entanto as mulheres também
atuavam nas festas em honra aos homens grandes (omis garandis). Acompanhando o canto
tocavam um instrumento que consistia “numa meia cabaça esférica, tendo previamente
metido nas falangetas de todos os dedos (excepto os polegares), uns aneis de metal com os
quais tamborilam no flanco da cabaça”.29
O canto e a dança sugerem representações através do corpo, voz e gesto, de
formas e cores. Os dançarinos em geral usam máscaras na cabeça (antropomórficas,
zoomórficas ou polimórficas), além de ostentarem pinturas e enfeites pelo corpo. Os adereços
tomam o formato daquilo que se pretende lembrar, apaziguar, reverenciar, consultar, etc. Em
certo momento ocorre a consubstanciação total e o dançarino entra em estado de transe
tornando-se o próprio espírito, “alma ancestral reencarnada num descendente[...](ao) incauto
pode representar um comportamento ‘burlesco’, uma atitude disparatada, uma coreografia
sem sentido, mas não a um etnólogo circunspecto, ou mesmo a um amador estudioso”.30
Mais
do que uma simples incorporação, quem veste a máscara traz para si as forças do mundo
visível e invisível numa síntese que abrange toda a vida em movimento.
28
ANTONACCI, Maria Antonieta M. África/Brasil: corpos, tempos e histórias silenciadas. Tempo e
Argumento, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 46 – 67, jan./jun. 2009, p.55. 29
GOMES, Abílio. Notas sobre a música indígena da Guiné. BCGP, Bissau, v.5, 1950, n.19, p.415. 30
QUINTINO, Fernando Rogado. Música e dança na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.18, 1963, n72, p.555.
137
As danças do povo Bijagó, por exemplo, remetem a animais, como na dança da
vaca-bruto, do búfalo, do hipopótamo, do peixe-verga (tubarão martelo). Nelas os
movimentos do corpo, os sons emitidos, ritmados pelos tambores, palmas e coros, as
máscaras e adereços utilizados, têm função específica dentro do que se pretende.31
Enquanto
dança, o Bijagó “pode” voar como
a garça, rastejar como a serpente,
nadar como o peixe, investir como
um touro, demonstrar a força do
hipopótamo ou usar do ardil do
crocodilo e das várias faces do
camaleão, numa relação que
agrega mundos paralelos e,
também, imbricados.
Bijagó- Dança do peixe-verga
detalhes das máscaras e adornos dos
dançarinos. Músicos ao fundo.
BCGP n.72, 1963, p.557
Nas danças fúnebres dos Felupe,
as figurantes percorrem o perímetro do terreiro em filas de quatro. Os homens da
geração do defunto procedem da mesma maneira, mas em sentido contrário,
enquanto os escaramuçadores, num vaivém constante munidos de espadas e de
terçados simulam lutas com entes invisíveis, supostos espíritos que tentam arrebatar
a alma do defunto e levá-la por maus caminhos.32
31
Tais significados estão além das possibilidades do presente trabalho, pois carecem de análises apuradas, as
quais seriam mais abrangentes se realizadas por pesquisadores iniciados nas tradições do grupo estudado. 32
QUINTINO, Fernando Rogado. Música e dança na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.18, 1963, n72, p.562.
Bijagó - Dança do vaca-bruto
BCGP, n.110, 1973, p.345.
138
Dança fúnebre dos Felupe. Os tambores, imprescindíveis, acompanham.
Sentado no “trono”, o morto. BCGP n.72, 1963, p.559
Dançarinos Bijagó
BCGP, n.18, 1950, p.159. Dançarinos Balanta BCGP n.5, 1947, p.222
B
BCGP,
139
Nestes exemplos percebe-se a interação entre os povos guineenses e o seu meio.
As manifestações culturais apontam para coisas da natureza e dos antepassados refletindo, em
grande medida, sociedades que transitavam entre dois mundos: o visível e o invisível.
Os portugueses diferenciavam a música
dos Fula e Mandinga das demais. Apontavam o
predomínio da influência árabe que, para eles,
reproduzia sons melodiosos e familiares. Quanto aos
demais grupos, em que preponderava a percussão dos
tambores, consideravam que o ritmo era
“impressionante, difícil e complicado.”33
Apreciavam
a música dos Balanta e equiparavam seus músicos aos
islamizados, pois sua arte estava “fora do domínio do
barulho e do estrondo, do ruído ensurdecedor de
tambores e ‘bombolons’.”34
Embora não
compreendessem o diferente, percebiam a existência
de uma relação indissociável entre a música, a dança e
a vida.
Os instrumentos assumiam um aspecto muito significativo no contexto da
expressão musical da Guiné. Eram construídos por seus próprios tocadores e guardavam uma
relação única e inquebrantável que partia do individual para integrar-se, posteriormente, ao
coletivo. O mais importante dos instrumentos é conhecido pelo nome crioulo de bombolon.
Construído a partir de um tronco de árvore, escavado em seu interior de modo a formar uma
caixa de ressonância, possui comprimento variável (1 a 2 metros) e uma abertura longitudinal
pouco menor que seu comprimento. Tocado por um ou mais instrumentistas, transmitia
notícias importantes ou era utilizado em cerimônias de grande transcendência.
33
GOMES, Abílio. Notas sobre a música indígena da Guiné. BCGP, Bissau, v.5, 1950, n.19, p.415. 34
QUINTINO, Fernando Rogado. Música e dança na Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau, v.18, 1963, n72, p.569.
Dança de mulheres Fula;
região de Dandum, Bafatá.
BCGP n.72, 1963, p.561
Bombolon, Arquipélago dos Bijagó.
140
Por toda a África os tambores também são utilizados para a comunicação à
distância: são os “tambores falantes”. Muitos destes instrumentos emitem sons que imitam
algumas línguas africanas tonais, ou seja, cuja compreensão está baseada na altura em que o
som é reproduzido. A linguagem tamborilada, assim chamada, reproduz, portanto, os tons
naturais presentes na linguagem falada, ou seja, a melodia presente nas palavras e frases.
Nem todos os eventos são comunicados através dos tambores, porém, quando isso
ocorre, há pessoas habilitadas tanto para transmiti-los como para recebê-los. Os tambores
devem ser tocados por membro do próprio clã, pois se tocado por outra pessoa a linguagem
transmitida torna-se incompreensível. Muitas das frases são repetitivas e podem ser
aprendidas de geração para geração.
Segundo António Carreira, os “tambores servem para anunciar morte à grande
distância, convocar os parentes e amigos, transmitir aos espíritos dos antepassados os
desejos do morto e as preces da família.”35
Fica claro perceber que nas sociedades
constituídas pela tradição oral a linguagem tamborilada, assim como o canto e a dança,
assume um papel preponderante. Nesse sentido, a importância do instrumentista, responsável
por “falar” através do instrumento, também evidencia-se.
O bombolon, o cumurá e o gilá36
, instrumentos de percussão, e a flauta, feita de
cana, eram tocados por toda a Guiné. Na maioria dos grupos o bombolon também possuía a
função de “chamar o vento”. Abílio Gomes (1950) revela que todos os barcos possuíam um
bombolon, pois na falta do vento, os marinheiros tocavam-no para chamá-lo. Entre os Fula e
os Balanta há o balafon, espécie de xilofone feito de madeira e executado com dois martelos,
constituído por cabaças de tamanhos diversos que são afinadas de
acordo com cada tecla,as quais possuem pequenos furos de onde são
estendidas teias obtidas do casulo de um determinado tipo de aranha,
produzindo uma ressonância rara [...] amplificada pelas pulseiras de
metal que o músico usa no pulso. A afinação do instrumento é
relacionada com o dialeto peculiar a cada grupo étnico ou às escalas de
suas canções originando múltiplas variações.[...] O balafon Balante é
característico da Guiné-Bissau e é heptatônico, medindo até 1,60
metros de comprimento, normalmente constituído por 27 notas.37
Balafon
35
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.713. 36
Fernando Quintino (1963, p.569) assinala que entre os grupos tradicionais há “três qualidades de tambores,
além do ‘bombolom’: um comprido, denominado entre papeis ‘ondame’, outro médio, denominado ‘tchânguere’
e um muito pequeno, denominado ‘peruto’. E todos os tambores participam de virtudes mágicas”. 37
ePORTUGUESe. Fale com o Balafon. Disponível em: http://eportuguese.blogspot.com/2011/05/fale-com-o-
balafon.html . Acesso: 14 nov.2011.
141
O calande e a viola, instrumentos de corda, eram exclusivos dos Fula. O
primeiro, de apenas uma corda feita de tripa, friccionada por um arco do mesmo material,
produzia um som singular. A viola, ou toncron, na linguagem fula, era construída com três a
cinco cordas.
Entre os Mandinga destaca-se o korá, instrumento de corda construído a partir de
uma meia cabaça de tamanho grande, coberta por pele de cabra e uma haste que se encaixa
como um braço onde cordas de nylon são esticadas. O número de cordas varia de acordo com
a habilidade do executor podendo chegar a 21. Este instrumento é dedilhado com ambas as
mãos e o instrumentista o executa sentado ao chão, além de confeccioná-lo e adorná-lo a seu
gosto.
A cada aproximação fica evidente que há muito mais por apreender sobre a
Guiné-Bissau. Não obstante os esforços da política assimilacionista do Estado Novo
português, havia algo inalcançável à manipulação política e à compreensão dos intelectuais e
pensadores da época. É possível imaginar o quanto incomodava aos pregadores da
“civilização” que a maioria dos “indígenas” daquele tempo declinassem da “cidadania”
portuguesa. De acordo com Álvaro Tavares (1946), muitos negros sentiam forte “atracção
[...] pelo meio em que nasceram ou que os rodeia e que os levam a abandonarem a
civilização europeia e a reintegrarem-se a sociedade indígena”.38
Estas e outras ponderações
38
TAVARES, Álvaro. Do Indigenato à Cidadania: o Diploma Legislativo nº 1.364, de 7 de Outubro de 1946.
BCGP, Bissau, v.22, 1947, n.8, p.858.
Mandinga, tocador de korá.
BCGP n.72, 1963, p.568.
Instrumentistas Felupe
BCGP n.61, 1961, p.158
142
superficiais conduziram a um novo período do colonialismo que substituiu o “indígena
africano” pelo “negro não-civilizado”. De qualquer maneira, os portugueses colonizadores
estavam longe de compreender tamanho “retrocesso”, preferindo creditar a um primitivismo
evolucionista formas de viver diferentes, porém desafiadoras.
3.2 A magia dos povos da Guiné
Têm os povos da Guiné a sua mística própria,
que resulta da sua maneira de sentir, reflectir e actuar.
Essa mística não a podemos nós compreender em toda a
sua profundidade, porque sentimos, reflectimos e actuamos
duma maneira completamente diferente.
Os negros têm uma concepção especial do Universo
e reagem de acordo com essa concepção.
Fernando Rogado Quintino, Chefe da Circunscrição de Mansoa.39
Numa leitura apressada seria possível supor que o autor das frases em epígrafe
teria compreendido a diferença entre sua cultura e aquela que conheceu enquanto funcionário
administrativo na colônia da Guiné Portuguesa. Porém, adiante ele complementa: “nós temos
a nossa cultura, incomparàvelmente superior à cultura dos negros, e observamos a Natureza
e os seus fenômenos, com mais ciência e consciência.”40
Em demonstração inequívoca da
concepção europeia de sua superioridade cultural e adiantado estado civilizacional. Apesar
disso, Rogado Quintino capturou algo singular que, no entanto, passou por seu viés
classificatório, o qual, para ele e para a maioria da intelectualidade colonial portuguesa, era o
único possível naquela época.
A partir de estudiosos africanos como Hampâté Bâ (1982), as tradições africanas
foram sendo deslindadas. Diferentemente do que se entendia como civilizado ou evoluído, nos
mundos africanos predomina uma particular visão religiosa do mundo. Nela o visível é a parte
concreta de um universo invisível e este é composto de forças em constante movimento.
Nesse contexto o homem se insere e interage através de regras rituais precisas, as quais
variam conforme as regiões e os diferentes povos.
A cultura africana revela uma mundividência em que tudo interage e é indivisível.
A natureza é considerada como algo cheio de vida e, nessa medida, quaisquer desequilíbrios
das forças nela existentes acarretam vários tipos de distúrbios. A manipulação dessas forças -
39
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças: das instituições religiosas na Guiné Portuguesa.
BCGP, Bissau, v.4, 1949b, n.16, p.687. 40
Ibid., p.687.
143
a magia - é a ferramenta disponível que os africanos possuem para restaurar o equilíbrio e
recuperar a harmonia em qualquer nível da estrutura social.
O Homem é o guardião dessa magia, função que lhe foi atribuída por seu Criador.
Para qualquer perturbação que ocorra à sua volta ele deve promover um comportamento ritual
destinado a recuperar a estabilidade, uma vez que tudo está intrinsecamente ligado. Assim, é
imprescindível, para o bem estar das pessoas e da comunidade, que as forças do universo
sejam utilizadas adequadamente. É preciso ter em conta que a manipulação das forças da
natureza - a magia - não guarda relação com o perigo ou a destruição, pois elas são
intrinsecamente neutras. Podem, todavia, assumir orientação “benéfica ou maléfica conforme
a direção que se lhe dê.”41
Segundo James Sweet (2003), há uma aproximação entre a religiosidade africana
e a ciência ocidental. A forma como a maioria dos africanos assume suas crenças religiosas -
como uma forma de explicar, prever e controlar os acontecimentos - é o ponto de partida para
essa aproximação. As crenças africanas e seus rituais foram concebidos com a intenção de
“lidar directamente com as coisas boas e com as ameaças do mundo temporal - doenças, seca,
fome, esterilidade, e muitas outras. Como tal, a religião fornecia muitas das explicações para
o que os ocidentais chamam ‘ciência’ ”42
No ocidente, ciência e religião seguiram caminhos diferentes e, em grande
medida, incompatíveis. A primeira passou a ter prioridade nas explicações sobre os
fenômenos do mundo, ao passo que a segunda tornou-se algo metafísico, até mesmo
incompreensível. Por essa razão, é difícil entender a íntima ligação existente entre religião e
ciência em África. Muitos estudos sobre o continente ainda descambam para a superstição e o
oculto e, nesse sentido, Sweet adverte que para compreender suas cosmologias é preciso
analisar as “crenças e práticas africanas nos seus próprios termos”.43
Cada grupo e cada região da Guiné possuem diferenciações significativas, mas
suas religiões tradicionais demonstram alguns aspectos comuns, como, por exemplo, a crença
num ser supremo e criador (Balanta, Manjaco, Papel). Na medida em que esse ser está
distante dos homens, o Irã promove a intermediação entre eles. A concepção do Irã varia em
cada grupo, mas, em todos eles, regula e dirige os atos individuais e coletivos, além de
intervir em todos os aspectos do cotidiano, tais como a semeadura, a colheita, o nascimento, o
41
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. v.1 .
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.186. 42
SWEET, James. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007, p. 133. 43
Ibid., p. 134.
144
casamento, os ritos fúnebres, etc. De qualquer maneira, sempre representa um espírito
ancestral e deve ser lembrado e cultuado por seus familiares sob pena de mover-lhes castigos.
Pode ser considerado um espírito liberto após a morte, que preserva seus laços e suas
características enquanto vivo.
Para os povos da Guiné, como para o africano em geral, a força vital é o maior
valor existente. Os espíritos dos mortos, por sua vez, ocupam lugar de destaque entre as
divindades. “Os antepassados são hierarquicamente concebidos, tendo por centro a linhagem
unilinear que regula as relações entre os membros do grupo, também escalonados. O nativo
guineense, para se proteger da perda ou diminuição da força vital, recorre ao culto do Irã dos
antepassados.”44
Essa maneira de estar no mundo era considerada pelos portugueses como
primitiva e, por essa razão, em vários dos artigos publicados no Boletim Cultural, o tom
desqualificador está presente. Para Fernando Rogado Quintino, por exemplo,
O indígena da Guiné, tal como o Neanderthal, supõe-se rodeado e ameaçado por
uma legião de espíritos, que sentem e agem como ele [...] O negro da Guiné
submete-se inteiramente à vontade dos espíritos ancestrais. Consulta-os a cada
passo, nada fazendo sem a sua concordância, o seu prévio e valioso beneplácito.
[...] Na sua opinião, nenhum homem consegue triunfar na vida, sem a protecção dos
manes45
da família. Simbolizam estes manes determinados feitiços, que na Guiné
tomam a designação genérica de “Irãs”.46
Embora revele um discurso estritamente eurocêntrico, também mostra que os costumes
mantiveram-se apesar da presença europeia ao longo dos séculos. Ressignificados ou
adaptados, o fato é que os ancestrais jamais deixaram de ser cultuados e a magia esteve
sempre presente, independentemente da subjugação imposta.
Alguns povos da Guiné mantinham vínculos com animais, tais como a vaca, a
hiena, a onça, alguns répteis como o jacaré ou a jiboia. Algumas plantas e a árvore do poilão
em especial, podiam assumir atributos de divindades protetoras e, assim como os animais,
mereciam respeito e proteção. Por isso, algumas espécies de plantas e animais não eram
consumidas, machucadas, abatidas ou mortas. A planta, animal ou objeto ligado à natureza
por vezes assumia uma representação ancestral ou símbolo do grupo, protegendo-o e
determinando proibições, tabus e deveres particulares. Para Hoebl e Frost (2006), mantinha-se
44
GARCIA, Francisco Proença. Guiné 1963-1974: Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder
Português. Porto e Lisboa: Universidade Portucalense e Comissão Portuguesa de História Militar, 2000, sem
paginação. 45
Entre os antigos romanos, manes eram as almas dos mortos consideradas como divindades. 46
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.454.
145
com estes totens um vínculo de “identidade emocional (que poderia) estender-se de um mero
sentimento de parentesco, à reverência real e à adoração.”47
A árvore do poilão (ceiba pentandra
var. guineensis), uma das maiores existentes na
África, pode ser comparada a um grande local de
expressão de crenças. Em quase toda a povoação
há o “Irã grande do mato”, um ser do mundo
invisível geralmente representado pelo maior
exemplar dessa árvore existente nas redondezas.
Durante as tempestades exerce a função de
pararraios e, por esta razão, as palhotas são
erguidas a certa distância. Fornecem, também, a
madeira para a construção das portas das
moradias, pois, assim, toda palhota ficaria
resguardada de espíritos malignos.
A comunicação entre o mundo visível e o invisível era feita através de símbolos -
os Irãs - os quais substituíam os corpos sepultados. Eram suportes concretos constituídos a
partir de vários elementos, tais como “pedra, estaca, pedaço de madeira, despojo de seres
(unhas, dentes, ossos), estátua, estatueta, escultura polimórfica”48
, entre outros.
O termo crioulo Irã (Irâm, Irân ou Hirâm)49
era utilizado para designar tanto o
espírito ancestral, a força vital, o local das cerimônias ou, até mesmo, o objeto representativo
da magia, do feitiço. Como explica António Carreira, essa designação
entrou no uso corrente mais com o significado de local da efectivação das
cerimónias mágicas e, simultâneamente, do próprio objecto, natural ou artificial,
sobre o qual ou junto do qual, se realiza o ritualismo, ou seja, o símbolo. No
consenso geral, mesmo que este símbolo seja artificial - confeccionado ou adaptado
para identificar o feitiço, o irã - ele incarna os espíritos de antepassados ou de entes
sobrenaturais. Quer dizer, símbolo e local confundem-se num mesmo significado.
Seja pela facilidade de exprimir e de grafar, seja pela decisiva influência do
crioulo, o certo é que o termo irã teve franco acolhimento e hoje substitui nos
falares correntes as designações de China, Chinabú, ídolo, feitiço ou qualquer outra
47
HOEBL, E.Adamson; FROST, Everett L. Antropologia Cultural e Social. São Paulo: Cultrix, 2006, p.232. 48
QUINTINO, Fernando Rogado. Sobrevivências da Cultura Etiópica no Ocidente Africano. BCGP, Bissau,
v.19, 1964a, n.73, p.9. 49
Cada grupo possui, na própria língua, um termo para designar o Irã. Assim temos Utchái, Ussai ou Ossâl em
Papel; Ussâi, Ussâl ou Utchái em Manjaco e em Brame; Chinabú em Felupe; Êrandé ou Êramindé dos Bijagó;
Djanhui ou Djânhur em Banhum e Cassanga; Djânhui em Caboiana; Aulé, Ulé ou Uli na maioria dos Balanta;
Nénême ou Benibêm em Nalu; Djalã entre os Fula-Preto. Os nomes aqui apontados foram “traduzidos”
conforme compreendidos pelos portugueses em sua forma fonética, por vezes difícil de diferenciar.
Moça Papel aos pés do poilão, região de Biombo,
BCGP n.73, 1964.
146
com idêntica ou similar equivalência, sobrepondo-se às próprias designações
vernáculas nas línguas nativas. 50
Entre os islamizados Mandinga e Beafada também existiam Irãs, os quais eram
designados Bulom, Blom ou Bolom. Isto demonstra que a religião muçulmana e as práticas de
matrizes africanas não entraram em choque, ao contrário, conviveram de forma simultânea ou,
provavelmente, adaptada aos dois mundos.
Os símbolos dos Irãs dos Manjaco, também conhecidos como forquilhas da alma,
são constituídos por estacas de madeira ou forquilhas com ou sem desenhos, estes em formato
geométrico. São esculpidos, geralmente, à faca e encontrados por todo chão. António
Carreira (1961b) aponta que, a partir das primeiras décadas do século XX, os Manjaco
passaram a utilizar figuras antropomórficas nos “Irãs” dos régulos. Em qualquer dos casos,
são fixados ao solo e feitos em pau-carvão (Prosopis oblonga) ou pau-sangue (Croton
celtidifolius), resistentes ao tempo e à térmite (cupim).
Os Irãs do grupo Papel são esculpidos de forma semelhante aos do Manjaco, com
adornos de tiras de pano vermelho, pedaços de corda, fios de contas e outros objetos. São
colocados dentro das baloubas (ou balôbas), pequenas palhotas circulares destinadas aos ritos
e construídas exclusivamente para esse fim. Próximos de cada símbolo são colocados
uma panela de barro emborcada sobre a qual o ritualista (o Baloubeiro) executa o
sacrifício de animais e o dârmar51
de bebidas e comidas, durante a invocação ou a
evocação; e um pote com água para as almas se dessedentarem. Estes Irãs situados
nas Balôbas incarnam os espíritos bons, ou seja, os dos antepassados (mais
50
CARREIRA, António. Símbolos, Ritualistas e Ritualismos. BCGP, Bissau, v.16, 1961b, n.63, p. 508. (grifo
do autor) 51
Dârmar ou Dârma, no crioulo da Guiné, deriva do verbo português derramar, entornar, no sentido de
oferenda. Pode referir-se ao ato de imolar animais ou ao derrame de bebidas ou comidas. Segundo Fernando
Rogado Quintino (1949b, p.695), “nunca comem, nem bebem, sem deitar primeiro uma pirada ao chão, ciciando
baixinho Eis a tua parte Irã”. Certamente, no Brasil há prática similar, notadamente quando se consomem
bebidas alcoólicas e deita-se “um gole para o santo”.
Irãs dos Manjaco de Bassarel, região de
Cacheu.
BCGP n.74, 1964, p.127
147
conhecidos por espíritos de defuntos), aos quais compete a protecção, contra todos
os males, das sete gerações que a tradição regista como sendo a origem dos
Papeis.52
Entre os Bijagó também é costume manter os Irãs nas baloubas, sob a guarda dos
ritualistas (baloubeiros), de onde são retirados por ocasião das cerimônias. Segundo Santos
Lima (1947), as invocações dos espíritos ancestrais são feitas exclusivamente pela Oquinca
ou Iaquinca53
; outros rituais podem ser presididos por homens - Oamcandjam-ô - e ambos são
nomeados pelo rei da geração dona do chão. A mulher possui uma importância significativa
entre os Bijagó em razão de o sistema de parentesco obedecer a matrilinearidade, ou seja, os
descendentes pertencem ao clã materno. É ela quem escolhe o marido, embora isto não
signifique a prática da poligamia, exclusividade do homem. As Oquincas, os régulos e os
ferreiros, representam a estrutura social mais importante desse grupo.
Interior de uma balouba bijagó; destaque para o Érâmindê (feito em madeira).
BCGP n. 73, 1964, s.p.
Os portugueses diferenciavam os ritualistas dos feiticeiros. O primeiro era o
executor de cerimônias de qualquer tipo e possuía uma função social protegida. O feiticeiro
correspondia a uma figura nociva, temida, e que em tempos anteriores, quando descobertos,
eram condenados à morte Entre os Bijagó, por exemplo, os feiticeiros eram condenados a
morrer jogados ao mar ou por enforcamento. Quando os antigos régulos das ilhas queriam
52
CARREIRA, António. Símbolos, Ritualistas e Ritualismos. BCGP, Bissau, v.16, 1961b, n.63, p.521. (grifo
do autor) 53
O grupo Bijagó possui mulheres ritualistas - Oquinca ou Iaquinca - as quais são, geralmente, escolhidas pelo
régulo local. Quando este falece, ela o substitui até a nomeação de outro régulo. No arquipélago a mulher possui
uma importância diferente dos demais povos guineenses, pois entre os Bijagó o sistema de parentesco é
matrilinear, ou seja, os descendentes pertencem ao clã materno. Além disso, a mulher escolhe o marido, embora
não pratique a poligamia, exclusividade do homem. Por essa razão pode-se compreender o porquê de a oquinca,
junto aos régulos e ferreiros, compõe a estrutura social mais importante daquele grupo.
148
demonstrar benevolência podiam condená-los à escravidão sendo, então, vendidos ao grupo
dos Sôsso estabelecidos no delta do rio Uno. Em outros grupos os feiticeiros descobertos
eram embrulhados numa esteira com uma corda ao pescoço e enforcados.
As cerimônias mais solenes junto aos Irãs deveriam ser presididas pelo régulo,
outras pelos ritualistas, cuja presença era sempre imprescindível em qualquer ocasião. O
régulo dirigia, especialmente, “os ritos relacionados com a apropriação da terra, com o
desbravamento do mato, com o corte do colmo para a cobertura de casas, com as
sementeiras e colheitas”54
. Também eram responsáveis pelos pedidos de chuva após os
períodos de estiagem. Tanto os Fula quanto os Mandinga, grupos islamizados, executavam
cerimônias semelhantes aos demais, principalmente “para a posse ou cultivo da terra,
sortilégios e imolação de animais.”55
Os rituais junto às áreas de cultivo visavam obter dos espíritos a fertilidade do
solo, chuvas suficientes e boas colheitas. Em geral eram feitos sacrifícios de sangue através de
imolação de animais domésticos como, por exemplo, o cão (Manjaco, Papel, Brame e
Felupe). O sangue era depositado na própria terra ou nos Irãs atribuídos ao campo de cultura e
a carne era consumida pelos participantes do ritual.56
As práticas rituais de povos guineenses, diferentemente de outras religiões,
realizavam-se sem horário definido, ou seja, ocorriam de acordo com a necessidade individual
ou coletiva do momento. Também os templos não possuíam qualquer ostentação ou destaque,
assim como os ritualistas, função exclusiva dos homens, à exceção das oquincas bijagós. Eles
não usavam trajes que os distinguisse dos membros da comunidade, pois “as vestes e as
relíquias simbólicas do ritual só aparecem no momento em que o oficiam.”57
Os chefes de
família também podiam oficiar cerimônias junto aos Irãs familiares mesmo sem terem
cumprido rituais de iniciação.
Na Guiné os ritualistas eram designados pelos nomes crioulos Jambacosse ou
Djambacós - para os homens - Jambacá ou Djambacá - para as mulheres - e Baloubeiro ou
Balôbeiro, sem distinção de sexo. Os nomes Jambacosse e Jambacá eram utilizados pelos
Manjaco, Brame, Felupe, Baiote, Cassanga e Banhum. Baloubeiro é a designação do ritualista
entre os Papel e Bijagó. Qualquer que seja, porém, a denominação, os ritualistas são os
evocadores e invocadores de espíritos de antepassados, de deuses e de génios (os
ritualistas ou sacerdotes dos Irãs); os adivinhos, botadores ou deitadores de sortes,
54
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.713. 55
Ibid., p.696. 56
Segundo António Carreira (1961a), entre os Manjaco e Papel a carne de cachorro era comumente consumida. 57
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949b, n.16, p.693
149
dizedores ou profetizadores do futuro, curandeiros, bruxos, confeccionadores de
amuletos (ou guardas, na expressão crioula) e de poções que têm a finalidade de
defender os indivíduos do mau-olhado, da acção invisível dos inimigos vivos,
conhecidos e ignorados, e dos animais que incarnam a alma de inimigos já
falecidos e também de feiticeiros; e os curadores de males físicos (os mezinheiros
ou homens-medicina). 58
Os ritualistas assumiam a função, geralmente, através da hereditariedade, porém
nunca antes do cumprimento de várias etapas de preparação. Em alguns grupos os rituais
podiam ser presididos por homens ou mulheres, porém há alguns ritos executados
exclusivamente por homens, como a circuncisão, por exemplo. Pode-se dizer que há uma
hierarquia entre os ritualistas, porém apenas uma categoria é responsável pela comunicação
com os antepassados. Dependendo da complexidade do rito, é necessária a presença de vários
ritualistas, aí incluídos assistentes, como os tocadores do bombolon, entre outros.
Na Guiné, os Irãs (feitiços) eram multiplicados em tantos quantos necessários
para interceder por seus invocadores, preservando-os de males e dificuldades, respondendo-
lhes as dúvidas e orientando-os na vida. Por conta disso, estavam por toda a parte: “nas casas,
nos quintais, nas árvores, nos campos, nas fontes, etc.”59
Antes mesmo da construção das
palhotas, a consulta aos Irãs era imprescindível a fim de determinar o local mais apropriado.
Não “há morança nem chão que não tenha os seus Irãs.”60
Em geral pode-se distinguir 3 tipos de Irãs: os coletivos, os familiares e os
individuais. Os primeiros são comuns a uma ou mais tabancas e só podem ser consultados ou
invocados pelos habitantes agregados. Representam os antepassados mais longínquos do
grupo e são considerados protetores genéricos da coletividade. Também atuam em situações
específicas, tais como na escolha e posse de autoridades (régulos, chefes de tabanca e
ritualistas), na solução de litígios, nos ritos funerários, especialmente quando da escavação de
galerias tumulares, na confecção das sementeiras, para proteger a tabanca contra espíritos
nocivos ou a mortandade do gado, para forçar o regresso de membros obrigados a trabalhar
com os brancos, etc. Em geral, os Irãs coletivos têm nomes próprios e são colocados fora das
tabancas. Só são consultados e invocados por ritualistas preparados especialmente para a
função.
Os Irãs familiares, das gerações, ficam repousados nas palhotas, que são
consideradas parte integrante do imóvel. Podem ficar, por vezes, em locais sagrados, variando
de acordo com cada povo. Representam os espíritos de antepassados, dos quais acreditam
58
CARREIRA, António. Símbolos, Ritualistas e Ritualismos. BCGP, Bissau, v.16, 1961b, n.63, p. 510. 59
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.446. 60
CARREIRA, António. Manjacos, Brames e Balantas. BCGP, Bissau, v.22, 1967, n. 85-86, p.51.
150
advir a ancestralidade comum do grupo. São cultuados exclusivamente pelos seus membros,
sendo vedados a estranhos. Alguns grupos costumam colocar os Irãs fixados ao chão, por
vezes dentro das palhotas ou nas varandas ou, por outras, dentro das moranças em locais
apropriados com ou sem cobertura.
Entre os povos cujo culto aos antepassados está vinculado, essencialmente, às
gerações das quais entendem descender, como os Bijagó, Papel e Balanta, os “Irãs” coletivos
são preteridos aos “Irãs” familiares, isto é, nas invocações de qualquer natureza é dada a
preferência aos espíritos mais próximos e conhecidos.
Dentre os símbolos bijagós mais importantes destaca-se o Oniká ou Onikâ,
imagem com características antropomórficas representa a geração dona do chão. O Tchiramã
ou Txiramã, protetor do mato em geral, principalmente do local onde ocorrem as cerimônias
de iniciação (manratche, em bijagó) também possui características antropomórficas, porém,
ao contrário do anterior, não apresenta o pescoço. A este espírito são atribuídas as precauções
e vigilância durante as cerimônias de defuntos.
Entre os Bijagó há duas representações distintas e igualmente importantes:
Orebuk e Erâminde. O primeiro
não tem forma humana porque simboliza apenas uma forma imaterial - um fluir de
essência divina - almas julgadas boas, vivendo a vida de anjos, sob protecção do
Supremo Ianhu; (o outro), Erâminde, ídolo de madeira, tem forma humana, porque
simboliza almas condenadas, no julgamento diante de Deus, traduzindo-se a
condenação no retorno à Terra para viver uma vida de tormentos, de privações, de
miséria, em sucessivas e infinitas incarnações. Daí vem a natureza irrascível da sua
índole e os males provocados à humanidade. Metem-se no corpo das pessoas,
fazendo-as adoecer (só saem por meio de exorcismos), ou tornando-as feiticeiras,
para melhor e mais disfarçadamente poder comer as almas incautas. [...] O orebuk
Oniká
ornamentados com diferentes panos e chapeus,
portam cabaças e chifres de bois, entre outros
objetos. BCGP, n.63, 1961, p.526.
151
atende a consultas dos descendentes familiares e pauta as normas de conduta a
seguir em cada caso ou revés surgido; dita as leis - é o deus legislador. Erâminde
cura os males, porque manda nos espíritos demoníacos responsáveis por esses
males.61
Tomando como parâmetro as divindades bijagó, é possível apreender que no
mundo espiritual as forças também se encontram em constante disputa. Na Guiné, e
possivelmente por toda a África, o mundo visível é, também, resultado de um embate de
forças. Assim se desenrolam os dois mundos - o visível e o invisível - e suas respectivas
disputas e os consequentes esforços, de um lado e do outro, na busca pelo equilíbrio.
O Irã individual - o amuleto - tinha a função de proteger seu portador quando
longe da casa e, portanto, dos Irãs familiares. Nessa medida, eles “transferiam parte de seu
poder para um objeto - um búzio, um ossinho, um pausito, uma garra, etc.”.62
Todos, sem
exceção, utilizavam amuletos espalhados pelo corpo a fim de obter proteção contra os
espíritos maus, responsáveis, acreditavam, por todos os males orgânicos. Os amuletos, “nas
suas mil formas e tamanhos, nada mais são do que simples desdobramentos de feitiços.”63
James Sweet (2007) revela que os centro-africanos, assim como os povos da
Guiné, entendiam que os problemas físicos eram consequência das forças espirituais
destrutivas. Estas poderiam ser oriundas tanto do mundo dos vivos quanto dos mortos e
representavam um indício de que algo rompera a estabilidade da relação da pessoas com sua
comunidade, ou dela com seus ancestrais. Para reequilibrar tal situação lançavam mão de
adivinhos e curandeiros, os quais definiam a “causa da doença e prescreviam o remédio
adequado.”64
As mulheres da Guiné, não islamizadas, garantiam sua fertilidade usando
amuletos de ossos amarrados às costas. Caso quisessem conceber um menino, utilizavam
ossos da pata de um boi, caso quisessem uma menina, ossos da pata de uma vaca. Para
assegurar um aleitamento farto, penduravam colares no pescoço feitos de raízes das plantas de
seiva leitosa. Os amuletos eram, assim, confeccionados com elementos que guardavam
relação com as necessidades de seu portador. Esses elementos eram, geralmente, obtidos na
natureza, tais como ossos, dentes, raízes e plantas, pelos e peles.
61
QUINTINO, Fernando Rogado. Sobrevivências da Cultura Etiópica no Ocidente Africano - conceitos
superiores na mística Bijagó. BCGP, Bissau, v.19, 1964a, n.73, p.29-30. (grifos do autor). Não raras vezes os
autores portugueses valiam-se de suas concepções católicas (anjos, Deus) para relacioná-las com as crenças
africanas. 62
Id. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.455. 63
Id., Ibid., p. 446. 64
SWEET, James. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007, p.167.
152
Os amuletos utilizados pelos islamizados traziam, também, materiais colhidos na
natureza. A eles eram acrescentados versos do Alcorão e eram, geralmente,
constituídos por pequenos rectângulos, quadrados ou triângulos de couro,
pendendo dum encordoado do mesmo material; ou ainda por pequenos discos de
alumínio, de prata ou outro material, pendurados em correntes de alumínio ou de
prata. E todos, mais ou menos, desempenham o duplo papel de embelezar e proteger
o organismo contra males imprevisíveis.65
Na descrição da Costa da Guiné feita em 1606 pelo padre jesuíta Balthazar
Barreira66
, consta que os Mandinga utilizavam um amuleto em forma de bolsa, com rezas e
orações retiradas do Alcorão e, por conta disso, afirmavam que nenhum mal os atingiria.
Além de proteger seu portador, as “bolsas dos Mandinga”67
faziam um grande efeito
persuasivo na conversão dos grupos não muçulmanos. (SWEET, 2007)
A “bolsa de Mandinga” de Abdul Injai
No final do século XVII e durante o século XVIII o amuleto mais popular na
diáspora luso-africana era a “bolsa de mandinga”.68
Em geral, continha “várias substâncias
incluindo pedaços de papel dobrados com orações cristãs escritas, pedras, paus, raízes, ossos,
cabelos, pêlos de animal, penas, pós, pequenos objectos abençoados, entre outros [...] a bolsa
65
QUINTINO, Fernando Rogado. Como se trajam e se adornam os povos da Guiné Portuguesa. BCGP, Bissau,
v.19, 1964b, n.73, p.43. 66
O padre jesuíta Balthazar Barreira nasceu em Portugal (1538) e morreu em Cabo Verde (1612). Consta ter
sido o primeiro evangelizador no oeste da África, tendo cumprido missões em Angola, Serra Leoa, Guiné
Portuguesa e Cabo Verde. 67
Sobre as bolsas de Mandinga ver: SANTOS, Vanicléia Silva. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico:
século XVIII. 2008. 256 p. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. 68
Segundo James Sweet (2007), entre o final da década de 20 e início da década seguinte do século XVIII,
alguns escravos foram denunciados por utilizarem as bolsas de mandinga tanto no Brasil quanto em Portugal.
Excertos do Alcorão compondo um
amuleto.
Foto: Eva Kipp, 1994
153
mais comum era a que protegia os escravos nas lutas.”69
A inclusão de orações cristãs nos
amuletos utilizados não significava,
necessariamente que os portadores das bolsas estavam a tentar integrar a teologia
muçulmana ou cristã no seu mundo espiritual [...] a maioria dos não muçulmanos em
África e dos escravos no mundo português era analfabeta. Se aqueles que levavam
as bolsas de mandinga se apercebiam sequer que os rabiscos no papel eram palavras
para serem lidas, é muito provável que o poder das orações não estivesse no sentido
literal das mesmas. Pelo contrário, o poder estaria na magia das próprias palavras. 70
Apesar de os Beafada terem por muito tempo sofrido forte influência da cultura
mandinga e adotado a religião muçulmana, mantiveram suas práticas tradicionais, ou seja,
adoravam Alá e também invocavam os espíritos ancestrais. Em cada povoação havia
o seu Nari protector, o bom, que reside numa árvore de grande porte, quase sempre
um poilão. De todos os naris, o mais popular é o Sacalá, espírito dirigente da
circuncisão, que não sendo visto pelos iniciados, no entanto lhes transmite ordens,
vigia-os e castiga-os. As mulheres aterrorizam-se com os seus gritos, quando à noite
ele sai a visitar as povoações, e fogem a esconder-se para que não o vejam, pois
mulher que veja o sacalá morre. O sacalá é um manipanço de pau enfeitado com
bandas de pano, tendo campainhas e chocalhos pendurados e dentro do qual se
mete um homem. Os biafadas muçulmanos, em vez do sacalá, têm o Gam-corã que
é, afinal, a mesma coisa com nome mandinga. O intermediário entre o sacalá e os
homens chama-se udjague. 71
Entre os Nalú, grupo fortemente mestiçado e influenciado pelos Fula, também convivia a
religião muçulmana e o culto aos antepassados. O ritualista responsável pela comunicação
com os espíritos ancestrais era denominado Lêté e o sacrifício de animais junto ao Irã era
feito por um auxiliar, o Sindêta.
A propagação da religião muçulmana na Guiné Portuguesa coube àqueles que
sabiam ler e escrever, pois somente eles eram capazes de compreender e recitar o Alcorão. Os
marabus foram responsáveis, ao longo do tempo, pela expansão dos costumes e da religião
apresentando-se como discípulos do profeta Maomé. Aqueles que não liam o árabe sabiam de
cor as orações obrigatórias e, por isso, podiam conduzir as preces diárias. Havia, também, a
figura do mouro, que não se deve confundir com o africano da região da Mauritânia. Na
Guiné, ele professava a religião muçulmana ao mesmo tempo em que oficiava rezas e
cerimônias, além de fazer remédios caseiros e amuletos utilizando versículos do Alcorão.
Na descrição de Gomes Pereira, o “mouro é um indivíduo astuto que vive da
crendice indígena, fornecedor de papelinhos escritos com dizeres mágicos, um oráculo vivo,
69
SWEET, James. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007, p.212. 70
Ibid., p.218. 71
BARBOSA, Octávio C. Gomes. Breve notícia dos caracteres étnicos dos indígenas da tribo Biafada. BCGP,
Bissau, v.1, 1946, n.2, p.235.
154
astrólogo eminente, o consultor permanente dos indígenas”72
. Na verdade, os mouros eram
temidos pelos portugueses, uma vez que ao mesmo tempo em que mantinham negócios em
várias partes da colônia, também tinham livre trânsito além das fronteiras. Personificavam a
convivência entre a religião muçulmana e as práticas tradicionais.
Atualmente, a população da Guiné-Bissau é composta de maioria muçulmana. O
avanço do islamismo foi bastante acentuado na região, assim como tem sido em muitas partes
do mundo. A islamização dos povos guineenses foi amplamente debatida nas páginas do
Boletim Cultural e Fernando Rogado Quintino assim explicou:
Um fenômeno curioso se evidencia na Guiné, mais do que em todas as outras
possessões portuguesas: o triunfo insofismável do islamismo sobre o cristianismo. O
islamismo, sem propaganda organizada, sem clero estipendiado, sem auxílios
financeiros, nem protecção oficial, tem conseguido, só nestes últimos cinquenta
anos, o que o cristianismo não conseguiu, após cinco séculos do nosso domínio,
sendo, aliás, incontestável a superioridade doutrinal cristã e abnegada e esforçada
a acção missionária espalhada pela Colónia.73
Embora não admitissem, os portugueses também viviam situações para as quais
não encontravam resposta ou conforto dentro de sua concepção religiosa. Assim como os
negros com seus feitiços e amuletos, os brancos também lançavam mão de imagens e
medalhas, além de outros objetos menos “ortodoxos”, como chifres, garras, pés de coelho ou
ferraduras. Via-se pela Guiné
alguns brancos com amuletos iguais aos dos negros, disfarçados debaixo da
camisa, sobretudo nas crianças, nelas colocados pelos próprios pais, a instâncias
da gente da terra, para as livrar das maleitas próprias da idade. Também [...]
muitos brancos adultos que, em situações aflitivas, se socorrem de mouros e
feiticeiros, sacrificando, como qualquer preto, galinhas e cabritos aos feitiços
locais. [...] E a fé de uns e outros oscila entre os mistérios dogmáticos do
monoteísmo cristão e os ocultismos mágicos do politeísmo anímico, sendo possível,
ainda, que daí resulte uma nova doutrina complexa, que só com o tempo virá a
definir-se. 74
A magia e os feitiços desempenharam um papel significativo no contexto colonial
da África e da América portuguesa. Para Michael Taussig (1987, apud SWEET, 2007,
p.221)75
, funcionaram como “um ponto de concentração da Alteridade, numa série de
diferenciações raciais e de classe, bem presentes na distinção efectuada entre Igreja e magia e
entre ciência e magia [...] (uma) Alteridade na qual a selvajaria e o racismo (estavam)
intimamente ligados”. Por outro lado, também espalharam por todos os cantos, mesmo a
contragosto e poucas vezes admitido, uma atração irresistível.
72
PEREIRA, A. Gomes. Os Oincas. BCGP, Bissau, v. 1, 1946, n.3, p.437. 73
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949b, n.16, p. 706. 74
Ibid., p.718. 75
TAUSSIG, Michael T. Shamanism, Colonialism, and tha Wild Man: a study in terror and healing. Chicago:
University of Chicago Press, 1987, p.465.
155
Na Guiné de meados do século XX o “inimigo” português estava por todos os
lados. Entre a dependência política e econômica da metrópole e os “vinte séculos de fé cristã
(que) não bastaram [...] para libertar a população branca da Europa, aliás tão progressiva e
civilizada, das algemas feiticistas.”76
, havia, também, o avanço muçulmano e um mundo
invisível imbatível.
3.3 Viver a magia
3.3.1 O cotidiano
Para que o Irã da tabanca ofereça ao chão o benefício da chuva... de um conto Balanta
As estruturas sociais dos povos da Guiné eram regidas por dinâmicas complexas e
acompanhadas de ritos específicos. Os grupos organizados de acordo com as práticas de
matrizes africanas observavam as “classes de idade” e os grupos que tiveram maior influência
ou eram islamizados organizavam-se de acordo com a prática de determinados ofícios.
Segundo António Carreira,
os elementos das classes de idade e das corporações de ofícios estão colocados em
grupos devidamente hierarquizados, com diferenciação de certos direitos, embora,
por vezes se lhes note a hereditariedade de funções e uma endogamia em relação ao
próprio grupo, mas sem, todavia, haver a repulsa de convivência, separação ou
distinção de qualquer natureza nas suas relações.77
Os grupos islamizados, especialmente os Mandinga e Fula, apresentavam uma
estrutura social com dois segmentos importantes: o dos ofícios, com suas hierarquias internas,
e as famílias consideradas nobres,
das quais fazem parte os indivíduos descendestes de famílias que, no período áureo
do poderio de grupos, se elevaram à categoria de governantes e de dirigentes
políticos, guerreiros, senhores de terras e de gado e de escravos. Das corporações
de ofícios fazem parte os profissionais de cada ramo de actividade. Existia a
transmissão hereditária de funções, ainda que observada sem grande rigor. 78
Os régulos Fula e Mandinga eram oriundos dessas famílias nobres e dividiam as regiões sob
sua influência em outras menores, confiando-as a pessoas de mesma origem. Entre os
Mandinga existiam três categorias de ofícios: os sapateiros, os ferreiros, que incluiam
cultivadores de terra, e os negociantes ambulantes. Dos Fula, António Carreira (1961a)
distinguiu duas categorias distintas: os chefes políticos ou régulos e os trabalhadores da terra.
76
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949b, n.16, p.706. 77
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.664. 78
Ibid.,p.671.
156
As “corporações de ofício” dos Fula agrupavam os tecelões, pastores, pescadores,
sapateiros, profissionais da madeira (confecção de canoas, pilões, portas para as casas,
bancos, utensílios domésticos, etc.), ferreiros (confecção de utensílios para a lavoura,
pulseiras, aneis, brincos, objetos de adorno em geral, etc.), ourives (agregados ao grupo dos
ferreiros), os djideus (judeus, em crioulo, referindo-se aos cantadores ou tocadores de
instrumentos), alfaiates, bordadores de cabaia (túnicas masculinas), caçadores, auxiliares de
régulos e tocadores de cavalos dos régulos. Das profissões exercidas provinham alguns nomes
como o dos régulos, Baldé ou Embalo; dos cultivadores, Candé; dos tecelões, Ganó e Kassé;
dos pescadores, Si, etc.
Dentro dessas categorias de ofícios havia uma rígida endogamia79
. Sobre esta
prática, Hâmpátê Bá (1982) explica que os conhecimentos esotéricos, bem como os poderes
mágicos deles decorrentes, assim eram preservados, ou seja, não eram alcançados por pessoas
estranhas ao grupo social. Tal prática visava mais a manutenção dos “segredos” dentro do
próprio grupo do que um aparente isolamento. Esses grupos eram, portanto, especializados e
cumpridores das atividades sagradas de forma harmoniosa a ponto de formarem “castas”80
,
porém estas não se baseavam na concepção sociologicamente tradicional com castas
“superiores ou inferiores”.
É importante ressaltar que certos ofícios assumiram um caráter sagrado-religioso,
assim como as ferramentas utilizadas para executá-los. Entre os ferreiros, ourives, sapateiros e
tecelões, por exemplo, “as ferramentas pertencem ao artesão e respectivos aprendizes ou
ajudantes, sejam ou não eles membros da própria família daquele.” Nos outros ofícios, tais
como caçadores, pescadores, tintureiros, etc., os instrumentos utilizados na prática do fazer-se
eram transmissíveis mediante certos rituais. Além disso, seus sucessores, “do mesmo modo
que lhes herdam as profissões e as ferramentas, assim assumem a obrigação de solver, antes
do enterro ou depois, consoante se decidir, as dívidas deixadas.”81
Os rendimentos auferidos pelos artesãos (ferreiros, tecelões, sapateiros, ourives,
tintureiros) dos povos islamizados lhes pertencem totalmente, cabendo-lhes dar a destinação
que lhes aprouver. Isto não se aplica aos caçadores e pescadores, cujo produto do trabalho
sofre a fiscalização do régulo. A este é paga uma espécie de tributo, ou seja, quando se
captura um animal de determinado porte, por exemplo, o régulo separa, previamente, a parte
79
O termo endogamia descreve o matrimônio exclusivo entre os membros de um grupo específico de um povo
(casta, nobreza ou outra camada), exigido por lei ou costume. 80
Casta é a classe rigidamente fechada, que pode estar baseada em uma identidade de profissão. Seus membros
são determinados por nascimento e proibidos de casar-se fora dela. 81
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.705-6.
157
que lhe cabe, isto é, a melhor parte. “Se for hipopótamos, crocodilo, búfalo, sim-sim, elefante,
leopardo ou algum antílope corpulento, além da parte pertencente ao régulo, o profissional
executa uma cerimónia antes de esfolar as peças abatidas”82
. O sangue dos animais deve ser
vertido no mesmo local onde caíram, pois o sangue pertence a terra.
Aos caçadores é vedado o abate de animais venerados pelo grupo a que pertença,
tais como certas aves, jiboias e crocodilos. Aos pescadores é proibido utilizar certas ervas que
possam envenenar as águas das lagoas, charcos ou pequenas correntes de água das quais os
demais possam fazer uso.
Os povos islamizados possuem duas categorias de funções destacadas. Uma delas
é constituída pelos dirigentes ou ritualistas dos Irãs e dos cemitérios, além dos coveiros; a
outra, em que os ofícios definem grupos mais ou menos importantes socialmente, compreende
os tecelões, manufatores de tambores, especialistas em escarificações, caçadores, pescadores e
ceramistas. Os ritualistas dos Irãs e dos cemitérios utilizam símbolos que os acompanham por
toda a vida e com eles são enterrados quando morrem.
Os coveiros utilizam ferramentas próprias, as quais podem ser de uso comum de
seus auxiliares. No ofício de tecelão e manufator de tambores os artesãos facultam as
ferramentas e utensílios aos aprendizes e ajudantes. Junto a outros artífices, os aprendizes
devem providenciar ferramentas próprias para ingressar no ofício. “As ferramentas e
instrumentos de uso transmitem-se aos legítimos herdeiros, quando estes sejam profissionais
da arte ou ofício”83
. Inexistindo um herdeiro que preencha tal condição, as ferramentas são
herdadas pelo auxiliar mais antigo do falecido artífice.
Entre os Manjaco, Papel, Brame e Felupe é proibido o abate de certas aves como
o martelo e o grou coroado, por exemplo. Répteis como o camaleão ou o crocodilo e
mamíferos, como o porco formigueiro, o leopardo, a onça e a hiena, também são preservados.
Os crocodilos podem ser abatidos quando tiverem atacado qualquer pessoa, pois, nesse caso,
ele é considerado a encarnação de um feiticeiro. Nos matos sagrados só podem ser abatidos
animais ferozes e o caçador deve efetuar um rito ao Irã do local pedindo-lhe perdão. O
produto da caça e da pesca pertence aos profissionais, porém quando se tratar de animais de
grande porte, tal como ocorre entre os povos islamizados, não os podem remover do local sem
antes o régulo separar sua parte.
82
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.707. 83
Ibid., p.719.
158
É importante retomar Hampâté Bâ (1982) para melhor compreender o significado
dos ofícios nas sociedades tradicionais africanas. De início deve-se ter em conta que as
atividades humanas tinham, frequentemente, um caráter sagrado ou oculto. Isto ocorria,
principalmente, junto àquelas cujo produto resultava de uma transformação da matéria, pois
esta, como tudo o mais na natureza, era considerada viva. O conhecimento artesanal era
esotérico, transmitido de geração a geração, e possuía uma revelação inicial.
O trabalho dos artesãos tradicionais tinha um sentido diferente daquele esperado
pelas práticas do capitalismo. Representava, em princípio, uma função sagrada que envolvia
“as forças fundamentais da vida”84
e se aplicava a todo o seu ser. Especificamente em se
tratando do ferreiro, este devia possuir um conhecimento vasto da vida. “Renomado ocultista,
a mestria dos segredos do fogo e do ferro faz dele a única pessoa habilitada a praticar a
circuncisão”85
tornando-se o grande mestre da faca. O ferreiro e o tecelão estão no topo da
hierarquia dos ofícios porque denotam o “mais alto grau de iniciação.” Nesse sentido, toda
atividade tradicional “constitui uma grande escola iniciatória ou mágico-religiosa, uma via de
acesso à unidade, da qual, para os iniciados, é um reflexo ou uma expressão peculiar.”86
Entre os Bijagó, o ferreiro (odjiqui) representa mais do que um artesão do metal.
Sua função e respeitabilidade extrapolam suas funções básicas:
É um advogado profissional, senhor da palavra, mestre na
argumentação [...] A sua real importância não provém do cargo
inerente de advogado e sim do principal, de ele ser Ferreiro: mas
também não é por acaso ou por capricho que esta figura desempenha
aquela inerência de funções. As razões envolvem, como sempre,
sutileza e engenho [...] Ele, diante da sua forja, domina ao mesmo
tempo o lume e o ferro. Sendo este um metal tão duro, nem por isso
essa dureza resiste à sua vontade, que o domina, verga, corta, reduz a
limalha. [...] Esta figura, Ferreiro da Tabanca, aparece nas
sociedades de todos os indígenas da Guiné, numas com mais poderes
que noutras, mas sempre com poderes.87
Um Ferreiro -Odjiqui - da Ilha Formosa
Foto do aldeamento montado por ocasião da Exposição do V
Centenário da Descoberta da Guiné. Bissau, 194688
.
84
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. v.1 .
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.188. 85
Ibid., p. 198. 86
Ibid., p.199-200. 87
LIMA, Augusto José Santos. Organização Económica e Social dos Bijagós. Lisboa: Soc. Industrial de
Tipografia Ltda., 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série “Memórias” n.2, p.80-1. 88
Ibid., encarte.
159
Esse poder do ferreiro está inscrito na magia. Assim como outros ofícios, depende
de uma longa aprendizagem junto de profissional consagrado e, também, de cerimônias
pertinentes diante dos Irãs próprios, os quais, no momento oportuno, “dizem” quando o
aprendiz pode considerar-se pronto para o ofício. (LIMA, 1947) A figura do artesão
profissional demonstra “como o conhecimento pode se incorporar não somente aos gestos e
ações, mas também à totalidade da vida”89
. Uma vez que deve seguir um conjunto de regras
ligadas à sua atividade, possui uma maneira de se relacionar com a natureza e com seus
semelhantes. Nessa medida, todo o conhecimento é mais do que sabido, é vivido em toda a
dimensão do aprendiz e do artesão.
Ferreiro fabricando adornos com seu ajudante acionando o fole90
À exceção da olaria, majoritariamente executada por mulheres, os demais ofícios
eram exercidos apenas por homens. As funções de coveiro e ritualista também exigiam
cerimônias especiais e um longo período de formação.
Essa forma de transmitir conhecimento, que a maioria dos povos da Guiné
possuía, provavelmente incomodou bastante àqueles que pretendiam tirar o negro da barbárie.
Procuraram, sem muito sucesso, colocá-lo nos bancos escolares para “aprenderem” sobre
coisas que não lhes traziam significado. A oralidade e a mundividência africana eram, em
ultima instância, empecilhos às investidas de “civilizar”.
Os grupos formados em razão da idade tinham por objetivo, além de cumprir os
preceitos inerentes a cada um dos povos que assim estavam constituídos, promover a
89
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. v.1 .
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.199. 90
QUINTINO, Fernando Rogado. Prática e Utensilagem agrícolas na Guiné. Lisboa: Junta de Investigações
do Ultramar, 1971, não paginado.
160
sociabilidade. Em toda a faixa etária havia um conjunto de orientações e ritos a serem
cumpridos, tanto de iniciação quanto de passagem.91
Ao final, obtinha-se
a definição dos direitos e obrigações dos indivíduos em relação ao agregado; o
estabelecimento da posição que ocupa; a orientação e ensino quanto a praxes, usos
e costumes, morais e sociais, e tradições, com vista a imprimir, no interior de cada
parcela do agregado, um forte sentimento de solidariedade e de coesão. 92
Cada faixa de idade, agregando homens e mulheres, compunha a manjoandade (da mesma
idade, da mesma geração). Esta variava em cada um dos povos da Guiné de acordo com o
número de escalões instituídos: os Brame possuíam três; nos Balanta havia cinco; entre os
Manjaco eram seis; os Baiote, Felupe e Papel possuíam sete; entre os Bijagó há diferenças em
cada uma das ilhas do arquipélago, variando de quatro a nove, segundo levantamento efetuado
pelo Inquérito Etnográfico de 1946. Apenas entre os Felupe e Bijagó existem grupos etários
exclusivamente femininos.
As classes de idade e divisão por sexo definem a hierarquia e o trabalho a ser
executado pelos membros das diferentes manjoandade. Isto pode ser melhor compreendido
observando-se o exemplo bijagó esquematizado a seguir:
Idade Fase da vida Nome bijagó Características principais/responsabilidades
HOMENS
1 Bebê Neea Acompanha a mãe em todas as suas atividades,
inclusive em cerimônias das quais ela participa.
2-6 Criança pequena Ongbá Idem
7 - 11 Crianças Cadene ou
Cadena
Guarda do gado; auxílio na caça; em cerimônias
com a presença de todos da tabanca, participa
dançando e tocando pequenos tambores.
12-17 Adolescentes Canhocám
Participação nas atividades produtivas; subir nas
palmeiras, artesanato e iniciação às regras sociais,
iniciação ao segredo das plantas, guarda da aldeia;
participa das cerimônias tocando instrumentos
próprios à sua faixa etária.
18-27 Jovens Cabaro, Cabido
Período de liberdade: festas, danças e conquistas
amorosas. Trabalho regular: limpar os caminhos da
aldeia e participar de atividades que exijam boa
condição física; apoio às atividades agrícolas e à
produção do óleo de palma. Cerimônia de iniciação
mais importante: o Fanado
28-35 Jovens adultos Camabi
Após o Fanado, execução de trabalhos mais
pesados; pagamento da “grandeza” aos mais velhos
que lhes transmitem os “segredos da vida”.
Administram os palmares e florestas.
91
Segundo Arnold Van Gennep (2011, p.29-30), os ritos de passagem determinam a mudança de um status
social a outro. Existe “uma categoria especial de Ritos de passagem, que se decompõem, quando submetidos à
análise, em Ritos de separação, Ritos de margem e Ritos de agregação [...] os ritos de separação são mais
desenvolvidos nas cerimônias dos funerais; os ritos de agregação, nas do casamento”. Os ritos de margem
deixam o indivíduo em situações opostas de status, como o noivado, por exemplo. 92
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.665.
161
36-55 Adultos Odôdo ou Caxuca
Passam de iniciados a iniciadores. Podem possuir
casa e terras; têm direito a casas e ter filhos, como
também podem fazer parte do conselho dos mais
velhos, servindo-lhe de porta-voz de suas decisões.
+ de 55 Homens Grandes Cabongha ou
Ocoto
Guardiões dos conhecimentos e das regras sócio-
culturais tradicionais. Recebem ofertas (grandeza)
dos mais jovens.
MULHERES 1 Bebê Neea Acompanha a mãe em todas as suas atividades,
inclusive em cerimônias das quais ela participa.
2-6 Criança pequena Ongbá Idem
7-11 Crianças Numpune ou
Cadena
Execução de trabalhos domésticos, transporte de
água, apanha de pequenos moluscos, vigilância dos
arrozais
12-20 Adolescentes Campuni ou
Canhocam
Cerimônia de iniciação mais importante: Fanado.
Aprendem os saberes para viver na floresta;
responsáveis pelas “cerimônias de defunto”93
21-50 Mulheres casadas Ocanto Educação das crianças
+ 50 Mulher Grande Ocoto Depois da menopausa controlam as cerimônias das
mulheres
Repartição das responsabilidades e funções nas diferentes fases da vida dos Bijagó94
Os adolescentes aprendem as regras de vida tanto em relação aos mais velhos
quanto aos mais jovens. Com seus companheiros de idade estabelecem fortes vínculos, os
quais “se estenderão por toda a vida, uma vez que formam como que associações, que são
verdadeiros centros de aprendizado social”95
. Para se tornar um homem grande, submetem-se
a várias cerimônias de iniciação e fazem pagamentos aos mais velhos por meio de bens ou
prestação de serviços. Já a partir dos sete anos efetuam esse pagamento ao escalão superior e a
partir dos 18 anos passam a efetuar o pagamento da grandeza. Através destas práticas
alimentavam “a circulação dos produtos dentro do grupo; os mais velhos como que gerenciam
a produção, se apropriam de parte dela e, depois efetuam sua redistribuição [...] (e) existem
punições severas para os que se negam a efetuar esse pagamento.”96
Era difícil precisar “o tempo de permanência em cada grau ou escalão (de idade)
e a respectiva designação, por grupos étnicos.”97
Na verdade, a contagem do tempo era algo
bastante diverso da cultura europeia, pois os povos da Guiné não utilizavam o calendário
gregoriano, como a maioria dos países ocidentais, inclusive Portugal. É possível afirmar, no
93
Nestas cerimônias, as adolescentes “se transfiguram nos rapazes que morreram antes de realizarem a sua
iniciação”(SILVA, 2000, p.77, nota19), ou seja, “recebem nomes masculinos, usam roupas e armas masculinas
e se portam como os jovens mortos aos quais estão emprestando seus corpos.” (SILVA, 2000, p.79) 94
Adaptação dos quadros disponíveis em SILVA, Dilma de Melo. Por entre as Dórcades Encantadas: Os
Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo: Terceira Margem, 2000, p.70 e http://www.rituais.com/Downloads/Guine-
Bissau-Bijagos/Guine-Bissau-Bijagos.pdf. Certamente as informações foram sintetizadas apenas para oferecer
uma ideia geral sobre as “classes de idade”. 95
SILVA, Dilma de Melo. Por entre as Dórcades Encantadas: Os Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo: Terceira
Margem, 2000, p.74. (grifos da autora) 96
Ibid., p.70, nota 15. 97
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.671.
162
entanto, que todos os povos da Guiné observavam a passagem do tempo em função das
chuvas, das luas e dos dias, dos acontecimentos importantes da vida social e do trabalho98
. A
maior parte do quotidiano girava em torno das atividades agrícolas e o tempo de semear,
colher e descansar baseava-se nos sinais da natureza. Assim, a contagem dos anos da vida de
uma pessoa corria de forma paralela, acrescentando-se os sinais que se evidenciavam em seu
próprio corpo.
3.3.2 Do nascimento à outra vida
Dentre os grupos que cultuam os antepassados e mantêm as práticas tradicionais,
viver a magia ocorre desde que o indivíduo é gerado. Ainda no ventre de sua mãe são
realizadas cerimônias para que o feto se desenvolva sem problemas. Enquanto a mãe estiver
próxima do Irã familiar, o bebê não corre riscos, porém, nas atividades que ela realiza fora
dos limites da palhota o perigo é considerado iminente. Para resolver essa dificuldade e
continuar executando suas tarefas longe de casa, tais como buscar água, cuidar da horta, fazer
compras, etc., as mães em geral usam amuletos, receptáculos do poder do Irã assentado na
morança.
Durante o parto, o Irã familiar é colocado de “sobreaviso” para manter vigilância
contra os maus espíritos que porventura estejam por perto. Assim, oferecem-lhe um galo e “se
os testículos deste se apresentam claros, é bom sinal: o ‘Irã’ está satisfeito. No caso
contrário, mais cerimónias se têm de celebrar e mais galos abater.”99
O espírito que animará o novo membro da comunidade é introduzido em seu
corpo pelo Irã através de seu umbigo. Nem sempre este processo ocorre sem problemas, pois
outros espíritos “lutam” para ocupar o corpo, ou seja, tentam reencarnar. Cabe, então, ao Irã
intervir para que, ao final de sete dias, quando a cicatrização do umbigo geralmente ocorre, o
espírito destinado ao novo corpo finalmente esteja a ele adaptado. O amuleto carregado pela
mãe até o momento do parto passa, então, para o filho que deve portá-lo até o desmame, ou
seja, por volta dos dois anos de idade.
98
Segundo António de Almeida (1947), os Fula dividiam a época das chuvas (tchudo) do tempo da seca (dungo).
As “estações do ano” estavam compreendidas entre a época da lavoura, da colheita (começo do tempo seco), do
descanso dos trabalhos agrícolas e a época anterior às chuvas. A época das chuvas era prevista por sinais da
natureza, tais como o canto do pássaro tchopé-uonhe. Os Manjaco e os Brame previam o início das chuvas
observando a queda das folhas de certas árvores e pela floração de outras, como a calabaceira e o embondeiro.
Para os Nalú, o ano Nalú tem 8 meses, correspondentes aos meses de junho a janeiro, pois os outros 4, quando
não se realizam trabalhos agrícolas, não são considerados. 99
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.455.
163
Do nascimento até o desmame a criança não recebe um nome. É designada pelo
sexo - menino ou menina (impá ou umpóte em manjaco, brame e papel) - acrescentando-se o
nome do pai, da mãe ou da morança destes. Ao passar para a “nova fase”, a criança tem seus
cabelos raspados e recebe um nome. Até a puberdade sua preparação fica a cargo da família,
em casa, no campo ou no mato. Se é rapaz, aprende a vigiar o gado e as
sementeiras; entretém-se por vezes nos trabalhos leves de lavoura, com
instrumentos adequados à sua idade; aprende a subir às árvores, sempre na
presença do pai, com que anda. Interessa-se não raramente pela confecção de
alfaias - arcos, flechas, etc. Se é rapariga, ajuda a mãe em casa; pila e limpa o
arroz, cozinha uma ou outra coisa, varre a casa, o pátio adjacente - ou vai buscar
água na fonte. Quando calha, vai também com a mãe apanhar mariscos.100
Nota-se o quão diferente do “modelo” ocidental é a convivência de pais e filhos na educação
tradicional africana. Baseada no conhecimento sensível, nas experiências do cotidiano, onde a
toda a família assume a tarefa inalienável de conduzir as novas gerações, compartilhando com
elas suas próprias vivências e conhecimentos. A educação tradicional
começa, em verdade, no seio de cada família, onde o pai, a mãe ou as pessoas mais
idosas são ao mesmo tempo mestres e educadores e constituem a primeira célula dos
tradicionalistas. São eles que ministram as primeiras lições da vida, não somente
através da experiência, mas também por meio de histórias, fábulas, lendas, máximas,
adágios, etc. Os provérbios são as missivas legadas à posteridade pelos ancestrais.
[...] o ensinamento não é sistemático, mas ligado às circunstâncias da vida.101
Entre os Mandinga, a criança chega à comunidade através do mouro102
, que lhe dá
o nome após considerar, entre outras informações, o dia e a hora de seu nascimento.
Pegando na criança pela cabeça, com ambas as mãos, trá-la para fora da palhota,
onde é aguardada pelos “Quebás”103
, sentados no chão, e mais parentes. Na
presença de todos o mouro diz, por três vezes, o nome do novo “denanon” (ser).
Seguidamente o “mouro” pega numa navalha e rapa o cabelo à criança, dando
assim por findo o primeiro baptismo mandinga.104
Durante toda a infância a criança resiste aos maus espíritos através de cerimônias
e remédios caseiros, até que, na adolescência, os rapazes passam a usar amuletos na forma de
aros de ráfia, colocados nos braços e pernas para torná-las mais fortes. As moças, preocupadas
com sua fecundidade, amarram pequenos ossos às costas, sinal visível de sua intenção para
constituir família e ter filhos.
De todas as fases da vida do membro das comunidades tradicionais, a chegada à
“maioridade” é das mais importantes. É o momento em que a pessoa adquire direitos e
100
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.905. 101
HAMPÂTÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. (Coord.). História Geral da África. v.1 .
São Paulo: Ática/UNESCO, 1982, p.194-5. 102
Lembrando que o mouro aqui se refere àquele que professava a religião muçulmana ao mesmo tempo em que
oficiava rezas e presidia cerimônias, além de fazer remédios caseiros e amuletos utilizando versículos do
Alcorão. 103
Chefes de morança. 104
PEREIRA, A. Gomes. Os Oincas. BCGP, Bissau, v. 1-4, 1946, n.3, p. 427.
164
assume obrigações específicas, as quais definem sua posição dentro do grupo social. Homens
e mulheres dos grupos islamizados e não islamizados passam por um rito iniciatório
específico praticamente na mesma idade. As diferenças mais evidentes ocorrem por conta do
ritual, porém é conhecido por todos pelo termo crioulo fanado.
Entre os islamizados o fanado ocorre em duas etapas. Na primeira, homens e
mulheres sujeitam-se a provas de iniciação que os preparam para a próxima etapa,
considerada das mais importantes, que ocorre entre os 7 e 15 anos de idade: a circuncisão,
para os rapazes, e a excisão parcial ou total do clitóris, para as moças.
Os actos operatórios, em ambos os sexos, são seguidos de provas de resistência
física prestadas em acampamentos, no mato, com prazos de duração que vão de três
meses a um ano para os homens e de semanas para as raparigas, durante as quais
se ministram aos iniciados todos os preceitos e normas de conduta social. 105
As mulheres Manjaco, Papel, Brame, Balanta, Felupe e Bijagó, ao invés da
excisão recebiam, e até hoje isto acontece, escarificações (marcas feitas com objeto
pontiagudo e cortante) na pele. As escarificações são, geralmente, constituídas por desenhos
geométricos. Tal como uma tatuagem, os desenhos são feitos por um mestre que se utiliza de
uma faca para marcar o corpo. Sobre os cortes são colocados ingredientes, tais como óleo de
palma, pasta de plantas maceradas, visgo de castanha de caju, entre outros. Quanto maior o
relevo, maior o resultado.
Assim como a circuncisão dos rapazes, a escarificação tegumentar representa
uma prova da capacidade de resistência das iniciadas. Somente a partir desses procedimentos
é que ambos, rapazes e moças, adquirem o direito de se casar.
As escarificações tegumentares, a circuncisão e a afiação dos dentes constituíram (e
ainda constituem) entre os animistas (Manjacos, Brames ou Mancanhas, Paspeis)
em épocas não muito recuadas, um conjunto indivisível de regras de significado
sócio-religioso ligadas à entrada ou à promoção nas diferentes “classes de idade”.
[...] nunca praticaram a excisão do clitóris nem dos lábios da vagina (grande ou
pequenos), conjunta ou separadamente, e por isso mesmo enquanto o homem
abandonou, ou vai abandonando, a prática da escarificação tegumentar,
conservando a da perfuração das orelhas, a da afiação dos dentes e a da
circuncisão, a mulher, em certos aspectos mais conservadora do que aquele,
mantém-se fiel ao costume de fazer escarificações à faca nas regiões abdominal,
peitoral e dor-lomnbar.106
105
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.678. 106
Id. Mutilações étnicas dos Manjacos. BCGP, Bissau, v.16, 1961c, n.61, p.85.
165
Pode-se dizer que há o fanado dos rapazes e o fanado das moças, rituais que, em
grande maioria, são realizados “em clareiras abertas no meio de denso matagal, recheado de
pontos onde é defeso abater árvores e fazer queimadas.”107
Durante o período em que os
jovens ficam afastados da comunidade, cumprindo os compromissos iniciatórios, recebem os
segredos da vida sexual, social, religiosa e política.
Ao final da cerimônia do fanado dos rapazes o ritualista manjaco orienta:
Circuncisos! Sois agora adultos!
Até aqui fostes rapazes irresponsáveis. Ides agora saber o que é a vida e como vos
deveis comportar nesta terra, que é nossa.
Da terra vem tudo quanto precisamos para viver.
Tratai-a bem - para que haja paz e fartura entre nós. É preciso lavrá-la; mas depois
de a lavrar, é preciso também cuidar da sementeira - para que o trabalho se não
perca e não venha a fome, a desgraça.
Se construirdes um “ourique”108
, procurai fazê-lo bem sólido, pedindo, se for
necessário, a ajuda dos outros.
O Irã, que aqui vedes, velará por vós, se vos comportardes bem, se respeitardes a
gente mais velha, as mulheres e os doentes; se não roubardes, se não mentirdes e
não caluniardes.
Se fordes pacatos, sereis felizes. Vivereis em paz com todos.
Circuncisos, acabei”109
Por estas palavras, é possível apreender a importância das cerimônias iniciatórias, bem como
o alcance desse momento na vida do iniciado. Revelam um código de conduto que ele deverá
cumprir durante toda sua vida para que haja equilíbrio para si e para a comunidade. No
período de recolhimento, imposto pelo fanado, os jovens constituem a manjoandade e
107
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.906. 108
Ouriques são construções que impedem que a água invada os campos cultivados; diques. 109
Ibid., p.908.
Mestre escarificador.
BCGP n. 68, 1962, p.538 Moça Manjaca com
escarificações.
BCGP n.61, 1961, s/p.
Rapaz Manjaco e seus
dentes afiados.
BCGP n.61, 1961, s/p.
166
estabelecem fortes laços de solidariedade e, ao mesmo tempo, respeito e deferência para com
as mais antigas.
Não há muitos detalhes sobre o fanado das moças. Os rituais são cobertos por
absoluto segredo e “o local sagrado onde se realizam as cerimônias femininas é interditado
aos homens”110
. Como no dos rapazes, é realizado no mato e também ocorre um período de
recolhimento, porém de menor duração.
Ao retornarem do mato do fanado, rapazes e moças ostentam trajes enfeitados. Os
rapazes dos grupos não islamizados, por exemplo, podem usar máscaras, partes de roupas
confeccionadas com fibras vegetais, entre outros adornos. As moças usam roupas especiais,
enfeitam os cabelos e ostentam penteados apropriados.
Fotos do Centro de Estudos
Os Fula e Mandinga executavam a circuncisão até o oitavo ano dos meninos,
conforme os preceitos do Alcorão, porém não raro a prática ocorria em rapazes mais velhos.
Nos demais grupos não islamizados a idade não era observada à risca, pois a cerimônia
dependia da consulta aos Irãs correspondentes, portanto, não possuía periodicidade constante.
Os Bijagó, por exemplo, realizavam o fanado de dez em dez anos e a festa podia
durar até cinco anos. Era o único grupo em que os jovens mudam de nome durante o retiro e
este nome perduraria na maioria dos casos. Para os rapazes, os momentos no mato do fanado
eram mais que um desafio., pois experimentavam a natureza de forma plena, numa vivência
singular:
o último nome é-lhe imposto quando deixa de ser “cabaro”, para ser “cabido”,
condição em que permanece dois anos, vivendo isolado no mato em barraca
110
SILVA. Dilma de Melo. Por entre as Dórcades Encantadas: Os Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo: Terceira
Margem, 2000, p.78.
Rapazes Balanta regressando do fanado.
BCGP n.96, 1969, s/p.
Meninas Balanta em dança ritual por ocasião do
fanado. BCGP n.96, 1969, s/p.
167
improvisada, completamente nu, sem amuleto, sem símbolo algum e sem auxílio de
ninguém Durante esses dois anos, alimenta-se só daquilo que ele próprio consegue
obter [...] De “cabido” passa a “cassucai”. Pode ser, então, levado por qualquer
mulher que queira com ele constituir família. 111
Cumprida esta etapa, os jovens dos grupos islamizados encontravam-se em
condições de serem iniciados em outra. Os rapazes escolhiam seus futuros ofícios e passavam
ao período de aprendizagem, inclusive sobre o direito costumeiro de seu próprio grupo.
Geralmente, são os tios paternos que assumem um papel importante na vida dos jovens neste
momento. Eles são responsáveis por declarar rapazes e moças aptos para assumir a nova
“posição social” e promovem, também, ajustes para futuros casamentos. Isto ocorre por volta
dos 20 a 25 anos, entre os rapazes, e após a menstruação e desenvolvimento das mamas, entre
as moças. Apenas após constituírem família é que os homens podem, por exemplo, requerer
direitos sobre terras a cultivar.
Há um lapso de tempo que pode mediar entre a declaração de maioridade e as
conversações para o ajuste por parte do tio, e o casamento - às vezes anos seguidos.
Nesse período o pretendente torna-se um servo do pai da pretendida, pelo facto dos
costumes lhe imporem a prestação de determinados serviços em benefício deste, e
dos quais só se desobrigará, relativamente, após o enlace.112
Os ajustes de casamento entre os grupos islamizados113
ocorriam, de forma geral, a
partir de contrato ou acordos entre as famílias interessadas, ou entre o pretendente e a família
da mulher pretendida114
. Esses ajustes envolviam pagamento, em espécie ou produtos, por
parte do pretendente e eram negociados pelo tio paterno dos envolvidos. Em alguns casos, ao
irmão mais velho do pretendente também cabia presentear a família da futura esposa de seu
irmão. Isto acontecia porque era observado o levirato, ou seja, o costume no qual o cunhado
“herda” a viúva como parte dos bens do falecido irmão. Nesse caso, ele deve tomá-la como
esposa, prática esta que, segundo Carreira (1961a) era mais fielmente seguida pelos Fula e
Mandinga. Nos demais grupos, as viúvas eram consultadas previamente.
Entre os grupos não islamizados os arranjos para o casamento ocorriam de forma
direta, entre o homem e a mulher, ou, mais comumente, entre as famílias. A exceção é
observada nos Bijagó, pois ali é a mulher que escolhe o futuro marido, no entanto isto só lhe é
111
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.910. 112
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.678. 113
Vale lembrar que os Fula e Mandinga, influenciaram outros grupos, tais como Beafada, Nalu, Banhum,
Cassanga, Balanta-Mané. Estes, embora bebedores de álcool e comedores de carne de porco consideravam-se
islamizados por terem aderido a muitos costumes, tais como a obtenção do cônjuge, tipo de vestuário, de
habitação e de lavoura, adornos, etc. Seguiam os preceitos do Alcorão, todavia mantiveram o culto aos ancestrais
e as práticas daí correspondentes. Também a língua foi fortemente influenciada pelos Mandinga. 114
A futura esposa poderia ser uma mulher adulta, adolescente, criança, ou até mesmo ainda por nascer. De
qualquer forma, em nenhum momento era necessária sua aquiescência.
168
permitido após ter construído uma moradia para ambos e, também, ter-lhe oferecido uma
comida apropriada para a ocasião.
O casamento (Bijagó) constitui um acordo essencialmente voluntário, assim como a
sua dissolução resulta da vontade de qualquer das partes. No entanto, o acto
matrimonial só se considera ajustado e legalizado quando o escolhido aceita a
refeição oferecida pela mulher e as famílias efectuam certas cerimônias,
acompanhadas de festas e danças.115
Em todos os povos da Guiné os acordos de casamento são acompanhados por
cerimônias específicas, acompanhadas ou não de oferendas e sacrifícios. Vale transcrever a
cerimônia manjaca descrita por Fernando Rogado Quintino:
No dia do casamento, os noivos são acompanhados pelos parentes mais idosos até à
palhota que lhes vai servir de morada. Ali há um cerimonial qualquer, em
obediência à crença correlativa. [...] O parente mais velho traça no chão, à entrada
da palhota, um risco, dividindo o que podemos chamar “hall” em duas partes. O
noivo degola um galo branco, que cabriola em arrancos arquejantes de morte, ao
longo do risco de um e de outro lado dele, esparrinhando sangue. Quando cessam
os movimentos do galo, a noiva entre na palhota, pisando as gotas de sangue que
caíram sobre o risco, em atitude correcta e firme, prometendo ao mesmo tempo aos
espíritos familiares, idêntica atitude ou comportamento na vida conjugal;
Depois, noivo e noiva, vão ambos sacrificar uma vaca, um porco ou um cabrito,
conforme as posses, junto ao “Irã” da morança.
Convém lembrar que este cerimonial segue a dois outros, um realizado em casa dos
pais do noivo e outro em casa dos pais da noiva. Assim, o “Irã”, consubstanciando
os espíritos dos antepassados, acompanha a cada passo, nas mais pequenas
particularidades, os negócios da vida familiar. 116
Geralmente, após a união o novo casal passa a residir no tabanca do homem. A
poligamia é uma prática comum, entretanto, apenas o homem tem o direito de se casar com
mais de uma mulher117
. As negociações em torno do primeiro casamento são feitas pelas
famílias enquanto que as subsequentes partem de acordos entre o casal.
Conforme o costume dos grupos, o marido deve, a cada noite, dormir na moradia
de uma de suas esposas, obedecendo a uma ordem determinada. Ali ele faz suas refeições e
dirige os negócios familiares. Esta regra só é quebrada em casos excepcionais, tais como o
período de no mínimo 8 dias que o homem desfruta de um novo casamento.
A primeira mulher tem posição destacada dentro da estrutura familiar. Ela, em
geral, dispõe de uma palhota privativa e possui certa autoridade sobre as demais esposas,
inclusive atribuindo-lhes as tarefas diárias. Todas as mulheres, no entanto, têm importância
na medida em que produzem e geram filhos. Cada mulher trabalha num pedaço de terra
dentro da propriedade familiar. A produção é recolhida dentro da parte que lhe cabe no
115
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.652. 116
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.465. 117
Embora entre os Bijagó a escolha do marido seja prerrogativa das mulheres, não lhe é permitido ter mais de
um marido.
169
celeiro. Isto não significa que as outras mulheres estejam desobrigadas de concorrerem
igualmente para que o lar seja próspero.
A família é uma instituição muito importante na vida do africano. Na Guiné, todo
o obstáculo que impedisse sua constituição era combatido. O celibato era condenado porque,
em última instância, colocava em risco a “vida” dos antepassados, além de lançar ao
abandono o espírito do próprio celibatário. A esterilidade, por sua vez, era considerada uma
maldição, principalmente entre as mulheres. Era, também, uma das razões para a dissolução
do casamento.
Entre outros motivos o casamento podia ser desfeito por conta de maus tratos,
impotência, falta de assistência e renúncia total de relações sexuais, no caso dos homens;
adultério contumaz, infanticídio, recusa em aceitar outras esposas do homem, urinar de noite
na cama, no caso das mulheres. Assim, os impedimentos à continuidade da família eram
intoleráveis, pois uma família completa compreendia tanto os vivos, capazes de dar
continuidade a ela, quanto os mortos, “desde o primeiro antepassado longínquo até ao último
descendente vivo.”118
A construção da morada da nova família também previa a realização de ritos. De
início, apelavam à orientação dos espíritos familiares, que indicavam o melhor local para
estabelecê-la, em geral, próximo a um poilão.
Nesse local, traçados os riscos indicativos da posição das paredes exteriores,
procede-se a várias formalidades místicas, como o enterramento de frutos de
plantas de longa duração (para que a palhota tenha uma vida tão longa como elas),
esparzimento de sangue de animais imolados, de bagos de arroz cozido com azeite
de palma, de aguardente, etc. (para que os espíritos se dessedentem neles) e outras
formalidades do mesmo género. 119
118
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.904. 119
Id.. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.464.
Homem Grande Beafada, mulheres e filhos. Segura o Alcorão e o Rosário à frente das palhotas.
BCGP, n.96, 1969, s/p.
170
Fica evidente que os povos da Guiné possuíam modos de viver e se organizar bem
estruturados, baseados nas relações particulares de parentesco. Em todas as ocasiões,
nas cerimônias, nas atividades econômicas, nas disputas legais, nos litígios, nas
heranças e no casamento, como tudo isso está relacionado com parentesco, o lugar e
as funções dos membros dos grupos unilineares são definidos e nítidos120
.
Quer nas manjoandade (manjuandade), quer junto aos que exerciam um mesmo ofício, cada
um cumpria seu papel para a manutenção e equilíbrio das moranças e das tabancas.
O sistema de parentesco na Guiné é unilinear: patrilinear ou matrilinear. Nos
grupos islamizados os filhos são considerados descendentes da linhagem paterna. Nos demais
são observadas ambas as situações. O parentesco define os direitos sucessórios. No caso dos
Fula, por exemplo, os cargos políticos e os bens materiais são transferidos de irmão para
irmão, a começar pelo mais velho. A transmissão de bens entre os grupos tradicionais
geralmente ocorre através dos irmãos uterinos (da mesma mãe) ou germanos (da mesma mãe
e mesmo pai). A exceção fica por conta dos Bijagó, pois ali ocorre uma distribuição
proporcional de bens tanto entre filhos quanto entre irmãos.
Na vida adulta, homens e mulheres estão voltados para o bem estar da família, da
comunidade e dos antepassados. Em síntese, “os deveres de pais para filhos, de filhos para
pais e dos membros da família entre si, e, ainda, os de grupos de famílias, nas suas relações
sociais, andam sempre cativos a determinadas práticas religiosas”121
. Estas significavam, na
verdade, a própria forma de viver de cada povo na Guiné.
A velhice, ao contrário do que se percebe no mundo ocidental, é um período de
abastança e respeitabilidade. Os homens grandes recebem o conforto da família e produtos
oriundos do trabalho dos seus parentes (mulheres, filhos ou pessoas da morança). Em geral,
participam do Conselho dos Anciãos ou Tribunal da Grandeza, organismo que, geralmente,
tem a última palavra sobre assuntos de interesse coletivo ou litígios particulares.
120
HOEBL, E.Adamson; FROST, Everett L. Antropologia Cultural e Social. São Paulo: Cultrix, 2006,p.226. 121
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.471.
Conselho de Anciãos Balanta.
Região de Mansoa. BCGP n.96, 1969, s/p.
171
Considerando a estreita interação entre o mundo dos vivos e dos mortos, a maioria
dos povos da Guiné atribuía grande importância às cerimônias fúnebres. Segundo António
Carreira, acreditavam que ninguém morria naturalmente, pois a morte seria resultado da ação
de espíritos. No caso de “crianças e de adolescentes, o caso tem menor gravidade; se de
adultos, há que determinar as causas para poder adoptar precauções contra os maus
espíritos.”122
Uma das funções mais importantes dos ritualistas era dirigir as cerimônias
fúnebres. Velavam o cadáver e orientavam as ações dos participantes, como a lamentação das
mulheres, o toque dos tambores, a imolação de animais, etc. Em geral, contavam com o
auxílio dos coveiros, os quais, assim como os ritualistas, passavam por um longo processo de
iniciação até poderem assumir a tarefa. Nos “funerais de indivíduos sem direito a sepultura
em galeria tumular, são eles simultaneamente coveiros e ritualistas.”123
Considerando-se que a morte era ação de um comedor de almas, da ação de um
espírito maléfico que se incorporava na pessoa viva, durante as cerimônias fúnebres eram
realizado o “interrogatório do defunto”. Esta prática, realizada pelos Felupe, Manjaco, Papel e
Bijagó, consistia em descobrir de quem era o espírito responsável pela morte. O
“interrogatório” era uma prática observada já no século XVI e relatada por Álvares Almada:
Nesta terra se enterrão os defuntos com grande apparato, cousa que se póde ver,
porque vão accompanhando aquelle morto ao som de huns tambores muita gente e
vai diante grão copia de soldados, que vão escaramuçando ao som dos tambores que
vão tocando, e os que levão o morto caminhão apressados até o logar onde lhe fazem
a pergunta que diga quem o matou, - que he da maneira que se faz no Reino de
Casamança.124
Era prática antiga na Guiné e disseminada por toda a África. Era imprescindível quando o
falecido era um régulo, um ritualista (homem ou mulher) ou um homem grande. Também o
ritual do “interrogatório” era acionado em caso de morte suspeita ou a conselho do ritualista
responsável. “Outrora, todos os adultos de ambos os sexos, logo que falecessem eram
submetidos a perguntas.”125
O ritualista ao conduzir a cerimônia fúnebre colocava sobre o
morto panos vermelhos e azuis.
Em presença de numerosa assistência, fazendo círculo, ao som do Bombolon, o
ritualista inicia as perguntas em voz alta: que Irã te matou? quem se serviu dele
(Irã) para te matar? qual foi o comedor de almas que te matou? de que meio se
serviu? virou cobra? virou lobo (hiena)? virou lagarto (crocodilo)? virou onça?
Responde. Todos precisam ser elucidados.
122
CARREIRA, António. Símbolos, ritualistas e ritualismos ânimo-feiticistas na Guiné Portuguesa. BCGP,
Bissau, v.16, 1961b, n.63, p.535-6. 123
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.475. 124
ALMADA, André Álvares. Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde: desde o Rio Sanagá até os
Baixos de Sant’Anna.Porto: Typographia Commercial Portuense, 1841, p.58. 125
CARREIRA, op.cit., p.534.
172
A resposta às perguntas é obtida através dos movimentos dos transportadores da
tumba, que ora caminham para a frente, ora para trás, ora para um lado, ora para
outro, inclinando-se sobre algum dos circunstantes ou em direcção ao Irã, quando
determinam (?) o causador da morte! Cada movimento tem um significado, que só o
ritualista sabe decifrar. 126
"Cansarés" ("macho" e "fêmea") em
Amortalhamento de um cadáver cerimônia realizada em Bulom, regulado de Safim.
em panos de fabrico tradicional. O “cansaré” imita a tumba mortuária e é também
Blim Blim, regulado de Biombo127
usado em certas cerimônias correlacionadas, como
o interrogatório dos defuntos.128
O ritual descrito nas páginas do Boletim Cultural guarda estreita relação com o
que relatou, no século XVIII, o missionário da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos,
Padre Giovanni António Cavazzi (17--, apud SWEET, 2007, p.210)129
. Sobre a cerimônia
fúnebre em Angola ele descreveu que,
entre os delirantes estava um xinguila eleito, este é o padre ou ministro do funeral,
que se aproxima da cara do morto e lhe pergunta repetidamente qual foi a causa da
sua morte. Mas porque o morto não pode falar, o xinguila responde em nome do
morto, e com uma voz alterada.
Não é de surpreender que James Sweet (2007) tenha localizado registro de prática
ritual semelhante no Brasil dos séculos XVII e XVIII. Segundo esse autor, os angolanos
mantiveram suas crenças através das gerações, comprovando, dessa maneira, a resistência das
crenças centro-africanas na diáspora. Em Pernambuco, na década de 30 do século XVII, há
126
CARREIRA, António. Símbolos, ritualistas e ritualismos ânimo-feiticistas na Guiné Portuguesa. BCGP,
Bissau, v.16, 1961b, n.63, p.535. (grifo do autor) 127
MOTA, Avelino Teixeira da. As viagens do bispo D.Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a cristianização dos
reis de Bissau.. Lisboa: Publicações Alfa S/A, 1989, s/p. 128
Ibid., s/p. 129
CAVAZZI, Padre Giovanni António. Descrição histórica dos Três Reinos do Congo, Matamba e Angola.
Editado e traduzido pelo Padre Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965.
(grifos do autor)
173
relatos do tambo, cerimônia fúnebre que visava uma “transição confortável da alma da pessoa
morta para o outro mundo”130
. Da mesma maneira que na Guiné, o falecido era indagado
sobre a causa de sua morte. Há evidências de que no Rio de Janeiro, no início do século
XVIII, praticava-se o tambe de forma semelhante àquela descrita pelo padre Cavazzi.
Nessa medida, é possível relacionar práticas culturais compartilhadas pelos povos
da África Central na diáspora, com aquelas presentes na Guiné do século XX e,
possivelmente, em muitos outros tempos e espaços, razão pela qual seria muito importante
empreender análises sistemáticas sobre essa peculiar cerimônia.
O final do interrogatório redunda na descoberta de um “culpado”. Caso o
responsável seja um entre os vivos, é banido do grupo. Entre os Bijagó, por exemplo, ele é
considerado “feiticeiro” e, como consequência, comete suicídio “atirando-se no mar, com
uma pedra ao pescoço.”131
Cumprir o ritual no momento da morte era imprescindível, pois o espírito do
falecido passaria para o mundo do sagrado. No descumprimento desse ritual, os parentes
vivos seriam alvo de represálias. Vale destacar que “as crianças em geral (constituíam)
divindades ínfimas; (eram), por isso, enterradas no mato, sem ritos dignos de menção.”132
A
preservação do cadáver era fundamental, pois não eram prestadas homenagens às pessoas cujo
corpo não tivesse sido recuperado, como nos casos de afogamentos ou ataque de animais
selvagens.
Na maioria dos povos, os ritos fúnebres somente tinham início quando era
oferecido, ao Irã da família enlutada, ao menos um animal de grande porte em sacrifício. A
quantidade de animais ofertada dependia, em grande medida, da importância do falecido, bem
como das posses de seus familiares. O sangue e as vísceras dos animais (coração, fígado, rins,
etc.) eram “as partes quase sempre exclusivamente destinadas a oferendas.”133
O ritualista responsável pela cerimônia fúnebre convocava o instrumentista-
assistente que iria fazer soar o bombolon para anunciar o falecimento. Só após o início do
“toque do choro” é que a família podia prantear o morto e faziam “depois de revestirem o
130
SWEET, James. H. Recriar África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770).
Lisboa: Edições 70, 2007, p.209. 131
QUINTINO, Fernando Rogado. Os Povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.24, 1969, n.96, p.915. 132
Id. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949b, n.16, p.693. Talvez essa atitude decorresse do fato
de que as crianças não teriam cumprido o rito do fanado. 133
Id. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.472.
174
corpo (peito, costas e cabeça) de lama, em sinal de pesar [...] as viúvas (raspavam o) cabelo
da cabeça, à faca, em sinal de luto.” 134
Independentemente da hora da morte, o “toque do choro” era sempre iniciado de
madrugada. Isto ocorria para que o bombolon fosse ouvido a grande distância. Desse
momento em diante os lamentos poderiam ser exteriorizados, assim como era iniciado o abate
dos animais oferecidos em sacrifício. O corpo do falecido ficava, geralmente, exposto e os
assistentes postavam-se “diante dele, com uma moca (clava) ou uma espada na mão, e
(dirigiam-lhe) algumas palavras prometendo combater com valentia e denodo os espíritos
que (ousassem) apoderar-se do corpo.”135
A duração dos ritos fúnebres variava conforme o grupo a que pertencia o morto,
bem como sua posição hierárquica. Mas a partir do toque do choro, seguiam-se vários outros
rituais, como o do ritualista dos Irãs, o dos “cemitérios e o dos amortalhadores-coveiros
(quando estejam previstos na organização social), cada um na sua função, mas em estreito
entendimento.”136
Havia, portanto, três figuras principais na condução da maioria dos ritos
fúnebres: o orientador do rito e responsável pela escolha das galerias tumulares (Nangurã, em
manjaco), o responsável por envolver o cadáver em mortalhas, além de exercer as funções de
coveiro (Nadjêpe, em manjaco) e o tocador de bombolon.
Entre os Bijagó, o ritual era, inicialmente, conduzido pela oquinca e pelo rei (ou
chefe). Acompanhada pelas mulheres da tabanca, a oquinca levava o corpo até a praia onde
era banhado com a água do mar. Regressando ao povoado, o corpo era, então, untado com
134
CARREIRA, António. Símbolos, ritualistas e ritualismos ânimo-feiticistas na Guiné Portuguesa. BCGP,
Bissau, v.16, 1961b, n.63, p.533-4. 135
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.473. 136
Ibid., p.534.
Funeral manjaco- BCGP n.68, 1962, p.705.
175
óleo de palma e enfeitado com fios de contas ou conchas, entre outros adornos. O corpo era
colocado sobre um “canapé ornamentado com panos diversos e (transportavam-nos) ao
bosque [...] onde o rei e (ou chefe) e o oamcandjam-ô (ritualista), celebra(vam) uma
cerimônia misteriosa a que só (assistiam) os Grandes.”137
Ao retornar, o corpo era exposto
em frente a casa onde habitava e, sob a supervisão de toda a assistência, o rei (ou chefe) e o
ritualista perguntavam-lhe a causa da sua morte.
Os Fula também cumpriam o ritual do choro, mas este consistia na “reunião da
família e dos amigos, orações na mesquita local, abate de uma ou mais reses, cujo sangue
não se aproveita, sendo repartido por todos.”138
Eram lidas orações apropriadas à
cerimônia e, não existindo cemitérios, o corpo, envolto em panos e numa esteira, era
enterrado no local julgado mais apropriado, porém com a cabeça voltada para o oriente. Só as
mulheres guardavam o luto usando trajes brancos, sem qualquer enfeite, apenas um lenço
branco na cabeça.
Entre grupos não islamizados, a posição do cadáver dependia da categoria social
ocupada pelo morto:
Os régulos, chefes e dirigentes do culto, são conservados sentados como se
estivessem a dirigir os actos solenes a que presidem em vida. Os outros indivíduos
enterram-se em decúbito, sobre o lado direito, com o rosto voltado para nascente,
os homens e, para poente, as mulheres. 139
Os corpos não eram inumados. Eram apenas embrulhados com vários panos - de 1 a 100,
conforme sua posição social e posses individuais ou familiares - e depositados na terra,
formando como que uma “galeria tumular[...] de modo que a cobertura nunca afecte o
cadáver.”140
O cadáver não tinha, portanto, contato direto com a terra.
Cobertura da cova tumular
de um régulo de Biombo141
137
LIMA, Augusto José Santos. Organização Económica e Social dos Bijagós. Lisboa: Soc. Industrial de
Tipografia Ltda., 1947. Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, Série “Memórias” n.2, p.99. 138
MOREIRA, José Mendes. Fulas do Gabú. Lisboa: Soc. Industrial de Tipografia Ltda., 1948. Centro de
Estudos da Guiné Portuguesa, Série “Memórias” n.6, p.293-4. 139
CARREIRA, António. Organização social e econômica dos povos da Guiné. BCGP, Bissau, v.16, 1961a,
n.64, p.716. 140
QUINTINO, Fernando Rogado. No Segredo das Crenças. BCGP, Bissau, v.4, 1949a, n.15, p.473. 141
MOTA, Avelino Teixeira da. As viagens do bispo D.Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a cristianização dos
reis de Bissau.. Lisboa: Publicações Alfa S/A, 1989
176
A construção das galerias tumulares, consideradas bens de família, era
responsabilidade do coveiro e só podia receber o corpo de 4 adultos. Quando a ocupação
estivesse completa, as famílias deviam procurar outros locais com antecedência, visto que os
ritos de construção eram complexos e demorados, além do fato de que envolvem um gasto
nem sempre ao alcance de todos. Entre os Manjaco, a construção da galeria era encaminhada
pelo Nangurã, que conduzia uma cabra presa à corda que deve caminhar livremente pelas
terras acompanhando-o. Onde ela parasse e urinasse era o local apropriado para ser abrir uma
nova galeria tumular.
As galerias eram construídas a partir de um orifício circular no solo, de diâmetro
suficiente para a passagem de um homem, que serviria como porta de entrada. A certa
profundidade, a cova inicial era alargada para permitir nova escavação, em sentido horizontal,
das 4 galerias necessárias. O espaço destinado a cada corpo deveria contemplar a colocação
de alguns utensílios pertencentes ao falecido, tais como símbolos de autoridade, comidas e
bebidas. Segundo António Carreira (1961a), em época anterior um rapaz e uma moça eram
enterrados vivos junto com um régulo falecido, para servi-lo na outra vida.
São controversas as ideias sobre o destino dos espíritos após a morte. Para alguns,
eles permaneciam próximos ao lugar onde viveram e próximos àqueles que conheceram.
Quando essa condição deixava de existir, afastavam-se para local desconhecido ou viviam
errantes. A continuidade da família era, por isso, imprescindível para que os espíritos dos
antepassados sempre se sentissem acolhidos. Há grupos que entendiam que os espíritos jamais
se afastavam e aguardavam as homenagens que lhes eram devidas. Por esta razão, jamais
deixavam de receber a atenção necessária e esperada.
Irã Manjaco assinalando galerias
tumulares - tabanca de Utiá
Melique, região de Caió.
BCGP n. 11, 1948, p.634.
177
Através dos registros etnográficos publicados no Boletim Cultural, foram sendo
relevados costumes de povos que abarcavam modos de viver e formas de estar no mundo que,
ao longo do período colonial, foram confrontadas e diminuídas. Mesmo assim, suas práticas
estavam presentes e, por isso, puderam ser “transcritas” e “impressas” ao longo das páginas
desse periódico.
Do nascimento à “outra vida” - afinal não acreditavam na morte do espírito - das
relações com a terra e o repeito à natureza, fica evidenciada a distância cultural que existia
entre os povos das Guinés e seus pretensos colonizadores. O relacionamento interpessoal e a
família alargada, em oposição aos núcleos de parentesco consanguíneo da maioria das
sociedades ocidentais, assim como a interação com o mundo invisível, desqualificada, porém
não descartada das cotidianidades lusitanas, traduziram oposições contundentes que tornaram
a convivência entre colonizadores e povos guineenses um constante cenário de disputas.
178
painel de Augusto Trigo
sem título
179
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A escolha da Guiné-Bissau como tema para o presente trabalho ocorreu, em certa
medida, de forma acidental. Sua quase imperceptível inserção na historiografia disponível no
Brasil demandou pesquisas através do meio virtual, sendo que pela internet conheci o Projeto
Memória de África e Oriente e o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Passei a dialogar
com este periódico, cuja origem foi planejada num contexto político especial, em que Portugal
agarrava-se ao cientificismo de sua política imperial.
Desde as primeiras aproximações foi possível perceber que esse corpus
documental oferece muitas possibilidades. Dentre elas, a oportunidade de conhecer culturas
quase apagadas de suas próprias histórias, encapsuladas que foram pela história portuguesa e
eurocêntrica. Por terem sido constituídos, em grande maioria, em culturas de matrizes orais,
tema que também abre grande espaço para reflexão, conhecer os povos que compõem a atual
Guiné-Bissau representa um desafio a estudiosos de diferentes áreas do conhecimento.
Na impossibilidade de efetuar pesquisas in loco, a disponibilização de registros
em meio digital tem demonstrado ser grande avanço para a pesquisa de modo geral. Várias
instituições, inclusive no Brasil, estão chamando para si a responsabilidade de viabilizar
condições à bem da construção contínua de campos de questionamento em torno de
conhecimentos instituídos. Assim, a partir do trabalho feito em Portugal, pela equipe do
Memória de África, foi possível “ter em mãos” o Boletim Cultural e, a partir disso, aproximar
continentes e culturas.
Por séculos a Guiné Portuguesa foi um apêndice desconhecido no mundo
ultramarino português. Sem grande importância econômica, foi ali, onde a expansão europeia
praticamente teve seu início e que, paradoxalmente, engendraram-se esforços para o fim do
colonialismo.. Ainda hoje, a Guiné-Bissau, como muitos outros países africanos, não tem
atraído a atenção de estudiosos. São várias razões, de toda ordem, que podem explicar esse
descaso.
Nas últimas décadas a Guiné-Bissau vem enfrentando situações adversas que têm
inviabilizado estudos a partir de seus próprios filhos, os quais, por questões políticas ou
financeiras, deixam o país em diásporas contemporâneas. Essa migração não possibilita que a
Guiné-Bissau seja estudada pelos conhecedores vivos de suas riquezas e desafios.
180
A Guiné, enquanto colônia, província ou estado independente, não tem
despertado a atenção de historiadores. Talvez isso decorra de questões conjunturais que
inferiorizaram sua relação com o mundo ao longo do tempo ou, quem sabe, sua contínua
instabilidade político-institucional dificulte pesquisas de campo na região. A pouca
visibilidade estratégica que sempre a acompanhou, desde o início de sua ocupação pelos
portugueses, persiste de modo a não estimular dinâmicas de pesquisas acadêmicas. A Guiné-
Bissau e a Guiné “Portuguesa” foram praticamente apagadas dos discursos históricos do
passado e continuam pouco lembradas pelos historiadores no presente.
Certamente, muitas respostas e caminhos podem ser encontrados a partir da
apreensão das histórias que ainda estão por emergir. Compreender o universo de “poeiras
independentes”, estabelecidas por todo o chão guineense, pode ser o norte que congregue
povos tão diferentes, mas tão unidos em seus processos culturais e históricos. E essa
responsabilidade pode ser compartilhada com os filhos do chão, apesar das distâncias tanto
geográficas quanto culturais.
O momento é bastante oportuno para somar contribuições aos debates sobre temas
africanos, que vêm ganhando espaço em diferentes circuitos brasileiros. E o Boletim Cultural
da Guiné Portuguesa, apesar de sua concepção colonialista, contribui sobremaneira no
sentido de viabilizar elos com mundos pouco acessíveis. A pretensão “científica”
acompanhou a escrita dos colaboradores desse periódico colonial, muitos deles autodidatas,
que, orientados por Teixeira da Mota, na contramão da “ciência metropolitana”, retrataram, à
semelhança dos etnógrafos da época, dinâmicas de povos guineenses, muitas delas ainda
presentes. Deixaram trabalhos que aguardam outros estudiosos para outras releituras, pois
deixaram frestas que permitem acessar culturas “vivas”, registradas num discurso permeado
pela diferença, mas cheio de potencialidades.
Garimpando por entre os diversos registros etnográficos publicados através das
páginas do Boletim, surgiram desafios para manter-me à escuta a fim de dialogar com sujeitos
que processam outras formas de “estar no mundo”. Após esse “convívio”, emergiram
reflexões inquietantes acerca de modos de viver do homem contemporâneo e quanto às
perspectivas de futuro que ele tem construído. Advieram questionamentos incômodos em
relação à sociedade global e ao crescente isolamento do homem, mergulhado em
individualidades e competitividades de seu cotidiano. Por conta disso, meus valores e certezas
encontram-se, atualmente, sub judice.
Os povos da Guiné possuíam, e em alguns casos arrisca-se afirmar que ainda
possuem modos de vida locais, os quais ainda podem estar repletos da “tradição viva” e ainda
181
se encontrem homens grandes e griôs, depositários da sabedoria e do conhecimento de seus
povos, aguardando para serem compartilhados. Há incríveis conexões entre griôs, ferreiros,
ourives, agricultores, tecelões, músicos e instrumentistas, entre outros, no lado de lá e de cá
do Atlântico. Estudiosos das diásporas vêm construindo pontes que ligam as Américas,
inclusive o Brasil, às Áfricas e, certamente, há ainda muitas outras por construir.
A pretensa superioridade portuguesa tentou desqualificar costumes de povos da
Guiné. Era ideia recorrente, em Lisboa e Bissau, que a cultura luso-europeia os sobrepujaria.
Apesar da política assimilacionista e dos arranjos para aportuguesar o negro da Guiné, os
resultados ficaram aquém do esperado. Após anos, a oferta de “civilização” tinha sido pouco
aceita. O pequeno contingente de “assimilados estava longe de integrar o mundo português.
Tornaram-se arremedos de cidadãos, desenraizados e com poucas oportunidades. Raras foram
as experiências de “sucesso” entre eles, as quais poderiam ser diversificadas, para além
daquela do líder revolucionário Amílcar Cabral.
As formas de ocupação dos territórios na Guiné constituem assuntos complexos e
envolventes, porém pouco estudados. Aprofundamentos desses temas, possivelmente, podem
“iluminar” conflitos entre poderes em ação, hoje, na Guiné-Bissau. As estruturas que ali se
estabeleceram ao longo dos séculos da expansão do Islã, modificaram, sobremaneira, o perfil
dos povos da região. Não se sabe, com clareza, as consequências efetivas desse longo e
conflituoso processo. Sabe-se que alguns se deslocaram para outras regiões, inclusive para
além das “fronteiras” da Guiné, constituindo outros chãos. Outros se integraram, mantendo
seus costumes ou diluíram-se de tal forma que estão, até o momento, “perdidos”.
Poucos compreendem a magia tal como apresentada por Hampâté Bâ. Ter isso em
conta é fundamental para perceber o sentido que as forças vitais têm nas vidas de africanos
em geral. Apreender a oralidade torna-se imprescindível para efetuar leituras menos
equivocadas acerca de mundividências tão “diferentes”. A relação que se estabelece entre o
homem e a natureza, esta integrante do mundo africano e não algo a lhe servir, conduz a
questões relevantes e muito debatidas, atualmente, acerca do esgotamento do planeta.
Creio que viver a magia significa estar em equilíbrio. Essa vivência, esse
conhecimento esotérico dos povos guineenses só é revelado para “iniciados”, porém, apesar
disso, páginas do Boletim Cultural estão repletas de magias, mesmo que tocadas levemente.
Oferecem, mesmo aos não iniciados, os primeiros passos dentro desse universo repleto de
vivências e imaginários a serem sondados.
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Os traços da vida dos povos guineenses, surpreendidos nas páginas do Boletim
Cultural, ressaltam sua profunda ligação com a natureza e seus antepassados, a compreensão
de um mundo indivisível, onde o que é mineral, vegetal, animal, humano ou espiritual é
entendido com uno. Além disso, o viver comunitário, a constituição da família alargada, o
respeito á sapiência dos grandes, entre outras formas particulares de viver, são o eixo por
onde eles trilham, com segurança, desde o nascimento.
Lendo, hoje, notícias sobre a Guiné-Bissau consegui perceber que as convicções
eurocêntricas quanto à sua superioridade - branca,cristã,letrada,masculina - eram de tal ordem
que não foi permitido condescender com as multiplicidades africanas, uma vez que as
sociedades “civilizadas” arvoraram-se em modelos perfeitos para o “resto do mundo”. Mesmo
“descolonizados”, países como a Guiné-Bissau, convivem com os resquícios perversos da
“colonialidade do poder”, na busca de uma ocidentalização distante de suas raízes.
Ter arriscado enveredar pelo continente africano, e à grande distância, trouxe
incontáveis desafios, vários tropeços, mas um enlaçamento que não posso romper. Muito há
que ser apreendido, talvez as ferramentas ainda sejam impróprias, faltem metodologias
específicas para abordagens mais seguras, mas alguns passos foram dados. A contribuição
deste trabalho caminhou nesse sentido e, principalmente, na intenção de instigar outros
estudiosos para que um dia seja possível compreender, um pouco mais, a Guiné-Bissau e os
povos guineenses, bem como as Áfricas e os africanos.
Preciso confessar que, por muitas vezes, fui pega reproduzindo os discursos
habituais, numa demonstração de que a colonialidade está presente: há que se ter cuidado com
elocuções rápidas. Porém, é algo difícil de romper - e, principalmente, perceber -, pois, ao
longo de minha escrita, empreguei (e posso ter deixado escapar) termos totalmente
inadequados em se tratando das Áfricas. Isto acontece, também, no dia a dia das pessoas que,
ao olharem para o outro lado do Atlântico, pensam o continente africano como uma massa
amorfa, um bloco único, ressaltando o que ele não é ou não tem. Utiliza-se uma tabela
classificatória difícil de ser posta de lado, de onde emergem termos como civilização,
progresso, evolução, escolarização, letramento, lucro, individualidade, entre outras, que
carregam em seu bojo marcas racistas quase imperceptíveis.
Os povos da Guiné contrariaram a lógica colonial e colocaram por terra
procedimentos bem articulados e teorias academicamente elaboradas. Declinaram propostas
de “melhorias” que não tinham sido solicitadas, rejeitaram “evoluir”, dispensaram a
alfabetização e os “diplomas”, continuaram cultuando os Irãs e falando suas línguas, numa
183
atitude silenciosa de confronto, baseada na simples recusa em “ser civilizado”. Talvez, por
essas razões, foram julgados presas fáceis no jogo do poder.
Puro engano!
Mulheres Felupe (juntas) ceifando arroz
BCGP nº 68, 1962, p.553.
Homens Balanta (juntos) arando a terra QUINTINO, Fernando R., 1971, não paginado
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APÊNDICE B
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa: regras para publicação de monografias
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