Um Patinho Feio
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UM P TINHO FEIORAFAEL WOBETO PINTER
1 edio
EDITORA SEBINHO
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Catalogao na Publicao (CIP)Ficha catalogrfica feita pelo autor
P659pPinter, Rafael Wobeto, 1994-Um patinho feio / Rafael Pinter.1 ed.
Porto Alegre: Edio do autor, 2013.138 p.
ISBN 978-85-915610-0-1
I. Poesia brasileira. II. Ttulo.
CDD869.91 CDU821.134.3(81)-1
EDITORA SEBINHO FICTCIA
Luciana Valiente Vaz e Rafael Wobeto Pinter
Leia literatura, transcenda o seu mundo.
[2013]Todos os direitos desta obraesto reservados ao autor.Livre difuso e apreciao.Mais informaes sobre o autor em:www.twitter.com/rafael_pinterOutros poemas do autor em:www.algoemportugues.tumblr.com
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SUMRIO
PrefcioTiago Martins de Morais - 7Ao leitor - 13O patinho - 14
POESIA MATINAL - 17
Sapatnis - 19Tudo fazer - 20D-me tempo - 21Anestesiado - 22Sobre as iluses - 23Solido - 24Sapato - 25
Conta-gotas - 26Porto Alegre - 27Nada - 28Vazio - 29As filosofias - 30Minuano - 31
Vinho - 32Ideal - 33O poeta - 34Na cama - 35As rasuras e uma folha em branco - 36
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Glossrio - 37A independncia - 38 moda de Drummond - 39Errata drummondiana - 40Sobre escrever - 41
POESIA DOS AMANTES - 43
Interesse - 45
Tudo o qu'eu quero - 46Silncio - 47Linda - 49O samba - 50Dsir - 52Palavra - 53Amigo - 54
O homem da loja de CDs - 55Vestibulando - 57Perguntas - 59Versinho - 60A bela e a fera - 61Amanhecer - 63
Anjo - 64Sussurro - 65Noite chuvosa - 66Poeminha de domingo - 67O primeiro amor - 68
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Quando se morre - 69Amar - 70A um mestre (Vincius de Moraes) - 71Esquecer o caminho - 72O nibus - 73
POESIA DO JOO, DA MARIA, DA MORTE E DAPOESIA - 75
O relato de Joozinho sobre a manh gloriosa - 77A moa - 78Algo em portugus - 80A senhora - 82Aos escritores - 84Quero-quero - 85Bem-estar - 87
Maria - 89Parnasiano - 90Nublado - 91Inverno - 92Visita ao Parnaso - 94O mundo - 95
Equilbrio - 97Brincadeira da infncia - 99Joo - 100Ps - 101O ladro - 103
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Poesia - 105Melancolia - 107Bomia - 109Trabalho - 111Pssaro - 112Eu lrico - 113A rosa e o cadver - 115As vilas - 117O quarto - 118
Pedro pedra - 119O defunto - 121Suspiro fnebre - 123Os poetas - 124A manh - 125Livro - 129Temporal - 130
Desastre - 131Desfalecido - 132Assassinato - 134
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PREFCIO
O pintor francs Eugne Delacroix tem um significativoaxioma, que diz: Aprende a ser arteso, isso no te impedir
de ser um gnio. O famoso pintor reflete sobre uma questo
essencial na constituio de qualquer artista: a importncia de
trabalhar, limar e suar o texto escrito. O talento, por si s, nemsempre leva um artista ao seu mximo potencial, mas otrabalho preocupado com a forma, unido capacidade nata,pode ser o vetor de uma grande arte.
O poeta que, com este livro, se apresenta literatura e poesia, possui algo raro nos jovens: utiliza-se de seu talento, de
sua inspirao, mas tem a pacincia de lapidar o verso at queele ganhe os ares da melhor expresso potica. No destaco talaspecto do processo criativo de Rafael Pinter apenas porconhec-lo, mas porque se pode depreender da leitura de seuspoemas a busca pela perfeio da forma, a busca pelo melhorverso, pela sonoridade que vai ser capaz de traduzir certosrecnditos da alma, certas contradies da sociedade e certos
matizes do amor. Essa busca no visvel apenas nasonoridade e na beleza de seus versos, visvel, tambm, nareflexo sobre a prpria poesia, sobre o prprio ato de criao;enfim, essa busca est na metafico. E nessa filosofia emrelao prpria escrita, se v a preocupao do poeta-arteso,que tem na poesia uma forma de ver o mundo e uma maneira
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de depreender a realidade. Como para todo bom artista, a arte inevitvel, sem ela a vida como uma folha em branco.
Em meio a um mar de poesias contemporneas sempersonalidade, estas aqui se destacam pela autoria, pelo talentoindividual, pela voz prpria (mesmo que misturada aos seusmestres, afinal no h voz nica sem reflexo de outras vozes),mesmo em algum to jovem. Isso, contudo, no prende osversos de Rafael a uma estrutura formal e reta. Como elemesmo, ou seu eu lrico, advertem, no primeiro poema, a sua
poesia no segue linha reta, segue os caminhos tortuosos desua alma. E ns, os raros e clandestinos leitores de poesia, nosidentificamos imensamente com essa sinuosidade anmica.No vivemos ns, nesta contemporaneidade catica, perdidosnos caminhos tortuosos de nossas prprias almas? No somosns afastados brutalmente pelas cores, pelas imagens, peloconsumo, pelas verdades prontas e por tudo aquilo que forja
falsamente a nossa prpria subjetividade? , pois, namarginalidade do verso, e na reflexo sobre o que nosatormenta que podemos nos reencontrar.
A boa poesia, a boa literatura deve transcender o mbitoespecfico do gnero, o mbito especfico da individualidade,para chegar condio de universalidade, de coletividade.
Como diz o filsofo alemo, Theodor Adorno: um poemalrico perfeito tem de possuir totalidade ou universalidade, temde oferecer, em sua limitao, o todo, em sua finitude, oinfinito.
Os poemas de Rafael buscam a totalidade. Enquantorefletem sobre o supostamente solitrio ato de criao, refletemtambm sobre a sociedade que exclui o Joo e a Maria de todo
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o dia, apresentam o nunca superado e sempre renovvel temado amor, redesenham a cidade e o indivduo. Pblico eprivado se misturam, pois no podem ser separados. A grandepoesia precisa dessa dimenso coletiva, e guarda seus maiscaros temas no universal, mesmo quando destaca a quietudesolitria da noite ou quando fala do vazio da alma. E nissoque esses poemasora pequenos como um axioma, ora longoscomo uma rapsdia destacam-se em relao ao que produzido em nossos dias. H, nesta coletnea, a dimenso
social que foi perdida nesta ps-modernidade sem utopias, huma preocupao dialtica com a coletividade pouco vistahoje. Essa dimenso social orgnica, bem posta, semexageros ou panfletos.
Nesse sentido, ao tentar partilhar (fazer parte) de umsentimento de mundo, fica clara a admirao do autor por
Carlos Drummond de Andrade. Traos de uma poesia social
drummondiana podem facilmente ser resgatados,especialmente quando os arqutipos Joo e Maria soredesenhados. O prprio Rafael no esconde sua inspirao aointitular seu primeiro livro como uma forma de homenagem pouco conhecida obra de estreia do poeta mineiro.
Acabei por falar apenas da forma e do contedo da
poesia deste poeta, e deixei o poeta um pouco de lado. Noentanto, me parece fazer sentido, aqui, ter o papel deapresentador de sua literatura, que j galgou, em 2012, o RimaRara, Prmio Nacional de Poesia. E acredito que este o meupapel, por considerar a qualidade do primeiro livro de RafaelPinter um indcio de sua capacidade artstica, que ser
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desenvolvida ao longo dos anos e que gerar poemas futuros,poemas essenciais e poemas permanentes.
Tiago Martins de MoraisProfessor
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UM PATINHO FEIO
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AO LEITOR
Caro leitor, se tu procurasA leitura exata e a poesia retaJogue este livro no lixoOu no fundo da gaveta velha.
A minha poesia no segue linha retaPois minh'alma to tortuosa quanto um trao mal feitoAssim como a vida curvaE o pensamento um S, ou C, como preferires.
A vidaA morte
As almasO tudoO nadaEste livroA minha poesia.
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O PATINHO
Um pato um patoMas com patoEu escrevo sapato
Um pato s feio se sozinho
Pois sozinho no consegue lutarContra o curso dgua
Um pato de sapatoNo s um pato um par de patosO pato e o sapato
J um patinhoMesmo que de sapatoNo um par de patos
Ento um patinho de sapato
um pato feinhoOu melhor, um patinho feio
Mas, meu patinhoNo temas o curso dguaEle vaiE ele vem
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Transformando um patinhoNum patoE o feinhoNum belo par de sapatos.
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POESIA MATINAL
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SAPATNIS
Sapato num p, tnis noutro.
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TUDO FAZER
Cada pessoa um mundo.Clarice Lispector
Se me perguntares o que fao na solidoDirei que nada faoQuandoNa verdadeFao de tudoInclusive o mundo.
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D-ME TEMPO
Quero todo o tempo ocioso do mundoD-me o tanto que conseguires.Assim fao uma vida inteira de descobertas;Quem tem pressa no olha para o lado.
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ANESTESIADO
O mar constanteComo amarE eu nunca fui felizS fui anestesiado.
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SOBRE AS ILUSES
Direi-te brevemente:Se quiseres saber se amas uma pessoaImagina-te sem ela.Se sofreresTens amor;
Se no sentires nadaNo te enganes maisCaro leitor.
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SOLIDO
Solido relatada no final de cada tardeCom uma xcara de ch ou uma caneca de cafA noite quieta e o silncio perturba a dor.
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SAPATO
*Tump tump tump tump*No teu silncio s ouo os passos do meu sapato.
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CONTA-GOTAS
Os prantos caem em forma dguaEles caem mesmo sem ter por queOu talvez at por no entenderem o porquOs prantos caem mesmo sem voc saber.
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PORTO ALEGRE
Eu ando nas tuas ruas, nas tuas avenidasAtravesso as tuas esquinasO teu ar mais alegre, me faz alegreComo tu s linda, Porto Alegre.
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NADA
Nada como um amor aps o outroNada como um incio aps o fimNada como um sim aps um noNada como um sonho aps um pesadeloNada como sorver o futuro
E assim tudo leve e puro.
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VAZIO
A alma vazia uma folha em brancoSem versos, sem rima, sem poesiaAqui faz frioMas no to frioComo agora me sinto.
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AS FILOSOFIAS
Que saudade eu tenhoDas filosofias que criei quando bbadoNo que elas sejam o melhor queu tenha feitoMas, de algum modo, fizeram o meu mundo perfeito.
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MINUANO
H nas madrugadasAlgo misteriosoQue liga o silncioAo infinitoQue entre o ser
E o ventoNo restam segredos.
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VINHO
S a dor enobrece e grande e pura.Aprende a am-la que a amars um dia.Ento ela ser tua alegria,E ser, ela s, tua ventura...
Manuel Bandeira
O sofrimento igual uma taa de vinho bom tom-la devagarzinho.
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IDEAL
No hei de morrer por um nico idealHei de morrer pelo direito de ter novos ideaisOu se algum dia um nico ideal em mim se fixarEsse mesmo ideal fixo h-de me matar.
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O POETA
Quem ri por ltimo o poetaQue de todo momentoE de qualquer sentimentoTira proveito para sua poesia.
POST SCRIPTUM
Ledo engano.
Entre venturas e desventurasA tristeza e a ternuraUma breve certeza.
Quem ri por ltimo ri do poeta.
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NA CAMA
s vezes como se estivesse na linha do tempo;posso tatear o futuro e o passado, beijar o presentee perder-me nos momentos vagos.Torno-me uma conveno de pensamentos:muitas vezes a cama no nos faz dormir
nem sonharperdio de quem vivee digiro a metafsica barata dos bbados e recm-casados.O travesseiro um bero de imaginaese eu finalmente durmo.
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AS RASURAS E UMA FOLHA EM BRANCO
Num mundo de tantos escritosDe seres que se dizem vivosPoucos querem escreverE ningum sabe o que viver.
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GLOSSRIO
Eu escrevo, na verdade, para me sentir vivoMuito tempo sem escrever sinal de que me falta arO ar que respiro depois de cada novo poema escritoPoemas que eu escrevo quando j no basta ruminar.
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MODA DE DRUMMOND
Quando cresci, uma voz muda sussurrou:Vai, RafaelViver a guerra das ruasSentir as mulheres nuas.
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ERRATA DRUMMONDIANA
O nascimento uma iluso;O encontro com o mundoCom o pensamento e com o corpo pura vastido.
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SOBRE ESCREVER
Detesto quem escreve por escreverto vago quanto viver por viverNo se jogam palavras ao ventoSem dar a elas algum porquNo se faz o leitor perder tempo
Lendo besteiras que fazem sentido somente a voc.
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POESIA DOS AMANTES
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INTERESSE
Ao mim, agora, s interessa o ti.
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SILNCIO
A tarde estava l, vivaTudo perfeito, como deve serAs horas correndo, malditas
E tu me perguntavas o qu'eu queria dizer
E tu no entendias o qu'eu queria dizerMas meu silncio no deixava.
Te olho nos olhosEncontro uma sadaPeo socorroOnde eu menos preciso
Idiotice a minha.
Oua o meu silncio:Ele gritaTe encara nos olhosPede tua ateno
Ele necessita ateno
Te puxa para pertoTe beija o rostoE tambm o pescoo
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E ele, sem dizer nadaTe faz perceber tudo.O silncio o mais sinceroEle diz o qu'eu mais quero:Je taime.
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LINDA
Te acho linda das piores formas que tu te deves imaginarPor ser simples, no sendo superficialTe acho linda assim como tu s, com teu jeito de falarSem frases de impacto, at por nunca fingir ser intelectual.
Te acho linda se ri ou se chorasQuando tu me queres ou me ignorasTe acho linda quando tu ficas a me olharOu quando tu fechas os olhos e quer sonhar.
Te acho linda mesmo que tu neguesE repito mil vezes que meu corao a ti j est entregue
Te acho linda por saberes aquilo que me faz malPor leres o poema at o final.
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O SAMBA
O samba no paraO samba no h-de pararO samba deve continuarAssim que encontrarmos um par para sambar.
Na morena, na latina ou na gringaDos mil e mais tantos encantosDo sorriso que faz o salo inteiro se apaixonarDo corpo que vai pra l e vem pra c.
O meu samba no de raiz no samba sambado na sola do sapato
O samba dos amantes e dos amadosO meu samba dos apaixonados.
A gafieira no vai fecharO samba vai ser sambadoVem pra c, meu amor, vem sambar
Que inda noite e o sol continua acovardado.
Sabe, meu bem, contigo meu samba se faz doceContigo meu samba bom de sambarContigo meu samba ganha refroE reflete em todo salo.
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DSIR
O labor de imediato cessaN'um frenesi momentneo.Tua boca, tuas pernas, teus olhos:Meu desejo.
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PALAVRA
Passei a noite inteiraTentando escrever alguma palavra que te surpreenda.Alguns amigos talvez me dessem uma sugestoOutros talvez negassem, insistindo que no.
Hei, eu gostaria de saberOnde est sua criatividadeFoi pr'onde qu'eu no sei?Saiu, s volta mais tarde.
As coisas j esto melhores por lConturbadas por aqui
Talvez esteja simplesmente assimE no haja uma palavra certa ou singular...
No alvorecer, encontrei meus sonhos em papisMeu passado e meu futuro entre linhasO meu amor nas minhas rimas;
J a palavra, no encontrei nem por mil contos de ris.
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AMIGO
Eu tenho um amigo.Coitado dele, no vivoEst sempre a me esperarJ me viu sorrir, j me viu chorar
Assistiu meus romancesPercebeu cada lanceOuviu-me calado e mudoCompreensivo, entendeu tudo.
No fale de sua belezaSei que no consiste na pureza
At por saber o que sintoPois pr'ele jamais minto.
A tarde, num golpe veloz, passouO sol vai se prCaro amigo, no quero ir embora
Mas j hora.
Eu tenho um amigoChamado Guaba.
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O HOMEM DA LOJA DE CDs
Como vai?Me conta o que convmA cidade no paraE segue nesse vai e vem
Passei pra te dar um oiE perguntar se a j temAquele CD que eu tanto espereiLembranas ao Cssio, Ana e ao Igncio
Um abrao na alegriaE um puxo de orelha na tristeza
Quis te ver ainda diaMas encarei muitos problemas
Vou embora que ainda temA janta pra terminarA crianada pralimentar
Passo aqui amanh (e continuo a te desejar).
Por que no preparas o churrascoAceleras o teu passoMe contas o que eu faoPra viver em teus braos?
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Por que no me deixas exausta na tua camaDe pernas pro arQuerendo-te ainda maisE gritando de forma insana?
Malditas palavras no ditasEscondidas atrs duma despedidaExplosiva, a paixo no sabe esperarO momento que nos faz aguardar.
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VESTIBULANDO
Como te dizer?Ando pensando na matemticaE nas frmulas que podemPr em risco a minha prova
Pego o trem imaginandoA minha querida histriaDe Napoleo, Mdici, HitlerE do sapiens sapiens tambm.
Na ida tropeo numa vrgulaQue cruza o meu caminho
E se faz presente no meu dia a dia:Imponente, necessria e valiosa.
A vrgula que tenta me derrubar uma forma de te apresentarLngua Portuguesa ou redao
Agora pra mim tanto faz.
Subo as escadas pensando em morrosMontanhas ou qualquer outra coisa que me faa subirL em cimaOnde nem o capitalismo alcanou.
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Na volta pra casa tropeo na genticaO A me derrubaAa AA aaGritei
Quem me salvaria?Seria Demcrito e seu tomo?Thomson e seu pudim?Levanto, nenhum deles me ajuda.
Na fsica, me percoNo h velocidade que me faa ficar menos distante de tiNem Brs Cubas me diz o que fazerPobre amigo, Virglia lhe deixa atordoado.
A quem eu apelo?
Yo no s que hacerComo te dizer?Yo te quiero.
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PERGUNTAS
Em que estao eu te encontroPro caso deu querer te encontrar?Que msica eu escutoPra contigo eu poder danar?Que cama eu durmo
Pra gente junto sonhar?Que vida eu vivoPro nosso amor nunca acabar?
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VERSINHO
Aos bons amantesOs mais belos diamantes.s mais cruis amadasNo h-de sobrar nada.
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A BELA E A FERA
Todos os nossos encontrosMais os vrios desencontrosUm dia ho de nos encontrarNa porta de casa, na mesa dum bar
Tomando um cafSapato nos psCom teus olhos fartos de tanto me procurarSem saber que inda vo me achar
No trem, no caisJ no sabes maisPronde irTu vais um dia me seguir
No centro, na praaL perto da Cidade BaixaVisitando um museu
Inda dirs que sou teu
No Brique da RedenoEm busca dum vinil com aquela canoNum apartamento no Bom FimProcurando um fim que seja bom assim.
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Todos os nossos encontrosMais os vrios desencontrosUm dia ho de nos encontrarE como bom sonhar.
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AMANHECER
Ah, como eu queria estar na tua camaEmbaixo daquele lenol que tu amas.Tu s lindaE sers mais aindaNo dia em que acordares ao meu lado
Em teu velho e aconchegante quarto.
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ANJO
A Dulci
- Voc j sonhou com anjos?- Acho que sim, que no sei se realmente foi um sonho, o que
parece um sonho acaba se tornando um pesadelo. s vezes eupenso que passei minha vida inteira procurando algum prame proteger, um anjo, mas me pego pensando se realmente halgum. Ando meio desacreditada.- , j pensei nisso algumas vezes, mas j desisti de procurar,talvez eu no tenha nascido necessariamente pra ser protegido.E voc, desistiu?
- No sei ao certo, eu acho que cobro desvelo demais e no fimas pessoas sempre acabam me decepcionando. Mas preciso dealgum. Voc j se acostumou a lidar com os problemassozinho?- Sim, tive de aprender, meu passado no foi dos melhores.- O que aconteceu?
- Nada demais, tenho de partir.- Hei, mas por que voc perguntou se eu j sonhei com anjos?- Porque eu j sonhei em ser um.
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SUSSURRO
Eu vim escreverPara finalmente te fazer entenderPor que eu digo de mansinho assimQue tu me fazes feliz.
Eu no gritoNo ficoPerdido na noiteSou breve, simples, j um velho amante.
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NOITE CHUVOSA
Existem noites chuvosasEm que no nos importamos com as horasNas idas e vindas do cobertorNo fim do corredor.
Existem pessoas que nos fazem sorrirQue nos fazem sentirNos beijos, abraosNas palavras, em cada trao.
Existem tantos momentosQue no ho de sair do nosso pensamento
Na memria h-de-se guardarCom o corpo h-de-se apreciar.
Existe tanto entre nsQue s seria possvel entendermos a ssCom um olhar, na paixo
No silncio, com o bater do corao.
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POEMINHA DE DOMINGO
Quem foi que disseQue os domingos devem ser tristes?Que o amor no passa de um arlequim?Que ns dois devemos permanecer sozinhos assim?
Quem foi que disseQue juntos no seramos livres?Que voc, meu bem, deve viver longe de mim?Que a vida a espera pelo fim?
Porque eu digo:Embora domingo
Faamos do amor e da vidaMuito mais do que despedidas.
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O PRIMEIRO AMOR
No me venha com lucidezNo quero o amor comedidoCom aquele sentimentalismo contidoSuas caras srias e seu individualismo.
Eu quero amar por inteiroSe que existe algo por inteiroPerder-me muitoEncontrar-me ainda mais.
Mas, por favor, no me venha com amor comedidoCom porns, talvez
Quem sabe ou qui.Amor lcido amizade, boa vontade, nada mais.
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QUANDO SE MORRE
Se eu morrer um diaInda vou cantar alegriaDesligar a luz quando a festa acabarDanar o samba que no h-de parar.
Se eu morrer um diaInda vou fazer foliaAbrir um sorriso no rosto do meu amorPresente-la com mais uma flor.
Se eu morrer um diaInda vou ouvir a marchinha
Navegar em alto marProcurando um porto para ancorar.
Se eu morrer um diaInda vou pensar que tudo sabiaQuando, do meu temor
Minha morte virar somente dor.
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AMAR
No ames com o coraoO corao vai e vemO amor pulsaVai e volta.
Ama com o corpoCom a almaO corpo prazerA alma dura.
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A UM MESTRE (VINCIUS DE MORAES)
O amor no infinitoMas cabe a ns
meros amantesTornarmos de todo o fimUm recomeo.
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ESQUECER O CAMINHO
Meu amor, por que choras a minha morteSe no choraste nas minhas partidasNo meu boa noiteNo meu dobrar a esquina?
A vida uma indecisos vezes volta-se s vezes noQuem garantir que o pssaro mesquinhoVoltar no fim do dia ao seu ninho?
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O NIBUS
Peguei o nibus do Amor e desci na Solido.
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POESIA DO JOO, DA MARIA, DA MORTE E DA
POESIA
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O RELATO DE JOOZINHO SOBRE A MANHGLORIOSA
Acordei,morto.
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A MOA
A moa assim:vive num vai e vemsomente com quem tem vintmmas de ningum est afim.
Vira o rostoe, sem gozofala mal do velho ou do moodepois diz que nunca teve bom gosto
e que sequer fizera amor.Amor h-de-se arrumar algum dia
caso amas, falas da moa com horror;solteiro, falas com a moa ou procuras a boemia.
A moa com seus belos sapatosfamosos no cantar dos mulatosgeme, por falsidade, por toda a cidade
dissipando a sua mais devassa bondade.
teso, loucura; a moa espalhaseu delrio de menina, seu corpo de mulhere no h quem negue que ela faz bem seu mister.De noite ou de dia, essa moa cortante como navalha
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trovo, devaneio, fraqueza do homem rudesuspiro do jovem virgem, fogo do velho que ressurge a felicidade da molecada que espia pela fechadura amidea inveja das donzelas que resguardam sua virtude.
H muitos que tm asco, ou da moa fazem troa;outros sequer dividem o mesmo espaoonde a moa esbanja toda a sua bossa.Mas a moa no faz caso
e em seus passos deixa seladoaquilo que por todos ficaria guardado:a cultura um todo tristeno limitemos mais um requinte.
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ALGO EM PORTUGUS
Algo em portugus, talvez,breve, simples, valor menorrima dormente, ps descaloslatino, vozes sul-americanas.
Poesia dos aculturadosmarginalizadosclandestinossubdesenvolvidoscolonizadosnegativosno-europeus:
Algo de brasileiro.
Dizes que a poesia deve ser internacionalimportada em caixas sob luzes brilhantesesplendor;No trabalho nem suo
muito menos compro joias na Shanzelize.No ostento o brilho ureo dum templo religiosonem escrevo sobre vasos:fujo de tal fardo.Fujo.
E nas asas dum livro
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ou nos passos de Jooescrevo qualquer coisalivre de logro e religio.Livre de ti, besta dos tempos modernosanimal desumano que vive entre ns:multido de p e ignorncia.Fujo, querendo ser livre.Fujo, tornando-me escravo.
palavras claras em algo perdido e corrompidojogadas sob guerras absurdas:um pedido de trgua.Nada mais neste lado do oceano.Um algo a mais, lusopois que lusitano:Algo luso-brasileiro;
Algo em portugus.
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A SENHORA
No querer lhe causar malMas a senhora vai malA senhora vai muito malE talvez isso j seja normal.
Acordou s seis reclamando do despertadorDa cama velha que lhe causa dorNo achou roupa pra prSeminua foi ligar o televisor
Pegou o bonde errado e desceu na CentralChorando pelo moo que havia lhe feito mal
Molhou-se toda no temporalLembrando-se da roupa que deixou no varal
Chegou atrasada no escritrio do chefe contadorExplicando o atraso devido ao temporal, dor e ao
[despertador
Foi demitida sem saber o motivo que o chefe alegouInconformada, fez escndalo e do chefe reclamou.
No que eu inventei por malA senhora vai malRealmente muito malE assim chegamos ao final.
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Ao fim de tudo chorouPegou o bonde e pra casa voltouReclamando do temporal, do bonde errado que pegou, da dorE do maldito despertador.
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AOS ESCRITORES
Os escritores seriam menos escritoresSe no existissem os trabalhadoresQue produzem o papelCom to grande fel.
Os escritores seriam menos escritoresSe no existissem os amoresCom suas mil histriasAdvindas de alguma memria.
Os escritores seriam menos escritoresSe no existissem os leitores
A quem eles querem tanto despertarPois seus livros ho de comprar.
Os escritores seriam menos escritoresSe no existissem os prprios escritoresPois sem eles no haveria o que ler
E eu no saberia sobre quem escrever.
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QUERO-QUERO
A gente quer bastante:Ter uma vida perfeita.A gente quer um amor muito grandeIdealizado no sonho posto e feito.
A gente quer ser felizAquele pedido que eu tambm fiz.A gente quer ser algumMesmo que no tenhamos sequer um vintm.
A gente quer um ventiladorUm carro ou um computador.
A gente quer todo o teu tempoVoarmos ao vento.
A gente quer realizar um desejo:Ganhar o melhor dos beijos.A gente quer segurana
Pe a polcia na vizinhana.
A gente quer comerPrepara a feijoadaA gente quer frias prolongadaNada pra fazer.
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A gente quer chuva, frio, veroInverno e primaveraA gente quer que nada seja em vo difcil saber o porqu de estar com ela.
A gente quer que a msica no chegue ao fimA festa e a cerveja tambm.A gente quer que tudo seja assim:Fcil e simples sem nenhum porm.
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BEM-ESTAR
Era a manh, clara manhnuvens, esplendor, festejo de primaverasom, batuque, reza Iemanje mais coisas queu no sei falar.Era o sol, a vida, a brisa
agenda de deputado, riso de crianachurrasco com a vizinhanacachaa pra quem no quer gua.Hoje estou bem.
Amanh, que venha a guerra, a epidemiao fim do dia
mais um triste diaque se aproxime a chuva, a tempestadea pobreza, a mortandadeo cncer!Que o mar seque, a tristeza no cessea comida acabe, o cu perea.
Hoje estou bem.
E talvez entre casas e hospitaiso cu e o infernocomentem de minha nobre situaoou murmurem no fim do dia minha vasta melancolia;mas ainda o meu dia, meu bom dia
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e embora amanh seja meu fimo fim dum xtase diurnoresta-me, ainda, alguma alegria: escrever poesia.Hoje estou bem.
A escurido vir, eu me perderei, a rua acabare ns seremos p numa praia deserta: simples areia.Amanh ser mau dia, meu bom dia estancoua cerveja acabou, o boteco fechou
o riso pueril terminou, o pranto desatou.Restar a dor, sem flor, rosa despidae um homem pasmo em frente a um turbilho de cores.Que assim seja, vivo, respiro, repito.Hoje estou bem.
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MARIA
Conheci uma mulher que ostenta alegriaTu s o ar da cidade, MariaMaria endividadaMaria que no sabe nadaMaria mulata
Maria dona de vira-lataMaria viva, me solteiraMaria que cuida da molecada arteiraMaria trabalhadoraMaria domstica da famlia MouraMaria sem vintmMaria que sonha em ser algum
Maria boa cozinheiraMaria noveleiraMaria que no aprendeu o b-a-bMaria que no samba vai pra l e vem pra cMaria do transporte urbanoMaria sem planos
Maria da favelaMaria que frequenta a capelaMaria de todos os diasMaria de muitas foliasMaria que no foge da vidaApesar dela ser muito sofrida.
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PARNASIANO
Trabalha, sofre, sua, ParnasianoDeixa queu amoQueu fale da vida da MariaDo Joo, da fofoca da vizinha.
Vangloria tua rimaSuada e trabalhadaOs teus papis sem vidaQue pra mim no valem nada
Os poemas de ilustre formaQue nos deformam
Da casa arrumadaQue nunca fora habitada.
Jogado nas tuas mtricasAo invs de ler, lapidei uma rguaPara tentar entender essa poesia suada
De palavras rebuscadas que no dizem nada.
Trabalha, sofre, sua, ParnasianoComo um operrio que no viveQue nasceu por enganoPerguntando aos outros por que existe.
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NUBLADO
Hoje eu peguei a minha canetaSem saber o que escrever.A cidade estava molengaTriste, sem saber amanhecer.
A chuva caindoO vento levandoA felicidade dormindoO frio congelando
E o poema nessa rima sofridaNesse passo sem compasso
Das pessoas que no querem nada da vidaQue vivem num eterno cansao.
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INVERNO
O inverno congelou meu poema,e congelando-o, pulverizou minhalma. a nevoa, bruma petulante, riscosde giz em meu colcho, a rua,
o pssaro que virou galhofa,que virou pomba, que virou.s avessas, drible na vida,suspiro de morte. Morreu;
morri tambm; morremos.Um dia h-de morrermos;
que seremos seno extravagnciade vida e morte? E por que
j no estamos mortos?Que gota de vida bebemosno copo cristalino da morte?
Pssaro pssaro, rosa champanhe,
que escreverei eu para um povoaventureiro? moda inglesa;mas Carlitos j no est,no ronda mais as ruas
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nem espalha felicidade. palavras frias ditas no inverno,no sereis nada alm de nuseapara poucos, a mim tambm.
Existem leitores de poesia?Ou poesia virou droga-de-esquina?Versos carregados pelo minuano,versos esquecidos pelo ser humano.
Versos, apenas versos, amontoados,esquentando-se no inverno.Indolor, incolor, flor,enquanto tu vives por dinheiro
logro ou competio,
as palavras seguem seu baile,sem dono e sem religio,palavras frias, murmrios de ventania.
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VISITA AO PARNASO
E o poeta brasileiroVai ao Monte ParnasoEm busca da lira do deus gregoE de vinho barato.
Quem s tu, caro mortal?No sabes que pisas nas terras de Apolo?- Venho de terras distantes, sou um poeta, tal qual Homero.
Ousa comparar-se a Homero De que terras vieste?- Sou do Brasil, brasileiro como Jesus de Belm.
Brasil Um poeta do terceiro mundo!E ainda diz ser da terra do cabeludo...O que queres, pobre coitado? Vieste ser escravo?- Ora l, vim beber do vinho grego e ouvir a lira de Apolo.- Afinal, sou um poeta, da rima rimada, trabalhada, suada.- Mereo o Parnaso tanto quanto Apolo e Homero!
E o poeta do terceiro mundoMesmo tendo nascido na terra do cabeludo corrido do ParnasoAntes de quase virar escravo.
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O MUNDO
Meu mundoTeu mundoSeu mundoQue no um mundoDiferente do mundo
Do bbado vagabundo
Meu mundoTeu mundoSeu mundoQue no um mundoDiferente do mundo
Do porteiro jocundo
Meu mundoTeu mundoSeu mundo
Poesia chataSeu poetaRima barataForma incorretaTemtica ingrataNo s um bom poeta!
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Meu mundoTeu mundoSeu mundoQue no um mundoDiferente do mundoDo rapaz mudo
Meu mundo
Teu mundoSeu mundoQue no um mundoDiferente do mundoDo mendigo imundo
Meu mundo
Teu mundoSeu mundoApesar dos pesares de todo mundoNosso mundo!
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EQUILBRIO
Viver bem viver em equilbrioComo os passageiros do tremSambando na estao de domingo.
Uma vida boa uma mesa de festa infantilVariedades a milE a crianada comendo toa.
Poema ruim, caro leitorDa criana mal alfabetizada
Na escola onde no se fazia nadaPoeta ruim, que inda no doutor.
Uma vida boa no so extremosPois eles fogem com os ventosNo se vive bem s com felicidade
Ou amor, ou tristeza, ou falsidade
Bem dizia Fernandomenino queridoComo bomBrincar e comer tanto colorido
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Na festa infantilQue embora parea vilEnsinou-me um pouco da vidaEssa grande dvida vivida.
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BRINCADEIRA DA INFNCIA
A morte um encontro desencontrado o esconde-esconde do moleque arteiroQue ri todo faceiroPor no ter sido achado.
A morte, mulato franzino igual a brincadeira da infnciaEm que de tanto treinarmos nos esconder dos amigosUm dia, sem nos encontrar, eles perdem as esperanas.
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JOO*
Perdeste a esperana mas no perdeste o trem, JooPerdeste a esperana mas no perdeste o trem, JooPerdeste a esperana mas no perdeste o trem, JooO trem se foi.
No chores, JooNova Iorque no se interessa por tiFrankfurt no se interessa por tiTquio no se interessa por tiSo Paulo no se interessa por tiMas, Joo, o poeta se interessa por ti.
Abraa teu mundo, JooOutro trem vem vindo, JooA molecada sorrindo, JooA mulata sambando, JooA poesia seguindo, JooNo te jogues nos trilhos, Joo
Joo?
* Poema vencedor do Concurso Nacional, Novos Poetas,Prmio Rima Rara 2012.
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PS
O que seria de ns sem os ps?
Os ps so a alma do corpoDa caminhada, da pisoteadaDo drible do jogador habilidoso
Do samba de Maria.
Os ps distinguemOs ps tem vidaVida corridaVai e vem.
Os ps, meus psQue so psDiferentes dos psDe outrem
Chinelas, alpercatas
Botas e sapatosO comum e norte-americano tnisO descalo do negro escravo
No seramos sem os ps:O corpo imvel
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E a alma, nossa sensvel almaNum gelo profundo.
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O LADRO
Um molho de chaves uma imensa perda de oportunidades:portas fechadas;gritos no hospcio;morte na priso.Atentos televiso!
Quedei-me l, presodestino selado, fadadoao terror e corrupo.Mas era agora, a hora boa!De braos abertos, cadeados
de lado e lbios cerrados te recebi.Moa, contigo trouxeste o mais beloarco-ris e em teu corpode dobras e voltas sincerasresolvi repousar meu todo morto.
Era um desses moos que, com habilidadedriblava os outros: craque de futebol.Cresci pouco e, pouco crescido, fiz-me grande.Faltou comida, faltou bebida: fui para a rua buscar.Mas a rua era crua, fundada por olhos severos.
E sem quantia nada se comia
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muito menos bebida haviachuva sequer caa no mundo de Joo.Sentado no cho, como quem espera o bonde que partiravirei ladro: disseram-me que virei ladro.
Gritaram ao policial; mas nunca tive arma nem dinheiro.Dinheiro? Nunca tive no.Algemas em minhas mos, solido no camburo.Soldado bravo tossiu
gripado fiquei. Hspede novo virei;
uma pena no conhecer ningum,talvez nem me quisessem bem. Padeci.O resto da histria j contei a outremno sei se tem graa, mas acho que virei piada, ilustradana manchete policial: Joo virou ladro emorreu de gripe.
Grande maada!Amar um primeiro amor na hora erradaem plena morte anunciadaVirei ladro, virei manchete, virei piada;o pior de tudo nunca ter sido nada.
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POESIA
Poesiapois que a vida inda resistee a morte inda demora.Poesia hojesempre
talvez no.Poesia nunca.
Poesia:que enigma decifrastecaro Carlos.Uma vida aspirada
em p de poesia.Ai, poesiaser que estendes minha roupano varalpagas o meu salrioe no me fazes mal?
Poesia, o que seria de mimsem ti?Amante bbadocantando o logro e a sorte.Poesia, escrevo no tremsurdas almas no me veem.
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Poesia do Jooda Maria
Poesia, poesia!Intocada lascvia, dia a dia duma favelaem pleno corao do Brasil.Anjo mineiro de cabea baixa:poesia!
Oh poesia, ilustre companhia.O toque da campainha a poesia.E eu j no sou nadapoesia ilustrada em carne e ossoMorto em breveviva sempre.
Poesia sempre,mesmo que nada houver;nem tinta, canetamuito menos vidae sei l mais o qu.
Poesia ao meu leitorsem lance nem romancemuito menos guerra, pazvida, morteTentar-te mais.
Ai, poesiasorte virou
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lua brilhounoite tardou:o poema acabou.
Poesia poesiaque te dizerquando findaesta linha?
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MELANCOLIA
O crepsculo tem um no sei qu de clichA minhalegria exala o perfume de vossa mercMas a melancolia
Ah, a melancolia!Essa toda minha
Poesia da melancoliaMelancolia da poesiaCaro Brs MelanclicoMelanclico Cubas
Melancolia dos concidados
Melancolia dos no concidadosMelancolia que sempre ressoaRessoa triste, fundoNa escura noite de todo o mundo.
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BOMIA
bomia, por que tu vens?Vem serena, noite que brilhaVem suave, brisa que sopraE arrasta essa cano.
A noite desesperoO gato mia e eu me desfaoNa terra, no ar, no marResta-nos a chuva.
bomia, carrega este conhaqueAtravessa esse salo, deita no cho
Faz tua loucuraEu morro num suspiro
Eu me movo, eu me viroEu me refiro a dita cujaA vida nusea, respingo do copo
E eu sou p.
bomia, impregnaste o saloCadeiras na mesa, garom espera:Saudamos a escuridoO tango de Gardel nosso som.
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O papel em branco, o copo vazioA presena que ningum viu runa, terrorNoite profunda.
bomia, com teus passos de esmeraldaVem fria, sintomas de vivaVem negra, passagem do eternoE dana tua cano.
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TRABALHO
Na Europa, trabalham com Euronos Estados Unidos, o trabalho em Dlare eu, no trabalho.
No sou proletrio, empresrio ou ladro
Eu j afirmei que nosob o fardo de no comprar meu prprio po.
Sou poeta, sem trabalho nem remuneraoVivo de versos e estrofes:o suor de meu corpo a poesia.
Poesia de qualquer dialrica de todas as almaspalavras de um dicionrio desnudo.
No pergunto se gostas ou execrasescrevo, apenas escrevo
e assim, de poesia, vou vivendo.
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PSSARO
A vida uma priso,e a poesia me liberta.Quando escrevo flutuo, pairo, sobrevoo.No sou homem, sou pssaroPssaro lrico, pssaro
que se esconde no ninho da vida.
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EU LRICO
Escrever poesia, pois poesiaRima com burguesiaMas no escrevas poesiaRimando com burguesia.
Escrever poesiaNo direcionar uma alegriaConverter uma foliaOu convencer uma moreninha.
Escrever poesia a morte sem vida
A vida da morteQui a paz da guerra.
Escrever poesiaEmbora seja alegria tristeza, dio, amor
Paixo ou simplesmente dor.
Escrever poesia digerir cada linhaSentir-se completoNum mar de versos.
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Escrever poesiaNo se faz com Bom diaBoa noite ou no sei quDessa vida formal sem porqu.
Escrever poesia fluido, pssaroMais que vida e morte o meu mundo.
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A ROSA E O CADVER
Bela rosa j no h;folhas brancas emanuscritos de coisa perdidaou doutrina compradanos contam maravilhas
dum homem belonum mundo completo.
E eu me calocalo mas escrevoescrevo e vou morrendo. besta moderna de
aulas nas universidadespoltica de terno egravata ignorante
a rosa perece evossa merc sobrevive
h porqus?No sei, nem haveria de sabera roda vida viva girae nosso destino morrer.Ento nasce a rosa, s
gota de cachaa no copo;
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viva no catre, arrebatadapor murmrio de trovese pises de sapato.Mas dentre todos aqueles pssombrios em tom de sapato e gritos de trovono h um que fira a rosa.
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AS VILAS
BASSANIO[...] The world is still deceived with ornament. William Shakespeare
De vilas
De idas e vindasDe vidasDevidas e vias.
No h nadaNum versoImerso
Na beleza formal.
Mas nas vilasExistem tantas vidasQue se perdem em idas e vindasDe suas devidas vias.
H tudoNum verso escuroEscondido atrs da portaDe uma janela sem furos.
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O QUARTO
O cheiro do quarto o nosso espritoO cheiro da roupa, dos mveisDas gavetas esquecidasDa cama arrumada
Da cama desarrumadaO cheiro do cobertorDos livros que lemosDo criado-mudoDo abajurDa mesa de estudosDas canetas, dos discos
Dos papis em que escrevemosDos papis em que nem escrevemosDos retratos.O cheiro do quarto o nosso espritoEsprito permanente
PresenteEsprito que viveQue morreMas que jazsempreNo odor do nosso quarto.
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PEDRO PEDRA
Choveu em Porto Alegre:a chuva lavou as ruas.
Pedro morava na ruamas a chuva no lavou Pedro.
A chuva sequer viu Pedro.Pedro existia?No conheo Pedro;ningum conhece Pedro.
O paraleleppedo sorveu a chuvaos esgotos escoaram o indenominvel
misto de gua e sujeirae as pessoas abriram seus guarda-chuvas.
A vida seguiu seu ritmo, agora molhadoritmo de pernas e sapatospassos confusos e esparsos
fugindo das gotas que vm do cu.
Pedro, como quem acorda briono viu se era chuva, se era suaaquelas gotas espessas e geladasque caam no cho e seguiam sua trilha declinada.
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Pedro no sabia o que era a chuvae as pessoas no sabiam o que era Pedro.Animal ou homem: besta errante, rato grande, vagabundo.A chuva no dava forma quilo que se molhava.Haveria de ter Pedro alguma forma?
Pedro sem nome, sem profisso;Pedro de pedra, pedra que se pisa, no se v.Pedro britado, brita sem birita:
cachaa molhada na garoa ou no temporal.
Afinal, que diabos Pedro?Sem forma, sem vida, sem chuva.Nome de homem, rascunho de pedrainterpretado como animalprojeto de sofrimento.
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O DEFUNTO
Ningum avisou ao defunto quele morreu;e o cadver dobra as esquinaspega o tremgalanteia as moas.
Chamem o coveiro para enterr-loo padre para a extrema-unoe preparem o funerals no se esqueam de avisar nosso irmo.
O enterro foi preparadoreuniram-se os familiares
foram revelados segredose rompeu o pranto dos mais chegados.
Mas e o morto?A festa prontao caixo encerado
a cova abertaas pessoas vestidas de pretoa missa escritae diriam que at Deus esperava pelo defunto.
O defunto estava na cidadegozando da vida
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tomando biritafazendo fiado e jogando sinuca.
Ento a noite acabouo cadver bbado e cansado deitoudesavisadodormiu.
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SUSPIRO FNEBRE
Guardo comigo as cinzas de AbrilPor guardar, por sobrar.Guardo comigo os invernos de VivaldiPor amar, por sonhar.
No me esqueo dos retalhosDos papis em branco no meu dirioNo mereo viver os diasReviver as noites
A cama quenteE minhalma fria
Fria como o vento, vento crepuscularVento bobo, vento forte, que no cessa de soprar.
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OS POETAS
Os poetas no so vencedorese se fossem, no seriam poetas.Perdi o bonde, no comprei bilheteSe vivi, no o sabia. Amei.
Vi a gota e o gro, digeri a almaEnlouqueci na luz e dormi na sombraSentei na mesa e deitei na cadeiraAcordei sem dormir, sofri por querer
E cansei-me desta poesia...
No um retrato, biografiaou essas coisas que se vendem por a.No saberei explicar-teVivo neste mundono tantopor ter nascido.
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A MANH
Foi numa manhFoi uma manhem que a rosa no acordoue o dia sequer brotou.
A manh trouxe o infinitoE cheia de vida e solreluzente nos vidros da padariaRoubou-nos a noite.
Quem que havia pedido pela manh?Rezaram teros, acenderam velas
por essa bendita manh?Ou dormiram na noite e esqueceram-se da manh?
No h mais leiteiroexistem mquinas; mquinas e caixasS existem mquinas e caixas
Onde h seres nesse mundo?
A manh infinita roubou-nos tudoNo s a noitecomo a dor, a vida, o sola festa, a biritaa dana, a msica (sim, a msica!)
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E agora seguimos numa rua sem sadaRua sem flor, sem rosarua estpida, sem vida, s cor e dor.Ainda me dizem que vivem na rua...
Onde estaria, por favor digam-meOnde estaria a noite de Joo?O fim do dia de Maria?
A mesma Maria, Maria que no v-i-r-g-e-mMaria sem nome.
A manh no respondee ningum se preocupa com a noite, com a vidaEnovidade nenhumacom Joonem com Maria.
Ernesto abre a padariae a manh um vermelho forteForte como o sangue de gentegente que morre e sua.
No h rosas na floriculturaO mundo mato e espinho morte e nadaNo existem mais amantes.
Ernesto vende posmorreu o portugus
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Joo vai obrae Maria prepara o caf.
Mas, meus irmosj no h vida no mundo;Os pssaros esto quase mudose o bbado dorme na praia.
Estaria vivou ou morto
o bbado dormente na praia?O po alimenta ou enganao pobre que tem fome?
A manh segue apticasem rumos, s fundosA bolsa abre suas portas
As mquinas so ligadas.
Ningum mais viu a rosao pssaro virou p;Porm h um Senhorque bebe caf despreocupado de tudo.
Na televiso noticiam besteirase falam de mortes e assaltos e vida diria.Consomem a manhA mesma manh que nos roubou tudo.
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Assistimos calados, calados porm mudosHomens no mudo, homens no mundoquietos, resignadosE sobrevivem pssaros que insistem em cantar.A Terra em rbitae as pessoas girando no mesmo lugarNuma manh mquina,infinitaMil cores e vermelho sangue luzindo.
A manh que roubaque faz rir e bocejarUm dia, quando descobertah-de ser lgrima e nuseadum homem mudo.
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LIVRO
Eu queria jazer num livro.No num best-seller ou livro famosomas sim em um livro esquecidoLivro que talvez s os velhos leiamou condenados e bbados sem cachaa.
Um livro desses que mais se d do que se recebe,por ora intil.Esse seria o meu livrolivro no qual os fartos de vida ou sem vida tenham acesso;um livro que no traga vida(posto queu no sou sujeito de vida)
mas que seja alma, espritoou esse pequeno embrulho que carregamos.
Eu quero estar num livro que fale alm da vida,afinal, a vida intilQue os decapitados me entendam,
no h nada na vida.
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TEMPORAL
A vida parece boaMas a escapa pelas nossas mosEntre os dedosComo lquido qualquer
Ou vento que foge.Parece um tufo, ou trovo anunciando a chuvaQue diro os meteorologistas desse temporal?Esvai-se.
A vida j no voltar maisE restaro memrias
Memrias e memrias;As ruas sero as mesmasAs avenidas, as praas, o museuO cais, o rio (o rio!): tudo igual.
E eu? Que serei eu seno gro de areia?
Gro de areiaEmpurrado pelo vento, gasto pela chuvaEsquecido pelo tempoGro, simples groQue um diasimples diaser p.
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DESASTRE
Eu sou um poeta cego numa cidade de pedrae as pessoas chorame as crianas sorrieme o mundo desaba.
Nos bares no se fala em outra coisaNa escola, as crianas no sabem nadaNa Igreja, o silncio regra;Onde estaria Deus nos momentos de desastre?
O mundo mal esculpido balana em xtaseAs pessoas procuram abrigoe eu sigo sendo um poeta cego numa cidade sem pedraa pedra morreu no desastre.
E talvez todos rissem dum poeta:os filsofos fazem escrnioignorantes no dizem nada (respiram no mundo virtual)
o resto j no lembroquem sabe at morreu no desastre.
Mas o resto pelo resto j no tem significadoSou apenas um poetacego, encarando a escurido do meu prprio servivendo num mundo desastrado.
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DESFALECIDO
No sou algum muito benquistoDesde cedo fecharam-me a porta da felicidadeE encostaram a vidraa da janelaSorri um sorriso barato, escondido, vivo.
No escutei o que murmuravamQui nunca quiseram queu ouvisseSe quiseram, era primaveraO outono no tardou.
No falei o que deviaCalei-me num quarto escuro
E escrevi alfarrbios:Padeci de ignorncia.
O inverno no demorouEra madrugada e fazia frioTive medo, tive nsia
Nauseado, fui dormir.
No soube dos assaltos, dos assassinatosDormi na manhSequer rezaram por mimE no reclamo disso.
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No acordei, no obtive lucrosApenas sonheiFiz-me de pssaro e ousei voarA tinta acabou...
O leitor que me perdoeAgora, quando escrevoDecifro o verso escuro.Era tarde, chovia, profunda melancolia: No vivi.
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ASSASSINATO
Tambm morre quem atira...O Rappa
Restos de plvora, gotas negras de sangueA poesia nasce e morre no peito de JooO que pensara meu bom homem antes de partir?
A conta de luz que no foi pagaa janta pronta que no foi degustadaNo morras; durma, Joo.
E agora ho de tocar, carregarenterrar o corpo do pobre homemMorreu de assalto malogrado
Morreu bala, sem falaVirou pgina de jornal;ningum diz que Joo morreu sem viver
E algum gostaria de saber da morte de Joo?e se todos soubessem, o que diriam?Desastre, violncia, m sorte
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Est feito, est feito, inqurito policiale l se vai um brasileiro na maca sem vidaenvolto em lona sem cor.
A televiso grava, a cmera urgeJoo Morto sucesso em rede nacional s mais um caso policial.
Chamem prefeito, chamem capito
Liguem os holofotes, os microfonesS no se esqueam da esposa de Joo.
A rua de uma cor spintada pela bala do ladroQuem limpar negro sangue?
Nasce o dia e o sol no tem coragemde iluminar a rua da desgraaO asfalto escuro e as pessoas se escondemNingum mais sabe de JooMorreu por morrer e no me faz questoPrendam o assassino e comprem flores.
Mas e o mdico marcadoo trabalho atrasadoA vida de Joo?
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Virara flor, virara p, virara lutoO que dizer viva do defunto?Meus psames, era um bom homem.
Est feito, est feito, caso encerradocaso amordaado, caso de logro, logro-assassinatoO caso do acaso.
No te irrites, leitor
Joo morreu nas pginas de jornale no fracassado telejornalMas falo pelos ameaados, pelos espancadospelos assassinados, pela me sem filhopelo corpo que jaz, jaz numa cova simplesdum cemitrio qualquer.
O fim sem incioO fim sem fim.
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A Editora Sebinho uma editora fictcia
destinada publicao das obras do autor.
Agradeo a leitura,
Rafazz Pinter.