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MARCOS ANTONIO GONÇALVES JÚNIOR
UM OLHAR SOBRE OS DIZERES E FAZERES DE
UMA PROFESSORA DE MATEMÁTICA DA
8a SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
Londrina
2004
MARCOS ANTONIO GONÇALVES JÚNIOR
UM OLHAR SOBRE OS DIZERES E FAZERES DE
UMA PROFESSORA DE MATEMÁTICA DA
8a SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado em Educação como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa Dra. Regina Luzia
Corio de Buriasco
Londrina
2004
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Gonçalves Júnior, Marcos Antonio
G635o Um olhar sobre os dizeres e fazeres de uma professora de Matemática da 8a série do Ensino Fundamental / Marcos Antonio Gonçalves Júnior - Londrina, PR : [s.n.], 2004.
128f.
Orientadora: Dra Regina Luzia Corio de Buriasco. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Londrina. Bibliografia: f. 108-112
1. Educação Matemática - Teses. 2. Matemática - Estudo e
ensino -Teses. 3. Matemática - Formação do professor -Teses.I. Buriasco, Regina Luzia Corio de. II. Universidade Estadual de Londrina. III. Título.
CDU: 51:37.02
51:371.13
MARCOS ANTONIO GONÇALVES JÚNIOR
UM OLHAR SOBRE OS DIZERES E FAZERES DE UMA
PROFESSORA DE MATEMÁTICA DA 8a SÉRIE DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Carneiro Soares.
Universidade Federal do Paraná
__________________________________________________
Profa. Dra. Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin
Universidade Estadual de Londrina
__________________________________________________
Profa. Dra. Regina Luzia Corio de Buriasco
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, ____ de____________ de 2004
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos à Professora participante deste trabalho que
aceitou o incômodo papel de me acolher em sua sala de aula, o que muitos
outros professores negaram, e, como se não bastasse, mostrou-se sempre
aberta de tal maneira que muito pude aprender com sua prática.
A Profa. Dra. Regina Luzia Corio de Buriasco, orientadora e amiga que acreditou
em meu trabalho e, dentre outras coisas, (re)ensinou-me a ler, a escrever e a
acreditar que nossos sonhos enquanto educadores podem deixar de ser sonhos.
A Profa. Dra. Maria Tereza Carneiro Soares e a Profa. Dra. Elsa Maria Mendes
Pessoa Pullin que, com extremo cuidado, leram, releram e discutiram este
trabalho tecendo importantes considerações para a finalização do mesmo.
Ao amigo e Prof. Dr. Pedro Paulo Scandiuzzi, que me incentivou a começar isso
tudo.
A CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
A Maria Jane Viana Pavam que, com muito afinco, transcreveu as entrevistas
realizadas.
Ao amigo Vitor Sorano Pereira que, além das contribuições intelectuais
provenientes de nossas longas conversas, gentilmente fez o Abstract deste
trabalho com o auxílio de Paula Sorano Pereira.
Aos amigos Flávio Rodrigo Furlanetto e Débora Bohrer Rohloff, nas pessoas de
quem agradeço aos colegas e aos professores do Mestrado em Educação e do
Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade
Estadual de Londrina.
A minha família - especialmente a minhas irmãs Carol e Gláucia - que, apesar
da saudade ocasionada pela distância, sempre me apoiou incondicionalmente.
A Marcília Viana Pavam pelo apoio carinhoso.
Ao meus amigos Tchula, Lucinha, Julinho, Carol, Galo, Taís, Pet e Cíntia, por
meio dos quais agradeço a todos meus amigos pela força e incentivo.
Obrigado, vocês são dez!
GONÇALVES JÚNIOR, Marcos Antonio. Um olhar sobre os dizeres e fazeres de uma professora de Matemática da 8a série do Ensino Fundamental. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
O presente trabalho busca entender, com a realização de um estudo de caso, os aspectos que caracterizam a prática profissional de uma Professora de Matemática da 8a série de uma escola estadual da cidade de Londrina-PR. Atenta para os fazeres e dizeres que essa profissional realiza na gestão da interação alunos-saberes escolares, no caso, os saberes matemáticos, sobretudo para seus fazeres e dizeres quando propõe exercícios e problemas aos seus alunos. A partir da noção de saber e exigência de racionalidade proposta por Tardif (2002) e Charlot (2000), tendo como pano de fundo o currículo, entendido sob a perspectiva proposta por Silva (1995), e as relações de exterioridade e expropriação entre os saberes acadêmicos e os saberes dos práticos, o estudo procura caracterizar a relação que estabelece a Professora com os saberes, sobretudo os curriculares e os seus saberes experienciais. Classifica, segundo Butts (1997), os enunciados dos exercícios e problemas utilizados pela Professora durante suas aulas. Como principais resultados aponta uma certa ambigüidade entre o que faz e diz a Professora, pois ela estabelece uma relação prática com seus saberes, agindo influenciada por diversos fatores do mundo escolar, aponta também que a explicação de procedimentos algorítmicos foi um fazer preponderante na prática da Professora e que, agindo também em função de sua racionalidade, a Professora se mostra como produtora de saberes experienciais. Conclui que o trabalho do professor está inserido num processo complexo no qual ele tem que resolver problemas que surgem na gestão da interação alunos-saberes escolares e em que ocorre uma grande desarticulação entre a teoria e prática – desarticulação que parece estar presente também na formação inicial docente. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem; prática-profissional-do-professor; saberes-dizeres-fazeres; exercícios-problemas; Educação Matemática.
GONÇALVES JÚNIOR, Marcos Antonio. A overlook on the doings and sayings of an 8th grade Elementary School Mathematics teacher. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina
ABSTRACT
The current assignment aims to understand, based on a case study, the aspects that characterize the professional practice of a 8th grade Math teacher in a public school in Londrina, PR. It considers the doings and sayings that the former professional did at the management of the students-scholarship knowings interaction - in this singular case, the mathematics knowings -, mainly on her sayings and doings when proposed exercises and problems to her students. Based on the notion of knowledge and demanding of rationality proposed by Tardiff (2002) and Charlot (2000), having the curriculum as background, understood by the proposed perspective by Silva (1995), and the exteriority and expropriation relations between the academic and practical knowledge, the study aims to characterize the relationship that establishes the teacher and the knowledge, mainly the curricular ones and her experiential ones. It classifies, according to Butts (1997), the rubrics of the exercises and problems used by the teacher in her classes. As main results, it points out a certain ambiguity between what she does and what she says for what she establishes a practical relationship with her knowledge, acting influenced by several factors of the scholarship world. It also points out that the explanation of algorithmic procedures was a preponderant doing in the teacher’s practice and that also acting according to her rationality, she projects herself as an experiential knowledge producer. It concludes that the teacher’s work is inserted in a complex process in which he/she has to solve problems that come up in the interaction management between students – knowledge proficiency and in which a considerable disarticulation between theory and practice occurs – disarticulation that seems to be present in the initial docent formation. Key words: teaching-learning; teacher professional practice; knowledge-sayings-doings; exercises-problems; Mathematics Education.
SUMÁRIO
1 OLHARES INGÊNUOS ................................................................................11
2 DIFERENTES OLHARES QUE INTEGRAM NOSSO OLHAR.............................14
2.1 UM OLHAR ...............................................................................................14
2.1.1 Dizeres e Fazeres: Algumas Relações com os Conhecimentos ...............16
2.2 CONHECIMENTO NA AÇÃO, TOMADA DE DECISÃO E OS SABERES DOCENTES ..........20
2.3 O OLHAR DOS PROFESSORES SOBRE SEUS SABERES ..........................................22
2.4 OS PROFESSORES E A PRODUÇÃO DE SABERES PARA O ENSINO ...........................24
2.5 OS OLHARES FORMAIS................................................................................29
2.6 O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E SUA PRÁTICA ................................................33
3 O FOCO DO NOSSO OLHAR ......................................................................39
4 A PERSPECTIVA DO NOSSO OLHAR ..........................................................42
4.1 A QUEM OLHAR? .......................................................................................42
4.2 DE QUE MANEIRAS OLHAR?..........................................................................44
5 NOSSO OLHAR SOBRE AS INFORMAÇÕES COLETADAS ........................... ..49
5.1 ONDE OLHAMOS ........................................................................................49
5.2 A QUEM OLHAMOS .....................................................................................51
5.3 GRUPOS DE PROCEDIMENTO PADRÃO (GPP) ....................................................54
5.4 FAZENDO E DIZENDO: Algumas Atividades Exercícios e Problemas ...............81
6 OLHARES FINAIS ...... .............................................................................. 102
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 108
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..... ............................................................... 112
APÊNDICES ...... ......................................................................................... 113
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO ...... ........................... 114
APÊNDICE B – 1a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ........................................... 115
APÊNDICE C – 2a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ........................................... 118
ANEXOS ...... .............................................................................................. 120
ANEXO A – FUNÇÕES ................................................................................... 121
ANEXO B – MAIS RESOLUÇÕES POR FATORAÇÃO E CONVERSANDO SOBRE O TEXTO ...125
11
1 OLHARES INGÊNUOS
a) A prática profissional do professor, neste caso, o de
matemática, é marcante para os alunos, principalmente em se tratando da
Educação Fundamental e Básica. Nas aulas de qualquer disciplina, não temos
a nossa frente apenas um professor, mas sim alguém em quem nos
espelhamos, a quem aprendemos a amar ou a odiar, em quem depositamos
nossa confiança a tal ponto de dar-lhe nossa mão para caminharmos juntos
como companheiros durante um tempo de nossas vidas que muito nos
marcará, ou seja, um tempo que ensinará1. Quando numa relação, bem diz
Morais (1986, p.8), “ensinante e ensinando não conseguem ultrapassar o nível
da coexistência, aquelas vidas em nada ou quase nada se assimilam,
estabelecendo um cruzamento de significados e razões que se chocam; aí
acontecem normalmente as marcas ruins de que o ensinar também é capaz”. O
presente trabalho surge primeiramente dessa preocupação e por essa razão
perguntamos: O que vem fazendo o professor na sala de aula e de que forma o
faz?
b) No curso de Licenciatura em Matemática, deparamo-nos com
várias teorias, idéias, propostas, processos didáticos, entre outros, que
sugeriam ações para ensinar, sugeriam como ensinar. Estudamos os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que ressaltam a resolução de
problemas como estratégia para o ensino da Matemática. Estudamos muita
Matemática. Foram quatro anos dedicados à Matemática e apenas nos dois
últimos começou-se a falar em Licenciatura, em educação e ensino. No último
ano do curso, houve uma disciplina chamada Prática de Ensino de Matemática,
na qual é feito um estágio de docência. Claro, depois de tanto estudar
Matemática e de estudar como ensiná-la, estávamos prontíssimos para ser
professor, para ir à escola e nos depararmos com uma turma da rede
Municipal, extremamente homogênea com seus 40 alunos, para resolvermos
todas as situações que apareceriam durante as aulas. Afinal, havíamos
estudado as teorias e elas nos diziam tudo o que deveríamos fazer e como
resolver cada situação. Sentíamos-nos extremamente preparados para lidar
1 Ensinar aqui tomado do latim in signare: marcar com um sinal
12
com reuniões de professores, com reuniões por área, reuniões com pais,
conselhos de classe, para planejar o trabalho anual. Nada como quatro anos de
teoria ...
Ledo engano. Embora com toda essa formação, ao nos
depararmos com a primeira turma de estudantes, encontrávamo-nos repletos
de incertezas quanto ao trabalho que poderíamos desenvolver; de ansiedade
quanto à aceitação enquanto professores da turma; de insegurança quanto à
própria Matemática – objeto de aborrecimento por parte de muitos alunos; de
dúvidas quanto ao melhor método a ser usado com aqueles alunos e sobre
como planejar. Fomos surpreendidos pelos alunos quando nos pediram
insistentemente para fazer contas: “Professor, queremos continhas!”
Confrontado com aquilo que nossa história e nossa formação diziam, esse
pedido dos alunos levou-nos a alguns questionamentos. Afinal, apenas fazer
continhas de forma alguma iria ao encontro daquilo que entendíamos como
“conhecimento matemático que possibilite de fato a inserção dos alunos como
cidadãos, no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura” (BRASIL, p.
59). Ou ainda, fazer contas não correspondia ao que entendíamos como
resolução de problemas.
Não há nada de errado em gostar de fazer contas só pelo prazer
de fazer, mas o que transparece aí é uma visão reducionista da Matemática
sendo constituída por esses alunos: talvez a da Matemática como Ciência dos
números, uma disciplina que nos ensina a brincar com os números ou, para
alguns, a brigar com os números. Ora, esses pequenos aprendizes aprenderam
com alguém, sofreram influência desse alguém. Portanto, essa visão da
matemática, ou melhor, essa ou qualquer outra concepção de matemática e de
seu ensino está implícita, é valorizada por nossa prática pedagógica.
c) O que é a resolução de problemas em sala de aula? Qual o
papel do professor nesse ambiente? Que conhecimento matemático é esse
constituído entre professor e alunos dentro de uma sala de aula? “Continhas!”
E por que não sabemos ao certo o que fazer? Questionamentos que talvez
possam até parecer ingênuos, mas que eram instigantes para alguém, na
época, tão à parte da diversidade de fatores envolvidos na prática profissional
de um professor, tão ignorante quanto à importância de nossa situação perante
13
os alunos, tão recém-formado nos moldes de tal formação, como colocamos
anteriormente.
O ingresso no programa de Mestrado em Educação nos
proporcionou duas coisas: adiar aquela situação arriscada de dar aulas por
mais um ano e uma reflexão sobre todo o processo de formação do professor e
de sua prática escolar. Isso nos fez compreender melhor por que nós,
professores recém-formados, sentimos tanta insegurança em dar aulas.
Arriscar-se a ensinar e arriscar-se a aprender. Nossas questões
neste estudo recaem sobre o primeiro risco. No entanto, é o segundo que nos
impulsiona a aceitar o risco de estudar, de investigar, na expectativa de cada
vez mais compreender a figura desse profissional, o professor. Arriscar-se a
ensinar é arriscar-se a aprender. Também sobre isso se baseia nossa escolha
por conduzir o texto na primeira pessoa do plural, pois nossa escrita, além de
apoiar-se nos vários autores que lemos e na orientação que tomamos, depende
da colaboração do professor que, por sua vez, depende da sua relação com os
alunos. Por conseguinte, o nosso, como qualquer discurso, é habitado pelas
vozes de outros. É por essa conscientização que escolhemos o uso da primeira
pessoa do plural. As apropriações dos dizeres de outros possibilitaram e
possibilitam a constituição do nosso dizer. E, ciente de que este estudo começa
a atingir sua meta no momento em que é motivo para reflexão – até mesmo
sobre si próprio -, convidamos o leitor a compartilhar conosco de alguns
olhares sobre os dizeres e fazeres, em aulas de matemática, de uma professora
da 8a série do Ensino Fundamental.
14
2 DIFERENTES OLHARES QUE INTEGRAM NOSSO OLHAR
2.1 UM OLHAR
O primeiro passo para iniciar este estudo foi a tentativa de nos
afastarmos dos modos como víamos e começar a olhar para as coisas de
maneira diferente. Veiga-Neto (2002, p.23) foi com certeza um dos responsáveis
por esse questionamento, além de também nos fornecer contributos
importantes para reflexão sobre aquilo que estávamos começando a estudar.
Primeiro, esse contributo veio em forma de alerta:
Todos nós que hoje exercemos a docência ou a pesquisa em Educação tivemos uma formação intelectual e profissional em moldes iluministas. Uma das conseqüências disso é que talvez não estejamos suficientemente aptos para enfrentar, nem mesmo na vida privada, as rápidas e profundas mudanças culturais sociais, econômicas e políticas em que nos achamos mergulhados.
Esse alerta surge da preocupação do autor sobre a relação entre
o “primado da visão” e suas conseqüências para a razão. O que se denomina
hoje como razão das Ciências Humanas “se desenvolveu a partir das Ciências
Naturais e se ramificou em variadas epistemologias que têm em comum a
crença numa realidade exterior que se poderia acessar [...] pelo uso correto da
razão” (VEIGA-NETO, 2002, p.25-28). Há uma realidade ou verdade acessível
que está em algum lugar e a priori. Essa concepção de uma pré-existência da
realidade é o ponto comum entre a tradição de uma epistemologia positivista e
a tradição dialética, pois ambas entendem a “consciência” como um “estado” a
que se pode chegar mediante o uso da razão. E ambas também entendem a
linguagem “como um instrumento capaz de descrever o mundo e de certa forma
representá-lo” (VEIGA-NETO, 2002, p.26). Mas a tradição dialética difere da
tradicional por obedecer a uma lógica na qual o importante é ter uma certa
cautela com as primeiras impressões que temos ao “olhar” para o mundo a fim
de encontrar a “verdade”: há de se atentar para a “distorção da visão”.
15
O “primado da visão”, como podemos ver, joga um papel
essencial como ferramenta básica para a razão, pois, para além do sentido
ocular desse “olhar”, como sensação física, há também o sentido interpretativo
do “olhar”: conseqüência das práticas sócioculturais presentes no meio ao qual
pertence aquele que olha. Na perspectiva pós-moderna, então, diferentemente
das outras, este último sentido é incorporado, assumido. Veiga-Neto (2002,
p.30) explana que as “imagens que o mundo, principalmente o social,
apresenta, a rigor, ele não apresenta isentamente, isto é, é o olhar que botamos
sobre as coisas que, de certa maneira, as constitui”. Mais à frente, salientando
o caráter lingüístico - não só a questão da língua, mas também a questão das
práticas do uso dessa língua - dessa constituição, diz: “o que dizemos sobre as
coisas nem são as próprias coisas [...], nem são uma representação das coisas
[...]; ao falarmos sobre as coisas, nós as constituímos” (VEIGA-NETO, 2002,
p.31). Nessa perspectiva, a realidade não existe a priori, são os seres humanos
munidos de sua história e experiências compartilhadas que olham e atribuem
significados às coisas, que as constituem. Por conseguinte, constituem suas
“realidades”. O olhar e, sobretudo, aquele que olha assumem um papel
diferente do existente nas tradições positivista e dialética.
Por que estamos nos referindo a tudo isso? Primeiro, porque
admitimos que, dada a nossa situação de investigadores, estaremos
constituindo nosso mundo e nosso objeto de estudo, porém, a partir de agora,
cientes de que os resultados a que chegaremos não serão a verdade – que, de
fato, não é única – mas sim uma verdade, proveniente de nosso olhar. Segundo,
porque estamos interessados, neste trabalho, no sentido que as pessoas
atribuem ao seu mundo, constituído por elas. Vejamos a contribuição que Hall
(1997, p.1) nos apresenta a respeito do que estamos discutindo:
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. [...] todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação.
16
Os dizeres e fazeres dos sujeitos participantes das “práticas
sociais”, não apenas participantes, mas também sujeitos que as constituem,
estão embebidos pelos seus olhares. Ainda, em sala de aula, de alguma
maneira, essas práticas relacionam-se entre si e com aquilo que é
tradicionalmente chamado conhecimento. Mas, a partir do que Veiga-Neto
(2002) e Hall (1997) têm nos mostrado, perguntamos: O conhecimento é algo
estático? Qualquer um que queira acessá-lo obterá o mesmo resultado?
2.1.1 Dizeres e Fazeres: Algumas Relações com os Conhecimentos
Por conseguinte àquela citação de Hall (1997, p.1), as práticas
de uso da linguagem, relacionadas a todas as esferas das atividades humanas
(BAKHTIN, 1992), constituem-nos assim como constituem o mundo com o qual
lidamos, pois os significados surgem a partir dos jogos de linguagem e dos
sistemas de classificação que utilizamos nos quais as coisas estão inseridas
(HALL, 1997; VEIGA-NETO, 2002). O uso da língua que aí acontece “efetua-se
em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos
integrantes” de uma atividade humana (BAKHTIN, 1992, p. 279). Mas,
enunciado, para este autor, transcende o sentido que usaremos
freqüentemente neste trabalho, qual seja: palavras, orações, símbolos, notações
que compõem o texto de um exercício ou problema matemático. Quando
utilizarmos a palavra “enunciado”, no sentido de Bakhtin, faremos essa resalva
ao leitor. Segundo Bakthin (1992, p.293),
as fronteiras do enunciado concreto, compreendido como uma unidade da comunicação verbal, são determinadas pela ‘alternância dos sujeitos falantes, ou seja, pe la alternância dos locutores. Todo enunciado [...] comporta um começo absoluto e um fim absoluto: antes de seu início, há os enunciados dos outros, depois de seu fim, há os enunciados dos outros (ainda que seja como uma compreensão responsiva ativa muda ou como um ato-resposta baseado em determinada compreensão).
O autor explana ainda que o enunciado
está em contato imediato com a realidade (com a situação transverbal), [...] está em relação imediata com os enunciados do outro, [...] possui uma significação plena e uma capacidade de
17
suscitar a atitude responsiva do ‘outro’ locutor, ou seja, de determinar uma resposta (BAKHTIN, 1992, p. 309)
Para Bakhtin (1992), a análise de um enunciado deve refletir as
condições específicas, o contexto e as finalidades de uma atividade humana: há
um tema, há uma seleção, por parte do locutor, dos recursos da língua, há
uma composição marcada pelo fato de ela ser um elo na cadeia da
comunicação verbal. O enunciado é compreendido e elaborado em
conseqüência dos enunciados anunciados anteriormente a este e por
presunção dos que lhe podem surgir, pois quem enuncia o faz com intenções.
Em sala de aula, professor e alunos estão, o tempo todo,
alternando-se na enunciação e estão negociando significados. Cada sujeito,
subjazendo sua história, fala, negocia de um determinado lugar que lhe
determina um certo olhar sobre as coisas. E, embora constituídas a partir de
diferentes lugares, as práticas de significação acontecem entre os sujeitos na
“situação escolar”2 (EDWARDS, 1997, p.17). Dessa maneira, esses sujeitos vão
constituindo quadros de referência comuns sobre seus cotidianos
experienciados num mesmo espaço e, sobretudo, vão se constituindo a si
mesmos e a seu mundo.
Mas, nesse espaço comum, há um papel determinante do
professor por ser ele quem “constrói a situação escolar por meio do manejo dos
elementos estruturantes mais gerais: o espaço e o tempo” (EDWARDS, 1997,
p.20). Para os alunos, na maioria das vezes, esses elementos são decorrentes de
uma imposição do professor, mas, para este, o espaço e o tempo também são
definidos externamente pelas disposições curriculares, pelas instalações e pela
arquitetura escolar: fatores esses nos quais “adquirem significado as relações
que ali se estabelecem” (EDWARDS, 1997, p.31). Com tudo isso, de certa
forma, o professor proporciona certas situações nas quais haverá a produção
ou a “existência social” do conhecimento, o qual, neste caso, é o “conhecimento
escolar” (EDWARDS, 1997, p.22). Precisamos salientar, neste ponto, a questão
de que, na instância da sala de aula, há uma legitimação daquilo que é devido
conhecer, daquilo que é conhecimento. Os ditos conhecimentos escolares
2 Expressão utilizada por essa autora para se referir ao professor e aos alunos dentro de uma
sala de aula.
18
podem delimitar o que é “legitimamente cognoscível a partir da experiência
escolar” (EDWARS, 1997, p.20). Segundo a autora, os
conteúdos acadêmicos geralmente são apresentados como verdadeiros e, nesse sentido, pode-se dizer que transmitem visões de mundo ‘autorizadas’ (com autoridade), as quais constituem o terreno em que os sujeitos realizam suas apropriações, seja aceitando, rejeitando ou construindo conhecimentos. (EDWARDS, 1997, p.67)
Aquilo que é definido como conhecimento para a escola, ou
conhecimento escolar, depende, em parte, do currículo estabelecido, que passa
por um âmbito de decisão de diferentes instâncias: as oficiais, tais como o
Ministério da Educação e Cultura, as Secretarias de Governo Estaduais e
Municipais, a própria instituição escolar; e as não oficiais, como as decisões do
professor. Vê-se que o currículo é o representante da política curricular dentro
da sala de aula (SILVA,1998) e, de certa maneira, ele impõe aos sujeitos da
“situação escolar” certas práticas de significação, pois certos enunciados
requerem, procuram certos enunciados (leia-se “enunciado” no sentido
atribuído por Bakhtin). Acrescente-se a isso, então, que os dizeres dos
professores, de certa maneira, são também os representantes da política
curricular em sala da aula, são os que dizem aos alunos o que será adequado
que eles aprendam, pois, como Silva (1998) explica, a política curricular, ou o
currículo,
define os papéis de professores e alunos e suas relações, redistribuindo funções de autoridade e iniciativa. Ela determina o que passa por conhecimento válido [...]. O currículo desloca certos procedimentos e concepções epistemológicas, colocando outros em seu lugar. A política curricular, metamorfoseada em currículo, efetua, enfim, um processo de inclusão de certos saberes e de certos indivíduos, excluindo outros.
Entendendo conhecimento, cultura e, conseqüentemente,
currículo como produção, ou seja, o currículo não pode ser pensado como uma
simples lista estática de conteúdos, mas sim deve ser pensado como o que
fazemos com ela, como e por que a compomos dessa maneira e, principalmente,
o que ela faz às pessoas (SILVA, 1995, p. 193), Silva (1995, p. 195) diz:
19
O currículo não é, assim, uma operação meramente cognitiva, em que certos conhecimentos são transmitidos a sujeitos dados e formados de antemão. O currículo tampouco pode ser entendido como uma operação destinada a extrair, a fazer emergir, uma essência humana que pré-exista à linguagem, ao discurso e à cultura. Em vez disso, o currículo pode ser visto como um discurso que, ao corporificar narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, nos constitui como sujeitos [...]. Pode-se dizer, assim, que o currículo não está envolvido num processo de transmissão ou de revelação, mas num processo de constituição e de posicionamento: do indivíduo como um sujeito de um determinado tipo e de seu múltiplo posicionamento no interior das diversas divisões sociais.
Para nós, dois aspectos emergem dessa visão de currículo. O
primeiro se refere às maneiras de entender, de compreender, de explicar o
mundo e aos modos de fazer que se configuram como saberes, como
conhecimentos socialmente constituídos e que são totalmente excluídos,
ignorados, como se não fossem conhecimentos válidos. É, no caso da
Matemática, aquilo que D’Ambrosio (1998, 2001) e outros autores chamam de
Etnomatemática3 e que na Matemática que conhecemos hoje em nossas
escolas, de origem e influências ocidentais, simplesmente não consta. O outro
aspecto, este mais próximo dos interesses de nosso estudo, refere-se à relação
que o professor estabelece com aquilo que ele tem que ensinar e às suas
(re)construções subjetivas (LLINARES, 2000; PONTE, 2002). Ou seja, podemos
pensar nas seguintes perguntas para identificar esse outro aspecto: Que
currículo é de fato produzido dentro da escola? Que currículo é desenvolvido
em sala de aula, é transmudado4 para sala de aula, via reprodução,
transmissão5, difusão6? Quais serão, então, os dizeres do professor em sala de
aula enquanto um dos principais7 atores responsáveis por essa transmudação?
3 Etno: o ambiente natural, social, cultural e imaginário. Matema: de explicar, aprender,
conhecer, lidar com. Tica: modos, estilos, artes, técnicas. Resumidamente, Etnomatemática seria, então, “a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais” (D’AMBROSIO, 1998, p.5-6).
4 Transmudar: 1. Alterar, transformar, mudar. T.d. e i. 2. Converter, alterar, transformar. 3. fazer mudar de lugar ou de domínio (FERREIRA, 1986).
5 Transmitir: 1. Mudar de um lugar para o outro ou de uma pessoa para a outra; expedir, enviar. 2. Fazer passar dum ponto ou dum possuidor para outro.
6 Vem de fundir: ‘derreter, liquefazer’, ‘organizar, juntar, unir’ (CUNHA, 1982). Difusão: 2. fig. Propagação, divulgação. 3. espalhar, disseminar, espargir. 4. propagar, divulgar (FERREIRA, 1986).
7 Subentende -se, como já dissemos, que o professor sofre influências diversas provindas de diversos locais tais como as Universidades, a Instituição na qual leciona, entre outros inclusive do âmbito de decisão governamental.
20
Pois, embora ocorra uma (re)construção subjetiva por parte do professor, Silva
(1997) explica que os professores acabam se submetendo aos dizeres do
currículo, ou mesmo assumindo-os.
2.2 CONHECIMENTO NA AÇÃO, TOMADA DE DECISÃO E OS SABERES DOCENTES
O desenvolver de atividades em aula, foco de nosso estudo,
configura-se como um convite ao professor para se relacionar com situações
diversas em sua prática e para tomar decisões que considera acertadas a
respeito delas – atos acordados com aquilo que sua experiência, sua
experiência profissional, sua história, seus saberes também o sugerem.
Sobretudo, nessas situações, podemos observar a capacidade do professor de
tomar decisões “em interações com outros actores” (PONTE, 1998, p.43).
Mas o trabalho docente não está apenas na interação com os
alunos, o professor também convive com seus colegas de profissão com os
quais estabelece relações diversas: participa de reuniões pedagógicas, de
programas de formação, realiza seminários, supervisões, entre outros. Numa
certa escola, o grupo social dos professores de matemática composto por
membros que “compartilham uma determinada atividade (formas de fazer e
comunicar-se)” (LLINARES, 2000, p. 114) e que têm a “tarefa de ensinar
matemáticas a grupos de estudantes podem ser vistos formando uma
comunidade de prática” (LLINARES, 2000, p. 114, grifo nosso). Portanto, no
âmbito dessa comunidade, os professores articulam, justificam e comunicam
suas ações e decisões uns aos outros e, para além desse âmbito, eles
relacionam-se com a comunidade dos matemáticos profissionais, com a
comunidade dos professores de outras disciplinas, etc. (LLINARES, 1999;
2000). Se existe comunicação, argumentação e justificação de ações e idéias
entre os membros de uma comunidade e entre diferentes comunidades, isso
mostra que os professores “estão integrados num ambiente socioprofissional
que determina, de antemão, certas exigências de racionalidade no interior das
quais o trabalho docente encontra-se preso, estruturado, condicionado”
(TARDIF, 2002, p. 205).
21
Se o docente é alguém atuante numa comunidade de prática,
quais serão os pressupostos desse seu agir? Já dissemos que sua experiência e
sua história são interferentes, mas podemos ainda nos perguntar, assim como
Tardif (2002, p.32) o fez: O que exatamente sabem os professores? E ainda,
as chamadas ciências da educação, elaboradas pelos pesquisadores e formadores universitários, ou os saberes e doutrinas pedagógicas, elaborados pelos ideólogos da educação, constituíram todo o saber dos professores? (TARDIF, 2002, p.32)
Afinal, quais serão os saberes que realmente fundamentam o
trabalho docente? Tardif (2002, p.36) coloca que o saber docente é um saber
plural, formado pelo “amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos
da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais” com os quais o corpo docente estabelece diferentes relações.
Os “saberes da formação profissional” ou os oriundos “das
ciências da educação e da ideologia pedagógica”, como o próprio nome indica,
são os saberes transmitidos8 pelas instituições de formação (leia-se
universidades e instituições que realizam cursos de formação continuada). As
ciências da educação, que também têm por objeto de estudo o professor e o
ensino, produzem conhecimentos no intuito de os incorporar à prática docente,
os quais se apresentam aos professores como doutrinas ou concepções
provenientes de “reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo,
reflexões racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos
coerentes de representação e de orientação da atividade educativa” (TARDIF,
2002, p.37).
Os “saberes disciplinares” correspondem àqueles que, além de
serem transmitidos pelas instituições universitárias, são por elas definidos e
selecionados. São os saberes correspondentes aos diversos campos de
conhecimento sobre os quais tratam as disciplinas oferecidas por uma
instituição (TARDIF, 2002, p. 38).
Há também os “saberes curriculares”, que
8 Permita-nos o leitor, nesse momento, utilizar esse termo. Mais adiante, veremos que ele não faz
sentido, pois o saber se define, essencialmente, como uma relação com o mundo (CHARLOT, 2000); não se pode, portanto, transmiti-lo.
22
correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita.(TARDIF, 2002, p. 38)
E, finalmente, os “saberes experienciais”: saberes específicos
desenvolvidos pelos próprios professores, baseados em seu trabalho cotidiano e
no conhecimento do meio no qual atuam. Tardif (2002, p.38-39) explica que
esses saberes são um “saber-fazer”, um “saber-ser”, um “saber prático”, que se
incorporam à prática do professor sob a forma de “´habitus´” e habilidades. É
um saber individual e coletivo. Esses saberes são partes integrantes da prática
docente, constituindo o que Tardif (2002, p.48-49) definiu como o “conjunto de
representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e
orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões”.
2.3 O OLHAR DOS PROFESSORES SOBRE SEUS SABERES
Tardif (2002, p.40-48) também coloca que ocorre uma relação de
exterioridade entre os professores e os saberes da formação profissional,
disciplinares e curriculares, na medida em que os professores não produzem
nem legitimam socialmente esses saberes. São saberes oriundos de uma
tradição cultural, selecionados e definidos por outros grupos produtores de
saberes sociais - universidades, pesquisadores, definidores de currículos – que
definem o que deve transformar-se em saber escolar. Num sentido semelhante,
Fiorentini, Souza Jr e Melo (2001) afirmam haver uma relação conflituosa entre
os saberes provenientes da academia ou dos especialistas e os saberes
praticados/produzidos pelos professores no exercício da profissão: aqueles,
geralmente produtos de pesquisas ou reflexões teóricas, aparecem de tal
maneira que idealizam, fragmentam e simplificam a prática; estes, estando
ligados às múltiplas dimensões da experiência profissional, tornam-se mais
adequados à maneira de ser e agir do professor.
Outra vez surgem as questões das relações de poder
relacionadas ao currículo. Porém, agora, ao mesmo tempo em que elas impõem
saberes aos professores, elas expropriam esses saberes dos professores. Mas,
23
por que estamos dizendo que ocorre uma expropriação dos saberes docentes?
Porque, assim como D´Ambrosio (1999, p.105), entendemos conhecimento
como o “conjunto dinâmico de saberes e fazeres acumulado ao longo da história
de cada indivíduo e socializado no seu grupo”. Sendo assim, a expropriação
acontece nessa dinâmica que se traduz no que este autor chama de “ciclo do
conhecimento”:
a realidade [entorno natural e cultural] informa [estimula, impressiona] indivíduos e povos que em conseqüência geram conhecimento para explicar, entender, conviver com a realidade, e que é organizado intelectualmente, comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente, e que é então expropriado pela estrutura de poder, institucionalizado como sistemas [normas, códigos], e mediante esquemas de transmissão e de difusão, é devolvido ao povo mediante filtros [sistemas] para sua sobrevivência e servidão ao poder. (D´AMBRÓSIO, 1999, p. 106)
Para nós, essa citação vai ao encontro daquilo que Tardif (2002)
chamou de relação de exterioridade entre os professores e os saberes (que não
experienciais) e evidencia e alerta para o fato de a pesquisa e o ensino serem
realizados por grupos diferentes. Há uma distância (social, institucional,
epistemológica) que separa e desapropria os professores desses saberes
(FIORENTINI, SOUZA JR e MELO, 2001). Como as situações com as quais os
docentes lidam na prática são inesperadas, complexas, dinâmicas e como não
há nenhum tipo de teoria ou definição acabada que as resolvam (e elas
precisam ser resolvidas e geridas imediatamente), o professor é obrigado a
improvisar, a articular o pensamento e a sua ação (TARDIF, 2002, PONTE,
1998).
Ademais essa problemática da relação de expropriação e de
exterioridade, podemos olhar, embebidos por Charlot (2000), para a relação
entre o professor e os saberes de maneira geral.
Olhando outra vez para os diferentes saberes que Tardif (2002)
coloca, o olhar de Charlot (2000) nos mostra que esses diferentes saberes são
24
formas assumidas pelo saber. Portanto, seria errado considerar como saber
essas “formas específicas”, quando, na verdade, “são formas específicas de
relação com o mundo” (CHARLOT, 2000, p.61).
Então, o saber que se transformou em objeto enquanto “saber
experiencial” (TARDIF, 2002), nada mais é do que uma relação prática com o
mundo e, por isso, é um saber mais adequado às situações especificas ligadas
à experiência do professor, não é o saber que é prático, mas sim a relação com
ele. Agora, podemos entender melhor quando Tardif (2002) coloca que os
“saberes experienciais”9 são elementos constituintes da formação docente, na
medida em que a relação prática com esses saberes produz outras formas
específicas de saber, “objetos de saber” (CHARLOT, 2000, p.62), com as quais o
professor, outra vez, relaciona-se.
2.4 OS PROFESSORES E A PRODUÇÃO DE SABERES PARA O ENSINO
Como temos colocado, as relações que o professor estabelece
com o saber, enquanto atua em situações diversas da prática, e a experiência
de lidar com essas situações vão se configurando como elementos
fundamentais para sua formação como docente (TARDIF, 2002). Ambas, as
relações e a experiência, são geradoras de algumas certezas, de confirmações
pelo próprio professor quanto à sua capacidade para ensinar, e isso é
profundamente formador (TARDIF, 2002). Logo, os saberes experienciais10, pela
análise e reflexão empreendidas pelo professor, ou até mesmo
inconscientemente, vão adquirindo uma relação crítica com os saberes da
formação profissional e os disciplinares, ou seja, a prática
pode ser vista como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. (TARDIF, 2002, p. 53)
9 Durante este trabalho, quando usarmos as expressões “saberes experienciais”, “saberes da
formação profissional”, “saberes disciplinares” e “saberes curriculares”, estaremos falando sob o ponto de vista de Tardif (2002).
10 Embora tenhamos colocado que os saberes experienciais são, na verdade, formas específicas do saber que remetem para a relação que o professor estabelece (CHARLOT, 2000), estando o leitor já ciente disso, não nos preocuparemos em utilizar o termo assim mesmo, chamando-o pela “forma específica”.
25
Não queremos agora entrar em uma discussão sobre qualidade
de formação profissional de professores. O que nos interessa é o fato de que os
professores produzem saberes próprios, seja para contrabalançar sua formação
inicial, seja por necessidade prática. Isso porque as teorias não subsidiam
totalmente a prática pedagógica por não contemplarem todas as situações
diversas, complexas e únicas dessa prática.
Para esses saberes produzidos pelos professores não tem sido
dada a importância merecida. Por se constituírem no que esses atores
constroem como base fundamental para seu trabalho, tais saberes deveriam
ser compartilhados, comunicados, para passar por um processo de legitimação
dentro de sua “comunidade de prática”11 e ter seu valor reconhecido inclusive
em outras comunidades como a acadêmica – local onde os licenciandos
tomariam contato com esses saberes. Nesse ponto concordamos,
especialmente, com Tardif (2002, p. 54) quando diz que os professores
deveriam impor-se enquanto grupo produtor de saberes. Porém, para impor-se
enquanto tal, é preciso primeiro que os professores traduzam seus saberes
experienciais em um “discurso público susceptível de ser discutido e até
contestado” (TARDIF, 2002, p. 240) pelos próprios professores e não só pela
academia. Esta, por sua vez, com sua pesquisa, deveria ter a humildade de
reconhecer que
não produz uma teoria sobre uma prática, mas que ela mesma é uma prática referente a atividades (ou seja, ensinar) e a atores (ou seja, os professores) que dispõem de seus próprios saberes e de seus próprios pontos de vista (TARDIF, 2002, p. 238)
Temos colocado os saberes, sobretudo os experienciais, como
fundamentos da ação do professor. Embora expliquemos quais são esses
saberes e que relações os professores estabelecem com eles, ainda não
indicamos o que consideramos por saber, ou o que significa dizer que sabemos
algo. Também não explicamos o que significa serem os saberes fundamentos
para a ação ou até que ponto estes, sobretudo os experienciais, assemelham-se,
ou não, a concepções e crenças dos professores. A fim de explicitar as
11 Termo de Llinares (1999, 2000) já definido anteriormente.
26
principais ferramentas conceituais que utilizaremos, essas indicações tornam-
se de fundamental importância.
Filosoficamente, o termo concepção12 refere-se a uma operação
para a qual o espírito constrói, sem necessariamente apelar para dados
experimentais, um conceito ou uma idéia. Seria, como diz Ponte (1992, p.187),
“um substracto conceitual que joga um papel determinante no pensamento e
na ação”, no caso do presente trabalho, a ação pedagógica. Sua natureza é
essencialmente cognitiva. Para este autor, as concepções funcionam como um
organizador implícito de construtos13 de conceitos (PONTE, 1992, 1994).
Fernandes (2001) assinala que alguns autores parecem utilizar
o termo concepção num mesmo sentido: “como uma ‘filosofia particular’, ‘o
modo próprio de olhar’ de cada professor, que é determinante de sua ação
pedagógica”. Pode-se pensar em “sistema conceitual” (filosofia particular),
“esquema teórico” mais ou menos consciente, “mini-teoria” e até “crença
consciente” para imaginar o papel que têm as concepções de um sujeito
(FERNANDES, 2001).
Ponte (1994) considera que as crenças e concepções de alguém
são partes de seu conhecimento. As crenças são as “incontrovertidas verdades
pessoais”, derivadas da experiência ou da imaginação (PONTE, 1994, p. 170).
Para além da capacidade de “formular razões lógicas e de organizar
coerentemente as informações provenientes da experiência, a racionalidade
humana atinge um ponto inacessível”, o qual, pode-se dizer, já é o domínio das
crenças – “sem as quais nos tornaríamos virtualmente bloqueados, incapazes
de tomar decisões e determinar cursos de ação” (PONTE, 1994, p. 169-170).
A maioria das investigações realizadas, em matéria de
concepções e conhecimentos profissionais, enfatiza os aspectos individuais do
sujeito que concebe e conhece em detrimento da dimensão social (PONTE,
1994, p. 197). No entanto, o autor aponta que as concepções e os
conhecimentos caracterizam-se por seu caráter coletivo na medida em que são
gerados nas interações “inter-individuais” que, por sua vez, acontecem
12 Do dicionário de Filosofia Nicola Abaggnano. 13 Estruturas de base, de suporte.
27
permeadas pelas estruturas organizativas institucionais e pelas dinâmicas
funcionais nas quais estão integrados os seres humanos.
A questão da ênfase na dimensão individual do professor
enquanto sujeito que concebe e conhece, obliterando-se a dimensão social, é
um ponto problemático segundo a visão de Tardif (2002, p. 191-193). Para ele,
este é um exagero que ocorre nas pesquisas: considerar o professor dotado de
uma racionalidade baseada exclusivamente na cognição, um “sujeito
epistêmico”. A dimensão social da constituição de saberes do professor é assim
apontada por Tardif (2002, p.187):
dizer que alguém sabe ensinar significa menos dizer que ele possui ‘em si mesmo’, em seu cérebro, em sua memória, em seus ‘conhecimentos anteriores’, um saber, no sentido tradicional de uma teoria ou de uma representação que implica um certo grau de certeza, do que dizer que sua ação pedagógica é conforme certas normas e certas expectativas, as quais podem ser fixadas por várias instâncias (a instituição, os pares, os alunos, os pais) ou, na maioria das vezes, por todas essas instâncias ao mesmo tempo.
A noção de saber é dada por esse autor sob a perspectiva e
ênfase do coletivo, o que não lhe impede de assumir que os saberes jogam um
certo papel de orientador da prática assim como as concepções, ou seja, Tardif
(2002) assume que existe a dimensão individual do conhecer, porém, pra ele,
esta não faz sentido sem o aspecto coletivo da constituição de saberes. Os
saberes formariam assim um “conjunto de representações a partir das quais os
professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática
cotidiana” (TARDIF, 2002, p. 48-49). Mas, na sua obra, não há nenhuma
referência a concepções, ao menos nesse sentido que temos falado, apenas se
refere a aspectos cognitivos do conhecimento do professor no intuito de
demonstrar a preponderância da dimensão social sobre a individual, como
podemos notar na citação anterior. Transcrevemos, a seguir, o que Tardif
(2002, p. 199) entende como saber:
Chamaremos saber unicamente os pensamentos, as idéias, os juízos, os discursos, os argumentos que obedeçam a certas exigências da racionalidade. Eu falo ou ajo racionalmente quando sou capaz de justificar, por meio de razões, de declarações, de procedimentos, etc., o meu discurso ou a minha ação diante de
28
um outro ator que me questiona sobre a pertinência, o valor deles, etc.
O saber em sua dimensão lingüística é argumentativo e, como
tal, precisa de outro(s) ator(es) para ser construído e demonstrado. É, portanto,
um texto derivado de uma construção coletiva e implica, como Tardif (2002, p.
197) indica, em um “acordo comunicacional dentro de uma comunidade de
discussão”. Nessa comunidade de discussão, a argumentação é a prática
exercida pelos interlocutores que “procuram ultrapassar os pontos de vista
iniciais de sua subjetividade, tentando demonstrar a validade intersubjetiva de
suas palavras ou ações” (TARDIF, 2002, p.197) e, desse modo, legitimar e
constituir saberes sociais.
A isso, podemos acrescentar o que pensa Charlot (2000, p.61)
sobre saber:
não há saber senão para um sujeito, não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber senão produzido em uma ‘confrontação interpessoal’. Em outras palavras, a idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo [...], de relação desse sujeito com outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber)”.
Embora os conceitos de saber e de racionalidade impliquem em
um ator humano que age não como uma máquina, mas em função de objetivos,
de intenções, de projetos, de finalidades, de deliberações, isso não significa que
para todas as nossas ações ou discursos estamos incansavelmente
apresentando razões. Por isso Tardif (2002, p. 201) sugere que a idéia de
racionalidade se refere também a um “saber em relação ao qual nos
entendemos e que serve de base para nossos argumentos”; um saber que não
constitui necessariamente o objeto da discussão, mas que determina o quadro
que possibilita a discussão. O “saber em relação ao qual nos entendemos” não
tem relação direta com concepções, com algo cognitivo, mas sim, implica que
nós humanos não partimos sempre do zero, o que quer dizer que, quando
discutimos ou agimos, admitimos alguns pressupostos, alguns saberes comuns
e implícitos que aceitamos sem maiores discussões (TARDIF, 2002). Como, por
exemplo, o matemático que, no intuito de demonstrar um teorema, trabalha a
29
partir das regras, dos procedimentos e dos saberes já existentes, detalhando-os
ou não em função de seus interlocutores.
2.5 OS OLHARES FORMAIS
Schnetzler (2001), prefaciando Geraldi, Fiorentini e Pereira
(2001), faz uma crítica à formação docente promovida pelos cursos de
Licenciatura, ao menos na maioria das instituições universitárias brasileiras,
relevante para iniciar uma busca no intuito de compreender quem é o professor
de matemática que ensina nas escolas. A autora diz que esses cursos estão
calcados no modelo da racionalidade técnica, o qual pressupõe que o
licenciando deve ter, primeiramente, uma formação teórico-técnica para,
posteriormente, aplicar esses conhecimentos técnicos na prática. Segundo a
autora, isso instaura a separação entre a teoria e a prática, entre a pesquisa
educacional e o mundo da escola. Assim,
concebidos como técnicos, os professores, ao final de seus cursos de licenciatura, vêem-se desprovidos de conhecimento e de ações que lhes ajudem a dar conta da complexidade do ato pedagógico, ao qual, não cabem receitas prontas nem soluções padrão, por não ser reprodutível e envolver conflito de valores. (Schnetzler, 2001, p.8)
Mas, os professores, de uma maneira ou de outra, dão conta do
ato pedagógico. Seja utilizando receitas prontas, seja criando maneiras de fazer,
seja utilizando os saberes que sua experiência lhe sugere. Surge, desse fato,
uma pergunta: o que fazem os professores para dar conta do ato pedagógico?
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para os Terceiro e Quarto
Ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998, p.59), quanto ao ensino da
Matemática, estão postos como um documento que pretende se constituir num
“referencial para a construção de uma prática que favoreça o acesso ao
conhecimento matemático que possibilite de fato a inserção dos alunos como
cidadãos, no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura”. Ainda,
mais adiante, lê-se que é “fundamental superar a aprendizagem centrada em
procedimentos mecânicos, indicando a resolução de problemas como o ponto
30
de partida da atividade matemática a ser desenvolvida em sala de aula”
(BRASIL, 1998, p. 59).
Menezes (2000), referindo-se aos movimentos de reformas no
ensino da Matemática (APM14, 1988; NCTM15, 1980, 1991, 1994), que propõem
novas idéias do que deve ser a aprendizagem da Matemática, diz que esses
documentos sugerem o desenvolvimento do que chamam de “poder
matemático” do aluno. Idéia que passa por quatro aspectos fundamentais: a
resolução de problemas, a comunicação, o raciocínio matemático e as conexões.
O professor teria, então, de criar ambientes nos quais estejam presentes o
desenvolvimento desses aspectos durante o processo de ensino e aprendizagem
da Matemática.
Então, além de uma formação inicial que, de certo modo, impõe
uma teoria ao professor, há também a implementação de parâmetros
curriculares, de programas de formação de professores à distância, de
avaliações e outros tipos de controles impostos pelo Ministério de Educação e
Cultura e, num âmbito internacional, o estabelecimento de metas para o ensino
de Matemática, etc. Há algo em comum entre todas essas ações? Sim, são
idéias propostas e decisões tomadas por aqueles que não são professores das
escolas de Ensino Fundamental e Médio. Ou seja, os professores são
concebidos como meros executores, não são chamados a participar das
decisões que dizem respeito à sua profissão. Mas, se assim são concebidos,
perguntamos: Os professores agem apenas como técnicos? Será o professor um
técnico do ensino? Ora, outra vez precisamos perguntar: O que faz um
professor em aula?
Quaisquer que sejam os objetivos que os professores pretendem
alcançar, é fato que a comunicação é inerente à prática de ensinar. Então, uma
resposta razoável para a última pergunta posta no parágrafo anterior seria: ele
se comunica. Obviamente, não podemos aprender no lugar dos alunos. Se
quisermos que eles aprendam algo, precisamos transformá-los em atores, isto
é, em “parceiros da interação pedagógica” (TARDIF, 2002, p. 219-222). Essa
parece ser a “tarefa em torno da qual se articulam e ganham sentido todos os
14 Associação de Professores de Matemática de Portugal. 15 National Council of Teachers of Mathematics – Estados Unidos da América.
31
saberes do professor” (TARDIF, 2002, p. 219). E ela acontece por meio de
interações verbais, da comunicação.
As práticas dos professores têm uma forte componente de linguagem. Estas práticas estão muitas vezes embebidas das visões e dos valores dos professores, de entre outras, sobre o lugar da linguagem e da comunicação no ensino e na aprendizagem da matemática. A linguagem da aula de matemática, além das concepções dos professores, é influenciada por outros fatores, como sejam as aprendizagens anteriores dos alunos, o nível sócio-cultural e a formação de professores. (MENEZES, 2002, p.04)
Isso nos indica que a prática de ensinar se configura como uma
atividade lingüística e discursiva definida essencialmente pelo tipo de relação
que se estabelece entre professor e alunos (TARDIF, 2002, p. 219-222). Indica-
nos também que uma concepção de matemática e de seu ensino está implícita
ou é valorizada em qualquer prática pedagógica. Mas, de que forma o professor
articula essa atividade lingüística e discursiva para atingir os objetivos
sugeridos por aqueles documentos sobre os quais nos referimos anteriormente?
Ou, de que forma ele articula para atingir seus objetivos próprios? E que
objetivos são esses? O que significa dizer que, em nossa aula, a resolução de
problemas é o ponto de partida para a atividade matemática? O que significa
dizer que estamos dotando os alunos de “poder matemático”? Insistimos na
pergunta: O que, de fato, um professor faz e diz em aulas de matemática,
quando quer atingir determinados objetivos?
Recentemente, várias foram as pesquisas e os estudos
realizados sobre a figura do professor: Teixeira et al (2003), Tardif (2002),
Menezes (2002), Ponte (2002a, 2002b, 1998, 1992), Fernandes (2001),
Fiorentini et al (2001), Llinares (2000,1999), Libâneo (2000); Edwards (1997),
Graça (1995), Oliveira (1993), entre outros.
Em um estudo realizado por Oliveira e Ponte (2002), no qual foi
feita uma análise de 76 artigos, publicados em três revistas internacionais16
entre os anos de 1992 e 1995, com a intenção de traçar um quadro geral sobre
o que tem sido a pesquisa concernente a concepções, saberes e
16 Journal for Research in Mathematics Education (JRME), Educational Studies in Mathematics
Education (ESM) e Atas do Grupo Internacional Psychology of Mathematics Education (PME).
32
desenvolvimento profissional de professores de Matemática. Os autores
separam esses artigos em três grandes áreas de estudos e, em cada uma delas,
separam também os trabalhos de acordo com a temática específica: estudos
sobre concepções, crenças, atitudes e identidade profissional; estudos sobre o
conhecimento do professor sobre a Matemática, o conhecimento didático e o
pedagógico; estudos segundo a perspectiva da psicologia, da fenomenologia, da
investigação-ação, entre outros e ainda fazem alguns cruzamentos. Essas três
grandes áreas de estudos são:
a) “Fundamentos”: área que engloba os estudos referentes a
concepções, crenças, atitudes e identidade profissional;
incidindo tanto em aspectos da estrutura cognitiva como
afetiva dos professores;
b) “Conhecimento de Base”: estudos sobre o conjunto de saberes
detidos pelo professor, incluindo o conhecimento sobre a
Matemática, sobre seu ensino e o conhecimento sobre a
aprendizagem e o aluno;
c) “Conhecimento na Ação e Práticas”: envolve os estudos que
dizem respeito aos saberes específicos que o professor revela
quando em ação, assim como estudos sobre os dilemas e
problemas ligados com a tomada de decisões necessárias na
prática profissional.
Oliveira e Ponte (2002) salientam que a área “Conhecimento na
Ação e Práticas” apresentou a menor quantidade de estudos realizados e que
estes se referem preponderantemente ao desenvolvimento profissional dos
professores nas perspectivas da inovação educacional, da psicologia, da
fenomenologia, da investigação-ação, entre outras. Os autores concluem que o
“estudo do conhecimento profissional do professor não pode progredir muito se
não tiver por referência a sua prática e as condições em que esta se
desenvolve.”
Parece-nos relevante direcionar o olhar para as práticas
pedagógicas em sala de aula, pois, após a formação profissional, os professores
têm uma outra formação que provém da experiência: lidam com situações
dinâmicas, sofrem influências de currículos e propostas curriculares,
33
aprendem a lidar com as inovações, planejam, fazem escolhas, tomam decisões,
dialogam com outros professores, com coordenadores pedagógicos, etc
(TARDIF, 2002; PONTE, 2002; SACRISTÁN, 1995). Então, parece cabível
perguntar: Como são as aulas de um professor de matemática? O que fazem e o
que dizem os professores em aulas de matemática?
2.6 O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E SUA PRÁTICA
Llinares (2000), ao investigar a prática profissional do professor
de Matemática, no intuito de melhor compreender o âmbito dessa prática,
caracterizou dois grupos de tarefas realizadas pelo docente para os quais
devemos dar a devida atenção: o primeiro se refere à fase de planejamento e
organização do conteúdo matemático escolar, o segundo à fase de gestão do
processo de ensino-aprendizagem desse conteúdo.
A organização do conteúdo do curso, as escolhas e as
modificações dos problemas e/ou exercícios propostos aos alunos e a
organização ou elaboração de avaliações caracterizam o primeiro grupo de
tarefas realizadas pelo professor. Essas escolhas, modificações e essa
organização, segundo Llinares (2000), dependem das relações que o docente
estabelece com o currículo proposto (pela administração, pelos livros didáticos).
Ou seja, as tarefas são condicionadas pela possibilidade de (re)construção
subjetiva dos conteúdos matemáticos em objetos de ensino-aprendizagem. E,
por sua vez, essas (re)construções são determinadas pelas referências pessoais
e institucionais, pelas experiências e pela história de quem as realiza, o
professor, e determinadas pelos múltiplos fatores dos contextos nos quais ele
interage e exerce sua prática.
Cabe lembrar as explicações de Ponte (2002) sobre a
importância da relação que o professor estabelece com aquilo que ele pretende
ensinar: essa relação é um elemento constituinte da “identidade profissional”
docente e é decorrente “de um conjunto de propósitos (explícitos ou implícitos)”,
o que ele chama de currículo. Ainda se referindo a essa relação, este autor cita
três formas diferentes de o professor olhar para o currículo: como uma lei -
algo que se obedece, se cumpre rigorosamente; como um guião, o qual o
34
professor procura adaptar aos seus alunos e às suas condições de trabalho e
como uma práxis, na qual o olhar do professor o faz envolver-se na reflexão
sobre a sua ação, e ver-se como produtor de seu próprio currículo, “agindo em
função dos valores que subescreve, das necessidades que detecta nos alunos,
dos elementos que identifica no seu contexto institucional” (PONTE, 2002, p.
19)
Em relação ao primeiro grupo de tarefas delineado por Llinares
(2000), a fase de planejamento e organização do conteúdo matemático escolar,
podemos citar como exemplos de investigação os trabalhos de Oliveira (1993) e
de Graça (1995) que realizaram estudos de caso com professores de
Matemática. A primeira autora focalizou seu estudo nas concepções e práticas
da resolução de problemas de matemática em sala de aula, já a segunda optou
por caracterizar as concepções e práticas da avaliação da resolução de
problemas realizada pelos professores. Ambas as pesquisas apontam para a
conclusão de que as maneiras de se trabalhar com a resolução de problemas e
de se avaliar estão fortemente influenciadas pelas concepções dos professores
relativas à Matemática e ao seu ensino. Graça (1995) salientou também a
influência que poderá vir a ter sobre as práticas pedagógicas o fato de os
sujeitos considerarem a resolução de problemas integrada ao currículo.
Já as estratégias de gestão utilizadas pelos professores relativas
à interação entre os alunos e os saberes escolares, neste caso com os
conhecimentos matemáticos implícitos ou explícitos nos problemas e/ou
exercícios propostos, compreendem o que Llinares (2000, p.111) caracterizou
como o segundo grupo de tarefas de um professor de Matemática. Nesse grupo
podemos observar as tarefas profissionais que caracterizam o discurso docente,
em sala de aula, levando-se em conta as formas como apresenta informações, a
gestão do trabalho em grupo com os alunos, o como interpreta e responde
idéias provenientes deles, a gestão da discussão com o grande grupo, o como
propõe atividades e a maneira de construir e usar as representações
instrucionais, ou seja, o que, no caso do nosso trabalho, se constitui na gestão
da interação professor-aluno-problemas/exercícios.
Podemos considerar que os dois grupos de tarefas
caracterizados por Llinares (2000) podem ser utilizados como uma matriz para
a compreensão da prática docente. Neles, destacam-se dois aspectos
35
importantes: a relação com o currículo e a proposição de atividades em sala de
aula. Podemos assinalar que, dado nosso olhar, independentemente do tipo de
relação estabelecida pelo professor com o currículo, o fato é que ele cria e/ou
escolhe, propõe e desenvolve atividades dentro da sala, e o faz, de certa
maneira e em parte, influenciado pelos saberes curriculares. Dentre essas
atividades está a proposição e desenvolvimento de exercícios e/ou problemas
matemáticos para contribuir para o entendimento dos alunos sobre aquilo que
se quer ensinar como professor.
No presente trabalho, por atividade entendemos: a) a proposição
de problemas ou exercícios matemáticos, ou de dinâmicas como trabalho em
grupo, discussões, trabalho com material didático, com tecnologias de
informática, a proposição de tarefas, entre outros; b) o desenvolvimento dessas
propostas com os alunos, em sala de aula. Consideramos, ainda, que enunciar
ou propor exercícios, problemas, etc. é uma tarefa e um ato profissional do
professor por meio do qual podemos registrar e caracterizar seu discurso. Por
conseguinte, pode ocorrer em sala de aula uma proposição, do tipo configurada
no item a deste parágrafo, para a qual não se registre uma resposta dos alunos,
mas nem por isso deixa de ser uma atividade do professor, como por nós
circunscrita.
Edwards (1997, p. 29), na tentativa de constituir os sujeitos da
“situação escolar” e compreender o que é a escola “à margem de qualquer
discurso propositivo”, desenvolve um trabalho que parece se enquadrar no
último grupo proposto por Llinares (2000). Edwards (1997) discute aspectos
implicados na interação entre professor, aluno e constituição de conhecimentos
mediante a análise dos diversos fatores, por ela observados, sobre a dinâmica
de sala de aula.
Compiani (2003) fez um trabalho em que discute o papel
mediador do professor, as interações criadas e alguns aspectos do discurso em
aulas de Ciência e Geografia. Tavares e Pinto (2003) vêm realizando um projeto
com o objetivo de analisar a produção de significados matemáticos no contexto
escolar, o qual acontece mediante a utilização da língua materna e da
linguagem matemática, bem como buscam compreender como os discursos e
significados se constituem durante as enunciações dos sujeitos interlocutores.
Estas autoras registraram ainda um ponto importante do desenvolvimento da
36
atividade matemática em sala de aula: professor e alunos raramente se
preocupam em explicar a(s) idéia(s) de sua argumentação que tornam válidas
as estratégias que utilizam para resolver um exercício. O pensar matemático
ficou implícito durante toda a atividade que observaram. Parece-nos que nessa
atividade houve, por parte dos sujeitos (professor e alunos), uma valorização
dos procedimentos de resolução, fossem eles quais fossem, não importando os
motivos que os levaram a utilizar um ou outro. Para eles importava apenas se o
procedimento adotado levava ao resultado pedido pelo exercício.
Em sua prática profissional, tanto na fase de planejamento
como na gestão da sala de aula, o professor de matemática está sempre
escolhendo ou criando exercícios e/ou problemas para ensinar determinado
conteúdo. Mas, afinal, por que temos sempre falado em exercícios e problemas?
Qual é a diferença? Por que não apenas problemas de Matemática? Na verdade,
há uma certa confusão na utilização desses dois termos nos livros didáticos, no
meio escolar e até no meio acadêmico.
No dicionário de Filosofia de Abbagnano (1982), lê-se que:
a) quando nos deparamos com uma certa situação
indeterminada que constitui um ponto de partida para
indagação;
b) diante dessa situação nos vemos na necessidade de refletir
conscientemente para alcançar um determinado fim que
possivelmente a melhorará;
c) para isso há uma necessidade de procurar, de inventar, de
investigar, de supor, de propor, de testar, enfim, de pensar.
Então essa situação se constitui num problema.
Embora não se referindo diretamente a problema, existe, num
sentido bem semelhante a esse que se induz da descrição do dicionário, a idéia
elaborada por Dewey (1979) de um “pensamento reflexivo” perante situações
que nos fazem “preparar, realizar invenções possíveis e enriquecer as coisas
com significado” (GAZIRE, 1998, p. 70-71). Uma situação assim, que nos
coloque em tal estado de excitação do pensar, é, segundo Polya (1997), um
problema.
37
Abrir uma porta fechada quando dispomos do material
suficiente para isso, por exemplo, não é um problema. Porém, se nossa chave
apresenta um pequeno defeito e temos que descobrir uma maneira de saná-lo
imediatamente a fim de abrir a porta, tentaremos virar a chave com mais ou
menos intensidade, introduzí-la com mais ou menos profundidade na
fechadura ou até improvisar um arame. Com efeito, essa situação não será
apenas um exercício, mas um processo no qual precisamos refletir para
encontrar possibilidades e quem sabe encontrar uma ou até várias soluções,
portanto, essa situação é um problema.
Existe uma classificação, elaborada por Butts (1997), para
enunciados de exercícios e problemas, que utilizaremos para os exercícios e
problemas usados pela professora durante as aulas observadas. Esse autor
apresenta cinco tipos diferentes de enunciados:
a) “Exercícios de reconhecimento”: são os que pedem ao
resolvedor apenas para reconhecer ou recordar um fato, uma
definição ou o enunciado de uma teorema;
b) “Exercícios algorítmicos”: o próprio nome já sugere que são
aqueles exercícios nos quais há um algoritmo ou um
procedimento passso-a-passo para sua solução;
c) “Problemas de aplicação”: são aqueles nos quais a principal
tarefa a ser realizada é transformar a linguagem do enunciado
do problema em linguagem matemática;
d) “Problemas de pesquisa aberta”: são problemas cujo
enunciado não sugere estratégias para sua resolução.
Normalmente solicitam que o resolvedor prove algo, encontre
todos os casos possíveis, etc;
e) “Situações-problema”: são situações em que o resolvedor deve
primeiro identificar o(s) problema(s) inerente(s). Não há um
problema explícito, há uma situação para se pensar.
Buriasco (1995, p.2) salienta que os três primeiros tipos são os
que mais se encontram nos livros didáticos e que o “fato de conterem a
estratégia para sua resolução nos próprios enunciados é característica comum
38
entre eles”. Concordamos, assim como a autora, que aqueles que realmente
podem oportunizar ao aluno a experiência de resolver um problema são os
contemplados nos itens d e e porque os enunciados desses tipos de problemas
não explicitam os meios para resolvê-los. Nestes, faz-se necessário refletir sobre
o que fazer e quais as melhores formas para tal: podemos chamá-los de
problemas.
Embora exista uma “área nebulosa” entre essas categorias,
como afirma Butts (1997), pensamos que elas nos são eficientes para classificar
o material colhido no campo.
39
3 O FOCO DO NOSSO OLHAR
A dimensão de racionalidade, presente na definição de saber,
está relacionada com a argumentação, pois se configura como discurso(s),
necessário(s) em certos momentos por parte de alguém perante outro(s), nos
quais um ator propõe razões para justificar seus atos. Ainda, aquilo que é
conteúdo racional (ou não) é definido em função da discussão e dos argumentos
apresentados pelos atores e do contexto no qual estão fazendo e dizendo, não
há um modelo preconcebido (TARDIF, 2002).
O acolhimento dessa idéia, do que é racional, mostra-se
conveniente para nosso estudo, uma vez que “ela permite restringir nosso
campo de estudo aos discursos e às ações cujos locutores, os atores, são
capazes de apresentar uma ordem qualquer de razões para justificá-los”
(TARDIF, 2002, p. 198).
Então, depois de tudo o que explanamos sobre a prática docente
(as relações de poder no currículo, as relações que o professor estabelece com
esse currículo, a relação de exterioridade com os saberes acadêmicos, a
produção de saberes práticos, os aspectos sociais, as práticas de significação
em sala de aula, etc.), caberia novamente perguntar o que faz e diz um
professor em sala de aula, mas, depois de integrarmos ao nosso olhar muitos
outros, um tanto quanto menos ingênuos, perguntamos: Que relações há entre
o que faz e diz um professor em sala de aula e os saberes? E, por estarmos
cientes de que o professor é o responsável pela gestão da interação alunos-
saber escolar (LLINARES, 1999), nosso olhar também nos faz questionar: Quais
relações estabelece o professor que ensina matemática com as atividades
(exercícios e/ou problemas) que propõe? E, por conseguinte, qual a sua relação
com os saberes curriculares? Pois, pensamos ser por meio do manejo
(planejamento, escolhas de atividades e maneiras de fazer, produção e/ou
desenvolvimento de atividades, etc) do currículo17 que o professor acaba
mostrando qual a natureza de sua relação com os saberes curriculares e acaba
nos mostrando seu olhar sobre os conteúdos que tem que ensinar, já que,
17 Como já referimos anteriormente, Ponte (2002) explica que há três maneiras de se relacionar
com o currículo: como uma lei, como um guião, como uma práxis.
40
como mostra Edwards (1997, p.23), cada uma das estratégias e formas de
ensinar atribui um certo sentido ao que se quer ensinar.
Agora, se enquanto investigadores pudermos nos considerar
como o ator que questiona a outro, que solicita do professor as razões de seu
agir, ao nosso olhar sobre a figura do professor em sala de aula poderemos
integrar outras buscas norteadoras: Em que situações o professor considera
oportuno utilizar, ou não, essa ou aquela atividade? Quais seus objetivos e
justificativas para as escolhas que faz? Que atitudes toma perante situações
inesperadas da prática que envolvem a relação professor-aluno-saber escolar?
Como se mostram seus dizeres pelos seus fazeres? Ainda, que relações
estabelece o professor que ensina matemática com os seus saberes? Enfim, o
que queremos é, por meio da análise dos dizeres e fazeres de um professor
enquanto ensina, desvelar, a partir das situações, de seus fazeres e de seus
dizeres, quais são as características da racionalidade desse ator.
Porém, as razões que os atores dão ou elaboram para se orientar
“não correspondem necessariamente às ‘condições objetivas’ que determinam a
orientação de sua ação” (TARDIF, 2002, p. 204). Ou seja, “os atores não fazem
sempre o que dizem fazer e não dizem necessariamente, inclusive a si mesmos,
o que fazem efetivamente”. (TARDIF, 2002, p. 204). Ora, se pode haver
incoerência entre dizeres e fazeres, talvez dizer que ensinamos Matemática a
partir da estratégia da Resolução de Problemas pode mostrar-se de maneira
diferente na prática em sala de aula. Pode não significar exatamente isso, talvez
nem mesmo seja similar ao proposto pelos PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais). Será que o discurso assumido pelo professor, seja influenciado
pelos PCN, seja pelo livro didático, etc. mostra-se de fato na sua prática?
Haverá, então, algum grau de incoerência entre os dizeres e os fazeres de um
professor que ensina Matemática?
Por considerarmos que a proposição e o desenvolvimento das
atividades que envolvem a resolução de exercícios e problemas aparecem
preponderantemente em aulas de matemática, nosso interesse de estudo foca-
se então nessas atividades.
Tendo colocado questões que nos orientaram no decorrer do
estudo, percebemos que elas focalizam nosso olhar para aquilo que faz e diz um
41
professor. Mais especificamente, nosso trabalho consistirá em caracterizar os
dizeres e fazeres de um professor de matemática durante a gestão da interação
alunos-saberes escolares (LLINARES, 2000), ou seja, durante a proposição e o
desenvolvimento de atividades em sala de aula. Para tal, nessa análise sobre
essa gestão, nos interessa caracterizar: as situações e as maneiras como ele
apresenta aos alunos os enunciados que escolhe do livro didático ou de outra
fonte; esses enunciados segundo classificação de Butts (1997); as estratégias
de gestão (dinâmicas, conversas, trabalhos em grupo, atribuição de pontos nas
médias, etc.) que utiliza para desenvolver as atividades que propõe; e como
explica e resolve esses enunciados em sala de aula. Com isso em mãos,
tentaremos comparar as maneiras de o professor apresentar e solucionar os
enunciados de exercícios e/ou problemas com as maneiras indicadas pelo livro
didático, assim como caracterizar a relação do professor com o livro didático.
42
4 A PERSPECTIVA DO NOSSO OLHAR
A tentativa de melhor compreender a prática docente nos faz
abordar a situação escolar em uma perspectiva qualitativa, porque precisamos
adentrar um ambiente natural de sala de aula para atribuir significados,
mediante nossos olhares, às práticas docentes e, ainda, cientes de que nosso
olhar não é isento de nossa história (VEIGA-NETO, 2002), descrever
detalhadamente as situações de sala de aula. Para tanto, seguimos um
processo indutivo de investigação e análise das informações obtidas que,
embora influenciado pelos campos de significação do pesquisador, será
submetido aos aportes teóricos que nos orientam por serem estes que nos
ajudam a interpretar (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Neste ponto, já nos é claro que
ficaremos longe de construir o real, o verdadeiro. Entretanto buscaremos
mostrar nossos caminhos e olhares, os quais podem suscitar outros, diferentes,
e, dessa maneira, podemos vir a contribuir para que se aprofunde, cada vez
mais, a compreensão sobre a prática docente.
No intuito de caracterizar os dizeres e fazeres de um professor
quando propõe e desenvolve atividades com seus alunos, sobretudo exercícios e
problemas, nosso primeiro passo foi constituir um estudo de caso utilizando as
ferramentas metodológicas da pesquisa qualitativa. Essa escolha se deve ao
fato de estarmos acordados com fundamentos teóricos do paradigma de
pesquisa qualitativa, aos quais se referem Bogdan e Biklen (1994). Dentre eles,
cabe destaque aos concernentes à realidade que, segundo esses autores, está
sempre em constituição porque “não é mais do que o significado das nossas
experiências” e, neste estudo, interessa-nos especialmente saber qual “o
significado que constroem os sujeitos para os acontecimentos das suas vidas
cotidianas” em sala de aula. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 54).
4.1 A QUEM OLHAR?
Pelo desenvolvimento de nosso trabalho, desde o ponto de
partida suscitado pelos nossos olhares ingênuos, passando por alguns estudos
de dizeres e fazeres dos professores, assim como de seus saberes, queremos
43
olhar para o que acontece em uma sala de aula, de uma 8a série do Ensino
Fundamental, na qual lecione um professor que se enquadre nas seguintes
características: ser formado em Matemática; entre os seus fazeres para ensinar
seja freqüente a utilização de exercícios e/ou problemas; não exercer outra
profissão que interfira de alguma forma com sua prática como professor (como
coordenador pedagógico, diretor, etc.); concordar em participar do estudo e
dispor de horário compatível para tal.
Este estudo de Mestrado e o de Furlanetto (2003)18, também
mestrando em Educação e da mesma turma do autor deste trabalho,
começaram a ser pensados juntos mediante discussões das quais participavam
a Profa. Dra. Elsa M. M. Pullin19, a Profa. Dra Regina Luzia Corio de Buriasco20 e
seus dois respectivos orientandos. Essas discussões nos fizeram direcionar os
trabalhos para séries diferentes, o de Furlanetto (2003) para a 4a série do
Ensino Fundamental, com foco principal nos enunciados de exercícios e
problemas utilizados pelo professor, e o nosso para a 8a série do Ensino
Fundamental, mais preocupado com as maneiras de fazer e dizer do professor
quando propõe exercícios e problemas aos seus alunos. Ambos os trabalhos
interessados na temática dos saberes docentes.
A justificativa para o segundo critério de escolha do sujeito
baseia-se em nosso pressuposto de a Matemática caracterizar-se como uma
ocupação/trabalho humano comprometido com a resolução de problemas; uma
ocupação que utiliza uma linguagem simbólica e um sistema conceitual que
são, ou têm sido, logicamente organizados e socialmente constituídos e
compartilhados (GODINO; BATANERO, 1995).
Tivemos grande dificuldade para encontrar um professor que se
enquadrasse no último critério de seleção, ou seja, houve uma certa
resistência, ora por parte dos professores ora por parte da própria escola, em
participar do estudo. Nas poucas vezes em que houve uma resposta positiva, o
horário de aulas do professor era incompatível com o horário do pesquisador,
_____________ 18 FURLANETTO, Flávio R. O Cotidiano em Aulas de Matemática: análise dos enunciados de
problemas como indício dos saberes de uma professora. 2003. Qualificação. (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
19 Orientadora de Furlanetto. 20 Orientadora deste trabalho.
44
que, na época, freqüentava as disciplinas do Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Após procurarmos em
diversas escolas sem obter êxito, nossa orientadora sugeriu alguns professores,
seus conhecidos, que talvez aceitassem participar do estudo.
Pudemos começar a olhar para um caso de estudo após o
aceite21 de uma Professora22 que ensina Matemática na 8a série do Ensino
Fundamental de uma Escola Estadual de Londrina-PR, e que, ao ensinar certo
conteúdo, ela escolhe e/ou cria, depois enuncia e desenvolve certos exercícios
ou problemas em sala de aula.
4.2 DE Q UE MANEIRAS OLHAR?
Os encontros com o campo de pesquisa aconteceram, no ano de
2002, de final de setembro até meados de dezembro, mediante observações nas
quais optamos pelo registro cursivo das ocorrências em sala de aula,
descrevendo eventos relacionados à gestão do processo de ensino e
aprendizagem, com atenção especial quando a Professora propunha exercícios
e problemas. Houve a preocupação em registrar todos os enunciados que se
referiam à proposição das atividades exercícios e problemas, assim como a de
caracterizar as maneiras como esses eram propostos pela Professora. Ao final
de cada aula, conversávamos com a Professora na tentativa de esclarecer
alguns pontos da aula assistida – algo anteriormente combinado com ela. Essas
conversas informais procederam-se normalmente como um papo entre colegas
de profissão, sobretudo porque a Professora se mostrou muito receptiva e
aberta a explicar o que fazia, esclarecendo aquilo que perguntávamos sobre a
aula dada, a conversar sobre os alunos, sobre os problemas com os quais se
deparava, sobre a profissão docente, sobre a Matemática, etc. Essas
informações eram acrescentadas ao Diário de Campo.
Em nosso Diário de Campo, optamos por fazer dois tipos de
anotações. Nas páginas ímpares anotávamos as informações coletadas durante
_____________ 21 Veja Apêndice A: Termo de Consentimento Esclarecido. 22 Essa professora é o único sujeito deste estudo, portanto, não lhe daremos nenhum nome
fictício, apenas a chamaremos Professora.
45
as observações (o registro dos fatos); nas pares, notas explicativas para
detalhar melhor algumas informações das páginas ímpares. Assim, já durante o
processo de coleta, queríamos nos organizar no sentido de destacar alguns
pontos para, imediatamente, olhar com mais atenção durante as próximas
observações e, futuramente, poder interpretar mais apropriadamente os fatos.
Também tínhamos o objetivo de refletir sobre o papel do observador, dentro da
sala de aula, enquanto alguém que, ao anotar o que vê, deve tentar não julgar
os fatos cercando-os de pré-conceitos, mas sim interpretá-los com ajuda dos
fundamentos teóricos que o orientam.
A Professora ministrava quatro aulas semanais nessa 8a série:
uma aula nas segundas-feiras, uma aula dupla nas quintas-feiras e uma aula
nas sextas-feiras. Esta última era reservada para o desenvolvimento de um
projeto que ocorria na escola envolvendo várias disciplinas de diferentes séries,
o “Projeto Vale Saber – Arte e Vida em Xadrez”. Portanto, nessa aula, a
principal atividade dos alunos era jogar xadrez, além de se inteirarem das
histórias e lendas do jogo, aprenderem diferentes estratégias, etc. Decidimos
observar somente as aulas das segundas e quintas-feiras, pois nos pareceu que
as informações provenientes dessas aulas se enquadrariam melhor nos
objetivos do nosso estudo.
Durante o período de realização das observações, assistimos a
15 aulas, 11 observações, pois, uma observação corresponde ou a uma aula
simples (50 min de duração) ou a uma aula dupla (1h40 min de duração),
dependo do dia, segunda ou quinta-feira. Então, por exemplo, a 6o observação
corresponde ao 6o dia que fomos à escola assistir às aulas. Não consideraremos
cada aula como uma observação para não quebrar a continuidade das aulas
duplas.
Em uma ocasião precisamos substituir a Professora (4a Obs.),
atendendo ao pedido da coordenação da escola, e em outra (6a Obs.) assistimos
ao Conselho de classe, atendendo ao convite da própria Professora.
Consideraremos como se fossem duas observações porque, nesses dias,
também coletamos informações, seja da turma ou da Professora em outro
ambiente profissional. Portanto, realizamos 13 observações. Ao substituir a
Professora numa das aulas, optamos por conversar de maneira descontraída
com os alunos sobre profissões, sobre o time de futebol da classe, entre outros,
46
e por desenvolver atividades ligadas ao jogo de xadrez.
Bogdan e Biklen (1994, p.125) citam dois papéis extremos entre
os quais transitam os investigadores de campo. Falam do “observador
completo”, que não participa de nenhuma das atividades do local onde decorre
o estudo, apenas observa a situação, e, no extremo oposto, referem-se àquele
que tem um grande envolvimento participativo com a instituição ou com as
pessoas do local de observação. Lüdke e André (2001, p.27-28), citando
Junker, falam do “participante como observador”, aquele que varia entre os
extremos “total explicitação” do seu papel e propósitos e “não-explicitação”.
Assim como esses primeiros autores, pensamos que nossa
posição variou durante o estudo num “Contínuo Participante/Observador”
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.125). Sabíamos, de antemão, que não nos
localizaríamos em qualquer um dos extremos, pois não era nossa vontade
interferir na prática da Professora em sala de aula, mas também não estava
pré-determinado qual o grau de envolvimento que se estabeleceria entre os
participantes e nós. Decorreu que, devido aos contextos, pouco interferimos
durante as aulas, a não ser nas raras ocasiões em que nos foi solicitado, pela
Professora ou por algum aluno, que falasse para o grupo. A nossa posição
inicial era a de que, dentro da sala de aula, estaríamos abertos a quaisquer
questionamentos por parte dos alunos ou do professor; mas apenas
iniciaríamos diálogo com os estudantes se realmente fosse necessário
esclarecer algo. Isso porque, além de o nosso foco de investigação centrar-se no
docente, tínhamos consciência de que estávamos ali dentro como intrusos em
um ambiente, como estrangeiros, por isso não tínhamos o direito de incomodar
mais.
Durante o período de observação, também coletamos
informações de outras fontes: do livro didático adotado pela Professora
(IMENES; LELIS, 2001), de duas provas que ela realizou com aquela 8a série e
do projeto pedagógico da escola.
Depois de finalizado o período de observação e de ter iniciado o
processo de análise das informações coletadas, ainda realizamos duas
47
entrevistas semi-estruturadas23 com a Professora: a primeira ocorreu numa
sala de aula da escola onde realizamos as observações, com duração de cerca
de duas horas e meia; a segunda, na residência da Professora e durou
aproximadamente duas horas. Com esses instrumentos tínhamos os objetivos
de esclarecer alguns pontos notados nas observações pedindo algumas
justificativas da Professora sobre aquilo que ela realizou nas aulas, de solicitar
sua opinião e/ou idéias sobre o currículo, sobre o livro didático, sobre os PCN,
sobre os conteúdos matemáticos, sobre suas maneiras de fazer em sala de aula
e fora dela (como o planejamento anual da disciplina e como seus critérios de
avaliação, por exemplo). Pudemos, também, principalmente na primeira
entrevista, retirar algumas informações sobre a experiência profissional da
Professora, sobre sua formação acadêmica e sobre o ambiente de trabalho na
escola. A segunda entrevista serviu para retomar algumas questões da
primeira, ou para esclarecer as respostas dadas ou porque queríamos
continuar a ouvir o que a Professora tinha a dizer a respeito de um
determinado assunto. Vale lembrar que foram entrevistas semi-estruturadas,
portanto, não nos preocupamos em seguir à risca as questões contidas nos
Apêndices B e C.
Tendo em mãos todo esse material coletado, o processo de
análise já vinha se desenvolvendo, como já dissemos, antes mesmo das duas
entrevistas, o que nos ajudou a melhor formular as questões, inclusive. Esse
processo iniciou-se num exercício repetitivo de leituras do Diário de Campo no
qual sublinhávamos aquilo que considerávamos importante, registrávamos
alguns comentários nas margens de cada folha, sugeríamos hipóteses ou
colocávamos em dúvida. Com esse processo a intenção foi a de observar
padrões de procedimentos e hábitos da Professora, assim como de classificar
suas atividades, de tentar entender suas razões a partir daquilo que havíamos
anotado das conversas informais. Na tentativa de fazer inferências, de formular
hipóteses construídas a partir do conjunto de informações coletadas, acabamos
construindo o que chamamos Grupos de Procedimentos Padrão da Professora,
os quais apresentaremos mais adiante. Tendo definido os Grupos, montamos
também um percurso da prática da Professora, observação a observação, o qual
_____________ 23 Veja Apêndices B e C.
48
apresentaremos no Quadro 2. Depois disso, pensamos que seria importante
detalhar o desenvolvimento de alguns episódios de sala de aula para pontuar
algumas características da prática da Professora. Estabelecendo um
contraponto com os fatos da prática observada em sala de aula, as informações
contidas nas entrevistas foram usadas de maneira arbitrária, aparecendo nos
momentos da análise que consideramos adequados para mostrar, ou não, e
para discutir a ambigüidade existente entre os fazeres e os dizeres da
Professora (TARDIF, 2002).
Embora esta seja a versão final deste trabalho, acreditamos que
o estudo está sempre em andamento, pois a todo momento há a possibilidade
de nosso olhar ver algo que anteriormente não havia notado – o que de fato vem
acontecendo conosco, sobretudo por incorporarmos novas leituras e, portanto,
novos olhares ao nosso olhar - e, então, há a necessidade de voltar ao Diário de
Campo, às informações das entrevistas, aos fundamentos teóricos e continuar
um processo de (re)elaboração e de refutação, ou não, das hipóteses que
construímos.
49
5 NOSSO OLHAR SOBRE AS INFORMAÇÕES COLETADAS
5.1 ONDE OLHAMOS
Localizada na zona oeste da cidade de Londrina-PR, a escola, na
qual leciona a Professora, comporta 849 alunos distribuídos conforme mostra a
Tabela 1.
Tabela 1– Número de Alunos Matriculados por Período - ano de 2002.
Ensino\ Período Matutino Vespertino Noturno Total
Ensino Fundamental 119 262 49 430
Ensino Médio 162 - 257 419
TOTAL 281 262 306 849
Fonte: Projeto Pedagógico da Escola para o ano de 2002
O espaço e o tempo, segundo Edwards (1997), são os elementos
mais gerais, determinantes externos, que demarcam o que acontece na sala de
aula. Eles tanto se impõem aos sujeitos como também dão continuidade ao
cotidiano da aula. No nosso estudo, esses elementos aparecem marcando
fortemente o dia-a-dia dos sujeitos, sobretudo por se tratar de um ambiente um
tanto desconfortável. Deparamos-nos com uma escola de porte médio, na qual
a sala de aula da 8a série, em que lecionava a Professora, oferecia uma
estrutura inadequada para os seus 26 alunos: ventilação precária e o espaço
físico relativamente pequeno para a quantidade de alunos. Esses fatores
determinantes obrigavam o professor, sujeito também responsável pela
organização do espaço, mediante negociação com os estudantes, a dar aulas
em outros lugares da escola: o pátio, o laboratório ao lado da sala de aula e a
biblioteca. Tomadas de decisões que, a priori, tinham somente a preocupação
com o bem estar dos alunos. No caso da biblioteca, porém, a Professora
aproveitou para fazer com que os alunos utilizassem os outros livros didáticos
de matemática ali disponíveis.
50
Como podemos observar na Figura 1, tratava-se de uma sala
com aproximadamente nove metros de comprimento e cinco metros de largura.
A mesa da Professora situava-se à esquerda e à frente do observador, que
escolheu variar sua posição nas quatro carteiras do fundo.
Figura 1 – Uso do espaço da sala de aula onde ocorreram as
observações.
Havia nove meninos e 17 meninas que costumavam se
acomodar de maneira pouco variável pelas carteiras durante as observações: os
meninos sentavam-se em sua maioria no fundo, com exceção de três deles que
se alternavam nas duas fileiras em frente à mesa da Professora. Os estudantes
eram consideravelmente agitados, vistos pela escola como uma das classes
mais problemáticas no que se refere à discipl ina. A coordenadora pedagógica da
escola, a Professora e até outros professores comentavam isso conosco. Os
alunos que se sentavam no fundo da sala, principalmente, não se preocupavam
com as atividades desenvolvidas pela Professora, não faziam as tarefas
propostas e passavam a maior parte do tempo dispersos – conversando
assuntos diversos, muitas vezes sobre futebol. Havia uma interação verbal e
física constante entre esses sujeitos, o que sempre se tornava motivo de
advertências por parte da Professora que zelava pelo controle da disciplina e
pelo silêncio na turma, embora raramente o conseguisse efetivamente. Segundo
9 m
Janelas
Porta de
entrada
Lousa
Mesa da
Professora
5 m
Carteiras
51
a Professora e a coordenadora da escola, alguns alunos estavam envolvidos
com drogas e apresentavam problemas familiares graves.
5.2 A QUEM OLHAMOS
É uma Professora formada em Licenciatura Plena em
Matemática pela Universidade Federal do Paraná, no ano de 1976. Segundo ela,
não foi uma boa formação porque havia muitas disciplinas de Matemática e
somente algumas relacionadas à prática pedagógica, das quais não se recorda
muito bem, mas eram cerca de duas, e entre elas estava o estágio de docência.
Também fez Magistério, em nível Médio, e lecionou durante 6 meses, antes de
começar a faculdade, cumprindo o estágio obrigatório. Sobre sua formação, ela
diz:
Foi média.... médio. Era só matemática quase, praticamente matemática pura e aquelas disciplinas de, como é que se diz, é .... de prática [o entrevistador diz Prática de Ensino]. Alguma coisa assim, não me lembro bem, não é Prática de Ensino, tem um outro nome, tinha um outro nome. Mas não foram muitas não, tinha uma ou duas assim. (1a Entrevista)
No segundo ano da Licenciatura em Matemática, ela já começa a
lecionar como professora substituta; fato que a fez desistir da possibilidade de
cursar as disciplinas restantes para se formar em Arquitetura quando acabasse
a Licenciatura, pois havia percebido, conforme nos disse, que realmente
gostava de ser professora de Matemática – disciplina com a qual sempre teve
afinidade.
Além de ter lecionado entre três e quatro anos sem estar
formada, como profissional ela leciona há 23 anos, sendo os últimos sete anos
na escola onde realizamos o estudo, na qual ministra aulas para a 8a série e
para o Ensino Médio, tendo também lecionado Física por alguns anos. Lecionou
em quase todos as séries da Educação Básica, com exceção da 2a, 3a e 4a séries
do Ensino Fundamental. Exerceu o cargo de diretora por um período de quatro
anos. Fez cursos de formação continuada, mas não foram muitos, e participou
de alguns encontros de Matemática. Participou de dois cursos de
especialização, mas não os concluiu. Um deles, em 1992, de cujo nome ela não
52
se recorda, mas era sobre Educação Infantil e outro, no ano de 2000, em
Educação Matemática, na Universidade Estadual de Londrina. Logo após nos
contar sobre esses cursos, ela acrescenta:
Mas no início, quando eu comecei a dar aulas, uma pessoa que me orientou muito, foi excelente, foi a supervisora, minha supervisora. Ela foi uma pessoa ‘fora de série’, ela chegou pra mim e falou: ‘Professora, isso e isso e isso não está bom, pense o que você pode fazer pra melhorar.’ Então, eu acho que isso é muito importante hoje em minha formação, mais do que as outras coisas. (1a Entrevista)
Apesar de gostar muito do ambiente profissional da escola, a
Professora diz sentir falta de reuniões de professores por área, pois pensa que,
nessas ocasiões, podem ocorrer trocas de experiências e um planejamento
melhor.
Uma coisa que eu acho que falta aqui é um determinado momento para se discutir por área. Pra quem tem 40 horas, tem oito horas de hora atividade. Então, essas oito horas de atividade deveriam ser, pelo menos duas dessas oito horas, deveriam ser pra essa área se reunir. Por exemplo, quem faz parte da área de exatas, poderia ter uma vez por semana, ou de 15 em 15 dias, uma reunião com a minha área. Por que agente discute, ‘mas é assim mesmo’, né, a gente troca quando se encontra, eu acho que falta isso. (1a Entrevista, grifo nosso)
O saber do professor, como explana Tardif (2002), é uma
construção coletiva que se caracteriza como uma prática argumentativa
exercida por atores dentro de uma comunidade de discussão. Vemos que a
Professora, de certa forma, valoriza essa troca de experiências sobre a qual se
refere e na qual poderiam ocorrer essas práticas argumentativas. Podemos
observar, nesse ponto, uma espécie de relação crítica por parte da Professora
com os saberes disciplinares e com os saberes da sua formação profissional
(TARDIF, 2002), ou pelo menos uma espécie de valorização de sua experiência
profissional, sobretudo dos aspectos de convivência e aprendizado em grupo,
pois, ao lhe perguntarmos sobre sua formação inicial e continuada, ela fala
breve e superficialmente sobre isso fechando sua fala referindo-se à supervisora
com quem muito aprendeu – algo que nem havíamos perguntado naquele
momento. Ou seja, quando lhe perguntamos sobre formação, ela considera sua
experiência e as trocas com outros professores como elementos importantes.
53
O fato de a Professora não se recordar muito bem das
disciplinas pedagógicas, apenas da disciplina na qual realizou seu estágio de
docência, nos faz pensar em algumas possibilidades. Passados 23 anos, é
perfeitamente normal não se lembrar detalhadamente de algumas coisas,
porém, como ela nos disse, enquanto cursava a Licenciatura ela já lecionava.
Não teriam essas disciplinas fornecido algum tipo de subsídio à prática da
Professora de tal maneira que ela diria o quão importante elas foram,
lembrando-se até sobre o que versavam? Afinal, se a crítica é a de que na
formação docente o professor realiza estágio somente no último ano, seguindo o
modelo chamado de três para um24 (SCHNETZLER, 2001), por que será que a
Professora salienta que fez estágio, que dava aulas, que essas aulas foram
importantes para sua tomada de decisão em seguir a profissão, que considera
seu aprendizado com a Supervisora como elemento importante de sua
formação, mas, ao mesmo tempo, desconsidera ou esquece das contribuições
que os saberes disciplinares e os saberes oriundos das ciências da Educação
poderiam ter-lhe dado?
Não esperamos responder essa pergunta. Ela perde sua eficácia
argumentativa no momento em que há a possibilidade de ter ocorrido um
simples lapso de memória por parte da Professora. Algo que nunca saberemos
ao certo. No entanto, ainda assim, pensamos ser um ponto interessante a ser
pensado.
Em traços gerais, durante suas aulas a Professora raramente se
sentava, apenas o fazendo quando entrava e acomodava seu material de
trabalho (livros, caderneta, bolsa). Freqüentemente ela andava pela sala
respondendo às dúvidas que os alunos apresentavam ou mesmo conversando
sobre aspectos da escola, da cidade, etc. No entanto, suas explicações e outras
falas eram normalmente realizadas à frente da classe. Ao apresentar ou
explicar um exercício ou problema, quando não indicava somente a página do
livro didático adotado (IMENES; LELIS, 2001), ela utilizava a lousa. Apenas
duas vezes preferiu ditar problemas que não se encontravam no livro didático.
Passou-nos a impressão de ser uma profissional muito dedicada
_____________ 24 Três anos de teoria e um ano de prática.
54
e preocupada com seus alunos, ciente do contexto e dos problemas que
circundam a vida deles e, por isso, mostrou-se sempre aberta para eles,
disposta a conversar e a entendê-los.
Como vemos, embora tenhamos chamado o sujeito deste estudo
de Professora, de modo algum sua identidade se encerra nessa identificação ou
nesse nome instituído por outros e por nós utilizado. Silveira (2003) nos alerta
para esse fato e por isso lembramos que a Professora deste estudo é um sujeito
que tem sua história, suas expectativas, seus planos, suas frustrações, enfim,
uma experiência que constrói sua identidade. O mesmo acontece quando nos
referirmos, mais adiante, aos alunos chamando-os de A1, A2, etc. A opção por
chamá-la Professora é, então, apenas uma questão de praticidade, já que é a
única participante do estudo.
A partir dos registros feitos no Diário de Campo, tentamos
apontar estratégias, procedimentos e hábitos da Professora que apareceram
com freqüência ou que se assemelharam por algum motivo. Conseguimos
construir então o que chamaremos de Grupos de Procedimentos Padrão da
Professora. Pensamos que, em alguns desses grupos, mediante nossa tentativa
de discussão e análise, as práticas da Professora contempladas poderão se
relacionar com as questões dos saberes docentes, da racionalidade da
Professora, das relações de exterioridade, entre outros aportes teóricos que
temos delineado. Essas discussões, portanto, apareceram arbitrariamente
durante a descrição e os comentários de cada grupo.
5.3 GRUPOS DE PROCEDIMENTOS PADRÃO
Indicados pelas letras de A a F, seguem-se a caracterização dos
grupos, a freqüência de sua ocorrência e alguns exemplos. Alguns grupos
possuem subgrupos que serão indicados pela abreviação sub., seguida da letra
correspondente ao grupo ao qual pertence e de uma indicação numérica para o
caso de grupos com um ou mais subgrupos. Por exemplo, sub. B.2, significa 2o
subgrupo de Procedimento Padrão do Grupo B.
55
A: Maneiras de Apresentar os Enunciados de Atividades
Configurando-se as aulas com grande quantidade de exercícios
e problemas (28) e sendo sete o número dos que foram propostos como tarefa
para casa (exercícios do livro didático que a Professora indicava), observamos
que a Professora propôs 21 atividades exercícios e/ou problemas para serem
desenvolvidas em sala de aula. Para estas atividades, identificamos três
procedimentos padrão quanto à maneira como foram apresentados pela
Professora:
Sub A.1: Exercícios que valeriam pontos na média
Observamos, para os seis exercícios que valeriam pontos na
média, que a Professora seguia uma maneira habitual de apresentá-los: ela
escrevia o enunciado do exercício na lousa, falava aos alunos o que tinham que
fazer, dava um tempo para que eles resolvessem enquanto caminhava pela
classe atendendo as dúvidas daqueles alunos que a chamavam, anotava os
pontos na caderneta para aqueles que lhe mostravam o exercício resolvido e,
por último, resolvia o exercício na lousa detalhando os procedimentos.
O fato descrito a seguir pode exemplificar esse subgrupo:
Dizendo que daria um ponto a quem fizesse, a Professora
escreveu o seguinte exercício na lousa e pediu que verificassem se era
verdadeira a igualdade das equações (3a Obs., Ativ. 1)25.
( )22 244 −=+− xxx
Começou a andar pela classe atendendo às dúvidas de três
alunos, o que demorou aproximadamente três minutos, voltou para sua mesa
para anotar os pontos de cinco alunos que se dirigiram até ela e depois foi à
_____________ 25 Abreviação de Terceira Observação, Atividade 1.
56
lousa para resolver e explicar o exercício. Nessas ocasiões, os alunos se
apressavam a fazer a atividade e havia uma mobilização de quase toda a classe,
inclusive daqueles que corriam para tentar copiar a resolução de um colega.
Sub. A.2: Exercícios que não valeriam pontos na média
Tão logo escrevia na lousa, a Professora já começava a resolver e
a explicar o exercício, ou então apenas iniciava a resolução, indicando o
caminho que os alunos deveriam seguir, e começava a andar pela classe.
Foram 12 ocorrências desse tipo. Tais situações causavam uma
certa acomodação por parte dos alunos. Aqueles que sempre copiavam os
exercícios de um outro colega e alguns dos que costumavam tentar resolver se
dispersavam, conversando com outros alunos ou fazendo qualquer outra coisa,
pois esperavam para copiar a resolução da lousa. Nessas ocasiões, a classe
geralmente ficava mais dispersa que o normal.
Exemplos desse caso são os seguintes exercícios (3a Obs., Ativ.
2; 1a Obs., Ativ. 4) postos na lousa pela Professora:
0442 =+− xx
a = acb 42 −=∆
b =
c = a
bx
2∆±−=
E,
57
0)5( 2 =−x
( )( )=++ 55 xx
No primeiro exemplo, ela pediu aos alunos que resolvessem
“usando o delta”, explicando que deveriam descobrir os termos a, b e c, calcular
o valor do delta e calcular os dois valores para x. No segundo caso, pediu para
descobrirem o valor de x. Podemos registrar que, em ambos enunciados, ela
começou a esboçar os cálculos a serem feitos. Ela também andava pela classe,
mas o tempo dado para os alunos resolverem era menor do que quando se
tratava de um exercício que valia ponto na média.
A diferença, portanto, entre esse subgrupo e o anterior está
nessa questão de começar um esboço da resolução do exercício e deixar pouco
tempo para os alunos resolverem.
Com exceção de dois exercícios26 (de outros livros didáticos da
biblioteca da escola), todos os outros contidos nesses dois subgrupos estão no
livro didático (IMENES; LELIS, 2001), e a única indicação do livro de como
utilizá-los diz respeito a quais devem ser feitos em classe e quais devem ser
propostos como tarefa. A Professora não se preocupava com isso e escolhia os
exercícios à sua maneira.
Também, no livro, podemos observar a seguinte seqüência de
itens do conteúdo do capítulo 3 intitulado “Equações e Sistemas de Equações”
(IMENES; LELIS, 2001, p. 73-108): “Mais Resoluções por Fatoração” (p. 84-89)
e “A Fórmula de Báskara” (p.90–94). Há outros itens27, antes e depois desses,
no mesmo capítulo, mas nossas observações contemplaram apenas essa
seqüência utilizada pela Professora. Na 1a e 2a Observação (duas aulas), a
Professora se deteve no primeiro item, na 3a Observação (duas aulas) houve
uma mistura entre os dois e ela terminou a aula introduzindo um exercício de
_____________ 26 Veja Quadro 2, 7a Obs., Ativ. 2, p.77. 27 Anteriores: “Idéias Básicas”, “Equações Resolvidas por Fatoração”. Posteriores: “Resolução de
Equações: um resumo”, “Sistemas de Equações”, “Problemas”.
58
Função do 2o Grau que faz parte do Capítulo 10 intitulado “Funções”. Há uma
série de capítulos que tratam de Matemática Comercial, Propriedades
Geométricas, Estatística, Conjuntos Numéricos, Medidas, etc. entre o capítulo
3 e o 10, os quais, em sua maioria, segundo a Professora, os alunos não
chegaram a ver naquele ano letivo. Não é que a Professora os considerasse
como conteúdos sem importância, mas, conforme nos disse, ela agia em função
do tempo que lhe é dado, em função da quantidade de conteúdos e, por isso,
acabava tendo que escolher o que considerava essencial para uma 8a série. Ela
agia também em função da idéia de que é melhor que os alunos aprendam bem
poucas coisas, do que aprendam mal muitas. Veja a transcrição de um trecho
da 1a Entrevista, na qual conversávamos sobre o planejamento anual e lhe
perguntamos se considerava importante cumprir os conteúdos contidos no
Projeto Pedagógico da escola, que ela ajuda elaborar:
Não, acho que não. Acho importante sim que a gente cumpra pelo menos as partes principais28 e que o aluno, de repente, saia é... entendendo o básico, onde é que ele usa uma equação do 2o Grau, não só no jogo [referindo-se a um jogo confeccionado pelos alunos] [...] se eu sentir que mais da metade da turma não consegue, precisa voltar, encalha mesmo! Tem que parar, aí geralmente um ajuda o outro, etc. (1a Entrevista, grifo nosso)
De certa forma, a Professora obedece à seqüência do livro,
passando pelos dois itens e explorando as atividades sugeridas, depois quebra
a seqüência aproveitando o momento para introduzir outro conteúdo. Ainda,
segundo a entrevista que realizamos, ela faz suas reflexões sobre todo esse
processo complexo em que se encontra, no qual há um currículo para cumprir
- imposição externa (SILVA, 1998) - e ela tem que ensinar os conteúdos. Assim,
ela age em função das suas condições de trabalho e tenta adaptar o currículo
aos seus alunos (PONTE, 2002). Embora pareça que a Professora utilize o
currículo como uma “lei” (PONTE, 2002), já que estão estipulados os conteúdos
que ela tem que ensinar (e ela se preocupa com isso), podemos compreender
que, em função dos contextos, em função dos seus alunos e em função do
tempo, a Professora faz suas adaptações e improvisações, mas retoma, assim
_____________ 28 Segundo a Professora, os conteúdos principais são: Teorema de Pitágoras, Equação do 2o Grau
e Funções do 2o Grau.
59
que pode, aquela seqüência estipulada pelo livro didático.
Parece-nos que essa maneira de escolher as atividades, ora
segue o livro, ora age de acordo com aquilo que os alunos precisam, constitui-
se num saber experiencial (TARDIF, 2002) que a Professora construiu. Nesse
caso, parece-nos que essa construção foi influenciada pelo livro didático, pela
obrigação que ela tem de ensinar os conteúdos e pelos alunos. O livro,
especificamente o capítulo 3, apresenta somente exercícios algorítmicos e a
Professora escolheu alguns deles para propor como atividades a fim de ensinar
aquele conteúdo. A instituição escola define tarefas para o professor, por
exemplo, estipular o conteúdo anual e ensiná-lo. Porém, a Professora parece
saber que os alunos são diferentes entre si, que cada um tem seu tempo de
aprendizagem, que cada classe tem seu ritmo, que, quando necessário, ela tem
que retomar alguns conteúdos, tem que explicar outra vez. Em meio a esse
processo que sugere a complexidade do trabalho docente, a Professora percebe -
se num dilema: ensinar todos os conteúdos estipulados pelo grupo de
professores da escola, incluindo ela, mesmo que os alunos não compreendam
muito bem, ou ensinar uma menor quantidade de conteúdos desde que os
alunos entendam. Talvez, para esse caso, a racionalidade da Professora, como
pudemos ver na transcrição anterior, tenha origem com esse dilema com o qual
ela lida. E ela justifica suas ações, apontando que age em função dos seus
alunos.
Sub. A.3: Problemas
Dos três problemas utilizados pela Professora, dois deles eram
Problemas de Aplicação (BUTTS, 1997), os quais não foram retirados do livro
didático adotado pela Professora. Segundo ela, são problemas que ela tem
anotado em seu material de trabalho. O primeiro deles, ela retirou de um livro
de física e o segundo, talvez seja de outro livro didático de matemática. Ambos
foram apresentados em forma de ditado:
Com a finalidade de realizar algumas experiências, um instituto de pesquisa lançou um balão. Esse balão sobe a uma velocidade constante percorrendo 25 metros a cada minuto. A partir dessa situação, responda: Qual a altitude que o balão atinge após 18 minutos do lançamento? Se ele está programado para realizar experiências a uma altitude de dois mil metros, quanto tempo
60
levará para atingir essa altitude? Faça a tabela e o gráfico que representam o movimento. (9a Obs., Ativ. 1)29
E,
Sr. André tem uma lotação. Ele sabe que o número de pessoas que ele transporta em sua lotação varia em função do horário. Ele fez uma tabela [a qual desenhou na lousa] na semana passada:
Horário 6h 7h 8h 9h 10h 11h Nº de
pessoas 12 16 13 8 6 7
A quantidade de dinheiro que André recebe ao final do dia depende do número de pessoas que ele transportou. Nesse caso, o dinheiro é função do nº de passageiros. Se ele cobra R$1,00 por pessoa, escreva o gráfico, usando a tabela anterior, de quanto ele ganhou em cada hora. (11a Obs., Ativ. 3)
A Professora interrompia o ditado, de momento em momento,
para explicar o significado das pa lavras ou os pontos importantes que surgiam
no enunciado. Deixava tempo para que os alunos tentassem fazer sozinhos e
depois explicava a resolução. As explicações proporcionavam um maior diálogo
com os alunos, pois estes se mostravam mais curiosos frente às temáticas do
contexto do problema.
Registrado, também, com características muito semelhantes aos
dos dois problemas de aplicação, no que se refere à maneira de apresentar aos
alunos, o único problema de pesquisa aberta (BUTTS, 1997) foi lido junto com
os alunos no próprio livro didático (11a Obs., Ativ. 1):
Vamos considerar uma barra giratória como a do exemplo 1 do texto30. Os desenhos estão na escala 1 : 100.
_____________ 29 Veja o episódio: “Atividade 1 da 9a Observação: a exceção- um Problema de Aplicação”, p. 94. 30 Veja Anexo A que apresenta o texto citado no enunciado desse problema.
61
a) Meça os comprimentos x e y em cada situação. Depois, copie e complete a tabela com as medidas corretas.31
b) A variável y é diretamente proporcional a x? ou a variação é de algum outro tipo?
c) A fórmula dessa função é 5,0+= xy ? É 2xy = ? Qual é a
fórmula? (IMENES; LELIS, 2001, p.222)
B: Maneiras de Explicar os Exercícios e Problemas
Os dizeres e fazeres da Professora, quando sua tarefa era a de
explicar algum exercício ou problema aos alunos, foram diferenciados de
acordo com o objeto da explicação. No entanto, foi possível identificar
explicações semelhantes, em sua estrutura, com objetos de explicação também
semelhantes. Por termos encontrado, na prática da Professora, maior
_____________ 31 De fato, esse item não se enquadra na classificação proposta por Butts (1997) como um
problema de pesquisa aberta, mas sim como um exercício algorítmico. Porém, por este fato ter sido o único caso desse tipo entre as atividades, decidimos contá-lo como parte do problema para não precisar criar outro tipo de classificação.
62
quantidade de exercícios algorítmicos (BUTTS, 1997), quase 90%, o tempo todo
a vimos explicar a aplicação de algoritmos. E mesmo nos dois problemas de
aplicação e no de pesquisa aberta (BUTTS, 1997), também foi possível
identificar isso, porque esses problemas, em algum momento da resolução,
também precisaram da aplicação de algum tipo de algoritmo. Com 15
ocorrências, esse Grupo de Procedimentos Padrão foi dividido nos seguintes
subgrupos.
Sub. B.1: Explicações do algoritmo para completar o quadrado
perfeito de um trinômio
Nas atividades cuja ação restringia-se a completar o Trinômio
Quadrado Perfeito (TQP) de uma sentença, a Professora seguia o mesmo
procedimento para explicar: extrair a raiz quadrada dos quadrados das
parcelas, multiplicá-los, depois dobrar o resultado e descobrir o que faltava
para completar o TQP, comparando esse resultado com o termo central do
trinômio dado32. Esse tipo de procedimento ocorreu seis vezes.
Sub. B.2: Preocupação com os sinais dos números
Foram quatro as ocasiões em que a Professora ressaltou a
importância dos sinais de um número, todas elas relacionadas aos números
negativos que tinham de ser elevados ao quadrado no decorrer da resolução de
um exercício proposto. Houve até um comentário dela a esse respeito, dirigido a
nós ao final de uma aula. Segundo a Professora, a maioria dos alunos de 8a
série, e até mesmo alguns das séries iniciais do Ensino Médio, apresenta
grandes dificuldades com expressões matemáticas, insistindo em erros de
sinais, potências e divisões.
Quando apareciam esses casos, a Professora chamava a atenção
da turma oralmente ou fazendo indicações no quadro-negro. Por duas vezes ela
utilizou a estratégia de colorir os números para destacar o que estava elevado a
uma potência ou não. Assim, ela também salientava na sua fala o que
_____________ 32 Veja “Atividade 1 da 2a Observação: o procedimento para Trinômios Quadrados Perfeitos”,p.82.
63
acontecia com os sinais, o que significava um sinal dentro ou fora dos
parênteses. Por exemplo, no caso da seguinte função proposta (5a Obs., Ativ. 2):
202 +−= xy
Dados alguns valores para x, ela escreveu na lousa da seguinte
maneira:
y = - x2 + 20 x
y = - 02 +20 . 0 = 0
y = - 42 + 20. 4 = 64
Nessa explicação ela disse que “quem está ao quadrado é o x e não
o –x, é o 4 e não o –4”. O que destacamos em negrito foi escrito na lousa pela
Professora com giz colorido.
Em outro caso, ela fez da seguinte maneira (5a Obs., Ativ. 1):
y = 2x2
y = 2 . (-2)2, para x = -2
Sub. B.3: Explicações de significados
Por cinco vezes a Professora apresentou o procedimento de
tentar explicar aos alunos o significado dos termos que apareciam no
enunciado de um exercício ou problema. Nesses casos, a ação dela consistia em
dar exemplos sobre a temática do enunciado ou fazer comparações com outros
assuntos.
64
As duas primeiras vezes ocorreram nas explicações de um
problema de aplicação (BUTTS, 1997), ocasião em que a Professora tenta
explicar o significado de “velocidade constante”33 e, depois, tenta dar a noção de
distâncias percorridas, no caso, a dificuldade era ter idéia do tamanho de 25
metros.
A terceira vez foi durante uma atividade de construção de
gráfico (10a Obs., Ativ.2), um exercício algorítmico, que se baseava num texto
do livro. Ao construir o gráfico, a Professora questiona os alunos se deveriam
traçar ou não uma linha ligando os pontos marcados, indicados pelas
coordenadas cartesianas, pois o texto do livro tratava sobre pães e seus preços,
portanto, caso ligassem os pontos, haveria a possibilidade de interpretar o
preço de um pão e meio, por exemplo. A Professora explica que isso não ocorre
quando vamos comprar pães. A idéia por trás disso é de que aquela função era
uma Função Discreta, mas ela não utiliza esse termo.
Na quarta vez (10a Obs., Ativ. 3), as explicações foram sobre o
significado de “experimentos científicos”, termo presente no texto do livro que
usavam naquele momento.
A última vez ocorreu durante o desenvolvimento do único
problema de pesquisa aberta. Para resolver o item b do problema, os alunos
queriam entender o termo “variável diretamente proporcional” (11a Obs., Ativ.
1). A Professora, então, sugere alguns exemplos de grandezas proporcionais.
Temos aqui, relacionado à terceira ocorrência desse subgrupo,
um fato que merece nosso comentário. Naquele momento, a Professora lia um
texto do livro34 com os alunos. Consideramos a leitura e as discussões
provenientes como a Atividade 1 daquele dia (10a Obs.)35. Encerrada a
discussão com os alunos, a Professora propõe o que nomeamos de Atividade 2,
um exercício algorítmico, a construção de um gráfico baseado na tabela
fornecida pelo texto. Porém, o desenvolver dessa atividade, sobretudo devido à
_____________ 33 Veja “Atividade 1 da 9a Observação: a exceção- um Problema de Aplicação”, p. 94. 34 Veja Anexo A, Exemplo 2. 35 Veja Quadro 2, p.78.
65
ação da Professora em questionar os alunos sobre a maneira de traçar o
gráfico, indica-nos que, do ponto de vista das intenções dela com essa
seqüência de atividades, podemos caracterizar a atividade desenvolvida como
se fosse um Problema de Aplicação, pois, uma das principais tarefas da
Atividade 2 era a de, baseando-se na tabela fornecida, interpretar as
informações do texto transformando-as numa linguagem matemática (o gráfico)
– ação característica desse tipo de problema. Embora, inicialmente, nossa
impressão fosse a de que a construção do gráfico seguiria um processo
mecânico, como um procedimento passo-a-passo, algo habitual na maioria das
atividades observadas, a Professora gere o desenvolvimento da atividade de tal
maneira que, ao seu caráter algorítmico, ela consegue acrescentar um caráter
interpretativo.
Cabe lembrar que a classificação proposta por Butts (1997)
diferencia tipos de enunciados, mas não classifica o que se faz com eles.
Essa maneira de a Professora utilizar o livro didático mostra o
quanto os seus saberes experienciais (TARDIF, 2002) lhe dão autonomia para
relacionar-se com o livro, ora seguindo-o como se fosse uma “lei” (PONTE,
2002), como vimos anteriormente no subgrupo A.2 de Procedimentos Padrão,
ora como um “guião” (PONTE, 2002), fazendo suas adaptações, e ora como uma
“práxis”, envolvendo-se na reflexão sobre a sua ação e produzindo seu próprio
currículo, “agindo em função dos valores que subescreve, das necessidades que
detecta nos alunos, dos elementos que identifica no seu contexto institucional”
(PONTE, 2002, p.19).
C: Uso de Analogias
Com a finalidade de fazer os alunos relembrarem, memorizarem,
entenderem, visualizarem melhor, ou mesmo como simples comparação, a
Professora fazia algum tipo de analogia: atribuía nomes não usuais às coisas,
comparava procedimentos matemáticos com outros procedimentos. Estamos
entendendo esse processo de fazer analogias como um processo “que permite
aos indivíduos, ao se depararem com conceitos, valores e experiências
estranhos”, procurar relacionar as características destes “com as
66
características similares de algo que já conhecem ou que lhes seja familiar”
(PÁDUA, 2003). E, no nosso caso, quem tenta, mediante seus dizeres e fazeres,
desencadear esse processo é a Professora.
Procedimentos assim ocorreram por cinco vezes. Por exemplo,
tentar explicar as coordenadas x e y e seu posicionamento no gráfico mediante
a indicação do movimento feito num jogo de xadrez, no qual utilizamos letras e
números: Ra7, por exemplo, que significa Rei na coluna a e na linha 7. Dessa
maneira, a Professora tentava fazer com que os alunos aprendessem a colocar a
representação de qualquer par ordenado no gráfico, comparando o eixo x com
as linhas do tabuleiro e o eixo y com as colunas. Essa analogia surgiu num
momento em que os alunos faziam perguntas a respeito da construção do
gráfico de uma função e se depararam com valores para x e para y numa tabela
(5a Obs., Ativ. 1). É importante ressaltar que a classe participava de um projeto
chamado “Projeto Vale Saber – Arte e Vida em Xadrez”, do qual a própria
Professora fazia parte e no qual as atividades envolviam desde confeccionar
tabuleiros de xadrez, conhecer a história do jogo, até aprender a jogar e
participar de campeonatos.
Outra comparação utilizada pela Professora foi a do “sorriso”,
para indicar uma parábola com concavidade para baixo, e a do “triste”, para
concavidade para cima (7a Obs., Ativ. 2). Com isso, a Professora queria fazer
com que os alunos lembrassem do conteúdo que eles já haviam visto sobre
concavidades de parábolas. Uma aluna pede ajuda para construir o gráfico de
uma função do 2o grau e a Professora pergunta para todos: “Vocês se lembram
do sorriso e do triste?” Eles murmuraram algo e ela então faz as comparações
que referimos. Ainda sobre as parábolas, com a intenção de auxiliar os alunos
a desenhá-las, a Professora as comparou com antenas parabólicas, que de
certo ponto de vista lembram a forma de uma parábola (5a Obs, Ativ. 1).
Foi possível identificar que as analogias, preponderantemente
(quatro vezes), apareceram junto com algum procedimento técnico ou com a
linguagem utilizada num determinado conteúdo. O fato de uma parábola ter a
concavidade para cima ou para baixo, por exemplo, pode significar muitas
diferenças no contexto de um problema, mas ela não chegava a falar sobre
esses pontos. Isso pode estar relacionado ao fato de que suas explicações sobre
67
os exercícios e problemas, na maioria das vezes, reduziram-se às indicações
das técnicas e algoritmos para os resolver. Parece-nos que as analogias
acabavam surgindo como estratégias para essas explicações.
Lançando mão, também nós, de uma analogia, a personagem
Fedro do romance de Pirsig (1984)36 diz que há duas maneiras de olhar para a
tecnologia: olha-se para ela para saber o que ela é ou para saber o que ela
significa. Seria, segundo a personagem, a maneira Romântica e a maneira
Clássica de olhar, respectivamente. Por meio desta, analisamos, por meio
daquela, apreciamos. Num sentido semelhante, parece-nos que as analogias da
Professora obscureciam o significado matemático da atividade, valorizando o
que a Matemática parece ser: uma “ciência que estuda os números e as
fórmulas” (IMENES; LELIS, 2001, p.330), “que tem por objeto a medida e as
propriedades das grandezas” (CUNHA, 1986)37, somente.
Uma parábola com concavidade para cima talvez lembre o
“sorrindo”, mas qual o significado matemático desse tipo de parábola de uma
função do 2o grau? Claro que a Professora pode até ter explicado esse e outros
significados em outros momentos, nos quais não estávamos presentes, mas o
fato de reportar-se a eles por meio dessas analogias parece uma maneira de
valorizar a técnica, ressaltando sua forma e sua aplicabilidade, relegando o seu
significado para segundo plano. Podemos colocar aqui, nesse mesmo sentido,
os procedimentos contemplados no Subgrupo B.2, pois o esquema da
Professora, ainda que tenha sua utilidade, assim como o uso de analogias
também tem, parece obliterar o significado do processo, parece uma maneira
Romântica de olhar para os TQPs, por exemplo. Assim, fica a pergunta: Será
que o saber matemático implícito nessas atividades não permanece exterior na
relação da Professora e dos alunos com esse saber durante o desenvolvimento
das atividades matemáticas? Não se trata aqui de excomungar o uso de
analogias e esquemas ou procedimentos parecidos, eles podem ter sua
importância e utilidade, mas trata-se de pensarmos o que subjaz às nossas
práticas pedagógicas, aos nossos hábitos profissionais.
_____________ 36 PIRSIG, Robert M. Zen e a arte da manutenção de motocicletas: uma investigação sobre
valores. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 37 Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua Portuguesa.
68
Quando eu comecei a dar aula eu, eu era, não sei se sou ainda [risos], mas eu era bem típica professora de matemática, achando sim que Matemática que... que era, eu acho que isso era um conceito há 25, 30 anos atrás. Matemática e Português eram fundamentais pra tudo, pra qualquer coisa. Continuo achando isso, que é fundamental, só que, hoje, é visto de uma maneira diferente, não assim que... antes eu achava que quem não soubesse matemática não podia passar, não podia sobreviver, não era bem o termo sobreviver, mas achava que era fundamental e era meio rabugenta assim com as coisas. E hoje não, eu acho fundamental, só que junto com todas as outras disciplinas a gente tem que [pausa], em todas as outras disciplinas a gente tem que, que dar conta daquilo que... que o aluno consiga enxergar o mundo como ele é e ver matemática em cada pedacinho da vida dele. [...] Às vezes é só cálculo [a Matemática] e às vezes é vida, né, de tudo. Se eu parar pra pensar: Matemática é cálculo, se eu parar pra pensar o que que é Matemática, onde ela usada, como ela é usada, não tem, não tem como fugir nada... nada... nada... nada da vida, que não tenha matemática, é... que não tenha número, que não tenha uma relação, que não tem uma máquina por trás, que não tem alguém que pensou pra montar aquilo né. Então..., se for pra pensar assim ‘papuf’ [como se quisesse dizer pensar de uma maneira rápida] é só um calculinho, mas se for pensar... ela é muita coisa. (2a Entrevista).
Este é um trecho da 2a Entrevista no qual a Professora conta
como mudou de opinião sobre a importância da Matemática para os alunos e o
que ela pensa sobre o que é a Matemática. Podemos notar outra vez como é
ambígua a relação entre o que faz e diz a Professora, pois esses dizeres não
correspondem à maioria dos fazeres da Professora, com exceção de quando ela
apresentou os dois problemas, sobre os quais falaremos adiante.
Precisamos ressaltar que essas maneiras de fazer da Professora,
como o uso das analogias, configuram-se como saberes experienciais,
produzidos e validados pela experiência (TARDIF, 2002), que parecem surgir de
uma relação prática (CHARLOT, 2000) que a Professora tem estabelecido, ao
longo de sua experiência profissional, com os saberes curriculares. Maneiras de
fazer que sofrem, portanto, grande influência daqueles saberes escolares ditos
oficiais (SILVA, 1995; EDWARDS, 1997), com os quais o professor lida e que
tem que ensinar aos seus alunos.
69
D: Preocupação com o Contexto e Bem Estar dos Alunos
Este item contempla os procedimentos que indicam uma
preocupação da Professora com o contexto social dos alunos fora da escola
(problemas de saúde ou familiares, participação em atividades como o time de
futebol de classe, etc.), assim como com a acomodação e bem estar dos alunos
dentro da sala de aula.
Das aulas observadas, três ocorreram em lugares diferentes da
sala de aula: no pátio da escola, na biblioteca e no laboratório ao lado da
classe. Os alunos freqüentemente insistiam para ter aulas no pátio da escola
argumentando que lá o calor era menos intenso. Realmente, como nós também
pudemos sentir, a sala de aula era pequena, apertada para a quantidade de
alunos e extremamente quente. Então, mediante negociação com a turma, a
Professora acabou cedendo essas três vezes. Não havia um motivo didático pra
tal atitude, mas uma preocupação com o bem estar dos alunos.
Outro fato que identificamos e podemos incluir neste grupo foi
quando ela percebeu que sua aula, sobre Trinômios Quadrados Perfeitos (TQP),
estava extremamente cansativa (3a Obs.)38. Segundo suas próprias palavras, ela
queria utilizar as duas aulas do dia para “treinar os alunos em TQP”, para que
depois pudesse introduzir funções do 2o grau. Passados 50 minutos de aula,
nos quais a Professora propôs e desenvolveu quatro exercícios algorítmicos
(BUTTS, 1997) envolvendo TQP, ela introduziu um exercício de função e
comentou com o observador que eles não iriam agüentar mais outro exercício
de trinômios, por isso ela havia mudado os planos da aula durante a prática.
Vê-se, neste caso, que a preocupação com o bem estar dos alunos teve um
motivo didático.
E: Atribuição de Pontos às Médias dos Alunos
Foi comum a Professora indicar exercícios como tarefa para a
_____________ 38 Veja o episódio: “Atividade 6 da 3a Observação: ‘Eles não Vão Agüentar Outro...’”, p. 92.
70
casa, ou mesmo para serem resolvidos durante a aula, que valessem um ou
dois pontos na média para quem os entregasse resolvidos.
Observamos seis ocorrências desse tipo. Por duas vezes ela
propôs um desafio para que os alunos resolvessem o exercício posto na lousa.
O primeiro a entregar teria dois pontos acrescidos na média. Outras quatro
vezes ela colocou um exercício na lousa e atribuía um ponto para todos que o
fizessem. Numa dessas vezes foi permitido fazer o exercício em duplas.
Verificamos que nas ocasiões em que isso ocorria os alunos se motivavam
consideravelmente para tentar resolver. Embora ainda houvesse uma minoria
que apenas copiava de um colega ou nem se importava, o comportamento da
classe era diferente do usual.
Dessas seis ocorrências, por três vezes foi possível identificar
um mesmo motivo para que ela tomasse essa atitude: grande agitação e
dispersão dos alunos quanto à atenção na aula.
F: Preocupação com a Aprovação e Reprovação de Alunos
A Professora sempre conversava com os alunos sobre a
possibilidade ou não de aprovação. Este tipo de conversa aconteceu dez vezes.
Dessas, caracterizadas por nós como uma bronca, quatro foram dirigidas para
os mesmos alunos que se sentavam no fundo da sala e que costumavam
atrapalhar a aula ou que simplesmente não participavam. Nesses casos, ela
costumava se aproximar dos tais alunos, dizer energicamente para ficarem
quietos e, também energicamente, citava as médias baixas deles. Certa vez,
esses alunos estavam rindo e conversando alto no fundo da sala, ela então foi
até eles e lhes disse que já estavam quase sem média para serem aprovados,
portanto, precisariam estudar muito, caso contrário poderiam sair da classe
para não atrapalhar mais. Ainda, repetiu a seguinte frase: “É 100 ou sem.” (100
é a nota máxima). No que se refere a esses alunos, essa estratégia da
Professora para que ficassem disciplinados funcionava apenas por alguns
minutos.
Quando a Professora se dirigia à classe toda, normalmente se
posicionava na frente da turma, usava um tom de voz mais tranqüilo e não tão
71
enérgico como com aqueles alunos do fundo. Era como se ela desse um aviso
importante. Podemos exemplificar isso com os seguintes dizeres dela: “Deixa eu
avisar uma coisa, tem gente que não tem mais média para passar, precisa de
um empurrão para ir para o Ensino Médio, e esse empurrão é muito forte.” Este
dizer específico foi dado logo após uma daquelas broncas dadas aos alunos do
fundo. No entanto, essa não era uma regra geral de seu modo de agir, mais
comumente ela apenas começava a falar sem nenhum motivo aparente. Numa
dessas ocasiões, a Professora ressaltou a necessidade de completar os estudos
do Ensino Fundamental para se conseguir melhores empregos.
Em outra ocasião ela mostrou a caderneta de notas aos alunos
do fundo. Então, toda a classe também se interessou em saber a sua nota. Ela
enfatizou que, embora faltasse mais de um mês para acabar as aulas, alguns
alunos já estavam reprovados.
Em alguns momentos, esses grupos se superpõem. É
extremamente complicado separar ou compartimentar algo denso como a
prática de um professor, na qual as coisas parecem acontecer sem uma lógica
definida ou pré-estabelecida. Como dissemos anteriormente, as situações da
prática são complexas e dinâmicas, portanto, os professores têm de geri-las
imediatamente, têm de improvisar. Um procedimento da Professora que passa
por um Grupo definido por nós pode ter dado início a outro procedimento
pertencente a outro Grupo, sem que necessariamente aquele primeiro tenha
sido concluído.
O Quadro 1 a seguir apresenta a freqüência de ocorrências para
cada grupo e subgrupo do que denominamos por procedimentos padrão.
Embora não seja possível fazer uma comparação proporcional por meio de
porcentagens de ocorrência de cada Grupo de Procedimento Padrão, devido ao
fato já comentado no parágrafo anterior, ainda assim o leitor pode ter uma
idéia das práticas mais comuns dessa Professora. Muitos outros procedimentos
seriam passíveis de identificação, já que esses grupos não cobrem toda a
prática da Professora, pois há dizeres e fazeres da docente que não estão
contemplados por esses grupos, todavia muitos desses dizeres e fazeres não
nos pareceram relevantes a tal ponto de ser constituído para eles um Grupo de
Procedimento Padrão, visto que nosso olhar nem mesmo enxergou essa
possibilidade.
72
GRUPOS DE PROCEDIMENTOS PADRÃO
SUBGRUPOS QUANTIDADE DE
OCORRÊNCIAS
A.1 Exercícios que valeriam pontos na média
06
A.2 Exercícios que não valeriam pontos
12 A. Maneiras de Apresentar os Enunciados de Atividades
A.3 Problemas 03
B.1 Explicações do algoritmo para completar o Trinômio Quadrado Perfeito
06
B.2 Preocupação com os sinais dos números
04 B. Maneiras de Explicar os Exercícios e Problemas
B.3 Explicações de significados
05
C. Uso de Analogias 06
D. Preocupação com o Contexto e Bem Estar dos Alunos
09
E. Atribuição de Pontos na Média dos Alunos
06
F. Preocupação com a Aprovação e Reprovação de Alunos
10
Quadro 1 – Procedimentos Padrão apresentados pela Professora e quantidade de ocorrências durante sua prática
Podemos notar que se trata de uma Professora preocupada com
seus alunos, aparentemente ciente do contexto social do bairro no qual eles
vivem. Sua experiência de sete anos nessa mesma escola com certeza
contribuiu para isso. Conversando com ela, pudemos perceber que ela sabe que
seus alunos enfrentam graves problemas familiares. Muitos deles trabalham
para ajudar no sustento de casa, outros estão envolvidos com drogas, portanto,
embora ela considere importante eles passarem de ano para terem melhores
chances no mercado de trabalho, e embora tenha seus objetivos em relação ao
conteúdo matemático que deve ensinar e das atividades que devem dominar,
ela parece saber que, no momento, a escola, o ensino da Matemática ou mesmo
das outras disciplinas não são considerados por eles tão importantes.
73
Ainda, para termos uma idéia temporal de como esses grupos
ocorreram durante a observação da prática da Professora, a seguir encontra-se
o Quadro 2 que mostra, resumidamente, o desenrolar de suas aulas, tentando
dar uma idéia do cotidiano vivenciado pelos sujeitos e de como as atividades
aconteceram. Apresentamos, portanto, uma breve descrição de cada
Procedimento Padrão e reportamos o leitor, quando for o caso, para os
episódios descritos mais adiante em nosso trabalho.
74
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE
EXERCÍCIO E/OU
PROBLEMA
Retomada da aula anterior
Atividade 1: Continuação da resolução de 1 exercício do livro didático (IMENES e LELIS, 2001, p. 88)39, envolvendo equação do 2o grau na forma fatorada40, da aula anterior.
1 Exercício Algorítmico
A.2 A.2 A.2
Atividades de 2 a 4: Exercícios, retirados do livro (p.88), envolvendo equação do 2o grau na forma fatorada. A Professora os escreve na lousa e resolve junto com os alunos
3 Exercícios. Algorítmicos
A.2 B.1
Atividade 5: A Professora escreve na lousa um trinômio, faltando um termo, e pede aos alunos para o completarem formando um TQP. Exercício do livro (p.89)
1 Exercício. Algorítmico
F
A Professora conversa com uma aluna dizendo que no semestre passado ela estava com notas bem melhores do que agora e que, por isso, era importante refletir por que isso ocorreu
1a O
BS.: U
MA
AU
LA
D
Os alunos reclamam do calor e pedem para ir para o pátio. A Professora diz para terminarem os exercícios e ficarem quietos e ela termina a aula lá. O que de fato acontece. Porém, logo que chegaram ao pátio, toca o sinal do intervalo.
D Conversa com dois alunos que faltaram
E Exercícios que haviam ficado de tarefa são contabilizados como pontos na média
F Após anotar os pontos do exercício de tarefa, ela fala algo a respeito de passar de ano.
A.2 B.1
Atividade 1: A Professora indica a página do livro (p. 89, ex. 44 b), escreve o exercício na lousa e já começa a explicar os passos. Era um exercício para completar o TQP.
1 Exercício. Algorítmico
C
Para indicar o procedimento de uma multiplicação distributiva, a Professora brinca com a turma dizendo que não era para eles pensarem que eram flechas de índios41. Depois pede para colocarem esse procedimento em outro local, como no fim do caderno por exemplo.
2a O
BS.: U
MA
AU
LA
B.1 Define o
que é TQP B.1
Apontando para o TQP que estava na lousa, ela diz a definição42. Aproveitando a ocasião, a Professora pede para os alunos retomarem o exercício da aula anterior (Atividade 5) e repete o procedimento.
39 Durante o Quadro 2, sempre que usarmos a palavra livro, estaremos nos referindo ao livro didático (IMENES; LELIS, 2001) que a Professora adotou; por razões práticas, com a finalidade de resumir as informações contidas no Quadro 2. 40(x – 2)(x – 5) = 0, por exemplo. 41 Veja o episódio: “Atividade 1 da 2a Observação: o procedimento para trinômios quadrados perfeitos”, p.82. 42idem.
75
O
BS
ER-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU PROBLEMA
D Aula no laboratório ao lado da classe Os alunos pedem e ela aceita.
A.1 B.1
Antes de propor uma atividade, a Professora fala que nessa aula eles vão resolver equações nas quais o delta seria nulo. Atividade 1: Escreve o exercício na lousa, dá um tempo andando pela classe e tirando dúvidas, retorna à lousa e explica os passos da resolução. Era um exercício para verificar a igualdade de dois trinômios.
1 Exercício Algorítmico
A.2 B.1
Atividade 2: A Professora escreve o exercício na lousa e o esboço da resolução (o que seria o começo da resolução) e pede à classe: “Resolvam isso usando delta”. Exercício para achar as raízes de uma equação de 2o grau. Pergunta se os alunos repararam que do lado esquerdo da equação temos um TQP, então faz o procedimento para mostrar.
1 Exercício Algorítmico
Tarefa para casa
Atividade 3: Indica a página do livro na qual estão exercícios para completar o TQP
6 Exercícios Algorítmicos
Entrega de prova
Essa foi uma prova feita antes de começarmos as observações. A professora entrega uma das provas ao observador.
B.2
A Professora aponta para a lousa, para o exercício que a aluna fez, e reescreve os números, realçando aqueles, cujos sinais são negativos e estão elevados ao quadrado, depois faz perguntas aos alunos.
A.1 B.2
Atividade 4: 43 A Professora escreve na lousa um exercício para se verificar a igualdade de dois trinômios e diz: “Cinco minutos para resolver isso, valendo um ponto para os cinco primeiros... (pequena pausa).É pra verificar se são iguais”). Após alguns poucos minutos, ela começa esboçar a resolução na lousa. Dá mais um tempo e começa a explicar os passos. Outra vez enfatiza a questão dos sinais.
1 Exercício Algorítmico
C Compara as duas equações do exercício dizendo que são quase iguais, mas tem um “sinalzinho diferente”, como os irmãos gêmeos da classe.
3a O
BS.:
A
ULA
DU
PLA
A.2 B.2
Atividade 5: Escreve o exercício na lousa já com o esboço da resolução, dá um tempo para os alunos resolverem. Enfatiza a questão dos sinais. Era uma equação do 2o grau para calcular suas raízes.
1 Exercício Algorítmico
43 Veja o episódio “Atividade 4 da 3a Observação: os Gêmeos”, p. 89.
76
F A Professora adverte energicamente dois alunos do fundo da sala devido à baderna. Aproveita o momento e fala sobre passar de ano.
3a O
BS.
A.1 D E
Atividade 6: 44 Introduz uma função do 2o grau com uma construção de gráfico. Escreve na lousa o enunciado, indica a construção de uma tabela (escrevendo as coordenas x) e sugere que a façam primeiro, antes de construir o gráfico. Então, diz que o exercício vai valer 2 pontos. Ainda, pede para os alunos fazerem em duplas. Nesse momento a Professora se dirige até o observador e comenta que a aula estava muito cansativa, então ela propôs um exercício envolvendo função do 2o grau porque os alunos não agüentariam mais outro do mesmo tipo. Depois de um tempo, ela começa a desenhar os eixos das coordenadas na lousa, segue andando pela classe tirando dúvidas e anota os pontos daqueles que já resolveram. A aula acaba antes que ela termine a construção do gráfico.
1 Exercício Algorítmico
4a
OB
S.
A Professora falta. O observador desenvolve atividade com jogo de xadrez
D Junto com os alunos, a Professora arruma a classe e retira algumas carteiras devido ao aperto.
F A professora relembra a bronca que havia dado na última aula e fala outra vez sobre passar de ano.
C C
Atividade 1: A Professora retoma a construção de gráfico da última aula explicando os procedimentos para tal construção. Compara a construção do gráfico com a posição do jogo de xadrez. Depois compara o formato do gráfico com as antenas parabólicas das casas.
A.2 B.2
Atividade 2: Uma função de 2o grau para os alunos esboçarem seu gráfico. Tão logo a Professora escreve o exercício na lousa, já com o esboço da tabela, ela começa explicar os passos para a resolução. Utiliza a estratégia de colorir os números negativos e é enfática na sua fala para ressaltar a questão dos seus sinais. Depois de ter desenhado os eixos x e y, pede que um aluno construa o gráfico na lousa.
1 Exercício Algorítmico
.
5a O
BS.: A
ULA
DU
PLA
F A Professora mostra aos alunos do fundo a caderneta com as notas. A classe toda quer ver as notas.
44 Veja o episódio: “Atividade 6 da 3a Observação: “Eles não vão agüentar outro...”, p.92.
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU
PROBLEMA
77
Tarefa
Atividade 3: Indica a página do livro (p.220)45 dizendo para lerem os textos e responderem as perguntas.
6a
OB
S
.
O observador assiste ao conselho de classe, atendendo ao convite da Professora.
D A Professora pergunta se todos gostariam que a aula fosse na biblioteca, devido ao calor. Os alunos aceitam.
A.2
Atividade 1: A Professora pede aos alunos para escolherem um livro didático de 8a série, procurarem três equações do 2o grau para resolver.
2 Exercícios Algorítmicos
A.2
Atividade 2: Um aluno mostra à Professora o que fez, ela pede que, quando acabarem, escolham uma das equações para construir o gráfico da função do 2o grau.
1 Exercício Algorítmico
C
Uma aluna pede ajuda para construir o gráfico e a Professora pergunta se ela não se lembra do “Sorrindo ou triste”, significando parábola com concavidade para cima ou para baixo.
7a O
BS.: U
MA
AU
LA
Uso de Calcula-
dora
Alguns alunos pegam uma calculadora e a professora os proíbe de usar. Ao final da aula, ela nos diz que eles não precisam de uma calculadora para fazer contas tão simples como aquelas que estavam fazendo, por isso os proibiu.
D.
A Professora mostra um álbum de fotos do projeto de xadrez do qual a turma participou. Agradece e parabeniza a todos dizendo que foram os que tiveram maior participação. Ao final da aula, ela nos disse que essa foi uma maneira de tentar motivá-los, já que outras classes tiveram participação tão expressiva quanto eles.
8a O
BS.: U
MA
AU
LA
Retomada da aula anterior
Atividade 1: A Professora pede que os alunos continuem a construção do gráfico da aula anterior. Aqueles que já fizeram devem ajudar os outros.
9a O
BS.: U
MA
AU
LA
A.3 B.3
Atividade1: 46 A professora apresenta um problema ditando-o aos alunos, interrompendo-se hora ou outra para explicar os termos e os contextos propostos pelo enunciado, dentre eles, “velocidade constante”. Dá uns 10 minutos para os alunos resolverem, enquanto conversa com aqueles que apresentavam dúvidas. Depois ela vai à lousa e começa a explicar os procedimentos para encontrar a função que o enunciado do problema pedia.
1 Problema de
Aplicação
45 Veja Anexo A 46 Veja o episódio “Atividade 1 da 9a Observação: a exceção- um problema de aplicação”, p. 94.
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU
PROBLEMA
78
Compara dois
diferentes procedi-
mentos de resolução
Para tentar descobrir a função, um aluno apresenta um procedimento mais trabalhoso que o usado pela professora. Ela diz a todos como foi que o aluno tinha feito e ressalta que aquela era uma maneira mais demorada, portanto, seria melhor fazerem do jeito dela.
Tarefa B.3 C
O contexto do problema ocasionou uma discussão sobre a possibilidade ou não de um balão percorrer 25 metros em um segundo. A Professora sugere vários exemplos de distâncias. Atividade 1: Aproveitando a ocasião, ela pede, como tarefa, para os alunos perguntarem ao professor de Educação Física qual é o tamanho oficial de uma quadra de futebol.
A.1 E
Atividade 3: Para construir o gráfico da função, a Professora pede para os alunos formarem duplas. Valeria 1 ponto na média. Conforme os alunos lhe mostram, ela anota os pontos na sua caderneta
9a O
BS.
Tarefa Atividade 4: A Professora pede para os alunos lerem os textos do livro didático (pg. 220)47.
Leitura de um texto do livro
Atividade 1: A Professora lê junto com os alunos um texto do livro (pág. 221, exemplo 2)48. O texto apresenta uma tabela com a variação de uma função.
A.2
Atividade 2: A Professora pede para os alunos copiarem a tabela no caderno e construírem um gráfico. Após um breve tempo, ela copia a tabela na lousa e começa a desenhar o gráfico, explicando os procedimentos de construção.
1 Exercício Algorítmico
Função Discreta
B.3
Embora a Professora não tenha citado o termo Função Discreta, ela ressalta que os alunos devem prestar atenção no enunciado para saber se desenham o gráfico apenas com pontos ou podem traçar linhas ligando-os . Ela os questiona se podemos comprar “um pão e meio”.
10
a O
BS.:
AU
LA
DU
PLA
Leitura de um texto
Atividade 3: Na seqüência do livro (p. 221, exemplo 3)49 há outro texto parecido com o anterior. A Professora o lê junto com os alunos.
47 Veja Anexo A 48 Veja Anexo A 49 Veja Anexo A
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU
PROBLEMA
79
B.3 D
Os alunos questionam o significado da palavra “experimentos” que aparece no texto. A Professora dá alguns exemplos e depois fala de uma experiência feita com um anticoncepcional. Os alunos se interessam consideravelmente pelo assunto e fazem várias perguntas. A Professora conversa com eles durante uns 10 minutos. Ao final da aula ela nos disse que considera importante esse tipo de conversa com os alunos para alertá-los sobre a gravidez precoce.
A.1
Atividade 4: Da mesma maneira como fez anteriormente, pede para os alunos construírem um gráfico de acordo com a tabela apresentada pelo texto, mas dessa vez valeria um ponto.
1 Exercício Algorítmico
10
a O
BS.
E F
Quando chega o momento de dar pontos aos alunos, ela conversa com alguns alunos do fundo dizendo: “Olha aí a chance de vocês passarem”
D Alguns alunos da classe estão participando de um campeonato de futebol, a Professora conversa com eles perguntando sobre os jogos.
A.3
Atividade 1: A Professora indica a página do livro (pg. 222, exercício 1)50, explica brevemente o desenho que lá se encontra e, após ler o item a do problema, ela pede para que os alunos resolvam.
1 Problema de
Pesquisa Aberta
F
Alguns alunos do fundo da sala estão agitados, atrapalhando o andamento da aula. A Professora insiste, sem sucesso, que eles façam a atividade. Então, elevando o tom de voz, ela diz que eles já estão sem nota para passar de ano e que se for para continuar atrapalhando é melhor que nem compareçam mais às aulas.
11
a O
BS.:
AU
LA
DU
PLA
B.3
A Professora copia na lousa o desenho do livro e começa a explicar a resolução do item a. Tão logo acaba a resolução, ela explica aos alunos o significado de “diretamente proporcional”, termo presente no enunciado do item b. Assim que acaba, ela faz perguntas aos alunos instigando-os a pensar em como resolver o item c. Dá um tempo aos alunos (5 minutos aproximadamente) enquanto anda pela sala tirando dúvidas e escreve a resposta na lousa.
50 Veja “Sub. A.3: Apresentação dos Problemas”, p. 59.
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU
PROBLEMA
80
F E
Alguns alunos perguntam quantos pontos já lhe foram atribuídos durante o semestre. A Professora pega a caderneta e, fazendo a chamada de presença, ela fala os pontos de todos e já anota mais pontos para quem fez o problema. Dessa vez ela nem havia avisado que o problema ia valer pontos.
A.1 F
Atividade 2: Os alunos estão agitados e a Professora diz que vai atribuir pontos para quem fizer o gráfico daquele problema, embora o enunciado do livro não proponha essa atividade. A maioria dos alunos começa a fazer. Ela anota os pontos dos que estão fazendo e desenha o gráfico na lousa explicando os procedimentos.
1 Exercício Algorítmico
A.3
Atividade 3: A Professora dita um problema51 aos alunos, pára para escrever uma tabela na lousa, depois dita algumas questões. Desenha na lousa os eixos das coordenadas x e y com e pede para esboçarem o gráfico.
1 Problema de
Aplicação
11
a O
BS.
Tarefa Atividade 4: Ao final da aula, a Professora diz que a construção do gráfico vai ficar como tarefa para a casa.
E.
A Professora lembra aos alunos que, ao final do ano letivo, eles têm que devolver para a escola os livros didáticos. Lembra ainda que o diretor da escola recomendou que todos encapassem seus livros. Ela então atribui pontos para aqueles que obedeceram a essa recomendação.
12
a O
BS.: U
MA
AU
LA
Retoma a atividade da aula
anterior.
Atividade 1: A Professora começa a desenhar o gráfico explicando os passos dessa construção. Interrompe o que estava fazendo para conversar com os alunos sobre a prova de recuperação que ocorreria naquele mesmo dia, depois continua.
A.2 Correção de prova
Atividade 1: A Professora escreve uma das questões da prova de recuperação na lousa e pede para os alunos tentarem resolver outra vez. Ela anda pela classe atendendo às dúvidas dos alunos e depois resolve o exercício na lousa.
1 Exercício Algorítmico
13
a O
BS.: U
MA
AU
LA
F
A Professora combina com os alunos outro horário para fazer outra prova de recuperação.Os alunos estão preocupados com as notas e querem saber quanto precisam para passar. A Professora os ajuda a fazer os cálculos para saber a nota que precisam obter na prova.
Quadro 2 - Resumo das Observações de Sala de Aula
51 Veja “Sub. A.3: Apresentação dos Problemas”, p. 59.
OB
SE
R-
VA
ÇÃ
O
(OB
S.) PROCEDI-
MENTO PADRÃO
OU OUTRO
BREVE DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
TIPO DE EXERCÍCIO
E/OU
PROBLEMA
81
Conforme pudemos observar no Quadro 2, há também a
ocorrência de exercícios e problemas, os quais estão classificados segundo
proposta de Butts (1997), apresentando as seguintes freqüências:
Tabela 2 – Porcentagem dos tipos de exercícios e problemas utilizados pela Professora durante as observações realizadas. TIPO QUANTIDADE %
Exercícios de Reconhecimento - - Exercícios Algorítmicos 25 89,28% Problemas de Aplicação 2 7,14%
Problemas de Pesquisa Aberta 1 3,57% Situação Problema - -
TOTAL 28 100%
5.4 FAZENDO E DIZENDO: ALGUMAS ATIVIDADES EXERCÍCIOS E PROBLEMAS.
Trataremos agora de olhar para alguns momentos nos quais a
Professora apresentou e explicou enunciados de atividades que consideramos
mais significativos para a discussão. Nesse intuito, a intenção também é a de
detalhar o desenvolvimento dos enunciados (no sentido de Bakhtin), alternados
entre a Professora e os alunos, tendo como mote uma atividade exercício ou
problema.
Sendo 28 o número total de exercícios e problemas utilizados
pela Professora, apresentados numa certa seqüência determinada por ela,
escolhemos quatro atividades que compõem o que chamamos episódios de sala
de aula.
Os episódios contidos nesta parte constam, em parte, de
atividades exercícios da prática da Professora nas quais ela queria “treinar” os
alunos para, posteriormente, ensinar funções do 2o grau. Durante a realização
das observações, a Professora comentou conosco essa sua estratégia e, ainda,
pudemos registrar a aula na qual ela resolveu propor aos alunos um exercício
82
de função do 2o Grau52. Todavia, durante a 1a entrevista, ou seja, depois de
concluídas as observações, ao lhe perguntarmos suas razões sobre essa
estratégia, a Professora nos respondeu que talvez tenha dito aquilo ao acaso,
que talvez não houvesse motivo algum.
Isso pode nos dar um indício de alguma ambigüidade entre os
dizeres e fazeres da Professora. Precisamos ponderar, primeiro, o fato de uma
pessoa do meio acadêmico, um mestrando, estar dentro da sala assistindo a
sua aula, o que talvez a tenha feito se sentir obrigada a dar justificativas para
suas ações; ponderar também, assim como coloca Tardif (2002), que os atores
não estão o tempo todo justificando, nem mesmo para si próprio, todos os seus
atos. Muitas vezes agimos e, depois, tentamos encontrar, inventar, enquadrar
os possíveis motivos e dar as justificativas para nossas ações, sobretudo se nos
é solicitado por outros. A ambigüidade detectada por nós nesse caso é que a
Professora, mesmo que inconscientemente ou mesmo que não exatamente com
essa intenção, parece ter agido como se realmente quisesse treinar os alunos
com exercícios de TQP e depois introduzir funções do 2o grau.
Como estamos interessados na racionalidade da Professora, e
ela nos diz que aqueles seus dizeres foram ditos ao acaso, assim o
consideraremos. Ainda assim, por considerarmos que os três primeiros
episódios que se seguem representam uma parte das aulas observadas que se
configuraram por uma grande quantidade de exercícios algorítmicos (BUTTS,
1997), vamos nos referir a eles como treino, segundo as próprias palavras da
Professora.
ATIVIDADE 1 DA 2a OBSERVAÇÃO: O Procedimento para Trinômios Quadrados
Perfeitos
Um exercício algorítmico, retirado do livro didático (IMENES;
LELIS, 2001, p.89) adotado pela Professora, é o seguinte:
52 Veja o episódio: “Atividade 6 da 3a Observação: ‘Eles não Vão Agüentar Outro...’”, p.92.
83
Copie e complete o trinômio quadrado perfeito:
16x2 + 8x + [ ]
Logo no início da aula, a Professora indica a página do livro
didático e pede aos alunos para fazerem o “exercício de TQP”, segundo suas
próprias palavras, querendo dizer Trinômio Quadrado Perfeito. Dizendo isso,
ela escreve o exercício na lousa e começa a explicar a resolução. Para esse tipo
de exercício, seu procedimento para explicar foi sempre o mesmo: extrair a raiz
quadrada dos quadrados das parcelas, multiplicá-los, depois dobrar o
resultado e descobrir o que falta para completar o trinômio quadrado perfeito
comparando esse resultado com o termo central do trinômio dado.
Abaixo se encontra o procedimento realizado por ela na lousa.
Em seguida estão seus dizeres durante a explicação.
216x + x8 + [ ]
216x []
x4 ⋅⋅ x42
“Qual o valor que deve ir aqui dentro [apontando o circulo
desenhado à direita de ⋅⋅ x42 ] pra que dê 8x? Como já tenho 8x, por quanto devo
multiplicar para não alterar?”
84
( )214 +x
“O número que vai aqui [apontando o local onde escreveu o
número 1] é a raiz quadrada daqueles colchetes lá em cima”
Apontando para a lousa, disse ainda:
Como eu sei que é um trinômio quadrado perfeito? Escrevo o 216 x e o [] , e confiro se esse produto do meio bate. Ele só é
perfeito quando o produto do meio dá certo. Se fosse 5 lá, seria uma equação.
Perguntando aos alunos como eles poderiam se certificar de que
o resultado estava correto, alguns responderam que bastaria resolver a
expressão a que chegaram, e em seguida, começaram a resolver. A Professora
começa a andar pela classe olhando alguns cadernos e percebe que alguns
alunos estavam com dificuldades para desenvolver a expressão: ( )214 +x . Ela vai
à lousa e diz: “Vamos lembrar o ano passado”. Então escreve:
=+
++=++2
22
)(2))((
ba
babababa
a2 b2
ab + ab
Enquanto escrevia, ela dizia em voz alta as multiplicações: “a
vezes a, a vezes b, mais b vezes a, mais b vezes mais b.”. Ela segue o mesmo
procedimento com: ( )( )1414 ++ xx . Para cada multiplicação, ela desenhava uma
flecha ligando os fatores, da seguinte maneira:
85
( ) )14(14 ++ xx
Descontraindo, ela diz que não é para ninguém começar a atirar
flechas para todo lado, pois essas não eram as flechas que os índios atiravam,
mas sim indicavam quais termos multiplicavam quais termos. A classe ri desse
comentário. Ao final, ela fala: “Façam isso lá no fim do caderno ou em outro
lugar. Não tem nada a ver com o caderno de vocês agora”. Isso devido ao fato de
ela ter relembrado algo – a propriedade distributiva da multiplicação - do ano
anterior. Parece-nos que, no momento, para ela a seqüência a ser seguida no
caderno deve ser linear e crescente em termos do conteúdo definido para a
série.
Na conversa informal que tivemos com a Professora ao final da
aula, perguntamos sobre o que ela achava desses exercícios para completar o
trinômio quadrado perfeito. Ela respondeu que isso, em parte, era matéria da
7a série ou do começo da 8a série, mas que estava “repassando” porque não
poderia prosseguir com a matéria sem que os alunos soubessem esse conteúdo.
Ainda nos disse que é complicado prosseguir com o conteúdo porque os alunos
têm dificuldades cada vez mais básicas, como, por exemplo, a propriedade
distributiva da multiplicação e dificuldades com potências que envolvem
números negativos. Por ser algo, segundo a Professora, que eles já deviam
saber, ela pediu para não copiarem aquilo na seqüência do caderno, mas sim
em outro local qualquer. Os dizeres da Professora sobre a seqüência
apresentada pelo livro didático e a maneira como o usa foram os seguintes:
eu sigo toda a seqüência que ele [livro] tem, mas se lá atrás tem alguma coisa que pode aqui eu vou até lá e volto, principalmente a geometria, né, que a geometria fica sempre lá no fim, e às vezes a gente tem...., embora ele coloque no meio, mas tem muita coisa assim lá pra trás, no fim do livro, que a gente usa no início, “oh vocês vão lá em tal página”. (1a Entrevista)
Essa idéia do parágrafo anterior parece nos mostrar que ela
86
tinha um objetivo claro com as atividades que escolheu para a aula: preparar
os alunos para poder ensinar funções. Portanto, será que a Professora pensa
que eles precisam de alguns pré-requisitos para aprender funções do 2o grau?
A prática da Professora nos diz que sim, mas os dizeres dela durante a
entrevista confundem-nos e mostram que em alguns momentos essa não é a
maneira como ela pensa e, em outros momentos, ela parece reconhecer que a
seqüência apresentada pelo livro é importante. Veja um trecho da 1a Entrevista,
na qual lhe perguntamos se os alunos precisam necessariamente já saber
alguma coisa para poderem aprender funções do 2o grau:
Ah eu acho que sim, ele não consegue entender função porque é... normalmente quando a gente faz lá... é... começa função, começa com função do 1o grau, né, e quase sempre eu digo, ‘onde é que função cortou o eixo?’, ‘onde ela cortou o eixo’, ‘quais são os pontos positivos, quais os negativos?’, ‘positivos, negativos’...
Em seguida a esses dizeres, comentamos que ela havia falado
que queria treinar os alunos com TQP para poder ensinar funções do 2o grau,
ela então disse:
Acho que foi por acaso (breve pausa). O que eu acho é... o importante quando a gente começa o quadrado perfeito é por causa da geometria, né. Agora, esse ano, volta e meia eu colocava lá um desenho que diz o valor... quanto é que vai medir isso se a área disso é tanto, quanto é que vai valer esse quadrado se a área disso é tanto. Volta e meia eles me diziam: ‘Ei, mas você já passou isso, você já explicou isso!’ Mas eles põem a resposta rapidinho e aí quando eu falei em equação eles disseram: ‘Por isso que você dava sempre aqueles quadrados pra gente fazer!’, daí eles perceberam a equação do 2o grau, não sei se porque a turma era boa, se foi por acaso. Mas, volta e meia eu colocava um desenho, era uma turma que gostava de desenhar, agente fez um trabalho... Eu pedi uma pesquisa com cada turma sobre..., cada turma que eu tinha, né, sobre folclore e a 8a série fez uma pesquisa sobre os japoneses, e, de repente, tinham na sala seis ou sete japoneses, eram bons na sala, alunos excelentes, daí, quando terminou, eles fizeram lá várias atividades [...], aí eles me pediram pra ensinar origami pra turma, aí agente dividiu a turma em grupos de 4 e 5 e eles ensinaram, inclusive eu sentada aprendendo, aí todos eles passavam no mesmo grupo que eu estava pra me ensinar alguma coisa. [...]. Sabe, eu acho que não é assim..., agente tem que ver o que acontece na turma e que a gente pode aproveitar, às vezes a gente muda todo o planejamento da coisa. Mas eu sou meio tradicional ainda. (1a Entrevista)
Nesse momento perguntamos por que ela se sentia tradicional,
87
em que sentido, e a Professora diz: “Na seqüência das coisas. Eu ainda tomo
muito cuidado pra não fugir muito e tenho que me policiar pra terminar o
assunto” (1a Entrevista).
A Professora parece entender que para aprender certo conteúdo
de Matemática os alunos precisam de alguns pré-requisitos, no entanto, em
certos momentos, a seqüência a ser seguida pode ser quebrada devido àquilo
que, digamos assim, capta dos alunos e toma decisões enquanto pratica. O
currículo e o livro didático são, realmente, um “guião” para sua prática
(PONTE, 2002).
Podemos perceber também como a Professora tem uma relação
prática com o mundo, respondendo, muitas vezes, reportando-se a exemplos de
aulas que já lecionou, aulas que deram certo. Ainda, ela percebe -se agindo de
uma maneira que ela chama de “tradicional”, presa, muitas vezes, à seqüência
de conteúdos apresentada pelo livro. Sua reflexão sobre a prática a faz perceber
isso, porém, sua prática, como pudemos ver, ainda enquadra-se nos moldes
daquilo que ela mesma intitula de “tradicional”. Segundo Tardif (2002), os
primeiros anos de prática de um professor são os anos nos quais ele confirma
sua capacidade para ensinar, criando um repertório de práticas que muito o
influenciarão durante sua carreira profissional. Nesses primeiros anos, ocorre
praticamente uma (re)formação profissional. Agora, perguntamos: Não teriam
os saberes acadêmicos e curriculares influenciado essa (re)formação,
sustentando, mesmo que inconscientemente, os dizeres da Professora: “mais eu
sou meio tradicional ainda”?
De certa maneira, durante sua carreira profissional, podemos
notar que a Professora age como uma pesquisadora de sua própria prática, um
exemplo é essa maneira de fazer constituída num esquema para completar
TQPs, pois foi algo que passou por uma validação baseada nos resultados, em
sala de aula, de sua utilização – constitui-se num saber experiencial (TARDIF,
2002). Como coloca Charlot (2000, p.68), “o saber só pode assumir sua forma
de objeto através da linguagem; melhor ainda, da linguagem escrita”, no
entanto, não faz sentido algum se não o relacionamos à atividade, à prática,
pois parece que, neste caso, esse saber experiencial configura-se como um
domínio de uma atividade (CHARLOT, 2000), a de explicar como se completa
um TQP.
88
Em outras ocasiões, ela se referiu a essas aulas
(aproximadamente 4), nas quais estava passando exercícios algorítmicos com
trinômios, como um treino. O que vem ao encontro da definição de “exercícios
algorítmicos” (BUTTS, 1997), um treino, um exercício, um procedimento. A
maneira de explicar da Professora, para esses exercícios que envolviam TQP,
era sempre igual: um procedimento passo-a-passo, utilizando o modelo do
esquema que desenhava na lousa. E como há diversos exercícios desse tipo no
livro didático, parece-nos que a Professora teve de encontrar um modo de
explicá-los aos alunos. Esta maneira de fazer específica, segundo os dizeres da
Professora, tem a seguinte origem:
Ah, não sei. Eu vi em algum lugar isso pra usar, provavelmente (breve pausa). Ah, provavelmente eu vi em algum livro em alguma coisa, às vezes o aluno traz alguma coisa pra gente, às vezes o aluno traz. Porque eu sempre achei muito difícil que eles percebessem o meio [o termo central de um TQP], as pontas, numa boa, mas o meio! Se agente inverte aquilo, estragou tudo. [...] Provavelmente foi de algum livro que veio, que eu vi e, provavelmente, deu certo em alguma época e ficou, né. (1a Entrevista)
Esse fato parece corroborar o que Tardif (2002, p.54) diz a
respeito dos saberes experienciais surgirem como um núcleo vital do saber
docente: “núcleo a partir do qual os professores tentam transformar suas
relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua
própria prática”. O currículo ou o livro didático parecem limitar de alguma
forma a maneira pela qual o professor deve agir, parecem impelir a
determinadas práticas, e, como disse a Professora, aquilo que dá certo fica,
como se a prática fosse um filtro no qual o professor adapta as maneiras de
fazer àquilo que as situações lhe sugerem. De alguma forma os exercícios
algorítmicos limitaram a prática da Professora, pois ela apresenta maneiras de
fazer consideravelmente diferentes de quando escolhe um problema de
aplicação, por exemplo, como veremos no episódio intitulado “Atividade 1 da 9a
Observação: a exceção- um problema de aplicação” (p.94).
Esse esquema para explicar os TQPs parece ser um saber
experiencial da Professora. Ou será que não é experiencial? Que espécie de
relação é essa da Professora com os saberes curriculares? Vejamos o exemplo
que Charlot (2000) nos fornece sobre um engenheiro utilizando um enunciado
89
de física e, para fins de reflexão, tentemos substituir a palavra engenheiro por
professor.
Por exemplo, quando um engenheiro utiliza um enunciado de física dos materiais, devemos falar em um saber científico ou e m um saber prático? Não é porque o engenheiro o utiliza que o enunciado deixa de ser científico. [...] Como tal, é um enunciado, não existindo motivo nenhum para que lhe acrescentem adjetivos. Não obstante, foi produzido em uma relação científica com o mundo (através de experimentos, validação por uma comunidade, etc.) e será reconhecido como científico por qualquer pessoa que se inscreva integralmente em tal relação com o mundo. Esse enunciado, todavia, é mobilizado pelo engenheiro em uma relação prática com o mundo (isto é, em uma relação finalizada e contextualizada). Em outras palavras, é a relação com esse saber que é ‘científica’ ou ‘prática’ e, não esse saber em si mesmo. (CHARLOT, 2000, p.62)
Esse saber, talvez curricular, com o qual a Professora se
relacionou, passou por uma validação experimental, como ela mesmo disse que
deu certo e ficou, talvez tenha até passado por outra validação social que não
seja a da sala de aula com os alunos, mas sim com outros professores.
Será, então, que da maneira como coloca Charlot (2000), o saber
é algo com o qual se pode relacionar de diferentes maneiras? Com um mesmo
saber poderíamos, então, estabelecer uma relação científica, prática ou outra
qualquer, dependendo do tipo de atores que somos? Ou será que o saber da
Professora – a maneira de utilizar o esquema - transformou-se em “saber-
objeto” (CHARLOT, 2000), mediante sua prática de escrever o esquema na
lousa, e aí outra vez a Professora relaciona-se com ele, e torna a utilizar o
esquema, validando-o de diferentes maneiras em diferentes situações, de tal
maneira que sua origem torna-se incerta? Talvez se transmudou, com o passar
dos anos, em um saber escolar da escola?
Um outro aspecto, que nos chamou a atenção, foi a tomada de
decisão da Professora: explicar a propriedade distributiva da multiplicação por
ter notado dificuldade por parte dos alunos. É importante lembrar que ela
apenas pôde observar essa dificuldade por ter o hábito de caminhar pela sala
olhando os cadernos e atendendo dúvidas dos alunos, enquanto eles
desenvolviam uma atividade que havia proposto.
90
ATIVIDADE 4 DA 3a OBSERVAÇÃO: os Gêmeos
“Cinco minutos para resolver isso, valendo um ponto para os
cinco primeiros que resolverem [escreve na lousa o exercício] É para verificar se
são iguais”
( )22 52510 +=+− xxx
Dessa maneira a Professora propõe uma atividade à turma. No
livro didático, a expressão 25102 +− xx aparece numa parte intitulada
“Conversando sobre o texto”53 (IMENES; LELIS, 2001, p.86). A proposição do
livro para essa expressão, dentre outras que se encontram no mesmo local, é a
seguinte: “Vamos fatorar mentalmente:”. Parece-nos que, influenciada por essa
proposição e pelo texto sobre o qual trata essa parte54, a Professora parece
criar, talvez de improviso, talvez já planejado anteriormente, uma maneira de
propor a atividade aos seus alunos, diferentemente da maneira sugerida pelo
livro.
Os alunos, que antes estavam agitados por terem desenvolvido a
atividade anterior em duplas, depois da proposição da Professora, mobilizaram-
se e tentaram resolver o exercício. Alguns copiavam dos colegas, mas a maioria
tentava fazer sozinho e, destes, alguns já começaram a chamar a Professora
para perguntar algo. O que não era tão comum. A Professora, antes mesmo de
atender a alguém, volta à lousa e escreve abaixo do termo à direita do sinal de
igualdade:
)5)(5( ++= xx
Alguns minutos se passaram e registramos o seguinte diálogo
53 Veja Anexo B: “Mais resoluções por fatoração” e “Conversando sobre o texto”. 54 Veja Anexo B.
91
entre uma aluna (A) e a Professora (P):
A – Professora, são iguais.
P – Deu certo!? São iguais, iguais, iguaizinhos? Tem certeza?
A – Ah, deixa eu ver (pequena pausa).
P – Os gêmeos são iguais? (pequena pausa) Tem uma
diferencinha, né?
Então ela completa a resolução na lousa:
( )( )
252525552510
552510
22
22
2
++=+−
+++=+−
++=+−
10x10x xx
xxxxx
xxxx
Como havia dois irmãos gêmeos na classe, ela quis compará-los
ao 10x e ao –10x que, embora “iguais”, têm uma pequena diferença. Dizendo
isso, ela passa um traço em todos os sinais de igualdade, transformando-os,
assim, em sinais de diferença ( ≠ ). Explica que deveriam multiplicar o (x+5) pelo
(x+5) e, dessa forma, multiplicar termo a termo. Para lembrá-los como fazer
essa multiplicação, ela se reportou às expressões “flechas” e “índios”, usadas
há duas aulas.
Tendo explicado tudo isso, a Professora diz que, se a igualdade
fosse verdadeira, o trinômio “ 25102 +− xx ” seria um Trinômio Quadrado Perfeito
(TQP). Nesse caso, talvez a Professora tenha esquecido que, mesmo sendo falsa
a igualdade, esse trinômio ainda é um quadrado perfeito, pois podemos
escrevê-lo na forma 2)5( −x . Nem sempre ao fatorarmos um TQP encontraremos
o quadrado de uma soma55, também podemos encontrar o quadrado de uma
diferença56.
Durante a aula, a Professora não se reportou ao texto e aos
comentários contidos no livro (que se encontram no Anexo B), nem leu com os
55 2)5( +x
56 2)5( −x
92
alunos. Ela apenas propõe um exercício baseada naquilo que o livro sugere. A
Professora parece utilizar o livro como se fosse um “guião”57, segundo coloca
Ponte (2002, p. 19). De certa maneira, ela quer ensinar aquilo que o livro
sugere, mas também faz adaptações modificando aquilo que lhe parece
necessário.
ATIVIDADE 6 DA 3a OBSERVAÇÃO: “Eles não Vão Agüentar Outro...”
Na aula desse dia, depois de a Professora propor três exercícios
com trinômios quadrados perfeitos (TQP) e duas equações do 2o grau na
seguinte seqüência: TQP, equação, TQP, TQP e equação, os alunos estão
dispersos e há uma agitação caracterizada por conversas, por alguns que se
levantam e vão até as carteiras dos colegas, por trocas de contatos agressivos,
enfim, o que é normalmente chamado no ambiente escolar de indisciplina, mas
que parece normal entre esses alunos. A Professora chama a atenção de todos e
pede que se dividam em duplas e que copiem e resolvam o próximo exercício
numa folha separada para lhe entregar ao final da atividade. Ela anuncia que o
exercício valerá dois pontos para a dupla que o resolver. Por conta disso, há
uma mobilização por parte dos alunos: alguns procuram os colegas que lhe são
mais íntimos, outros procuram aqueles considerados bons alunos etc.
Enquanto isso, a Professora vai até a lousa e escreve:
“Construa um gráfico para a equação:”
22xy =
Neste momento, a Professora se dirigiu até o observador e disse:
“Passei esse agora porque eles não vão agüentar outro de TQP ou de delta”.
Referindo-se ao trinômio quadrado perfeito e às equações do 2o grau, as quais
sempre eram resolvidas utilizando a fórmula de Báskara. Ela então volta à
57 Que o professor procura adaptar aos seus alunos e às suas condições de trabalho.
93
lousa e escreve:
x y -2 -1 0 1 2
Em seguida, ela olha para a classe e diz: “Mais ou menos a
gente já fez isso lá atrás”. Um aluno diz: “Não lembro”. E ela: “Fez sim. Eu
chamei isso de equação. Quanto vale y para x igual a –2?” Explica um pouco
mais dizendo que devem substituir os valores de x na função dada, depois
colocar os resultados na tabela e somente depois construir um gráfico.
Confirmamos com a Professora ao final da aula que ela realmente estava
relembrando os alunos de como fazer, pois ela já havia tocado nesse assunto,
embora bem superficialmente. Ela sugere aos alunos que façam direto na
tabela, ou que façam de cabeça, pois esses eram cálculos fáceis. Escreve outra
tabela na lousa:
x 22xy =
Alguns alunos a chamam para perguntar algo da resolução.
Depois de algum tempo, ela substitui o primeiro valor de x na função e
pergunta: “Quanto dá?”. Algumas alunas que sentam nas carteiras da frente
respondem: “Oito”. A Professora desenha, então, os eixos x e y e indica os
valores de x, conta de dois em dois até oito, fazendo pequenos traços no eixo y,
traça as linhas pontilhadas paralelas aos eixos e marca o ponto (-2, 8). Assim
desenha na lousa:
94
A Professora segue atendendo às dúvidas de mais duas duplas.
A aula acaba, interrompida pela sirene da escola. Duas duplas lhe entregam as
folhas com a resolução que fizeram e ela anota em sua caderneta dizendo que
quem quiser entregar na próxima aula ganhará apenas 1 ponto. Note que em
ambos os eixos a proporção para indicar os pontos (os pequenos traços sobre
os eixos) é a mesma, no entanto, no eixo y, os pontos estão marcados de dois
em dois, conforme ela mesma contou: dois, quatro, oito. Isso faz com que o
formato do gráfico seja outro, não o da função do enunciado do exercício.
ATIVIDADE 1 DA 9a OBSERVAÇÃO: a exceção- um Problema de Aplicação
O problema, que não se encontrava no livro didático, foi trazido
pela Professora e ditado aos alunos. Hora ou outra ela interrompia o ditado
para que pudesse explicar alguns aspectos. Foi a primeira vez que pudemos vê-
la dando algum tipo de explicação que não se referisse à aplicação de uma
fórmula, à aplicação de um algoritmo ou outro procedimento passo-a-passo.
Nessa atividade, ela tentou dar exemplos próximos ao cotidiano dos alunos,
afim de os fazer entender a partir do ponto de vista deles. O que caracteriza a
“forma de conhecimento situacional”, segundo Edwards (1997).
À medida que ela dita o seguinte problema de aplicação (BUTTS,
(-2,8)
-2 -1 0 1 2
y
x
8
95
1997) para a turma, alguns alunos duvidam que um balão tenha a capacidade
de percorrer 25 metros em um minuto, como propõe o seguinte problema:
“Com a finalidade de realizar algumas experiências, um instituto de pesquisa lançou um balão. Esse balão sobe a uma velocidade constante percorrendo 25 metros a cada minuto. À partir dessa situação, responda: Qual a altitude que o balão atinge após 18 minutos do lançamento? Se ele está programado para realizar experiências a uma altitude de 2000 metros, quanto tempo levará para atingir essa altitude? Faça a tabela e o gráfico que representam o movimento.”
A Professora pára o ditado na segunda oração e começa a dar
exemplos de medidas: altura da sala de aula (3 metros), tamanho de uma
quadra de esportes (aproximadamente 20 metros), etc. até que os alunos se
convencem de que realmente era possível subir os 25 metros em tão pouco
tempo. Nesse momento, ela pergunta: “Alguém sabe quanto mede exatamente a
nossa quadra?” (referindo-se ao local onde os estudantes realizam atividades
físicas). Os alunos sugerem alguns números ao acaso, então ela pede como
tarefa para a próxima aula que eles pesquisem qual o tamanho oficial de uma
quadra de esportes e qual o tamanho da quadra da escola.
Quando ela dita as palavras “velocidade constante”, os alunos
questionam o que seria isso. Ela tenta dar exemplos começando a andar
lentamente pela classe dizendo: “Vejam, eu não vou mais rápido nem mais
devagar, apenas mantenho esse passo”. E, referindo-se ao balão, fala: “Significa
que não altera, ele vai andar sempre, a cada minuto, 25 metros”. E dá outros
exemplos como o de um carro andando a 10km/h e de uma viagem a 90km/h.
Depois prossegue o ditado.
No momento em que ela dita as palavras “lançou” e “realizar”,
sem que ninguém peça, ela as escreve na lousa como que prevendo que os
alunos iriam ter dúvidas na escrita.
Ao acabar o ditado desse enunciado, a Professora deixa um
tempo considerável para os alunos resolverem (entre oito e dez minutos).
Depois tenta ajudá-los a descobrir a função que o problema pedia. Com esse
intuito, fazendo perguntas e respondendo a algumas delas (como veremos no
diálogo transcrito logo adiante), outras vezes ouvindo os alunos, ela acaba por
escrever a função na lousa. Conforme transcrição a seguir:
96
tempo (min) Distância (m) t = 0 D = 0 t = 1 D = 25 t = 2 D = 2 . 25 t = 3 D = 3 . 25
. .
. .
. .
Conforme escrevia, ela explicava: “E agora, quando o tempo for
2, quanto é aqui?”, apontando a coluna da direita. Alguns alunos dizem:
“Cinqüenta”. Ela então pergunta: “Mas que cálculos vocês fizeram para falar
cinquenta?”. Há uma pequena pausa, nenhum aluno responde e ela continua:
“É 2 vezes 25. E para o tempo igual a 3?”. Os alunos então respondem: “75”.
Então, segue-se um diálogo entre a Professora (P) e duas alunas (A1 e A2):
A1 - Nossa, Professora, tem que fazer até 18?
P - Não, não tem.
A Professora, chamando a atenção para a maneira como ela
escreveu na lousa, diz:
P - Quando é 2, 2 vezes 25. Quando é 3, 3 vezes 25. Quando é 4,
4 vezes 25.
A2 – Ao invés de colocar 2 vezes 25, posso colocar 50?
P – Mas aí, quando você quiser saber para daqui a 18 minutos,
como é que você faz?
As alunas ficam quietas então a Professora continua.
P - Eu coloquei assim para vocês pensarem um pouco e verem o
que acontece. Podem discutir, podem pensar juntos, só não pode conversar.
Passado algum tempo, um estudante (A3) se levanta e vai falar
com outro, perguntando se está certo. A Professora então o chama:
P – Deixa eu ver o que você fez?
Ela pega o caderno, olha e depois diz:
97
P - Um por um, não acredito! Um por um!
A3 – É.
A Professora diz para a classe que ele (A3) tinha somado de 25
em 25 até encontrar o resultado para o tempo igual a 18 minutos, e depois
continuou até obter a distância igual a 2000m. Ressalta, então, que dessa
maneira demoramos muito para encontrar o resultado. Ela volta para a lousa e
continua a completar a tabela.
tempo (min) Distância (m) t = 0 D = 0 t = 1 D = 25 t = 2 D = 2 . 25 = 50 t = 3 D = 3 . 25 = 75 t = 4 D = 4 . 25 = 100.
. .
. .
. . t = 18 d = 18 . 25 = 450
. .
. .
. . t = ? d = t . 25 = 2000
A Professora fala que alguns podem ter reparado que no tempo
20 min a distância é 500m. Então, no tempo 40 min, será 1000m. No 80 min,
2000m. E diz: “Agora, se vocês não fizerem assim, que cálculo têm que fazer?”.
Então ela escreve a última linha da tabela e rapidamente alguns alunos dizem
o resultado (2000).
Depois disso, seguiu-se a construção do gráfico, que não vamos
relatar, pois consideramos que os aspectos mais relevantes registrados quanto
ao desenvolvimento do problema já estão postos.
Quando precisa explicar algo que lhe é questionado, a
Professora nos mostra a sua grande capacidade de fazer analogias. Num
primeiro momento, quando os alunos duvidam da capacidade de um balão
percorrer 25 metros em pouco tempo, ela parece ter considerado que eles não
tinham com clareza a noção espacial de 25 metros. Esse fato a fez dar exemplos
98
simples como o tamanho da porta da sala de aula e da quadra de esportes. São
componentes da estrutura física da escola com os quais todos convivem
diariamente e de que a Professora soube lançar mão num momento adequado.
Além disso, aproveitou a oportunidade para propor outra atividade, uma tarefa.
Podemos contrapor a apresentação desse problema com a idéia
da relação de exterioridade (TARDIF, 2002) com o conhecimento que a
Professora tem que ensinar, pois, quando ela está trabalhando com exercícios
do livro didático, está ensinando técnicas, está “treinando” os alunos, a
Professora parece estar externa, embora faça o possível para melhor realizar
aquilo que o livro didático propõe – e aí surgem os esquemas na lousa, outras
analogias, etc.. Porém, quando ela traz algo que não estava previsto no livro, de
certa maneira, ela se expõe, ela participa, segundo sua racionalidade, e não a
racionalidade do livro, por exemplo. Num certo sentido, ela se desobriga.
Percebemos que a Professora fez um grande esforço para
possibilitar que os alunos descobrissem a função que o enunciado do problema
pedia. Ela escreveu a tabela indicando a multiplicação do tempo pela distância
e por várias vezes foi enfática em sua fala sobre a relação entre o tempo e a
distância. Quando o aluno (A3) lhe mostrou como tinha resolvido o problema,
pareceu-nos que ela ficou frustrada, já que aquela estratégia resolvia o
problema, mas não chegava à generalização que ela queria. Parece-nos que
nesse diálogo dela com A3, outra vez algo volta a ficar exterior. Pois, como o
aluno fez “um por um”, a Professora parece considerar que aquele modo de
fazer não é o melhor, não consta naqueles “objetos de saber” (CHARLOT, 2000)
com os quais ela costuma lidar - o livro didático, por exemplo - o que não lhe
permite a possibilidade de diálogo com o aluno, de saber por que ele fez daquele
jeito.
Ao perguntarmos à Professora se ela considera, quando corrige
uma prova, diferentes maneiras de se resolver um exercício ou problema, ela
responde:
Eu preciso me policiar com isso, porque normalmente eu explico, aí alguém fala assim: ‘Professora, eu não entendi isso’, eu volto lá explico de uma outra maneira. E muitas vezes, durante a vida, eu escuto lá chamando, ‘você explicou de um jeito e agora explica de outro’, vira uma confusão danada. [...] Talvez um entenda melhor desse jeito, pra alguns sim mas pra alguns não. [...] Do jeito que ele [o aluno] resolver... se for uma coisa que eu não entendi, eu
99
deixo e quando eu chego na sala eu pergunto: ‘Fulana, explica aqui o que quer dizer isso, como é que você fez isso aqui?’. Se ele explicar e se for uma coisa correta, tudo bem... (2a Entrevista)
Podemos ver que a Professora parece aceitar diferentes maneiras
de se resolver um exercício, mas, como vimos durante a atividade, talvez a
relação que ela tem estabelecido com os saberes curriculares a faça olhar para
a resolução do aluno (A3) de uma maneira diferente. A exterioridade não é
natural, pois o que está presente aí é uma submissão (SILVA, 1995;
EDWARDS, 1997) em relação aos saberes curriculares e disciplinares
(considerados como verdades únicas). Há uma questão de poder implícita nesse
ponto, na medida em que esses saberes são oriundos de locais poderosos, no
sentido de que são locais onde ocorre descoberta, validação e legitimação de
saberes, locais instituídos como o lugar onde se faz pesquisa. Passa a idéia de
que a pesquisa é melhor que o ensino, e de que pesquisa é coisa de
Universidade, é coisa das ciências, não do ensino, não do professor que ensina
Matemática no Ensino Fundamental, por exemplo. O produtor de saberes é o
matemático e não o professor. Aí está um ponto problemático da relação de
exterioridade: não tem como proposta que o professor seja o produtor de
saberes, mas sim como reprodutor, como técnico do ensino.
Esse saber de construção coletiva é apropriado pelo sujeito. Isso só é possível se esse sujeito se instala na relação com o mundo que a constituição desse saber supõe. Não há saber sem uma relação do sujeito com esse saber. (CHARLOT, 2000, p.63)
A Professora, durante a entrevista, muito se reportou à sua
experiência, muitas vezes dando exemplos de fatos da sala de aula, parecendo
ter dificuldade em falar de outros livros que a ajudam, ou ajudaram, em falar
da formação continuada. Parece querer adotar o discurso dos PCN, mas não
consegue articular um exemplo de sala no qual estivesse presente o
desenvolvimento de uma competência ou habilidade. Por quê? Por quê? Na
citação anterior, Charlot (2000) parece nos dar alguma pista: a apropriação de
saber “só é possível se esse sujeito se instalar na relação com o mundo que a
constituição desse saber supõe.” Nossa hipótese é que as maneiras pelas quais
as teorias estatizam, definem, classificam, instituem como verdade absoluta os
conhecimentos sobre a prática, fazem com que o professor não se instale nessa
100
relação porque sua prática o faz se instalar em outra relação, na qual os
pressupostos são que as salas de alunos são diferentes entre si, que os alunos
de cada sala também são diferentes, portanto, são necessárias maneiras
diferenciadas de fazer e de dizer para cada uma das diferentes situações, para
assim resolver os problemas que surgem. Ou seja, os professores de profissão
parecem ter uma relação prática com o mundo de tal maneira que acabam
estabelecendo uma relação crítica com os saberes da formação profissional,
disciplinares e curriculares (TARDIF, 2002).
A Professora tem o hábito de fazer perguntas aos alunos, e as
faz o tempo todo quando está explicando algo. No entanto, na maioria das
vezes, ela não deixa tempo para os alunos elaborarem uma resposta ou mesmo
pensarem um pouco mais. Pudemos ver isso quando ela estava escrevendo a
tabela com os valores do tempo e da distância, principalmente quando ela
escreveu a função na tabela..
Outro aspecto que merece nosso comentário é que, embora a
principal diferença entre o enunciado de um exercício algorítmico e um
problema de aplicação (BUTTS, 1997) seja apenas o fato de que, grosseiramente
falando, o enunciado do problema diz em palavras o que o enunciado do
exercício diz numa linguagem matemática, isso já foi suficiente para despertar
a curiosidade dos alunos. A gestão que a Professora realiza sobre o enunciado
do problema ocasionou uma interação entre ela e os alunos que até o momento
não tinha ocorrido.
Nesses episódios que temos descrito, parece-nos que as relações
que a Professora estabelece com os seus saberes experienciais (TARDIF, 2000)
mostram-se mediante os dizeres e fazeres dela. Esses dizeres e fazeres, estando
em confronto com outros sujeitos, os alunos, e em contextos específicos nos
quais a Professora tem suas intenções com as atividades que propõe, parecem
se configurar naquilo que Bakhtin (1992) chamou de “enunciado”. Podemos
colocar, então, que se configuram como enunciados profissionais da Professora.
Num primeiro momento, parece óbvio dizer que todos esses
enunciados profissionais foram investidos pela Professora em uma relação com
o mundo na qual ela queria ensinar os seus alunos. Porém, note que os
diversos fatores do ambiente profissional da Professora, o tempo, o cumprir o
101
programa, o aplicar provas, o relatar aos outros professores e ao coordenador o
que faz, o reunir-se com os pais dos alunos etc., dentre eles ressalte-se a
relação, muitas vezes de submissão, com saberes ditos oficiais (SILVA, 1995;
EDWARDS, 1997), indicam que nem sempre na relação da Professora com o
mundo escolar subjaz sua vontade de querer ensinar (ou nem sempre essa
vontade está preponderante), pois há outras tarefas a serem cumpridas.
Portanto, perguntamos: Não teriam esses diversos fatores contribuído na
constituição dos saberes da Professora? Por exemplo, supondo que há um certo
conteúdo que é considerado importante, não conseguir ensiná-lo aos alunos
significaria obter problemas nas instâncias dos diversos fatores que colocamos.
Há nesse ponto um outro tipo de relação com o mundo. Como coloca Charlot
(2000, p.64), “um enunciado que possa ser investido em uma relação com o
mundo que seja uma relação de saber pode também ser investido em outro tipo
de relação”, por exemplo, numa relação de submissão aos dizeres do currículo.
Nesse caso, a apropriação do saber é frágil, pois esse saber pouco apoio recebe do tipo de relação com o mundo (descontextualização, objetivação, argumentação ....) que lhe dá um sentido específ ico; e adquire sentido em outro sistema de sentido. (CHARLOT, 2000, p.64)
Parece-nos que essa imposição realizada por diversas instâncias
sobre o trabalho da Professora fez com que ela desenvolvesse um saber fazer
que se configura como um esforço contorcionista de resolver os problemas que
surgem ao ensinar os conteúdos, como, por exemplo, a estratégia que a
Professora desenvolveu para explicar exercícios de Trinômios Quadrados
Perfeitos e as diversas analogias que ela usou.
102
6 OLHARES FINAIS
A Professora parece ser uma produtora de saberes influenciada
por diversos fatores que permeiam seu trabalho, dentre eles, ressaltamos o livro
didático, o programa de conteúdos anuais, seus alunos e as regras da
instituição Escola. Os saberes curriculares, representados pelo livro didático
com o qual a Professora lidava, como pudemos observar, influenciaram
consideravelmente a sua prática e, dessa maneira, transpareceu uma relação
de exterioridade com esses saberes na qual, muitas vezes, o significado
matemático das atividades se perdeu em função dos objetivos que, enquanto
professora, ela queria atingir. Em busca de cumprir o conteúdo, ou em busca
de ensinar bem o que ela considerava essencial, a Professora cria seu repertório
de práticas, seus hábitos, enfim, seus saberes experienciais (TARDIF, 2002). Aí
surgiam as distorções presentes, por exemplo, nas analogias que ela usa, pois
são maneiras de fazer que, no modo da Professora olhar, talvez ajudem os
alunos a lembrar, a visualizar melhor as coisas, no entanto, obscurecem os
significados.
Como o livro continha, preponderantemente, exercícios
algorítmicos, a prática da Professora contemplava várias explicações de
técnicas, vários procedimentos e esquemas com características algorítmicas.
Podemos até pensar que, nesse sentido, a Professora é uma técnica do ensino,
já que a relação que ela estabelece com esses saberes, relação na qual ela vai
constituindo seus saberes experienciais, é essencialmente prática. Porém, a
Professora apresenta sua racionalidade dizendo estar ciente de que os alunos
têm dificuldades com Trinômios Quadrados Perfeitos, têm dificuldades com
números negativos, com operações simples etc., então, ela, como profissional
dedicada que é, não se acomoda, mas sim constrói maneiras de fazer para
tentar resolver os problemas da prática, para melhor desenvolver seu trabalho
com os alunos. Para os problemas que ela identifica, de algum modo, ela
investe uma resposta prática. Um exemplo disso é a tomada de decisão da
Professora registrada na Atividade 6 da 3a Observação: “Eles não vão agüentar
outro...”. E nesse sentido, embora influenciada por esses fatores que temos
citado, a Professora de maneira alguma age como um técnico, mas em função
de um outro tipo de racionalidade. Haverá uma maneira de não sermos
103
influenciados por aqueles diversos fatores que citamos? Provavelmente não.
Então, quem ou o que escolhemos para exercer essa influência é um ponto
fulcral de nossa prática docente. Ou seja, quais livros didáticos escolheremos,
quais outros livros, quais as partes desses livros nos interessam, e quais
motivos nos levam a escolher esse ou aquele; quais teorias estudaremos, com
qual subjetividade guiaremos nossa prática, e por quais motivos escolhemos
essa ou aquela. E o discernimento para tais escolhas poderia ser fornecido
pelos saberes da formação profissional e pelos saberes disciplinares.
Podemos fazer uma comparação entre quando a Professora
segue as atividades do livro didático e quando traz algo fora do livro. A
apresentação e o desenvolvimento dos dois problemas de aplicação configuram-
se como aulas totalmente diferentes do usual, com mais liberdade por parte da
Professora. Ela participava de tal maneira que parecia agir totalmente em
função do contexto criado e daquilo que os alunos estavam fazendo. Claro que
os enunciados dos problemas de certa forma proporcionaram isso, mas temos
que levar em conta a questão da Professora ter abandonado o seu “guião”
(Ponte, 2000) e ter estabelecido uma relação com o currículo que Ponte (2000)
chamaria de “práxis”. No entanto, ainda assim, vimos naquele episódio da
Atividade 1 da 9a Observação, “A exceção- um Problema de Aplicação”, no qual,
em certo momento, a Professora parece se frustrar com a diferente resolução
que o aluno apresenta. Mas o livro, normalmente, apresenta um único tipo de
resolução para cada exercício ou problema, e aí a relação de exterioridade
transparece outra vez: como negar o conhecimento oficial, como negar o livro
que um grupo de professores escolheu, um livro aprovado pelo MEC (Ministério
da Educação e Cultura)?
Em relação ao conteúdo, no nosso modo de ver, a Professora
estabeleceu uma relação prática (CHARLOT, 2000), embora exterior, ainda
assim a relação é prática. Muitas vezes durante as entrevistas que realizamos,
a Professora se reportou à sua prática ou à sua experiência para responder as
perguntas, mesmo quando as perguntas eram mais teóricas como, por
exemplo, o que ela considera como um bom problema de matemática ou que é
a Matemática. Nesse sentido, esse filtro do professor pelo qual passam os
saberes acadêmicos transmudando-os para a prática, configurando-se como
saberes experienciais, esse desacademizar os saberes, mostra o quanto há
104
desarticulação entre teoria e prática na formação inicial e continuada dos
professores. Devido a essa desarticulação, durante esse processo de
aprendizado que é a experiência do professor, embora proveniente do próprio
ator construindo seus saberes (e isso é louvável), pudemos identificar as
marcas ruins de que essa desarticulação foi capaz, pois a constituição de certas
práticas e hábitos profissionais que parecem um esforço contorcionista para
ensinar os saberes ditos oficiais, entre outros aspectos, mostra o quanto a
relação de exterioridade e expropriação está presente no trabalho da
Professora.
Olhando para o Quadro 1, encontraremos nove ocorrências para
o Grupo de Procedimentos Padrão D – “Preocupação com o Contexto e Bem
Estar dos Alunos”- e nove para o D - “Preocupação com a Aprovação e
Reprovação de Alunos”. Podemos observar que o trabalho do professor em sala
de aula não está apenas nos dois grupos de tarefas delineados por Llinares
(2000). Muitos outros fatores permeiam a vida dos sujeitos da situação escolar,
então, para além de diversas preocupações e afazeres contidos nos dois grupos
de Llinares (2000), há algo que parece estar ligado ao lado mais humano do
educar para o qual a Professora constituiu seus modos de lidar, os quais, por
sinal, não se configuram como técnicas. Afinal, era uma classe extremamente
heterogênea, com problemas de diversas naturezas, que não se encerravam na
sala de aula para a qual, além de lidar com esses problemas, a Professora tem
que ensinar matemática.
Nossos objetivos parecem terem sido cumpridos e podemos dizer
que conseguimos chegar a respostas para as perguntas que fizemos
inicialmente. Porém, parece-nos que algumas dessas respostas não são
satisfatórias. Sobre a relação que estabelece a Professora com seus saberes, por
exemplo, parece-nos que também, de certa forma, conseguimos mais dizer o
que ela é do que seus significados. Pensamos que a insatisfação está em pouco
ter retratado a natureza dessa relação, pois indicamos que a relação que a
Professora estabelece com o mundo escolar é essencialmente prática, que
ocorre realmente uma filtragem dos saberes acadêmicos e que estes acabam
ficando exteriores à prática da Professora. Porém, o que significa essa filtragem
em termos pedagógicos? Que tipo de prática ela se torna? Será que numa
prática na qual preponderam as explicação de técnicas? Será que o cerne de
105
tudo isso é a formação inicial e continuada que promove uma desarticulação
entre teoria e prática? E não serão os professores também produtores de
teorias, embora não as escrevam? Assim, a racionalidade dos atores implicaria
totalmente suas ações, ou a racionalidade vem depois da prática, influenciada
pelas regras da instituição, por exemplo? Será que a presença do pesquisador
em sala de aula, enquanto alguém do meio acadêmico, de certo modo, não
obriga o professor a apresentar suas razões e suas justificativas?
Durante nossa discussão sobre as informações coletadas,
acabamos elaborando outras perguntas que ficaram sem uma resposta clara.
Por exemplo, nosso questionamento sobre o que seria o saber, se seria algo com
o qual se pode relacionar de diferentes maneiras. “Com um mesmo saber
poderíamos, então, estabelecer uma relação científica, prática ou outra
qualquer, dependendo do tipo de atores que somos?” Essas questões, que têm
como pano de fundo nosso olhar sobre a teoria de Charlot (2000), acabaram
nos levando a questionar a origem do saber da Professora em utilizar o
esquema para explicar TQP. Longe de conseguirmos respostas paras essas
perguntas, ao menos podemos tecer alguma consideração sobre os saberes que
parecem não estar em outro lugar senão na escola. Se pensarmos que a
Professora, no decorrer de sua experiência (por improviso, por meio de
discussões com seus pares, por planejamento, por meio de estudo), vem
criando diversas maneiras de fazer, umas que foram abandonadas ou
substituídas porque a prática não as validou, outras que se mantiveram, então,
podemos afirmar que há produção de diversos saberes experienciais entre os
professores, alguns deles talvez sejam desconhecidos, de uma maneira que
muito se parece com um processo investigativo. Parece haver, realmente,
saberes-escolares da escola. Os professores precisam se organizar socialmente
e expor o que sabem, discutir seus saberes, precisam se engajar
intelectualmente na proposição de questões a serem investigadas, precisam
investigar, propor projetos de pesquisa. E a Universidade pode participar disso
também, desde que haja colaboração de ambos os lados e não exploração de
uma sobre os outros.
Atentando para o fato de que a Professora parece agir como
pesquisadora de sua própria prática, fazendo suas experiências e tentando
validar mediante os resultados a que chega, fazendo suas reflexões sobre aquilo
106
que faz, como pudemos notar nas entrevistas e também durante as observações
que realizamos, esse processo configura-se também pela ocorrência de
ambigüidade entre o que faz e diz a Professora. Embora considere que pode
haver diferentes resoluções para um mesmo exercício, ainda parece apoiar-se
nos saberes ditados curricularmente, por exemplo pelo livro didático,
privilegiando uma ou outra resolução, mesmo que diga que o importante no
ensino da matemática é fazer o aluno enxergá-la no mundo. Em sua prática,
identificamos uma grande ocorrência de exercícios algorítmicos e explicações de
procedimentos e técnicas. A produção de saberes se dá nesse processo
complexo e ambíguo. A aprendizagem profissional não é algo imediato, assim
como o aprender em geral. Então, ciente da desarticulação entre teoria e
prática, cabe aqui criticar novamente a formação inicial dos professores e
apontar, baseado na conclusão de que a Professora deste estudo tem um
potencial investigativo, reflexivo e criativo muito presente, que essa formação
precisa urgentemente mudar seus moldes. Formar os professores como
profissionais reflexivos, como aponta Schön (1995), por exemplo, é uma idéia
que parece mais adequada ao que realmente ocorre na prática dos professores.
Outra mudança seria a substituição do modelo chamado três para um, por um
que talvez possamos chamar de quatro em quatro. Neste, os licenciandos desde
os primeiros anos de graduação tomariam contato com a Escola participando
de reuniões de pais, reuniões pedagógicas, ajudando a fazer o planejamento
anual e lecionando, dentre outras diversas tarefas que, como vimos, inserem-se
nos grupos de tarefas delineados por Llinares (2000) e até os transcendem. Um
modelo em que os alunos passariam quatro anos participando do quotidiano
das escolas, freqüentando as disciplinas nas quais estariam presentes os
saberes da formação profissional juntamente com quatro anos de Matemática,
quatro anos nos quais o licenciando teria espaço para participar de encontros
de professores, de eventos científicos, entre outros. Porém, afirmamos ainda,
que esses quatro anos parecem pouco diante da complexidade de fatores que
envolve o trabalho do professor.
É importante dizer que não há garantia de que toda a prática da
Professora obedeça a esses mesmos modelos sugeridos pelos Grupos de
Procedimentos Padrão. Afinal, devido às limitações de tempo, assistimos um
período relativamente pequeno das aulas que ela lecionou naquela turma,
107
portanto, não podemos tecer generalizações, muito menos podemos julgar em
termos de terem sido aulas boas ou más. Esse não era o objetivo de nosso
trabalho. É importante para nós que cada detalhe que descrevemos seja motivo
para refletirmos sobre nossa própria prática pedagógica, concordando ou não
com as discussões que promovemos em cima deles.
Para estudar a relação de um sujeito com o saber, além daquilo
que estudamos para a realização deste trabalho, deve -se levar em consideração
aspectos da história de vida do sujeito, da evolução da profissão, das mudanças
do sistema escolar, das mudanças das diversas formas culturais, dentre outros
aspectos citados por Charlot (2000). As limitações de tempo nos impediram de
tentar aprofundar nesses aspectos. Pensamos, por exemplo, que muito se pode
aprender sobre os saberes de um professor investigando detalhadamente não
só a sua trajetória profissional, mas também sua trajetória acadêmica, escolar
e sua experiência de vida.
O tempo também limita colocar outros olhares sobre as
informações que foram coletadas no campo de pesquisa. Ainda há episódios de
sala de aula, duas provas aplicadas pela Professora, a 2a Entrevista que foram
pouco explorados. Tendo como suporte uma metodologia de pesquisa que,
como qualquer método de pesquisa, não sugere hipóteses sobre o problema que
se está investigando, pudemos perceber que o trabalho do pesquisador é
essencialmente criativo, mas uma criação que se propõe a seguir passos
metodológicos que envolvem atos de persistência e disciplina. Então, a
impressão que temos é a de que o trabalho não se encerra aqui, há ainda a
possibilidade de refutarmos algumas de nossas hipóteses, de criarmos outras,
de apurá-las. Enfim, como já prevíamos, não chegamos a uma verdade sobre o
trabalho da Professora, mostramos apenas nossa maneira de olhar, a qual não
está, e tomara que nunca esteja, estagnada.
108
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115
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
Este termo de consentimento tem por finalidade esclarecer alguns aspectos sobre a pesquisa da qual você irá participar.
A pesquisa tem como objetivo obter informações sobre o cotidiano de uma sala de aula referentes às diferentes atividades (exercícios, problemas, discussões em grupo, trabalhos, avaliações, projetos, etc.) que o professor propõe aos alunos durante o processo de ensino-aprendizagem da matemática, assim como outras informações referentes ao seu trabalho nessa escola.
O procedimento de coleta de informações será realizado por meio de observações das suas aulas e por meio de uma entrevista gravada em fita cassete. Cerca de um bimestre durarão as observações e cerca de 2h a entrevista. Caso seja necessário, pode ser lhe solicitado que realize outra entrevista.
Você não terá que pagar para participar do estudo e não será submetido a qualquer risco ou desconforto. A qualquer momento, você poderá solicitar esclarecimentos adicionais ao pesquisador sobre a metodologia da pesquisa e poderá retirar o seu consentimento sem que isto venha lhe acarretar prejuízos.
A análise de dados será realizada sem qualquer identificação nominal dos participantes. Independente dos resultados, os dados obtidos poderão ser publicados, mas os participantes não serão identificados.
Declaro que consinto que o professor Marcos Antonio Gonçalves Júnior, responsável por essa pesquisa, aluno do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina, registre minhas aulas e grave minhas respostas durante a(s) entrevista(s), bem como utilize parcial ou integralmente, registros dessa(s) entrevista(s), gravações em áudio de minhas falas, para fins de pesquisa, sem restrição de prazo ou citações, podendo divulgá-las em publicações, congressos e eventos da área com a condição de que meu nome não seja citado, garantindo o anonimato no relato da pesquisa. Da mesma forma, autorizo o uso de terceiros, que podem ouvi-la e usar o texto final que está sob a guarda do professor citado anteriormente. Declaro ainda que fui devidamente informada e esclarecida quanto à investigação que será desenvolvida. Abdicando direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente carta.
Londrina, _____ de ________________ de 2002.
Nome:___________________________________________________________________________
RG:______________________________________________________________________________
Assinatura:______________________________________________________________________
116
APÊNDICE B – 1a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1 1a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1.1 Caracterizar do perfil profissional da professora quanto à formação
acadêmica e experiência profissional e questionar a importância desses
pontos para ela.
a) Idade.
b) Qual a sua formação acadêmica e em que local?
c) Foi uma boa formação? Por quê?
d) Fez algum curso de formação continuada? Se sim, eles te ajudaram
profissionalmente?
e) Anos de serviço nos diferentes níveis de ensino;
f) Em qual nível mais gostou de trabalhar? Por quê?
g) Em quais outras escolas já trabalhou?;
h) Cargos desempenhados dentro de escolas.
i) Há quanto tempo está nessa escola?
j) Como é o ambiente de trabalho nessa escola?
k) Ocorre algum tipo de troca de experiência com os outros professores?
l) Há algum tipo de cobrança por parte da escola sobre seu trabalho?
m) Por que escolheu ser professora? E por que de matemática?
n) O que você pensa da sua profissão?
o) Tem feito algum tipo de curso que considere estar relacionado ou que
contribua para sua atuação como professora?
1.2 Esclarecer os aspectos notados nas observações realizadas
a) Imagine que estamos no começo do ano letivo e você tem que planejar o
conteúdo anual da 8a série. Como você vai fazer? Em que você vai se basear?
117
(Qual foi o programa que a sua 8a série viu durante o ano? O que você pensa
dele? Falta algo ou não?)
b) Quem elabora o programa contido no Projeto Pedagógico da escola? Você o
segue? Porquê?
c) Você divide o conteúdo por bimestre?
d) Você se preocupa em cumprir o programa anual? Como você faz?
e) Quem escolhe o livro didático adotado?
f) Na 8a série, qual o conteúdo que mais gosta de lecionar? Por quê?
g) Imagine, então, que é hora de ensinar esse conteúdo aos seus alunos. Como
seria sua primeira aula? (Você se lembra de algum problema interessante ou
que você sempre usa? Qual?)
h) De que maneira você costuma introduzir um conteúdo novo aos seus
alunos?
i) Você utiliza mais algum livro além do didático? Qual? Por quê?
j) O que você pensa desse livro didático adotado? Há algo nele que você goste
ou não? Por quê?
k) Imagine que hoje você vai introduzir funções do 2º, o que você espera que
seus alunos já saibam para que não haja empecilhos? (O que você pensa que
deve saber um aluno para poder lhe ensinar funções do 2º?) (Você me disse que
queria que os alunos aprendessem bem o Trinômio Quadrado Perfeito e as
equações do 2o grau para depois ensinar funções do 2o grau, por que essa
preocupação?)
l) O que você acha daqueles exercícios para completar trinômios quadrados
perfeitos contidos no livro? E dos exercícios de funções? E dos problemas?
m) Você tinha uma maneira de explicar os exercícios com TQP utilizando um
esquema característico. Onde você aprendeu aquilo? Por que fazer um
esquema?
n) Você considera necessário, para ensinar, seguir esta seqüência de conteúdos
apresentada pelo livro didático? Por quê? Se não, como você faria?
o) Por que você gostava de relacionar o jogo de xadrez com o plano cartesiano?
p) Quanto tempo você costuma dar aos alunos para que eles resolvam um
problema? Por quê?
118
q) O que você considera mais importante um aluno fazer quando resolve um
problema? (Descobrir quais procedimentos resolve o problema, fazer os cálculos
corretamente, dar a resposta?)
r) Qual o seu objetivo com a estratégia de passar exercícios valendo ponto na
média?
s) O quê motivaria aqueles alunos?
t) Pra você, por quê os alunos devem aprender matemática?
u) Você escolheu alguns alunos para que eu olhasse os cadernos, sendo que
entre eles estavam bons alunos e maus alunos. Qual a diferença entre eles?
v) No geral, como você qualifica aquela turma?
w) Pra você qual a importância da matemática para as pessoas?
x) Você acredita que a disciplina Matemática deve mesmo estar presente em
todas as séries do Ensino Fundamental e Médio? Por quê?
119
APÊNDICE C – 2a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1 2a ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1.3 Retomando alguns pontos da 1a Entrevista
a) Qual o nome do curso de Especialização que você fez em 1992 e onde fez?
b) Qual o ano do outro curso de Especialização?
c) Fez magistério antes ou durante a faculdade? Lecionou na 1a série do Ensino
Fundamental durante ou depois da faculdade?
d) Explicar porque você achava que a matemática era o máximo e que quem
não a soubesse não ia viver.
e) O que a fez mudar de opinião? O que você pensa sobre isso hoje?
f) Você disse que os alunos vão acumulando “faltas” em relação ao conteúdo
até chegar ao Ensino Médio. Quais são as principais dificuldades que
apresentam os alunos da 8a série? E os do Ensino Médio? (lembrar de que ela
disse que pra ela é importante que os alunos saiam sabendo o básico, acha
importante que se cumpra os conteúdos principais)
g) Você utiliza os PCN para preparar suas aulas? Qual influencia tem ou não os
PCN sobre seu planejamento, sua prática? Como você faz para desenvolver as
competências? É possível algum exemplo?
h) Você disse que os conteúdos fundamentais da 8a série são o Teorema de
Pitágoras, Equações do 2o e Funções. Você sabe me dizer quais são os
fundamentais da 5a, 6a e 7a séries e depois do Ensino Médio? .
i) Pra você esses são os conteúdos que precisa saber um cidadão ao sair da
escola? Por quê?
j) Você disse que não gosta muito daqueles exercícios para completar o TQP. O
que é pra você um bom exercício de matemática? E um bom problema?
k) O que é Matemática pra você?
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1.4 Sobre as Provas aplicadas pela professora
l) Quando você elabora uma prova, como você escolhe as questões? (Primeiro
escolhe o conteúdo ou primeiro as questões? Como você delimita?)
m) Como você decide o número de questões?
n) Você avisa aos alunos o que vai cair na prova e quando será a prova?
o) Como você pontua as questões? (Você estabelece uma pontuação antes ou
depois de aplicar a prova?)
p) Na prova elaborada, você estabelece algum tipo de equilíbrio entre questões
simples e complexas?
q) Suas provas costumam ser em aula dupla ou simples?
r) Como você procede para corrigir a prova? (Corrige todas as primeiras
questões, corrige prova por prova? O que vale como meio certo? O que vale mais
pontos, dar a resposta ou fazer os cálculos? Você aceita maneiras diferentes de
se resolver um mesmo problema? Respostas diferentes para um mesmo
problema?)
s) Quantas provas você dá por bimestre ou semestre?
t) O que é nota pra você? Como você a atribui a cada aluno?
u) Qual a importância da nota pra você?
v) Nas provas que você aplicou sempre apareciam conteúdos relativos às
matérias não recentemente ensinadas, por quê?
w) Além da prova, você utiliza algum outro critério para avaliar?