Um olhar sobre o xerox da biblioteca

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Um olhar sobre o xerox da biblioteca Erivaldo Júnior O ambiente climatizado contrastava com os 24°C da noite quente de abril no campus da Unisinos. No saguão destelhado, passando pela recepção com funcionários, ainda se podia ver pequenas poças d´água de uma chuva que há muito não frequenta São Leopoldo. Na porta, adesivados os dizeres, de cima para baixo, “cópia P&B”, “transparência” e “encardenações”, ladeada por um telefone sem fio e a placa de “não fume”. A sala B225, ao lado dos banheiros, é onde fica o xerox da biblioteca da universidade. Ali, o silêncio parece tomar conta de pessoas e, principalmente, objetos como durex, grampos, calculadoras, calendário e material escolar. Sim, pois sua dona atende por Amanda dos Santos. “Aproveito quando o movimento cai e ponho em dia as tarefas da escola”, conta a moça de 17 anos. Amanda está há um mês no local, trabalhando em regime de estágio. “Estudo de manhã e entro aqui às 16h15min. Fui selecionada pelo CIEE, cuja seleção foi atuar aqui por uma semana com outra garota. E eu fui a escolhida para ficar”. A estudante relata a grande demanda do xerox por cópias de licenciaturas, como História e Matemática. Também há muita procura por estudantes de Ciências econômicas, como os estudantes do 4° semestre de Economia Guilherme Müller, 21 anos e Wagner Santos, 22, que romperam o marasmo de meia hora de Amanda. “Estamos xerocando um texto para a cadeira de Macroeconomia, onde há um trabalho individual para fazer. Viemos porque a aula de hoje é aqui no redondo mesmo”, diz Guilherme. Rodeada de pilhas de caixas de folhas A4, a jovem conta estar gostando da função, pois rende histórias curiosas, apesar da aparente calmaria. “Me lembro de uma vez de dois homens que chegaram na sala falando em alemão. Fiquei aliviada quando se dirigiram a mim em português mesmo”. Simpática, revela não conhecer a estrutura da biblioteca, não por falta de curiosidade. “Gostaria de ter acesso a romances policiais e a livros sobre a língua inglesa, pois é necessário para quem, como eu, quer ser aeromoça”. À direita de quem entra na sala do xerox onde Amanda trabalha, há um grande bloco de um panfleto religioso. Os dizeres “Conversa com Jesus: rezar durante nove dias” soa estranho para ela. “Desde que comecei está aí. Nunca li, mas deve ser alguma coisa de santo”, deduz, provocada pela reportagem. “Um estudante o usou como marcador de página”, lembra. Sobre a palavra “transparência” na porta da sala (que mereceu um ponto de interrogação no início da reportagem), Amanda encerra, taxativa: “Imagino que esteja aí para bonito”, diverte-se.

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Texto de Erivaldo Júnior

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Um olhar sobre o xerox da biblioteca

Erivaldo Júnior

O ambiente climatizado contrastava com os 24°C da noite quente de abril no campus da Unisinos. No saguão destelhado, passando pela recepção com funcionários, ainda se podia ver pequenas poças d´água de uma chuva que há muito não frequenta São Leopoldo. Na porta, adesivados os dizeres, de cima para baixo, “cópia P&B”, “transparência” e “encardenações”, ladeada por um telefone sem fio e a placa de “não fume”.

A sala B225, ao lado dos banheiros, é onde fica o xerox da biblioteca da universidade. Ali, o silêncio parece tomar conta de pessoas e, principalmente, objetos como durex, grampos, calculadoras, calendário e material escolar. Sim, pois sua dona atende por Amanda dos Santos. “Aproveito quando o movimento cai e ponho em dia as tarefas da escola”, conta a moça de 17 anos. Amanda está há um mês no local, trabalhando em regime de estágio. “Estudo de manhã e entro aqui às 16h15min. Fui selecionada pelo CIEE, cuja seleção foi atuar aqui por uma semana com outra garota. E eu fui a escolhida para ficar”.

A estudante relata a grande demanda do xerox por cópias de licenciaturas, como História e Matemática. Também há muita procura por estudantes de Ciências econômicas, como os estudantes do 4° semestre de Economia Guilherme Müller, 21 anos e Wagner Santos, 22, que romperam o marasmo de meia hora de Amanda. “Estamos xerocando um texto para a cadeira de Macroeconomia, onde há um trabalho individual para fazer. Viemos porque a aula de hoje é aqui no redondo mesmo”, diz Guilherme.

Rodeada de pilhas de caixas de folhas A4, a jovem conta estar gostando da função, pois rende histórias curiosas, apesar da aparente calmaria. “Me lembro de uma vez de dois homens que chegaram na sala falando em alemão. Fiquei aliviada quando se dirigiram a mim em português mesmo”. Simpática, revela não conhecer a estrutura da biblioteca, não por falta de curiosidade. “Gostaria de ter acesso a romances policiais e a livros sobre a língua inglesa, pois é necessário para quem, como eu, quer ser aeromoça”.

À direita de quem entra na sala do xerox onde Amanda trabalha, há um grande bloco de um panfleto religioso. Os dizeres “Conversa com Jesus: rezar durante nove dias” soa estranho para ela. “Desde que comecei está aí. Nunca li, mas deve ser alguma coisa de santo”, deduz, provocada pela reportagem. “Um estudante o usou como marcador de página”, lembra. Sobre a palavra “transparência” na porta da sala (que mereceu um ponto de interrogação no início da reportagem), Amanda encerra, taxativa: “Imagino que esteja aí para bonito”, diverte-se.