Um Olhar Sobre Antero

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A primeira fase [literria de Antero de Quental], ligada produo da juventude, mostra que os ideais amorosos e outros so uma constante quando somos jovens. Sonhamos e idealizamos o ser amado e concebemos o amor como ideal perfeito. Tal como acontece ao comum dos mortais, tambm Antero Quental sonhou e idealizou a mulher e o amor. Como poeta e pensador conseguiu talvez fazer mais do que ns, exprimindo em verso esse sentimento profundo. Observe-se o que nos diz no soneto Ideal:

Um olhar sobre a poesia anteriana

Literatura Portuguesa 11 AnoIDEAL

Aquela que eu adoro no feita De lrios nem de rosas purpurinas,No tem as formas lnguidas, divinas,Da antiga Vnus de cintura estreita...

No a Circe1, cuja mo suspeitaCompe filtros mortais entre runas,Nem a Amazona, que se agarra s crinasDum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e no atinoCom o nome que d a essa viso,Que ora amostra ora esconde o meu destino...

como uma miragem que entrevejo,Ideal, que nasceu na solido,Nuvem, sonho impalpvel do Desejo...(entre 1860 e 1884)Antero de Quental, Sonetos_________________

1 Circe: feiticeira, filha da ninfa Perseia e de Hlio (sol). Vivia na ilha de Ea, onde Ulisses apartou. Circe, movida de grande paixo por Ulisses, transformou os seus homens em porcos.

Ao observarmos o ttulo deste soneto, somos levados, provavelmente, a evocar o Romantismo, embora o conceito de "Ideal" nos possa remeter para a prpria luta travada pela Gerao de 70 na busca de novos ideais. Em qualquer dos casos, h uma sugesto de transcendncia e de perfeio.Ao longo do poema, alguns elementos semnticos - "que eu adoro", "viso", "como uma miragem", "Ideal", "nuvem", "sonho impalpvel" - confirmam o ttulo do soneto e mostram-nos uma mulher adorvel, como uma "viso".O tema a mulher ideal, mas a sua descrio surge por anttese daquilo que "no ", Em confronto com figuras mitolgicas, aparece como um ser divino e sublime, ideia pura: nem mulher sensual como a "Vnus de cintura estreita", com "formas lnguidas, divinas"; nem mulher fatal e traioeira como a Circe que "compe filtros mortais entre runas"; nem mulher corajosa e dominadora como a Amazona, que "combate satisfeita.Esta mulher, retratada maneira petrarquista, uma "viso" que "ora amostra ora esconde o meudestino", levando o sujeito lrico ao Desejo, ou seja, ao amor, aspirao do Ideal. Apresenta-se como uma "miragem", "nuvem", "sonho impalpvel do Desejo".A busca do ideal no se confina ao amor. O homem e a mulher sempre ansiaram por ideais que permitissem que a sua vida tivesse sentido. Por isso, Antero de Quental, com a conscincia do mundo em que vivemos, orientou a sua luta na busca dos ideais da justia, da fraternidade e da liberdade. De forma diferente dos romnticos, que sacralizaram o sentimento, procurou o apoio na Razo a que chamou "irm do amor e da Justia".

Portugus A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilrio Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000. (Coleo: Acesso ao ensino superior: preparao para a prova de exame nacional - 12 ano)

A UM POETA

Surge et ambula!

Tu, que dormes, esprito sereno,Posto sombra dos cedros seculares,Como um levita sombra dos altares,Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! tempo! O sol, j alto e pleno,Afugentou as larvas tumulares...Para surgir do seio desses mares,Um mundo novo espera s um aceno...

Escuta! a grande voz das multides!So teus irmos, que se erguem! So canes...Mas de guerra... e so vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,E dos raios de luz do sonho puro,Sonhador, faze espada de combate.Antero de Quental, Sonetos

Neste soneto, o termo "Poeta" poder remeter para a figura de um idealista, possivelmente em consonncia com o esprito da poca. A referncia ao esprito do mundo romntico, lgubre e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a metfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera s um aceno" (v. 8). Mas o que interessa, sobretudo, perceber que o sujeito lrico faz um apelo a todo aquele que capaz de sonhar, mas vive alheado e num estado de inrcia quando necessria a luta revolucionria ao lado de um povo que sofre e que busca a liberdade.Na primeira quadra (que constitui uma tese argumentativa) encontramos a estagnao, a passividade e o alheamento do poeta em relao realidade social e poltica do mundo, "Longe da luta e do fragor terreno" (v. 4); na segunda quadra e no primeiro terceto (anttese, com a explanao e confirmao da tese), surge o apelo consciencializao do poeta para a necessidade de mudar de atitude pois est em causa um povo que precisa da solidariedade, "Escuta! a grande voz das multides! I So teus irmos" vv. 9, 10); no ltimo terceto (sntese conclusiva), irrompe o apelo para a ao - "Ergue-te" (v. 12) - destacando a importncia da poesia como arma de combate, como voz da revoluo, apelidando o Poeta de "soldado do Futuro" (v. 12) e "Sonhador" (v. 14).Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que est bem expressa na gradao verbal: "Tu, que dormes", "Acorda!", Escuta!, "Ergue-te", "Faze". Este poema mostra bem a sua aposta na poesia como "voz da revoluo".Antero de Quental foi um verdadeiro apstolo social, solidrio e defensor da justia, da fraternidade e da liberdade. Mas as preocupaes nunca o deixaram desde que entrou nos meios universitrios de Coimbra e se tornou lder da Gerao de 70 que, em Lisboa, continuou a sua luta. o prprio que, numa carta autobiogrfica, de 14 de Maio de 1887, dirigida a Wilhelm Storck, afirma que:"O facto importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espcie de revoluo intelectual e moral que em mim se deu ao sair, pobre criana arrancada do viver quase patriarcal de uma provncia remota e imersa no seu plcido sono histrico, para o meio da irrespeitosa agitao intelectual de um centro, onde, mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do esprito moderno. Varrida num instante toda a minha educao catlica e tradicional, ca num estado de dvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, esprito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforo a uma regra reconhecida. Achei-me sem direo, estado terrvel de esprito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha gerao, a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da tradio.Portugus A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilrio Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000. (Coleo: Acesso ao ensino superior: preparao para a prova de exame nacional - 12 ano)

Antero de Quental, autor das Odes Modernas, quem desencadeia as irritaes e tempestades do meio literrio portugus do seu tempo, conhecidas por "Questo Coimbr". Com efeito, Antero, ainda estudante de Coimbra, rebela-se contra a poesia oficial de Castilho e seus protegidos, e proclama a independncia e combatividade dos poetas. Este acto de rebeldia surge como consequncia, no s do seu temperamento e desejo de justia, mas duma forte reaco ao Romantismo que, entre ns, degenerara num Ultra-romantismo vazio e convencional. Este soneto, publicado na 3 parte dos Sonetos Completos, traduz o carcter combativo e revolucionrio que o poeta deveria assumir, o que j havia dado origem s Odes Modernas, onde Antero, numa nota da 1 edio, afirma : "a Poesia moderna a voz da Revoluo". A estrutura deste soneto contnua, formada por duas partes sintctica e semanticamente complementares: na 1 estrofe, descreve-se a atitude do poeta perante o mundo; nas estrofes seguintes, essa descrio desaparece para dar lugar a uma srie de apelos dirigidos ao Tu do incio do poema. Esta estrutura progressiva, j que estes apelos, dados pelos imperativos, esto organizados de forma crescente de intensidade, redobrando-se na ltima estrofe. O poema comea com o pronome tu apontando-nos de imediato para uma situao de comunicao directa, prpria do estilo coloquial. A orao relativa restritiva e a sindoque que se lhe seguem desfazem a indefinio referida no ttulo. Temos, ento, no um poeta qualquer, mas aquele que dorme, isto , aquele que s esprito porque est morto h muito (" sombra dos cedros seculares"). E est morto porque alheio, arredado da vida ("longe da luta e do fragor terreno"). O particpio passado "posto" e o adjectivo "sereno" sublinham esta passividade e alheamento. A comparao entre o poeta e um sacerdote desvenda-nos a metfora do 2 verso: o sacerdote " sombra dos altares" d lugar a um ritual, sempre o mesmo, de todos j sabido; o poeta, " sombra dos cedros seculares", oficia o ritual de uma mesma poesia: velha, por todos j conhecida. As aliteraes em /s/ dos dois primeiros versos e em /l/ dos dois ltimos delimitam os dois termos da comparao. A rima interpolada entre dois adjectivos que, pelo contexto semntico se opem, e o quiasmo existente entre os dois ltimos termos dos 1 e 4 versos, realam e ampliam o divrcio entre o poeta de que se fala e a vida real. A rima emparelhada sublinha a igualdade de posies entre o poeta e o sacerdote, dada pela comparao entre as duas metforas em que a repetio do complemento de lugar " sombra" expressa uma atitude de refgio na passividade do ritual. A 2 parte iniciada pelo imperativo "Acorda!" que , por um lado, a articulao sintctica com a 1 estrofe e, por outro, o comeo de um estilo mais emotivo e apelativo que caracteriza o resto do poema. Segue-se-lhe uma justificao (" tempo!") que, por sua vez, tambm explicada: o sol, pela sua posio no cu, indica o momento do dia em que as sombras desaparecem e tudo se torna mais ntido e brilhante. O advrbio de tempo "j" refora e actualiza este momento em que j no h condies para que as larvas tumulares sobrevivam porque so o produto da decomposio dos corpos mortos e, portanto, imagem da poesia velha, caduca, criada por aquele poeta. No verso 7, o termo "seio" revela-nos, no seu sentido etimolgico, a profundidade dos mares que o detico "esses" indica serem a luta e o fragor terrenos. Para que dessa profundeza nasa um mundo novo, o poeta ter apenas que dar o seu "aceno", o seu sinal que ser uma poesia nova, diferente. O 1 terceto funciona como nexo do ltimo verso da 1 parte. um novo apelo ao poeta que, depois de ter acordado, deve ouvir com ateno ("Escuta!") o que as multides em unssono clamam ("a grande voz"). No 2 verso desta estrofe, definem-se os nomes presentes no verso anterior: as multides so irmos do poeta; a voz so canes. No verso seguinte, a adversativa mas explicita qualquer ideia que possa ter surgido com as reticncias: as canes so de alerta e de guerra, isto , de revoluo. Na ltima estrofe, temos a concluso, desaparecendo, por isso, todas as reticncias. Depois de ter acordado por ser pleno dia e de ter escutado o clamor das multides, o poeta deve erguer-se, tal como os seus irmos, transformado j em "soldado do Futuro". Soldado, porque integrado nas multides que se preparam para a revoluo; do Futuro, porque se ope ao poeta do presente que dorme, longe desta luta que deflagra com canes de uma nova poesia. O termo Futuro surge como smbolo do mundo novo. O poeta ("sonhador") ter como misso o combate, feito de sonho e desinteresse ("sonho puro"), atravs da sua poesia ("espada") que ser a porta-voz, a luz da revoluo anunciada. Temos, portanto, um poema de empenho social e de cariz revolucionrio. Antero de Quental assume-se como o profeta, tal como o da Bblia que diz "Surge et ambula!", que anuncia um mundo novo, do qual o poeta deve ser o arauto e aquele que indica o caminho a seguir pelas multides.

Maria Jos Santos, http://almanaque.extar.net/autores/mjs.html, Fevereiro de 2004 Das hipteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.

1 -O que designa a expresso Gerao de 70?

A) Uma gerao de polticos clebres.

B) Uma famlia de nobres ilustres.

C) Um grupo de intelectuais.

D) Um movimento artstico.

2 -Que causa defendia essa gerao?

A) Os valores nacionais.

B) O regresso ao passado.

C) A apologia dos ideais monrquicos.

D) A ligao de Portugal Europa.

3 -Qual destes filsofos influenciou decisivamente esta gerao?

A) Descartes.

B) Proudhon.

C) Plato.

D) Rousseau.

4 -Que adjetivo poder caracterizar a atitude intelectual dessa gerao?

A) Provinciana.

B) Cosmopolita.

C) Saudosista.

D) Materialista.

5 -A Questo Coimbr colocou frente a frente quem?

A) Antero de Quental/Ea de Queirs.

B) Ea de Queirs/Ramalho Ortigo.

C) Feliciano de Castilho/Antero de Quental.

D) Feliciano de Castilho/Camilo Castelo Branco.

6 -A questo entre os dois opositores pode resumir-se a um entendimento divergente relativo a qu?

A) funo da literatura.

B) Ao valor da filosofia.

C) s responsabilidades dos polticos.

D) funo docente.

7 -Quem idealizou as Conferncias do Casino?

A) Ea de Queirs.

B) Tefilo Braga.

C) Antero de Quental.

D) Adolfo Coelho.

8 -Do programa dessas conferncias sobressaa que propsito?

A) Estudar os valores nacionais.

B) Recuperar as tradies perdidas.

C) Reabilitar a literatura romntica.

D) Ligar Portugal ao movimento moderno.

9 -As Conferncias do Casino tiveram uma vida efmera. Porqu?

A) Porque Antero de Quental se desinteressou.

B) Porque o Governo proibiu a sua realizao.

C) Porque os conferencistas convidados no apresentaram os temas.

D) Porque o pblico no correspondeu s expectativas dos organizadores.

10 -Em que fase da evoluo potica de Antero situa o soneto transcrito?

A) Do apostolado social.

B) Da crise amorosa.

C) Do pessimismo.

D) Da superao mstica.

11 -O que marca, na 1. quadra, a presena do recetor?

A) A comparao.

B) O aposto.

C) A presena da 2. pessoa gramatical.

D) O pronome relativo que.

12 -Na 1. quadra, como caracterizado o recetor?

A) Pessimista.

B) Incoerente.

C) Indiferente.

D) Empenhado.

13 -Que funo sinttica exerce o sintagma esprito sereno?

A) Sujeito.

B) Aposto.

C) Complemento direto.

D) Vocativo.

14 -Qual o significado da palavra levita?

A) Crente.

B) Pregador.

C) Sacerdote.

D) Ateu.

15 -Em que modo se encontram as formas verbais que iniciam as trs estrofes seguintes?

A) Conjuntivo.

B) Indicativo.

C) Condicional.

D) Imperativo.

16 -Atravs dessas formas verbais, que atitude manifesta o sujeito lrico?

A) Revolta.

B) Indiferena.

C) Sensatez.

D) Empenhamento.

17 -"O sol j alto...tumulares". Com esta imagem, o que que o poeta pretende significar?

A) O passado ser reabilitado.

B) A fora do conhecimento venceu.

C) A morte ser vencida.

D) O sol brilhar para todos.

18 -Quem sero os irmos que o poeta refere?

A) Os poetas contemporneos.

B) Os poetas romnticos.

C) O povo.

D) Os intelectuais.

19 -Qual destas frases traduz o conceito de poesia defendido pelo sujeito potico?

A) A poesia deve expressar apenas sentimentos individuais.

B) A poesia deve estar ao servio das grandes causas humanitrias.

C) A poesia vive apenas pela forma.

D) A poesia tem uma funo essencialmente moralista.

20 -Qual o sentido da metfora soldado do futuro?

A) Poeta empenhado.

B) Poeta alienado.

C) Poeta sentimental.

D) Poeta satrico.

Chave correo1C 2D 3B 4B 5C 6A 7C 8D 9B 10A 11C 12C 13B 14C 15D 16D 17B 18C 19B 20ADisponvel em http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=762, consultado em 2006-05-10