Um Olhar Fenomenológico - WALMIR MONTEIRO

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  • 8/15/2019 Um Olhar Fenomenológico - WALMIR MONTEIRO

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    TEXTO WALMIR MONTEIROA atuação do terapeuta na clínica existencial é afetada por um olhar fenomenológico, assim como o seu olhar, a interação de quem não secoloca como detentor de saberes e respostas e nem tampouco como interpretadores de situações, fatos e demandas. A presençafenomenológica é desinteressada (no sentido de espontânea), gratuita, real, evitando uma presença técnica se isto quer dizer ser de tentor detécnicas que visam resolver questões a partir de pressupostos teóricos, cientícos ou mesmo do senso comum. O olhar fenomenológico éatento, não se volta ao evidente, mas à riqueza do que vê. Riqueza no sentido da particularidade, da singularidade do objeto.Quando olhamos, ou escutamos, libertos de pressuposições e projeções (noésicas) de co nsciência, quando olhamos ou escutamos abertosao detalhamento da singularidade do fenômeno, prontos a sermos surpreendidos e desejando mesmo a surpresa, o de talhe, a no vidade, ocontraditório... estamos olhando fenomenologicamente. Na terapia existencial não descuidamos da realidade comum ou cientíca. Nãodescuidamos da demanda, do sofrimento, da necessidade estabelecida, não descuidamos do diagnóstico, nem dos cuidados que surgem.É que além de tudo isso estamos especialmente voltados à p roblematização de tudo isso, entendendo que há um para além da demanda, docomum, do diagnóstico, porque simplesmente há uma vida, uma pessoa, uma subjetividade que é mais importante que qualquer norma. Darvoz ao que vem na contramão do óbvio, é nosso papel.Sobretudo porque sabemos que as pessoas são indeterminadas, e a realidade é feita a cada dia, a cada momento, a cada movimento, acada escolha ou desescolha. E sabemos que o homem se encontra (a si mesmo) no mundo, é um ser-no-mundo, e que cada passo constituium pedacinho a mais do ser. Como disse Sartre: “Não é dentro de nós que nos encontramos, não é em nenhum refúgio que nosdescobriremos. É na rua, homem entre os homens, entre as coisas, no mundo”.

    Quando falamos em redução fenomenológica estamos dizendo como Husserl que os conhecimentos aprioristicos e as concepções cienticasou comuns são colocadas entre parênteses, de lado, e isto não signica descarte, mas o cuidado de permitir que o fenômeno se revelo porele mesmo, como ele mesmo, sem pressuposições que o determinem.

    Outro dia li na internet um trecho que dizia: “Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular.O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo,bebendo de muitas fontes. Quando esses d ois saberes se unirem, seremos invencíveis.”

    Quando penso na fenomenologia-existencial não consigo ver essa se paração entre saber popular e sab er acadêmico que o texto alude, jáque o foco da fenomenologia é a própria vida vivida, o mundo vivido, o lebenswelt. Ou seja: o que importa é o que se vive, o fenômeno-experiência tal como ele acontece. É nessa direção que se olha. Um olhar fenomenológico despe-se de pressuposições noésicas, de idéiasanteriores sobre as coisas. As coisas são como se apresentam a nós, numa perspectiva fenomenológica em que a essência é a própriaaparência.A aparição do fenômeno é o q ue importa, e ele de nós se aproxima como fenômeno do ser, aquilo que imediatamente toma conta dos nossosolhos, dos nossos ouvidos, da nossa percepção imediata. É esta aparição que introduz o fenômeno à experiência que com ele começamos avivenciar. E o ser do fenômeno resultará da série de aparições que se revelarão no tempo, possibilitando a descoberta da essência dessefenômeno.

    É dessa forma que compreendemos que a proposta da Fenomenologia é exatamente dissipar qualquer abismo interpretativo que a ciência ouo saber formal pretendam colocar entre a nossa consciência e o fenômeno que ocorre diante de nós. O que signica um adolescente quecuidadosamente mantém uma pequena cruz amarela pintada na testa? E uma mulher que raspa os cabelos e só sua roupa branca ou preta?O que signica também uma pessoa que convive em sua casa com doze cachorros e mais ninguém?As pessoas se sentem tentadas a interpretar esses exemplos. Os psicólogos e psicanalistas se sentem quase que tendo a obrigação deexplicar direitinho o que anal acontece com essas pessoas e suas manias excêntricas. Tudo que é ex-cêntrico (ou seja que foge à norma,que sai do centro, do costumeiro) tende a ser tachado como anormal ou pelo menos digno de análise e elucidação.Pois a Fenomenologia vai entender como lebenswelt a experiência de cada um, fora de concepções apriorísticas, fora de qualquer signicadoque se ja fruto de nossas in tuições cientícas ou intelectuais. O que a Fenomenologia quer armar é qu e toda pessoa é um fenômeno, e istoquer dizer que ela é única, e sendo única não pode ser interpretada a partir de concepções a priori ou idéias gerais sobre o seucomportamento. A psicanálise e a psicologia falam muito de subjetividade, mas também tratam muito de concepções gerais que negam asubjetividade. São concepções seriais, apriorísticas sobre o h omem. Fruto disso as interpretações que sempre asp iram encontrar unidadeshumanas ou unanimidades nosológicas, psicopatológicas.

    Na fenomenologia-existencial vemos a subjetividade como o próprio ser fenomênico em ação. Uma ação livre que deagra um modo de serúnico, do outro e de mais ninguém.

    Segundo Virginia Moreira, o processo psicoterapêutico se produz na interseção dos lebenswelt do terapeuta e do cliente. O psicoterapeutapasseia de mãos dadas com o cliente em seu mundo vivido, buscando sempre compreendê-lo, sem nunca separar-se de seu própriolebenswelt. Como escrevi em outro lugar: cada qual em seu lado, mas sempre lado a l ado.

    (Walmir Monteiro)

    (WALMIR MONTEIRO)A obra de Wilhelm Reich mostra como e por que ele rompeu com a psicanálise O seu li!ro"Análise do #aráter$ representa o primeiro passo essencial% dado de &' a &'*+% da

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    psicanálise em dire,-o ao E.T/0O 1IOENER23TI#O 0A. EMO45E. (1io67sica do Or8one)No cap7tulo 9I de "Análise do #aráter$ : publicado "O caráter masoquista$ (&'* ;**)%te n-o : o melhor li!ro de Reich porque nele ainda : conser!ada umalin8ua8em psicanal7tica (mais tarde despre=ada) ?ou!e tamb:m uma e!olu,-o da !elhat:cnica de análise do caráter% che8ando @ "!e8etoterapia$% termo que por sua !e= 6oisubstitu7do por "or8onoterapia$% onde procedemos bioener8eticamente e n-o maispsicolo8icamente% e inspirou todos os trabalhos atualmente conhecidos como aborda8enscorporaisO conceito reichiano 6undamental : a pulsa,-o% que se e

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    AL/NO &F ; A cis-o esqui=o6r nica K #rise e Restabelecimento I K p ++FK++' AL/NO *F ; A cis-o esqui=o6r nica K #rise e Restabelecimento II K p +GF;+G AL/NO F ; A peste emocional K p + &AL/NO ' ; A peste emocional no pensamento% na a,-o e na seria de um cara que e

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    meus p:s a Rio 1ranco Multid es% como um bando de 6ormi8as% 6ormam um bloco nabeira da cal,ada .inal !ermelho dos pedestres Ali todos se encontram% mas n-o seacham Essa 6or,ada con!er8 ncia n-o : moti!o para que se admirem Adi!inho que n-ose olham E que Camais se tocam No más #ontinuams>s Tantos e nin8u:m O sinal abre% e rapidamente atra!essam a a!enida 1locoshumanos% em esquinas de sinais% a8em de 6orma sincrZnica% numa harmonia eletrZnica%diri8idos por luminosos que abrem e 6echam Qerde;amarelo;!ermelho% comandando aa,-o dos que se8uem sem olhar para os lados% sem se importar com quem está por pertoEstou há meia hora dentro de um pr:dio onde entrei sem ser !ista Qista% quem sabe%tal!e= Mas n-o notada N-o hou!e quem comi8o se importasse% mesmo que por moti!osburocráticos ou de se8uran,a .implesmente subi #ontei no!e pessoas no ele!ador .emprecisar que o ascensorista pedisse% dita!am nBmerosS on=e% oito% !inte e dois% !inte e um

    alei de=essete Joderia ter dito qualquer nBmero% mas escolhi o & X um nBmero quenin8u:m ha!ia 6alado Al8umas pessoas me olharam rapidamente Temi que esti!essemadi!inhando que eu n-o tinha nada a 6a=er no de=essete Mas tudo que sabiam de mim :que eu ha!ia 6alado de=essete N-o se importa!am que meus cabelos a8ora s-o rui!os%que meu lábio hoCe : rosa e que minha sandália !erde combina com o cinto que se8ura omeu "Ceans d:la!:$ N-o notaram que n-o estou !estida de e

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    A porta se abre O po!o sai quase que em um s> bloco Todos% como sempre% apressados Tamb:m isto me di6erencia .ubo a Rio 1ranco #ontemplo a bela arquitetura do TeatroMunicipal 0o outro lado% a 1iblioteca Nacional #aminho pelas escadarias da # mara edepois me sento em um bar=inho para tomar um chope Je,o uma á8ua% n-o muito8elada Eu de!ia comer al8uma coisa% mas n-o quero nada A comida dis6ar,aria a dor deuma solid-o que quero sentir at: o m Jreciso dar o má

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    "fáticos" que precisam ser considerados, ito é, há coisas que não mudam porque fazem parte do mundo em-si.

    Se sou francês, branco, classe média-alta, sexo masculino e sofro de uma patologia estrutural... se sou heterossexual, tenho pais falecidos eaos 60 anos ainda não tive um lho natural... nada posso fazer acerca disso. Tudo que aqui citei são facticidades (coisas que não possomudar) e a m inha liberdade é absoluta dentro deste universo. Mas vejam que a m inha realidade não é essa. A minha realidade é o que façocom a minha facticidade, porque experiência não é o que lhe acontece, mas o que você faz com aquilo que lhe acontece.Walmir S. [email protected]

    Introdução à Análise ExistencialANÁLISE EXISTENCIAL(Walmir Monteiro)

    A Análise Existencial tem como principal matriz a F enomenologia, que sustentando um olhar diferente sobre ohomem, contempla-o como um ser em movimento, capacitado à autotransformação. A partir do pensamento de fenomenólogos eexistencialistas foram apontados limites da ciência para a compreensão do ser do homem, surgindo a Análise Existencial que visa apossibilidade de uma psicologia que não se sustente unicamente sobre paradigmas das ciências naturais já que os fundamentos da ciêncianormalmente se r eferem ao modo de pensar técnico que objetiva exercer domínio e co ntrole sobre a natureza. A Análise Existencial é uma intervenção clínica que não busca apenas o ajustamento a ideais de normalidade, masaceita como normais a am bivalência e o p aradoxo, tornando-se uma (r)evolução dentro da psicologia, esse desdobramento dafenomenologia que trouxe à ciência e ao conhecimento humano uma nova forma de olhar as artes, a ciência, a literatura e t ambém de

    compreender o comportamento humano.Assim, instituições culturais e c ientícas, entre elas a universidade, cumprem seu importante papel de desenvolvimento e evolução,sabendo que a primordial idéia de universidade é possibilitar a un idade do diverso, permitindo que o maior número possível de saberes seagasalhe sob a mesma asa. Assim, um curso de psicologia eciente deve ter uma matriz curricular tão variada que possibilite umamultiplicidade de visões para o e nriquecimento da formação e o progresso da prossão. Entretanto, há quase meio século um dos maioresproblemas do ensino da psicologia no Brasil é sua subordinação hegemônica à p sicanálise, não que ela não seja importante, mas essaviciosa concentração em uma única forma de conhecimento, denitivamente empobreceu a psicologia brasileira. Mas há de se comemorar o fato de que recentemente se tem registrado alguma libertação deste saber queimperava soberano como única e última verdade acerca da análise do homem. Libertação, aliás, que ocorre já algum tempo em diversospaíses do mundo, mantendo apenas – e curiosamente - em três países, uma heróica resistência [1] .O problema é qu e estudávamos cinco anos de p sicologia vendo psicanálise o t empo todo, e saíamos completamente ignorantes em relaçãoàs demais escolas psicológicas, e este era o p reço de se ter instalado na área ps i, um domínio hegemônico cujos tentáculos se estendiamaos campus universitários fechando toda e q ualquer possibilidade de se pensar psicologia fora das matrizes psicanalíticas. Essa espécie de oligarquia atuava de diversos modos e em diversos campos, inclusive no campo da própriaformação psicanalítica que sempre foi uma questão mais política e idiossincrásica (com o nome de análise didática) do que de competência,isenção e formação intelectual. A psicanalista Helena Besserman Vianna relata em artigo o seu dramático combate para ser aceita comomembro na SPRJ; sem falar nos altos custos e n a elitização de um tratamento que se colocava a milhas de d istância de q ualquerpossibilitação social, ajudando cada vez mais a fortalecer na psicanálise o seu rótulo de elitismo e burguesismo. E não se tratava apenas derótulo, pois seu c onteúdo e prática conrmavam tal nominação. Muito do destronamento dos barões da psicanálise e da máa das suas Sociedades Brasileiras se deveu adenúncias que de modo farto vieram a público em 1980, por parte de dois dos mais conhecidos psicanalistas brasileiros de então: HélioPellegrino e Eduardo Mascarenhas, que entre outros escândalos trouxeram à tona a existência do psicanalista e psiquiatra Amílcar Loboatuando no quartel da Polícia do Exército, no DOI-CODI, um dos mais terríveis centros de repressão na época, como torturador deestudantes, artistas e intelectuais contrários à ditadura militar que imperava no Brasil. Após esta crise dos anos 80, surgiu uma segunda crise na psicanálise, nos anos 90, quando a IPA (AssociaçãoInternacional de Psicanálise) fundada pelo próprio Freud, interferiu questionando a presença de Leão Cabernite na presidência da SPRJ,questionamento que na verdade era desdobramento do primeiro escândalo protagonizado por Amílcar. Mas não estamos aqui para discutiros psicanalistas torturadores, pois um outro tipo de tortura está em questão: a submissão da psicologia ao monopólio e ditamespsicanalíticos.Sempre foi um sério empobrecimento para a p sicologia essa delidade canina à psicanálise, mas as coisas foram mudando, primeiro lá fora,depois aqui, embora ainda haja muito a caminhar no alcance da liberdade para a pluralidade do saber psicológico. Consta que essa hegemonia praticamente acabou no mundo todo, exceto na França, Argentina e Brasil. Nos EUApode-se dizer que a psicanálise quase desapareceu, e é importante que os estudantes brasileiros sejam informados disso, porque absolutano Brasil do jeito que a p sicanálise se h abituou a se r, dá a impressão de que é assim no mundo todo. E não é.Catherine Meyer [2] faz uma constatação dupla em seu livro: a primeira é qu e a ps icanálise na França é h egemônica. Como no Brasil, nosmeios de comunicação franceses, se alguém da área psi é convidado a um programa, será invariavelmente um psicanalista. Nasuniversidades, de 21 faculdades de psicologia, 11 ensinam somente a p sicanálise como sistema de tratamento psicológico. A segunda constatação da autora é que em outros países da Europa, como a Holanda e a Inglaterra, e também nosEUA, a psicanálise tem menos importância que outras abordagens, e se ai nda não desapareceu por completo, se tornou uma terapia comooutra qualquer.Segundo Eustáchio Portela Nunes

    [3], a f orça da psicanálise na Argentina e no Brasil se deu com o advento de psicanalistas europeus que

    fugindo dos horrores nazistas pós segunda guerra, se instalaram na Argentina onde iniciaram a psicanálise, estendendo-se logo após parao Brasil.Este mesmo autor reconhece que a m elhor psiquiatria vigente no Rio de Janeiro no início da década de 5 0, era de i nuência fenomenológicabaseada na Psicopatologia de Karl Jaspers com sua variante analítico-existencial, inspirada na losoa de Heidegger. E prossegue dizendo

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