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UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA A PARTIR DA REVISÃO
DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO INFANTIL
Flávia Burdzinski de Souza1
Lourenço Angst Grassel2
O atual cenário educacional na Educação Infantil, principalmente no que se refere à oferta
gratuita da educação básica a partir dos 4 anos de idade, com as reformulações de políticas
educacionais, tem gerado profundas pesquisas, debates e reflexões. Este contexto também requer
preparo dos profissionais que atuam nesta etapa da educação, pois estas políticas trazem um
olhar diferenciado ao atendimento na infância, ao priorizar a construção de um currículo pensado
e estruturado na criança. Por isso, entende-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais a
Educação Infantil (DCNEI), fixadas pela Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 20093, é um
importante documento que problematiza, norteia e orienta o trabalho nesta etapa da educação.
No ano de 2013, o Ministério da Educação lançou um novo documento norteador para
toda a Educação Básica no Brasil: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica.
Este documento também traz uma profunda Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil (DCNEI), já sintonizada com as concepções sobre a educação de crianças
em espaços coletivos e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de
aprendizagens e do desenvolvimento das crianças.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica apontam que seus objetivos
principais são:
I – sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na
Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que
contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os
sujeitos que dão vida ao currículo e à escola;
II – estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução
e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica;
1 Graduada em Pedagogia (IESA). Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). 2 Graduado em Educação Física- Licenciatura (URI). Pós-graduando em Docência para o Ensino Superior. 3 A resolução na integra pode ser acessada no link:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13684%3Aresolucoes-ceb-
2009&catid=323%3Aorgaos-vinculados&Itemid=866
III – orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais – docentes,
técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes
entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam
(DCN, 2013, p. 7-8).
Portanto, entende-se que, este documento é um importante aliado na formação inicial e
continuada dos profissionais da educação, por sistematizar as diretrizes, os princípios e
orientações que contribuem para a formação básica comum dos sujeitos que fazem parte do
currículo escolar a nível nacional. Como se trata de uma publicação recente e rica em
contribuições julga-se que merece atenção especial por parte dos profissionais da educação que
prezam pela construção de uma educação de qualidade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de caráter mandatório,
orientam a formulação de políticas, incluindo a de formação de professores e demais
profissionais da Educação, e também o planejamento, desenvolvimento e avaliação
pelas unidades de seu Projeto Político-Pedagógico e servem para informar as famílias
das crianças matriculadas na Educação Infantil sobre as perspectivas de trabalho
pedagógico que podem ocorrer (DCNEI, 2013, p. 83).
Assim podemos compreender que este documento traz um importante debate a fim de
unificar, propor, orientar e qualificar as propostas pedagógicas das escolas voltadas ao
atendimento na infância. A DCNEI traça o percurso do currículo escolar, estabelece a direção
para a educação, mostra os caminhos, as ideias, as concepções a serem seguidas por todo o
sistema educacional brasileiro.
O objetivo principal deste trabalho é discutir os pontos básicos de referência presentes
neste documento, como histórico do atendimento na infância, princípios e finalidades,
organização pedagógica e as concepções de infância e currículo. A idealização desta pesquisa
surgiu a partir de três dimensões: primeiro após participar da coordenação e supervisão de
estágios em Educação Infantil com trinta e três acadêmicas de um Curso de Pedagogia; segundo
após ouvir uma fala da professora Maria Carmem Barbosa (UFRGS) que participou da
consultoria deste documento e defende a posição de que as Diretrizes só conseguirão se efetivar
após divulgação, estudo e discussões mantidas em todo o território nacional; e por fim após
manter esta discussão em ambientes de trabalho.
O cenário educacional na Educação Infantil: princípios e perspectiva histórica
A identidade do atendimento na Educação Infantil é fortemente marcada pela
historicidade das políticas voltadas à infância, além de haver uma diferenciação no atendimento
conforme a classe social familiar da criança. Aos mais pobres o atendimento se efetivava no
caráter assistencialista (com restrição ao cuidado), enquanto que o grupo socialmente
privilegiado recebe um atendimento voltada a promoção intelectual (educar).
A divisão entre cuidar e educar merece atenção, pois na Educação Infantil não há como
haver indissociabilidade entre estes dois aspectos, conforme as Diretrizes apontam:
[...] é oportuno e necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em
sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social da Educação Básica, a
sua centralidade, que é o estudante. Cuidar e educar iniciam-se na Educação Infantil,
ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino
Fundamental, Médio e posteriores [...] Educar exige cuidado; cuidar é educar,
envolvendo acolher, ouvir, encorajar, apoiar, no sentido de desenvolver o aprendizado
de pensar e agir, cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta.
Educar é, enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente [...] Nota-se que apenas pelo
cuidado não se constrói a educação e as dimensões que a envolvem como projeto
transformador e libertador. A relação entre cuidar e educar se concebe mediante
internalização consciente de eixos norteadores, que remetem à experiência fundamental
do valor, que influencia significativamente a definição da conduta, no percurso
cotidiano escolar [...] (DCNEB, 2013, p.17-18).
A Educação Infantil, durante muito tempo teve por finalidade somente o cuidado; pois
sabe-se que historicamente ela foi iniciada somente por volta de 1970, com o aumento do
número de mulheres no mercado de trabalho, que consequentemente precisavam de espaços para
deixar seus filhos enquanto trabalhavam; um dos fatos que instaurou a visão assistencialista desta
etapa de educação.
Ao pensar neste caráter assistencialista (que ainda está presente em muitas propostas
pedagógicas de escolas infantis), podemos nos remeter a uma charge de autoria de Francesco
Tonucci, também conhecido pelo pseudônimo de “Frato” (pedagogo italiano, que desenha
charges para educação). Na cena, a professora alimenta todas as crianças com a mesma colher e
o mesmo alimento, o que de certa forma marca este caráter assistencialista do qual falamos.
(Tonucci, 1997)
Este caráter assistencialista prevaleceu durante muito tempo no ambiente educacional,
que começou a ser reorganizado e pensado como um espaço educativo somente a partir de 1959
com a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (a nível internacional) e
com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (a nível nacional).
Além desses documentos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9.394/96), o atual Plano Nacional de Educação (PNE), as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Básica, são alguns dos atuais documentos tomados por base para a estruturação e
visibilidade da Educação Infantil em nosso país. Todos eles remetem ao importante papel desta
etapa na formação integral do sujeito, desmistificando a ideia de assistencialismo na qual foi
consolidada de início.
Frente a todas essas transformações, a Educação Infantil vive um intenso processo de
revisão de concepções sobre a educação de crianças em espaços coletivos, e de seleção e
fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do
desenvolvimento das crianças. Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões
sobre como orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como
garantir práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que se articulem, mas não
antecipem processos do Ensino Fundamental (DCNEI, 2013, p. 81-82).
A ampliação no número de matrículas, o aumento de instituições (creches e pré-escolas),
a formação dos profissionais que atuam nesta área, demandam novas políticas para a Educação
Infantil (EI) “pautando questões que dizem respeito às propostas pedagógicas, aos saberes e
fazeres dos professores, às práticas e projetos cotidianos desenvolvidos junto às crianças, ou seja,
às questões de orientação curricular” (DCNEI, 2013, p.82)
Assim entende-se que um novo cenário educacional se instaura na medida em que exige
uma reformulação das propostas pedagógicas desenvolvidas nas escolas de EI, o que mobilizou o
Ministério da Educação a desenvolver uma parceria com universidades públicas para discutir a
reestruturação curricular na Educação Infantil. A parceira com a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) resultou na elaboração de dois documentos que trazem as concepções
atuais sobre o trabalho na EI e dos quais vale a pena o acesso: “Práticas cotidianas na Educação
Infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares” (MEC/COEDI) e “Subsídios
para as Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica”4 (MEC), ambos
publicados em 2009.
Na medida que os conceitos, finalidades e princípios da Educação Infantil são
esclarecidos, fica possível visualizar seu papel e sua atuação dentro da Educação Básica no
contexto social, educacional, econômico e cultural que vivemos atualmente. Não é viável
continuar pensando no atendimento nesta etapa como algo assistencialista ou preparatório ao
Ensino Fundamental, é preciso “mergulhar” na compreensão do que as políticas públicas
educacionais estão discutindo e apontando.
As DCNEI apontam que:
Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de
idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando
a ação da família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29) (2013, p. 83).
Assim a EI é concebida como primeira etapa da educação básica, não é um ciclo
preparatório e nem tampouco um atendimento prestado fora do ciclo da Educação Básica. Como
primeira etapa, tem importante contribuição no papel da formação de cidadãos em nosso país,
pois constrói a base para todos os estudos posteriores.
4 Para ler e conferir mais publicações voltadas a EI, recomenda-se acessar o site do MEC no link:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12579%3Aeducacao-
infantil&Itemid=1152
Fica assim evidente que, no atual ordenamento jurídico, as creches e pré-escolas
ocupam um lugar bastante claro e possuem um caráter institucional e educacional
diverso daquele dos contextos domésticos, dos ditos programas alternativos à educação
das crianças de zero a cinco anos de idade, ou da educação não-formal. (DCNEI, 2013,
p. 84).
É nesta etapa que a criança começa a desenvolver suas capacidades cognitivas, físicas,
afetivas, éticas e de inserção social, ultrapassando os limites do mero "cuidado”, por isso merece
atenção e estudo dos profissionais.
A função das instituições de Educação Infantil, a exemplo de todas as instituições
nacionais e principalmente, como o primeiro espaço de educação coletiva fora do
contexto familiar, ainda se inscreve no projeto de sociedade democrática desenhado na
Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inciso I), com responsabilidades no desempenho
de um papel ativo na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e
socioambientalmente orientada. (DCNEI, 2013, p.85)
As DCNEI apontam também que para cumprir está função, cinco condições básicas se
fazem necessárias. Primeiro: o Estado precisa assumir sua responsabilidade na educação;
Segundo: as escolas de Educação Infantil precisam promover a igualdade de oportunidades entre
homens e mulheres, que ao deixarem seus filhos na escola tem mais chances e oportunidades
além do contexto doméstico; Terceiro: que as escolas de EI assumam a responsabilidade de se
tornarem espaços privilegiados de “alargamentos culturais”, de convivência, construção de
identidade, ampliação de saberes, entre outros aspectos que contribuem para o cumprimento de
sua função sociopolítica e pedagógica; a quarta condição é que para cumprir função sociopolítica
e pedagógica também requer “oferecer melhores condições e recursos construídos histórica e
culturalmente para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais e possam
se manifestar e ver essas manifestações acolhidas, na condição de sujeito de direitos e de
desejos” (2013, p. 85); a última e quinta função é reconhecer as escolas de EI como espaços de
produção “de novas formas de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a
democracia e a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento da
necessidade de defesa do meio ambiente e com o rompimento de relações de dominação etária,
socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam
nossa sociedade” (2013, p.85).
As DCNEI apontam que os princípios básicos para o atendimento na infância, são de
ordem: éticos, políticos e estéticos. Éticos no sentido de propor um trabalho voltado a boa
conduta do ser humano, ou seja, ressaltando o respeito e valorização de toda e qualquer forma de
vida. Assim, as instituições de EI, ficam incumbidas de garantir que as crianças possam
manifestar seus sentimentos, desejos, interesses; tenham suas produções valorizadas; possam
ampliar sua aprendizagem e visão de mundo; construam atitudes de respeito, solidariedade,
igualdade, inviolabilidade da vida humana, vínculos afetivos e fortalecimento de auto-estima.
Políticos no sentido de propor um trabalho voltado a educação para a cidadania, através
de uma formação infantil participativa e crítica, em que se
criam contextos que lhes permitem a expressão de sentimentos, idéias, questionamentos,
comprometidos com a busca do bem estar coletivo e individual, com a preocupação com
o outro e com a coletividade [...] A educação para a cidadania se volta para ajudar a
criança a tomar a perspectiva do outro – da mãe, do pai, do professor, de outra criança, e
também de quem vai mudar-se para longe, de quem tem o pai doente (DCNEI, 2013, p.
87-88)
Estéticos na ideia de que a partir deste princípio o trabalho pedagógico “deve voltar-se
para uma sensibilidade que valoriza o ato criador e a construção pelas crianças de respostas
singulares, garantindo-lhes a participação em diversificadas experiências”. (DCNEI, 2013, p.
88). Deste modo cooperação, cuidado, criação, convívio, uso de linguagens diversas, respeito
pela criação do outro, são aspectos fundamentais a serem trabalhados.
Assim para ajudar na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e
socioambientalmente orientada é necessário mais do que políticas públicas, mais do que
infraestrutura e recursos, é necessário também pensar na reforma de pensamento que cerca a
educação, como diria Morin (2012): sem uma reforma de pensamento não há reforma no ensino.
Reformar o pensamento através de uma mudança paradigmática pode ser uma alternativa para se
repensar a escola que estamos moldando hoje. A escola necessita de outras bases
epistemológicas que sustentem seu trabalho, que dêem conta do que é solicitado ao se reformar o
ensino. A escola precisa de uma visão mais aberta, mais ampla, mais interativa e comunicativa
com os princípios da nova política educacional, para que possa agir com coerência e consistência
diante das mudanças paradigmáticas.
Pensando nesta reforma paradigmática o texto das DCNEI traz novos conceitos, novos
entendimentos, sobre o que é a infância, a criança, o currículo e a proposta pedagógica na
Educação Infantil. Este texto fomenta e instiga a pensar por que a ausência de proposta
educacional para as crianças brasileiras ainda é presente? O que se deseja com a Educação
Infantil? O que é importante para as crianças de hoje? Qual a função da escola? Qual o papel de
professor neste contexto? Entre outras interrogações que nos acompanham nesta nova
caminhada.
A Educação Infantil que desejamos
A Educação Infantil que desejamos é aquela que tem seu espaço e tempo preservado,
planejado e construído no cotidiano infantil. É aquele quer percebe a criança como sujeito
principal do planejamento e da efetivação da proposta pedagógica. É aquela que cede espaço as
primeiras descobertas, que enaltece o riso, a alegria, as descobertas, as inquietudes, as
linguagens, o choro, as manifestações infantis de toda ordem. É aquela que tem cheiro, cor,
movimento e vida.
É aquela que concebe a criança como o
centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas
interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas
com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se
insere. (DCNEI, 2013, p. 86).
A criança é aquele sujeito que tem na pele o limite entre ela e o mundo, como nos faz
pensar a charge de Tonucci (1997). Por isso é considerada: única. Sujeito que tem e faz história.
Vive histórias. Mantém relações, faz relações, se constitui por relações. É protagonista de seu
processo de aprendizagem, de sua vida, da produção da infância e de sua cultura.
(Tonucci, 1997)
A escola da infância precisa compreender esta singularidade, característica e diversidade
presente em cada criança, pois conforme as Diretrizes apontam: “Cada criança apresenta um
ritmo e uma forma própria de colocar-se nos relacionamentos e nas interações, de manifestar
emoções e curiosidade, e elabora um modo próprio de agir nas diversas situações que vivencia”
(DCNEI, 2013, p. 86).
A criança da qual falamos é aquela que tem seu espaço e tempo determinado, vivido,
planejado e organizado de modo a relevar seu lugar social. É aquela vista nos olhos, na
horizontalidade e não na verticalidade e na imposição do domínio do adulto. “Em essência, a
criança é definida pelo nosso modo de olhá-la e vê-la” (RINALDI, 2012, p. 169).
Rinaldi destaca que são as imagens que temos da criança que nos fazem definir a sua
identidade. Neste sentido: “Muitas imagens diferentes seriam possíveis: realçando aquilo que a
criança é e tem, pode ser ou poder fazer, ou, ao contrário, enfatizando aquilo que a criança não é
e não tem, não pode ser e não pode fazer” (2012, p. 155-156). Estas imagens são construídas por
interpretações, por definições culturais e históricas.
A EI alarga as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento infantil, uma vez que
na convivência com adultos e de outras crianças, modifica a forma de ser, agir e pensar. Neste
período, importantes aquisições se efetivam: “a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a
formação da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando diferentes
linguagens”. Tudo isto constitui e marca a identidade infantil. (DCNEI, 2013, p. 86).
A concepção de criança é responsável pela organização e gestão da escola de Educação
Infantil. Simples gestos nos mostram como as crianças são encaradas e concebidas pela escola.
Como por exemplo, a organização dos materiais em sala de aula ou a própria organização de
uma refeição. A escola que proporciona o alcance das crianças aos materiais, ao alimento, a
experiência de servir-se, de escolher o que quer comer, se difere daquela escola em que todos
estes momentos dependem do adulto para se efetivar.
A organização curricular e as práticas pedagógicas efetivadas na EI também estão
entrelaçadas a concepção de criança. De acordo com as DCNEI, o currículo é concebido como
“um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico”. Estas
práticas precisam ser “intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas”, pois são elas
que compõem o cotidiano escolar na EI, “[...] devem considerar a integralidade e indivisibilidade
das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural
das crianças [...]” (DCNEI, 2013, p. 86).
Portanto estamos falando de um currículo que considere as especificidades da infância,
do sujeito criança, de seu desenvolvimento integral. Um currículo que vai sendo construído na
medida em que as práticas pedagógicas vão sendo desenvolvidas. Não estamos falando daquele
currículo, da organização pedagógica que traz um programa fechado, rígido, estruturado por
conhecimentos descontextualizados, ou que se baseiam somente em datas comemorativas.
As práticas pedagógicas devem ocorrer de modo a não fragmentar a criança nas suas
possibilidades de viver experiências, na sua compreensão do mundo feita pela totalidade
de seus sentidos, no conhecimento que constrói na relação intrínseca entre razão e
emoção, expressão corporal e verbal, experimentação prática e elaboração conceitual.
Um bom planejamento das atividades educativas favorece a formação de competências
para a criança aprender a cuidar de si. No entanto, na perspectiva que integra o cuidado,
educar não é apenas isto. Educar cuidando inclui acolher, garantir a segurança, mas
também alimentar a curiosidade, a ludicidade e a expressividade infantis” (DCNEI,
2013, p.89).
As práticas desenvolvidas na infância precisam de intencionalidade, conteúdo, precisam
ser recheadas com significados. A propostas comuns, como os trabalhos manuais, a brincadeira
livre, a presença constante da televisão como “babá” e “educadora”, necessitam ser
ressignificadas no desenvolvimento do trabalho. Ainda é possível observar que as atividades
realizadas há mais de vinte anos (quando ainda éramos estudantes de escolas da infância) ainda
estão presentes na escola (principalmente no que se refere a pintura e colagem de bolinhas de
papel em desenhos prontos).
É importante compreender que a organização curricular e pedagógica na Educação
Infantil:
[...] pode se estruturar em eixos, centros, campos ou módulos de experiências que
devem se articular em torno dos princípios, condições e objetivos propostos nesta
diretriz. Ela pode planejar a realização semanal, mensal e por períodos mais longos de
atividades e projetos fugindo de rotinas mecânicas (DCNEI, 2013, p. 95).
Entendemos que ao abordar nas DCNEI que a estrutura curricular pode ser organizada
em eixos, centros, campos ou módulos, abre um espaço mais amplo para que a organização
pedagógica se efetive. Os eixos norteadores possibilitam organizar uma proposta de currículo
pautada nos princípios estabelecidos pela DCNEI, por isso podem também orientar o
planejamento do professor e da escola.
Acreditamos que o planejamento baseado em eixos norteadores, traz uma proposta
estrutural, que proporciona sair do aspecto rígido e burocrático no qual o planejamento em
alguns momentos se efetiva. Por isso defendemos a ideia de que as escolas de Educação Infantil
precisam pensar em estratégias de desenvolvimento com este tipo de trabalho.
O artigo 9º da Resolução nº 5/2009, salienta doze itens que devem ser garantidos na
experiência da prática pedagógica na Educação Infantil:
I – promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências
sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da
individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;
II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio
por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e
musical;
III – possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a
linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e
escritos;
IV – recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas,
medidas, formas e orientações espaço-temporais;
V – ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e
coletivas;
VI – possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia
das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;
VII – possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais,
que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento
da diversidade;
VIII – incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a
indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo
e à natureza;
IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas
manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro,
poesia e literatura;
X – promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da
biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos
recursos naturais;
XI – propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e
tradições culturais brasileiras;
XII – possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas
fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. (2013, p. 99).
Este mesmo artigo também relata que as experiências devem ter como eixos norteadores
a interação e a brincadeira. É importante discutir que estes doze itens, não devem ser encarados
como uma “listagem” de atividades ou conteúdos a serem desenvolvidos de forma linear e
ordenada, muito pelo contrário, esta proposta reforça a ideia de uma superação da fragmentação
do conhecimento. Muitas vezes mais de uma experiência estará presente numa única proposta
desenvolvida com as crianças, por isso não se pode concebê-las como estanques, lineares e
isoladas.
Pensar no desenvolvimento destes eixos e em propostas didáticas para a sua efetivação
das experiências pedagógicas na EI, sem esquecer dos princípios, dos objetivos, das concepções
de criança, de infância, de currículo que se estabelecem nesta diretriz, é um desafio aos
profissionais que atuam nesta etapa da Educação. Além de trazer um novo modo de encarar a
educação na infância, sem a rigidez disciplinar e a fragmentação do conhecimento, estas
experiências podem efetivar a escola como um lugar intenso e vivo, do qual a criança goste de
estar, viver e conviver.
Considerações finais
A partir das proposições discutidas nas DCNEI e mantidas nesse texto, evidencia-se a
superação da visão assistencialista ou preparatória, na qual a Educação Infantil esteve alicerçada
durante um longo período histórico e procura-se construir uma proposta unificada a nível
nacional, que considere a criança o centro do planejamento.
Com a obrigatoriedade da oferta na educação a partir dos 4 anos de idade, este
documento pode-se tornar referencia na construção das propostas pedagógicas das escolas de EI,
uma vez que os princípios e objetivos traçados pelas DCNEI respeitam o atual contexto histórico
educacional e social, além de discutir concepções importantes, como: criança, currículo,
aprendizagem e proposta pedagógica, que auxiliam na efetivação de uma política educacional
para infância a nível nacional.
Esperamos que este trabalho possa contribuir na divulgação e reflexões desta política
educacional recente e inovadora, a fim de efetivar um novo olhar sobre a infância, sobre a
criança; além de promover a ampliação do debate na área acadêmica e de formação continuada
para que possa colaborar na reestruturação dos espaços educativos que atendem as crianças e
sobretudo nas propostas desenvolvidas nesta etapa importante da Educação Básica, que é a
Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
BRASIL, LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96 – Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de março de 2015.
BRASIL, LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96 – Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de março de 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reformar, reformar o pensamento. RJ. 15ªed.
Bertrand Brasil, 2012.