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UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA A PARTIR DA REVISÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO INFANTIL Flávia Burdzinski de Souza 1 Lourenço Angst Grassel 2 O atual cenário educacional na Educação Infantil, principalmente no que se refere à oferta gratuita da educação básica a partir dos 4 anos de idade, com as reformulações de políticas educacionais, tem gerado profundas pesquisas, debates e reflexões. Este contexto também requer preparo dos profissionais que atuam nesta etapa da educação, pois estas políticas trazem um olhar diferenciado ao atendimento na infância, ao priorizar a construção de um currículo pensado e estruturado na criança. Por isso, entende-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação Infantil (DCNEI), fixadas pela Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009 3 , é um importante documento que problematiza, norteia e orienta o trabalho nesta etapa da educação. No ano de 2013, o Ministério da Educação lançou um novo documento norteador para toda a Educação Básica no Brasil: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Este documento também traz uma profunda Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), já sintonizada com as concepções sobre a educação de crianças em espaços coletivos e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica apontam que seus objetivos principais são: I sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; II estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica; 1 Graduada em Pedagogia (IESA). Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). 2 Graduado em Educação Física- Licenciatura (URI). Pós-graduando em Docência para o Ensino Superior. 3 A resolução na integra pode ser acessada no link: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13684%3Aresolucoes-ceb- 2009&catid=323%3Aorgaos-vinculados&Itemid=866

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UM NOVO OLHAR PARA A EDUCAÇÃO NA INFÂNCIA A PARTIR DA REVISÃO

DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO INFANTIL

Flávia Burdzinski de Souza1

Lourenço Angst Grassel2

O atual cenário educacional na Educação Infantil, principalmente no que se refere à oferta

gratuita da educação básica a partir dos 4 anos de idade, com as reformulações de políticas

educacionais, tem gerado profundas pesquisas, debates e reflexões. Este contexto também requer

preparo dos profissionais que atuam nesta etapa da educação, pois estas políticas trazem um

olhar diferenciado ao atendimento na infância, ao priorizar a construção de um currículo pensado

e estruturado na criança. Por isso, entende-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais a

Educação Infantil (DCNEI), fixadas pela Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 20093, é um

importante documento que problematiza, norteia e orienta o trabalho nesta etapa da educação.

No ano de 2013, o Ministério da Educação lançou um novo documento norteador para

toda a Educação Básica no Brasil: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica.

Este documento também traz uma profunda Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação Infantil (DCNEI), já sintonizada com as concepções sobre a educação de crianças

em espaços coletivos e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de

aprendizagens e do desenvolvimento das crianças.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica apontam que seus objetivos

principais são:

I – sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na

Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que

contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os

sujeitos que dão vida ao currículo e à escola;

II – estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução

e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica;

1 Graduada em Pedagogia (IESA). Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). 2 Graduado em Educação Física- Licenciatura (URI). Pós-graduando em Docência para o Ensino Superior. 3 A resolução na integra pode ser acessada no link:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13684%3Aresolucoes-ceb-

2009&catid=323%3Aorgaos-vinculados&Itemid=866

III – orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais – docentes,

técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes

entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam

(DCN, 2013, p. 7-8).

Portanto, entende-se que, este documento é um importante aliado na formação inicial e

continuada dos profissionais da educação, por sistematizar as diretrizes, os princípios e

orientações que contribuem para a formação básica comum dos sujeitos que fazem parte do

currículo escolar a nível nacional. Como se trata de uma publicação recente e rica em

contribuições julga-se que merece atenção especial por parte dos profissionais da educação que

prezam pela construção de uma educação de qualidade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de caráter mandatório,

orientam a formulação de políticas, incluindo a de formação de professores e demais

profissionais da Educação, e também o planejamento, desenvolvimento e avaliação

pelas unidades de seu Projeto Político-Pedagógico e servem para informar as famílias

das crianças matriculadas na Educação Infantil sobre as perspectivas de trabalho

pedagógico que podem ocorrer (DCNEI, 2013, p. 83).

Assim podemos compreender que este documento traz um importante debate a fim de

unificar, propor, orientar e qualificar as propostas pedagógicas das escolas voltadas ao

atendimento na infância. A DCNEI traça o percurso do currículo escolar, estabelece a direção

para a educação, mostra os caminhos, as ideias, as concepções a serem seguidas por todo o

sistema educacional brasileiro.

O objetivo principal deste trabalho é discutir os pontos básicos de referência presentes

neste documento, como histórico do atendimento na infância, princípios e finalidades,

organização pedagógica e as concepções de infância e currículo. A idealização desta pesquisa

surgiu a partir de três dimensões: primeiro após participar da coordenação e supervisão de

estágios em Educação Infantil com trinta e três acadêmicas de um Curso de Pedagogia; segundo

após ouvir uma fala da professora Maria Carmem Barbosa (UFRGS) que participou da

consultoria deste documento e defende a posição de que as Diretrizes só conseguirão se efetivar

após divulgação, estudo e discussões mantidas em todo o território nacional; e por fim após

manter esta discussão em ambientes de trabalho.

O cenário educacional na Educação Infantil: princípios e perspectiva histórica

A identidade do atendimento na Educação Infantil é fortemente marcada pela

historicidade das políticas voltadas à infância, além de haver uma diferenciação no atendimento

conforme a classe social familiar da criança. Aos mais pobres o atendimento se efetivava no

caráter assistencialista (com restrição ao cuidado), enquanto que o grupo socialmente

privilegiado recebe um atendimento voltada a promoção intelectual (educar).

A divisão entre cuidar e educar merece atenção, pois na Educação Infantil não há como

haver indissociabilidade entre estes dois aspectos, conforme as Diretrizes apontam:

[...] é oportuno e necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em

sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social da Educação Básica, a

sua centralidade, que é o estudante. Cuidar e educar iniciam-se na Educação Infantil,

ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino

Fundamental, Médio e posteriores [...] Educar exige cuidado; cuidar é educar,

envolvendo acolher, ouvir, encorajar, apoiar, no sentido de desenvolver o aprendizado

de pensar e agir, cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta.

Educar é, enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente [...] Nota-se que apenas pelo

cuidado não se constrói a educação e as dimensões que a envolvem como projeto

transformador e libertador. A relação entre cuidar e educar se concebe mediante

internalização consciente de eixos norteadores, que remetem à experiência fundamental

do valor, que influencia significativamente a definição da conduta, no percurso

cotidiano escolar [...] (DCNEB, 2013, p.17-18).

A Educação Infantil, durante muito tempo teve por finalidade somente o cuidado; pois

sabe-se que historicamente ela foi iniciada somente por volta de 1970, com o aumento do

número de mulheres no mercado de trabalho, que consequentemente precisavam de espaços para

deixar seus filhos enquanto trabalhavam; um dos fatos que instaurou a visão assistencialista desta

etapa de educação.

Ao pensar neste caráter assistencialista (que ainda está presente em muitas propostas

pedagógicas de escolas infantis), podemos nos remeter a uma charge de autoria de Francesco

Tonucci, também conhecido pelo pseudônimo de “Frato” (pedagogo italiano, que desenha

charges para educação). Na cena, a professora alimenta todas as crianças com a mesma colher e

o mesmo alimento, o que de certa forma marca este caráter assistencialista do qual falamos.

(Tonucci, 1997)

Este caráter assistencialista prevaleceu durante muito tempo no ambiente educacional,

que começou a ser reorganizado e pensado como um espaço educativo somente a partir de 1959

com a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (a nível internacional) e

com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (a nível nacional).

Além desses documentos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB

9.394/96), o atual Plano Nacional de Educação (PNE), as Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação Básica, são alguns dos atuais documentos tomados por base para a estruturação e

visibilidade da Educação Infantil em nosso país. Todos eles remetem ao importante papel desta

etapa na formação integral do sujeito, desmistificando a ideia de assistencialismo na qual foi

consolidada de início.

Frente a todas essas transformações, a Educação Infantil vive um intenso processo de

revisão de concepções sobre a educação de crianças em espaços coletivos, e de seleção e

fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do

desenvolvimento das crianças. Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões

sobre como orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como

garantir práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que se articulem, mas não

antecipem processos do Ensino Fundamental (DCNEI, 2013, p. 81-82).

A ampliação no número de matrículas, o aumento de instituições (creches e pré-escolas),

a formação dos profissionais que atuam nesta área, demandam novas políticas para a Educação

Infantil (EI) “pautando questões que dizem respeito às propostas pedagógicas, aos saberes e

fazeres dos professores, às práticas e projetos cotidianos desenvolvidos junto às crianças, ou seja,

às questões de orientação curricular” (DCNEI, 2013, p.82)

Assim entende-se que um novo cenário educacional se instaura na medida em que exige

uma reformulação das propostas pedagógicas desenvolvidas nas escolas de EI, o que mobilizou o

Ministério da Educação a desenvolver uma parceria com universidades públicas para discutir a

reestruturação curricular na Educação Infantil. A parceira com a Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS) resultou na elaboração de dois documentos que trazem as concepções

atuais sobre o trabalho na EI e dos quais vale a pena o acesso: “Práticas cotidianas na Educação

Infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares” (MEC/COEDI) e “Subsídios

para as Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica”4 (MEC), ambos

publicados em 2009.

Na medida que os conceitos, finalidades e princípios da Educação Infantil são

esclarecidos, fica possível visualizar seu papel e sua atuação dentro da Educação Básica no

contexto social, educacional, econômico e cultural que vivemos atualmente. Não é viável

continuar pensando no atendimento nesta etapa como algo assistencialista ou preparatório ao

Ensino Fundamental, é preciso “mergulhar” na compreensão do que as políticas públicas

educacionais estão discutindo e apontando.

As DCNEI apontam que:

Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e

tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de

idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando

a ação da família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29) (2013, p. 83).

Assim a EI é concebida como primeira etapa da educação básica, não é um ciclo

preparatório e nem tampouco um atendimento prestado fora do ciclo da Educação Básica. Como

primeira etapa, tem importante contribuição no papel da formação de cidadãos em nosso país,

pois constrói a base para todos os estudos posteriores.

4 Para ler e conferir mais publicações voltadas a EI, recomenda-se acessar o site do MEC no link:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12579%3Aeducacao-

infantil&Itemid=1152

Fica assim evidente que, no atual ordenamento jurídico, as creches e pré-escolas

ocupam um lugar bastante claro e possuem um caráter institucional e educacional

diverso daquele dos contextos domésticos, dos ditos programas alternativos à educação

das crianças de zero a cinco anos de idade, ou da educação não-formal. (DCNEI, 2013,

p. 84).

É nesta etapa que a criança começa a desenvolver suas capacidades cognitivas, físicas,

afetivas, éticas e de inserção social, ultrapassando os limites do mero "cuidado”, por isso merece

atenção e estudo dos profissionais.

A função das instituições de Educação Infantil, a exemplo de todas as instituições

nacionais e principalmente, como o primeiro espaço de educação coletiva fora do

contexto familiar, ainda se inscreve no projeto de sociedade democrática desenhado na

Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inciso I), com responsabilidades no desempenho

de um papel ativo na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e

socioambientalmente orientada. (DCNEI, 2013, p.85)

As DCNEI apontam também que para cumprir está função, cinco condições básicas se

fazem necessárias. Primeiro: o Estado precisa assumir sua responsabilidade na educação;

Segundo: as escolas de Educação Infantil precisam promover a igualdade de oportunidades entre

homens e mulheres, que ao deixarem seus filhos na escola tem mais chances e oportunidades

além do contexto doméstico; Terceiro: que as escolas de EI assumam a responsabilidade de se

tornarem espaços privilegiados de “alargamentos culturais”, de convivência, construção de

identidade, ampliação de saberes, entre outros aspectos que contribuem para o cumprimento de

sua função sociopolítica e pedagógica; a quarta condição é que para cumprir função sociopolítica

e pedagógica também requer “oferecer melhores condições e recursos construídos histórica e

culturalmente para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais e possam

se manifestar e ver essas manifestações acolhidas, na condição de sujeito de direitos e de

desejos” (2013, p. 85); a última e quinta função é reconhecer as escolas de EI como espaços de

produção “de novas formas de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a

democracia e a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento da

necessidade de defesa do meio ambiente e com o rompimento de relações de dominação etária,

socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam

nossa sociedade” (2013, p.85).

As DCNEI apontam que os princípios básicos para o atendimento na infância, são de

ordem: éticos, políticos e estéticos. Éticos no sentido de propor um trabalho voltado a boa

conduta do ser humano, ou seja, ressaltando o respeito e valorização de toda e qualquer forma de

vida. Assim, as instituições de EI, ficam incumbidas de garantir que as crianças possam

manifestar seus sentimentos, desejos, interesses; tenham suas produções valorizadas; possam

ampliar sua aprendizagem e visão de mundo; construam atitudes de respeito, solidariedade,

igualdade, inviolabilidade da vida humana, vínculos afetivos e fortalecimento de auto-estima.

Políticos no sentido de propor um trabalho voltado a educação para a cidadania, através

de uma formação infantil participativa e crítica, em que se

criam contextos que lhes permitem a expressão de sentimentos, idéias, questionamentos,

comprometidos com a busca do bem estar coletivo e individual, com a preocupação com

o outro e com a coletividade [...] A educação para a cidadania se volta para ajudar a

criança a tomar a perspectiva do outro – da mãe, do pai, do professor, de outra criança, e

também de quem vai mudar-se para longe, de quem tem o pai doente (DCNEI, 2013, p.

87-88)

Estéticos na ideia de que a partir deste princípio o trabalho pedagógico “deve voltar-se

para uma sensibilidade que valoriza o ato criador e a construção pelas crianças de respostas

singulares, garantindo-lhes a participação em diversificadas experiências”. (DCNEI, 2013, p.

88). Deste modo cooperação, cuidado, criação, convívio, uso de linguagens diversas, respeito

pela criação do outro, são aspectos fundamentais a serem trabalhados.

Assim para ajudar na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e

socioambientalmente orientada é necessário mais do que políticas públicas, mais do que

infraestrutura e recursos, é necessário também pensar na reforma de pensamento que cerca a

educação, como diria Morin (2012): sem uma reforma de pensamento não há reforma no ensino.

Reformar o pensamento através de uma mudança paradigmática pode ser uma alternativa para se

repensar a escola que estamos moldando hoje. A escola necessita de outras bases

epistemológicas que sustentem seu trabalho, que dêem conta do que é solicitado ao se reformar o

ensino. A escola precisa de uma visão mais aberta, mais ampla, mais interativa e comunicativa

com os princípios da nova política educacional, para que possa agir com coerência e consistência

diante das mudanças paradigmáticas.

Pensando nesta reforma paradigmática o texto das DCNEI traz novos conceitos, novos

entendimentos, sobre o que é a infância, a criança, o currículo e a proposta pedagógica na

Educação Infantil. Este texto fomenta e instiga a pensar por que a ausência de proposta

educacional para as crianças brasileiras ainda é presente? O que se deseja com a Educação

Infantil? O que é importante para as crianças de hoje? Qual a função da escola? Qual o papel de

professor neste contexto? Entre outras interrogações que nos acompanham nesta nova

caminhada.

A Educação Infantil que desejamos

A Educação Infantil que desejamos é aquela que tem seu espaço e tempo preservado,

planejado e construído no cotidiano infantil. É aquele quer percebe a criança como sujeito

principal do planejamento e da efetivação da proposta pedagógica. É aquela que cede espaço as

primeiras descobertas, que enaltece o riso, a alegria, as descobertas, as inquietudes, as

linguagens, o choro, as manifestações infantis de toda ordem. É aquela que tem cheiro, cor,

movimento e vida.

É aquela que concebe a criança como o

centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas

interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas

com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se

insere. (DCNEI, 2013, p. 86).

A criança é aquele sujeito que tem na pele o limite entre ela e o mundo, como nos faz

pensar a charge de Tonucci (1997). Por isso é considerada: única. Sujeito que tem e faz história.

Vive histórias. Mantém relações, faz relações, se constitui por relações. É protagonista de seu

processo de aprendizagem, de sua vida, da produção da infância e de sua cultura.

(Tonucci, 1997)

A escola da infância precisa compreender esta singularidade, característica e diversidade

presente em cada criança, pois conforme as Diretrizes apontam: “Cada criança apresenta um

ritmo e uma forma própria de colocar-se nos relacionamentos e nas interações, de manifestar

emoções e curiosidade, e elabora um modo próprio de agir nas diversas situações que vivencia”

(DCNEI, 2013, p. 86).

A criança da qual falamos é aquela que tem seu espaço e tempo determinado, vivido,

planejado e organizado de modo a relevar seu lugar social. É aquela vista nos olhos, na

horizontalidade e não na verticalidade e na imposição do domínio do adulto. “Em essência, a

criança é definida pelo nosso modo de olhá-la e vê-la” (RINALDI, 2012, p. 169).

Rinaldi destaca que são as imagens que temos da criança que nos fazem definir a sua

identidade. Neste sentido: “Muitas imagens diferentes seriam possíveis: realçando aquilo que a

criança é e tem, pode ser ou poder fazer, ou, ao contrário, enfatizando aquilo que a criança não é

e não tem, não pode ser e não pode fazer” (2012, p. 155-156). Estas imagens são construídas por

interpretações, por definições culturais e históricas.

A EI alarga as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento infantil, uma vez que

na convivência com adultos e de outras crianças, modifica a forma de ser, agir e pensar. Neste

período, importantes aquisições se efetivam: “a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a

formação da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando diferentes

linguagens”. Tudo isto constitui e marca a identidade infantil. (DCNEI, 2013, p. 86).

A concepção de criança é responsável pela organização e gestão da escola de Educação

Infantil. Simples gestos nos mostram como as crianças são encaradas e concebidas pela escola.

Como por exemplo, a organização dos materiais em sala de aula ou a própria organização de

uma refeição. A escola que proporciona o alcance das crianças aos materiais, ao alimento, a

experiência de servir-se, de escolher o que quer comer, se difere daquela escola em que todos

estes momentos dependem do adulto para se efetivar.

A organização curricular e as práticas pedagógicas efetivadas na EI também estão

entrelaçadas a concepção de criança. De acordo com as DCNEI, o currículo é concebido como

“um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os

conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico”. Estas

práticas precisam ser “intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas”, pois são elas

que compõem o cotidiano escolar na EI, “[...] devem considerar a integralidade e indivisibilidade

das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural

das crianças [...]” (DCNEI, 2013, p. 86).

Portanto estamos falando de um currículo que considere as especificidades da infância,

do sujeito criança, de seu desenvolvimento integral. Um currículo que vai sendo construído na

medida em que as práticas pedagógicas vão sendo desenvolvidas. Não estamos falando daquele

currículo, da organização pedagógica que traz um programa fechado, rígido, estruturado por

conhecimentos descontextualizados, ou que se baseiam somente em datas comemorativas.

As práticas pedagógicas devem ocorrer de modo a não fragmentar a criança nas suas

possibilidades de viver experiências, na sua compreensão do mundo feita pela totalidade

de seus sentidos, no conhecimento que constrói na relação intrínseca entre razão e

emoção, expressão corporal e verbal, experimentação prática e elaboração conceitual.

Um bom planejamento das atividades educativas favorece a formação de competências

para a criança aprender a cuidar de si. No entanto, na perspectiva que integra o cuidado,

educar não é apenas isto. Educar cuidando inclui acolher, garantir a segurança, mas

também alimentar a curiosidade, a ludicidade e a expressividade infantis” (DCNEI,

2013, p.89).

As práticas desenvolvidas na infância precisam de intencionalidade, conteúdo, precisam

ser recheadas com significados. A propostas comuns, como os trabalhos manuais, a brincadeira

livre, a presença constante da televisão como “babá” e “educadora”, necessitam ser

ressignificadas no desenvolvimento do trabalho. Ainda é possível observar que as atividades

realizadas há mais de vinte anos (quando ainda éramos estudantes de escolas da infância) ainda

estão presentes na escola (principalmente no que se refere a pintura e colagem de bolinhas de

papel em desenhos prontos).

É importante compreender que a organização curricular e pedagógica na Educação

Infantil:

[...] pode se estruturar em eixos, centros, campos ou módulos de experiências que

devem se articular em torno dos princípios, condições e objetivos propostos nesta

diretriz. Ela pode planejar a realização semanal, mensal e por períodos mais longos de

atividades e projetos fugindo de rotinas mecânicas (DCNEI, 2013, p. 95).

Entendemos que ao abordar nas DCNEI que a estrutura curricular pode ser organizada

em eixos, centros, campos ou módulos, abre um espaço mais amplo para que a organização

pedagógica se efetive. Os eixos norteadores possibilitam organizar uma proposta de currículo

pautada nos princípios estabelecidos pela DCNEI, por isso podem também orientar o

planejamento do professor e da escola.

Acreditamos que o planejamento baseado em eixos norteadores, traz uma proposta

estrutural, que proporciona sair do aspecto rígido e burocrático no qual o planejamento em

alguns momentos se efetiva. Por isso defendemos a ideia de que as escolas de Educação Infantil

precisam pensar em estratégias de desenvolvimento com este tipo de trabalho.

O artigo 9º da Resolução nº 5/2009, salienta doze itens que devem ser garantidos na

experiência da prática pedagógica na Educação Infantil:

I – promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências

sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da

individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;

II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio

por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e

musical;

III – possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a

linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e

escritos;

IV – recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas,

medidas, formas e orientações espaço-temporais;

V – ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e

coletivas;

VI – possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia

das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;

VII – possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais,

que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento

da diversidade;

VIII – incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a

indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo

e à natureza;

IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas

manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro,

poesia e literatura;

X – promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da

biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos

recursos naturais;

XI – propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e

tradições culturais brasileiras;

XII – possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas

fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. (2013, p. 99).

Este mesmo artigo também relata que as experiências devem ter como eixos norteadores

a interação e a brincadeira. É importante discutir que estes doze itens, não devem ser encarados

como uma “listagem” de atividades ou conteúdos a serem desenvolvidos de forma linear e

ordenada, muito pelo contrário, esta proposta reforça a ideia de uma superação da fragmentação

do conhecimento. Muitas vezes mais de uma experiência estará presente numa única proposta

desenvolvida com as crianças, por isso não se pode concebê-las como estanques, lineares e

isoladas.

Pensar no desenvolvimento destes eixos e em propostas didáticas para a sua efetivação

das experiências pedagógicas na EI, sem esquecer dos princípios, dos objetivos, das concepções

de criança, de infância, de currículo que se estabelecem nesta diretriz, é um desafio aos

profissionais que atuam nesta etapa da Educação. Além de trazer um novo modo de encarar a

educação na infância, sem a rigidez disciplinar e a fragmentação do conhecimento, estas

experiências podem efetivar a escola como um lugar intenso e vivo, do qual a criança goste de

estar, viver e conviver.

Considerações finais

A partir das proposições discutidas nas DCNEI e mantidas nesse texto, evidencia-se a

superação da visão assistencialista ou preparatória, na qual a Educação Infantil esteve alicerçada

durante um longo período histórico e procura-se construir uma proposta unificada a nível

nacional, que considere a criança o centro do planejamento.

Com a obrigatoriedade da oferta na educação a partir dos 4 anos de idade, este

documento pode-se tornar referencia na construção das propostas pedagógicas das escolas de EI,

uma vez que os princípios e objetivos traçados pelas DCNEI respeitam o atual contexto histórico

educacional e social, além de discutir concepções importantes, como: criança, currículo,

aprendizagem e proposta pedagógica, que auxiliam na efetivação de uma política educacional

para infância a nível nacional.

Esperamos que este trabalho possa contribuir na divulgação e reflexões desta política

educacional recente e inovadora, a fim de efetivar um novo olhar sobre a infância, sobre a

criança; além de promover a ampliação do debate na área acadêmica e de formação continuada

para que possa colaborar na reestruturação dos espaços educativos que atendem as crianças e

sobretudo nas propostas desenvolvidas nesta etapa importante da Educação Básica, que é a

Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

BRASIL, LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96 – Disponível em:

www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de março de 2015.

BRASIL, LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96 – Disponível em:

www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 de março de 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares

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MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reformar, reformar o pensamento. RJ. 15ªed.

Bertrand Brasil, 2012.

RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e

Terra, 2012. Tradução de Vania Cury

TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.