Um município agrícola

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Autor: Mário Neme Acervo: IHGP

Transcript of Um município agrícola

  • MAruoNEME

    UM MUNICPIO AGRCOLA

    Aspectos sociais e econmicos da organizao agrria de Piracicaba

    Separata da

    REVISTA DO ARQUIVO

    N LVII

    DEPARTAMENTO DE CULTURA

    SO PAULO - 1939

  • INSTITUTO HISTRICO E GEOGRFICO DE PIRACICABA

    DIRETORIA (2010-2012)

    PREsIDENTE

    PEDRO CALDARI

    VICE-PREsIDENTE

    CEZARIO DE CAMpOS FERRARI

    lo SECRETRIO

    TOSHIO IcIZUCA

    20 SECRETRIO

    LUIZ NASCIMENTO

    lo 'ThsOUREIRO

    VITOR PIRES VENCOVSKY

    20 'ThsoURElRO

    JOo UMBERTO NASSIF ORADOR

    GUSTAVO JACQ.UES DIAS ALVIM

    DIRETOR DE ACERVO

    FRANCISCO DE AsSIS FERRAZ DE MELLO

    SUPLENTES

    ANTONIO MESSIAS GALDINO

    VALDIZA MARIA CAPRANICO

    CONSELHO FISCAL ANTNIO ALTAFIN

    FABIO FERREIRA COELHO BRAGANA

    FELISBINO DE ALMEIDA LEME

    ZILMAR ZILLER MARCOS

    SUPLENTES - CoNSELHO FISCAL

    ELIASSALUM

    FLVIO RIZOLLO

    GERALDO CLARET DE MELLO AYRES

    ROSALY APARECIDA CURIACOS ALMEIDA LEME

    TIMTHEO JARDIM

  • MAruo NEME

    UM MUNICPIO AGRCOLA

    Aspectos sociais e econmicos da organizao agrria de Piracicaba

    Separata da

    REVISTA DO ARQUIVO

    N LVII

    DEPARTAMENTO DE CULTURA

    SO PAULO - 1939

  • Copyright Instituto Histrico e Geogrfico de Piracicaba

    N433m Neme, Mrio.

    Um municpio agrcola: aspectos sociais e econmicos da organizao agrria de Piracicaba/ Mrio Neme. - Piracicaba, SP: Equilbrio, 2010.

    108p.22cm.

    Publicado com apoio da Secretaria de Ao Cultural de Piracicaba e do Instituto Histrico e Geogrfico de Piracicaba - IHGP

    ISBN: 978-85-61237-32-5

    1. Piracicaba - Agricultura - Aspectos sociais e econmicos. I. Instituto Histrico e Geogrfico de Piracicaba. 11. Secretaria de Ao Cultural de Piracicaba. III. Ttulo.

    CDU: 338.43 (816.12PI)

    Instituto Histrico e Geogrfico de Piracicaba

    Piracicaba - SP

    2010

    COORDENAO EDITORIAL Equilbrio Editora Sociedade LTDA

    DIREO Carlos Terra

    Gustavo Alvim

    CAPA

    Genival Cardoso EDITORAO ELETRNICA

    Mareel Yamauti FICHA CATALOGRFICA

    Rosangela Aparecida Lobo (CRB8 - 7500) IMPRESSO E ACABAMENTO

    Printjit Solues

  • REIMPRESSO

    O Instituto Histrico e Geogrfico de Piracicaba tem por objetivo, conforme rezam seus Estatutos Sociais, promover o estudo, a pesquisa e a divulgao da Histria, da Geografia e demais cincias correlatas, relacionados ao municpio em que est sediado e regio circunvizinha.

    Para bem cumprir essas finalidades, a entidade tem estimulado estudiosos dessas reas do conhecimento, de forma especial seus associados, a fazerem pesquisas e a produzirem textos, para que a entidade os divulgue na forma de livros ou como artigos em sua revista anuaL

    Por sua vez, a diretoria tomou a deciso de, sem prejuzo da edio de trabalhos inditos, reimprimir algumas obras, publicadas anteriormente pelo IHGp, que se encontram esgotadas. So livros preciosos de autores consagrados e renomados, que se dedicaram investigao cientfica da histria de Piracicaba, fazendo-a de forma competente e cuidadosa, e cujos textos resultantes passaram a ser fundamentais e imprescindveis, no s para leitores que tenham meramente o interesse de conhecer esses assuntos, mas, tambm, e sobremodo, para historiadores, professores, pesquisadores que encontram neles fontes para seus estudos e trabalhos acadmicos.

  • Este livro, publicado com o apoio da Prefeitura Municipal de Piracicaba, por meio da sua Secretaria de Ao Cultural, uma dessas reimpresses. O seu texto sofreu uma reviso para adequ-lo nova ortografia, sem qualquer alterao no seu contedo, respeitando-se, no entanto, a ortografia da poca, quando da transcrio ou citaes de documentos histricos.

    Hi outros autores e respectivas bras, que certamente, sero alvos tambm dessa ateno e reconhecimento. A Comisso de Publicaes do IHGP est permanentemente trabalhando para selecion-las e promover a republicao futuramente.

  • GEOGRAFIA A PAISAGEM

    SOLO - HIDROGRAFIA - VIAO

    POPULAO - CLIMA

    AGRICULTURA CONSIDERAES

    ECONOMIA AGRCOLA

    DIVISO DAS TERRAS

    CONCEITO - EVOLUO SENTIDO

    COLONIZAO RURAL

    XODO DOS CAMPOS - RURALISMO

    PRODUO AGRCOLA

    CANA DE ACAR - CAF

    ALGODO - CITRICULTURA - CEREAIS

    PRODUO AN1:MAL

    PECURIA - AVICULTURA

    SERICICULTURA APICULTURA - PISCICULTURA

    INDSTRIA AUCAREIRA

    Outras Indstrias Agrrias

  • " SUMARIO

    INTRODUO .................. 11

    ASPECTOS GEOGRFICOS ................ 15

    A Paisagem.............................................................................. 15

    Solo ......................................................................................... 16

    Hidrografia .............................................................................17

    Viao......................................................................................18

    Populao................................................................................19

    Clima ......................................................................................20

    PIRA.CI CABA ................................................................................. 25

    Como municpio agrcola .....................................................25

    Economia Municipal .............................................................26

    Economia Popular ..................................................................29

    DIVISA0 DAS TERRA.S .......... 33

    COLONIZAO RURAl., ........................................................... 45

    Ambiente social ......................................................................46

    Habitao................................................................................49

  • "Sociedade Rural" ..................................................................52

    O drama do Nordeste ............................................................55

    Fixao do trabalhador rural ..................................................57

    Deslocamento da populao urbana .....................................61

    PRODUO AGRCOLA............................... 65

    Cana de Acar ......................................................................72

    Caf......................................................................... : ....... ........75

    Algodo ...................................................................................77

    Citricultura.............................................................................79

    Cereais ....................................................................................83

    PRODUAo .ANIMAL................................................................ 87

    Pecuria...................................................................................87

    Avicultura e Apicultura ..........................................................89

    Sericicultura ...........................................................................90

    Piscicultura .............................................................................90

    INDSTRIA, AUCAREIRA ................... 93

    OUTRAS INDSTRIA.S AGRRIAS ............................................ 97

    Indstria extrativa ...................................................................98

    REFERNCIAS........................ 101

    PUBLICAES .............. 103

    .APENSO ...................... 105

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    INTRODUO

    C om o correr do tempo, vai Piracicaba se tomando amplamente conhecido pelo resto do Estado e do pas como municpio essencial e exemplarmente agrcola. Circunstncias especialssimas, de espcie vria, tm contribudo poderosamente para transformar e conservar o ncleo agrrio piracicabano num dos mais privilegiados de todo o territrio bandeirante, o que equivale dizer de todo o pas, pois So Paulo , indiscutivelmente, o mais adiantado centro agrcola do Brasil.

    Essas circunstncias entrelaaram-se de tal modo, to profundamente, que hoje Piracicaba rural um modelo grandemente expressivo, do qual podem e devem os demais municpios brasileiros, e notadamente os paulistas, tomar normas e diretrizes, aplicando-se as medidas acertadas que nele vm, de h muito, sendo postas em prtica, com os mais auspiciosos resultados.

    Seria, porm, irrisrio pretender que esse municpio deve o seu estgio de organizao rural apenas s medidas e s realizaes que lhe traaram e imprimiram, no correr dos anos, o brao e o crebro do homem. O progresso agrcola piracicabano no pode ser encarado como fruto exclusivo de bem orientada poltica agrria. Fatores histricos de grande influncia atuaram fortemente na sua formao estrutural, determinando primordialmente suas tendncias para uma colonizao

  • 12 MAruoNEME

    racional e toda ela fortalecida pelos mais expressivos ditames da justia social. Como ainda nem s inteligncia e ao esprito de iniciativa de seus homens deve o municpio o elevado grau de adiantamento atingido pela sua agricultura, mas tambm, e em grande parte, s suas vantajosas condies mesolgicas, que em muito fvorecem as variadas atividades rurais a que se entregam os piracicabanos.

    A prpria origem histrica do municpio constitui um poderoso imperativo ao amanho da terra. Fundada para socorrer com os produtos de sua lavoura e pecuria s necessidades de 19uatemi, praa militar arrasada em 1777 pelos paraguaios, a primitiva povoao encaminhou-se para um progresso sempre crescente, revestindo-se no incio do sculo XIX da importncia de um dos mais ricos municpios da ento Provncia de So Paulo. Ainda melhor se compreende a influncia e o poder desse imperativo histrico quando se sabe que suas terras e suas condies gerais favorveis agricultura determinaram o estabelecimento da primitiva Piracicaba no local onde hoje se acha, contrariando as deliberaes e as ordens expressas do governador da Capitania, que ordenara sua fundao na foz do rio Piracicaba no Tiet, isto , setenta quilmetros alm do lugar onde o seu povoador a instalou, atrado pelo "seu terreno alegre, frtil, cheio de salsaparrilha, excelente para todo o gnero de cultura" (1)

    Um sculo passado, em 1836, contava 78 engenhos de acar e 8 fazendas de criar, no havendo ento, em todo o seu vasto territrio, nenhum terreno devoluto. Sua produo agrcola englobava: acar, aguardente, caf, milho, feijo, arroz, amendoim, fumo, algodo, gado vacum, cavalar e langero (2).

    H mais de cem anos, j as estatsticas oficiais acentuavam em cores vivas a tendncia da agricultura piracicabana para a racionalizao e a policultura.

    A inexistncia de grandes senhores de terras e escravos, que

    (1) - ~MARIO NEME a Piracicaba no sculo XVIII" - in REVISTA DO ARQUWO MUNICIPAL, /lQ1. XLV - 1938.

    (2) - DANIEL PEDRO MULLER - "Ensaio de um Quadro Estatstico do Estado de So Paulo" -1836.

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    s esporadicamente figuraram na histria do municpio, se deve tambm, em grande parcela, o intenso e salutar retalhamento das terras piracicabanas, que talvez o mais decisivo fator da invejvel situao de estabilidade do seu parque agrrio.

    O " Tombamento de 1817" (artigo de Joo B. C. Aguirra na "Revista do Arquivo Municipal", vol. X, 1935) corrobora essa nossa assero, baseada alis nos fatos histricos do municpio. Essa estatstica computa para a freguesia de Piracicaba (Limeira e Rio Claro inclusas) o total de 264 lavradores com 35 engenhos. A esse elevado nmero de agricultores correspondia um total de apenas 893 escravos, o que reflete as poucas posses dos senhores de terras, pois, como se sabe, para as atividades da cultura da cana e fabricao de acar que se empregavam em maior nmero os escravos negros. E j estvamos na fase progressista de Piracicaba, que foi todo o primeiro meio sculo de 1.800. Campinas, que foi sem dvida importante centro de poderosos escravagistas e ricos senhores de engenhos, conforme tambm o depoimento de Saint Hilaire ("S. Paulo nos tempos coloniais", traduo de Leopoldo Pereira, 1922) contava, na mesma poca, 294 lavradores com o elevado nmero de 3.464 escravos.

    A excelncia do seu clima, sua favorvel situao topogrfica, o perfeito conjunto de irrigao natural que abrange todo o municpio, a incansvel atividade de seus homens do campo, a inteligncia de seus governantes - todos esses e outros fatores de igual preponderncia(3) constituem a causa cujo efeito , nos nossos dias, essa evidncia cristalina - Piracicaba, municpio essencial e exemplarmente agrcola.

    Antes de entrarmos propriamente no estudo dos aspectos agroeconmicos do municpio, vamos salientar os pontos mais sugestivos de sua geografia nsica e humana, apenas, porm, aqueles que mais de perto interessam agricultura e pecuria, para que o leitor possa ter, num apanhado geral, uma viso verdadeira da realidade agrcola piracicabana.

    (3) - "Pororltro lado, aabertura das novas zonas sertanejas da Mogiana ePaulistaftzeram de Campinas e Piracicaba bocas de serto providencialmente prximas do centro paulistano, que consolidaram suas raizes com a traniferncia para elas do comrcio, das escolas, da justia destinada a reger a vida do hinterland". (SERGIO MILLIET - "Roteiro do Gif" - 1938).

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    AsPECTOS GEOGRFICOS

    A Paisagem

    Localizado na zona central do Estado de So Paulo, o municpio de Piracicaba confina ao norte com o de Rio Claro; a oeste com o de Piramb6ia; ao sul com os de Conchas, Tiet, Capivari e Rio das Pedras e a leste com os de Santa Brbara e Limeira.

    Sua superficie abrange uma rea de 1.465 quilmetros quadrados e em sua quase totalidade cultivado com carinho, sendo, comoj se dizia em 1878:- "insignificante a parte imprestvel para a lavoura, ocupada por campos e carrascais."(4)

    O terreno, geralmente acidentado em mansas ondulaes, no apresenta quebras bruscas de nvel - muito comuns na maior extenso do Estado, o que oferece grandes dificuldades agricultura e pecuria. Tambm a viao e muitas outras atividades humanas se beneficiam-se com a topografia do municpio.

    Dois vales acentuados encontram-se no municpio, dando-lhe um cunho topogrfico especial: - os dos rios Piracicaba e Corumbata, que so os maiores coletores das diversas bacias divis6rias.

    (4) - M. DE MORAES BARROS - 'J!l.lmanaque Literrio de S. Paulo" - 1878.

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    Os seus afluentes cortam o planalto geral em sucessivos vales, que do paisagem o aspecto caracterstico de longas lombadas chatas, dominadas por raros picos elevados, que formam, por isso, objetos topogrficos visveis a grandes distncias.

    A altitude mdia das faixas marginais aos rios Corumbata, Piracicaba e Tiet, (este banhando uma das linhas divisrias do municpio) de 500 metros, enquanto a do planalto geral estimada em 540, atingindo as curvas de nvel em diversos lugares at 750 metros(5)

    Solo

    Sob os diversos aspectos agrrio-geogrficos, Piracicaba se localiza na regio ideal do Estado e, no que se refere particularmente s condies geolgicas, vm de sua primitiva colonizao referncias as mais favorveis. Situado na "zona permiana ao redor de Campinas", pela diviso regional de Pierre Deffontaines, dispe de solos extremamente frteis, pois a srie permiana atinge do salto de Itu a Piracicaba a sua maior largura (120 km.); "atinge a tambm o seu maior valor; os solos so melhores, as numerosas manchas de diabase do excelentes terras roxas, e o permiano apresenta aqui um facies clcico fertiI.

    O Instituto Agronmico de Campinas e a Escola Agrcola de Piracicaba indicam por sua presena o valor agrcola destas regies"(6).

    Em manchas de grande extenso encontram-se esparramadas as terras vermelha e roxa, que representam um solo especialmente frtil para qualquer espcie de cultura. As terras arenosas (leves) e argilosas ou barrentas (pesadas) pertencem s sries geolgicas Glacial, Tatu, Corumbata e Botucatu, sendo as duas primeiras cor de cinza e as duas ltimas amareladas e avermelhadas.

    As terras barrentas, pertencentes ao Tatu e Corumbata, so as mais frteis, de modo que podem ser cultivadas com caf e cana de acar, recebendo apenas, depois de certo tempo, a adubao

    (5) - MARIO NEME - "Piracicaba-Documentario" - 1936. (6) - Piem Dr1fontaines - "Regies epaisagens do Estado de So Paulo - in GEOGRAFIA. ano 1,

    n02-1935.

  • 17UM MUNICPIO AGRcOlA

    necessria, prescrita pela tcnica da moderna agricultura. As terras avermelhadas, misturadas com pedrinhas redondas e

    brancas, pertencem srie Irati, formando um solo muito quente, fofo e riqussimo em sais minerais.

    Todo o resto das terras vermelhas e roxas pertence s formaes vulcnicas, as quais, decompostas at grande profundidade, formam um solo pesado e frtil. Fornecem elas, em todas as partes do municpio, os solos privilegiados para a cultura de caf e de cana de acar. No esto ligadas a determinada faixa ou formao geolgica; esparramam-se esporadicamente sobre toda a rea do municpio, dando margem a aglomeraes de culturas especiais.

    Sobre a excelncia dos solos do municpio, j se dizia em 1887: - "O solo compe-se da preconizada terra roxa, em extenso

    de lguas, de terras barrentas e de terras arenosas, todas as quais prestam-se ao cultivo de caf, algodo, fumo e cereais"(7).

    Hidrografta Alm das timas terras que o constituem, o solo piracicabano

    ainda dos mais largamente dotados pela natureza, pois o municpio banhado pelos rios Tiet, Piracicaba e Corumbata que so os grandes coletores - e pelos seus inmeros afluentes, importantes ribeires, crregos e arroios de nmero elevado, que formam um perfeito conjunto de irrigao natural tornando-o um dos mais frteis do pas.

    Nesses rios, numerosos so os saltos, cachoeiras e corredeiras que oferecem altas possibilidades ao municpio, sendo que "diversas quedas d'gua esto sendo aproveitadas, havendo cachoeiras disponveis com a capacidade de 15 a 25 mil cavalos. "(8).

    Os grandes cursos d'gua e a infinidade de arroios, crregos e ribeires que banham o municpio so todos habitados por grande nmero de peixes diversos, os quais se aglomeram nas imediaes das cachoeiras, tornando Piracicaba "um dos municpios mais pis

    (7) - Relatrio da Comisso de Estatstica - 1887. (8) "Os municpios do Estado de So Parllo" - 1935.

  • 18 MAruoNEME

    cosos do Estado, havendo abundncia de dourados, pintados, piracanjubas,jas, mandis etc."(8)

    A essas vantagens oferecidas pelo sistema hidrogrfico do municpio, junta-se ainda o beneficio das lagoas, dentre as quais se salienta pela sua importncia a Lagoa Rica, de grande piscosidade.

    Viao

    Sendo o rio Piracicaba, que atravessa o territrio piracicabano em direo leste-oeste, navegvel em sua maior extenso, constitui por isso, com o Tiet, timo meio de transporte, o que contribuiu e ainda hoje contribui para o seu progresso agrrio. A navegao fluvial no municpio, explorada pela Estrada de Ferro Sorocabana(9) e por empresas particulares, dispondo de numerosos portos em ambos aqueles rios, forma um eficiente complemento do seu sistema frreo-rodovirio, que uma das inteligentes medidas aplicadas pelos seus homens em favor da agricultura de Piracicaba. Do seu considervel adiantamento, muito deve a organizao agrria do municpio ao amplo conjunto de viao de que dispe.

    O municpio est dotado de uma rede frreo-rodoviria que o liga a todas as localidades vizinhas e a todos os grandes centros. Alm das estradas de ferro Paulista e Sorocabana, a primeira servindo trs de suas mais prsperas vilas e a segunda ligando nada menos de nove estaes em diferentes pontos de seu territrio, contam-se ainda as ferrovias particulares dos engenhos de acar Central e de Monte Alegre.

    As estradas de rodagem que servem a zona rural, quer estaduais, quer municipais, quer secundrias ou de "mo comum", entremeando-se intensivamente, atingem elevado nmero de quilmetros de extenso e estabelecem comunicao no s entre os ncleos mais populosos como tambm entre uns e outros dos mais afastados pontos do municpio.

    (9) - Em 1934, s o movimento desta empresa, num nico porto, o deJoo Alftedo acusou os seguintes nmeros: - 2.065 passageiros e 1.807.264 quilos de mercadorias. (Relatrio da Estrada de Ferro Sorocabana -1934).

  • UM MUNICPIO AGRcOlA 19

    Populao

    Em virtude dessa facilidade de intercomunicao, a par de outros fatores vrios, a zona rural piracicabana inegavelmente uma das mais habitadas do Estado, ostentando trs distritos de paz - todos fartos celeiros e pontos de concentrao da atividade dos homens do campo. Mora essas sedes poltico-administrativas, conta-se uma dezena de vilas prsperas e populosas; e mais de meia centena de "bairros", todos bem dispostos e de fcil acesso, alm de suas mltiplas pequenas propriedades, que abrigam compacta e ativa populao.

    A populao de todo o municpio, em 1934, de acordo com o recenseamento oficial desse ano, era de 73.425 habitantes, assim distribudos:(IO)

    Zona URBANA Zona Rural SEDES DOS DISTRITOS

    RURAIS (10) TOTAL Charqueada Ibitiruna

    26.362 46.276 649 138 73.425

    Contando quase duas vezes o nmero de habitantes da cidade, o que pe em evidncia o excelente estado de sua vida agrria, a zona rural de Piracicaba apresenta um ndice demogrfico dos mais vantajosos possveis, s observveis nas regies de diminuta extenso territorial.

    Um estudo retrospectivo do aumento demogrfico verificado de 1900 a 1934, no municpio, demonstra um crescimento deveras notvel no perodo de 1900 a 1920, em cujo espao de vinte anos a populao passou para mais do dobro, isto , de 25.374(11) para 67.734(12). Deste ltimo ano at 1934 continuou crescendo razoavelmente, no obstante em proporo muito menor. A explicao daquele primeiro surto, extraordinrio na verdade, consiste em ter

    (10) -Depois de ultimato o recenseamento estadual de 1934,joi criado o distrito rural deJooAlfredo, cuja sede deve comportor, conforme clculos nosso consequentes de inqurito no local, uma populao de 380 habitantes.

    (11) - Recenseamento da Repblica do E. U. do Brasil- 1900. (12) - Recenseamento do Brasil- 1920.

  • 20 MAruoNEME

    sido o municpio, naquele perodo, alcanado pelo roteiro do caf, tendo para ele se encaminhado as suas maiores levas de imigrantes. Vamos demonstrar no captulo prprio, que nessa poca se procedeu no municpio ao intenso retalhamento das propriedades agrcolas(13l .

    Cumpre notar, uma vez demonstrada a tendncia do municpio para a vida rural(14l, que o crescimento de Piracicaba no se apura, pelo menos nos seus ltimos anos, pelos ndices vertiginosos que registram os rpidos progressos das chamadas cidades novas, das quais a zona noroeste do Estado constitui exemplo tpico mas sim pelos algarismos que exprimem o desenvolvimento vagaroso, metdico, mas constante das cidades europias.

    Esse , no h negar, um dos fatores da estabilidade econmica do municpio, pois seu crescimento no sofre soluo de continuidade, enquanto se processa naturalmente, sem abalos prejudiciais.

    Clima

    No queremos encerrar estas rpidas consideraes sobre as condies geogrficas de Piracicaba, sem darmos um breve relato de seu clima, elemento da mais alta relevncia para a agricultura e para a vida social do homem.

    O municpio acha-se situado no chamado planalto paulista, que selocaliza entre as latitudes S de 20 e 24, na zona sub-tropical, pela classificao de Pdua Dias. . '

    Nessas condies, Piracicaba, como o planalto paulista, "goza de um clima ameno; no vero o calor suavizado pelas chuvas e no inverno que corresponde estao seca, a temperatura mnima ordinariamente no desce alm de 1 ou 2 abaixo de zero"(15).

    (13) -"O mesmo acontece tambm com Piracicaba, regio de desenvolvimento econmico-demogr4fico harmonioso, onde se unem num mesmo ndice ascendente de produo o a!f e o acar, apolicultura e a pequena indstria" - (SERGIO MILLIET - "Roteiro do Caf" - 1938).

    (14) - Raro ogrande municpio paulista que apresenta, como Piracicaba, um populao rural duas vezes maior que a urbana.

    (15) -A. DE PAULA DIAS - "Meteorologia e Climatologia" - 1917.

  • UM MUNICPIO AGRcOlA 21

    Entretanto, tendo Morize (16), na sua classificao dos climas brasileiros, localizado a zona subtropical acima da isotrmica de temperatura mdia de 20, a qual abrange todo o norte do Paran, norte de So Paulo e grande parte do Estado do Rio de Janeiro, ficou Piracicaba situada na zona temperada, branda, clima de tipo semi-mido.

    Assim, de acordo com Morize, excelente o clima do municpio, situado que se acha entre as isotrmicas de temperatura sensvel de 16 e 17, por isso que "o calor ideal todas as vezes que a temperatura sensvel fica compreendida entre 13 e 19".

    Continuando, pode-se dizer que a temperatura do municpio pertence categoria dos climas regulares, em virtude da pequena diferena, (menor de 10), registrada entre as temperaturas mdias do ms mais quente (fevereiro) e do ms mais frio (julho), como se v no seguinte quadro:

    Temperatura mdia Ms mais quente Ms mais freio Diferena

    19,8 23 15,8 7',2

    Sendo pequena essa diferena entre as temperaturas mdias, tambm o a amplitude absoluta da variao de temperatura no municpio porque:

    . ma absoluta Mnima absoluta Amplit. absoluta

    37",2 _2,0 39,2

    Como consequncia dessa pequena amplitude de variao, o municpio raras vezes vitima d geadas, tendo sido estabelecido por Pdua Dias um total de 12 dias de geada em 14 anos, nmero insignificante, que no chega a constituir um "caso" para a agricultura.

    Para que seja possvel a existncia de boas condies climticas, alm de contnua virao do ar, que em Piracicaba mantida pelos saudveis e constantes ventos de leste e sudeste, indispensvel, nas zonas subtropicais, que a precipitao aquosa coincida com a temperatura, subindo a altura pluviomtrica nos meses mais quen

    (16) - HENRIQUE MORIZE - "Contribuio ao estudo do clima do Brasil" - 1922.

  • 22 MAruoNEME

    tes e descendo nos mais frios - o que ocorre no municpio, como exprime o grfico abaixo, em que as curvas de calor(17) e umidade formam linhas paralelas, ascendentes de agosto a janeiro - vero - e descendentes de fevereiro a julho -inverno(18)

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    270mm

    240mm

    210mm

    180mm

    20 150mm

    120mm

    90mm

    17 60mm

    30mm

    Omm

    LINHA QUEBRADA ---- PRECIPITAO AQUOSA

    LINHA CONTrNUA - - - - - - TEMPERATURA

    Estudando o clima de diversas regies do territrio fluminense, estipulou Morize, no trabalho citado, que o clima temperado,

    (17) - As observaes levadas aifeito por Pdua Dias, durante 6 anos, at 1917, acusam para o ms mais qtlentes a temperatura mdia de 23", ao passo que os estudos realizados recentemente pela Estao Experimental da Cana de Acar ndcam a mdia de 23",5, isto um aumento de meiograu, como se observa pelo griifico acima.

    (18) - Gr4f/Co organizado pela Estao Experimental de Cana de Acar, de Piraccaba.

  • UM MUNICPIO AGRcOIA 23

    brando, e o calor agradvel na temperatura de 2,20,4, correspondente umidade mdia de 78, 5%, caso esse em que se encontra, aproximadamente, o municpio de Piracicaba, que apresenta os seguintes elementos(19):

    (*) - So considerados ENCOBEKl'OS os dias cuja nebulosidade superior a 8.

    (19) - A. DE PDUA DIAS - Obra citada.

  • UM MUNICPIO AGRcOlA 25

    PIRACICABA

    Como municpio agrcola

    A economia brasileira , pode-se dizer, principalmente agrria. Mesmo em nosso Estado - onde se formou um parque industrial dos mais perfeitos - a agricultura constitu o centro em torno do qual gravitam quase todos os fatos econmicos. Pedra bsica que da economia nacional. So Paulo por sua vez tira da agricultura a sua principal fonte de renda, amparando-se nos municpios em que a produo agrcola possa garantir o m~ slido desenvolvimento econmico.

    De todos os seus numerosos municpios, porm, Piracicaba um dos que acodem s necessidades bandeirantes com a presteza mais segura, merc de sua modelar estrutura agrria. Caso tpico de organizao rural, vem os estudiosos no seu sistema de agricultura, altamente racionalizado, o verdadeiro padro que deve ser recomendado e seguido pelos demais municpios brasileiros.

    Ncleo agricultor por excelncia, contribuindo com grande porcentagem para a economia paulista, e da Unio - pois fornece quase V5 da produo estadual de acar, sobre a qual o imposto federal atinge considervel importncia - responde a zona rural de Piracicaba pela invejvel situao de sua economia pblica e privada, pois seus

  • 26 MAruoNEME

    pomares ricos, suas pastagens povoadas, suas terras carinhosamente cultivadas conquistaram no campo econmico uma posio firme e por isso relativamente preservada dos choques econmicos, aos quais esto expostos os municpios de menor movimento policultor.

    Economia Municipal

    Seja-nos permitido frisar rapidamente que Piracicaba concorre, anualmente, com mais de 6.500 contos de ris para os cofres pblicos - municipal, estadual e federal. Particularmente, as finanas municipais oferecem uma feio totalmente consoladora, por serem estveis e se no ressentirem de grandes colapsos, como no sofreram de maneira pondervel, com a crise que avassalou o pas em 1930.

    Contando com a renda de 1.654 contos de ris em 1929 - que fora a maior arrecadao at ento alcanada - os cofres municipais sofreram um recuo gradativo de apenas 150 contos, no perodo de 1930 1933, durante o qual foram obtidos os seguintes resultados:(20)

    1930 1931 1932 1933

    1.592:851$089 1.560:993$501 1.519:164$261 1.500:543$515

    Depois deste ltimo ano, a receita municipal restabeleceu-se completamente, acusando nos dois anos seguintes, 1934 e 1935, 1.538 e 1.640 contos de ris.

    E digno de anlise igualmente, o facto deter atingido a arrecadao. Em 1928, somente a quantia de 1.319 contos de reis, em quanto que em 1933, aps o maior abalo financeiro padecido pelo pas, a renda foi de 1.500 contos de ris.

    evidncia, os algarismos enunciados demonstram que, de fato, no se verificou em nenhum dos anos citados qualquer choque capaz de desorganizar a sua poltica econmica, bastando, para se comprovar tal assero, saber-se que durante esse perodo, em

    (20) Todos os dados relativos asfinanas municipaisforam obtidos em relatrios da Prifeitura ou fornecidos pela sua Secretria .

  • UM MUNICPIO AGRcolA 27

    que a crise foi mais premente e aguda, o municpio conseguiu diminuir a sua dvida de mais de mil contos de ris.

    Um restrospecto das finanas municipais revela aspectos interessantssimos da vida pblica piracicabana e focaliza o aprecivel grau de desenvolvimento que caracteriza a sua poltica econmica.

    Reportando-nos ao ano de 1863, ainda vigente o regime monrquico, sendo ento Piracicaba cidade h quase dz anos j, vamos encontrar a arrecadao da Cmara restrita ao total de Rs. 8:923$560, com as despesas oradas em 3:615$298.

    De 1863 1899, num perodo de 37 anos, durante o qual se processaram importantes melhoramentos tanto na cidade como no municpio, a renda municipal passou a 342:541$523, constatandose, assim, um aumento mdio anual de mais de 9:000$000.

    Deve-se notar, entretanto, que esse aumento se verificou quase na sua maior amplitude durante os dois ltimos lustros do sculo passado, conservando-se a renda de 1863 ainda por numerosos anos em um estado incerto e de grandes oscilaes. Para certificarse disso, basta que se consulte a arrecadao do ano imediato, em que os cofres municipais acusaram a receita de 7:064$837 e a despesa de 5.811$414, isto , quase % menos de receita e % mais de despesa que no ano anterior.

    Por outro lado, observando-se as rendas de alguns exerccios precedentes a de 1899, vamos nos capacitar da verdade do afirmado: - em 1895, a arrecadao foi de 160:000$000, a qual no ano seguinte passava a 190:180$000 para, em 1897, atingir a 217:820$000. Assim, progressivamente, alcanava 239:120$000 em 1898 e 342:541$523 em 1899, devendo-se notar, todavia, que nesta ltima arrecadao figurou elevado saldo do exerccio anterior.

    Desse ltimo ano at os dias de hoje, durante igual perodo de 37 anos, a renda municipal passou de 342 1.854 contos de ris, consignando um aumento mdio de mais de 38 contos de ris por ano.

    Igualmente, o acrscimo registrado de modo to pondervel durante este ltimo perodo, provm dos quinze ltimos anos no seu desenvolvimento mais acentuado. Em 1916, ainda os cofres pbli

  • 28 MARIo NEME

    cos do municpio dispunham apenas de 339:436$952, consignando pouco mais ou menos as mesmas cifras nos anos imediatos, e registrando, em 1920, a quantia de 444:222$138. Data desse ano o notvel impulso tomado pelas finanas municipais, que ostentam um desenvolvimento deveras auspicioso, com se v pelo quadro abaixo:

    ANOS ARRECADAES 1921 511:726$983 1922 632:767$132 1923 765:460$889 1924 911:435$996 1925 944:554$183 1926 1.022:673$306 1927 1.287:865$916 1928 1.319:734$604 1929 1.654:549$452 1930 1.592:851$089 1931 1.560:993$501 1932 1.519:646$261 1933 1.500:543$515 1934 1.538:673$915 1935 1.640:262$800 1936 1.853:670$400

    Seguindo a mesma marcha ascendente das finanas municipais, as arrecadaes estaduais em Piracicaba assumem aspecto dos mais lisonjeiros, consignando melhorias apreciveis de ano para ano.

    Em 1935 registrou-se renda do Estado um aumento de quase 300 contos de ris, o que no se verificou em nenhuma das arrecadaes precedentes(21).

    Pelo quadro abaixo, em que figuram as receitas do perodo 1932-1935,pode-se constatar o crescente desenvolvimento das atividades piracicabanas nos diversos ramos de trabalho e produo:

    (21) - Todos os dados rtferentes arrecadQtW estadualforamfomedos pela Coletoria Estadual de Piracicaba.

  • UM MUNICPIO AGRcOlA 29

    ANOS ARRECADAES 1932 1.514:778$072 1933 1.690:587$583 1934 1.590.787$143 1935 1.851:372$423

    Refletindo o maior abalo sofrido pelo municpio, em consequncia da crise geral, a arrecadao de 1934 acusou decrscimo de apenas 100 contos de ris sobre a anterior, mantendo, mesmo assim, situao altamente vantajosa em relao de 1932,sobre a qual apresentou a superioridade de mais de 70 contos de ris.

    A arrecadao federal de Piracicaba, atingindo um total quase equivalente ao das rendas estaduais e municipais juntas, isto mais de 3.000 contos de ris, constitui um caso excepcional e que bem recomenda o poder produtivo do municpio.

    Decorre esse fato do extraordinrio desenvolvimento da indstria aucareira entre ns, a qual, para o total de 2.900 contos, concorre com 1.900 contos de ris, quase dois teros, portanto, de toda a arrecadao federal

  • 30 MAruoNEME

    racicaba com a tormenta econmica dos ltimos anos, muito vem fazendo, todavia, pela expanso da riqueza municipal, como se observa pela intensificao da economia privada, a qual constitui um fiel e verdadeiro barmetro de sua situao material, - pedra angular que da riqueza pblica.

    Pelos dados abaixo v-se que o movimento, tanto de depsitos como de depositantes e, consequentemente, de juros vencidos, conserva um ritmo de desenvolvimento inequvoco e sempre em escala ascendente, a partir de 1932 at o ltimo ano(23):

    ANOS N DE CADERNETAS DEPSITOS JUROS 1932 3.336 995:541$600 194:028$500 1933 3.345 1.434:250$600 201 :678$800 1934 3.693 2.664:746$800 248:235$100 1935 4.193 3.608:370$100 321:995$700

    Resultante disso, os saldos depositados anualmente, durante o mesmo perodo, apresentam notvel expanso, acusando idntico grau de ascenso, como se v em seguida:

    ANOS SALDOS DEPOSITADOS

    1931 3.920:135$200 1932 4.074:023$900 1933 4.389:769$700 1934 5.770:463$900 1935 7.354:115$300

    Se j no bastasse a evidncia palpvel das estatsticas prmencionadas, como prova bastante da expanso da riqueza privada no municpio, o movimento de retiradas, consignando um descrcimo aprecivel, de 1931 1935,constitui categrica afirmao do que vimos de dizer, documentado saciedade o notvel fomento da economia popular em Piracicaba, como se v pelos dados seguintes:

    (23) -Todos os dados rgerentes Caixa Econmica foram fornecidos pela Coletoria Estadual de Piracicaba.

  • 31UM MUNICPIO AGRcOlA

    Anos Novos Depsitos Retiradas Superavit Dficit

    1931 1.343:333$100 2.172:085$000 -

    828:725$900 1932 995:541$600 1.036:281$400 40:739$800 1933 1.343:250$600 1.320:183$600 114:067$000 -1934 2.664:746$800 1.532:337$700 1.132:409$100

    -

    1935 3.608:370$100 2.346:667$800 1.261:702$300 -

    Foi nosso intuito, ao realizarmos este trabalho, oferecer aosestudiosos da agricultura brasileira alguns dos mais sugestivos aspectos da organizao agrria piracicabana, de cuja anlise, inegavelmente, muito se tem a aprender e aproveitar. Tentaremos, por isso, focalizar nas pginas seguintes, os fatores determinantes do alto coeficiente de produtividade alcanado pela lavoura do municpio, fatores esses que respondem pela estabilidade caracterstica de sua economia agrcola, e que so: intensa subdiviso das terras, adiantada colonizao rural e policultura inteligentemente dirigida.

  • UM MUNICPIO AGRcOLA 33

    DMSO DAS TERRAS

    " o municpio modelar: - Piracicaba. No h grandes fortunas em Piracicaba; nem pobreza acentuada. o ideal, a prtica dajustia social. A razo disso, eu j a conhecia: - domina, no municpio, o regime de pequena propriedade. E quem quiser verificar, na prtica, o quanto o latifndio rural desvaloriza a terra, v a Piracicaba, a ver como a pequena propriedade lhe d valor. O municpio um jardim. Tudo cuidado, tudo produzindo, tudo rendendo. Nota-se em cada palmo o carinho do dono. Porque muitos so os donos, muito o carinho. Piracicaba produz tudo, pratica a policultura e no se apercebeu da crise"

    Essas palavras do jornalista Luiz Amaral espelham fielmente a organizao rural de Piracicaba, constituindo uma afirmativa verdadeira, porquanto, apesar de francamente apoiada na cultura e industrializao intensiva de cana de acar, o regime da pequena propriedade, e nele quase exclusivamente, que reside a estabilidade da economia piracicabana, assim resguardada das grandes oscilaes, sempre desastrosas, consequentes das crises gerais.

    "Est provado - assevera Artur Torres Filho - que a vitalidade do ruralismo reside na pequena propriedade".

    Com 62.737 alqueires de rea, conta o municpio 2.640 pro

  • 34 MAruoNEME

    priedades agrcolas

  • UM MUNICPIO AGRcOLA 35

    tatsticas oficiais no permitem absolutamente ao observador o mximo aproveitamento dos dados que apresentam, no temos outro recurso seno o de fazer esses clculos.

    Para chegar portanto, ao resultado desejado, vamos adotar as seguintes mdias, admitindo que o ponto inicial da diviso das propriedades seja de um alqueire (26)

    Temos, assim:

    PROPRIEDADESREA TOTALQUANTIDADE

    De 1 a 5 alqueires 924 3,0 2.772

    De 5 a 10 alqueires 731 7,5 5.472,5

    De 10 a 25 alqueires 10.482,5599

    18.727

    De 18.727 alqueires ser, pois, a rea total das "pequenas" propriedades rurais de Piracicaba, uma vez admitida a classificao tripartida (27).

    Dessa maneira, vemos que dos 62.737 alqueires que contm o municpio, 18.727 esto subdivididos em pequenas propriedades. A concluso a que chegamos comprova satisfatoriamente, portanto, que o regime agrrio de Piracicaba , na verdade de pequenas propriedades, pois quase um tero de sua rea total est retalhada em pequenos stios.

    (26) - Para encontrar-se a rea global de cada c/asse de propriedades, aconselha Caio Prado Junior" no trabalho citado na nota seguinte: "Paderamos contudo obter estes dados por meios indiretos. E s multplicar, em cada categoria, a rea mxima pelo nmero de propriedades. O resultado obtido ser, verdade, s/lperior ao real". E considera: ti Mas como no h outro caminho atomar, somos obrigados apassar por dma de tal erro, lembratldo-nos contudo de sempre o levar em conta nas concluses que os resultadosfinais ditarem ". Entetldemos, porm, que oclculo por mdia, comafIZemos, mais racional e lgico, garantitldo muito maiar aproxitna{o da realidade que o aconselhado por este autor. Basta dizer q/le, pelo mtodo da rea mxima, iramos obter uma rea global para as pequenas propriedades, de 56.350 alqueires, praticamente ototal do municpw, que de 62.737. E, diatlte desse resultado, omais bem intencionado observador no daria, nas suas concluses, sequer 1/3 de desconto - do que altlda resldtariam 37.567 alqueires s para as pequenas propriedades do municpw, nmero esse decididamente inaceitvel.

    (27) CAIO PRADO JUNIOR - "Distribuio da propriedadefutldidria rural do estado de S. Paulo" in GEOGRAFIA - Ano I, nO 1 - 1935.

  • 36 MAruoNEME

    A evoluo dessa distribuio dos prprios agrcolas, no municpio, afere-se por ndices significativos. Admitida ainda a classificao tripartida, teremos a analisar o quadro das propriedades "pequenas", "mdias" e "grandes" do municpio, em 1905(28) e em 1935(29), isto , a partir da poca em que se assentou a agricultura em Piracicaba:

    1905(28) 1935(29) At 25

    Alqueires At 100 Alqueires

    Mais de 100 Alqueires

    At 25 Alqueires

    At 100 Alqueires

    Mais de 100 Alqueires

    339 171 93 2254 307 79 Total da propriedades

    603 Total das propriedades

    2640

    De incontestvel significao por si s exprimindo a tendncia do municpio para maior subdiviso de suas terras, esse quadro constitui sintoma bastante para diagnosticar a perfeita sade econmica do corpo agrrio de Piracicaba, alm de focalizar, como veremos, uma evoluo social essencialmente democrtica.

    Subdivide-se a zona rural piracicabana em pequenos stios - 2254 at 25 alqueires, num total de 2.640 propriedades. Desse modo, e subtraindo-se do restante, as 307 "mdias", isto at, 100 alqueires, temos apenas 79 que podem se includas entre as "grandes" propriedades(3O). um nmero insignificante, como

    (28) - Relatrio da Secretaria da Agricultura - 1905. (29) - Estatstica Agrcola eZootcnica da Estada de So Paulo 1935-1936. (30) -:!'I. pequena propriedade, o stio, a chcara, corresponde sempre ao campan2s, trabalhador que lawa

    pessoalmente asua terra, sem empregar bril{os estranhes suafamlia. E o tipo de sitiante cujafamlia inteira vive na rO{a, trabalhando para economizar um pequeno capital sufu:iente para aumentar suas culturas esua propriedade. A mdia propriedade, afazendola, no exclui o brar;o engt!iado, mas tambm no exclui o do proprietrI algumas vezes. Exclui, sim, o administrador que substitui o fazendeiro nos latifndics: na propriedade mdia, oproprietrio o administrador de Sllas terras e culturas. A grande propriedade bem caracterizada pelo trabalho exclusivo da mo de obra estranha ao proprietrl, e em geral, pela ausncia deste, substitudo por administradores, gerente efeitores" (ALICE PIFER CABABRAVA E NlARlA TEIXEIRA MENDES -:!'I. Regio de Piracicaba" in REVISTA DOARQUWO MUNICIPAL Ull. XLV - 1938).

  • UM MUNICPIO AGRcOIA 37

    bem de ver-se, pois as verdadeiramente grandes propriedades locais so aquelas que exploram a indstria aucareira. As cinco usinas localizadas no municpio, dotadas de todos os modernos mtodos de agricultura e dispondo dos maquinrios mais aperfeioados, aproveitam ou esto em caminho de aproveitar intensivamente, merc de seus servios racionalizados, todas as suas terras, j para a lavoura canavieira, j para outras acessrias, reservas florestais, etc. Ao contrrio do que ocorre no Nordeste do pas, como nas Antilhas, em que a lavoura aucareira "cresce em extenso; no se cansa de engolir terras para prtica da cultura extensa de cana, desprezando a intensa, que implicaria na soluo de problemas como o do mosaico, no cultivo da cana de melhor rendimento; no desenvolvimento da irrigao e do adubo das terras mais concentradas"(31) a "grande" propriedade em Piracicaba, que sempre aucareira, no representa o abandono e descaso de grande parte de sua rea - justamente o que de mais prejudicial oferece o regime latifundirio.

    Dessas usinas, as duas maiores empresas, Engenho Central e Usina Monte Alegre, dispem, uma de 2.683 alqueires(32) e outra de mais ou menos a mesma rea, com 1014 alqueires cultivados com cana de acar(33).

    E, diga-se de passagem, no essa circunstncia devida a quaisquer influncias de programas poltico-administrativos, como ocorreu, por exemplo, na Dinamarca. E que no , igualmente, fruto do esprito de cooperativismo, ainda incipiente no carter nacional. Estamos diante de um fato de forte significado social e econmico, cuja causa deve residir em grande parte na dedicao ao trabalho, na

    (31) GILBERTO FREYRE - "Nordeste" 1937 (32) - Relatrio da Secretaria da Agricultura - 1932 (33) - Estatstica Agrcola Zootcnica do Estado de So Palllo - 1935-1936.

  • 38 MAruoNEME

    perseverana do homem bem adaptado, no anseio de autonomia(34) e, mais que tudo, no esprito de independncia de um povo que se formou no mais so otimismo, esprito de independncia que se esteia numa base slida e verdadeira: a educao.

    Se quisssemos demonstrar aqui o honroso desenvolvimento que teve a instruo pblica em Piracicaba, poderia comprovar o leitor a verdade dessa nossa afirmativa. Mas seria fugir ao assunto deste trabalho e, assim, limitamo-nos a apontar apenas isto: somente na zona rural do municpio, contavam-se em princpios de 1936, cerca de 22 grupos escolares e 32 escolas isoladas, apenas computados os estabelecimentos da zona rural e mantidos pelo governo do EstadO

  • UM MUNICPIO AGRcOlA 39

    quenas propriedades e o total geral em 1905 e em 1935. Nos primeiros anos do sculo:xx, recenseavam-se apenas 339

    propriedades agrcolas at 25 alqueires e um total de 603 proprieedades de todos os tamanhos. Em 1935 vem-se as propriedades at 25 alqueires elevadas a 2.254 e o total a 2.640. Assim, o nmero de pequenas propriedades aumentou, no espao de trinta anos, de quase sete vezes, fato esse de expressiva significao, passando rea mdia das propriedades rurais do municpio de 74,55 para 23,76 alqueires, isto , tornando-se mais de trs vezes menor.

    Cumpre notar que, nos ltimos anos, a essa subdiviso das terras de Piracicaba se ops a ao poderosa das grandes usinas aucareiras do municpio, que passaram a adquirir, ao correr do tempo, todas as propriedades circunvizinhas s suas glebas, j imensas no cotejo local. A essa fora monopolizadora, vrios foram os proprietrios que, tentados pelas vantajosas ofertas, cederam finalmente.

    Para essa inconveniente monopolizao concorre fortemente a limitao por quotas imposta produo aucareira em fins de 1931 pelo governo federal(36). Impossibilitadas de dar expanso s suas produes, por efeito daquela limitao, as grandes usinas s tm um recurso vivel para realizar esse expansionismo: adquirir as quotas dos pequenos fabricantes, comprando-lhes as propriedades.

    Dessa prtica decorrem dois grandes inconvenientes para a agricultura do municpio: - a monopolizao de uma indstria agrria e o descaso a quem tm de ser votados, pelo menos por algum tempo, muitos alqueires de terra, antes de trabalhados com intensidade. Isso porque as propriedades adquiridas pelas usinas no lhes oferecem absolutamente nenhum interesse imediato. Suas antigas terras, j trabalhadas desde muito, so suficientes para garantir uma produo muito superior estabelecida por quota, sem contar a cana de acar adquirida dos lavradores independentes que preferem vender seu produto s usinas. Para estas muitas vezes

    (36) - A limitao consistiu emfIXar, para cada usina, uma produo correspondente sua capacidade de produo, em um tempo de 150 dias de traballw narma/, na poca do decreto (Anurio Aucareiro, 1936).

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    mais vantajosa esta compra do que o aumento de suas culturas. Apenas as novas quotas de que se apropriam pela transao lhes trazem interesse e vantagens.

    Alm desses, h ainda outro inconveniente em tal poltica de limitao, e que o de cercear a difuso da indstria aucareira no municpio, pois ao pequeno agricultor a instalao de novos engenhos torna-se dificlima(37), o que obriga a vender suas canas as grandes usinas, e o matem sempre na dependncia direta dos interesses delas.

    A expresso democrtica do regime agrrio piracicabano, vamos encontrar, bem profunda, na anlise da distribuio das pro- . priedades do municpio pelas nacionalidades.

    falta de estatsticas oficiais que nos permitam reportar s pocas exigidas para esse estudo, somos obrigados a chegar ao resultado final por meio de clculos e raciocnios diversos. Pode-se dizer que a entrada de imigrantes no territrio do municpio no s foi intensa como tambm praticamente s se processou nos primeiros 20 anos do sculo em curso. Em 1980 a populao da zona de Piracicaba (compreendendo este municpio e os de So Pedro, Capivari, Monte Mor e Santa Brbara) contava apenas 8,60% de estrangeiros(38). De 1921 a 1929, a corrente imigratria dirigiu para essa zona (j acrescida do municpio de Rio das Pedras, criado em 1894) o reduzido nmero de 1.800 indivduos{39}. Assim, se at 1890 era diminuta a porcentagem de estrangeiros na populao da citada zona, no foi, com certeza, depois de 1920(40) que ela se desdobrou, alcanando a grande proporo facilmente avalivel pelo nmero de proprietrios estrangeiros no municpio. E vamos ve

    (37) o decreto 22.891 de 25 de julho de 1933 proibiu a montagem em todo o territrio nacional de novas usinas, sem consulta prvia eaprovafo dos planos pelo Instituto do Alcar eAlcool. (Anurio Aucareiro - 1936).

    (38) Recenseamento da Repblica - 1890. (39) -Anurios Estatsticos do Estado de So Paulo -1921-1929. (40) Basta atender aos nmeros que indicam apopulao do municpio em 1900-1920-1924 - para

    nos compenetrarmos dessa evidncia.

  • UM MUNICPIO AGRcOIA 41

    rificar, por outro lado, que, no perodo 1901-21, isto , o perodo da imigrao, s para o municpio entraram 6.480 imigrantes, apenas das nacionalidades espanhola e italiana(41).

    Assim, no pode haver dvida de que a imigrao em Piracicaba, praticamente s existiu nos primeiros vinte anos do sculo :xx. Desde que, com j demonstramos, o retalhamento das propriedades agrcolas do municpio se operou com maior forajustamente nesse perodo da corrente imigratria (ou no sucessivo a este, isto : 1920-35), passando o nmero delas de 603 em 1905 a 2.640 em 1935, ser a posse do cho piracicabano pelo estrangeiro o ndice seguro do sentido democrtico da sua estrutura agrria.

    Ao estudarmos essa posse estrangeira, vamos constatar que da rea total do municpio, enquanto 32.138 alqueires, pertencem a brasileiros, a outra metade, ou 30.599 alqueires, ocupada por estrangeiros. Por outro lado, vemos que, do total de 2.640 propriedades, 1.324 pertencem a antigos imigrantes, apenas computados italianos, espanhis e portugueses(42).

    Note-se, porm, que a subdiviso dos latifndios em Piracicaba no se processou em razo de programa pr-estabelecido, como ocorreu na Dinamarca(43). Pelo contrrio, verificou-se mesmo independente da vontade do homem, e no ainda como consequncia do esprito cooperativismo.

    Aos que se detm numa anlise menos superficial da realidade agrria piracicabana, mostra-se, entretanto, a sua elevada porcentagem de pequenas propriedades como uma das mais capazes e favorveis circunstncias para a implantao e intensificao do cooperativismo entre seus trabalhadores rurais. Neste particular, no foge a evidncia a exis

    (41) - Anurios Estatsticos do Estado de So Paulo - 1900-1921 (42) Estatsticas Agrcola eZootcnica do Estado de So Paulo - 1935-1936. (43) - "A diviso e a distribuio das terras laborveis, levadas a ifeito durante os ltimos 25 anos - como

    parte de um programa poltico - permitiram elevar por talforma o nzmero das propriedades rurais e reduzir a supeifcie mdias das propriedades agrcolas apropores to dimintltas que, em qualquer outro pas onde oesprito de cooperativismo no houvesse atingido um to elevado gratl de perfeio, como na Dinamarca, taisfatos, certamrnte, seriam de desastrosas consequncias" (LYDER SAGEN - "Dinamarca" - 1933).

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    tncia de diversas cooperativas tanto de produo como de consumo, estabelecidas no municpio h poucos anos em pleno desenvolvimento.

    Interessante lembrar que essa subdiviso das terras de Piracicaba teve incio propriamente a partir de 1825, com a dissoluo da sociedade Vergueiro de Souza. Vrias imensas glebas pertencentes a essa sociedade foram ento separadas entre diversos proprietrios - e em seguida desmembradas em numerosas partes. Dessas fazendas, podem-se citar: - Limoeiro, de duas lguas de quadra - hoje fracionada entre os municpios de Piracicaba e So Pedro; Monjolinho - trs lguas de testada uma de fundo (sua medio posterior acusou mais de cinco mil alqueires). Hoje nela existem cerca de 276 condomnios e est edificada na parte da cidade de So Carlos; Taquaral- mil e setecentas braas de testada e duas lguas de fundo; Monte Alegre - setecentas braas de testada e meia lgua de fundo. Alm dessas, contava-se ainda a fazenda do Pau Queimado(44).

    ++.

    Dividir deixa de ser enfraquecer: terras divididas, de muitos donos so produtivas e valorizadas. A posse do co, por ele trabalhado, incentiva o homem do campo que, cultivando-o com carinho, o valoriza, melhora a produo e enriquece o municpio, tomando possvel a estabilidade e o desenvolvimento da economia pblica e privada.

    Entretanto no podemos fugir ao argumento corriqueiro, pois nosso intuito precisamente esse de chamar a ateno dos estudiosos e dos responsveis para que possa ocorrer nas regies onde a subdiviso das terras alcana ndices elevados, sem que essa transformao se processe a par do desenvolvimento do cooperativismo.

    Em Piracicaba no se verificaram, na verdade, at hoje, as desastrosas consequncias previstas por Lyder Sagen - mas nada nos garante que tal derrocada no se patenteie de um momento para o outro, se no municpio o cooperativismo no conseguir logo reunir

    (44) - DfAlMA PORfAZ - "o Senador Vergueiro" - ed!o ofIClI- 1924.

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    as produes isoladas para conservar-lhes a hegemonia no comrcio e na exportao.

    Da a necessidade urgente de ser realizada uma sria campanha de grande envergadura, em todo o estado, em favor da difuso do cooperativismo de produo. Muitos municpios paulistas acompanham Piracicaba nessa tendncia pronunciada para cada vez mais intensa subdiviso das propriedades e, se estemtmicpiocontou inconscientemente, at os nossos dias, com fatores diversos capazes de garantirem a estabilidade e a valorizao de sua produo agrcola, muito otimista e nada racional seria esperar que todos os demais ncleos agrrios venham a gozar desses mesmos fatores favorveis.

    No seria expresso verdadeira o progresso agrrio de Piracicaba, se, como consequncia desse desenvolvimento, como corolrio desse progresso, no se houvessem registrado certa e sensvel valorizao das terras, aumento e melhoria da produo, subdiviso crescente das propriedades e intensiva diversificao das culturas. Sobre esses tpicos falaremos oportunamente, nos captulos correspondentes.

    No que se refere valorizao das terras expressivo observar que, municpio antigo, em que a agricultura constituiu e constitui a principal fonte de riqueza, se acham hoje as suas terras fortemente cansadas, exaustas mesmo, merc de continuadas e sucessivas safras. Esse esgotamento intenso do solo implicaria forosamente na diminuio do seu potencial de matrias orgnicas, e esse empobrecimento na direta desvalorizao das terras. Entretanto, vamos verificar que, independente mesmo da proximidade do centro urbano, das estaes ferrovirias, das estradas de rodagem e de outros fatores valorizantes, as terras do municpio cobram-se por preos elevados, j nos contratos de compra e venda, j nos de arrendamento peridico. No h, praticamente, um movimento sensvel, demarcado, de compra e venda de terras no municpio, em virtude mesmo da prpria estabilidade agrria que a se verifica. O comr

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    cio de terras, quando existe, reflete vendas parciais apenas. Os preos so elevados. Na regio mais afastada, de terras mais cansadas, o custo mdio de 1:000$000 por alqueire. Em geral, nas zonas de solo que ainda conserva alguma coisa de sua primitiva riqueza, de empobrecimento ainda no total, e at mais ou menos prximo ao. centro urbano, s estaes de estradas de ferro, aos leitos rodvirios, o preo do alqueire varia de 2:500$000 a 3:000$000 As melhores terras do municpio, as mais vizinhas da cidade, distantes dela no mais que 10 quilmetros, essas se cobram em mdia 5:000$000, por alqueire.

    Os mesmos ndices elevados registraram-se tambm nos contratos de arrendamento temporrio, cujo preo, por alqueire e por ano, varia de 200$000 a 400$000, desde as mais pobres e retiradas s mais prximas do centro urbano e dos meios de comunicao. As terras para pastaria, quase imprestveis para a lavoura, e bastante distantes da sede do municpio, delimitadas na regio do oeste, so arrendadas ao preo de 60$000 a 100$000 anuais por alqueire.

    No se pode negar que essa valorizao contribuiu, nos ltimos anos, para reter o homem ao solo, devolver-lhe o gosto pela terra, afeio pelo trabalho agrcola -acima de tudo determinando uma estabilidade da atividade rural, constituindo uma profisso do tamanho da terra.

    E essa valorizao tanto mais sensvel, positiva, quanto mais ascendente se mostra sobre a que os melhoramentos pblicos produziram nos terrenos urbanos, os quais alcanam preos nfimos em comparao com os das terras de lavoura. Na cidade, em ruas dotadas de alguns melhoramentos, em locais no muito distantes do centro comercial- da Igreja da Matriz - os terrenos para construo de residncias so vendidos aos preos de 200$000 a 500$000 o metro de frente.

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    COLONIZAO RURAL

    Bem orientada desde seus primrdios(45), a colonizao da zona rural do municpio no podia deixar de ocupar posio de destaque entre as menos imperfeitas do Estado. Resultando da conjuno de fatores vrios, a vida rural piracicabana pode ser medida, por assim dizer, pelas suas favorveis condies sociais e materiais.

    Para cultivar seus 62.737 alqueires de frteis terras, conta Piracicaba com 15.884 trabalhadores. Portanto, um trabalhador tem seu cargo, no municpio em estudo, 3,9 alqueires, em mdia, ao passo

    (45) - No podemos deixar de transcrever aquijustas palavras sobre a ao de que iniciou em Piracicaba sua colonizao rural:

    "J Vetgueiro nesta ocasio gozava de grande influbuia na zona compreendendo os atuais municpios de Campinas, Piracicaba, It/~, Porto Feliz, Limeira, Rio Claro, Araraquara. Conquistara-a pelos conhecimentos agrcolas, pelas idlias adiantadas, pelo esprito liberal, e pelo eifor{O em promover a fatura de estradas de rodagem, afim de sefacilitarem as comunicaes entre aqueles povoados. J era o esprito civilizador daquelas paragens" (DJALMA FORJAZ - "o Senador U!rgueiro" - edio oflCial- 1924).

    Sobre esse "esprito civilizador"fala Rangel Pestana, citado por Djalma Forjaz: " Sem desconhecer os servios de todos esses respeitveispatriotas l justo confessar, que a memria de nenhum

    deles l mais digna de estima dos paulistas que a do Senador U!rgueiro, oprimeiro que introduziu no Imprio por eifOf{OS prprias a colonizao alem, e que praticamente provou a possibilidade do traballw livre nesta parte da Am&ica".

    "Na vida dos povos as vezes circunstncias que de momento pareciam insignifICantes, mais tarde se apresentam ao esprito do observador coma um acontecimento de suma importncia por suas consequncias. De tal ordemfoi o ensaio de colonizao praticado pelo Senador Vergueiro". (RANGEL PESTANA - Wmanaque de Campinas" -1872).

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    que, no Estado, para seus 8.047.918 alqueires cultivveis, contamse 1.238.725 trabalhadores agrcolas, cada um incumbido, em mdia, de 6,5 alqueires, isto , quase o dobro da rea laborada por um operrio piracicabano(46).

    Esse , indiscutivelmente, um grande passo para a racionalizao do trabalho agrcola, pois cada homem tem seu cargo a menor rea possvel, de sorte a melhorar a produo, com maior aproveitamento do solo.

    Ambiente social

    Sobre as condies sociais da vida rural, ainda Piracicaba ostenta indcios veementes de uma colonizao quase ideal. Cerca de 46.000 pessoas vivem, nas fazendas e nos stios piracicabanos, uma vida igual, seno melhor da que mais desejvel se possa exigir das nossas condies atuais, dispondo de timas estradas de rodagem e frreas, que cortam o municpio em todas as direes.

    Vejamos, num rpido lance de olhos, as caractersticas do ambiente em que vivem os homens do campo desse municpio:

    Os distritos de paz da zona rural, com sua funo administrativa, congregam poltica e socialmente as populaes campesinas, contam-se em nmero de trs, Charqueada,]oo Alfredo e Ibitiruna. O primeiro uma vila de bonito aspecto, muito prospera e futurosa. O seu comrcio intenso e possui alguma indstria agrria em estado florescente. Abriga 649 moradores, que dispem de grmios esportivos e recreativos, grupo escolar, divertimentos pblicos, etc. servida pela estrada de ferro Sorocabana, que a liga com Piracicaba e So Pedro. Conta tambm excelentes estradas de rodagem, das quais merecem destaque as estaduais que a comunicam com So Pedro e Rio Claro. Dispe de varias linhas de auto-nibus, circulando diversas vezes por dia. Compreende um bom nmero de ruas, com passeios cimentados, confortveis prdio de moradia, luz eltrica. Possui uma bonita igreja, hotis e posto policial.

    (46) - Estatstica Agricola e Zootcnica do Estado de So Paulo - 1935-1936.

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    o segundo, distrito criado recentemente, porto comercial de importncia, ligado a Piracicaba pela estrada de ferro Soro cabana e por navegao fluvial a esta e a varias outras cidades. Tem permetro urbano demarcado, pisos de passeio, igreja, grupo escolar, posto policial, etc. Seu comercio desenvolvido e a vila dotada de iluminao a querosene. Dista 18 quilmetros da cidade, comunicando-se com esta e com Anhembi e Botucatu por excelentes estradas de rodagem, e dispe de bem organizado servio de auto-nibus.

    O ltimo, mais conhecido pelo nome de Serra Negra, um distrito pouco desenvolvido, no obstante seu excelente clima. Comunica-se com a cidade por estrada de rodagem, que liga tambm com Anhembi e Botucatu, e conta uma linha de auto nibus. Sua populao de 138 habitantes.

    Vilas diversas, mais propriamente ncleos que os distritos, espalham-se pelos quadrantes do municpio, como Corumbata, dotado de iluminao eltrica; Recreio, Paraso, Tanquinho (posto policial), gua Santa, Vila Nova e Godinhos, a nordeste. Tupi, Caiubi e Arraial de So Bento, a leste.

    Dessas vilas, destacam-se: Tupi, dotada de luz eltrica, passeios cimentados, grupo escolar e outros melhoramentos. posto policial e comunica-se com a cidade pela estrada de ferro Paulista e por tima rodovia estadual, que liga igualmente com as cidades de Vila Americana, Santa Brbara e Campinas. Nela est localizada a Estao Experimental de Algodo, rgo tcnico do Estado; Caiubi, com grupo escolar e estao da estrada de ferro Paulista; Recreio (posto policial) e Paraso, ambas com grupos escolares e estaes da estrada de ferro Sorocabana. Todas essas vilas so servidas por timas estradas de rodagem municipais.

    Finalmente, uma breve enumerao dos chamados "bairros"(47)

    (47) - "Na zona rural, silo os "bairros" os tipos mais interessantes do povoamento da regio estudada; silo numerosos na zona de Piracicaba e constituem ninhos de pequenas propriedades rurais cujo centro a escola, uma igreja, um armazm. Sua localizao coincide na maioria das vezes com a confluncia dos caminhos: a vidafacilita oacesso ao centro urbano, ponto de escoamento das produes". (ALICE PIFER CANABRAVA E MARIA TEIXEIRA MENDES a Regio de Piracicaba" - in REVISTA DOARQUWO MUNICIPAL - VOL. XLV -1938).

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    nos dar uma idia de quanto numerosos se acham em territrio piracicabano, todos muito bem dispostos e de fcil acesso, ligados cidade por estradas de rodagem. So os mais importante deles:

    Ao norte, Paiol, Mato, Tabela, Cruz Caiada, Guamium, Gilbert, ltapiru e das Ondas;

    A oeste, Limoeiro, Pau Preto, Cachoeira, Morais, Monjolada, Paredo Vermelho, Felipada, Minguado, Barroco, Ribeiro Claro, Anhumas, Pinheiros, Lagoa Rica, Baguari, Jibia, Nova Sua, Pau Dalhinho, Congonhal, Marins, gua Bonita, Canal Torto e Bang;

    Ao sul, Boa Vista, Ponces, Pederneiras, CruzAlta, So Joaquim, Serrote, gua Branca, Formigueiro, Campestre, Chic (chave da E. F. Sorocabana), Pau Queimado, Volta Grande, Monjolinho, Passa Cinco, Rolador, Pompia e Taquaral, este tambm servido pela estrada de ferro Paulista;

    A leste, Batistada, Lambari, Quebra Dente, Conceio, Dois Crregos, gua Branca e Recanto(48).

    Curiosas as observaes do proL Paiva Pereira(49), sobre o convvio de bairro, nas regies de pequenas propriedades:

    "O seu carter mais notvel e geral o de grande independncia na economia e na convivncia entre os seus elementos construtivos. Cada sitiante como que leva a sua vida autnoma, sem outra dependncia social alm da proximidade territorial com os vizinhos. No existe, portanto, nenhuma centralizao natural de subordinao e autoridade. Esta antes resultante de uma conveno voluntria, deslocando-se de uma pessoa para outra por mero

    (48) - Com reviso territorial do Estado, decretada em 30-11-1938,Joi alterado o mapa do municpio, que perdeu alguns de seus bairros rurais, ganhando OtltroS. Por essa reviso Piracicaba recuperou o distrito de paz de Saltnha, que havia siso desmembrado de seu territrio em 1929 para ser incorporado ao de Rio das Pedras. Importante ncleo agrfcola, que ostenta adiantado estdgio de colonizao, odistrito de Saltinha veio acentuar ainda mais os ndices de pequenas propriedades, poIicultura e interao da organizao agrria de Piracicaba.

    (49) - JUVENAL DE PAlVA PEREIRA - " O Problema Rural" - in REVISTA DOARQUWO MUNICIPAL - 1101. XLVI- 1938.

  • UM MUNICPIO AGRcOLA 49

    efeito de delegao, geralmente aliada funo policial de inspetor de quarteiro. No se nota nenhuma hierarquia social; muito pequena coalescncia familial, nenhuma unidade verdadeira nesses convvios. So familiares diferentes, propriedades distintas. O convvio de igual para igual, de cortesia recproca, de emprstimo mtuos, como entre grupos bem diferenciados, cada um com sua vida prpria, autnoma" .

    .Habitao

    O tijolo e a telha constituem os materiais essenciais, comuns, obrigatrios das habitaes rurais de Piracicaba. No existem a, mesmo nas zonas mais pobres, as choas de sap, palha, pau-a-pique, os mucambos - quando estes no se destinam invariavelmente guarda de materiais e depsitos em geral, notadamente de maquinrio e ferramentas. Estas choas, que no elevado total das construes apontadas na zona rural do municpio representam pouco mais de dez sobre cem(SO), so mais encontradias na regio do oeste, de rara densidade demogrfica e nfima significao como centro de produo extrativa. A no difcil, realmente, encontrarem-se os mucambos servindo de moradia aos roceiros - e tanto mais isso se verifica quanto mais abundantes so as facilidades que para essas construes rudimentares encontram os habitantes nas glebas ainda no desbastadas inteiramente, nos seus prprios recursos naturais de zona tipicamente pioneira. De qualquer modo, no oeste no afetado ainda pelas culturas intensivas, desvirginantes, como nos outros trs quadrantes do municpio, o que se observa com relao s construes rurais que se consumou um aproveitamento total dos recursos do prprio meio.

    (50) - Alice Pifer Cannabrava e Maria Teixeira Mendes, (trabalho citado), louvando-se em dados do Recenseamento de 1934 ainda no ptlblicados, qfirmam que as casas cobertas de palha representam apenas 11,55% do total de construes rurais da regio a qual abrange os municpios de Piracicaba, Capivari, Rio das Pedras, Santa Brbara, So Pedro, Monte Mor. Se Piracicaba isoladamente apresenta menor porcentagem do que essa o que no queremos adiantar, baseados apenas em possivelmente enganosas observaes pessoais.

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    Na grande extenso do territrio piracicabano, os recursos naturais de construo limitam-se aos produtos da argila, resultante esta do prprio solo, donde a generalidade do emprego do tijolo e da telha nas construes em geral.

    Em regra, as casas dos colonos e camaradas - do tipo mais comum e, pode-se dizer mesmo "standard", que se repete como padro preponderante - compem-se de quatro cmodos, que se classificam pela terminologia domstica: dois quartos, sala de jantar (que serve ao mesmo tempo de sala de visitas) e cozinha. Esta, invariavelmente, tem dimenses amplas, tanto quanto as dos quartos e da sala, e nela fazem os moradores as suas refeies, quando no h um "coberto" externo usado, preferencialmente, para esse fim. A sala de jantar reserva-se para acolhimento de visitas e para as festas familiares, para os seres, para os jogos de cartas, para as msicas noturnas.

    A maioria das casas rurais deste tipo tem o cho tijolado. Quase todas so rebocadas interna e externamente e pintadas a cal. Estas construes so slidas e providas do madeiramento necessrio, nas partes, no sentido em que esse termo empregado pelos profissionais.

    H fazendas em que as casas dos colonos ou da "colnia", mais modernas, de construo mais recente, esto dotadas de outros melhoramentos, sendo em no pequeno nmero as que tm soalho de tbuas e piso externo cimentado ou simplesmente tijolado. As colnias das usinas de acar so as que apresentam, como natural, as melhores habitaes rurais do municpio, no se falando, neste caso, das casas dos prprios fazendeiros e dos pequenos proprietrios, sitiantes. Como no municpio as pequenas propriedades constituem nmero considervel, o mesmo ocorre com as casas de moradia mais de jeito a corresponder aos anseios de comodidade e bem-estar de seus moradores. As dos pequenos proprietrios j ostentam melhor aspecto interno e externo, so mais amplas, atendendo s necessidades da famlia, no geral numerosa, abrangendo genros, noras, filhos casados, descendentes de dois at trs graus.

    Obedecem elas aos preceitos da higiene com algum rigor e

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    revelam constante preocupao de melhoria por parte de seus habitantes. Essa ateno explica-se, no apenas para habitaes dos pequenos proprietrios e fazendeiros, neste caso natural zelo pela coisa prpria, como tambm para a dos colonos, quer das usinas, quer das fazendas, em virtude da condio de estabilidade em que se acha a populao rural do municpio que, como veremos, bastante caracterstica .

    . No geral, a moradia dos sitiantes compreende, alm da casame, outras construes acessrias, complementares, e comumente mas uma, duas ou trs casas menores para colonos, camaradas e no raro para a parte da prpria famt1ia do proprietrio. Mas a habitao principal, em que se abriga a famt1ia do lavrador, ou a maior parte dela, a ascendente, merece especiais cuidados e carinho, refletindo gerais anseios de bem-estar e comodidade. A disposio no varia de forma aprecivel de quadrante para quadrante do territrio, conservando todas elas, neste ou naquele ponto, um cunho expressivo de semelhana, tanto no aspecto como na localizao. As prprias colnias, alis, se diferenciam apenas na disposio das casas, obedecendo umas s linhas das antigas senzalas - casas unidas em fila e outras, de tendncia moderna, casas isoladas, ou de duas em duas, gmeas.

    Mas as casas dos sitiantes apresentam, todas, idnticos e invariveis complementos, um pequeno cercado fronteiro, s vezes caprichado na construo e no acabamento, aqui ou ali por. cerca viva, denotando gosto artstico - em cuja rea se cultivam flores e at frutas, e no meio delas as hortalias, mesmo que nos fundos da casa se levante um indispensvel pomar; a fossa, o poo, geralmente bem trabalhados, como "coisa feita para durar".

    Mas ns estamos demorando em detalhes que no interessam propriamente a este estudo, quando o nosso empenho apenas assinalar a ateno que devem merecer as habitaes rurais, como fator essencial que para o estmulo das atividades agrcolas, como forma de padro de vida, elemento de grande responsabilidade na adaptao ao meio social.

    De fato, a habitao, verdadeiro ambiente de repouso, con

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    dio indispensvel ao bom xito do ruralismo, e na sua construo deve aplicar-se a melhor ateno e o maior cuidado, levando-se mesmo essa ateno ao ponto de reconstrurem-se e modernizarem-se as casas velhas destinadas a moradia, de modo que se corrijam suas condies de insalubridade e defeituosa distribuio interna. Todo dinheiro gasto para esse fim - ou na construo de habitaes verdadeiras ou na modernizao das antigas construes - ser bem aplicado, pois redundar na satisfao de uma necessidade imperiosa, que implica, na verdade, em sade e bem estar da famlia, disposio para o trabalho, satisfao intima e melhor adaptao do homem ao ambiente agrrio. Como a alimentao, a moradia base tambm de uma necessria "sociedade rural".

    "Sociedade Rural"

    E se a habitao faz parte do padro de vida, se habitao responde, como fator de grande fora, pela interao humana na sociedade e, tambm, na "sociedade rural", pode-se dizer que Piracicabaj ostenta, pelo menos delineado, um conjunto de realidades necessrias estrutura dessa entidade social, para a qual, alis, contribui bastante o regime policultor, base de um sistema de alimentao favorvel.

    No municpio, com efeito, na sua zona extraurbana, vamos encontrar esse acento de organizao rural, de uma quase "sociedade rural", de uma quase "conscincia rural" de que carecem, em regra, os ncleos agrrios de So Paulo e do Brasil. No vai alm entretanto, de um primeiro indcio de fonnao. Mas daqueles ncleos pode-se dizer que os nicos caracteres de ruralismo que apresentam so a sua localizao naquela rea extraurbana e o trabalho da lavoura ou de pecuria. Que so grupos rurais porque se situam na zona rural. Que so ncleos rurais porque vivem do trabalho agrcola ou pastoril.

    Mas esses caracteres, aspectos parciais do ambiente fisico agrrio e da produo extrativa, no bastam organizao de uma sociedade rural. Fazem-se necessrios, indispensveis, todos os demais fatores de interao humana - todas as instituies prprias ao

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    meio social rural, que atendam s necessidades sociais do homem, que lhe dem uma conscincia de grupo, que enfeixem e correspondam s vrias formas de vida coletiva: - econmica, recreativa, religiosa, artstica, cultural.

    A ausncia desses fatores nos ncleos rurais impede a formao e florao de uma conscincia rural capaz de assentar sobre os prprios esteios do ambiente e da produo de um "estgio de cultura", uma civilizao orgnica e to fundamente constituda que os choques econmicos no possam sozinhos acarretar a runa geral, o esfacelamento de todo organismo.

    Tpico, altamente expressivo, o exemplo do Nordeste da "civilizao do acar", do Nordeste do senhor do engenho.

    A "civilizao do acar", oriunda da vantajosa situao econmica alcanada pela monocultura da cana de acar no Nordeste, reflete em verdade uma organizao agrria falha, sem fundamentos sociais, da qual os efeitos limitaram-se exclusivamente aos frutos materiais, econmicos. Nada de consequncias morais, espirituais. Nada de resultados sociais. Suas bases foram to falsas e artificiais, que a "civilizao do acar" no conseguiu resistir ao completo desmoronamento quando lhe faltaram os recursos financeiros, quando lhe faltaram os elementos materiais, quando lhe faltou o brao escravo, isto , quando o trabalho agrcola tornou-se mais ou menos facultativo. Ao desaparecer uma modalidade de regime de trabalho tudo correu por gua-abaixo, nada sobrou da antiga pujana, nem mesmo a fora econmica da "civilizao do acar". Poder-se- dizer que toda a riqueza, toda a fora, toda vida do acar imperial estavam calcadas no brao escravo. Mas o regime de trabalho escravo j , por si mesmo, uma completa inadaptao social. Foi esse regime que no permitiu que nem a massa escrava nem os aristocratas, nem os explorados nem os exploradores, criassem amor terra.

    Mas daquela civilizao - daquele estgio de cultura que o di

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    nheiro do acar fez surgir no Nordeste, daquela tcnica agrria introduzida ali com a cana de acar, daquela interdependncia direta entre o homem e o solo, daquele estado de coisas para o qual a agricultura serviu de pedra bsica, justo seria esperar tivesse perdurado um corpo social agrrio, uma conscincia rural, uma mentalidade de tal forma plasmada que no permitisse fosse em derrocada todo progresso conseguido custa de muito esforo, de dolorosos sacrificios.

    qu faltaram ao Nordeste da cana de acar, (como faltam a toda a rea rural do Brasil, a todos os nossos ncleos agrrios), as vrias formas de padro de convvio, de interao humana, de entidade social, os vrios atributos que respondessem pela estruturao de uma "sociedade rural" capaz de uma conscincia rural, geradora de rima civilizao rural, do acar por acidente como poderia ser do caf, ou do couro. Mas uma civilizao, um estgio de cultura que se fortalecesse atravs dos anos tanto na base econmica como na base moral e espirituaL

    Dos variados estudos do Sr. Gilberto Freyre sobre o Nordeste ressalta a inadaptao do homem ao meio - meio social ao regime de trabalho, ao qual o homem teve que se sujeitar, como escravo. ''A civilizao brasileira do acar - diz o Sr. Gilberto Freyre (51) - que culminou em Pernambuco, teve de depender do escravo negro de modo absoluto". E o prprio autor cita a frase do Padre Vieira, que "viu no negro o Cristo da civilizao do acar": - " No h trabalho nem gnero de vida no mundo mais parecido Cruz e Paixo de Cristo que o vosso em um desses engenhos".

    . Essa inadaptao social ao meio, ao trabalho, fez do negro um "mau agricultor" no Nordeste - mas exclusivamente no Nordeste do senhor de engenho, do "aristocrata da cana de acar". ainda o socilogo pernambucano que nos adverte de que na frica o negro no se mostrara, como raa ou grupo social, esse mau agricultor em que se transmudou no Nordeste. Como tambm, no mesmo ambiente fsico agrrio do Nordeste o negro "deu este exemplo

    (51) - GILBERTO FREYRE - "Nordeste" - 1937.

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    de aptido para a lavoura: Palmares. Se na frica houve reas de cultura cuja organizao social fortemente superior dos nossos indgenas se baseou toda sobre o trabalho agrcola como no Sudo Ocidental e no Congo, por exemplo - no Nordeste do Brasil, os negros fugidos souberam organizar-se numa verdadeira colnia agrcola de feio socialista".

    V':"se que, erri ltima anlise, se trata de uma simplesquesto de adaptao, de ambincia social, de interao humana na sociedade. Na prpria expresso do Sr. Gilberto Freyre - "feio socialista" - est condensada a idia de "estgio de cultura" a que, em Palmares, o negro se adaptou sem imposies, mais que isso, que o negro buscou imperiosamente.

    o drama do Nordeste

    O Nordeste de hoje reflete ainda idntico agudo desajuste entre o homem e o ambiente agrrio. Porque a "civilizao do acar" no frutificou em resultados sociais, psicolgicos, favorveis instituio de um padro de convvio, adaptao social- no criou a mstica rural. Pelo contrrio, fez do homem um inimigo da terra, fez da terra um carrasco do homem, fez da cana de acar um smbolo de tortura.

    Do que seja a situao do trabalho agrcola no Nordeste, situao que reflete a inadaptao do homem ao meio social, que pe ao vivo a inexistncia de uma "sociedade rural", apesar do longo perodo histrico de preponderncia da economia agrria na regio, nos do uma idia precisa os seguintes tpicos do Sr. Gilberto Freyre(52):

    "H nesta nova fase de desajustamento de relaes entre a massa humana e o acar, entre a cana de acar e a natureza por ela degradada aos ltimos extremos, uma deformao to grande do homem e da paisagem pela monocultura - acrescida agora do abandono do proletariado da cana sua prpria misria, da ausncia da antiga assistncia patriarcal ao cabra de engenho - que no se

    (52) - GILBERTO FREYRE - "Nordeste" -1937.

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    imagina o prolongamento de condies to artificiais de vida". "O acar de usina parece que deixou de entrar com qualquer

    contigente na valorizao da vida e da cultura do Nordeste, para ser apenas o sinal de - em tudo: a diminuio da sade do homem; a diminuio das fontes naturais da vida regional; a diminuio da dignidade e da beleza da paisagem; a diminuio da inteligncia, da sensibilidade, ou da emoo da gente do Nordeste, que hoje quando se manifesta quase sempre em atitudes de crispao, de ressentimento e de revolta".

    Entretanto, parece-nos por demais romntico pretender o socilogo pernambucano atribuir condies melhores de vida, de interao humana, de adaptao social, rural, na vigncia do senhor escravocrata - o prprio regime de trabalho escravo um argumento gritante contra essa pretenso sentimental - ao tempo em que o negro foi o "Cristo da explorao do acar". O prprio autor quem argumenta, e conclui. So suas palavras: "Os que associam esse "dio lavoura" do preto ou trabalhador brasileiro e de origem africana a uma suposta predisposio de raa, esquecem o amor terra, manifestado pelo preto, na frica". "Se muito negro fugiu dos engenhos, ou trabalhou toda vida sem vontade nos canaviais, no se deve concluir da que os pretos fossem todos uns malandros, uns incapazes, uns inadaptados lavoura". "O mau agricultor" que se enxerga no negro e no trabalhador brasileiro de origem africana provavelmente outro caso daqueles de deformao do homem, causada pelo sistema de explorao da terra aqui dotado - a monocultura, o latifndio, a escravido, a coivara, a derrubada. Tudo isso tira o amor do homem lavoura - do branco como do preto, do senhor como do escravo; e reduz a terra a um monturo que se explora com nojo".

    Quais sejam os atributos sociais, os caractersticos dessa "sociedade rural", define-os o Sr. Juvenal Paiva Pereira quando ob

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    jetiva o que devemos ter em mira para a ruralizao no Estado de S. Paulo{53}:

    "Aqui o que se torna preciso fazer ir criando, formando uma sociedade agrria, pela fundao, nos meios rurais que possumos, de rgos, agncias de vida econmica, grupos de contato social, de cooperao; entidades de administrao; e depois, sedes de interao e de comunicao religiosa, recreativa e cultural. Tudo isso, porm, de tal modo que o nosso homem do bairro, do mais humilde ao mais destacado, tenha a impresso de lhe serem coisas necessrias, teis, em cuja fundao ele interferiu, pelas quais deve ajudar a zelar; que lhe pertencem em parte; que so do bairro; fruto, instrumento e objeto de suas preocupaes, dos seus entusiasmos, de sua ambio".

    Quem folheia os jornais de Piracicaba encontra, diariamente, nas suas sees de esportes, noticias referentes a clubes dos bairros rurais do municpio. Quase todos os ncleos extraurbanos de Piracicaba tm o seu clube de futebol que, aos domingos e feriados, disputam partidas entre si e com os clubes da cidade. Por pueril que parea, esse fato bem indcio de uma interao humana, pois vislumbra-se nessas associaes esportivas um trao especfico de grupo, de conscincia social.

    Fixao do trabalhador rural

    Gozando de clima marcadamente saudvel e ameno, a populao rural usufrui de bem organizado servio de saneamento e profilaxia e assistncia medica gratuita, do qual se encarrega o Centro de Sade estadual, em cooperao com a Municipalidade.

    Por outro lado, apontam-se no municpio 150 professores rurais - exemplo nico em So Paulo - que educam 8.712 crianas, ministrando-lhes o ensino primrio(54}. um fato altamente significativo, pois cabe a escola, como se sabe, funo fundamental para

    (53) - jUVENAL PAIVA PEREIRA - "o PROBLEMA RURAl:' - in REVISTA DOARQUIVO MUNICIPAL - vols. XLVI eXLVIII - 1938.

    (54) - Recenseamento escolar, denwgr4f/Co, agrfcola-zootcnco do Estado de So Palllo - 1934.

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    a perfeita ruralizao. Em Piracicaba, alis, a escola rural est bem adiantada no sentido de subordinar-se aos problemas e s finalidades sociais do ambiente agrrio. Em apenso a este trabalho transcrevemos uma smula das atividades de um dos grupos escolares rurais do municpio, bastante ilustrativa.

    Outro elemento de fixao do trabalhador rural, que em Piracicaba est 'grandemente difundido, o sistema de lavoura de parceria, o qual reduz quase que por completo a instabilidade do operrio do campo, em benefcio direto do fazendeiro, do prprio operrio e da produo.

    "O operrio rural quando, por parceria, scio do lavrador, est vinculado produo. Os seus interesses vinculam-se na produo e no no ordenado. Se o ano no foi favorvel, o lavrador, com parceria, corre menos riscos. Se os prognsticos no so esperanosos, o lavrador, mesmo assim, inicia nova cultura, porque o seu empate de capital menor na parceria. Alm disso, de ano para ano, a agricultura se toma mais constante porque a mo de obra no se dispersa. No h disperso do brao agrcola, porque o interesse na terra grande, e o meieiro sabe que o amanh da terra , ao menos, a garantia de sua subsistncia. Quando o preo de produtos agrcolas est baixo, o lavrador sozinho no empreende, pelo sistema de camaradas, o cultivo de suas terras. Na verdade, o lavrador s tem vantagens com a meiao porque fica livre dos perigos das fortes oscilaes de mercado, muito prejudiciais e, s vezes fatais aos seus balancetes. Naturalmente, existem casos em que os meieiros no dispensam o devido interesse cultura, no so esforados, e tais casos constituem, porm, exceo, pois a regra geral de que o homem ambiciona, pelo menos, garantir a sua prpria subsistncia.

    "Este sistema, de cuidar das culturas, teve origem na falta de braos, ou melhor, em virtude da alta de salrios, devida escassez

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    de trabalhadores, que, por sua vez, resultado do aumento rpido da rea cultivada. Caracteriza este sistema, o cuidado garantido das culturas e a estabilizao do colono, o qual, em compensao, tem direito a uma parte da colheita. Por esse processo, o fazendeiro empata menor capital, aufere lucros proporcionais e corre menos risco. Para o Estado, isto quer dizer: produo mais garantida (maior probabilidade de produo) e vida rural mais permanente"(55).

    Cumpre ainda salientar a funo que exerce nas populaes rural e urbana um adiantado estgio de colonizao. Sabe-se que o ruralismo sadio, verdadeiro, consiste na fIxao do trabalhador agrrio gleba e na atrao das populaes citadinas s lides do campo, desenvolvendo na mais alta escala seus pendores pelo trabalho da terra, pendores que subsistem, latentes, na nossa gerao. Quanto mais adiantado, pois, o ncleo rural de uma regio, mais influente ser a ruralizao, com o consequente desaparecimento do to nocivo xodo dos campos.

    Oliveira Viana considerou que, entre ns, geral e profunda "a iluso de que possvel, principalmente nestes interiores do nosso pas, a formao de cidades progressivas e florescentes sem uma organizao progressiva e florescente da vasta zona rural, que as circunda"{56}.

    Em Piracicaba - comprova-o a preponderncia da populao rural sobre a citadina - nota-se um verdadeiro paralelo entre o progresso e o desenvolvimento do ncleo agrrio e da zona urbana. Para esse equilbrio tem contribudo, nos ltimos anos, a par de

    (55) - PAULO CUBA - Um apoiofirme para a principal alavanca da produo agrcola" - in REVISTA DEAGRICULTURA -vol.XIV-1-2-1939.

    Este autor aponta como caractersticos gerais da organizao agrcola para estabilizao da vida rural as seguintesfatores: 1) - Sade; 2)Meiao; 3) Cooperatva de venda; 4)Ambente social. Condensase, deJato nesses quatro itens, a soluo possvel do problema mral paulista, desde que a Educao se inclua noJator ~mbiente social".

    (56) - OLIVEIRA VIANA ~ peqllenas comunidades mineiras" - in REVISTA DO BRASIL - ano lI!, n031-1918.

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    intensa subdiviso de latifndios, a progressiva facilidade dos meios de comunicao, os trabalhos de saneamento, que tm sido considerveis, e, em pequena parte, relativos carinhos e proteo dos ltimos governos municipais s populaes campesinas.

    Tais so, na verdade, os principais fatores de xito da ruralizao. A eles devem atender os nossos prefeitos municipais, quando no o governo do Estado, lembrando-se de que seu dever no apenas o de "embelezar", p