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ITALE LUCIANE CERICATO UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELO PROFESSOR À SUA PROFISSÃO UNIVERSIDADE SÃO MARCOS SÃO PAULO, 2006 ITALE LUCIANE CERICATO

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ITALE LUCIANE CERICATO

UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELO PROFESSOR À SUA PROFISSÃO

UNIVERSIDADE SÃO MARCOS

SÃO PAULO, 2006

ITALE LUCIANE CERICATO

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UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELO PROFESSOR À SUA PROFISSÃO

Dissertação apresentada ao Programa dePós-Graduação da Universidade

São Marcos, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Área de concentração: Psicologia do DesenvolvimentoOrientadora: Professora doutora Lucia Ghiringhello

UNIVERSIDADE SÃO MARCOS

SÃO PAULO, 2006

UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELO PROFESSOR À SUA PROFISSÃO

ITALE LUCIANE CERICATO

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BANCA EXAMINADORA

__________________________Profa. Dra. Lucia Ghiringhello

____________________________________________Profa. Dra. Marisa Todescan Dias da Silva Baptista

__________________________________________Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes

Dissertação defendida e aprovada em 14/08/2006São Paulo - SP

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Para Lauri, luz da minha vida, com amor.

Agradecimentos

À minha querida orientadora professora doutora Lucia Ghiringhello cujo profundo respeito,

paciência e competência me ajudaram a trilhar os rumos deste trabalho, e que compartilhou

comigo os momentos de descoberta, alegria e angústia vividos ao longo desta trajetória.

A todos os professores do programa de mestrado em Psicologia da Universidade São Marcos,

que muito contribuíram para meu crescimento e amadurecimento nesses anos de estudo. Aos

professores Marisa Irene, Arnaldo e Cleide, em especial, pelos importantes momentos de

discussão nos núcleos, sem os quais este trabalho não teria amadurecido.

Às professoras Marisa Todescan e Mimi, pelas contribuições por ocasião do exame de

qualificação.

Aos amigos Aline, Chris, Ana e João, pelos almoços, happy-hours, cafés-da-manhã,

importantes momentos de troca e apoio.

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À Andréa Vistué, que incentivou e apoiou a idéia deste mestrado desde o primeiro momento.

Sem seu pontapé inicial não sei se teria conseguido seguir em frente.

Aos amigos Luís e Ângela, por suas impagáveis colaborações na “caça” aos sujeitos.

Às professoras, sujeitos desta pesquisa, pela disposição em compartilhar comigo suas

histórias e suas trajetórias profissionais.

Ao meu marido e companheiro Lauri Cericato, pelas infinitas possibilidades que vê em mim,

por todas as oportunidades concedidas, e, principalmente, pelo amor que me ilumina e me

nutre a cada dia.

À Universidade São Marcos, pela concessão da bolsa de estudos.

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“Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo...

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...

Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma...”

Fernando Pessoa

CERICATO, Itale Luciane. Um estudo sobre os sentidos atribuídos pelo professor

à sua profissão. Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em

Psicologia da Universidade São Marcos. São Paulo, 2006.

RESUMO

O objetivo deste estudo é investigar os sentidos atribuídos pelo professor à sua

profissão, sentidos entendidos aqui como determinantes para a atuação cotidiana

desse profissional. Dar voz ao professor para que ele fale de si mesmo é fundamental,

na medida em que proporciona o conhecimento da pessoa humana que há por trás da

figura do profissional. Como referencial teórico, elegeu-se a psicologia sócio-

histórica, que compreende o homem como constituinte e constituído pelo contexto

social. O segundo capítulo apresenta o estado da arte das pesquisas envolvendo

professores no Brasil, especificamente a partir de 1980. O estudo de campo foi

realizado com duas professoras do ensino médio da escola pública paulistana por

meio de entrevistas semidirigidas. Os resultados foram submetidos a análise

qualitativa e revelaram aspectos comuns às duas entrevistadas: nenhuma delas está

satisfeita com a forma como realiza seu trabalho. Ambas têm consciência de que o

papel da escola é formar o jovem para o mercado de trabalho e exercício da cidadania,

bem como partilham a imagem da profissão docente, vista como muito ruim. Neste

aspecto, ambas percebem que a própria categoria profissional contribui para que o

contexto social desqualifique o trabalho do professor. A singularidade de cada

professora se expressa pelos sentidos que cada uma atribui ao próprio trabalho. Para

uma, a profissão é vivida de maneira conflituosa, representada pela metáfora “dar

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murro em ponta de faca”. Para a outra, é sentida como “extenuante”, marcada por um

sentimento de que seu trabalho é cansativo, pesado e cheio de impossibilidades.

Palavras-chave: prática docente, sentido da profissão, construção de sentido,

formação de professores, psicologia sócio-histórica.

CERICATO, Itale Luciane. A study on the feelings attributed by teachers to their

professions. Dissertation presented to the Post Graduation in Psychology of the

University São Marcos. São Paulo, 2006.

ABSTRACT

This study aims to investigate how the feelings attributed by teachers to their

profession, feelings that are understood to be determinant for the daily work of these

professionals. I understand that permitting teachers to speak about themselves is

paramount as the human being within the professional emerges. As theoretical

reference, social historical psychology, which understands man as a maker of social

context and also made by it , has been chosen. This study presents state-of-art of

research involving teachers in Brazil, specifically from 1980 on. The field study was

carried out with two high school teachers from public school in the city of São Paulo,

using semi-directed interviews. The results unveiled common aspects in the two

interviewees: none of them is happy with the way which she does her job; the two

teachers are aware of the role the school has in shaping youth for job market and the

for citizenship fulfillment and at last, the social images that society holds for the

profession, regarded as bad by the two teachers. In this last aspect, they empathize

that the teachers themselves contribute for the social context that that depreciates the

work of teachers. The singularity of each teacher expresses itself in the feelings that

each attributes to her own work. For one of them, the profession is lived in a

conflicting manner, represented by the metaphor “o kick against the pricks”. For the

other one, it is described as “extenuating”, marked by a feeling that her job is tiring,

hard and full of impossibilities.

Key words: teaching, feeling of the profession, building of meaning, formation of

teachers, social historical psychology.

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Sumário

Introdução 11

1. Compreendendo o sentido na perspectiva da psicologia sócio-histórica 16

2. O panorama sócio-histórico em que se dá a prática docente 23

2.1 - Educação: um campo multiexplorado pelo universo acadêmico 23

2.2 - As políticas educacionais vigentes e a prática do professor 30

3. Método da pesquisa 36

3.1 - Pressupostos metodológicos 36

3.2 - Pesquisa qualitativa e análise de conjuntura 38

3.3 - Personagem e cenário da pesquisa 40

3.4 - O instrumento para coleta de dados 41

3.5 - Procedimentos para coleta de dados 42

3.6 - Procedimentos éticos 43

3.7 - Análise da entrevista 43

4. Apresentação, análise e discussão dos dados 45

Dando murro em ponta de faca 47

a) Descrição da personagem, do cenário e da conjuntura 47

a1) A personagem 47

a2) O cenário 47

a3) Os acontecimentos e as relações de forças vinculadas à educação nas quais Marta

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se constituiu como professora.

48

b) - Os núcleos de significação 51

b1) Como se vê 52

b2) Como vê o aluno 58

b3) Como pensa que é vista 61

c) - Os sentidos da profissão 65

Uma profissão extenuante 71

a) Descrição da personagem, do cenário e da conjuntura 71

a1) A personagem 71

a2) O cenário 71

a3) Os acontecimentos e as relações de forças vinculadas à educação nas quais Wanda

se constituiu como professora.

72

b) - Os núcleos de significação 72

b1) Como se vê 72

b2) Como vê o aluno 80

b3) Como pensa que é vista 83

c) - Os sentidos da profissão 86

Considerações finais 91

Referências bibliográficas 96

Anexos 101

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ANEXO I

Entrevistas

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ANEXO III

Parecer do comitê de ética - C.N.S.

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ANEXO II

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de consentimento livre e esclarecido

(Decreto nº 93.933, de 14.01.1987, e Resolução CNS nº 196/96)

Participante,

A pesquisa da qual sua participação está sendo solicitada tem como título Um estudo sobre os

sentidos atribuídos pelo professor à sua profissão, realizada pela pesquisadora Itale Luciane

Cericato e orientada pela professora doutora Lucia Ghiringhello junto ao programa de mestrado

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em Psicologia da Universidade São Marcos.

O objetivo principal da pesquisa é compreender a prática docente por intermédio do sentido

atribuído pelo professor de ensino médio da escola pública à própria profissão. Para tanto,

utilizar-se-ão entrevistas como instrumento de coleta de dados, para as quais se solicita sua

colaboração. Poderão ser realizadas entre uma e três entrevistas, dependendo da necessidade e da

forma como os dados serão apresentados à pesquisadora. As entrevistas serão gravadas para

posterior transcrição e terão duração média de uma hora e trinta minutos. As entrevistas deverão

ser realizadas em local de sua escolha.

A participação nesta pesquisa não envolve riscos, uma vez que você não será exposto a nenhuma

situação diferente das vivenciadas em seu cotidiano profissional.

No caso de divulgação dos resultados da pesquisa para o meio acadêmico, através de artigos em

revistas, livros ou publicação do texto em bibliotecas, serão tomados cuidados éticos em relação

ao sigilo de sua identidade, bem como de demais dados confidenciais. Comprometemo-nos a

divulgar os resultados da pesquisa também a você.

Sua participação poderá ser interrompida, sem penalidade, em qualquer momento. Você tem o

direito de requerer o esclarecimento de qualquer dúvida surgida no decorrer do processo de

pesquisa.

Despesas decorrentes de sua participação na pesquisa serão de responsabilidade da pesquisadora.

São Paulo, / /

________________ ____________________ __________________

Lucia Ghiringhello Itale Luciane Cericato ParticipanteCPF CPF CPF

Tel: (11) 3491-0522 Tel: (11) 9168-6824 RG

[email protected] [email protected]

Pesquisadora responsável Pesquisadora

Consentimento

Eu,_________________________________________________, RG_____________________,

abaixo assinado, concordo livremente em participar da pesquisa “Um estudo sobre os sentidos

atribuídos pelo professor à sua profissão”.

Fui devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora Itale Luciane Cericato sobre a

pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios

decorrentes de minha participação.

Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a

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qualquer penalidade.

Concordo ainda que os dados possam ser utilizados em textos para publicação.

Declaro que recebi 1 (uma cópia) do presente termo de consentimento.

São Paulo, de de

Assinaturas

______________________ _______________________

___________________

Lucia Ghiringhello Itale Luciane Cericato ParticipanteCPF CPF CPF

Tel: (11) 3491-0522 Tel: 9168-6824 RG

[email protected] [email protected]

Pesquisadora responsável Pesquisadora

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MARTA

Registro escrito adicional

A entrevista transcorreu tranqüilamente na casa da entrevistada.

Marta mostrou-se solícita em conceder a entrevista, embora aparentasse estar um

pouco apreensiva, o que se supõe, ter ocorrido em decorrência de não nos

conhecermos. Visando amenizar este clima de apreensão inicial, comecei nossa

conversa falando sobre minha experiência profissional e dos motivos que me levaram

a realizar esta pesquisa. Após esse rapport inicial percebi que Marta foi se soltando e

então demos inicio a entrevista.

Em alguns momentos Marta segurou o choro ao falar da relação que estabelece com

os alunos, mas se preocupou em contê-lo.

Marta possui 48 anos de idade e é professora de uma escola estadual localizada na

periferia da Zona Sul da cidade de São Paulo.

Pesquisadora: Vamos começar com você me contando um pouco sobre como você

começou na profissão de professora.

Marta: Tá. Eu me formei em 81, terminei a faculdade. Neste tempo eu trabalhava na

prefeitura, mas na parte administrativa, não tinha nada haver com magistério. Aí

casei-me, logo em seguida casei, continuei trabalhando na prefeitura e em 86 surgiu o

concurso para professor, fiz o concurso para Português e para Inglês, fui aprovada nos

dois e em 87 eu comecei a trabalhar. Até então não havia dado uma aula sequer,

primeiro dia de aula quase tive um treco (risos), porque tinha me formado já há cinco

anos mais ou menos e nunca havia dado nenhuma aula.

Peguei nesse meu ingresso, uma das classes que eu peguei foi o quarto magistério,

alunos que já eram professoras na verdade, entrei na sala e não sabia nem o que falar,

com o tempo a gente vai aprendendo, vai desenvolvendo, sem problemas nenhum.

Acabei deixando a prefeitura e fiquei no magistério até agora. Estou completando o

meu vigésimo ano de magistério.

Pesquisadora: 20 anos de magistério?

Marta: É já.

Pesquisadora: Esse concurso que você fez foi para a prefeitura?

Marta: Não para o Estado, eu trabalhava na prefeitura mas na área administrativa, na

secretaria das finanças, não tinha nada a ver com educação, era bem diferente Daí

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apareceu esse concurso, eu prestei no Estado, entrei e estou lá até hoje. E nunca

trabalhei na prefeitura, nunca trabalhei em escola particular, sempre no Estado. No

inicio eu ingressei em Português e Inglês, no comecinho a gente não tem pontuação

nenhuma eu comecei no Grajaú. Peguei duas escolas no Grajaú uma para Português e

uma diferente para Inglês. Aí com esses concursos de remoção que tem todo ano eu

fui conseguindo trazer mais para próximo até que cheguei aqui no (nome da escola) e

aqui vou me aposentar porque é aqui do ladinho da minha casa, daí eu não saio mais,

não saio mais, estou no (nome da escola) desde 96. No ano que vem já completo 10

anos nessa escola e não tenho intenção nenhuma de sair porque eu gosto demais dessa

escola, e depois, é aqui encostado em casa, cinco minutos daqui estou na escola, não

vou sair tão cedo, só se saírem comigo.

Mas é uma profissão difícil, muito difícil, muito complicada, mas é uma coisa que eu

adoro fazer, principalmente lidar com adolescente, eu gosto demais. Talvez até falhe

na minha didática, no passar os conhecimentos que seria nossa função, mas o meu

relacionamento com o aluno é muito gostoso. Sábado mesmo a gente fez aqui um

churrasco com o terceiro ano. Eles não fizeram a formatura, não quiseram fazer,

então, uma das classes escolheu fazer festinha lá na escola mesmo, a gente fez lá e a

outra classe veio aqui no sábado, por isso a casa ainda está meio bagunçada, mas a

gente fez um churrasco aqui com o pessoal.

Então, o meu relacionamento com eles é muito saudável, talvez é como eu falei,

talvez eu não consiga ensinar português, esse objetivo aí eu não consegui alcançar

ainda, a não ser com alguns alunos, mas a experiência, a vivência é muito gratificante,

as vezes a gente encontra algum aluno mais arredio, mais agressivo, rebelde,

principalmente quando é novo assim e não conhece a gente, as vezes dá uma

escapadinha, mas ao longo do ano agente vai conversando, vai se entendendo e no

finalzinho do ano está uma delicia a gente se entende muito bem, eles vem à minha

casa, me ligam, mesmo porque eu moro aqui pertinho então a convivência acaba

sendo uma convivência extra escola, o pessoal participa muito, vem aqui a gente sai

junto, vai para cinema, o meu relacionamento é gostoso, não digo que eu consiga

exercer a minha profissão tal qual deveria.

Pesquisadora: O que seria você exercer a sua profissão tal como deveria?

Marta: Acho que atingir o maior número de alunos e conseguir transmitir os

conhecimentos que a gente se propõe a fazer, isso a gente não consegue por uma série

de questões. Questões do sistema educacional, imposições do sistema educacional,

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essa teoria moderna que eles querem impor para a gente, não dá para aplicar com

umas classes, principalmente classes de periferia que os alunos não tem uma

experiência de vida, não tem uma vivência de vida que daria para a gente trabalhar da

forma como o sistema pede que agente trabalhe. É uma teoria muito bacana, muito

moderna, até, você aproximar o conteúdo da experiência do aluno, mas as vezes fica

muito difícil porque a experiência do aluno é muito mínima, é mínima, é pequena e aí

você quer aprofundar um pouco mais, quer mostrar esse outro mundo que a gente

conhece e ele se recusa a enxergar, a ver esse outro mundo porque a gente precisa

passar os conhecimentos acadêmicos mesmo que a gente gostaria de passar. É uma

luta muito grande, eu, falta pré-requisito, principalmente com o ensino médio, falta

esse pré-requisito que ele não trás do ensino fundamental, então aí você tem que

retomar todo o conteúdo que eles já deveriam saber e que eles não sabem, você perde

um tempo, aí fica enfadonho, porque na verdade a competição que a gente tem com a

mídia é muito grande, é muito diferente, o que a mídia oferece. É muito mais fácil

para o aluno ficar em frente ao computador, televisão, revista. E o professor só tem o

que? Um giz.

Por mais que você tente inovar os recursos que a gente tem são muito poucos. A gente

tem dificuldade nesse sentido, de transmitir aquilo que a gente gostaria de transmitir e

que a gente acha que o aluno precisaria, principalmente em português, porque vai

facilitar para ele tudo, principalmente nas outras disciplinas, o entendimento das

outras disciplinas, a interpretação de um texto, de um enunciado, de um problema. E a

gente não consegue. Principalmente no colegial que tem literatura que é muito mais

complicado, muito mais extenso, né, o conteúdo, fica complicado. Aí você quer,

cobra-se da gente, desenvolva o gosto pela leitura no aluno, por um lado você tem um

conteúdo a ser cumprido, por outro lado tem aquilo que o aluno gosta de ler, você tem

que respeitar aquilo que ele gosta de ler, deixá-lo ler aquilo que gosta porque ele está

praticando a leitura, é legal, é importante, mas por outro lado você pensa... vai, eu

tenho os clássicos, os clássicos são difíceis. É uma leitura gostosa a partir do

momento em que você se predispõe a ler, a entender, a pesquisar, não dá para ler sem

se remeter a época em que foi escrito, você tem que conhecer um pouquinho da

história daquela época para poder entender a obra, senão fica aquele tédio mesmo,

mesmo a gente que estuda o tempo inteiro fica difícil de entender, tem coisas que

você deixa passar. Novela é mais fácil. A gente fala de novela de época... é uma

delícia assistir novela de época, tá lá né, tá aliada a palavra tem a imagem, é muito

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mais fácil, um livro não? É aquela coisa, aquele momento solitário você e a palavra.

Se você não tem os pré-requisitos para entender algumas passagens a obra vai ficando

enfadonha, vai se perdendo e o aluno quer matar a gente quando a gente pede para ler

um clássico, só que por outro lado, você sabe que no vestibular isso é exigido, dar a

oportunidade para o aluno poder concorrer também com outros alunos que se formam

em melhores escolas, que sei lá, tem uma experiência de vida diferente dele, você

tenta fazer com que ele leia, mas é muito difícil, é muito complicadinho o trabalho da

gente. As vezes fica difícil você trabalhar como deveria ser trabalhado, como eu acho

que deveria ser a minha profissão, que é de passar tudo aquilo que realmente você

sabe que ele precisa, aquilo que ele quer aprender, aquilo que ele precisa aprender

embora ele não queria, mas muitas vezes a gente não consegue, a gente esbarra nessas

questões de falta de pré-requisitos, falta de experiência de vida, de vivências mesmo,

não freqüenta um cinema, não freqüenta um teatro, a leitura é muito pequena porque

em casa eles não tem esse hábito. Principalmente em escolas mais simples, assim, em

que os alunos são mais simples, os pais, a grande maioria são, não diria a maioria,

mas alguns são analfabetos, então sabe que o filho tem que estudar mas não sabe

exatamente a importância que tem, então não consegue estar incentivando, vem para a

escola e deixa na mão do professor, faça o que você puder pelo meu filho. A gente faz

até onde a gente pode, mas quando sai da escola e vai para casa não tem espaço para

estudar, não tem uma bibliotecazinha em que ele possa pesquisar, com muito pouco

interesse, porque tem a biblioteca da escola, bibliotecas públicas que poderia estar

pesquisando, então não tem muito esse interesse.

Falta de perspectiva do jovem faz com que a gente não consiga exercer a profissão

adequadamente. Nosso jovem é muito perdido. Para que eu vou aprender isso

professora? Sempre aquela velha pergunta: - Para que eu vou aprender isso? Eu não

vou conseguir ser nem lixeiro. Eu não consigo fazer nada.

A falta de perspectiva é muito grande e a gente fica, eu começo a perguntar realmente

porque eu estou ensinado isso para um aluno, poderia estar ensinando uma coisa mais

prática? Não sei. Talvez a gente falhe bastante nisso. Talvez devêssemos mais...

aproximarmos mais das necessidades do aluno, verificar melhor o que é que ele

precisa para que ele possa enfrentar esse mundão dele aí, mas tem que fazer um

trabalho muito minucioso, tem que conhecer muito bem a clientela para poder saber

das necessidades dele e tentar satisfazer essas necessidades. Um ou outro você se

aproxima mais, você até sabe, conhece um pouquinho a família, sabe até das, sei lá,

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do que pensa o aluno, do que ele gostaria geralmente de aprender. Eu no início do ano

eu geralmente até faço um questionário assim para verificar, para conhecer mais ou

menos o aluno, mas não adianta muito porque ele escreve as vezes o que é, qualquer

coisa lá, ele não é, ele não é totalmente verdadeiro nas suas respostas. Ou até as vezes

por vergonha ele responde o que ele acha que a gente gostaria de ouvir, como muitas

vezes a gente faz né, quando vai fazer qualquer coisa você responde, responde,

quando a gente vai fazer cursos, vai fazer relatórios para secretaria, delegacia de

ensino, a gente escreve aquilo que ele gostaria de ouvir que é para não te dar trabalho.

Escreve. E o aluno também é meio assim, ele não é fiel, não é verdadeiro e o

conhecimento que a gente tem dele, da clientela, não é suficiente, não dá para

estabelecer uma metodologia de verificar exatamente aquilo que ele precisaria

aprender.

Mas nesse sentido que eu acho que a gente não exerce a profissão, a gente tenta

orientar, tenta passar aquilo que você aprendeu, mas muitas vezes a gente não

consegue. Aí a gente brinca de escolinha.A gente brinca de escolinha. Essa é uma

época muito chata, muito difícil, que é a época de fechamento, a gente está

encerrando o ano, você tem aluno que não tem, realmente não tem, como eu diria, não

tem possibilidade de enfrentar um vestibular, de se sair bem e você é obrigado a

aprová-lo. Vai segurar lá mais um ano? O sistema te obriga fazer isso, por mais que

você queira ir contra o sistema não adianta. Você tem que ter uma série de

imposições, você tem que ter tudo muito bem registrado, aí entra a parte burocrática,

o seu diário tem que estar impecável, você tem que ter todas as provas do aluno para

você poder reprová-lo, então, não se respeita o aluno, porque para mim é uma falta de

respeito, o aluno, você percebe que o aluno mal sabe escrever o seu nome, tem muita

dificuldade de leitura, de interpretação e você tem que empurrar aquele aluno para

frente.

Aí você está podando. Ele vai fazer um vestibular, tudo bem, até entra em uma escola

particular que a gente sabe que é comercial, não que os cursos sejam ruins, eu sempre

falo isso para eles, mas para a entrada, para ingressar é muito mais fácil, porque o

aluno entra, obviamente a gente fica satisfeito, corre arruma um dinheirinho para

fazer a matrícula, mas depois, vocês tem pré-requisitos para acompanhar o curso?

Vocês não tem. Aí, logo no primeiro bimestre, já desistem porque não vão

acompanhar, não vão conseguir, né, desenvolver aquele curso e pára no meio do

caminho. Entra uma outra turma, o dinheiro é capital de giro para as faculdades.

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Fica complicado. Agora vestibular para a escola pública então é quase impossível, a

gente percebe que o aluno não tem capacidade para isso. Que ele faça um ano de

cursinho e até cursinho as vezes eles não vão conseguir, porque realmente ele não tem

fluência nisso, tem cursinho que é só uma revisão e um aprofundamento daquilo que

ele já aprendeu, se ele não aprendeu nada ele não vai acompanhar.

As vezes a gente fala estou me sentindo um palhaço lá na frente, muitas vezes você

está falando para as paredes, para as carteiras, o desinteresse gera muita indisciplina,

aí quando você pára para fazer um curso, uma reunião, mesmo na escola ou na

diretoria de ensino vem sempre aquela conversa. Porque que o aluno é

desinteressado? Porque a sua aula é desinteressante, porque você não faz.

Para mim isso é círculo vicioso, muitas vezes eu preparo, eu preparo muito bem as

minhas aulas, principalmente a literatura que envolve muita História e muitas outras

coisas, Filosofia e uma série de outras disciplinas que estão envolvidas com a

literatura, fico as vezes horas e horas preparando, é um trabalho minucioso, aí você

chega na sala de aula e começa a falar... um aluno vira para lá, outro vira para lá... eu

não sei... você se desestimula também. Ah, eu vou parar tudo, não vou fazer mais

nada, chega! A gente fica irritada, a gente fica irritada também. Eles falam ah, porque

você vai dar isso? Eles falam isso. Eles são muito cara de pau. Para que você vai dar

isso, deixa, ninguém está prestando atenção, pára, deixa isso para lá. Você leva um

balde de água fria e diz não vou fazer mais nada mesmo e senta-se à mesa e fica.

Lógico tem sempre as exceções, não vamos generalizar, tem alunos que realmente é

gostoso, eles se interessam, vem, questionam, perguntam e aí você se sente como

professora, como profissional, mas é pouco. E como a maioria faz, é desinteressada

acaba prejudicando esses poucos. Se a gente pudesse ir contra toda essa pedagogia,

separar esses poucos bonzinhos de cada classe e montar uma classe em que você

pudesse realmente trabalhar de uma forma mais efetiva mesmo, trazer o máximo de

conhecimento para esses alunos e os outros você vai trabalhando no sentindo de trazê-

los até, para eles se aproximarem desses outros, mas isso é discriminação, é exclusão,

a gente não pode fazer isso.

A gente vê que em cada sala tem uma meia dúzia que sabe, merecia o mesmo,

merecia uma aula mais bem elaborada, melhor elaborada, uma aula mais bem dada,

você vê que eles estão ansiosos por conteúdo, você poderia trazer uma série de coisas

para eles trabalharem, mas você não consegue. A gente nivela por baixo, pega aquele

pessoalzinho que sabe muito pouquinho e você esquece aqueles que sabem, que se

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esforçam, que se interessam, que pesquisam porque estes caminham praticamente

sozinhos na sala de aula, as vezes a gente não sabe nem o nome deles. Sabe o nome

dos bagunceiros, daquele que você está sempre chamando atenção porque está sempre

te atraindo a atenção, te perturbando, fazendo bagunça, mexendo com o outro, então é

complicado nesse sentido da gente exercer a profissão da gente.

Se nós tivéssemos classes, não se pode fazer isso, mas se a gente tivesse classes um

pouquinho mais homogêneas, por interesse mesmo, porque mistura muito, é muito

misturado. Tem aluno que vai lá só pelo social ou para outras coisas meio escusas que

a gente nem gosta muito de citar. Outros que vão para namorar; outros que vão só

para bagunçar; outros que vão só para não ficar em casa, para fugir de casa porque o

ambiente familiar é muito ruim... então é agradável ficar naquela escola por algumas

horas porque ele se livra dos problemas de casa. A gente sabe que tem os pais bem

problemáticos, a família bem problemática, então eles vem na escola para isso, para

fugir um pouco de casa, outros para dar uma namoradinha, outros para outras

coisinhas.

Pesquisadora: O que são outras coisinhas?

Marta: Por exemplo até para estar passando droga. A gente sabe disso. Tem uns

alunos que vão lá para arrebanhar, para passar, incentivar, mostrar, aliciar mesmo os

colegas. Bom nós temos nesse terceiro ano mesmo, eu tinha um dos alunos nesse

último bimestre foi preso não sei em que condições foi preso, não freqüentou mais.

Sumiu da escola. Mas o objetivo dele era esse, estar fazendo lá o seu, vendendo o seu

peixe.

E não se pode fazer nada porque, nossa diretora até tentou descobrir esses meninos

que fazem isso, mas se não pegar em flagrante você não pode fazer nada. A gente

sabe porque você vai observando o comportamento do aluno, está lá no dia a dia,

principalmente professor de português que tem seis aulas, tem que dar todo dia, todo

santo dia, toda aula quase lá, você vai vendo o comportamento do aluno ou muito

sonolento, ou muito arredio, muito rebelde, olhos vermelhos, tem um menino, nossa,

que há uns três meses para cá ele começou a perder peso, está magérrimo, magérrimo

e a gente sabe que ele está usando droga. Você não pode fazer muito nada, você não

pode excluí-lo da sala, você não pode fazer absolutamente nada se você não tem

certeza. Você vê pelo comportamento dele que ele está envolvido com alguma coisa

mas enquanto não se tem uma prova concreta...

Então tem esses alunos também que vão para a escola só para isso, não tem objetivo

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nenhum de estudar. Por mais que a gente fale, trabalhe com os outros alunos, não sei,

é questão até de formação não é, de casa, e acaba se deixando envolver porque um

experimenta e gosta ou para fazer parte do grupo né, ah, experimenta aí meu, tem

sempre aquela pressão do grupo e acaba se envolvendo.

Pesquisadora: Agora Marta, me conta assim, você está falando de algumas coisas

que esbarram no trabalho que você gostaria de fazer com os alunos. Os alunos virem

para a escola sem pré-requisitos, chegarem no ensino médio sem pré-requisitos, os

alunos terem uma desmotivação em relação ao aprendizado, você começa com uma

aula toda preparada, toda planejada e aí eles dizem larga disso professora ou até

esbarrar com alunos que vão para a escola com a finalidade de trabalhar nas drogas.

Isso desperta algum sentimento em você? Como você sente falando eu, Marta,

professora, diante desse panorama que eu estou vivendo dentro da escola onde eu

trabalho?

Marta: Eu realmente me sinto impotente. Impotente. O que é que eu posso fazer?

Vem sempre aquela pergunta o que é que eu posso fazer? Eu faço muito isso. Perco a

noite pensando em que estratégias eu poderia desenvolver, que metodologias poderia

utilizar para melhorar essa questão, eu me sinto impotente, totalmente impotente e

muito triste, muito triste porque a gente acaba pegando um carinho muito grande por

essa meninada. (segura o choro) Fico pensando qual é o futuro dessa turma? Porque o

mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, todo ano você vê, tanta gente sai

do Ensino Médio, termina o terceiro ano, como o mercado de trabalho vai absorver

todo mundo, sem preparo nenhum, sem experiência, sem ter muito o que oferecer? Eu

penso meu Deus do céu o que vai ser dessa turma? Fico muito chateada, muito triste

pensando na incerteza do futuro dessa turma. A gente conversou bastante nos

terceiros anos. Eles dizem não vejo a hora de terminar e digo assim, - Você vai ver a

tristeza que vai dar quando você falar, nossa, não tenho que ir para a escola, eu não

tenho nada para fazer. Porque a maioria não trabalha, nessa minha turminha são

pouquíssimos os que trabalham. Os que já pensaram em fazer um cursinho, tem uns

três que fizeram vestibular e entraram na faculdade, vão fazer faculdade, mas a

maioria vai acordar e dizer e agora? Tenho que lavar louça, vou lavar louça, não

tenho nada para fazer. Eu falei para eles vocês vão ver como dá uma tristeza muito

grande. A ansiedade de terminar todos temos, não vejo a hora de acabar e não precisar

mais ir para a escola, mas na hora que você, pára a sensação de inutilidade, sei lá, não

tenho nada para fazer, o que eu vou fazer, não preciso fazer lição, não preciso ir para

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a escola, principalmente aqueles que não vão fazer nada esse ano, tem muitos que não

vão fazer nada, não tem dinheiro para fazer um cursinho, não tem dinheiro para fazer

uma faculdade, nem prestaram vestibular nada, não trabalham. Vão acordar e ficar lá

zanzando pela casa, vai dar uma tristeza muito grande. Na despedida começa todo

mundo a chorar, da aquela dor no coração. Eu fico pensando o que essa turma vai

fazer, aí você sabe de um e de outro, principalmente essa época em que os shoppings

contratam essa meninada para trabalhar nas lojas, supermercados, tem um ou outro

que conseguiu um emprego temporário para esses dois, três meses, vão trabalhar, mas

e depois, o que vão fazer? Eu que tenho filhos que estudaram em colégios melhores,

que estão melhor preparadas, estão fazendo faculdade, eu fico nessa incerteza.

Imagine essa turminha. Aí dá uma dor no coração, me corta o coração ficar pensando,

isso aqui nessa escola, quando você pensa no Estado todo, quanta gente que sai, que

está terminando o terceiro colegial agora, o terceiro ano do Ensino Médio, onde é que

vai parar todo esse pessoal? Provavelmente muitos se perdem no meio do caminho,

principalmente as meninas que engravidam, constituem família, cada uma das minhas

salas eu tenho mães, meninas de 17 anos com filho no colo. Meu Deus do céu...

Então essa sensação de impotência mesmo, o que é que eu poderia fazer para ajudar?

Nosso relacionamento é muito bom, dou muita abertura para eles conversarem muito

comigo, expõem seus problemas, a gente conversa muito, muitas vezes deixei, muitas

vezes de dar aula, de estar passando aquele conteúdo, para ficar batendo papo, eu

acho que isso é interessante, é importante também porque, claro, eu não estou dando

conteúdo, não estou passando nenhuma regra de acentuação, mas ele está podendo

expor o seu problema, estou podendo dar um conselho enquanto mais velha, mais

experiente e muitas vezes ajuda. As vezes depois vem o retorno, fala ah, aquela dica

que você me deu foi legal, eu fiz assim, fiz assado. Não aprendeu a acentuar as

palavras (risos) mas de repente tomou uma posição, um rumo na vida, fez alguma

coisa que o ajudou. Então eu tento fazer isso, tento ser o mais aberta possível. O

pessoal na escola diz que eu sou mãezona. Sou. Sou, sou mesmo, eu muitas vezes eu

deixo de dar a minha matéria para a gente ficar batendo papo. Principalmente as

meninas que de repente chegam e dizem que estão grávidas, naquele desespero. Umas

enfrentam, continuam, tem um dos terceiros anos, uma menina na hora em que

descobriu realmente que estava grávida, acho que ela não agüentou a barra de ter que

aparecer grávida para a turma, desistiu, pára no meio do caminho. Fiquei sabendo

esses dias que ela teve o bebê e vai cuidar do bebê e nem sei se volta para terminar o

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terceiro colegial. Pior ainda porque fica parado no meio do caminho, não tem um

certificado, na hora em que perceberem que precisa disso as vezes é meio tarde, daí

correm para refazer, não sei, se é possível. Então são essas coisinhas que a gente

enfrenta no dia a dia e faz com que a gente se sinta bastante impotente.

Eu acho que precisaria fazer uma revisão em todo o sistema.

Pesquisadora: O que você acha que poderia ser feito?

Marta: Acho que nós temos teorias pedagógicas muito modernas, perfeitas na teoria,

no papel elas são perfeitas, só que a gente não consegue aplicar, colocar em prática,

principalmente porque nós temos classes numerosas, muito heterogêneas e os

problemas que o aluno trás são problemas sociais, problemas familiares, não dá para a

gente aplicar essas teorias. Ou as vezes até, quando eu falo que a gente deveria estar

atendendo mais as necessidades do aluno, mas nós precisaríamos de um respaldo

também. Essas teorias que pregam, essas teorias modernas pregam que a gente se

aproxime mais da realidade do aluno e tente sanar, satisfazer essas necessidades dele,

mas aí você esbarra naquele outro lado... você está só formando o aluno só para ele

continuar sua vida no mundo, para ele enfrentar o mundo, mas você tem que prepará-

lo também para prosseguir nos estudos, para isso você precisa o outro lado, precisa o

conteúdo, precisa passar uma série de informações, senão é barrado no vestibular,

porque o vestibular não muda muito, o vestibular embora tenha mudado nesse sentido

de verificar os conhecimentos do aluno, a sua capacidade de raciocínio, de inferência,

de interpretação, tem modificado nesse sentido, mas o aluno precisa estar treinado

para isso. E sem conhecimento também acadêmico ele não consegue fazer essas

coisas, sem conteúdo, ele não consegue fazer essas coisas.

Eu atendo as necessidades do aluno, mas se for atender as necessidades do aluno você

tem que trabalhar um conteúdo bem diferente daquele que se impõe no programa

curricular. Escola deveria ter mais autonomia para isso, acho que deveria, até tem,

mas acho que os próprios profissionais têm medo de usar essa autonomia que tem.

Acho que nós enquanto professores, a gente tem medo de usar, de ousar, de usar essa

autonomia para a gente trabalhar. Talvez não estejamos preparados para satisfazer

essas necessidades do aluno e sairmos desse contexto porque a gente no início do ano,

você chega lá senta, vamos planejar o curso. Passa uma dinâmica de grupo,

gostosinho, está todo mundo voltando de férias, vamos abraçar todo mundo, beijinho,

como foi suas férias, está todo mundo bronzeadinho, beleza, quando senta lá, vamos

agora planejar o nosso curso. As vezes você copia planejamento que você já fez há

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dez anos atrás, quinze anos atrás, põe aqueles tópicos de português, acentuação

gráfica, ortografia, uma literatura, momento histórico, as escolas literárias, principais

autores, principais obras, a mesmice. Poderia se abolir tudo isso, a gente já conhece a

nossa clientela, então o que nós vamos trabalhar?

Vamos trabalhar de forma diferente. Precisa aprender a escrever, aprender a falar

bem, então vamos fazer isso na prática, precisa redigir uma carta ou uma redação para

de repente fazer, ou se preparar para uma entrevista numa empresa, vamos ensiná-lo a

fazer isso. Coisas mais práticas que ele vai entender porque ele está usando aquilo.

Mas aí você pensa ele vai fazer vestibular, ele precisa aprender essa série de coisas

que pede no vestibular, eu vou deixar de lado? Aí a gente não tem coragem, então

você segue todo aquele esqueminha já feito já há anos, preparado há anos e um ou

outro projeto que a gente tenta fazer uma coisa diferente, nós fizemos alguns projetos

aí na escola, mas não foge muito daquele esquema já pré-moldado.

Então a gente tem um pouco de medo de ousar. Porque chega agora no finalzinho do

ano tem lá aquele relatório imenso para preencher. Como é que foi o ano? Cumpriu o

seu conteúdo? E o medo de colocar não, eu não cumpri o meu conteúdo, fiz uma coisa

totalmente diferente. Aquela coisa, você quer sempre responder aquilo que eles

querem ouvir.

Pesquisadora: È a secretaria da educação que manda isso?

Marta: É a própria delegacia.

Pesquisadora: É uma avaliação da Unidade Escolar?

Marta: É isso. É a última tarefa nossa é fazer essa avaliação, no último dia letivo da

escola, do ano, a gente tem que fazer essa avaliação. O diretor pede para que você

tique lá os tópicos que você conseguiu abordar durante o ano, mas se você não

conseguiu todos você não trabalhou direito. Então acho que a gente deveria repensar a

nossa prática nesse sentido. Vamos sentar todo mundo e planejar diferente. Até a

gente estava conversando esses dias na escola vamos planejar diferente, sem ficar

essa coisa que a gente se atém muito a burocracia, a preenchimento de papéis, de

formulários e esquece a clientela. Já conhecemos muito, é um grupo que já trabalha

junto há um tempo, há algum tempo, então nós poderíamos fazer isso. Vamos

realmente sentar, vamos ver quais são os nossos problemas, os problemas dos alunos,

de indisciplina, de desinteresse, os problemas familiares que eles tem, que a gente tem

alguns alunos que tem alguns problemas complicados. O que a gente pode fazer para

eles também, não vamos nos ater no conteúdo, tentar lógico, na medida do possível ir

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passando conteúdo, mas de uma forma mais concreta, que ele sinta que aquilo é

necessário na vida dele. O aluno por outro lado, ele é inteligente, ele é perspicaz. Para

que eu estou aprendendo isso?

Dentro da minha disciplina quando você entra com a bendita da análise sintática do

período composto, oração coordenada, oração subordinada, aquele monte de nome lá

e o aluno fala: - Para que aprender isso? E aí você faz o infelizinho decorar aquele

monte de nome que nem você lembra mais e faz ele aprender tudo aquilo lá. Ele fala

mas para quê? Vou usar isso quando?

Você usa isso no dia a dia quando você está falando você faz. Você fala oração

subordinada substantiva, qualquer coisa lá, você fala, só que você não fala analisando

o tempo, agora eu estou falando uma oração subordinada substantivo, assim e assado.

Na verdade isso serve só para o professor passar para você, para cobrar e te dar um

zero se você não conseguir acertar. Por outro lado quanto mais a gente tenta, se você

lê, se você lê bastante, você já vai adquirindo a estrutura da língua sem essa

necessidade de decorar regras gramaticais. Obviamente as regras são um instrumento

para você produzir um bom texto, mas com a prática da leitura você não precisa estar

pensando nessas regras na hora de escrever, você já adquiriu aquela estrutura da

língua a partir da leitura. Aí uma coisa vai puxando a outra. Se você não lê eu sou

obrigada a passar as regras para que você possa escrever as frases, dentro do possível,

obedecendo as regrinhas, então tenho que ensinar regra. Só que para escrever uma

frase, escrever um texto observando as regrinhas é difícil, porque você, muitas vezes,

não vai lembrar das regrinhas, então fica esse círculo. Se não faz uma coisa não faz

outra. Ele não lê, ele não quer a gramática porque a gramática é complicada, é difícil,

você tem que decorar muitas vezes, aí você decora a regra, tem que decorar a

exceção, como toda regra tem exceção. Aprendeu a regra, não mas tem exceção nesse

caso, então, não se aplica a regra. Isso vira um pandemônio na cabeça do aluno, então

a gente sempre tenta incentivar a leitura porque a partir da leitura ele vai adquirindo a

própria fluência na fala e na escrita sem ter que se ater as regrinhas.

A gente tinha que ser mais prático. Observar a realidade do aluno, saber das suas

necessidades, até de repente, no início do ano, deixar até que o aluno fizesse com a

gente o planejamento, o que realmente você quer aprender, o que você acha que

precisa aprender para você poder ir aplicando aquilo que você aprende aqui na sua

vida prática.

Ah, esse ano eu vou procurar emprego então eu preciso saber redigir uma carta de

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solicitação de emprego, preciso justificar porque eu preciso daquele emprego, como é

que eu devo me comportar numa entrevista, postura física, roupa, maquiagem, o que

falar, deveria ser mais prático nesse sentido e na medida do possível ir trabalhando

conteúdo também para não podá-lo de poder participar de um concurso, de um

vestibular, porque essa parte de conteúdo vai ser exigida dele nesses testes, ele vai ser

testado nesse sentido.

Mas acho que talvez nós nem estejamos preparados para isso. Talvez a gente deveria

trabalhar, trocar mais com os outros professores, com os nossos pares, essas

experiências e bolarmos juntos essas estratégias mais práticas, uma metodologia mais

prática, para a gente poder fazer com que o aluno perceba que aquilo que ele está

aprendendo ele realmente vai utilizar, ele vai precisar daquilo. Acho que a gente

ensina muita coisa que não precisa e o que precisa a gente as vezes deixa de lado.

Acho que é nesse sentido que acho que a escola e o próprio professor tinha que ter

mais autonomia para trabalhar nesse sentido. Mas é o medo de não fugir do sistema,

de sair do esquema, de repente ter que responder.

O próprio governo, a partir do momento que ele observar que o resultado foi benéfico,

se o resultado foi bom, se o aluno apresentou um resultado bom, não interessa o

método que você utilizou, se você seguiu a risca aquilo que se impõe ou se você usou

outras estratégias. Acho que o importante é o resultado, se o aluno está preparado

realmente para seguir em frente, se você cumpriu o programa pré estabelecido ou não,

ou se você usou outros meios, acho que o que mais importa é o resultado final e o que

a gente tem é um resultado muito triste, aluno que escreve muito mal e você tem que

aprovar.

Essa é a pior época da vida da gente, no finalzinho do ano, aí você se indispõe com a

própria direção da escola porque ela sabe que não pode apresentar um índice de

retenção muito grande porque a escola fica mal vista, você se indispõe com colega

porque de repente, bom, se esse aluno não escreve nem o nome como ele passou na

sua matéria? Aí acaba gerando aquele conflito, clima tenso, é a pior época da gente,

muito chato. Eu me sinto assim ridícula, porque o aluno não sabe nada, ele não tem,

teria que ficar mais um tempinho, mas tem que passar. Ah, vai passa, ele que quebre a

cara aí para frente mas não é assim. A gente ouve muito isso ele que se dane, ele que

se vire.

Pesquisadora: Ouve de colegas?

Marta: É. Isso é muito chato. Eu não gostaria que ninguém estivesse falando isso

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para as minhas filhas, elas que se virem. Que elas terminassem o ano sabendo,

podendo, tendo os benditos pré-requisitos para continuar, mas quando não é filho da

gente é fácil né, a gente se livra dele.

É o que eles querem também né. Não se importam ah eu tô sabendo. Os pais não se

importam. Alguns alunos que a gente conseguiu reter, hoje mesmo eu tive pais lá

perturbando, pressionando, quer pressionar, quer questionar porque é que meu filho

ficou retido. Aí você vai ter que convencer pai de que o seu filho precisa ficar mais

um ano, ele precisa, ele não fez o que ele tinha que fazer, ele não cumpriu a parte

dele, ainda não está preparado para prosseguir, então é melhor que ele pare aqui,

continue e faça de novo, se esforce mais para ter a possibilidade de... mas pai não

entende, ah, vai ter que ficar mais um ano na escola, daí pressiona, o professor

também acaba abrindo mão de sua nota, facilitando ou passa um trabalhinho e a gente

acaba aprovando e o maior prejudicado é o próprio aluno, embora ele não perceba

isso, a família não perceba. Eles dizem ah eu me viro. Alguns se viram, mas alguns

não, muitos não conseguem se virar. Uns até tomam vergonha na cara, se esforçam

mais e vão para frente, caminham sozinhos, mas muito não. E a gente tem feito isso,

aprovado muito aluno que até o próprio nome escreve com letra minúscula.

Pesquisadora: Por uma imposição do sistema?

Marta: Do sistema em conivência nossa. Tudo bem, o sistema impõe algumas coisas

mas ele até deixa um espaço para que você mude, saia um pouquinho. Mas a gente é

conivente porque é mais fácil, mais fácil você seguir aquilo que já foi pré-

estabelecido e você determinar tomar outros caminhos e ter que responder por essas

posturas que você assume, por essas medidas diferentes que você toma, talvez é mais

fácil a gente se guiar por esse aqui, já está tudo certinho aqui, o finalzinho é aquele

que se espera, a gente responde do jeitinho que ele quer, todo mundo feliz, vai todo

mundo para as suas ferinhas, é mais fácil.

Mesmo essa questão que se cobra muito da gente, se você retém o aluno tem que estar

com tudo muito bem documentado, seu diário tem que estar certinho, ter as provas do

aluno que realmente não atingiu aquele objetivo, a nota dele não foi suficiente, você

tem que provar por A mais B porque sabe que o aluno vai entrar com recurso. Todo

conselho é aquela coisa, você já deve ter presenciado isso. Ah, você vai reter esse

aluno, mas você tem tudo certinho? Tudo registradinho? Porque senão ele vai entrar

com recurso e você vai ter que vir aqui durante as férias. Sabe essas pressõezinhas?

Então eu vou ter que sair lá das minhas ferinhas, vou ter que deixar a praia para vir

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aqui, ah, então dá um C para ele vai e passa. Então é muito mais fácil, a gente não

querer esse tipo de responsabilidades também.

O que dificulta também, a gente entra nesse ciclo, o sistema impõe algumas coisas em

que a gente não acredita, que não dá para aplicar com a clientela que a gente tem, mas

você acaba se tornado conivente, mas você não quer ter a responsabilidade, ah eu vou

interromper as minhas férias para vir aqui, para ir na delegacia de ensino para

responder o recurso. O aluno entrou com recurso então eu tenho que vir aqui provar

para a delegacia que ele realmente não pode ser aprovado, ninguém quer isso. Daí fica

nessa, aluno faz que aprende, professor faz que ensina. Aí o governo, tudo bem tem

escola para todos, a proporção de alunos sendo formados aí todo ano, mas como eles

estão sendo formados só a gente sabe.

Pesquisadora: Você dá aula nos terceiros colegiais?

Marta: É.

Pesquisadora: E você tem quantos alunos?

Marta: Começamos com uma média de 45 alunos em cada sala, mais uma média de

pelo menos, cada classe tem 8 numa classe, 7 numa outra, 9 que desistiram ao longo

do tempo, então temos se não em engano uma média de 32 alunos por classe, são

sempre três classes.

Pesquisadora: Uma média de 90 alunos?

Marta: É. Nós terminamos o ano com essa média de 95 mais ou menos.

Pesquisadora: Você dá aula no período da manhã?

Marta: Isso. Nos terceiros colegiais que a gente tem, A, B, C.

Pesquisadora: Me conta assim Marta, você acha que existe alguma expectativa social

em relação a profissão, ao trabalho do professor. Você acha que a sociedade espera

alguma coisa de vocês, o que ela espera, se é que espera?

Marta: Acho até meio complicadinho. Por um lado a gente percebe que ainda

(pausa). Por um lado nós somos muito desvalorizados. Mas no contato pessoal,

principalmente, com os pais desses alunos, não sei se eles estão mais perdidos do que

nunca, eles ainda depõem lá na mão do professor a esperança de um futuro melhor

para os filhos dele. Tem muitos pais que chegam e falam que não sabem mais o que

fazer com o meu filho, você me ajuda? Você faz, você pode pelo amor de Deus?

Então ainda deposita na gente essa esperança.

Por outro lado nós temos pais que chegam lá e põe o professor assim abaixo. Não tem

o mínimo respeito, ah, esses professores são vagabundos, ah esses professores não

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prestam para nada, a gente ouve muito isso. Acho que está meio dividido ainda, acho

que tem uma facção da sociedade, uma parte da sociedade que ainda valoriza, que

ainda respeita o professor e outra da qual nós são somos nada, nada, nada, nada,

somos vagabundos, somos preguiçosos, só estamos querendo ganhar, como se

ganhássemos tão bem. A gente ganha tão bem...

Tem essa visão do professor, o professor não sabe nada, que o professor está

despreparado e infelizmente está mesmo, até porque quantos desses alunos, alguns

desses alunos vão entrar para o magistério? Eles já vêm despreparados desde o

primário, passam pelas faculdades que acabam absorvendo esses alunos porque para

ela é lucro. O aluno aos trancos e barrancos vai conseguindo se formar, ingressa no

magistério despreparado.

E tem essa questão do salário também, o salário que a gente ganha, antigamente na

época em que eu fui aluna, a maioria dos professores já tinha viajado para fora, tinha

feito algum outro curso em algum outro lugar. Tinha uma vivência de vida muito

maior do que a gente tem hoje. Hoje mal dá para você comprar os livros para você se

atualizar. A gente trabalha para sobreviver mesmo. Aqueles que ganham um

pouquinho mais trabalham o dia inteiro das 7 da manhã às 11 da noite. Que tempo

esse professor tem para estar se atualizando? Para ir a um museu? Para ir a um

cinema? Para ir a um teatro? Para ler. A gente não tem. Se você tem tempo, não tem

dinheiro, porque se você tem tempo é porque você trabalha pouco, se você trabalha

pouco ganha menos ainda. Se você ganha um pouquinho melhor você não tem tempo

porque você se ocupa das 7 às 11 dando aula, finalzinho de semana é para você

preparar as aulas porque é um trabalho intenso. É diferente se você trabalha num

escritório, fechou a portinha lá da firma, vem para casa acabou, seu serviço está lá no

outro dia você vai chegar. Não, você trás as coisas para casa, você tem diário para

preencher, tem prova para corrigir, tem aula para preparar. Você trabalha muito extra-

sala. Alguns ainda conseguem fazer alguma coisa dentro da própria escola mas é

difícil, principalmente pelo número de alunos que a gente tem. Português fica até mais

fácil para a gente porque nós temos um número de aulas muito grande por série, por

sala, então de repente se você pega 30 aulas tem cinco salas só. Pensa num professor

de História, num professor de Inglês, de Geografia que tem 2 aulas por sala. Ele é

obrigado, para ter 30 aulas, ele é obrigado a ter 15 classes. Já imaginou o que é quinze

classes com uma média de 40 alunos? É muita coisa, muita coisa, muita prova para

corrigir, muito trabalho para corrigir e a gente tem muito trabalho extra sala de aula e

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aí acaba não te sobrando tempo. Se te sobra tempo você não tem dinheiro. Se tem

dinheiro, não tem tempo para estar se aperfeiçoando, para estar fazendo curso. E

antigamente não, a gente percebe que os nossos professores eram muito mais, tinham

mais, sei lá se eram mais inteligentes do que nós somos hoje, mas tinha uma

experiência de vida melhor, tinha um preparo melhor. Eles estudavam mais, eles se

preparam mais. Hoje a gente tem alguns professores que precisariam voltar para a

escola. E o aluno, a família percebe isso e acaba generalizando, aquele professor é

ruim, não, os professores são ruins, generaliza, não consegue discernir o bom

professor ou o professor mais bem preparado daquele que não é tão bem preparado.

Os alunos são muito heterogêneos e os professores também.

Pesquisadora: Esses professores acabam contribuindo para uma desvalorização

social da profissão?

Marta: Acabam

Pesquisadora: E como você se sente frente a essa desvalorização social da profissão?

Marta: Eu acho que nós somos um pouco culpados. Acho que a gente tinha que,

observando o grupo, as vezes, algumas coisa, se o professor está se comportando

assim. Nós tínhamos que nos valorizar. Tínhamos que ter uma postura diferente e

mostrar que nós somos capazes. Acho que a gente tinha que reverter esse quadro.

Acho que chegamos agora num ponto que está muito complicado. A própria

sociedade vê a gente de uma forma ruim. O governo também acaba. Ele sabe tudo o

que acontece. Ele sabe o nível dos professores e acaba desvalorizando, o salário é

baixo. A partir do momento que a gente mostrar que a gente tem um potencial, que a

gente tem capacidade, acho que isso começa a se reverter, esse quadro começa a

melhorar. É aquela coisa que eu sempre falo para o aluno: - Se você cumprir bem com

os seus deveres você tem como exigir os seus direitos.

Não sei se a gente se deixa influenciar pelo aluno e a gente acaba pegando. Quando

nós estamos em reunião ou fazendo qualquer curso a gente tem a postura de aluno. É

indisciplina, desinteresse, muitas vezes o palestrante, ou a pessoa que está

ministrando o curso está falando, então você percebe professor batendo papo, celular

ligando, então é uma postura totalmente assim, irresponsável. Professor sentou no

banco do aluno fica igualzinho. Indisciplinado, irreverente, irresponsável,

desinteressado, tudo isso é lógico, tem alguém percebendo isso, alguém sabe dessa

nossa postura e até as vezes da, do próprio preparo que a gente tem que esta bem

aquém daquilo que se deseja para um educador.

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A gente percebe que o professor não está bem preparado, ele se perde na aula, ensina

coisa errada, a gente vê. E o aluno sabe disso, ele pode não saber a matéria, pode não

saber nada, mas essas coisas ele percebe isso e passa para a família. É essa visão que

a família tem muitas vezes ela não é deturpada, ela é real, é verdadeira, por isso

quando a sociedade fala do professor, que o nível do professor caiu muito é verdade.

São poucos, a gente tem professores excelentes, a gente tem professores muito bem

preparados, mas tem muitos professores que precisariam voltar para a escola,

precisariam estudar mais, precisariam se preocupar mais até com a sua postura

enquanto educador.

Pesquisadora: E porque você acha que isso está acontecendo?

Marta: Eu falo que é um circulo vicioso. É fruto de toda essa modificação. É o que eu

falei hoje a gente tem alunos com esse perfil e alguns desses alunos serão professores.

Pesquisadora: Então muitos dos que hoje já são, são fruto de uma educação de baixa

qualidade que vem sendo produzida já há alguns anos?

Marta: Exatamente. Acho que isso é a conseqüência dessa mudança toda que a gente

está tendo. Essa falta de interesse geral. Não diria só professor mas muitos outros

profissionais também são maus profissionais por causa dessa má formação que ele

está tendo. A má formação que vai gerando o mau profissional que vai gerando mais

má formação. Isso é um círculo e a gente tinha que quebrar.

Pesquisadora: Você escolheria de novo ser professora?

Marta: Acho que eu escolheria sim. Escolheria. Mas também gostaria de ter

oportunidade de me preparar melhor (pausa) porque a gente se acomoda um pouco

também. Não vou dizer que a má formação da gente é falta de dinheiro. A gente

também tem outros recursos. A falta de tempo, a falta de dinheiro isso é uma

realidade nossa, mas é reflexo do nosso próprio trabalho, então, como você consegue

passar pouco, você exige pouco. Para mim tudo é círculo vicioso. Ai eu fico naquela

ah, mas eu fiquei nossa, fiquei até meia noite preparando, fiz vários relatórios, vários

esqueminhas, pesquisei vários livros, até a (nome de uma professora amiga),

professora de História, é uma pessoa que sabe muito a matéria dela, então como

Português, Literatura, tem muito haver com História e muitas coisas eu não sei

também de História, então tenho que perguntar para ela, ela me empresta livros para

eu poder pesquisar e poder situar aquela escola literária ou aquela obra literária dentro

de um contexto histórico. Muitas coisas eu não sei mesmo e daí vou e pesquiso. Então

vou para a escola feliz da vida, sabendo tudo para explicar direitinho. Aí é aquela

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coisa, o aluno vira para lá, vira para cá, porque você está ensinado isso, o que a gente

vai fazer com isso? Aí eu falo, para que eu fiz tudo isso? Para que eu perdi tantas

horas, enchi minhas mãos de calos de tanto escrever, preparei tanta coisa se ele não

quer e aí você acaba deixando de lado e já vai para a aula sem preparar nada. Tem

momentos, tem aulas que você fala ah, hoje eu tenho aula no terceiro A, no terceiro B,

chega lá na hora e eu vejo o que eu faço. E a gente pensa assim. Chega lá na hora e

ele também não quer nada, o aluno também não quer nada, você também não quer

nada, então a gente se acomoda por causa do exercício da profissão, desse retorno que

a gente tem.

Já que a gente é mais velho e tem outro tipo de experiência, você que deveria dar o

exemplo, você não quer mais eu vou, nem que eu tenha que abrir a sua cabeça, você

vai me ouvir cidadão. Tem que estar sempre se doando o máximo possível, se

esforçando para melhorar, quem sabe aí a gente consiga despertar o interesse do aluno

e a gente mude a direção, muda essa situação, a gente consiga realmente despertar no

aluno esse interesse, aí o retorno vai ser melhor, você vai estar mais estimulado e

inverter o círculo.

Você chega lá motivado, o aluno desmotivado te desmotiva, você se acomoda, tem

que mudar. Porque aluno a gente sabe é adolescente, é uma fase difícil mesmo, a

gente já passou por isso, a gente sabe, a gente conhece direitinho, é assim mesmo,

adolescente não tem jeito, mas se você é maduro, você é adulto, você é que tem que

reverter esse quadro, não esperar que o aluno se interesse para que eu possa me

motivar e melhorar isso, não, sou eu que tenho que me motivar. Acho que essa é a

parte mais difícil porque a gente se acomoda, a gente cansa também, a gente cansa. O

professor também é um ser humano, tem hora que ele cansa. Ele leva tanta patada, é

de cima, é de baixo, é do aluno, é do pai do aluno, é da direção da escola, é da

diretoria de ensino, é da sociedade, é muitas vezes da mídia que denigre a imagem do

professor.

Pesquisadora: Me diz numa palavra ou numa frase, no máximo, o que é ser

professora de Ensino Médio na escola pública.

Marta: Eu diria que é dar murro em ponta de faca. É mais ou menos por aí. É um

trabalho árduo, muito árduo. Mas a gente não pode desistir, mesmo que fure a mão.

Tem que continuar trabalhando. Eu não desisto, não desisto, lógico, muitas vezes

estou meio desestimulada, fico cansada, fico me perguntando para que tudo isso? No

outro dia eu levanto olho para a carinha deles e digo, não eles estão aí, eles precisam

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de uma orientação, eles precisam de um caminho e eu vou continuar, quer eles

queriam quer não queriam. (risos). Quer queiram, quer não queiram.

Eu converso muito essas coisas com os alunos, alguns a gente consegue tocar e até

mobilizar, outros não estão nem aí, nem te ouvem, entra por aqui e sai por aqui, ah,

deixa para lá vai, eles me dizem que eu falo demais, quando eu começo a colocar

essas questões. No início do ano eu sempre começo o ano fazendo essas perguntinhas

para eles o que eles gostariam de aprender, como eles gostariam que fosse a aula, qual

a contribuição deles para que a aula seja bem sucedida, para que a aula seja prazerosa,

com o que é que eles poderiam contribuir. Eles têm idéias e eles passam no papel

aquilo que a gente gostaria de ouvir, mas na hora de pôr em prática é da forma deles,

do jeito deles mesmo, então fica complicadinho. Mas eu não desisto não. Se eu

continuaria sendo professora, se escolheria novamente essa profissão? Eu escolheria,

porque eu gosto, sou apaixonada por aquilo que eu faço, gosto demais desse convívio

com eles.

O convívio com o pessoal do ensino médio dá para a gente ter uma conversa num

nível mais elevado, mais maduro, é prazeroso, é gostoso. Muitas vezes eu me sinto

uma palhaça dando um monte de coisas para as paredes, mas esse contato mais

pessoal com o aluno é gostoso.

Pesquisadora: Você lembra, para nós finalizarmos com isso, de alguma realização

que você teve durante esses teus 20 anos de trabalho como professora. Alguma coisa

que tenha te marcado positivamente.

Marta: As minhas maiores realizações são mais no sentido de você orientar o aluno

para uma determinada coisa e ele seguir esse caminho, sabe, e depois ele ter dar esse

retorno e dizer: - Fiz aquilo que você me falou e deu certo. Eu já tive muitos retornos

nesse sentido. As vezes o aluno chega meio desesperado e conta. Eu digo calma,

vamos fazer dessa forma, tenta seguir desse jeito, depois ele vem e fala, fiz daquele

jeito que você falou e deu certo, várias vezes aconteceu isso, eu dar uma orientação e

depois o aluno dizer deu certo, foi legal. É isso que me faz continuar, é mais esse

relacionamento com o aluno. Alguns anos esse lado mais prático, mais acadêmico,

quando a gente vê que alguns alunos se formaram, fizeram faculdade, se formaram eu

já tive professor trabalhando comigo aqui e que foi meu aluno, então isso é legal,

então você vê hoje ele é meu colega de profissão e já foi meu aluno, então acho que

isso é que faz com que a gente continue exercendo a profissão apesar dos dissabores.

É por aí.

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Pesquisadora: Pensando na preservação da sua identidade, a gente não pode deixar

figurar o seu nome, precisamos colocar um outro. Você gostaria de escolher um nome

para figurar no lugar do seu?

Marta: (pausa) Pode deixar o meu mesmo. Não tem problema.

Pesquisadora: Por razões éticas não posso deixar o seu nome.

Marta: Então coloca qualquer um.

Pesquisadora: Tá bom. Podemos encerrar por aqui. Eu agradeço muito por você ter

me dado essa entrevista.

Marta: Tudo bem.

WANDA

Registro escrito adicional

A entrevista transcorreu tranqüilamente na casa de um amigo comum da pesquisadora

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e da entrevistada.

Iniciei a conversa explicando sobre o tema, objetivos e procedimentos éticos

envolvidos no estudo. Após esse pequeno rapport inicial demos prosseguimento a

entrevista.

Wanda mostrou-se disposta em participar e parecia ter ansiedade em se colocar.

Pesquisadora: Vamos começar com você me contando quantos anos você tem.

Wanda: 46.

Pesquisadora: E você tem quanto tempo de formada?

Wanda: Desde 84. São vinte e um? É isso? É isso 21.

Pesquisadora: Você trabalha desde que se formou?

Wanda: Sim, trabalho desde que me formei.

Pesquisadora: E hoje você está lecionando em que séries?

Wanda: 2º e 3º colegiais.

Pesquisadora: Você não trabalha com fundamental?

Wanda: Não

Pesquisadora: E no que você é formada?

Wanda: História.

Pesquisadora: E em que escola está trabalhando atualmente?

Wanda: (nome da escola estadual, localizada na periferia da Zona Sul da cidade de

São Paulo)

Pesquisadora: Você trabalha lá há muito tempo?

Wanda: 15 anos.

Pesquisadora: 15 anos na mesma escola?

Wanda: 15 anos.

Pesquisadora: Então me conta um pouco como você começou na carreira de

professora.

Wanda: Olha... eu comecei porque... deixa eu ver... (pausa). Eu gostava muito de

História e eu queria trabalhar na área de História, museu, Museu do Ipiranga ou no

Arquivo do Estado, eu gostaria de trabalhar com documentação, mas é muito restrito

o campo. Você não encontra emprego assim. Ou é por concurso ou indicação, cargo

político, sabe? Eu tentei várias vezes quando mais jovem arrumar emprego no Museu

Paulista, mas foi muito difícil, muito difícil, tinha que ter uma boa indicação política,

era época do PMDB, e tinha também o Maluf era ainda governador, estava aquela

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situação que o Brasil não tinha ainda total liberdade democrática em 80. Ainda não

tinha saído o Figueiredo do poder. Então, era tudo por indicação política,

apadrinhagem, concurso público que raramente saía. Eu não me lembro de nenhum

concurso público para o Museu Paulista enquanto eu procurei emprego, daí eu tive

que ir lecionar. Não tive outra saída. Não que eu esperasse lecionar. Não fiz História

para lecionar, mas eu não tive outra saída a não ser lecionar (risos).

Pesquisadora: Não pensou em lecionar e está aí há 21 anos?

Wanda: Exatamente. Desde que me formei eu dou aula. Eu trabalhei como inspetora

de alunos enquanto fazia faculdade para pagar minha faculdade, já trabalhava dentro

da escola da prefeitura e eu ganhava um bom salário, porque, naquela época de 70 e

pouco lá ganhava bem. Era concursado o inspetor de alunos, era um concurso que só

exigia o segundo grau. Enquanto eu trabalhava de inspetora eu pagava a faculdade, eu

custeava meus estudos.

Pesquisadora: Você é concursada no Estado?

Wanda: Sou efetiva, sim.

Pesquisadora: Me conta como é o dia a dia de uma professora de ensino médio

dentro da escola pública.

Wanda: Olha, não é fácil (risos). Não é fácil porque a gente como mulher tem a

atribuição da família, principalmente quando você tem uma família, filhos, marido e

filhos, porque você tem que dar atenção para as suas crianças, você tem que

acompanhar os seus filhos o crescimento deles, a escola, eles estão começando a ficar

adolescente, tem que redobrar a conversa, os cuidados a atenção com eles. Exige

muito a minha participação em casa.

Por outro lado eu também me exijo muito no trabalho, principalmente correção de

provas, trabalhos, exercícios. Às vezes eu vejo que os meus filhos querem conversar

comigo e eu estou com aquela pilha de provas em cima da mesa para corrigir

Meu marido chega do trabalho eu estou saindo para ir dar aula à noite. Ele me dá um

beijo e eu vou trabalhar, quer dizer, é uma situação complicada. Ele me olha assim,

né... puxa a gente podia sentar e conversar. Aí quando eu chego 11 horas da noite ele

está cansado e ele vai dormir, às vezes eu nem converso mais com ele porque ele já

foi dormir primeiro, então, é uma situação que você tem inúmeras dificuldades no seu

dia a dia, com o seu aluno dentro da sala de aula, a falta de respeito, de educação, a

falta de consideração com o seu trabalho, você vai dar aula lá eles são malcriados e

respondem para você e não sabem que você deixou seu marido em casa e que nem

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conversou com ele, que você deixou seus filhos sem atenção porque você estava

corrigindo a prova dele, os trabalhos dele, então não há um reconhecimento. Eu acho

assim, não digo que você tem que endeusar o professor, tem muita gente que acha

isso, mas respeitar o profissional, todo mundo respeita o advogado, o dentista, o

médico, o padre na igreja, hoje você vai dentro da sala de aula e tem que dizer pelo

amor de Deus prestem atenção em mim, é um trabalho que você tem que pedir pelo

amor de Deus para trabalhar. Há uma falta de interesse do jovem total. Então isso é

muito difícil no dia a dia, essa falta de interesse, né, que eles tem. Você vai num

médico, puxa vida, você se comporta bem, você não vai chegar pro médico e dizer e

aí mano? Tá doendo aqui mano, olha doutor... não é assim.

Agora para você, você é mano, eles vêm te dar tapinha nas costas, eles acham que

podem dizer o que quer, podem sair da sala e não te dar satisfação, então é

complicado, é uma profissão que, não sei, está muito, muito, muito desrespeitada na

atualidade, os valores, né, os valores éticos acho que se perderam no caminho. E

mesmo a figura que está lá para ensinar, vamos prestar atenção, eu acho que isso é a

parte mais difícil, os valores que eles perderam e a dificuldade, principalmente para o

lado feminino, não sei para os professores homens, mas as professoras mulheres no se

dividir no lar, né, é complicado. Se a gente tivesse uma remuneração boa, poderia até

ter uma empregada para fazer os afazeres domésticos, a gente não tem essas

condições. É difícil. Almoçar, fazer almoço, limpar a casa, cuidar das crianças, dar

atenção para eles, olha não é muito fácil não.

Pesquisadora: Conciliar a vida profissional e familiar.

Wanda: É difícil. Eu tento mas eu acho que eu não sou 100% boa professora nem

100% boa mãe (risos) porque eu acho que não dá para eu me dedicar inteiramente as

duas coisas. Eu me dedico o máximo que eu posso aos dois, mas eu não acho que eu

sou 100% boa mãe nem 100% boa professora porque às vezes eu também fico

pensando na minha casa, tá na hora de ir para casa, aquele inferno dentro da classe,

você lembra do seu filho e da sua filha, né.

Pesquisadora: Quantos anos têm os seus filhos?

Wanda: A menina tem 12 e o menino tem 16. Eles precisam de muita atenção, né,

esclarecimentos, namoro, enfim, preservativos, você tem que conversar muito agora,

principalmente com a menina, você tem que tomar muito cuidado com essa idade, tem

que estar a disposição para conversar com o filho, né, essa história agora de internet,

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eles ficam conversando o tempo todo, você tem que estar observando com quem seu

filho fala na internet. É uma coisa complicada também, né. A rede de pedofilia que

existe dentro da internet é grande. E eles são fissurados em computador. Você tem

que estar sempre entrando no quarto, como quem não quer nada, oi tudo bem aí? Vim

aqui pegar sua roupa para lavar... e olho sempre no computador o que eles estão

escrevendo. Se eu não olhar quem vai olhar? ... Então eu tenho essa preocupação com

os meus adolescentes, o que eles estão conversando na internet, que tipo de pessoa,

para mim é preocupante essa história de gente que induz o jovem pela internet, essas

conversas de bate papo, chat, estou sempre perguntando com quem você conversa?

Estou sempre tendo um diálogo bom, aberto, então é uma fase difícil para um pai e

para uma mãe, eu acho.

Pesquisadora: E o que seria uma professora 100%?

Wanda: Eu acho que seria uma professora que tivesse menos aula para poder se

dedicar mais às suas aulas e na atualidade a gente tem que ter muita aula para poder

ganhar um salário razoável. A gente tem que pegar 33 aulas para poder ganhar R$

1.000,00. Isso significa 15 salas de aula com uma média de 40 alunos por sala, então

15 vezes 40 você vê quantos alunos eu tenho, certo?

Então eu não conheço todos eles, certo? Eu deveria conhecer meus alunos todos, mas,

eu não conheço todos eles. Eu não consigo identificar qual é o ponto mais fraco de

cada um porque são muitos alunos para mim. Então, para mim o ideal, o professor

legal, o professor para trabalhar bem, menos sala de aula para poder se dedicar mais

ao aluno. Aí você poderia apontar olha esse tem dificuldade de leitura, ele tem medo

de se expressar, esse aqui tem dificuldade para escrever, esse para interpretação. A

gente detecta essas coisas mas eu acho que é superficialmente porque com quase 400

alunos eu não posso ficar investigando o problema individual dos meus alunos, é

muita gente. E eu dedico tempo com eles, eu olho caderno, converso com cada um,

chamo na minha mesa, olho a letra, olho se ele é caprichoso, se ele tem organização,

quando eu percebo que ele não é uma pessoa organizada eu oriento a ser organizado,

e falo para eles olha você vai trabalhar, você tem que aprender a ser organizado, você

não sabe onde você vai trabalhar, se vai exigir organização na empresa, então olha só

um pedaço aqui de Matemática na mesma página em que ele escreveu História, você

tem que ter organização no seu caderno isso daí vai qualificá-lo para o trabalho. Eu

costumo dar essas orientações para ele observando o caderno em classe, em sala de

aula, os exercícios, lendo o que eles escreveram, mas dizer que dá para fazer isso

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100% não dá porque são muitos alunos que eu tenho que dar aula por causa do nível

salarial. Então se a gente tivesse um salário melhor, daria para pegar menos aula,

menos aulas menos alunos e aí maior dedicação.

Pesquisadora: Você acha que a maneira como está estruturado o trabalho do

professor pelo Estado...

Wanda: (me interrompe) Também. Você não tem nem um pingo de liberdade para

você criar alguma coisa ou trabalhar diferente. O horário é rígido, aquela coisa. O

professor não tem autonomia de falar: - Hoje a aula já terminou podem sair. Você não

tem essa autonomia. Falta um minuto para bater o sinal, mesmo que você já tenha

dado todinha a matéria, explicado, feito exercício, corrigido, você tem que ficar

segurando o aluno, às vezes com fome, principalmente no noturno, eu dou aula à

noite, fome, com sono, cansado, porque não deu o sinal. Você já terminou, faz uns

cinco minutos que você terminou a sua aula porque que você não tem autonomia de

falar, bom, nós já fizemos o nosso trabalho, fizemos tudo, podem ir para casa

descansar.

Você não tem essa autonomia, ai de você, tem diretora tão severa, tão ridiculamente

limitada que coloca falta para um professor que está ali dentro trabalhando porque ele

deixou o aluno sair dois minutos mais cedo. Já puseram falta para mim porque eu

estava fazendo prova e deixei os alunos saírem porque eles estavam incomodando

quem tava fazendo e eu deixei sair. Para que? Ela foi lá e pôs falta.

Então você não tem liberdade. É mentira que você tem liberdade. Você não tem

liberdade de bolar uma aula diferente, se você vai no pátio levar eles para observar a

natureza e mandar fazer uma redação, não é minha matéria, mas se você está lá, aula

de português, vamos falar sobre as árvores, vamos sentar embaixo da árvore..

Nossa!... Você está matando aula, você está enrolando, entendeu?

Então a cabeça da direção está tudo muito atrasada na minha opinião. Os gregos

davam aula ao ar livre! (risos). Em 2005 se você levar no pátio você está matando

aula. Então para mim é uma pedagogia muito arcaica. É uma maneira de ver a aula, a

sala de aula muito bitolada.

Sabe, eu acho ridículo dar aula para os alunos um atrás do outro enfileirado, sei lá,

uma sala legal seria uma sala redonda, onde eu sentasse em círculo para bater papo

com eles, conversar, não aquela todo mundo enfileirado, tudo igual, sabe, tá todo

mundo ali, igualzinho e as pessoas não são iguais e aquilo massifica uma sala de aula,

não é? A posição da carteira, o professor lá na frente, porque o professor não pode

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estar no círculo?

Agora, quantas horas eu vou levar para arrumar uma sala em círculos? Dá o sinal tem

que desarrumar, arrumar, desarrumar, quer dizer, eu vou passar mais da metade da

minha vida dentro da escola arrumando carteira, então, no fim, você dá aula daquele

jeito que está mesmo porque você não tem estrutura física e psicológica para ficar

arrumando classe cada aula que você entra, toca o sinal muda a classe, toca o sinal

você muda de sala, não é verdade?

Antes a gente ainda tinha sala ambiente, mas isso não agrada os diretores porque o

aluno no corredor atrapalha, faz barulho para o diretor, ele não gosta. Mas eu achava

excelente a sala ambiente porque aí eu punha a minha sala em círculo eles entravam e

sentavam daquele jeito, mas quando toca o sinal o aluno muda e fica aquele tumulto

no corredor quando toca o sinal. Desagrada a direção, que é convencional, que é

sabe... pessoal que não enxerga mais a frente, que não sabe lidar com o novo, que está

arraigado coisas do passado na minha opinião.

Para mim, uma escola... os alunos se movimentando... é vida, é alegria, é o jovem

caminhando no corredor. Ele faz barulho? Faz. Eles estão gritando? Estão. Eles estão

gritando, mas eles estão extrapolando lá no corredor, mas, daqui a pouco, ele entra na

sala de aula ele fica quieto. Ele vai observar a tua sala porque o seu ambiente é

diferente, então ele vai encontrar lá uma outra sala, uma outra pessoa, uma

personalidade, você impõe a sua personalidade na sua sala, então eu adorava trabalhar

em sala ambiente, mas a minha diretora cortou porque era inconveniente para ela por

causa do barulho. Dá trabalho, você tem que levantar da cadeira, espiar o corredor né,

então quando faz barulho ela tinha que olhar.

E aí muitos professores que também não gostavam de cuidar das suas salas também

apoiaram a atitude dela. Porque é complicado... você tem que cuidar né... se riscou a

parede, você não estava lá? Se riscou a carteira, você não estava lá? Então tinha

professor que não queria se comprometer que eles riscaram a carteira, que eles

sujaram a parede, se a sala é dela, então adoraram que ela tirou porque são pessoas

que não querem se comprometer e não querem assumir esses riscos, de cuidar do

armário, de cuidar dos livros daquele armário, dos mapas, eu tinha mapas, eu tinha

fotografia de sem terra, eu tinha foto de personalidades históricas, entendeu? Cada

semana trazia uma coisa, pendurava jornal com as notícias da semana ou a revista

Veja, punha lá para eles lerem, tinha uma bancadinha para eles lerem revista. Eles

podiam ir lá olhar a revista Veja, Isto É. Eu assinava, agora também não assino mais,

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não tenho mais condições financeiras. Mas aí antes eu tinha uma certa condição eu

levava revista para eles lerem. A minha sala era diferente.

E eu também acho que a escola tem que ser diferente. O aluno tem que estudar o dia

inteiro, não só meio período. A tarde ele tem que fazer outras disciplinas que lhe

agradem, balé, teatro, música, culinária para quem gosta, corte e costura, qualquer

coisa, desde que ele possa optar, sabe, que ele queira.

Qual o mal uma escola estadual ensinar um curso de cabeleireira? Não vejo mal

algum. Ou um curso de confeiteiro? Eu tive um aluno que o sonho dele era ser

confeiteiro e padeiro. Ele queria ser padeiro, confeiteiro, era o sonho dele. Agora

onde ele ia buscar esse curso? SENAC tem que pagar, no SENAC tem que pagar. É

pago no SENAC.

Então, veja bem, porque a escola não poderia oferecer um curso de padeiro,

confeiteiro, manicure? Coisas simples que o aluno pode ir trabalhando até ele fazer

uma faculdade, ele vai trabalhando nesse emprego simples mas ele vai pagando a

faculdade dele. Aí ele vai se formar e ter um sonho maior, mas enquanto isso, ele vai,

tem um emprego simples, porque que a escola não pode oferecer? Aí o aluno opta. De

manhã ele faz as matérias que são necessárias para ele ir para o vestibular e à tarde ele

faz um curso optativo para ele.

Se ele gosta de música pode aprender a tocar violão, porque não? Ou aula de francês,

espanhol, de inglês, à tarde, não é? Curso de línguas.

Curso de secretariado, sei lá, qualquer coisa eu acho que a escola deveria fornecer.

Pesquisadora: E porque será que isso não acontece?

Wanda: Aí é que tá, eu não sei, mas acho que deveria existir. Acho que as meninas

principalmente que ficam arrumando barriga com 12/13 anos, seria bem mais

interessante que elas estivessem na escola à tarde, nem que fosse para aprender a ser

confeiteiro de bolo ou manicure era muito melhor do que ficar de barriga com 14 anos

de idade, 13.

Uma aluna linda, uma gracinha, 13 anos no segundo ano colegial de barriga. Será que

se ela estivesse na escola aprendendo curso de cabeleireira lá à tarde, é uma coisa

simples, é uma coisa simples, mas ela não estaria fazendo nenê com 13 anos, não é?

Ou poderia estar trabalhando agora no fim de ano no Natal num salão ganhando uma

caixinha arrumando o cabelo da mulherada agora no Natal, né? Arrumava uma

boquinha. Eu penso nisso. Porque uma escola pública tem que oferecer oportunidade

para os alunos carentes. Então, se uma aluna puder fazer um cabelo, um menino puder

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ir numa padaria confeitar um bolo, ou fazer um pão, ou qualquer outra coisa, né? Dar

uma oportunidade para esse jovem da periferia sair da rua, sair das drogas, do mundo

das drogas, do roubo, enfim, de tantas coisas que acontecem na periferia. A minha

visão de escola é de uma escola integral e com vários, pode ser judô, natação, vôlei,

esportes, mas assim, ele vai e opta o que ele vai fazer à tarde. A escola deveria

oferecer isso para ele. Como na Europa. Na Europa é assim. O aluno fica o dia inteiro

na Europa na escola, ele não fica só meio período.

Pesquisadora: Você estava me falando das dificuldades que o professor enfrenta na

escola. Agora me conta um pouco o que é ser professor para você?

Wanda: É compartilhar, né, essa educação com o jovem. É compartilhar.

Se eu fui a uma faculdade aprender a disciplina que eu gosto que é História, se eu fiz

foi porque é uma coisa que eu gosto, ser professor é compartilhar isso com meu aluno,

os aspectos históricos da humanidade, a história do homem, a história dos povos, as

diversas sociedades que existem, mostrar para ele que o índio é um indivíduo

diferente, mas não é porque ele é diferente que eu vou discriminar o índio. É o modo

dele viver. Se o esquimó vive diferente eu não vou discriminar o esquimó, é o modo

dele viver. Existem outras culturas. Conhecer outros povos, saber que existem outros

povos tanto na atualidade como no passado. Como foi a história do homem no

passado e que isso influenciou o presente, né, essas transformações. Mostrar para ele

o que transformou, o que mudou, o que não mudou, o que não conseguiu se

transformar, certos pensamentos, certas mentalidades elas levam muito tempo para

passar, para se transformar, então a mentalidade das pessoas é o que mais demora. Eu

acho que o nosso papel de professor é mostrar isso para eles.

Pesquisadora: Você acha que é isso que a sociedade espera do professor?

Wanda: Não sei, acho que sim. Que ele compartilhe. Que ele compartilhe os

conhecimentos dele. Eu acho que a sociedade espera isso. Quando eu vou ao médico

eu espero que ele compartilhe o conhecimento dele comigo para investigar qual é a

minha doença, né. Ele vai compartilhar, vai falar olha, estou achando que... vamos

fazer um exame? É isso que a gente espera de um médico. Um diagnóstico e depois

do seu exame, de constatado a sua doença que você faça um tratamento. Eu acho que

eles esperam a mesma coisa do professor. Que compartilhe aquilo que aprendeu e

passe adiante para o seu jovem, não é?

Pesquisadora: Você está me falando de uma expectativa social, do que a sociedade

pensa que o professor deveria ser, a tua visão do que deveria ser o professor. Agora,

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vamos tentar voltar um pouco nas dificuldades. Você falou que o professor enfrenta,

para realizar esse trabalho que você coloca como sendo papel do professor...

Wanda: (me interrompe). As dificuldades são os horários rígidos, a estrutura rígida,

uma escola que não existe uma mobilidade para você trabalhar, falei para você que

você não pode nem chegar para o seu aluno e falar: - Hoje nós já terminamos, pode ir

embora. Porque você não tem autonomia profissional. Não existe autonomia para o

seu trabalho. Você tem que se adaptar às regras.

Você tem que estar trancado, que é ótimo, quanto mais trancado dentro da sala de

aula melhor professor você é. Se um aluno seu botou a cara para fora você é péssimo

professor. E eu já não sou assim. Para mim o aluno tem que ter liberdade para sair da

minha classe. Eu penso assim. Se ele quer sair sai. Quer ir lá fora? Vai tomar um ar.

Vai tomar um ar depois você volta. Eu não ligo dele sair, dar uma voltinha. Às vezes

ele está nervoso, brigou com o pai, com a mãe, com a namorada, com o chefe, ele

quer dar uma volta lá no pátio. Eu não vejo impedimento de deixar o aluno sair de

aula, ir lá dar um volta. Depois ele volta. Ele sabe quem é o professor dele, entendeu?

Mas se você deixa uma vez, duas, três, já começam a falar mal de você, porque fulana

deixa todo mundo sair da sala dela. As pessoas não encaram seu trabalho como você

estar dando liberdade para aquele ser humano, naquele momento exato dar uma volta,

espairecer. Você percebe que ele quer sair. Às vezes tem aluno bêbado, drogado.

Pesquisadora: Isso é comum em sala?

Wanda: Ah, muito comum, bêbado, drogado. Muito comum. Ele vem com os amigos

dele com aquele bafo de onça, daí eu mando sair, vai tomar uma água lá fora, vai

tomar uma coca-cola, certo? Para ver se tomando um pouco de glicose passa a

bebedeira deles, né?

Então às vezes eu deixo sair sim, mas já recebi muita crítica. Porque eu deixo sair

toda hora. Você vai segurar um aluno desse dentro da sua classe? Para quê? Para ele

torturar você e torturar os colegas dele de classe, tumultua a aula inteira, você não

consegue dar nada e ninguém aprende nada também. A troco de mostrar que você é

um bom professor porque a sua porta está trancada? Eu não compartilho desse tipo de

pensamento. Eu penso quer sair sai. Só que as pessoas não vêem você assim, pensam

que você está matando aula.

Pesquisadora: Isso gera algum sentimento em você?

Wanda: Sim. É um sentimento de você não ter liberdade, não ter autonomia. Eu não

me sinto uma pessoa autônoma no meu trabalho. Eu não tenho autonomia. A

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pedagogia atual, a direção atual, sei lá. Nós estamos parados, parados. Eu, a minha

cabeça já está avançada. A minha cabeça já está avançada, sabe. Na minha cabeça

tinha que ter computador na classe, enfiar o disquete lá, o CD Room, cada um sentado

lá no computador, vamos assistir lá as Cruzadas, vamos assistir Gladiador, vamos

comentar, você entendeu? Uma visão mais adiantada, mais técnica.

Pesquisadora: A escola não tem esses recursos?

Wanda: Muito pouco. Muito pouco. Tem a sala de computador, tem 10

computadores, tem 40 alunos dentro da classe o que você faz com ela?

Pesquisadora: Como que é organizar uma aula dentro de toda essa sua preocupação

de fazer uma aula...

Wanda: (me interrompe). Estimulante para o aluno? É complicado. É complicado. É

mais vídeo que dá para passar, debate, fazer debate com eles, seminário. Não tem

muita coisa. Infelizmente não dá. O máximo que você pode fazer é um vídeo.

Organizar também uma excursão é muito difícil. A responsabilidade de levá-los para

fora da escola, fazer uma visita num museu, fazer uma visita a uma Hospedaria dos

Imigrantes, quer dizer, um lugar sensacional a Hospedaria dos Imigrantes, sabe? Mas

nossa, você não encontra apoio. Qualquer coisa que acontecer no percurso a

responsabilidade é sua, né.

Se alguém botar a cara para fora do ônibus e se machucar você é o culpado. Vai no

museu, encostou numa peça e quebrou, você é culpado, então é muito, a gente até faz,

muitas vezes, mas é um estresse total levar uma criançada no Museu do Ipiranga. E o

medo que eles quebrem alguma coisa, que eles mexam em alguma coisa, que eles se

percam no museu? Você sai com lista na mão, chama 500 mil vezes dentro do ônibus,

o medo de perder algum aluno, é muito estressante. Nossa, muito estressante! É

bacana. Eles adoram, mas o estresse que você passa, você não vê ninguém te

apoiando. A direção te cobra, os pais te cobram, o pessoal do museu te cobra. Apoio?

De ninguém.

Fica aí sozinha com um bando de criança dentro do Museu do Ipiranga, entendeu?

Pesquisadora: Essas são algumas das dificuldades do professor em sala de aula?

Wanda: É. E outra, se eu quero levar uma turma no Museu do Ipiranga, eu tenho 15

turmas. Como eu vou levar quinze? Vou fazer quinze viagens? Fica inviável porque

você tem muita classe, muitos alunos. Se eu dou aula para um pouquinho só de gente

umas duas viagens dá pra levar todo mundo, agora eu vou fazer 15 viagens para um

museu? Deus me livre, já pensou que estresse? 15 turmas diferentes, recolhe dinheiro

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para o ônibus, faz a lista de quem vai, chama para dentro do ônibus, chama para

dentro do museu, chama de volta, 15 vezes isso, nossa senhora!

Aí vão falar que você também não está dando aula, 15 vezes num mês, você trabalhou

quantos dias, não é verdade? Então as pessoas não encaram uma ida a um museu uma

aula, ninguém encara que se você for no Museu do Ipiranga aquilo é uma aula. Uma

aula viva dos objetos que estão lá, né? Vão falar que tá fazendo excursão, mas é uma

aula.

Pesquisadora: Essa falta de reconhecimento vem da sociedade também?

Wanda: Também. Da sociedade... e do próprio governo. Porque vai fazer curso, nós

fomos fazer cursos que o governo deu para professor, não me acrescentou nada que eu

não soubesse, não me mudou, não me trouxe nada de acalentador, nada de alegria,

porque aquilo que aquele professor falou eu aprendi na faculdade, entendeu? Eu já

tinha aprendido tudo aquilo. Ele deu o curso, não estava ruim, mas ele não trouxe

nenhuma novidade. Eles não trazem para você nada que acrescente soluções, saídas,

novas formas, novos meios. Nada. É aquela coisa da faculdade. Isso você já fez, já

estudou. Você vai lá para escutar a mesma coisa que escutou na faculdade? Então

para mim também esses cursos, já freqüentei vários, e não me acrescentou muita coisa

não. Só me ajudou a relembrar alguma coisa da faculdade que eu já tinha esquecido,

mas falar para mim que eu aprendi uma novidade dentro de história, nenhuma.

Pesquisadora: Então você está dizendo que falta ao governo um planejamento na

capacitação dos professores?

Wanda: Sim. Sim. Tem que ser uma capacitação que te traga coisas novas,

inovações. Como trabalhar com os alunos no computador. Tá, então como nós vamos

fazer isso? Então, vamos tentar bolar um jeito de trabalhar com o aluno no

computador, ah, mas são dez só, então vamos resolver o problema aqui para ver se

alguém consegue resolver, 40 alunos em dez computadores. E não pode deixar uma

turma sozinha na classe, porque eles vão destruir a sala de aula, né, enquanto você

leva lá na sala do computador.

Pesquisadora: Você está falando da existência da indisciplina?

Wanda: É lógico.

Pesquisadora: Ela é freqüente?

Wanda: É nossa... Se você virar as costas... (risos)

Pesquisadora: Isso atrapalha muito o cotidiano de trabalho?

Wanda: Não, para mim não, mas para a direção atrapalha né. Aí é aquela cobrança

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que eu falei para você, né.

Para mim não, se eu sair e deixar eles fazendo bagunça... mas a direção fica cobrando,

não é? Como você sai da sala deixa aqueles alunos? Diz que você não está fazendo

seu papel na escola. Eles cobram muito.

Pesquisadora: Você lembra de alguma realização que tenha te dado prazer em ter

feito em sala de aula?

Wanda: Ah eu gostei muito de fazer o projeto de História, fazem cinco anos, foi um

projeto super bacana, sobre a história da nossa escola. Os primeiros moradores do

bairro, os que viram a escola surgir, construir. Eu entrevistei os moradores, entrevistei

o padre, as pessoas mais velhas da comunidade, os alunos mais antigos da

comunidade. Foi muito bacana. Eu trabalhei o ano inteiro recolhendo fotos,

documentos, dados. Organizamos uma grande festa em homenagem à escola, 45 anos

da escola, chamamos essas pessoas mais velhas do bairro para presenciar a festa, foi

muito bacana. Eu gostei muito desse trabalho porque eu estava trabalhando com o que

eu gosto, história, com documentos, com fotografias, imagens antigas, documentação,

estava fazendo um trabalho de historiador, por isso eu me senti feliz.

Pesquisadora: Foi feito junto com os alunos?

Wanda: Foi. Foi. Alunos, professores, colegas de trabalho. Nós partilhamos. Eu

partilhei com todo mundo que eu pude tentar envolver. É lógico que você não

consegue envolver todo mundo, né, porque eles não querem nem saber, não tem nem

interesse, mas muitas pessoas se interessaram, foi um projeto muito bacana, nossa tem

até CD Room, folder. Uma amiga minha tinha gráfica e imprimiu 1000 folders para

eu distribuir na festa, tem toda a história da escola escrita no folder. Fotografia no

folder. O marido dela tinha uma gráfica e imprimiu de graça para mim. Ai nós

distribuímos o folder, nossa... foi 10 a colaboração dessa amiga, não cobrou nada para

fazer isso.

Pesquisadora: Você teve incentivo financeiro da escola ou do Estado?

Wanda: Tive só da APM porque eu fui implorar lá, pra numa reunião da APM, para

eles me arrumarem uma verba, me liberarem uma verba. Consegui convencer os

membros da APM da importância da história da escola, aí eles me liberaram R$

200,00, olha...

Aí nós fizemos lá uns painéis para colocar fotografia. Foi um trabalho de pesquisador

histórico.

Agora é o que eu te falei trabalhar em museu até hoje eu não vi nenhum concurso para

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trabalhar lá (risos) Não escutei nenhum concurso para trabalhar no museu (risos).

Pesquisadora: Você escolheria de novo o magistério?

Wanda: Se eu fosse jovem? (pausa) Não sei (pausa). Porque é uma coisa que frustra

né, não encontrar valorização. E em outro tipo de trabalho talvez eu encontrasse

maior valorização da minha pessoa, do meu trabalho, é frustrante.

Se eu fosse jovem de novo, voltasse no tempo, talvez eu fizesse até outro curso só

para não cair no magistério. Jornalismo, qualquer coisa assim, ou ser jornalista e

dentro do jornalismo eu poderia participar da parte histórica, do patrimônio histórico,

né, quem sabe. Jornal, fazer entrevista, com coisas assim. Eu acho que não voltaria

não. A falta de valorização é muito grande.

Pesquisadora: Para nós encerramos, se você tivesse que resumir seu trabalho, sua

prática no Estado, no Ensino Médio, em uma palavra, qual seria?

Wanda: Minha prática? (pausa)

Pesquisadora: É

Wanda: (pausa) Extenuante, pronto (risos).

Pesquisadora: Porque extenuante?

Wanda: Porque é extenuante o meu trabalho, porque olha... vou te falar... É

extenuante não tem outra definição não.

Nossa é trabalhoso. É o que eu te falei, na minha casa, os meus filhos, no meu

trabalho, é extenuante. Você trabalha muitas horas para a escola, não é uma coisa que

você saiu da escola acabou. Não acaba. Você carrega aquele trabalho para casa. Você

tem que dar prova para os seus alunos, trabalhos, provas, preparar aula, você quer

passar um vídeo você tem que sair da sua casa e alugar o vídeo, sabe aquela coisa?

Você quer passar um filme aí você tem que ir lá buscar, mas agora eu não tenho

tempo, tem que arrumar um tempo para ir à locadora, tem que arrumar um tempo para

separar o material, vou mostrar fotografia, tem que separar, não é? Então é muitas

horas do seu trabalho fora do ambiente de trabalho que você trabalha, é muito

extenuante (risos)

Pesquisadora: Faz tudo isso e ainda ganha pouco?

Wanda: É só R$ 1.000,00. Mil reais. 33 aulas por semana. Todos os dias à noite, de

segunda a sexta.

Pesquisadora: Você dá aula de manhã também?

Wanda: Sim, mas não é todo dia porque a carga maior é à noite, né. São 13 de manhã

e 20 à noite e 13 de manhã, todo dia até as 11:00 horas da noite. E por que à noite?

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Porque ganha mais, por isso que eu faço isso. É a única forma de ganhar mais

dinheiro é trabalhar no noturno por causa do adicional noturno.

Pesquisadora: Existe diferença entre o professor da noite e o professor da manhã?

Wanda: Sim, total. O pessoal da noite a maioria trabalha em empresa, empresa, em

fábrica, escritório, o dia inteiro, então à noite dão umas aulinhas. Então são pessoas

que tem uma outra visão da educação. Muitos acham que aquilo é um bico, vai lá para

fazer um biquinho, não tem comprometimento nenhum. O negócio dele é ir lá fazer o

biquinho dele. Ali é o extra dele, porque o salário dele, o ganha pão dele, a dedicação

é o dia inteiro na fábrica ou no escritório onde ele trabalha.

Pesquisadora: E o trabalho a ser realizado com os alunos é diferente?

Wanda: É diferente porque é o aluno trabalhador, né? Você não pode ficar exigindo,

por exemplo, que ele faça lição de casa. Ele não faz mesmo, um trabalho ou outro eles

fazem, mas se você pedir lição de casa, dedicação, não. Já o aluno da manhã faz, né,

lição de casa, lê um livro. Se você pedir olha eu quero que vocês leiam um livro e

depois eu quero uma resenha desse livro, o aluno da manhã ele lê. O aluno do noturno

não lê mesmo, não lê, não faz lição, é muito difícil um trabalho escrito. Porque eles

estão trabalhando né, muitos chegam até na segunda aula, nem conseguem chegar na

primeira. É bem diferente. A clientela e os professores também.

Tem muita gente à noite que vai lá trabalhar para bico então não tem

comprometimento com a educação, tem isso também. Pessoas que tem uma outra

visão, estão lá para ganhar um extra, então o que der pra ele tá ótimo, entendeu? Ah,

tá bom, eu tô ganhando R$ 1.000.00 aqui à noite, onde eu vou ganhar isso de noite?

É o pensamento de muita gente. Agora eu não, eu não tenho esse pensamento não. Eu

estou lá porque eu trabalho sério. Educar os meus alunos, mas tem bastante gente

folgadinha (risos) infelizmente.

Pesquisadora: Isso contribui para a desvalorização da profissão?

Wanda: Lógico, lógico porque está lá de bico, fazendo biquinho, porque o trabalho

dele mesmo é na empresa. Lá ele se dedica de sangue e alma, entendeu? Trabalhar na

fábrica, o engenheiro. Tem gente lá que é engenheiro e dá aula de matemática na

escola. Eles se matam no emprego deles, trabalhando numa boa empresa e só vai lá

para fazer um bico mesmo, ganhar um troco a mais para ele ir viajar, para comprar um

carro novo.

Pesquisadora: O Estado absorve estas pessoas?

Wanda: Bastante.

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Contrata gente sem faculdade, estudante, que não tem experiência nenhuma em sala

de aula e dá terceiro colegial. Deram um terceiro colegial para um cara lá, professor

estudante, que até outro dia ele trabalhava de escrivão de polícia. Você acha que ele

sabe dar aula? Gente o cara não tinha nada na cabeça e estava dando aula de literatura

para o terceiro colegial. Quer dizer, ele não deu nada de literatura. Um ex-escrivão de

polícia vai saber o quê de literatura? O que é isso?

Então, o Estado, ele não percebe quem ele tá colocando dentro de uma sala de aula.

Gente, que não tem capacidade pra estar ali. Ah, mas ele é estudante, tá ele é

estudante, por isso ele tem que terminar o curso antes de dar aula para o terceiro ano

colegial, antes de dar aula para o segundo ano, mas eles colocam o estudante para dar

aula, pra substituir professora gestante, colocam estudante, colocam qualquer um, sem

experiência, não sabem lidar com a turma, passam bobagem, fala besteira para o

aluno, escreve errado na lousa. Você vê. Você fica chocada com certas coisas.

Falam bobagem sobre história. Português, por exemplo, é muito perto se ele está

falando do Barroco ou do Renascimento ele tem que saber um pouco de História e

como é que um estudante vai saber disso se ele não terminou a faculdade?

Aí fala umas bobagens lá e os alunos vêm me perguntar e eu falo: - Ai meu Deus e

agora o que eu respondo? Que o professor é burro? Eu não posso falar isso. Digo,

então gente, quem sabe ele se enganou... não é assim, é assado... talvez ele se

confundiu... mas você saca que ele não tem experiência, não sabe o que está falando,

não sabe o que está escrevendo na lousa.

Este tipo de gente senta na mesa do conselho e dá nota, aprova e reprova aluno. Sem

ter a devida formação. Pra mim, na minha opinião isso está totalmente errado. Só

deveria repetir um aluno o professor formado, diplomado. Se você é estudante e está

em posição de substituto você não tem direito de reprovar aluno nenhum. Você não

está formado ainda. Qual é a sua capacidade de julgar e avaliar um adolescente, um

aluno?

Eu estou há quinze anos na mesma escola. Estou acompanhando desde a 6ª, 7ª, 8ª,

então eu sei quem são eles, as famílias, os pais, os problemas, não de todos, como eu

te falei. Principalmente aqueles que dão mais trabalho, você sabe, porque aquele que

dá mais trabalho você tem que estar toda hora ali socorrendo, toda hora chamando o

pai e a mãe para vir conversar porque está se comportando mal, então você sabe quem

é a mãe, você sabe quem é o pai. Daí, de repente, aparece um professor do nada, que é

estudante, que nem esse que era escrivão de delegacia de polícia para dar aula de

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literatura, o que é isso? Ele ficou passando vídeo para turma de terceiro colegial... Daí

o que acontece? Esse aluno vai ter a mesma chance de alguém que estudou na escola

particular na hora do vestibular? Claro que não. Então o Estado mesmo discrimina o

aluno do Estado. O governo mesmo que tira a oportunidade das crianças da periferia

de chegarem à faculdade. Aí ficam criando vaga para negro, vaga para pobre. Para

que? Dá a mesma oportunidade de educação para o aluno da escola pública,

particular, o aluno que mora no Morumbi. Tem que dar a mesma chance para ele. Se

você der a mesma chance ele vai disputar de igual para igual. Agora, você bota uma

pessoa dessa sem capacidade dentro da sala de aula no terceiro ano colegial?

Eu já vi coisa de arrepiar o cabelo. De professora de história me falar que teve idade

média no Brasil. Os alunos vieram me perguntar: - Professora é verdade que teve

idade média no Brasil? - Quem falou isso para vocês? - Ah, foi a professora tal. - Ah,

acho que ela se enganou, né? Tem que fazer assim... Porque não estudou, não leu, faz

faculdade de sábado (risos). Não são classificadas, não são qualificadas, ninguém faz

prova. O governo não faz nenhuma prova para contratar ninguém. O que é isso?

Agora eu fiz um exame para trabalhar. Prestei um concurso, tive que mostrar que

sabia e tinha conhecimento. Agora para uma professora que sai de licença gestante

colocam qualquer um e não faz nenhuma prova para saber se aquela pessoa que você

está contratando, mesmo que seja temporário, mas ela vai ficar quatro meses lá...

pensa... é temporário mas é quatro meses... ensinando bobagem pra aluno. É isso que

dá. É por isso que está esta barbaridade aí (risos)

Pesquisadora: Pensando na preservação da sua identidade, a gente não pode deixar

figurar o seu nome, precisamos colocar um outro. Você gostaria de escolher um nome

para figurar no lugar do seu?

Wanda: Não. Deixe o meu mesmo. Eu não falei nada demais, nada que possa me

comprometer.

Pesquisadora: Mas por questões éticas eu preciso alterar o seu nome. Posso escolher

um outro?

Wanda: Pode. Você que sabe.

Pesquisadora: Então, eu acredito que podemos encerrar por aqui. A sua entrevista foi

de grande contribuição para o meu trabalho. Muito obrigada.

Wanda: Eu é que agradeço.

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INTRODUÇÃO

Não é possível que pesquisadores, formadores de professores, e governo queiram dizer o que é melhor para a prática dos professores sem antes escutar o que eles têm a dizer e mostrar.

(Machado, 2001 citado por Murta, 2004,

p.112)

O panorama educacional brasileiro expresso pelos resultados do relatório Pisa,

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, de 2000, não deixa dúvidas sobre

a baixa qualidade da educação produzida nas escolas do país. Os dados dessa

avaliação demonstram que os alunos brasileiros são péssimos em competência leitora,

mal chegando à localização da informação explicitada num texto.

O Pisa busca focalizar a avaliação de letramento em leitura no contexto de

situações cotidianas, ou seja, se os jovens com 15 anos, que concluíram ou estão perto

de concluir o ensino obrigatório, sabem não apenas ler, mas, sobretudo, se sabem

aplicar seus conhecimentos e habilidades em contextos diários, à medida que fazem a

transição para a vida adulta. Observa-se que as habilidades em letramento são

essenciais para a integração social e o desenvolvimento pessoal dos indivíduos.

Infelizmente, os resultados dessa avaliação, que tem caráter qualitativo,

apontam que grande parte dos alunos não consegue interpretar, analisar e

compreender o sentido amplo de um texto. Essa fonte de dados demonstra que o

Brasil ficou em último lugar entre 32 países avaliados pela OCDE, Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômicos.

Em face do exposto, muitos pesquisadores se perguntaram: como explicar a

baixa qualidade do ensino brasileiro? Que fatores a compõem? Como intervir nesse

panorama?

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Segundo Patto (1990), as práticas escolares - na tentativa de oferecer

explicações para tal fenômeno - estão sendo pesquisadas desde a década de 1930. A

prática do professor, especificamente, tem sido explorada com mais intensidade desde

a década de 1980 (Rego, 1994).

Diferentes autores apresentaram diferentes respostas. Há quem procure

explicar o fenômeno do fracasso escolar pela via da reflexão sobre as características

do aluno; outros questionaram essa explicação. Há também quem reflita sobre a

formação pedagógica inadequada do professor. Inaugurando uma nova tendência de

pesquisas, a partir da década de 1990, houve pesquisadores que buscaram entender e

analisar as características do professor. Tais aspectos serão vistos mais

detalhadamente no capítulo 2.

As reflexões feitas neste trabalho se identificam com as perspectivas traçadas

por esses últimos pesquisadores. Pretende-se dar voz ao professor para saber o que ele

tem a dizer sobre o sentido que atribui ao próprio trabalho.

Entende-se que dar voz ao professor para que ele fale de si mesmo é

fundamental a medida que proporciona o conhecimento da pessoa humana que há por

trás da figura do profissional; pessoa com voz, desejos, angústias e frustrações. Nas

palavras de Kramer (2003, p. 10) “vozes nascidas da prática cotidiana, feitas de

contradições e recusa, de esperança e resistência, de busca”.

Tem-se como pressuposto que os sentidos atribuídos pelo professor à sua

profissão são determinantes para a atuação cotidiana desse profissional.

González Rey (2003, p. 245) sustenta essa afirmação:

(...) é a emoção que define a disponibilidade dos recursos subjetivos do sujeito para atuar, o que é, em si mesmo, um sentido subjetivo que aparece por meio de emoções que expressam a síntese complexa de um conjunto de estados sobre os quais o sujeito tem ou não consciência, mas que são essencialmente estados afetivos, que historicamente têm se definido por categorias como auto-estima, segurança, interesse, etc., que são estados que definem o tipo de emoção que caracteriza o sujeito para o desenvolvimento de uma atividade e dos quais vai depender muito a qualidade da realização do sujeito nessa atividade.

Assim, ao entender o sentido dado pelo professor à sua atuação, que se dá

situada num contexto histórico e social, é possível ter indícios para a compreensão do

complexo fenômeno do fracasso escolar. Sabe-se que a compreensão de tal fenômeno

envolve diversas áreas do conhecimento além da análise de um panorama político,

econômico e social, aspectos que não serão abordados neste estudo. O que se pretende

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com este trabalho é oferecer uma nova alternativa de compreensão, que embora

parcial, possa contribuir para a visão do todo.

Este estudo pode contribuir também para a realização de projetos de

intervenção e trabalho junto a professores, além de oferecer contribuições acerca dos

aspectos que compõem a relação professor aluno.

A literatura voltada ao estudo da prática docente também aponta a necessidade

em se dar voz ao professor como alternativa para a compreensão do fracasso escolar.

Mantovanini (2001), autora de interessante estudo com quatro professores do

Ensino Fundamental I, constatou que os professores se sentem solitários e perdidos no

exercício de suas funções. Criticados pela mídia e pelas universidades que elaboram

pesquisas, destituindo-lhes a capacidade de transmissão do saber, os professores se

vêem como incompetentes e acabam por prever-se como profissionais de pouco

sucesso.

(...) Não que o professor não tenha consciência de suas faltas e não saiba que parte do problema do fracasso da aprendizagem de seus alunos encontra-se em suas mãos: ele sabe e deprime-se, pois se sente incapaz e impotente para sanar essas faltas, já que não possui recursos institucionais para superar essa situação de desamparo profissional (p.160).

Ao sentirem-se profissionais de pouco sucesso, os professores acabam por

gerar o insucesso de seus alunos, círculo vicioso denunciado pela autora, em que o

fracasso de um acaba por alimentar o fracasso do outro.

Meira (2003) também aponta a necessidade de estudos que visem a

compreensão da subjetividade do professor. “(...) É preciso compreender como eles

se apropriam de seu trabalho e o sentido pessoal que atribuem a sua ação educativa,

porque essa compreensão pode ser um ponto de partida para transformações

significativas” (p. 51).

Kramer (2003) ressalta a distância entre o que é produzido sobre a escola e a

escola real, concreta, ao demonstrar também a relevância em se dar voz ao professor

para que ele fale de si e de sua prática. Nas palavras da autora,

(...) é imensa a defasagem entre o que - das universidades, das secretarias de educação ou de diferentes órgãos públicos e fundações - falamos ou escrevemos para professores e aquilo que transparece da escola e das salas de aula na prática desses mesmos professores. E brutal é a diferença entre o que deles ou para eles falamos e o que - no acontecer diário - eles fazem e de si falam (p.11).

Considerando a expansão e a obrigatoriedade da educação básica impostas

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pela LDB 9.394/96, que ocasionou um aumento quantitativo na permanência dos

alunos no Ensino Médio, observa-se que esse nível de ensino tem surgido, nos

últimos anos, como alvo de estudos e pesquisas para o meio acadêmico, em oposição

ao grande número de pesquisas já realizadas privilegiando a Educação Infantil e o

Ensino Fundamental.

Assim, a proposta deste estudo elegeu como sujeito o professor de ensino

médio da escola pública, que se pautou pela evidência de que a maior parcela da

população brasileira em idade escolar estuda na rede oficial de ensino.

O referencial teórico escolhido foi a teoria sócio-histórica proposta por Lev

Vygotsky e seus colaboradores. Ela entende o desenvolvimento humano como fruto

de uma relação constante entre os aspectos inatos que constituem o indivíduo - o que

é herdado biologicamente - e o contato estabelecido com o social. O desenvolvimento

do indivíduo, para Vygotsky, dá-se mediante uma interação dialética do homem com

seu contexto histórico e social.

Essa teoria entende que o homem é constituído e constituinte do meio que o

cerca. “Indivíduo e sociedade vivem uma relação na qual se incluem e se excluem ao

mesmo tempo (...) Entendemos, dessa forma, que indivíduo e sociedade não mantêm

uma relação isomórfica entre si, mas uma relação onde um constitui o outro” (Aguiar

e Ozella, 2005, p.5).

Portanto, o homem não é mera transposição do que lhe é dado socialmente;

mas, por suas ações, modifica e transforma o social, internalizando-o em psicológico,

o que, por sua vez, constitui sua subjetividade.

Molon (2003) define subjetividade como a fronteira entre o público e o

privado, ou seja, ela é constituída na relação com o outro e consigo mesmo.

Assim, ser reconhecido pelo outro é ser constituído em sujeito pelo outro, na medida em que o outro reconhece o sujeito como diferente e o sujeito reconhece o outro como diferente. Eu me torno o outro de mim e me constituo a partir do outro. Então, subjetividade significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e do eu (p. 120).

A subjetividade não existe como algo acabado, pronto, imutável em si, mas é

permanentemente constituinte e constituída; está na interface entre o psicológico e as

relações sociais, realizando-se na dialética eu-outro mediante um processo histórico e

social. Em síntese, o mundo é um local de produção de subjetividade.

Neste estudo, esse mundo contém as dificuldades que o professor enfrenta no

seu dia-a-dia profissional, um mundo que fala e critica esse professor, que o

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transporta para um lugar social repleto de expectativas satisfeitas ou não, em que ele

se insere, interage e se constitui como pessoa humana.

À luz da teoria sócio-histórica, a compreensão do sentido está necessariamente

vinculada à compreensão da subjetividade do sujeito. Nas palavras de González Rey

(2002, p. 36),(...) a subjetividade é um sistema complexo de significações e sentidos subjetivos produzidos na vida cultural humana, e ela se define ontologicamente como diferente dos elementos sociais, biológicos, ecológicos e de qualquer outro tipo, relacionados entre si no complexo processo de seu desenvolvimento.

A estrutura deste estudo obedece a seguinte organização.

O primeiro capítulo apresenta o referencial teórico baseado no legado de

Vygotsky e seus colaboradores, com ênfase nos conceitos de sentido e significado. O

segundo capítulo traça um panorama histórico e social no qual se realiza o trabalho

docente. O terceiro explicita o método escolhido. O quarto analisa e discute os dados

coletados em campo. Por último apresentam-se as considerações finais.

1. COMPREENDENDO O SENTIDO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA

SÓCIO-HISTÓRICA

É impossível ao homem não significar. A significação faz parte da atividade humana. Diz-se que o homem busca sentido, atribui sentidos. Sempre. Mesmo no absurdo, no non-sense, o qual emerge como decorrente de uma certa lógica do sentido.

(Smolka, 2004, p. 35)

A psicologia sócio-histórica de Vygotsky tem bases no pensamento

materalista histórico-dialético de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-

1895), que encara o desenvolvimento do homem segundo uma concepção de

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organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num contexto

histórico e essencialmente social.

O objetivo central da teoria vygotskyana é “caracterizar os aspectos

tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas

características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem

durante a vida de um indivíduo” (Vygostky, 2003, p.25).

Vygotsky chamou os aspectos tipicamente humanos de funções psicológicas

superiores - capacidade de planejamento, memória voluntária, imaginação, atenção,

pensamento, percepção e linguagem, processos considerados superiores porque se

referem a mecanismos intencionais, ou seja, ações voluntárias e conscientemente

controladas pelo indivíduo.

No entanto, essas funções psicológicas superiores não são inatas, mas

originadas das relações entre os indivíduos ao longo do processo de internalização das

formas culturais de comportamento, em oposição às funções psicológicas inferiores,

que se constituem em reações reflexas e automáticas de origem biológica (Vygotsky,

1998).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores se processa mediante

uma construção que envolve os aspectos inatos - funções psicológicas inferiores - e o

processo de socialização. Por esta razão, não são funções que aparecem de forma

repentina, da mesma forma que não são dadas a priori. Elas são mediadas e

apresentam uma natureza histórica. Nas palavras de Vygotsky (2003, p. 75) “Todas

as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos”.

Nota-se, assim, uma visão de desenvolvimento enquanto resultado da

interação dialética entre o homem e seu contexto histórico e social.

Para explicar a relação entre as funções psicológicas inferiores e superiores,

Molon (2003, p.90) atribui às funções psicológicas superiores uma natureza de

operações psicológicas qualitativamente novas e mais elevadas. Esclarece o princípio

da superação afirmando que,

(...) as funções psicológicas inferiores não são liquidadas no sentido de deixar de existir, mas sim incluídas; são transformadas e conservadas nas funções psicológicas superiores, como uma dimensão oculta. O nível inferior não acaba quando aparece o novo, mas é superado por este, é negado dialeticamente pelo novo, passando a existir no novo.

A relação dialética do homem com seu mundo social é sempre mediada pelos

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instrumentos e sistemas de signos, dos quais a linguagem é o principal. Cultural e

historicamente construídos pela capacidade de simbolização do homem, esses

instrumentos e signos são os atributos que o diferenciam das outras espécies animais.

A linguagem é um sistema de signos usada para o homem realizar suas ações e dar

significado às coisas.

É fundamentalmente através da mediação realizada pela linguagem que o

indivíduo apropria-se da cultura que o cerca. Um adulto apresenta o mundo para um

bebê usando-se da linguagem, nomeando objetos e dirigindo sua atenção para os

estímulos oferecidos pelo ambiente. Assim, a linguagem não nasce com a criança,

mas esta se apropria dela, num processo que vai de fora para dentro, ou seja, do nível

interpsíquico para o nível intrapsíquico.

Para Vygotsky (2003, p.75), “todas as funções no desenvolvimento da criança

aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual;

primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança

(intrapsicológica)”, razão pela qual, no sujeito, tudo o que é intrapsicológico foi antes

interpsicológico.

Entretanto, não é só por seu caráter mediador que a linguagem ganha destaque

na teoria vygotskyana; ela também é fundamental na construção e organização do

pensamento da criança.

Ao descrever a relação entre pensamento e linguagem - um dos temas mais

complexos dessa teoria -, Vygotsky mostra o processo de conquista de utilização da

linguagem como instrumento de pensamento, que evidencia o modo pelo qual a

criança interioriza os padrões de comportamento fornecidos por seu grupo cultural

como algo dinâmico e não linear. De maneira simplificada, a relação entre

pensamento e linguagem na teoria vygotskyana pode ser entendida da seguinte forma:

Primeiro, a criança possui uma fala socializada, ou seja, que permite a

interface dela com os outros e tem a função de comunicação. Num segundo momento,

a criança passa a ter uma fala egocêntrica, isto é, ela fala sozinha, organizando seu

pensamento. É um momento de internalização da fala pela criança. Por fim, num

terceiro momento, a fala passa a ser interior, ou seja, já se internalizou na criança no

plano simbólico.

Em resumo, “a linguagem interior é uma linguagem para si. A linguagem

exterior é uma linguagem para os outros” (Vygotsky, 2001, p.425).

Mediante esse esquema - fala socializada-fala egocêntrica-fala interior -,

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Vygotsky mostra que o desenvolvimento humano parte do social para o individual, o

que se dá graças à importância da cultura na constituição do sujeito.

Uma vez mencionada essa fala interior que é internalizada pela criança, faz-se

necessário definir outro conceito importante na teoria de Vygotsky. Nas palavras do

autor:

“Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação

externa”. (Vygotsky, 2003, p. 74), ou seja, é um processo ativo no qual o indivíduo

apropria-se do social de uma forma particular. Processo ativo, porque, ao mesmo

tempo que o indivíduo se integra no social, ele é capaz de posicionar-se frente ao

mesmo, ser seu crítico e seu agente transformador.

Em síntese, trata-se de uma teoria que explica o desenvolvimento do homem

como um ser ativo. Esse desenvolvimento é resultado de um processo contínuo

baseado na relação dialética que o indivíduo estabelece com o contexto histórico e

social. É contínuo em sentido não linear e considerado como algo inacabado que dura

da concepção até a morte.

Essa relação dialética que o indivíduo estabelece com o contexto social é

mediada pela linguagem, instrumento que permite ao homem apreender o mundo -

sócio-histórico-cultural - ao seu redor.

Por organismo ativo que estabelece uma relação dialética com o social,

entende-se um homem que é constituído e constituinte do mundo que o cerca, de

modo a não ser mera transposição do que lhe é dado socialmente. O homem, mediante

seus atos, modifica e transforma o social, internalizando-o em psicológico, o que, por

sua vez, constitui sua subjetividade.

Para retomar a relação entre pensamento e linguagem, é oportuno esclarecer os

conceitos de significado e sentido, do ponto de vista da teoria sócio-histórica. Para

Vygotsky (2001, p.409), “o pensamento não se exprime na palavra, mas nela se

realiza”, o que permite compreender o pensamento mediante a apreensão da palavra,

que contém em si significado e sentido.

O significado semântico da palavra corresponde às relações que ela pode

encerrar; no campo psicológico, no entanto, trata-se de uma generalização, um

conceito.

A palavra desprovida de significado não é palavra, é um som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. É a própria palavra vista no seu aspecto interior (...) do ponto de vista psicológico, o significado da palavra não é senão uma generalização ou conceito. Generalização e significado da palavra são sinônimos. Toda generalização,

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toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível de pensamento. Conseqüentemente, estamos autorizados a considerar o significado da palavra como um fenômeno de pensamento (Ibidem, p. 398).

Luria apresenta a mesma compreensão de significado. “Por significado

entendemos o sistema de relações que se formou objetivamente no processo histórico

e que está encerrado na palavra. (...) O ‘significado’ é um sistema estável de

generalizações, que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as

pessoas” (2001, p.45).

Observa-se, então, que o significado é construído pelos indivíduos ao longo da

história da humanidade com base nas relações deles com o mundo social em que

vivem. Ele tem a função de permitir a comunicação e socialização de experiências. O

significado das palavras é socializado para que possa ser apropriado pelos sujeitos e

configurados a partir de suas próprias subjetividades.

Vygotsky (2001, p.399) ressalta o caráter mutável do significado.

Os significados das palavras se desenvolvem. (...) o significado da palavra, uma vez estabelecido, não pode deixar de desenvolver-se e sofrer modificações. A associação que vincula a palavra ao significado pode ser reforçada ou debilitada, pode ser enriquecida por uma série de vínculos com outros objetos da mesma espécie, pode, pela aparência ou contigüidade, estender-se a um círculo mais amplo de objetos ou, ao contrário, pode restringir esse círculo. Noutros termos, pode sofrer uma série de mudanças quantitativas e externas, mas não pode mudar a sua natureza psicológica interior, uma vez que, para tanto, deveria deixar de ser o que é, ou seja, uma associação.

Portanto, os significados produzidos pelo homem são formações dinâmicas

que se transformam no movimento histórico e social.

O sentido, por sua vez, segundo Vygotsky, é mais amplo que o significado.

Apropriando-se da formulação de Paulham, Vygotsky afirma que “o sentido de uma

palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa

consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa,

que tem várias zonas de estabilidade variada” (2001, p.465).

E mais adiante complementa.

(...) o sentido da palavra é inesgotável. A palavra só adquire sentido na frase, e a própria frase só adquire sentido no contexto do parágrafo, o parágrafo no contexto do livro, o livro no contexto de toda a obra de um autor. O sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência e relacionados àquilo que está expresso por uma determinada palavra (Ibidem, p. 466).

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Em consonância com o expresso por Vygotsky, Luria (2001, p.45) assim se

manifesta.

Por sentido, entendemos o significado individual da palavra, separado deste sistema objetivo de enlaces; este está composto por aqueles enlaces que têm relação com o momento e a situação dados. (...) designa algo completamente diferente de pessoa para pessoa e em circunstâncias diversas.

Para Luria (2001) a palavra possui um significado que é formado ao longo da

história e que se conserva para todas as pessoas. Porém, junto com o significado da

palavra existe um sentido que é dado por cada pessoa de acordo com suas vivências

individuais.

Assim, percebe-se que o sentido habita um plano mais próximo da

subjetividade, um plano que permite ao sujeito expressar seus aspectos cognitivos e

afetivos.

O sentido das palavras é resultante e resultado do confronto entre os

significados sociais vigentes e a vivência de cada sujeito particular. Os sentidos são

construções do indivíduo, resultado da relação dialética que ele estabelece com o

contexto histórico e social. A produção de sentido é subjetiva, uma vez que

compreende emoções, afetos, sentimentos de prazer e desprazer, entre outros.

Em síntese, é possível dizer que cada pessoa constrói, em sua trajetória de

vida, sentidos individualizados, resultado de uma relação dialética entre os estímulos

fornecidos pelo social e seus conteúdos pessoais internos, suas emoções, seus afetos e

sua imaginação.

O sentido é pessoal, embora seja constituído a partir do significado, que é

social.

Os sentidos são entendidos como unidades constitutivas da subjetividade nos

quais estão implicadas as experiências de vida, os relacionamentos, afetos e emoções

que motivam o comportamento de cada pessoa.

Este trabalho procura investigar os sentidos atribuídos pelo professor à sua

profissão. Ao investigar tal categoria, obtêm-se informações a respeito das emoções e

sentimentos - que, por sua vez, compõem a subjetividade - do professor em face de

sua atuação, uma vez que, segundo González Rey (2003, p. 235), o sentido está

implicado de tais características.

O sujeito é sujeito do pensamento (...) de um pensamento entendido como processo de sentido, ou seja, que atua somente por meio de situações e conteúdos que implicam a emoção do sujeito. (...) O pensamento se define

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como um processo psicológico, não somente por seu caráter cognitivo, mas por seu sentido subjetivo, pelas significações e emoções que se articulam em sua expressão, que não é automática, mas construída pelo sujeito mediante complexos desenhos intencionais e conscientes, nos quais também não se esgota seu caráter subjetivo.

Pressupõe-se que o professor direciona sua prática de acordo com o

significado e os sentidos que ele atribui a ela, sentidos esses expressos em palavras,

que se constituem em fenômenos do pensamento, os quais, por sua vez, estão

permeados de sentimentos e emoções.

Na ação do sujeito se expressa de forma constante a processualidade da subjetividade individual, elemento essencial para compreendê-la como sistema em constante desenvolvimento, com uma organização que não atua como determinante externo da experiência nem das ações do sujeito que a expressa, senão como momento essencial na produção de sentidos e significados que acompanham a ação do sujeito com freqüência de forma inconsciente (Ibidem, p. 235).

Assim, pode-se dizer que a emoção caracteriza o estado do sujeito em face de

qualquer ação, ou seja, toda ação está estreitamente associada à emoção.

Diante do exposto é possível dizer que o significado socialmente atribuído à

profissão docente é internalizado pelo professor, uma vez que ele exige o

reconhecimento do outro para se constituir, num processo de relação dialética.

Com isso pode-se afirmar que o lugar determinado socialmente para a

profissão do professor é internalizado por ele de forma que os sentidos subjetivos que

ele atribui à sua atuação estão sendo dialeticamente influenciados por tal significação.

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2. O PANORAMA SÓCIO-HISTÓRICO EM QUE SE DÁ A PRÁTICA DOCENTE

(...) a relação entre o homem e a sociedade é de mediação recíproca, o que significa que os fenômenos psicológicos só podem ser compreendidos em seu caráter histórico e social.

(Meira, 2003, p. 19)

2.1 - Educação: um campo multiexplorado pelo universo acadêmico

Não é possível falar da prática docente de forma isolada, uma vez que ela se

processa num contexto social, político e econômico.

Primeiramente, este capítulo abordará o panorama educacional em que se

concretiza a prática dos docentes brasileiros.

São públicos e notórios os baixos níveis de qualidade da educação produzidos

pelo ensino do país cujos dados já foram mencionados. No entanto, esse panorama de

baixa qualidade não é recente, uma vez que se arrasta há várias décadas.

Ao comentar os dados do IBGE/PNAD, Souza (2005, p.225) demonstra que,

na década de 1920, o percentual de brasileiros analfabetos era de 65% contra 12%

registrados para o ano de 2002. Quantitativamente, houve uma drástica redução. No

entanto, esses 12% representam, hoje, 15,5 milhões de analfabetos jovens e adultos.

Somados a esses 15,5 milhões, há ainda 35 milhões de brasileiros analfabetos

funcionais - pessoas que passaram pelo ensino fundamental, mas que não conseguem

entender o que lêem.

Considerando o alto percentual de analfabetos na década de 1920, é oportuno

salientar que, desde a década de 1930, o meio acadêmico vem produzindo estudos

voltados para a compreensão do panorama educacional brasileiro. Naquela

oportunidade já se registravam números esmagadores de evasão e repetência no

primeiro ano do curso primário. Entre o primeiro e o segundo ano do curso primário,

aliás, registrava-se um ponto de estrangulamento do sistema educacional brasileiro,

com altos índices de reprovação escolar - 53,52%, em 1936, e 52,83%, em 1938

(Patto, 1990).

Desde então tem crescido o número de pesquisas na área das ciências

psicológicas e educacionais, voltadas mais propriamente para a compreensão do que

hoje chamamos fenômeno do fracasso escolar. Na tentativa de entender o tal fracasso,

a escola passou a ser um alvo de estudos extremamente rico. Buscou-se conhecê-la

sob diversos pontos de vista, dentre os quais destacam-se os trabalhos sobre a

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instituição escolar, as figuras do aluno e do professor. São tentativas de conhecer o

cotidiano escolar, a prática pedagógica e a produção de conhecimento nessa

instituição (Valente e André, 1998).

Um importante trabalho, datado da década de 1980, é o livro A produção do

fracasso escolar: uma história de submissão e rebeldia, da pesquisadora Maria Helena

Souza Patto (1990). No livro a autora denuncia um perverso movimento de

culpabilização do aluno a quem são atribuídas todas as razões pelo insucesso da

escola.

As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pobre decorrem de suas condições de vida. Este pressuposto, bem como várias afirmações derivadas, encontra-se em plena circulação no pensamento educacional, o que mostra que ainda estamos sob influência da teoria da carência cultural, em sua versão que afirma a presença de deficiências ou distúrbios no desenvolvimento das capacidades e habilidades psíquicas da clientela. Este postulado tem sido um dos princípios norteadores da maneira atual de pensar os problemas da escola e sua solução (1990, p.121).

No capítulo destinado às conclusões do trabalho, a autora explicita

A inadequação da escola decorre muito mais de sua má qualidade, da suposição de que os alunos pobres não têm habilidades que na realidade muitas vezes possuem, da expectativa de que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em vários sentidos adversas à aprendizagem, tudo isso a partir de uma desvalorização social dos usuários mais empobrecidos da escola pública elementar. É no mínimo incoerente concluir, a partir de seu rendimento numa escola cujo funcionamento pode estar dificultando, de várias maneiras, sua aprendizagem escolar, que a chamada “criança carente” traz inevitavelmente para a escola dificuldades de aprendizagem. (ibidem, p. 340).

É interessante observar que esse movimento ainda perdura nos dias de hoje.

Os estudos de Pitombo e Pugliese (2003) e Osti (2004) demonstram resultados

semelhantes aos de Patto, realizado há quase duas décadas. Os citados trabalhos

também apontam para um movimento circular de explicação do fracasso escolar pela

via da culpabilização do aluno; entretanto, esse não foi o único movimento de

pesquisas existente, uma vez que outros pesquisadores tentaram olhar o fenômeno sob

outros ângulos, como é o caso dos trabalhos de Rego (1994) e Basso (1998).

Rego (1994) realizou uma pesquisa cujo objetivo era identificar como os

professores concebem a origem das diferenças individuais do ser humano. O

pressuposto da autora é de que tal conhecimento influencia diretamente a atuação

destes em sala de aula.

A pesquisa foi realizada com 172 professores que, durante a coleta de dados,

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feita mediante um exercício de redação, participavam de um curso de formação

continuada na área de linguagem escrita.

Os professores atribuem a origem das diferenças individuais humanas a

aspectos inatistas; outros, a aspectos ambientalistas; e outros, na sua maioria, a

interacionistas. Os que optam pela postura interacionista não compreendem o homem

como ser histórico e social, que transforma e é transformado pelas relações sociais

produzidas em uma determinada cultura. Para eles, interacionismo é a somatória de

aspectos inatos e adquiridos, sendo a realidade vista como estática e imutável. As argumentações utilizadas pelo grupo de educadores pesquisados parecem indicar que lhes faltam informações e um conhecimento mais aprofundado sobre a questão das relações entre aprendizado e o desenvolvimento do ser humano. Demonstram um discurso fortemente marcado pelos mitos, dogmas e valores do senso comum. Parecem não conseguir romper e superar os limites da intuição: não só não recorrem as formulações teóricas já sistematizadas como nos dão a impressão que as desconhecem. (p. 238).

O estudo de Basso (1998) visa compreender a atuação docente no intuito de

obter orientadores para o trabalho de formação inicial e continuada de professores.

Para tanto, orientou-se pela seguinte questão: “como propiciar ao professor uma

formação inicial e continuada (no trabalho) que resulte em real mudança da prática

hoje predominante na escola pública?” (p.2).

As respostas se constituíram numa interessante constatação de que os cursos

de formação de professores devem trabalhar de modo a incluir em seus currículos a

compreensão do significado da atividade docente.

Poderíamos responder que a mudança depende, em grande parte, de uma formação adequada do professor e do entendimento claro do significado e do sentido do seu trabalho. Pode parecer óbvia essa resposta, mas ela torna-se um problema quando se tenta viabilizar ações concretas. (...) De qualquer forma, a compreensão do significado da prática docente deve ser promovida pelas instituições responsáveis pela formação inicial e continuada de professores (p.4).

Essa compreensão aponta um outro culpado para o fenômeno do fracasso

escolar - o professor -, sob a alegação de que eles carecem de formação pedagógica

adequada.

Observando os dois “culpados” mencionados, percebe-se uma interessante

inversão. Num primeiro momento, as pesquisas culpam os alunos pelo fracasso da

escola. Noutro, as pesquisas apontam o professor como o grande culpado por esse

fracasso. O alvo das críticas passa do aluno para o professor.

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À luz da teoria sócio-histórica, o homem é fruto da relação dialética que

estabelece com o contexto social, razão pela qual pode-se afirmar que a atuação e a

constituição do professor como pessoa são influenciadas - favorável e

desfavoravelmente - pelo que socialmente se pensa e se fala dele. O mesmo

movimento também pode ser percebido em relação ao aluno.

A prática docente se situa, pois, num campo multiexplorado, permeado de

tentativas de compreensão e explicação do fenômeno do fracasso escolar. Nelas

atribui-se um perfil desfavorável para o professor - profissional com formação

inadequada -, que, supõe-se, influencia dialeticamente sua constituição como pessoa

humana e, conseqüentemente, como profissional.

No entanto, a própria divulgação das pesquisas mencionadas revelou a alguns

pesquisadores que existe uma pessoa por trás da figura profissional do professor. Esse

fato inspirou uma nova vertente de pesquisas em educação, na tentativa de se buscar

um novo ângulo para a compreensão do fenômeno do fracasso escolar.

Segundo Nunes (2001, p. 2) especialmente na década de 1990, inaugurou-se

uma tendência de pesquisas preocupadas em dar voz ao professor, a partir da análise

de suas trajetórias e histórias de vida. Nunes (2001, p. 2) citando Nóvoa (1995) coloca

que

esta nova abordagem veio em oposição aos estudos anteriores que acabavam por reduzir a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal. Esta virada nas investigações passou a ter o professor como foco central em estudos e debates, considerando o quanto o “modo de vida” pessoal acaba por interferir no profissional.

Inserida nessa nova tendência de pesquisa, Mantovanini constata:O professor discrimina seus alunos problema na mesma proporção e violência em que é, e se sente, discriminado. Coloca o amparo a essas crianças para fora dos muros da escola não somente por um preconceito ideológico, mas porque se sente, de fato, incapaz de ajudá-las. Quanto mais aumentam as fileiras dos fracassados, menos o professor acredita que seu trabalho tenha algum tipo de importância ou condição de alterar a situação. A nossa sociedade desprezou tanto o trabalho docente, que infelizmente muitos professores passaram a acreditar que valem o reduzido salário que ganham e que pouco têm a oferecer aos seus alunos (2001, p. 162).

Nessa mesma linha, os trabalhos de Madeira (2000) e Narvaes (2004)

sublinham as vozes docentes ouvidas pelos pesquisadores.

Ao investigar as representações sociais dos professores do ensino fundamental

I sobre a própria profissão, Madeira (2000, p. 12) apresenta professores que sentem

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seu trabalho socialmente desvalorizado, em razão dos baixos salários bem como da

instabilidade e precariedade das condições de trabalho.

Narvaes (2004) publicou dados de uma pesquisa em andamento na época cujo

objetivo era investigar as imagens e significações atribuídas ao trabalho docente. Para

tanto, trabalhou com nove professoras já atuantes no mercado de trabalho em

diferentes momentos de carreira. Embora as participantes da pesquisa fossem

professoras atuantes elas cursavam pedagogia. Os dados referem-se a uma população

de municípios pertencentes ao interior do estado do Rio Grande do Sul. A autora

encontrou como dados que para a grande maioria das participantes da pesquisa a

escolha pela profissão foi influenciada pela família ou por condições sócio-

econômicas. Nem sempre a escolha pelo magistério foi posta como primeira opção.

Com relação aos sentidos atribuídos à profissão docente a autora coloca que

estes se expressam pelas palavras amor e doação. Relaciona tal dado ao fato de que

muitas vezes a docência é associada a uma questão de gênero, sendo que o feminino

possui no imaginário cultural uma representação da mulher como sendo naturalmente

inclinada ao cuidado de crianças (idem, p. 53).

Outro sentido encontrado refere-se ao aspecto de transformação social

atribuído à profissão (idem, p. 54). Este tópico é pouco analisado pela autora. Os

dados são articulados apenas com o fato de que as professoras pesquisadas advém de

classes baixas da população e que o curso universitário lhes proporcionou uma

elevação de nível cultural em relação à família de origem.

Para compreender os fatores que causam mal-estar nos docentes em relação à

sua profissão, Esteve (1999) realizou um estudo com professores espanhóis, do qual

se pode fazer uma interessante constatação: caso suas informações não estivessem

disponíveis, o leitor poderia facilmente pensar tratar-se de um estudo realizado em

escolas brasileiras.

Dentre outras reclamações, os espanhóis queixam-se dos baixos salários, da

sobrecarga de trabalho e do baixo status social atribuído à profissão. Citando Litt e

Turk (1985), Esteve (1999) menciona que as maiores causas de estresse e da

insatisfação dos professores estão nos “salários inadequados e do baixo status social

do que dos problemas relacionados ao trabalho do professor em sala de aula, como

é o caso do mau comportamento dos alunos” (p. 35), para acrescentar, mais adiante o

autor coloca,

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(...) os professores percebem os problemas que se produzem no interior da sala de aula como inerentes a seu próprio trabalho, a que enfrentam, geralmente, sem lhes conceder um significado especialmente traumático; enquanto que os problemas referentes à consideração social de seu trabalho, a crítica radical a seus modelos de educação e o clima que rodeia a instituição de ensino, particularmente com respeito a suas relações com os administradores, ao serem questões que os afetam profundamente, mas que não têm capacidade de dominar, propõem-lhes uma autêntica crise de identidade na qual os educadores questionam o sentido de seu próprio trabalho, e inclusive a si mesmos. (p. 35)

Dados semelhantes foram encontrados por recente pesquisa nacional realizada

pela Unesco (2004), com o objetivo de traçar um perfil dos professores brasileiros

atuantes na educação básica. Um terço dos professores pesquisados declaram-se

pobres, com renda entre dois e dez salários mínimos. A grande maioria deles

considera-se pertencente à classe média baixa.

Outro dado expressivo diz respeito aos 81,3% dos pesquisados serem

mulheres, contra 18,6% de homens. Do total de professores pesquisados apenas

29,7% consideram-se chefes de família, papel que, segundo eles, cabe ao cônjuge ou

parceiro, ou, em alguns casos, aos filhos.

Dos professores que ganham entre 10 e 20 salários ou mais, 43,5% atuam na

rede particular; apenas 27% deles são professores da rede pública de ensino.

Romero (1996) dá indícios de que a desvalorização social da profissão docente

bem como dos baixos salários pagos a esses profissionais é resultado de uma

construção social que vem se solidificando desde os tempos do Brasil Colonial.

Em levantamento histórico da profissão docente no Brasil, Romero (1996)

esclarece que, ao longo dos anos, principalmente no período do Brasil Colonial e

Imperial, a profissão foi sendo absorvida por mulheres predominantemente oriundas

de classes sociais baixas. Citando Pessanha (1994, p. 12) Romero (1996, p. 10)

destaca que “a profissão de professora era desejável para mulheres de determinada

classe social, no caso mulheres pobres e sem família, com uma perspectiva de, se

não ascendessem socialmente, pelo menos não decaíssem para um meio de vida não

decente”.

Dentro dessa idéia da desvalorização da profissão docente como uma

construção social, Romero (1996), coloca que as primeiras escolas eram destinadas

apenas aos homens. Com a Constituição promulgada em 1824, a escolarização passou

a ser direito de todos. Entretanto, as mulheres continuaram a ser discriminadas e

obrigadas a freqüentar escolas femininas que privilegiavam o ensino de trabalhos

manuais em detrimento da leitura, escrita e aritmética. Os homens, por sua vez,

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recebiam educação científica, uma vez que, segundo crendice daquela época, eram

dotados de superioridade intelectual. Assim, eles estavam capacitados ao exercício

adequado do magistério.

Com o avanço do capitalismo e a expansão da industrialização, os homens

evadiram-se da profissão docente, deixando para as mulheres essa profissão que

passou a perder prestígio, status social e remuneração satisfatória.

Enquanto para o homem o trabalho significava a realização pessoal, a responsabilidade de prover o sustento de si mesmo e da família, para a mulher prevaleciam as responsabilidades domésticas, sendo muito comum atribuir ao seu trabalho profissional, um caráter místico de “dar-se” ou de “servir”; num mercado de trabalho que requeria crescente especialização de mão-de-obra, as atividades baseadas nessas características eram consideradas não profissionais.Restava à mulher a profissão de professora, pois ela “aceitava” essa função desde que fosse possível continuar exercendo suas tarefas domésticas e familiares, aceitando, em troca, uma remuneração humilhante. O trabalho remunerado, através da docência, possibilitava a algumas mulheres o afastamento (temporário) da domesticidade e da dependência econômica. As atividades profissionais femininas tornaram-se uma extensão do seu papel doméstico. Havia uma tendência a mesclar o conhecimento científico inerente à sua profissão e os componentes afetivos relacionados a interação professor-aluno (Romero, 1996, p. 19).

Em síntese, este tópico do texto teve o objetivo de traçar um panorama geral

mediante o qual o professor efetiva sua prática profissional cotidiana. Foram descritas

as principais tendências de pesquisas realizadas na década de 1980 até os dias atuais,

bem como foram abordadas as principais influências dessas pesquisas no imaginário e

na constituição do professor como profissional e ser humano subjetivo, constituído

dialeticamente num processo histórico e social.

No próximo, apresentam-se algumas das políticas educacionais vigentes que

regulamentam e conduzem - ou pelo menos deveriam - o trabalho dos professores

brasileiros.

2.2 - As políticas educacionais vigentes e a prática do professor

Comparando a produção científica disponível desde a década de 1980 a

respeito do universo escolar com as políticas educacionais traçadas ao longo dos

últimos anos - principalmente depois da LDB 9.394/96 -, é possível supor que as

instâncias oficiais consideraram os resultados dessas pesquisas e trabalharam de modo

a tentar criar políticas que caminhassem rumo a uma melhoria da qualidade da

educação brasileira.

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Com a aprovação da LDB 9.394/96, que instituiu importantes modificações

com o objetivo de universalizar o ensino para todos os brasileiros, tentou-se liquidar

os altos e históricos índices de evasão escolar. De fato, liquidou-se, pelo menos numa

perspectiva quantitativa, uma vez que atualmente 97% das crianças brasileiras em

idade escolar estão matriculadas na escola (Souza, 2005).

Zagury (2006), faz uma crítica ao aumento dos índices estatísticos de

matrículas ao ressaltar que qualitativamente as mudanças implementadas não

obtiveram êxito. Segundo a autora “(...) o que não se comenta é que destes

[matriculados] (...) os que concluem a Educação Básica quase sempre o fazem em

condições de competência equivalente a uma 5ª série, no máximo” (p. 247)

Combater apenas a evasão escolar não era suficiente. A repetência era um

outro fantasma que assombrava a escola brasileira. Para sanar esse mal, instituiu-se o

sistema de ciclos e progressão continuada.

Fundamentado numa concepção de desenvolvimento humano em que o

processo de aprendizagem não é homogêneo, mas sim progressivo e se dá por saltos,

o sistema de progressão continuada eliminou a reprovação por séries - a reprovação

permanece ao final dos ciclos -, acreditando ser desnecessário fazer com que o aluno

repita todos os conhecimentos já vistos durante o ano anterior. Por este sistema,

considera-se que o aluno pode ser estimulado a superar, no ano seguinte, somente

aqueles conteúdos que ficaram deficitários na série anterior. Esta superação dos

conteúdos deficitários por parte do aluno, está também baseada numa concepção de

desenvolvimento humano, que acredita ser a aprendizagem fruto da mediação

exercida por um outro mais experiente, neste caso, o professor.

A respeito do regime de progressão continuada, a indicação CEE 8/97, de 30

de julho de 1997, coloca que “o conceito de reprovação deve ser substituído pelo

conceito de aprendizagem progressiva e contínua”.

A principal vantagem do sistema de progressão continuada é respeitar as

diferenças individuais de cada aluno, ampliando, desse modo, a democratização do

ensino.

Para que essa modalidade de avaliação dê resultados, no entanto, é necessário

que os professores compartilhem os mesmos pressupostos que nortearam sua

implantação, isto é, é necessário que eles estejam persuadidos de que a aprendizagem

é um processo de desenvolvimento humano não-linear.

Pesquisa recente realizada por Zagury (2006) demonstra que 95% de um total

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de 1.172 professores pesquisados são contra o regime de progressão continuada. As

principais causas apontadas para a rejeição estão relacionadas ao fato de que não

adianta impedir a reprovação do aluno se medidas conjuntas não forem

implementadas.

A citada autora destaca a necessidade de se oferecer subsídios para que os

professores possam internalizar o conceito da progressão continuada, além de

oferecer um adequado treinamento que os capacite ao exercício de seu trabalho de

forma competente. Ressalta ainda que as condições físicas das escolas devem ser

compatíveis com o projeto implantado, tendo os alunos maior número de horas aula e

os professores turmas menores a fim de que possam oferecer ao aluno, de forma

paralela, o acesso a variados recursos de ensino que os capacitem a superar suas

dificuldades. (p. 82)

A propósito da inadequada formação dos professores para o exercício da

docência, a LDB 9.394/96 instituiu em seu artigo 62 queA formação dos docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Seria suficiente essa exigência de escolaridade mínima? Como é possível ao

professor custear sua própria formação acadêmica recebendo salários baixos?

Dados da Unesco (2004) registram que apenas 67,6% dos professores

pesquisados têm formação universitária; 32% deles atuam com formação apenas do

ensino médio. Portanto, tal fonte de dados registra que “a formação do professor

constitui variável correlacionada com sua renda familiar” (p.163).

A propósito da desvalorização da profissão e dos baixos salários dos

professores, a LDB, em seu artigo 67, delibera

Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:I- ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;II- aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;III- piso salarial profissional;IV- progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho;V- período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga horária de trabalho;VI- condições adequadas de trabalho.

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Com a finalidade de reparar a defasagem salarial do professores, foi criado,

durante a gestão do ministro Paulo Renato Souza (governo PSDB, 1995-2002) o

Fundef, Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério, cujo objetivo era fornecer condições para a universalização do acesso à

escola e melhor remuneração dos professores.

Aprovado pela emenda constitucional 14, a proposta do Fundef baseia-se:- Durante dez anos, 15 por cento de toda a arrecadação dos estados e dos municípios deveria ser destinada exclusivamente à educação fundamental.- Esses recursos passariam a constituir um fundo fiscal no âmbito de cada estado e seriam distribuídos entre o estado e seus municípios de acordo com o número de alunos nas escolas estaduais e municipais de educação fundamental.- Garantia de um gasto anual mínimo por aluno; quando não fosse alcançado com os recursos fiscais de um estado, o governo federal o faria com seus recursos.- Pelo menos 60 por cento dos recursos do fundo em cada estado deveriam ser utilizados exclusivamente para pagamento de professores em efetivo exercício no respectivo sistema de ensino (Souza, 2005, p.76).

Com o Fundef, o governo, entre outras coisas, vinculou o volume de recursos

de estados e municípios ao número de alunos matriculados nas escolas estaduais ou

municipais, de modo que, quanto mais alunos, maiores os recursos disponíveis para a

entidade federativa, o que, sem dúvida, estimulou o alcance do objetivo quantitativo

de colocar todas as crianças na escola. A prova dos resultados alcançados expressa-se

nos índices apontados por Souza (2005): os números saltaram dos 88% das crianças

entre 7 e 14 anos freqüentando a escola, para 97%.

Especificamente sobre a melhor remuneração dos professores, Souza (2005,

p.96) afirma que, no período de dezembro de 1997 a junho de 2000, a remuneração

média dos professores das redes públicas aumentou 30% em termos nominais contra

uma inflação de 12% no mesmo período. Mesmo assim, de acordo com os dados da

Unesco (2004), um terço desses professores se considera pobre.

A grande dificuldade em estabelecer um piso salarial nacional mínimo para

todos os professores relaciona-se com o fato de que há variações em níveis de

arrecadação por municípios, razão pela qual a criação do fundo auxiliou o repasse de

verbas do governo federal para esses estados e municípios, o que melhorou, em certa

medida, a remuneração desses profissionais.

Mesmo assim, a renda familiar do professor continua apresentando

significativas variações de região para região do país. “12,3% dos professores da

região Nordeste possuem renda familiar acima de 10 salários mínimos. Esse

percentual sobe para 22,5% entre os professores da região Norte; para 26,8 entre os

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da região Centro-Oeste; 27,8% entre os da região Sul e 42,1% junto aos professores

da região Sudeste” (Unesco, 2004, p.163).

O fundo também destinou verbas voltadas para a capacitação profissional dos

professores leigos, embora ainda exista um percentual grande de profissionais sem

habilitação para o exercício do magistério, principalmente nas regiões Norte (14,8%)

e Centro-Oeste (14,2%) (Idem, p. 163).

Para retomar os aspectos até aqui abordados, é oportuno salientar que a

academia fala dos professores, julga sua prática como adequada ou falha, traça

recomendações para uma prática mais eficiente, torna disponíveis novas teorias e

tendências para guiar sua atuação.

O poder Legislativo, por sua vez, delibera normas que regulamentam a

atuação pedagógica, muitas delas baseadas nos dados disponíveis pela academia.

Entretanto, apesar de tantas recomendações, leis e pesquisas, poucas mudanças

efetivamente se processam no cenário da educação brasileira. Basta considerar os

índices de avaliação mencionados na introdução deste trabalho.

Em face do exposto, qual a situação dos professores nesse panorama traçado

até aqui? Inseridos nesse contexto histórico, político econômico e social, que sentido

esses profissionais atribuem à sua profissão?

O melhor caminho a seguir é fazer essas perguntas a eles próprios. E é nessa

direção que este estudo caminha.

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3. MÉTODO DA PESQUISA

É importante lembrar que, como atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador. Claro está que o pesquisador, como membro de um determinado tempo e de uma específica sociedade, irá refletir em seu trabalho de pesquisa os valores, os princípios, considerados importantes naquela sociedade, naquela época. Assim, a sua visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e explicação desse mundo irão influenciar a maneira como ele propõe suas pesquisas ou, em outras palavras, os pressupostos que orientam seu pensamento vão também nortear sua abordagem de pesquisa.

(Ludke & André, 1986, p.3)

Primeiramente serão descritos os pressupostos metodológicos que orientam

este estudo para, posteriormente, comentar os procedimentos realizados quando da

coleta e análise dos dados.

3.1 - Pressupostos metodológicos

Quando Vygotsky iniciou seus estudos em psicologia, deparou-se com duas

matrizes de pensamento psicológico opostas, o que o fez propor uma nova psicologia

capaz de considerar tanto o corpo como a mente do homem.

Na tentativa de construir uma nova síntese, que considerasse tanto as questões

biológicas quanto as sociais na constituição do homem, Vygotsky baseou-se nos

pressupostos do materialismo histórico e dialético, que compreende o

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desenvolvimento humano como sendo sempre contextualizado.(...) o naturalismo na análise histórica manifesta-se pela suposição de que somente a natureza afeta os seres humanos e de que somente as condições naturais são os determinantes do desenvolvimento histórico. A abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência. Essa posição representa o elemento-chave de nossa abordagem do estudo e interpretação das funções psicológicas superiores do homem e serve como base dos novos métodos de experimentação e análise que defendemos (Vygotsky, 2003, p. 80)

Para Vygotsky, o homem é fruto da história de sua espécie e de sua cultura, de

forma que não se pode entendê-lo somente em seu desenvolvimento individual. O

desenvolvimento humano é sempre decorrente das trocas estabelecidas entre

indivíduo e contexto social, o que torna esse homem constituído e constituinte do

meio em que vive.

Segundo Vygotsky o que diferencia o homem das outras espécies animais é o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que para o autor, são

historicamente construídas a partir do social.

Para o estudo dessas funções tipicamente humanas, Vygotsky propõe três

princípios fundamentais.

O primeiro princípio é o da análise dos processos e não dos objetos. Por

entender que todo fenômeno a ser estudado é historicamente construído na relação

dialética estabelecida entre homem e contexto social, faz-se necessário investigar sua

constituição nos diferentes estágios que o compõem.Se substituirmos a análise do objeto pela análise de processo, então, a tarefa básica da pesquisa obviamente se torna uma reconstrução de cada estágio no desenvolvimento do processo: deve-se fazer com que o processo retorne aos seus estágios iniciais (ibidem, p.82).

O segundo princípio é o da explicação em oposição à descrição, de acordo

com o qual a descrição do fenômeno não é suficiente para o conhecimento dele

próprio. A análise explicativa é a forma de trabalho cujo objetivo é revelar a gênese,

as relações dinâmicas, as causas que indicam as múltiplas determinações históricas de

um determinado fenômeno.

A tarefa da análise é revelar essas relações. Nesse sentido, a análise científica real difere radicalmente da análise introspectiva subjetiva, que pela sua natureza não pode esperar ir além da pura descrição. O tipo de análise objetiva que defendemos procura mostrar a essência dos fenômenos ao invés de suas características perceptíveis (ibidem, p. 83).

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O terceiro princípio diz respeito aos “comportamentos fossilizados” que são

comportamentos que se tornaram automatizados ao longo do tempo. Há necessidade

de se estudar os fenômenos psicológicos de modo dinâmico e histórico, o que

significa estudá-los em seu processo de mudança.

Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas as suas fases e mudanças - do nascimento à morte - significa, fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que “é somente em movimento que um corpo mostra o que é” (ibidem, p. 85).

A compreensão do sentido atribuído pelo professor à sua profissão é

considerada aqui como um processo dinâmico, mutável, que se transforma no

movimento dialético e se constitui na existência do professor em sua realidade. Esse

processo obedece aos três princípios fundamentais de Vygostky: análise do processo,

análise explicativa como forma de trabalho e estudo do fenômeno em seu processo de

mudança.

Com vistas à coerência entre teoria e método, é necessário focalizar o sujeito

em seu processo de mudança bem como privilegiar a busca por explicações em

oposição a descrições. Para tanto, o fenômeno estudado nunca pode ser entendido a

partir da análise de aspectos isolados. É preciso focalizar o professor como um sujeito

atuante numa instituição escolar que, por sua vez, relaciona-se com uma sociedade

complexa, cujo funcionamento está implicado por questões políticas e econômicas.

A preocupação deste estudo não é descrever os sentidos que o professor

atribui à sua profissão, mas, principalmente, explicar como esses conceitos se

relacionam com seu contexto de trabalho.

3.2 - Pesquisa qualitativa e análise de conjuntura

Em González Rey (2002, p.50), a abordagem qualitativa na psicologia “se

define pela busca e explicação de processos que não são acessíveis à experiência, os

quais existem em inter-relações complexas e dinâmicas que, para serem

compreendidas, exigem o seu estudo integral e não sua fragmentação em variáveis”.

Essa abordagem mostra-se mais adequada para este estudo, na medida em que

favorece a compreensão da subjetividade humana em sua forma “plurideterminada,

diferenciada, irregular, interativa e histórica” (ibidem, p. 29).

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Gonzáles Rey (2002) propõe três princípios que orientam a pesquisa

qualitativa, são eles:

1. O conhecimento é uma produção construtivo-interpretativa, ou seja, o

conhecimento é construído a partir da atribuição de sentido ao discurso do sujeito no

qual “o pesquisador integra, reconstrói e apresenta em construções interpretativas

diversos indicadores obtidos durante a pesquisa, os quais não teriam nenhum sentido

se fossem tomados de forma isolada, como constatações empíricas” (p.31).

2. Caráter interativo do processo de produção de conhecimento, ou seja,

pesquisador e pesquisado são vistos como parceiros na construção do processo de

conhecimento, que, por sua vez, é uma construção aberta, permanente e possibilitada

pela interação entre as partes.

3. Significação da singularidade como nível legítimo da produção do

conhecimento, ou seja, no estudo da subjetividade, a singularidade difere do termo

individualidade porque representa uma “realidade diferenciada na história da

constituição subjetiva do indivíduo” (p.35).

Tendo em vista os pressupostos da psicologia proposta por Vygotsky, para

quem o desenvolvimento do homem é fruto da relação dialética estabelecida com o

social observou-se, nos dados coletados neste trabalho, o exame da conjuntura em que

eles ocorrem.

De acordo com Souza (2000), a análise de conjuntura deve ser considerada em

cinco categorias.

1. Acontecimentos, que são diferentes de fatos. O fato é algo corriqueiro, ao

passo que o acontecimento é algo que marca historicamente uma sociedade, uma

população.

2. Cenários, locais onde os fenômenos ocorrem do ponto de vista do sujeito

pesquisado.

3. Atores, indivíduo(s), ator(es) social(is), assim considerado(s) quando

representa(m) algo para a sociedade.

4. Relação de forças - relações sociais de confronto, cooperação, domínio,

igualdade ou subordinação.

5. Articulação (relação) entre estrutura e conjuntura. Nenhum acontecimento

se dá no vazio. Eles têm relação direta com a história, com o passado, com as relações

sociais, econômicas e políticas. “Tão importante quanto apreender o sentido de um

acontecimento é perceber quais as forças, os movimentos, as contradições, as

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condições que o geraram” (p.15). É preciso situar os acontecimentos para se extrair

deles seus possíveis sentidos.

3.3 - Personagem e cenário da pesquisa

As personagens desta pesquisa são duas professoras que atuam no cenário de

ensino médio da escola pública da cidade de São Paulo.

A escolha pelo professor de ensino médio pautou-se pela expansão e

obrigatoriedade da educação básica, advindas com a LDB 9.394/96, que ocasionou

um aumento quantitativo da permanência dos alunos nesse nível de ensino. A

expansão do ensino médio, cujo referencial estratégico é definido pelo Plano Nacional

de Educação, criou a necessidade estimada para o ano 2006 de 125 mil novos postos

de trabalhos para professores, de acordo com dados do MEC/INEP (2003), in: Unesco

(2004, p. 173).

Os dados apresentados reforçam a importância da realização de estudos e

pesquisas por parte do meio acadêmico nesse nível de ensino.

A escolha dos sujeitos-personagens da pesquisa baseou-se nos seguintes

critérios.

a) Atuar exclusivamente no Ensino Médio da escola pública, por razões já

mencionadas, e por ser nela que estuda a maior parcela da população em idade escolar

de nosso país.

b) Possuir experiência mínima de quatro anos em sala de aula, uma vez que os

sentidos atribuídos por um professor em início de carreira são diferentes dos

atribuídos por professores com mais anos de trabalho. Essa suposição baseia-se nos

referenciais da psicologia sócio-histórica, que compreende o homem como um ser

ativo em constante processo de transformação e mudança na medida em que interage

com o meio sócio-histórico ao qual pertence.

Optou-se por não trabalhar com professores em início de carreira por

entender-se que é preciso um tempo de adaptação ao trabalho em sala de aula,

especialmente em relação a tramites específicos do sistema público de ensino.

3.4 - O instrumento para coleta de dados

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Considerando que a subjetividade humana pode ser apreendida pela

linguagem, que permite a uma pessoa ter acesso ao conteúdo que uma outra

comunica, o uso de entrevista semi-estruturada como estratégia para coleta de dados

mostra-se um instrumento adequado.

Para González Rey (2003, p.236), “a linguagem aparece em nível individual

cheio de sentido subjetivo, traduz emoções complexas do sujeito e, ao mesmo tempo,

gera novas emoções em seu constante trânsito pelos diferentes espaços

representativos e experimentais do sujeito”.

Ao abordar a questão do uso de instrumentos na pesquisa qualitativa em

subjetividade, González Rey (2005) considera que

a conversação representa uma aproximação do outro em sua condição de sujeito e persegue sua expressão livre e aberta. Nas conversações devemos partir do mais geral ao mais íntimo, aproveitando os momentos em que a própria conversação vai entrando nessas experiências. A conversação é um sistema que nos informa as características e o estado dos que nele estão envolvidos, e esta informação é a que nos indica os limites dentro dos quais nos moveremos (p. 49).

Assim, em consonância com os pressupostos já expressos pela pesquisa

qualitativa e pela análise de conjuntura, pode-se dizer que a entrevista é um momento

de construção partilhada da informação entre pesquisador e pesquisado.

Concebida como um campo de intersubjetividade, a entrevista, mesmo quando

bem realizada, pode apresentar material insuficiente para uma análise adequada dos

dados. Por isso realizou-se um registro adicional escrito que teve o objetivo de captar

indicadores corporais e não-verbais que pudessem complementar o discurso e as

ações das entrevistadas, além de dar indícios para o leitor perceber o clima em que a

entrevista foi realizada. Tal registro está apresentado junto a transcrição das

entrevistas.

As entrevistas realizadas consideraram aspectos da história de vida

profissional dos sujeitos. Detalhes da história de vida pessoal foram considerados

apenas a medida em que se revelaram úteis à temática central deste trabalho.

3.5 - Procedimentos para coleta de dados

Foram realizadas três entrevistas e escolhidas duas delas para análise. A

escolha se pautou na evidência de que as entrevistas escolhidas apresentaram-se mais

completas, fornecendo mais informações a respeito da problemática deste estudo.

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Wanda foi a primeira professora a ser entrevista e foi indicada por um amigo

da pesquisadora, esta por sua vez, indicou uma amiga, no caso, a professora Marta.

É importante ressaltar a dificuldade encontrada para localização de professores

interessados em conceder a entrevista. A pesquisadora contatou diversas pessoas que,

embora achassem o tema interessante, negavam-se a participar alegando dificuldades

em relação a tempo disponível. Tal dificuldade foi encontrada também por amigos da

pesquisadora que se prontificaram a colaborar na identificação e localização de

possíveis sujeitos.

As entrevistas individuais, semi-estruturadas, iniciaram com a realização de

um rapport em que foram explicados o tema da pesquisa, objetivos e procedimentos

éticos, bem como assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Em

seguida prosseguiu-se captando informações pessoais como idade, tempo e maneira

como ingressou na profissão. O objetivo era tornar o clima da entrevista o mais

confortável possível a fim de que a participante pudesse sentir-se livre para fazer suas

colocações e confiasse na relação que estava sendo estabelecida. Visando criar essa

relação de confiança, as perguntas realizadas às entrevistadas foram sendo feitas a

medida em que a conversa evoluía, não obedecendo uma seqüência fixa, mas

observando a preocupação em manter o assunto focado na história de vida

profissional do sujeito e na temática deste trabalho.

As entrevistas tiveram duração média de uma hora e quinze minutos,

aconteceram entre os meses de novembro e dezembro de 2005, em local de escolha

das entrevistadas, gravadas em fita cassete e transcritas.

A transcrição foi realizada de maneira tradicional, o que implica fidelidade

absoluta ao que foi dito pelas entrevistadas. Optou-se por registrar o conteúdo integral

das fitas por entender-se que tal procedimento diminui os riscos de possíveis

distorções no discurso do sujeito.

Pensando em um cuidado ético em relação às professoras sujeitos desta

pesquisa, foi assegurado que elas seriam as primeiras pessoas a realizar a leitura da

entrevista transcrita e que assim teriam a oportunidade de fazer alterações, caso

julgassem pertinente. Após ler a transcrição nenhuma das duas quis realizar

alterações.

3.6 - Procedimentos éticos

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Solicitou-se às professoras participantes a assinatura do termo de

consentimento livre e esclarecido, conforme exige a resolução 196/96, do Conselho

Nacional de Saúde - modelo em anexo.

Ainda de acordo com a mesma resolução, este estudo é considerado de risco

mínimo, uma vez que as participantes não foram expostas a nenhuma situação

diferente das praticadas em sua atividade pedagógica cotidiana.

Foram atribuídos nomes fictícios às professoras participantes do estudo

visando preservar suas identidades.

3.7 - Análise da entrevista

As entrevistas foram analisadas a partir da construção de núcleos de

significação visando a apreensão dos sentidos expressos no discurso das professoras

pesquisadas.

Para Aguiar e Ozella (2005), o pensamento é expresso por uma palavra que

contém significado, mas, antes de ser expresso, o pensamento se movimenta, passa

por muitas transformações. Nesse processo de movimento e transformação, o

pensamento passa pelo significado e pelo sentido que o sujeito atribui a ele.

Para os autores, significado e sentido são duas categorias diferentes, mas que

não podem ser compreendidas em separado, uma vez que uma não existe sem a outra.

O significado é a expressão generalizada de um conceito, é algo geral,

pertencente ao universo cultural em que o indivíduo está inserido; é uma produção

histórica e social que permite a comunicação e a socialização de experiências entre as

pessoas.

O sentido, por sua vez, tem um caráter mais pessoal, particular e se aproxima

mais da subjetividade na medida em que expressa o sujeito. O sentido atribuído pelo

sujeito a uma determinada coisa passa, necessariamente, por suas emoções e pelos

motivos que o configuram.

A fim de apreender a constituição dos sentidos dados pelo indivíduo para um

determinado fato, é necessário observar alguns indicadores, que, embora não

representem respostas únicas e absolutas, constituem-se expressões das formas de ser

do sujeito e de processos vividos por ele (Aguiar e Ozella, 2005, p.11).

Na história contada pelo sujeito, os indicadores são fatos relevantes, conteúdos

temáticos, que servem de base para a construção do que os autores denominam

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“núcleos de significação”.

Os núcleos de significação são construídos mediante a articulação de

conteúdos semelhantes, complementares ou contraditórios expressos no discurso do

sujeito.

Nesse processo de construção dos núcleos de significação (…) é possível verificar as transformações e contradições que ocorrem no processo de construção dos sentidos e dos significados, o que possibilitará uma análise mais consistente, que nos permita ir além do aparente e considerar tanto as condições subjetivas quanto as contextuais e históricas (ibidem, p. 15).

4. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

O pesquisador deve sempre esforçar-se para apreender a realidade total e concreta, mesmo que saiba não poder alcançá-la, a não ser de maneira parcial e limitada; para isso, deve empenhar-se para integrar ao estudo dos fatos sociais a história das teorias a respeito desses fatos, bem como para ligar o estudo dos fatos da consciência à sua localização histórica e à sua infra-estrutura econômica e social.

(Lucien Goldmann, 1972)

O trabalho de análise das entrevistas feito mediante a construção dos núcleos

de significação, passou por cinco fases.

1. Contextualização e análise da conjuntura em que a prática das professoras

entrevistadas se dá.

2. Leitura flutuante para organização do material. Num primeiro momento, a

pesquisadora aproximou-se do discurso das professoras, de cuja leitura foi possível

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identificar os pré-indicadores que serviram para a construção dos núcleos. Nessa fase

ainda havia um grande número deles, que foram sendo selecionados à medida que

expressavam importância para a compreensão do objeto de pesquisa.

3. Localização de indicadores e aglutinação de núcleos temáticos. Nessa

segunda leitura, a pesquisadora aglutinou os pré-indicadores por similaridade e

complementaridade, o que resultou numa diversidade menor das informações

transmitidas pelas professoras.

4. Construção dos núcleos de significação. Feita a aglutinação na fase

anterior, iniciou-se a articulação das informações e a nomeação dos três núcleos

construídos: a) como se vê; como vê o aluno e como pensa que é vista.

Buscou-se compreender como as professoras se vêm, como vêm o aluno e

como se percebem vistas no contexto em que realizam seu trabalho. Nessa fase, a

análise ficou mais fiel ao discurso mesmo das professoras.

5. Análise dos núcleos. Essa etapa de trabalho com os dados, buscou se

desprender do discurso das professoras e caminhar rumo à abstração na tentativa de

compreender os conflitos vivenciados por elas, sempre articulando-os com o contexto

no qual eles se relacionam.

Em síntese, o trabalho de análise dos núcleos de significação, articulado aos

conceitos da teoria que norteia este estudo, permitiu compreender o sentido que as

professoras entrevistadas dão à sua profissão.

É preciso esclarecer que não foram esgotadas as possibilidades de análise,

tanto da entrevista como do contexto em que se dá o trabalho das professoras. Optou-

se por ressaltar os aspectos mais importantes e dignos de mais atenção, aspectos esses

relacionados à constituição da subjetividade do sujeito, suas formas de ser, de sentir e

de se relacionar com o contexto de seu trabalho.

É oportuno esclarecer que, mesmo correndo o risco de tornar o estilo de

redação pouco elegante, optou-se por não limitar a extensão das falas das professoras

entrevistadas, a fim de preservar a integridade de seus pensamentos, situando-os e

contextualizando-os.

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DANDO MURRO EM PONTA DE FACA

a) Descrição da personagem, do cenário e da conjuntura

Neste primeiro momento de análise procurou-se caracterizar a personagem

Marta, o cenário e a conjuntura em que seu trabalho se dá. O intuito é construir um

pano de fundo que permita articular e compreender as discussões que serão realizadas

posteriormente nos núcleos de significação.

a1) A personagem

Aos 48 anos, a aparência física de Marta é condizente com sua idade. Tem

aproximadamente 1.70m de altura, pele morena clara, olhos e cabelos castanhos

escuros. É simpática e afetiva, fala baixinho e demonstra preocupação em usar

corretamente as palavras.

Formada em Português e Inglês, em 1981, trabalha como professora efetiva na

rede estadual de ensino paulista desde 1987. Prestou concurso para professora do

estado em 1986 e por ter assumido aulas já em 1987 deduz-se que ela tenha sido

aprovada com uma boa classificação.

Trabalha há dez anos em na mesma escola, na periferia da Zona Sul da capital

paulistana. Diz gostar da escola em que trabalha e não pretende trocá-la,

principalmente porque fica próxima de sua casa, a apenas cinco minutos de

caminhada.

Por escolha dela, a entrevista foi feita na sua própria casa. Depois da

entrevista, ela ofereceu um delicioso chá, cuidadosamente preparado, à pesquisadora.

Sinal de cuidado no relacionamento interpessoal, o que veio a se confirmar nas

informações prestadas em relação às relações com os alunos.

Em alguns momentos da entrevista, discretamente, a professora segurou o

choro, mas ao referir-se ao sentimento de impotência em face de sua atuação

profissional, traiu-se, chorou mais, menos discretamente.

a2) O cenário

A escola em que Marta trabalha funciona nos três períodos letivos e atende da

quinta série do ensino fundamental à terceira do ensino médio. Ela atua no período da

manhã à frente de três turmas da terceira série do ensino médio, cada uma com 32

alunos em média.

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Segundo ela, na escola em que trabalha, os alunos chegam ao ensino médio

sem pré-requisitos e desinteressados pelo estudo e pelas tarefas escolares. São alunos

com baixo nível cultural, que não freqüentam cinemas ou teatros e que não têm

hábitos de leitura. Os pais de alguns são analfabetos, o que os impossibilita estimular

os filhos ao estudo.

Marta relata que os alunos saem semi-analfabetos da terceira série do ensino

médio, dados confirmados pelos resultados do relatório Pisa 2000. Eles mal sabem

escrever o próprio nome, portanto, estão despreparados para prosseguir os estudos ou

profissionalizar-se. A professora se refere ainda ao tráfico de drogas por parte dos

alunos dentro da escola.

a3) Os acontecimentos e as relações de forças vinculadas à educação nas quais Marta

se constitui professora.

Marta recebeu sua escolarização, do ensino fundamental ao superior, numa

época em que no Brasil vigorava o regime militar, que por sua vez influenciou os

rumos adotados pela educação nacional. Entretanto, é importante observar que sua

atuação profissional se dá num contexto político, econômico, histórico e social

diferentes.

Marta ingressou na escola por volta de 1965, ou seja, na vigência da LBD

4.024/61, que, segundo Aranha (1996), propunha um ensino tecnicista em que o

sistema educacional estava atrelado ao modelo econômico imposto pela política

norte-americana para a América Latina. Esse modelo pregava que a escola deveria

formar profissionais preparados para atender as necessidades urgentes de um mercado

de trabalho em expansão.

No ensino superior, a lei 5.540/68 instaurou a integração de cursos, áreas e

disciplinas. “A nomeação de reitores e diretores de unidade dispensa a exigência de

pessoas ligadas ao corpo docente universitário, bastando possuir ‘alto tirocínio da

vida pública ou empresarial’” (Aranha, 1996, p.214). Para a autora, essas medidas

acabaram por provocar a perda da autonomia das universidades cujo objetivo era

romper com a interação entre as pessoas e com a politização dos estudantes, o que

convinha com uma reforma cujo viés tecnocrático se sobrepunha ao pedagógico.

Sobre essa época, Marton (2004) lembra que estudantes e professores viviam

sob o temor de delações e prisões arbitrárias, uma vez que receavam a presença de

espiões disfarçados no meio dos estudantes. Era uma época em que a liberdade e o

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direito de ir e vir fora tolhido pelo medo das prisões e torturas. Livros considerados

subversivos, porque críticos de regime ditatorial vigente, desapareceram das livrarias,

de forma que deixaram de contribuir com a formação de estudantes e professores.

“Em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) retira todas as

garantias individuais, públicas ou privadas e concede ao presidente da República

poderes para atuar como executivo e legislativo” (Aranha, 1996, p.212). A falta de

representação popular advinda com o fechamento do Congresso nacional instala a

arbitrariedade nas decisões de governo.

Aranha destaca ainda que a ditadura militar propunha “educar politicamente

a juventude”, pressuposto revelado pelo decreto-lei baixado pela junta militar em

1969 e que tornou o ensino de Educação Moral e Cívica obrigatório nas escolas em

todos os níveis de ensino. Tal medida tinha um caráter ideológico e manipulador.

“No final do grau médio, a denominação muda para Organização Social e Política

Brasileira (OSPB) e no curso superior, para Estudos de Problemas Brasileiros

(EPB)” (p. 211).

Com as alterações curriculares, algumas disciplinas como Filosofia, no ensino

médio, desaparecem ou foram aglutinadas com História e Geografia, que passaram a

constituir os Estudos Sociais no primeiro grau.

Nesse contexto, é bastante provável que Marta tenha recebido uma

escolarização tradicional e tecnicista da qual o professor era o centro do processo

ensino-aprendizagem cabendo ao aluno ser receptáculo passivo de internalização do

saber transmitido.

O início de sua atuação profissional na carreira docente, no entanto, foi

marcada por importantes acontecimentos sociais, políticos e econômicos. Iniciada em

1987, durante a Nova República, passou pela vigência da LDB 9.394/96 cujas

diretrizes são diferentes da LDB anterior.

Marta ingressou no sistema público estadual paulista por concurso realizado

em 1986, o primeiro realizado depois da ditadura militar, para o qual foram abertas

cerca de 15 mil vagas. Os candidatos foram avaliados à luz das novas metodologias

educacionais vigentes.

Na área de português, em especial, valorizava-se a língua como uma estrutura

dinâmica em oposição a uma visão da gramática normativa. Era necessário ler para

adquirir-se a capacidade de compreender e apreender o mundo. A alfabetização bem

como a decodificação das letras deixavam de ser consideradas um processo contínuo.

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O aluno ganhava o centro do processo ensino-aprendizagem em oposição à visão

tradicional e conservadora - sem dúvida um ganho pedagógico porque inovador e

porque bastante valioso.

Apesar de bem classificada no concurso, Marta não necessariamente

internalizou os conceitos exigidos para sua prática pedagógica. Prova disso é que

ainda hoje, vinte anos depois, ela continua em conflito com sua real atuação em sala

de aula, conflito esse que revelará multideterminações.

Durante vigência da LDB 5.692/71, cuja linha mestra era um ensino pautado

pela aquisição de conteúdos, o índice de crianças de sete a quatorze anos fora da

escola era significativo, bem como os índices de evasão e repetência. Na década de

1980, o percentual de brasileiros analfabetos girava em torno dos 20% entre pessoas

com quinze anos ou mais.

À luz da análise desse panorama educacional, econômico, político e social, os

legisladores brasileiros foram levados à criação da LBD 9.394/96, vigente até hoje e

que traçou novos rumos para a educação nacional. Dentre eles destaca-se a garantia

de escolaridade para todos com vistas à redução dos altos índices de evasão e

repetência escolar, e conseqüentemente, dos índices de analfabetismo.

A LBD 9.394/96 determina, entre outras medidas, em seu artigo 24 inciso V,

que a avaliação do aluno deve ser contínua e cumulativa com prevalência dos

aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período

sobre os de eventuais provas finais, ou seja, estabelece que o desempenho do aluno

não deve ser vinculado a uma normatização por faixa etária. Desse modo, o aluno

deve ser avaliado desde que respeitado seu ritmo próprio de desenvolvimento, o que

significa compreender o desenvolvimento humano como um processo não linear.

Em seu artigo 32 parágrafo segundo, estabelece ainda a possibilidade de

adoção do regime de progressão continuada, que compreende a avaliação não como

um instrumento de aprovação ou de reprovação do aluno, mas de auxílio para que

possa prosseguir seus estudos.

Não faz sentido o aluno repetir um ano inteiro por conta de uma dificuldade

específica numa determinada matéria, prenuncia o princípio básico do regime de

progressão continuada. O aluno pode ser estimulado a superar suas dificuldades no

ano seguinte. Entretanto, para que o funcionamento desse regime seja pleno, é

necessário que os professores também compartilhem dessa postura; que sejam

oferecidos trabalhos paralelos de suporte e estímulo ao aluno, além de condições

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adequadas para estudo e trabalho, caso contrário, sua aplicação fica totalmente

comprometida.

Em síntese, é possível dizer que Marta foi formada num contexto social,

político e econômico e exerce sua atuação num outro. Esta constatação pode

contribuir para possibilitar a compreensão dos conflitos vivenciados por ela frente a

profissão (conflitos que serão melhor explicitados a seguir nos núcleos de

significação).

b) Os núcleos de significação

Neste item realizou-se uma análise intranúcleos dos dados encontrados na

entrevista, à luz da proposta de Aguiar e Ozella (2005). Num primeiro momento, a

análise prende-se ao discurso da entrevistada, na tentativa de compreender como ela

se vê, como vê o aluno e como pensa que é vista pelo contexto social em que trabalha.

b1) Como se vê.

Em diversos momentos da entrevista, a entrevistada manifesta claramente que

não é a professora que gostaria de ser; que não exerce sua profissão da forma como

acha que deveria.

(...) Talvez até falhe na minha didática, no passar os conhecimentos, que seria nossa função.(...) Talvez eu não consiga ensinar português. Esse objetivo eu não consegui alcançar ainda, a não ser com alguns alunos.(...) Não digo que eu consiga exercer a minha profissão tal qual deveria.

Quando indagada sobre o que seria exercer sua profissão tal qual deveria,

Marta se remete ao papel tradicionalmente delegado ao professor.

(...) Atingir o maior número de alunos e conseguir transmitir os conhecimentos que a gente se propõe a fazer. Isso a gente não consegue por uma série de questões.

A professora também acredita que há impedimentos para que seu trabalho se

realize como ela gostaria; dentre eles destaca a falta de pré-requisitos do aluno do

ensino médio e a falta de recursos didáticos e pedagógicos que o professor enfrenta

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em sala de aula.

(...) Falta pré-requisito, principalmente com o ensino médio, falta esse pré-requisito que ele não trás do ensino fundamental, então aí você tem que retomar todo o conteúdo que eles já deveriam saber e que eles não sabem, você perde um tempo, Aí fica enfadonho, porque na verdade a competição que a gente tem com a mídia é muito grande, é muito diferente, o que a mídia oferece é muito mais fácil para o aluno ficar em frente ao computador, televisão, revista. E o professor só tem o quë? Um giz. Por mais que você tente inovar os recursos que a gente tem são muito poucos.

Para Marta o professor adequado é aquele que está no centro do processo de

ensino-aprendizagem, avaliando os alunos e estabelecendo os conteúdos que eles

devem aprender.

(...) Às vezes fica difícil você trabalhar como deveria ser trabalhado, como eu acho que deveria ser a minha profissão, que é de passar tudo aquilo que realmente você sabe que ele precisa, aquilo que ele quer aprender, aquilo que ele precisa aprender, embora ele não queira.

São revelados sentimentos de frustração e impotência, advindos da forma

como ela se percebe atuante.

As vezes a gente fala estou me sentindo um palhaço lá na frente, muitas vezes você está falando para as paredes, para as carteiras, o desinteresse gera muita indisciplina, aí quando você pára para fazer um curso, uma reunião, mesmo na escola ou na diretoria de ensino vem sempre aquela conversa. Porque que o aluno é desinteressado? Porque a sua aula é desinteressante. Porque você não faz.Para mim isso é círculo vicioso. Muitas vezes eu preparo, eu preparo muito bem as minhas aulas, principalmente a literatura que envolve muita História e muitas outras coisas, Filosofia e uma série de outras disciplinas que estão envolvidas com a literatura, fico as vezes horas e horas preparando, é um trabalho minucioso, aí você chega na sala de aula e começa a falar, um aluno vira para lá, outro vira para lá, eu não sei, você se desestimula também. Ah, eu vou parar tudo, não vou fazer mais nada, chega, a gente fica irritada, a gente fica irritada também. Eles falam ah, porque você vai dar isso? Eles falam isso. Eles são muito cara de pau. Para que você vai dar isso, deixa, ninguém está prestando atenção, pára, deixa isso para lá. Você leva um balde de água fria e diz não vou fazer mais nada mesmo E senta-se à mesa e fica.

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Ao falar do círculo vicioso, ela revela como acredita que deveria ser a

condução de suas aulas. A falta de interesse dos alunos, por sua vez, acaba por levá-la

à irritação e à desmotivação, o que a faz sentir-se uma professora inadequada.

(...) Você chega lá motivado, o aluno desmotivado te desmotiva, você se acomoda, Tem que mudar. Porque aluno a gente sabe é adolescente, é uma fase difícil mesmo, A gente já passou por isso, a gente sabe, a gente conhece direitinho, é assim mesmo, adolescente não tem jeito, mas se você é maduro, você é adulto, você é que tem que reverter esse quadro, não esperar que o aluno se interesse para que eu possa me motivar e melhorar isso. Não, sou eu que tenho que me motivar. Acho que essa é a parte mais difícil porque a gente se acomoda, a gente cansa também, a gente cansa. O professor também é um ser humano, tem hora que ele cansa.

A falta de motivação dos alunos provoca a autocrítica da professora. Em

outras palavras, o professor fragiliza-se em face de sua própria impotência. Indícios

como esses mereceriam reflexões sobre as formas como os profissionais da educação

reagem em face das dificuldades que enfrentam no cotidiano.

Consciente de suas limitações e do que precisa ser aperfeiçoado em sua

conduta profissional, a professora é levada a uma avaliação constante de seu trabalho,

o que, paralelamente, alimenta a idéia de ser uma professora inadequada.

(...) as vezes você copia planejamento que você já fez há dez anos atrás, quinze anos atrás, põe aqueles tópicos de português, acentuação gráfica, ortografia, uma literatura, momento histórico, as escolas literárias, principais autores, principais obras, a mesmice.

Quando indagada se escolheria a mesma profissão docente, com todos os

dissabores repetidos ao longo da entrevista, a entrevistada repete a mesma consciência

dos aspectos que precisam ser melhorados em sua atuação.

(...) Escolheria. Mas também gostaria de ter oportunidade de me preparar melhor (pausa), porque a gente se acomoda um pouco também. Não vou dizer que a má formação da gente é falta de dinheiro. A gente também tem outros recursos. A falta de tempo, a falta de dinheiro, isso é uma realidade nossa, mas é reflexo do nosso próprio trabalho, então, como você consegue passar pouco, você exige pouco.

Mais adiante Marta explica o que acredita alimentar o círculo vicioso da

desmotivação que gera sua inadequada conduta profissional

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Aí é aquela coisa, o aluno vira para lá, vira para cá, Porque você está ensinado isso, o que a gente vai fazer com isso? Aí eu falo, para que eu fiz tudo isso? Para que eu perdi tantas horas, enchi minhas mãos de calos de tanto escrever, preparei tanta coisa se ele não quer. E aí você acaba deixando de lado e já vai para a aula sem preparar nada. Tem momentos, tem aulas que você fala ah, hoje eu tenho aula no terceiro A, no terceiro B, chega lá na hora e eu vejo o que eu faço. E a gente pensa assim. Chega lá na hora e ele também não quer nada, o aluno também não quer nada, você também não quer nada, então a gente se acomoda por causa do exercício da profissão, desse retorno que a gente tem.

A entrevistada sabe o que é necessário ser alterado em sua prática profissional,

mas, ao mesmo tempo, sente-se incapaz de realizar as mudanças necessárias. Atribui

essa incapacidade ao medo de ousar, de assumir responsabilidades, de tomar um

posicionamento que algumas vezes pode ir contra o que é pregado pelo sistema

educacional.

Vamos trabalhar de forma diferente, não precisa aprender a escrever, aprender a falar bem, então vamos fazer isso na prática, precisa redigir uma carta ou uma redação para de repente fazer, ou se preparar para uma entrevista numa empresa, vamos ensiná-lo a fazer isso. Coisas mais práticas que ele vai entender porque ele está usando aquilo. Mas aí você pensa ele vai fazer vestibular, ele precisa aprender essa série de coisas que pede no vestibular, eu vou deixar de lado? Aí a gente não tem coragem, então você segue todo aquele esqueminha já feito há anos, preparado há anos. É um ou outro projeto que a gente tenta fazer uma coisa diferente, nós fizemos alguns projetos aí na escola, mas não foge muito daquele esquema já pré-moldado. Então a gente tem um pouco de medo de ousar. Porque chega agora no finalzinho do ano tem lá aquele relatório imenso para preencher, como é que foi o ano? Cumpriu o seu conteúdo? E o medo de colocar não, eu não cumpri o meu conteúdo, fiz uma coisa totalmente diferente. Aquela coisa, você quer sempre responder aquilo que eles querem ouvir.

A entrevistada reconhece a necessidade de preparar o aluno para a vida, de

aproximar os conteúdos acadêmicos de sua experiência de vida cotidiana; entretanto,

ao mesmo tempo que mostra a solução, mostra também o que a impede de mudar.

A gente tinha que ser mais prático. Observar a realidade do aluno, saber das suas necessidades, até de repente no início do ano deixar até que o aluno fizesse com a gente o planejamento, o que realmente você quer aprender, o que você acha que precisa aprender para você poder ir aplicando aquilo que você aprende

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aqui na sua vida prática. Ah, esse ano eu vou procurar emprego então eu preciso saber redigir uma carta de solicitação de emprego, preciso justificar porque eu preciso daquele emprego, como é que eu devo me comportar numa entrevista, postura física, roupa, maquiagem, o que falar, deveria ser mais prático nesse sentido e na medida do possível ir trabalhando conteúdo também para não podá-lo de poder participar de um concurso, de um vestibular, porque essa parte de conteúdo vai ser exigida dele nesses testes, ele vai ser testado nesse sentido. Mas acho que talvez nós nem estejamos preparados para isso.

Nesse fragmento, além do medo de ousar, que impede a professora de

transformar sua prática profissional, há outros fatores ainda. Ela se sente tecnicamente

despreparada para aproximar os conteúdos acadêmicos da experiência do aluno. Ela

sabe que esse é o caminho mais adequado, entretanto, não sabe como segui-lo. Coloca

que talvez o apoio do grupo de pares, mediante a troca de experiências, seja um bom

caminho.

(...) Talvez a gente deveria trabalhar, trocar mais com os outros professores, com os nossos pares, essas experiências e bolarmos juntos essas estratégias mais práticas, uma metodologia mais prática, para a gente poder fazer com que o aluno perceba que aquilo que ele está aprendendo ele realmente vai utilizar, ele vai precisar daquilo. Acho que a gente ensina muita coisa que não precisa e o que precisa a gente as vezes deixa de lado. Acho que é nesse sentido que acho que a escola e o próprio professor tinha que ter mais autonomia para trabalhar nesse sentido. Mas é o medo de não fugir do sistema, de sair do esquema, de repente ter que responder.

Embora reflita constantemente sobre sua prática e os aspectos que poderiam

ser modificados ou aperfeiçoados, Marta não consegue encontrar uma solução. Ela

não encontra o equilíbrio entre preparar o aluno para a vida e preparar o aluno para o

vestibular. Para ela, são duas metas distintas cujo alcance percorre caminhos

diferentes.

A solução que encontra para esse conflito é escolher o caminho mais fácil,

mais tradicional - aquele que ela domina -, embora reconhecidamente inadequado.

Mas a gente é conivente porque é mais fácil, mais fácil você seguir aquilo que já foi pré-estabelecido e você determinar tomar outros caminhos e ter que responder por essas posturas que você assume, por essas medidas diferentes que você toma, talvez é mais fácil a gente se guiar por esse aqui, já está tudo certinho aqui, o finalzinho é aquele que se espera, a gente responde do jeitinho que ele quer, todo mundo feliz, vai todo

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mundo para as suas ferinhas, é mais fácil.

Ela se preocupa e reflete sobre o que precisa ser mudado, mas, ao mesmo

tempo, sente-se impotente, cansada e desmotivada para realizar as mudanças.

Eu realmente me sinto impotente, impotente. O que é que eu posso fazer? Vem sempre aquela pergunta: o que é que eu posso fazer? Eu faço muito isso. Perco a noite pensando em que estratégias eu poderia desenvolver, que metodologias poderia utilizar para melhorar essa questão. Eu me sinto impotente, totalmente impotente e muito triste, muito triste, porque a gente acaba pegando um carinho muito grande por essa meninada (segura o choro).

Marta se emociona em diversos momentos da entrevista. Em muitos desses

momentos sua emoção foi discretamente contida, entretanto, ao relatar seu sentimento

de impotência face as mudanças necessárias em seu trabalho essa emoção apareceu

com mais intensidade e ela segurou o choro. É interessante observar que os

sentimentos de impotência em face das transformações percebidas como necessárias

no próprio trabalho e que lhe causaram uma manifestação emotiva maior estão ligadas

às suas preocupações em relação ao futuro dos alunos.

Ela sente-se co-responsável pela inserção de seus alunos no mercado de

trabalho. O papel da escola é permitir que os alunos possam prosseguir os estudos e

encontrar um emprego que os torne cidadãos. Entretanto, ela reafirma seu sentimento

de inadequação ao perceber que tanto ela quanto a escola não conseguem cumprir

esse papel.

(...) Fico pensando qual é o futuro dessa turma? Porque o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, todo ano você vê, tanta gente sai do ensino médio, termina o terceiro ano, como o mercado de trabalho vai absorver todo mundo, sem preparo nenhum, sem experiência, sem ter muito o que oferecer? Eu penso meu Deus do céu o que vai ser dessa turma, fico muito chateada, muito triste pensando na incerteza do futuro dessa turma.

Além de se achar responsável pela inserção de seus alunos no mercado de

trabalho, a professora se vê também responsável pelo suporte afetivo que os capacite

a resolver problemas de ordem particular, para os quais não recebem orientação em

casa.

(...) dou muita abertura para eles conversarem muito comigo, expõem seus problemas, a gente conversa muito, muitas vezes

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deixei, muitas vezes de dar aula, de estar passando aquele conteúdo, para ficar batendo papo, eu acho que isso é interessante, é importante também porque claro eu não estou dando conteúdo, não estou passando nenhuma regra de acentuação, mas ele está podendo expor o seu problema, estou podendo dar um conselho enquanto mais velha, mais experiente e muitas vezes ajuda. As vezes depois vem o retorno, fala ah, aquela dica que você me deu foi legal, eu fiz assim, fiz assado. Não aprendeu a acentuar as palavras (risos) mas de repente tomou uma posição, um rumo na vida, fez alguma coisa que o ajudou. Então eu tento fazer isso, tento ser o mais aberta possível, o pessoal na escola diz você é mãezona. Sou. Sou, sou mesmo, Eu muitas vezes eu deixo de dar a minha matéria para a gente ficar batendo papo. Principalmente as meninas que de repente chegam e dizem que estão grávidas, naquele desespero.

Diante dos dados apresentados, é possível perceber que as emoções

provocadas pela impotência estão ligadas às expectativas de Marta em oferecer um

caminho, um futuro profissional para os alunos. Paralelamente, suas expectativas

também pretendem oferecer aos alunos algum suporte afetivo. Sua responsabilidade

pelo que chama dar-lhes “um rumo na vida” revela uma postura paternal cuja

autodenominação, aliás, ela assume ao afirmar que “o pessoal na escola diz que

eu sou mãezona. Sou. Sou, sou mesmo”.

Em resumo, a análise realizada neste núcleo permitiu identificar as percepções

que a professora Marta tem sobre si mesma, percepções estas que, num processo

dialético, estão em constante relação com o contexto em que sua atuação profissional

se dá. Explicitou-se o quanto ela se sente uma professora inadequada por não

conseguir desempenhar sua função como gostaria, além de evidenciar,

principalmente, os sentimentos advindos desta forma de se perceber como

profissional e que a impedem de produzir mudanças em sua atuação.

b2) Como vê o aluno.

Segundo a entrevistada, os alunos estão classificados em três tipos: os

desinteressados e sem pré-requisitos; os interessados, motivados e questionadores; e

os que vão à escola apenas em busca de contato social.

Para o primeiro e maior grupo de alunos,

(...) falta de pré-requisitos, falta de experiência de vida, de vivências mesmo, não freqüenta um cinema, não freqüenta um teatro, a leitura é muito pequena porque em casa eles não tem

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esse hábito. Principalmente em escolas mais simples assim em que os alunos são mais simples, os pais a grande maioria são, não diria a maioria, mas alguns são analfabetos, então sabe que o filho tem que estudar mas não sabe exatamente a importância que tem, então não consegue estar incentivando(...) quando sai da escola e vai para casa não tem espaço para estudar, não tem uma bibliotecazinha em que ele possa pesquisar, com muito pouco interesse, porque tem a biblioteca da escola, bibliotecas públicas que poderia estar pesquisando, então não tem muito esse interesse.

Mais adiante, a entrevistada comenta que os alunos não têm perspectiva de

futuro, razão pela qual, dentre outras, ela se sente impedida de exercer sua profissão

da forma como gostaria.

(...) Falta de perspectiva do jovem faz com que a gente não consiga exercer a profissão adequadamente. Nosso jovem é muito perdido. Para que eu vou aprender isso, professora? Sempre aquela velha pergunta: Para que eu vou aprender isso? Eu não vou conseguir ser nem lixeiro. Eu não consigo fazer nada.A falta de perspectiva é muito grande.

Os relatos revelam clara culpabilização do aluno; ela projeta a angústia

decorrente de se perceber uma professora inadequada sobre os alunos, culpando-os

por seu insucesso profissional.

Essa atitude, aliás, por parte dos docentes, é um fenômeno comum, que a

literatura vem descrevendo desde a década de 1980, conforme já abordado no capítulo

2.

Em relação às características acadêmicas dos alunos, a professora observa que

eles não têm capacidade para prestar um vestibular em instituições públicas,

tampouco fazer um cursinho preparatório.

(...) Vestibular para a escola pública, então, é quase impossível. A gente percebe que o aluno não tem capacidade para isso; que ele faça um ano de cursinho, e até cursinho, às vezes, eles não vão conseguir, porque realmente ele não tem fluência nisso. Tem cursinho que é só uma revisão e um aprofundamento daquilo que ele já aprendeu. Se ele não aprendeu nada, ele não vai acompanhar.

Num primeiro momento, ela passa a impressão de que, ao culpar o aluno por

seu fracasso escolar, ela se isenta de qualquer responsabilidade. Entretanto, um olhar

mais apurado constata que, ao mesmo tempo que ela culpa o aluno, ela culpa a si

mesma, ou seja, ao falar do fracasso do aluno, ela fala do seu próprio fracasso como

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professora, uma vez que ela reflete constantemente sobre sua atuação.

O segundo grupo e em menor número de alunos classificado pela entrevistada

- os interessados, motivados, questionadores - permitem-lhe exercer sua profissão de

forma adequada.

(...) Lógico, tem sempre as exceções - não vamos generalizar. Tem alunos que realmente é gostoso. Eles se interessam, vêm, questionam, perguntam, e aí você se sente como professora, como profissional; mas é pouco.

Mas, ao falar dos bons alunos a professora, automaticamente, se remete aos

maus e à má influência que eles exercem na aula.

A gente vê que em cada sala tem uma meia dúzia que sabe. Merecia o mesmo, merecia uma aula mais bem elaborada, melhor elaborada, uma aula mais bem dada, você vê que eles estão ansiosos por conteúdo. Você poderia trazer uma série de coisas para eles trabalharem, mas você não consegue. A gente nivela por baixo. Pega aquele pessoalzinho que sabe muito pouquinho e você esquece aqueles que sabem, que se esforçam, que se interessam, que pesquisam, porque estes caminham praticamente sozinhos na sala de aula. Às vezes, a gente não sabe nem o nome deles. Sabe o nome dos bagunceiros, daquele que você está sempre chamando atenção, porque está sempre te atraindo a atenção, te perturbando, fazendo bagunça, mexendo com o outro. Então é complicado, nesse sentido, da gente exercer a profissão da gente.

Embora reconheça que os bons alunos caminham praticamente sozinhos na

sala de aula, sem precisar de muita mediação do professor, Marta acredita que estes

lhe possibilitam exercer a profissão adequadamente. O que é em si uma contradição,

afinal de contas, alunos assim tão bons não precisam do professor.

O terceiro grupo de alunos - os que vão à escola pelo contato social que ela

proporciona, para fugir do convívio familiar muitas vezes desestruturado e para o

exercício do tráfico de drogas.

(...) Tem uns alunos que vão lá para arrebanhar, para passar, incentivar, mostrar, aliciar mesmo os colegas. (...) Então tem esses alunos também que vão para a escola só para isso; não têm objetivo nenhum de estudar.(...) Outros que vão para namorar; outros que vão só para bagunçar; outros que vão só para não ficar em casa, para fugir de casa, porque o ambiente familiar é muito ruim, então é agradável ficar naquela escola por algumas horas, porque ele se livra dos problemas de casa. A gente sabe que têm os pais bem problemáticos, a família bem problemática. Então eles vêm na

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escola para isso, para fugir um pouco de casa; outros para dar uma namoradinha, outros para outras coisinhas.

A entrevistada relaciona a qualidade de seu trabalho aos “tipos” de alunos que

possui.

(...) Eu, no início do ano, eu geralmente até faço um questionário assim para verificar, para conhecer mais ou menos o aluno; mas não adianta muito porque ele escreve às vezes o que é, qualquer coisa lá; ele não é, ele não é totalmente verdadeiro nas suas respostas. Ou até, às vezes, por vergonha, ele responde o que ele acha que a gente gostaria de ouvir, como muitas vezes a gente faz, né? Quando vai fazer qualquer coisa, você responde, responde; quando a gente vai fazer cursos, vai fazer relatórios para a Secretaria, delegacia de ensino, a gente escreve aquilo que ele gostaria de ouvir que é para não te dar trabalho. Escreve. E o aluno também é meio assim; ele não é fiel, não é verdadeiro, e o conhecimento que a gente tem dele, da clientela, não é suficiente; não dá para estabelecer uma metodologia de verificar exatamente aquilo que ele precisaria aprender. Mas, nesse sentido, eu acho que a gente não exerce a profissão. A gente tenta orientar, tenta passar aquilo que você aprendeu, mas, muitas vezes, a gente não consegue. Aí a gente brinca de escolinha. A gente brinca de escolinha.

Em resumo, a análise realizada neste núcleo permitiu demonstrar as

concepções que Marta possui sobre o aluno, concepções estas que, num processo

dialético, relacionam-se com a forma como ela se percebe e exerce sua atuação

profissional.

b3) Como pensa que é vista.

Marta acredita que, no contexto social, o professor tem pelo menos duas

imagens diferentes. Uma parcela de pais lhe atribui a responsabilidade pela formação

do jovem e alimenta a esperança de um futuro melhor para seus filhos.

(...) Mas no contato pessoal, principalmente, com os pais desses alunos, não sei se eles estão mais perdidos do que nunca, eles ainda depõem (sic) lá na mão do professor a esperança de um futuro melhor para os filhos dele. Tem muitos pais que chegam e falam que não sabem mais o que fazer com o filho. Você me ajuda? Você faz? Você pode. Pelo amor de Deus! Então, ainda deposita na gente essa esperança.

(...) Vem para a escola e deixa na mão do professor. Faça o que você puder pelo meu filho. A gente faz até onde a gente pode.

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O pedido dos pais para que a professora assuma o papel de cuidado com seus

filhos traduz-se na função de “mãezona”, já mencionada.

De outro lado, há uma parcela da população que desvaloriza muito o

professor.

Por outro lado nós temos pais que chegam lá e põe o professor assim abaixo. Não tem o mínimo respeito, ah, esses professores são vagabundos, ah esses professores não prestam para nada, a gente ouve muito isso. Acho que está meio dividido ainda, acho que tem uma facção da sociedade, uma parte da sociedade que ainda valoriza, que ainda respeita o professor e outra da qual nós não somos nada, nada, nada, nada, somos vagabundos, somos preguiçosos, só estamos querendo ganhar, como se ganhássemos tão bem. A gente ganha tão bem...

Mas a desvalorização do professor não advém só dos pais dos alunos.

Ele [o professor] leva tanta patada. É de cima, é de baixo, é do aluno, é do pai do aluno, é da direção da escola, é da diretoria de ensino, é da sociedade; é, muitas vezes, da mídia, que denigre a imagem do professor.

No entanto, o próprio professor é culpado pela imagem que a sociedade

construiu de seu trabalho, fruto de um círculo vicioso, alimentado em parte pela baixa

qualidade do ensino brasileiro.

(...) Tem essa visão do professor: o professor não sabe nada, o professor está despreparado - e infelizmente está mesmo, até porque quantos desses alunos, alguns desses alunos vão entrar para o magistério? Eles já vêm despreparados desde o primário, passam pelas faculdades que acabam absorvendo esses alunos porque para ela é lucro. O aluno, aos trancos e barrancos, vai conseguindo se formar e ingressa no magistério despreparado.

O que influencia a imagem que a sociedade tem do professor está relacionado

ao grau de sua qualificação profissional. “(...) antigamente, na época em que eu

fui aluna, a maioria dos professores já tinha viajado para fora, tinha feito

algum outro curso em algum outro lugar. Tinha uma vivência de vida muito

maior do que a gente tem hoje”.

Essa falta de qualificação profissional, segundo Marta, se justifica pela falta de

tempo, acúmulo de tarefas e pelos baixos salários recebidos pelo professorado.

Hoje, mal dá para você comprar os livros para você se atualizar.

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A gente trabalha para sobreviver mesmo. Aqueles que ganham um pouquinho mais trabalham o dia inteiro, das sete da manhã às onze da noite. Que tempo esse professor tem para estar se atualizando? Para ir a um museu? Para ir a um cinema? Para ir a um teatro? Para ler. A gente não tem. Se você tem tempo, não tem dinheiro, porque, se você tem tempo, é porque você trabalha pouco; se você trabalha pouco, ganha menos ainda. Se você ganha um pouquinho melhor, você não tem tempo, porque você se ocupa das sete às onze dando aula. Finalzinho de semana é para você preparar as aulas, porque é um trabalho intenso. É diferente se você trabalha num escritório: fechou a portinha lá da firma, vem para casa, acabou, seu serviço está lá. No outro dia você vai chegar. Não, você traz as coisas para casa, você tem diário para preencher, tem prova para corrigir, tem aula para preparar. Você trabalha muito extra-sala. Alguns ainda conseguem fazer alguma coisa dentro da própria escola, mas é difícil, principalmente pelo número de alunos que a gente tem. Português fica até mais fácil para a gente, porque nós temos um número de aulas muito grande por série, por sala, então, de repente, se você pega trinta aulas, tem cinco salas só. Pensa num professor de História, num professor de Inglês, de Geografia, que tem duas aulas por sala. Ele é obrigado, para ter trinta aulas, ele é obrigado a ter quinze classes. Já imaginou o que é quinze classes com uma média de quarenta alunos? É muita coisa, muita coisa, muita prova para corrigir, muito trabalho para corrigir, e a gente tem muito trabalho extra-sala de aula, e aí acaba não te sobrando tempo. Se te sobra tempo, você não tem dinheiro. Se tem dinheiro, não tem tempo para estar se aperfeiçoando, para estar fazendo curso. (...) Hoje, a gente tem alguns professores que precisariam voltar para a escola.

A professora discorre sobre as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos

professores cuja profissão exige dedicação integral dele em razão do grande volume

de trabalho fora da sala de aula, que também o impede de ter uma vida social ou de se

dedicar a estudos e aperfeiçoamento. Somem-se a isso tudo os baixos salários, que

também dificultam o ingresso de professores e a freqüência a cursos de atualização e

aperfeiçoamento.

A professora não se coloca numa posição de vítima em face das imagens

sociais negativas de sua profissão. Ela ressalta que, em parte, elas advêm da própria

categoria e afirma ser necessário que o professorado trabalhasse para revertê-las.

(...) Eu acho que nós somos um pouco culpados. Acho que a gente tinha que, observando o grupo, às vezes, algumas coisa, se o professor está se comportando assim. Nós tínhamos que nos valorizar. Tínhamos que ter uma postura diferente e mostrar que nós somos capazes. Acho que a gente tinha que reverter

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esse quadro. Acho que chegamos agora num ponto que está muito complicado. A própria sociedade vê a gente de uma forma ruim.

Reconhece que o governo, ao remunerar a categoria com baixos salários,

também contribui para desvalorizar a imagem social do professor.

(...) O governo também acaba. Ele sabe tudo o que acontece. Ele sabe o nível dos professores e acaba desvalorizando - o salário é baixo. A partir do momento que a gente mostrar que a gente tem um potencial, que a gente tem capacidade, acho que isso começa a se reverter, esse quadro começa a melhorar. É aquela coisa que eu sempre falo para o aluno: se você cumprir bem com os seus deveres, você tem como exigir os seus direitos.

As ações do governo são reações ao trabalho apresentado pela categoria.

Marta reconhece a desvalorização social produzida, em parte, por culpa dos

professores, razão pela qual aponta a necessidade de eles trabalharem em prol de suas

melhores imagens.

Professor sentou no banco do aluno fica igualzinho: Indisciplinado, irreverente, irresponsável, desinteressado. Tudo isso, é lógico, tem alguém percebendo isso; alguém sabe dessa nossa postura e até, às vezes, da do próprio preparo que a gente tem que estar bem aquém daquilo que se deseja para um educador.

Para Marta a baixa qualificação do professorado influencia diretamente a

qualificação de outras áreas profissionais.

Essa falta de interesse geral. Não diria só professor mas muitos outros profissionais também são maus profissionais por causa dessa má formação que ele está tendo. (...) Isso é um círculo e a gente tinha que quebrar.

A análise deste núcleo permitiu identificar as imagens sociais que a

entrevistada revela existir a respeito de sua profissão de professora. É interessante

destacar sua inconformidade em face dessas imagens bem como seu desejo de

reverter esse quadro. As imagens partilhadas socialmente sobre sua profissão de

docente repercutem sobre o seu trabalho bem como e principalmente sobre a maneira

como ela se vê nesse mesmo contexto social.

c) Os sentidos da profissão

O item anterior apresentou uma análise intranúcleos, isto é, a consideração dos

conteúdos que compõem os núcleos de significação respeitou a objetividade do

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discurso da professora entrevistada.

Este item pretende realizar uma análise internúcleos, cujo objetivo é relacionar

os conteúdos dos núcleos de significação com o contexto histórico, político e social

em que se dá a prática da professora. Dessa análise emergem os sentidos atribuídos

por ela à sua profissão, sentidos estes que se expressam como uma atuação em

constante conflito.

Um conflito importante é marcado pela dicotomia entre a imagem da

professora ideal que ela gostaria de ser e a professora real; os alunos ideais que ela

gostaria de ter e os alunos reais.

Como já visto, para a entrevistada, a professora ideal é aquela que está no

centro do processo de ensino-aprendizagem, que seleciona e transmite os conteúdos

que acredita necessários ao desenvolvimento do aluno. Em contrapartida, o aluno

ideal é aquele que alimenta a imagem da professora ideal, que se mantém motivado e

interessado nas aulas e atividades propostas.

A entrevistada reconhece não ser essa professora ideal e culpa o aluno por

isso, uma vez que a maioria deles é o oposto do aluno ideal.

E como seriam um aluno e um professor ideais? O aluno ideal é aquele que se

aproxima da experiência por que passou a professora quando aluna, de acordo com

um ensino tradicional, marcado pela figura do professor como centro do processo

ensino-aprendizagem, e do aluno passivo, receptor do conhecimento.

Esperava-se que o alunado daquela época fosse preparado para o mercado de

trabalho, para a aprovação em exames vestibulares e concursos públicos, para uma

sociedade que esperava receber um profissional especialista, técnico e detentor de um

saber voltado para uma área específica.

Hoje, entretanto, exigem-se do professor novas competências, um profissional

muito mais generalista que especialista, que saiba relacionar-se harmoniosamente em

equipe, tenha flexibilidade e habilidades para solucionar rapidamente problemas num

mundo globalizado e em constante mutação (Zabala, 2002).

No passado, à luz de uma concepção de ensino tradicional, privilegiava-se a

transmissão de conteúdos, exatamente da maneira como Marta se sente capaz de fazer

- “passar tudo aquilo que realmente você sabe que ele precisa, aquilo que

ele quer aprender, aquilo que ele precisa aprender embora ele não queira”.

A professora não se sente capaz de oferecer ao aluno uma formação que

atenda as demandas da sociedade atual, por isso, talvez, ela vivencie o conflito de

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formar o aluno para o vestibular, ou para o exercício da cidadania. Sem alternativas, a

professora acaba por não realizar uma coisa nem outra; prefere a postura da

professora “mãezona”.

Mas a “maezona” desvaloriza a transmissão de um saber objetivo de sua área

de conhecimento, descaracteriza seu papel de professora, uma vez que nega o ato de

ensinar e passa a executar uma função de suporte afetivo, ao mesmo tempo que

ameniza sua sensação de inutilidade profissional, bem como responde a uma demanda

social que espera isso do professor. Acaba produzindo o “esvaziamento do trabalho

educativo escolar, transformando-o num processo sem conteúdo” (Duarte, 2004, p.9).

Ao admitir que não se sente capaz de ensinar português aos alunos, ela troca

de função e reduz seu trabalho ao que consegue fazer, a passar orientações sobre

problemas cotidianos, a ser afetiva, a desenvolver uma relação pessoal que ultrapassa

os limites da sala de aula.

(...) Eles vêm à minha casa, me ligam, mesmo porque eu moro aqui pertinho. E então, a convivência acaba sendo uma convivência extra escola. O pessoal participa muito, vem aqui, a gente sai junto, vai para o cinema. O meu relacionamento é gostoso. Não digo que eu consiga exercer a minha profissão tal qual deveria.

A professora adota um comportamento, denominado nesse estudo como uma

estratégia de sobrevivência e preservação psíquica. Para sobreviver à frustração que

sua atuação profissional lhe oferece, ela procura alternativas de atuação, mesmo que

elas estejam fora do seu papel de professor, mas que, para ela, são as únicas possíveis.

A imagem da professora como segunda mãe é uma construção já histórica, que

existe desde que a profissão passou a ser exercida por mulheres. Em virtude da

expansão do processo de industrialização ocorrido na década de 1950, os homens

deixaram a profissão de professor e foram em busca de melhores salários e status

social. O trabalho docente acabou sendo visto como uma extensão do trabalho

realizado no lar, bem como a escolarização que privilegiava o ensino de trabalhos

manuais em detrimento da leitura, escrita e aritmética. (Romero, 1996, p. 19)

Percebe-se que Marta, ainda hoje, numa sociedade marcada por outros valores

e novas conjunturas, continua exercendo este papel de professora-mãe, embasada

numa imagem social construída na década de 1950.

Embora Marta reflita e procure meios de ensinar, considerando os dois pólos

que lhe deixam em conflito - formar o aluno para a vida ou para o vestibular -, ela não

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os encontra. Embora participe de cursos de capacitação profissional oferecidos pelo

governo, que pregam novas formas de ensinar, ela não internaliza suficientemente

esses conhecimentos muito menos consegue pô-los em prática.

Depois de discutidas as características e as razões que fazem do professor um

profissional mal formado pelos cursos de licenciatura e de capacitação em serviço,

conseqüentemente responsáveis pela baixa qualidade do ensino produzido nas escolas

brasileiras - capítulo 2 deste estudo -, conviria conferir o trabalho de Zagury (2006),

O professor refém, que apresenta uma nova e interessante compreensão sobre a

dificuldade deles em internalizar novas formas de ensinar.

Para Zagury (2006), os professores têm sido vítimas das constantes mudanças

nas linhas pedagógicas seguidas pelas escolas. A cada novo governo, opta-se por uma

nova linha pedagógica, entretanto, os professores não recebem uma formação

adequada para tomar conhecimento dela, o que acaba por gerar, além do insucesso de

sua aplicação, um sentimento de muita insegurança no professor. No Brasil, as mudanças educacionais têm sido “de papel”, ocorrem na “lei”. Mas lá na sua sala de aula, o professor não recebe o treinamento de que necessita para efetivar com segurança o novo modelo. Muito menos chegam a ele os suportes necessários de infra-estrutura física, material ou os equipamentos que poderiam ao menos possibilitar alguma chance de sucesso (p.45).

Em face desse conflito não resolvido, a entrevistada opta por trabalhar da

forma que sabe, isto é, como uma professora tradicional para alunos tradicionais -

que, na realidade, não existem. Culpabilizar o aluno pelo seu próprio insucesso é uma

estratégia de que se serve a professora para justificar sua atuação profissional

inadequada. Se ela tivesse alunos ideais, o trabalho dela seria adequado. Como não os

tem, sua estratégia para lidar com a situação apresentada torna-se ineficiente, motivo

que a faz ressaltar tanto que os alunos não lhe permitem exercer a profissão como

gostaria. Na verdade, o que ela efetivamente quer dizer é: não é como eu gostaria, é

como eu sei trabalhar.

A atitude de culpabilização do aluno por parte do professor tem implicações

importantes como ressalta Mantovanini (2001) Os alunos, por sua vez, rendem-se, provavelmente sem muita resistência, a essa condição de aluno problema, pois são crianças e não possuem recursos suficientes de defesa (...) Render-se à condição de aluno problema implica não esperar muito da escola, de si e de seus professores (...) Alunos problema não tentam, não ousam, desistem da partida muito antes de o jogo terminar, colocam-se como perdedores (p. 134)

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A observação da autora remete ao relato da entrevistada quando ela se refere à

falta de perspectiva de seus alunos: “(...) Eu não vou conseguir ser nem lixeiro.

Eu não consigo fazer nada”.

A imagem que o professor tem do aluno influencia a imagem que o próprio

aluno constrói de si mesmo, e vice-versa. Por isso, ao perceber que o professor o vê

como um aluno problema, desinteressado, sem perspectiva, o jovem tem a tendência

de assumir esse papel que lhe é atribuído.

Marta tem consciência de que sua atuação como professora não é suficiente

para formar o aluno que a sociedade exige, por isso ela se frustra, se desmotiva, se

sente imperfeita, se sente uma professora que não exerce a profissão tal qual deveria.

Esses sentimentos permeiam emocionalmente sua fala que permite compreender por

que eles alimentam seus diferentes conflitos profissionais.

Uma das razões desse conflito é por que sua prática não é alienada. Marta está

atenta ao aluno que sai da escola, com o futuro dele e com a sociedade de que ele vai

participar. Em suas palavras: “A má formação que vai gerando o mau

profissional que vai gerando mais má formação”.

Ao referir-se às suas maiores realizações profissionais, Marta confirma a

análise realizada neste item a respeito do uso de estratégias de sobrevivência e

preservação psíquicas. Suas realizações estão ligadas aos dois pólos de conflito aqui

abordados. O primeiro motivo de realização é encontrar como colegas de trabalho

pessoas que no passado foram seus alunos, ou seja, ao constatar que seu trabalho foi

bem sucedido o suficiente para atingir o objetivo de inserir um aluno na sociedade,

capacitando-o para o mercado de trabalho e conseqüente exercício da cidadania. O

outro motivo caracteriza-se por constatar que os conselhos dados por ela foram

seguidos pelos alunos e que resultaram na solução de algum problema pessoal que

eles possuíam, ou seja, ela foi útil para encaminhá-los na vida em algum nível, de

alguma forma.

Para finalizar, é possível concluir que os sentidos atribuídos pela professora

Marta à sua profissão podem ser resumidos como uma profissão em conflito.

Conflitos expressos pelas dúvidas a respeito do quê, para quê e para quem ensinar;

pelas dúvidas sobre o que fazer para alterar os comportamentos sentidos como

inadequados; e pelas culpas por se acomodar, se cansar, se desmotivar.

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Eu diria que é dar murro em ponta de faca. É mais ou menos por aí. É um trabalho árduo, muito árduo. Mas a gente não pode desistir, mesmo que fure a mão. Tem que continuar trabalhando. Eu não desisto, não desisto. Lógico, muitas vezes estou meio desestimulada, fico cansada, fico me perguntando para que tudo isso? No outro dia eu levanto, olho para a carinha deles e digo: não, eles estão aí; eles precisam de uma orientação; eles precisam de um caminho, e eu vou continuar, quer eles queriam, quer não queriam. (risos) Quer queiram, quer não queiram.

A expressão “dar murro em ponta de faca” ilustra bem os sentidos

atribuídos por Marta à sua profissão: ela está o tempo todo lidando com os diversos

conflitos que a incomodam, uma vez que está constantemente em busca de soluções e

alternativas para a superação de tais conflitos.

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UMA PROFISSÃO EXTENUANTE

a) Descrição da personagem, do cenário e da conjuntura

Neste primeiro momento de análise procurou-se caracterizar a personagem

Wanda, o cenário e a conjuntura em que seu trabalho se dá. O intuito é construir um

pano de fundo que permita articular e compreender as discussões que serão realizadas

posteriormente nos núcleos de significação.

a1) A personagem

Wanda tem 46 anos embora sua aparência física demonstre mais. É uma

mulher pouco vaidosa, de aparência descuidada, com cabelos por pintar e

despenteados.

Bastante comunicativa e bem humorada, fala alto, expressa-se com gestos e

demonstra ansiedade, sempre pronta a se manifestar mesmo se interromper o

interlocutor, como fez diversas vezes ao longo da entrevista.

Em 1984, formou-se em História por uma universidade particular de São

Paulo, desde quando atua como professora na rede estadual de ensino paulista. Atua

nos períodos matutino e noturno, junto ao ensino médio.

A entrevista foi realizada na residência de um amigo comum de Wanda e da

pesquisadora, que intermediou o encontro, de modo que elas se conheceram no

momento da entrevista.

a2) O cenário

Wanda trabalha numa escola pública estadual na periferia da Zona Sul de São

Paulo, que funciona em três períodos e atende da quinta série do ensino fundamental à

terceira do ensino médio. Tem 13 aulas semanais no período da manhã e outras 20 no

período da noite em classes da segunda e terceira séries do ensino médio, classes com

40 alunos em média.

Seus alunos são desinteressados, malcriados e desrespeitosos para com seu

trabalho, ela se queixa. Alguns vão drogados ou alcoolizados para a aula. Além da

indisciplina dos alunos, Wanda ressalta que a direção da escola tolhe sua liberdade e

autonomia de trabalho.

a3) Os acontecimentos e as relações de forças vinculadas à educação nas quais Wanda

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se constitui professora.

A idade de Wanda é próxima da de Marta, o que faz delas estudantes que se

formaram num contexto bastante próximos também. (já descrito na análise da

entrevista anterior)

Ambas estudaram durante o regime da ditadura militar e ingressaram na

profissão num momento marcado pela vigência da Nova República e trabalham na

vigência da LDB 9.394/96.

Wanda, no entanto, vivenciou esses acontecimentos de forma diferente de

Marta, o que fez delas pessoas muito singulares.

b) Os núcleos de significação

Neste item faz-se uma análise intranúcleos dos dados da entrevista, de acordo

com a proposta de Aguiar e Ozella (2005), isto é, a análise fica presa ao discurso da

entrevistada, na tentativa de compreender como ela se vê, como vê seu aluno e como

pensa que é vista pelo contexto social em que trabalha.

b1) Como se vê

Wanda se vê como uma profissional dividida entre as tarefas da escola e do

lar, como esposa e mãe que é. Essa divisão de papéis torna sua profissão não muito

fácil.

Olha, não é fácil (risos). Não é fácil porque a gente como mulher tem a atribuição da família, principalmente quando você tem uma família, filhos, marido e filhos, porque você tem que dar atenção para as suas crianças, você tem que acompanhar os seus filhos, o crescimento deles, a escola; eles estão começando a ficar adolescentes, tem que redobrar a conversa, os cuidados, a atenção com eles. Exige muito a minha participação em casa.Por outro lado, eu também me exijo muito no trabalho, principalmente na correção de provas, trabalhos, exercícios. Às vezes eu vejo que os meus filhos querem conversar comigo, e eu estou com aquela pilha de provas em cima da mesa para corrigir.Meu marido chega do trabalho, eu estou saindo para ir dar aula à noite. Ele me dá um beijo e eu vou trabalhar, quer dizer, é uma situação complicada. Ele me olha assim, né?... Puxa! A gente podia sentar e conversar. Aí, quando eu chego, às onze horas da noite, ele está cansado e vai dormir. Às vezes eu nem converso mais com ele, porque ele já foi dormir primeiro. Então, é uma situação que você tem inúmeras dificuldades no seu dia-a-dia.

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No discurso da entrevistada, a questão do gênero feminino é muito forte; ela

ressalta constantemente suas dificuldades para exercer sua profissão.

(...) principalmente para o lado feminino, não sei para os professores homens, mas as professoras mulheres no se dividir no lar, né? É complicado. Se a gente tivesse uma remuneração boa, poderia até ter uma empregada para fazer os afazeres domésticos. A gente não tem essas condições. É difícil. Almoçar, fazer almoço, limpar a casa, cuidar das crianças, dar atenção para eles. Olha, não é muito fácil, não.

A dificuldade em se dividir entre o trabalho da escola e o de dona de casa,

esposa e mãe repercute em sua atividade docente. Para ela, não é possível exercer

satisfatoriamente nenhum dos dois papéis.

(...) É difícil. Eu tento, mas eu acho que eu não sou 100% boa professora, nem 100% boa mãe (risos), porque eu acho que não dá para eu me dedicar inteiramente às duas coisas. Eu me dedico o máximo que eu posso aos dois, mas eu não acho que eu sou 100% boa mãe, nem 100% boa professora, porque, às vezes, eu também fico pensando na minha casa. Tá na hora de ir para casa. Aquele inferno dentro da classe, você lembra do seu filho e da sua filha, né?

Quando indagada sobre o que seria uma professora 100% Wanda responde

com informações sobre a condição de uma professora na atualidade. Ela acredita que

para exercer satisfatoriamente sua profissão deveria ter mais tempo para se dedicar

aos alunos, conhecer suas dificuldades e potencialidades, de tal modo que pudesse

orientá-los e estimulá-los melhor. Em razão da baixa remuneração, ela não consegue

realizar o que julga ser tarefa sua, bem como é obrigada a ter muitas classes, o que, no

final, resulta num elevado número de alunos.

Eu acho que seria uma professora que tivesse menos aula, para poder se dedicar mais às suas aulas. Na atualidade, a gente tem que ter muita aula para poder ganhar um salário razoável. A gente tem que pegar trinta e três aulas [por semana] para poder ganhar R$ 1.000,00. Isso significa quinze salas de aula com uma média de quarenta alunos por sala. e então, quinze vezes quarenta, você vê quantos alunos eu tenho, certo?Então eu não conheço todos eles, certo? Eu deveria conhecer meus alunos todos, mas eu não conheço todos eles. Eu não consigo identificar qual é o ponto mais fraco de cada um, porque são muitos alunos para mim. Então, para mim, o ideal, o professor legal, o professor para trabalhar bem, menos sala de aula para poder se dedicar mais ao aluno. Aí você poderia apontar: olha,

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esse tem dificuldade de leitura; ele tem medo de se expressar; esse aqui tem dificuldade para escrever; esse para interpretação. A gente detecta essas coisas, mas eu acho que é superficialmente, porque com quase quatrocentos alunos eu não posso ficar investigando o problema individual dos meus alunos. É muita gente. E eu dedico tempo com eles, eu olho caderno, converso com cada um, chamo na minha mesa (...), mas dizer que dá para fazer isso 100% não dá, porque são muitos alunos que eu tenho que dar aula por causa do nível salarial. Então, se a gente tivesse um salário melhor, daria para pegar menos aula, menos aulas, menos alunos e, aí, maior dedicação.

A professora se queixa da falta de autonomia e de liberdade para exercer seu

trabalho da forma como julga necessário. Liberdade e autonomia, para ela, são a

possibilidade de o professor encerrar a aula quando julgar que a matéria do dia já foi

trabalhada de maneira suficiente, por exemplo. Essa falta de autonomia é imposta pela

direção da escola.

(...) Você não tem nem um pingo de liberdade para você criar alguma coisa ou trabalhar diferente. O horário é rígido, aquela coisa. O professor não tem autonomia de falar: Hoje a aula já terminou, podem sair. Você não tem essa autonomia. Falta um minuto para bater o sinal, mesmo que você já tenha dado todinha a matéria, explicado, feito exercício, corrigido, você tem que ficar segurando o aluno, às vezes com fome, principalmente no noturno. Eu dou aula à noite... com fome, com sono, cansado, porque não deu o sinal. Você já terminou, faz uns cinco minutos que você terminou a sua aula... Por que que você não tem autonomia de falar: bom, nós já fizemos o nosso trabalho, fizemos tudo, podem ir para casa descansar. Você não tem essa autonomia. Ai de você! Tem diretora tão severa, tão ridiculamente limitada, que coloca falta para um professor que está ali dentro trabalhando, porque ele deixou o aluno sair dois minutos mais cedo. Já puseram falta para mim porque eu estava fazendo prova e deixei os alunos saírem, porque eles estavam incomodando quem tava fazendo, e eu deixei sair. Para quê? Ela foi lá e pôs falta.

Além do controle de horário imposto pela diretora, a entrevistada se queixa de

não poder valer-se de métodos modernos e inovadores na condução das atividades,

uma vez que a direção da escola impõe restrições ao uso do espaço físico da escola.

Então você não tem liberdade. É mentira que você tem liberdade. Você não tem liberdade de bolar uma aula diferente. Se você vai no pátio levar eles para observar a natureza e mandar fazer uma redação - não é minha matéria -, mas se você está lá, aula de português, vamos falar sobre as árvores, vamos sentar embaixo

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da árvore.. Nossa!... Você está matando aula, você está enrolando, entendeu?Então, a cabeça da direção está tudo muito atrasada na minha opinião (...) Então, para mim, é uma pedagogia muito arcaica. É uma maneira de ver a aula, a sala de aula muito bitolada.

Esse fragmento revela uma relação complicada entre a professora e a direção

da escola, que é reiterada em outros momentos da entrevista.

Para Wanda a diretora tem uma visão “arcaica e bitolada” da educação, o que

compromete o gerenciamento do trabalho escolar. Nesse conflito, a professora

manifesta como gostaria de atuar.

Sabe, eu acho ridículo dar aula para os alunos um atrás do outro enfileirado, sei lá. Uma sala legal seria uma sala redonda, onde eu sentasse em círculo para bater papo com eles, conversar; não aquela todo mundo enfileirado, tudo igual, sabe? Tá todo mundo ali, igualzinho, e as pessoas não são iguais. E aquilo massifica uma sala de aula, não é? A posição da carteira, o professor lá na frente... Por que o professor não pode estar no círculo?

Quando dava aula em sala ambiente, a professora relata que tinha autonomia

para organizar a aula da forma como achava apropriado.

(...) Eu achava excelente a sala ambiente, porque aí eu punha a minha sala em círculo, eles entravam e sentavam daquele jeito. (...) Eu tinha mapas, eu tinha fotografia de sem-terra, eu tinha foto de personalidades históricas, entendeu? Cada semana trazia uma coisa. Pendurava jornal com as notícias da semana ou a revista Veja. Punha lá para eles lerem. Tinha uma bancadinha para eles lerem revista. Eles podiam ir lá, olhar a revista Veja, IstoÉ. (...). A minha sala era diferente.

Trabalhar em sala ambiente era, para Wanda, sinônimo de autonomia e

liberdade para decidir o que é melhor para o seu trabalho; era a expressão de sua

individualidade.

Ele [o aluno] vai observar a tua sala porque o seu ambiente é diferente; então, ele vai encontrar lá uma outra sala, uma outra pessoa, uma personalidade, você impõe a sua personalidade na sua sala. E então, eu adorava trabalhar em sala ambiente.

A sala ambiente foi suprimida pela direção com o apoio de um grupo de

professores, segundo os quais ela indisciplinava os alunos, dava-lhes muito trabalho.

Antes, a gente ainda tinha sala ambiente, mas isso não agrada os diretores, porque o aluno no corredor atrapalha, faz barulho,

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para o diretor, ele não gosta. (...) Mas, quando toca o sinal, o aluno muda e fica aquele tumulto no corredor, quando toca o sinal. Desagrada a direção, que é convencional, que é, sabe?, pessoal que não enxerga mais à frente, que não sabe lidar com o novo, que está arraigado em coisas do passado, na minha opinião.(...) Mas a minha diretora cortou, porque era inconveniente para ela por causa do barulho. Dá trabalho, você tem que levantar da cadeira, espiar o corredor, né? E então, quando faz barulho, ela tinha que olhar.E aí, muitos professores que também não gostavam de cuidar das suas salas, também apoiaram a atitude dela. Porque é complicado... Você tem que cuidar, né?... Se riscou a parede: você não estava lá? Se riscou a carteira: você não estava lá? Então, tinha professor que não queria se comprometer que eles riscaram a carteira, que eles sujaram a parede. Se a sala é dela, então adoraram que ela tirou, porque são pessoas que não querem se comprometer e não querem assumir esses riscos, de cuidar do armário, de cuidar dos livros daquele armário.

Para Wanda, a direção da escola, ao suprimir a sala ambiente, cortou sua

liberdade de trabalho, além de dificultá-lo, gerar desmotivação e comodismo.

Agora, quantas horas eu vou levar para arrumar uma sala em círculos? Dá o sinal, tem que desarrumar, arrumar, desarrumar, quer dizer, eu vou passar mais da metade da minha vida dentro da escola arrumando carteira. Então, no fim, você dá aula daquele jeito que está mesmo, porque você não tem estrutura física e psicológica para ficar arrumando classe cada aula que você entra. Toca o sinal, muda a classe; toca o sinal, você muda de sala, não é verdade?

O relato acima torna possível perceber que Wanda sente-se como a única

responsável por organizar a sala. Ela não percebe que poderia envolver também a

participação dos alunos e que assim poderia dar sua aula da forma como almeja. Seu

discurso fica preso às impossibilidades.

Indagada a respeito dos sentimentos que a falta de autonomia no trabalho lhe

traz, Wanda novamente se queixa da direção e da forma como ela organiza a atuação

dos professores.

(...) Porque você não tem autonomia profissional. Não existe autonomia para o seu trabalho. Você tem que se adaptar às regras.(...) É um sentimento de você não ter liberdade, não ter autonomia. Eu não me sinto uma pessoa autônoma no meu trabalho. Eu não tenho autonomia. A pedagogia atual, a direção atual, sei lá. Nós estamos parados, parados. Eu, a minha cabeça já está avançada. A minha cabeça já está avançada, sabe? Na

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minha cabeça, tinha que ter computador na classe, enfiar o disquete lá, o CD Room, cada um sentado lá no computador: Vamos assistir lá as Cruzadas; vamos assistir Gladiador; vamos comentar, você entendeu? Uma visão mais adiantada, mais técnica.

Ao se opor à direção da escola, a entrevistada acaba por se autodefinir como

professora, uma profissional moderna, inovadora, disposta ao uso de recursos

audiovisuais, com boas propostas para o ensino, que vão da organização do espaço

físico, da ampliação do período escolar, à modificação do currículo, que incluiria

cursos profissionalizantes.

No relato abaixo Wanda coloca, o que segundo ela, seria a função da escola.

Percebe-se que é a visão da escola particular brasileira e que há embutida nesta visão

uma preocupação com a preparação de seu alunado para o mercado de trabalho,

ingresso na sociedade e exercício da cidadania.

(...) E eu também acho que a escola tem que ser diferente. O aluno tem que estudar o dia inteiro, não só meio período. À tarde, ele tem que fazer outras disciplinas que lhe agradem: balé, teatro, música, culinária, para quem gosta, corte e costura, qualquer coisa, desde que ele possa optar, sabe? Que ele queira.Qual o mal uma escola estadual ensinar um curso de cabeleireira? Não vejo mal algum. Ou um curso de confeiteiro? Aí, o aluno opta. De manhã, ele faz as matérias que são necessárias para ele ir para o vestibular e, à tarde, ele faz um curso optativo para ele.Se ele gosta de música, pode aprender a tocar violão, por que não? Ou aula de francês, espanhol, de inglês, à tarde, não é? Curso de línguas. Curso de secretariado, sei lá. Qualquer coisa. Eu acho que a escola deveria fornecer. (...) Acho que as meninas, principalmente, que ficam arrumando barriga com doze, treze anos, seria bem mais interessante que elas estivessem na escola à tarde; nem que fosse para aprender a ser confeiteiro de bolo ou manicure. Era muito melhor do que ficar de barriga com catorze anos de idade, treze. (...) É uma coisa simples, é uma coisa simples, mas ela não estaria fazendo nenê com treze anos, não é?(...) A escola pública tem que oferecer oportunidade para os alunos carentes.(...) A minha visão de escola é de uma escola integral e com vários, pode ser judô, natação, vôlei, esportes, mas assim, ele vai e opta o que ele vai fazer à tarde.

Ao referir-se aos recursos tecnológicos disponíveis na escola, Wanda coloca:

(...) Muito pouco. Muito pouco. Tem a sala de computador, tem

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dez computadores, tem quarenta alunos dentro da classe. O que você faz com ela?(...) É complicado. É complicado. É mais vídeo que dá para passar; debate, fazer debate com eles, seminário. Não tem muita coisa. Infelizmente não dá. O máximo que você pode fazer é um vídeo.Organizar também uma excursão é muito difícil. A responsabilidade de levá-los para fora da escola, fazer uma visita num museu, fazer uma visita a uma hospedaria dos imigrantes, quer dizer, um lugar sensacional a Hospedaria dos Imigrantes, sabe? Mas, nossa, você não encontra apoio. Qualquer coisa que acontecer no percurso a responsabilidade é sua, né? Se alguém botar a cara para fora do ônibus e se machucar, você é o culpado. Vai no museu, encostou numa peça e quebrou, você é culpado. Então, é muito, a gente até faz, muitas vezes, mas é um estresse total levar uma criançada no museu do Ipiranga. E o medo que eles quebrem alguma coisa, que eles mexam em alguma coisa, que eles se percam no museu? Você sai com lista na mão, chama quinhentas mil vezes dentro do ônibus. O medo de perder algum aluno é muito estressante. Nossa! Muito estressante! É bacana. Eles adoram, mas o estresse que você passa, você não vê ninguém te apoiando. A direção te cobra, os pais te cobram, o pessoal do museu te cobra. Apoio? De ninguém.Fica aí sozinha com um bando de criança dentro do museu do Ipiranga, entendeu?

Além das impossibilidades, a professora se queixa de um claro sentimento de

solidão quando da realização de seu trabalho. Ela não se refere à possibilidade de

trabalhar em conjunto com seu grupo de pares. Parece preferir o isolamento.

De acordo com seu discurso, a professora tem muitas idéias, mas efetivamente

poucas são postas em prática.

Dividida entre o trabalho da escola e do lar, vê-se como uma professora

moderna e inovadora, ao mesmo tempo que tolhida pela direção da escola. Pensa que

seria ótimo se suas aulas fizessem uso de equipamentos audiovisuais digitais, os

alunos fizessem visitas a museus, o ambiente da sala de aula fosse transformado de tal

maneira que incentivasse a criatividade e a expressão dos alunos.

No entanto, esse perfil “avançado” esbarra numa série de empecilhos -

intransigência da diretora; falta de recursos tecnológicos; falta de apoio para sair e

dividir a responsabilidade das excursões com os alunos; assumir sozinha a

responsabilidade pela organização da sala em círculos.

Em resumo, a análise realizada neste núcleo permitiu identificar as várias

percepções que a professora Wanda tem sobre si mesma, percepções estas que, num

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processo dialético, estão em constante relação com o contexto em que sua atuação

profissional se dá. Explicitou-se o quanto ela se sente uma professora inadequada por

não conseguir desempenhar sua função da forma como gostaria em razão de ter que se

dividir entre o trabalho a ser realizado na escola e em casa. Ressaltou-se

principalmente a forma como ela significa autonomia e liberdade em seu contexto

profissional e as influências que tais sentimentos exercem sobre sua atuação.

b2) Como vê o aluno

Para Wanda o aluno falta com o respeito, a educação e a consideração que seu

trabalho merece. Eles são malcriados, indisciplinados e desinteressados pelo estudo.

(...) a falta de respeito, de educação, a falta de consideração com o seu trabalho. Você vai dar aula lá, eles são malcriados e respondem para você e não sabem que você deixou seu marido em casa e que nem conversou com ele; que você deixou seus filhos sem atenção, porque você estava corrigindo a prova dele, os trabalhos dele. Então não há um reconhecimento (...) Hoje você vai dentro da sala de aula e tem que dizer: pelo amor de Deus, prestem atenção em mim. É um trabalho que você tem que pedir pelo amor de Deus para trabalhar. Há uma falta de interesse do jovem, total. Então, isso é muito difícil no dia-a-dia, essa falta de interesse, né?, que eles tem. (...) Eles acham que podem dizer o que quer, podem sair da sala e não te dar satisfação. Então é complicado.

Além de demonstrar sua visão a respeito do alunado que possui Wanda, pelo

relato acima, se remete novamente ao dilema em ter que se dividir entre o trabalho e o

lar. Para ela seus filhos adolescentes ficam em casa sem receber sua atenção,

enquanto que os alunos na escola a recebem e não a valorizam.

Há também alunos alcoolizados e drogados dentro da sala de aula.

Às vezes tem aluno bêbado, drogado.[Pesquisadora - Isso é comum em sala?]Ah! muito comum, bêbado, drogado. Muito comum. Ele vêm com os amigos dele com aquele bafo de onça. Daí eu mando sair: vai tomar uma água lá fora, vai tomar uma coca-cola, certo? Para ver se, tomando um pouco de glicose, passa a bebedeira deles, né?

Observa-se a forma como Wanda lida com a indisciplina que ela relata existir

por parte dos alunos.

Para mim, uma escola... Os alunos se movimentando... É vida, é alegria, é o jovem caminhando no corredor. Ele faz barulho? Faz. Eles estão gritando? Estão. Eles estão gritando, mas eles estão extrapolando lá no corredor, mas, daqui a pouco, ele entra na

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sala de aula, ele fica quieto.Para Wanda o trato com a indisciplina deve acontecer de forma a dar liberdade

ao aluno, para que ele possa se expressar. Ela acredita que o aluno não deveria ser

obrigado a assistir às aulas porque ao ser obrigado ele atrapalha o rendimento dos

demais alunos. É uma visão de professor que atua junto a uma população escolar

adulta, embora esse não seja o perfil de todo o público do ensino noturno.

Para mim, o aluno tem que ter liberdade para sair da minha classe. Eu penso assim. Se ele quer sair, sai. Quer ir lá fora? Vai tomar um ar. Vai tomar um ar, depois você volta. Eu não ligo dele sair, dar uma voltinha. Às vezes, ele está nervoso, brigou com o pai, com a mãe, com a namorada, com o chefe; ele quer dar uma volta lá no pátio. Eu não vejo impedimento de deixar o aluno sair de aula, ir lá, dar um volta. Depois ele volta. Ele sabe quem é o professor dele, entendeu?Mas se você deixa uma vez, duas, três, já começam a falar mal de você: porque Fulana deixa todo mundo sair da sala dela. As pessoas não encaram seu trabalho como você estar dando liberdade para aquele ser humano, naquele momento exato, dar uma volta, espairecer. Você percebe que ele quer sair.

Indagada se a indisciplina atrapalha seu trabalho, a entrevistada diz que não,

se bem não seja assim que a direção da escola encara o mesmo problema.

[Pesquisadora - Você está falando da existência da indisciplina?]É lógico.[Pesquisadora - Ela é freqüente?]É, nossa!... Se você virar as costas... (risos)[Pesquisadora - Isso atrapalha muito o cotidiano de trabalho?]Não, para mim não, mas para a direção, atrapalha, né? Aí é aquela cobrança que eu falei para você, né? Para mim não. Se eu sair e deixar eles fazendo bagunça... Mas a direção fica cobrando, não é? Como você sai da sala deixa aqueles alunos? Diz que você não está fazendo seu papel na escola. Eles cobram muito.

Uma contradição se faz perceber em relação a forma como Wanda lida com o

comportamento indisciplinado dos alunos. Num primeiro momento, a professora se

queixa dos alunos porque são malcriados e sem educação. Num segundo momento, no

entanto, ela afirma não se incomodar com a indisciplina deles, porque pensa que eles

precisam ter liberdade . Assim, ao mesmo tempo que se queixa dos alunos, diz não se

importa com o comportamento indisciplinado deles.

Tal contradição remete a pensar que aparentemente, a professora não impõe

limites e regras de convivência aos seus alunos, o que contribui para reforçar a

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indisciplina deles e a sensação de que o trabalho dela não é reconhecido ou

valorizado. Tal comportamento pode se dar porque ela tem uma visão do aluno como

um público adulto e não adolescente.

Tudo faz crer que, nessa escola, o professor é avaliado pela direção de acordo

com o comportamento disciplinar dos alunos, uma vez que a atitude deles em sala é,

para essa mesma direção, reflexo da conduta do professor: aluno indisciplinado = mau

professor.

Você tem que estar trancado, que é ótimo; quanto mais trancado dentro da sala de aula, melhor professor você é. Se um aluno seu botou a cara para fora, você é péssimo professor. E eu já não sou assim.

Há momentos de cuidado e particular preocupação com os alunos.

(...) olho a letra, olho se ele é caprichoso, se ele tem organização. Quando eu percebo que ele não é uma pessoa organizada, eu oriento a ser organizado, e falo para eles: olha, você vai trabalhar, você tem que aprender a ser organizado, você não sabe onde você vai trabalhar; se vai exigir organização na empresa, então, olha só um pedaço aqui de Matemática na mesma página em que ele escreveu História. Você tem que ter organização no seu caderno, isso daí vai qualificá-lo para o trabalho.

Além dos aspectos que valoriza no desempenho escolar dos alunos, a

professora mostra como se relaciona com eles - na tentativa de qualificá-los para o

trabalho. Boa letra, capricho e organização são requisitos essenciais para a futura

inserção dos alunos no mercado profissional, revela a professora.

Em resumo, a análise realizada neste núcleo permitiu demonstrar como Wanda

vê seu aluno, visão esta que, num processo dialético, relaciona-se com a forma como

ela se percebe e exerce sua atuação profissional.

b3) Como pensa que é vista

A profissão docente é muito desvalorizada pelos alunos, pensa a professora,

uma vez que eles lhe faltam com o respeito e a consideração - saem da sala sem lhe

dar satisfações e dirigem-se a ela com um vocabulário inapropriado.

(...) Eu acho assim, não digo que você tem que endeusar o

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professor. Tem muita gente que acha isso, mas respeitar o profissional, todo mundo respeita o advogado, o dentista, o médico, o padre na igreja (...) Você vai num médico, puxa vida! Você se comporta bem. Você não vai chegar pro médico e dizer: e aí, mano? Tá doendo aqui, mano. Olha, doutor... Não é assim (...) Agora, para você, você é mano; eles vêm te dar tapinha nas costas.

Ela não deseja ser idolatrada, dotada de qualidades divinas que a qualifiquem

para o exercício do magistério, mas reclama do respeito e do reconhecimento que,

acredita, seu trabalho merece tanto quanto o das demais profissões e profissionais.

Mas a direção da escola, segundo Wanda, não fica atrás quando se fala de

desvalorização profissional. Além da falta de autonomia e liberdade para conduzir

suas aulas, ela se remete, por diversas vezes, às críticas que uma proposta inovadora

de trabalho pode sofrer.

(...) Os gregos davam aula ao ar livre! (risos). Em 2005, se você levar [o aluno] no pátio, você está matando aula.(...) Então, as pessoas não encaram uma ida a um museu uma aula. Ninguém encara que, se você for no Museu do Ipiranga, aquilo é uma aula. Uma aula viva dos objetos que estão lá, né? Vão falar que tá fazendo excursão, mas é uma aula.

A sensação de que seu trabalho é constantemente vigiado aparece em vários

momentos da entrevista, quando, por exemplo, comentam o fato de que ela permite

que os alunos se ausentem da sala de aula.

Os colegas professores que trabalham apenas para complementar a renda

familiar, segundo a entrevistada, também contribuem para a desvalorização social da

profissão, na medida em que exercem um trabalho sem qualidade.

(...) Tem muita gente, à noite, que vai lá trabalhar para bico. Então não tem comprometimento com a educação. Tem isso também. Pessoas que têm uma outra visão estão lá para ganhar um extra. e, então, o que der pra ele tá ótimo, entendeu? Ah! tá bom, eu tô ganhando R$ 1.000.00 aqui à noite. Onde eu vou ganhar isso de noite? É o pensamento de muita gente. (...) porque o trabalho dele mesmo é na empresa. Lá ele se dedica de sangue e alma, entendeu? (...) Eles se matam no emprego deles, trabalhando numa boa empresa, e só vai lá para fazer um bico mesmo, ganhar um troco a mais para ele ir viajar, para comprar um carro novo.

A falta de qualidade e compromisso com a atuação pedagógica, segundo

Wanda, está no fato de que esses profissionais não são especialistas em educação, mas

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são absorvidos pelo governo para atuar na escola, mesmo sendo formados em outras

áreas. Ela destaca que “tem gente lá que é engenheiro e dá aula de

Matemática na escola”.

Wanda critica também o sistema de admissão praticado pelo governo estadual.

(...) Então, o Estado, ele não percebe quem ele tá colocando dentro de uma sala de aula gente que não tem capacidade pra estar ali (...) Colocam qualquer um, sem experiência; não sabem lidar com a turma, passam bobagem, fala besteira para o aluno, escreve errado na lousa.

Sustenta sua crítica citando um caso ocorrido com um professor ainda

estudante.

(...) Contrata gente sem faculdade, estudante, que não tem experiência nenhuma em sala de aula e dá terceiro colegial. Deram um terceiro colegial para um cara lá, professor estudante, que até outro dia ele trabalhava de escrivão de polícia. Você acha que ele sabe dar aula? Gente, o cara não tinha nada na cabeça e estava dando aula de literatura para o terceiro colegial. Quer dizer, ele não deu nada de literatura. Um ex-escrivão de polícia vai saber o que de literatura? O que é isso? (...) Ele ficou passando vídeo para a turma de terceiro colegial... Daí, o que acontece? Esse aluno vai ter a mesma chance de alguém que estudou na escola particular na hora do vestibular? Claro que não.

A professora menciona que uma reformulação no sistema de admissões

influenciaria diretamente a qualidade da educação na escola pública. Segundo ela,

professores desqualificados e sem compromisso com a atuação docente não têm

condições de preparar o aluno da terceira série do ensino médio para concorrer ao

vestibular em condições de igualdade em relação aos que passaram pela rede

particular.

(...) Então, o Estado mesmo discrimina o aluno do Estado. O governo mesmo que tira a oportunidade das crianças da periferia de chegarem à faculdade. Aí, ficam criando vaga para negro, vaga para pobre. Para quê? Dá a mesma oportunidade de educação para o aluno da escola pública, particular, o aluno que mora no Morumbi. Tem que dar a mesma chance para ele. Se você der a mesma chance, ele vai disputar de igual para igual. Agora, você bota uma pessoa dessa sem capacidade dentro da sala de aula no terceiro ano colegial?

Além da má atuação dos professores sem experiência, a participação deles nas

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reuniões de conselho de professores, segundo Wanda, deixa muito a desejar.

(...) Este tipo de gente senta na mesa do conselho e dá nota, aprova e reprova aluno, sem ter a devida formação. Pra mim, na minha opinião, isso está totalmente errado. Só deveria repetir um aluno, o professor formado, diplomado. Se você é estudante e está em posição de substituto, você não tem direito de reprovar aluno nenhum. Você não está formado ainda. Qual é a sua capacidade de julgar e avaliar um adolescente, um aluno?

Uma sugestão apresentada por Wanda para a melhoria na qualidade do ensino

é a implementação de exames de admissão, mesmo para a contratação de professores

para atuação em caráter temporário.

(...) Não são classificadas, não são qualificadas, ninguém faz prova. O governo não faz nenhuma prova para contratar ninguém. O que é isso? Agora, eu fiz um exame para trabalhar. Prestei um concurso, tive que mostrar que sabia e tinha conhecimento. Agora, para uma professora que sai de licença gestante, colocam qualquer um, e não faz nenhuma prova para saber se aquela pessoa que você está contratando, mesmo que seja temporário, mas ela vai ficar quatro meses lá... Pensa... É temporário, mas é quatro meses... ensinando bobagem pra aluno. É isso que dá. É por isso que está esta barbaridade aí (risos).

Em resumo, a análise deste núcleo permitiu identificar as imagens sociais que

Wanda coloca existirem a respeito de sua profissão. É interessante a comparação que

ela faz com as outras profissões, tidas por ela como reconhecidas no plano social.

Destaque especial foi dado ao fato de Wanda acreditar que a direção da escola

em que atua não reconhece um trabalho bem feito quando ele é marcado por

propostas inovadoras e que vão contra uma visão de ensino tradicional.

Outro ponto importante apontado foi a percepção de Wanda a respeito de seu

grupo de pares, ao afirmar que muitos professores exercem a profissão com um

“bico”, sem o aperfeiçoamento necessário.

Com isso é possível perceber como, num processo dialético, as imagens

socialmente partilhadas da profissão docente repercutem sobre o trabalho cotidiano da

entrevistada e notadamente sobre a forma como ela se vê em seu contexto de trabalho.

c) Os sentidos da profissão

No item anterior apresentou-se uma análise intranúcleos, isto é, os conteúdos

que compõem os núcleos de significação foram considerados respeitando a

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objetividade do discurso da professora entrevistada.

Este item realiza uma análise internúcleos, cujo objetivo é relacionar os

conteúdos presentes nos núcleos de significação ao contexto histórico, político e

social em que a prática da professora se constitui e se efetiva. É dessa análise que

emergem os sentidos que a entrevistada atribui à sua profissão, resumidos por ela

mesma como “extenuante”.

Como resultado da dificuldade de equilibrar as funções de mãe e professora, a

entrevistada reconhece que não consegue desempenhar satisfatoriamente nenhum dos

dois papéis.

(...) Porque é extenuante o meu trabalho. Porque, olha... vou te falar... É extenuante, não tem outra definição, não.Nossa! é trabalhoso. É o que eu te falei, na minha casa, os meus filhos; no meu trabalho, é extenuante. Você trabalha muitas horas para a escola. Não é uma coisa que você saiu da escola acabou. Não acaba. Você carrega aquele trabalho para casa. Você tem que dar prova para os seus alunos, trabalhos, provas, preparar aula; você quer passar um vídeo, você tem que sair da sua casa e alugar o vídeo, sabe aquela coisa? Você quer passar um filme, aí você tem que ir lá buscar. Mas agora eu não tenho tempo - tem que arrumar um tempo para ir à locadora, tem que arrumar um tempo para separar o material. Vou mostrar fotografia. Tem que separar, não é? Então, é muitas horas do seu trabalho fora do ambiente de trabalho que você trabalha, é muito extenuante (risos).

Além de se dividir entre as tarefas do lar e as tarefas profissionais, Wanda

ressalta que essas últimas exigem muito dela uma vez que o número de horas

dedicado ao trabalho extra-escola é uma característica da profissão.

Um outro sentido dado pela professora à profissão refere-se ao dever de

compartilhar um conhecimento adquirido em prol do desenvolvimento do aluno e

conseqüentemente de uma sociedade.

É compartilhar, né?, essa educação com o jovem. É compartilhar. Se eu fui a uma faculdade aprender a disciplina que eu gosto, queé História, se eu fiz, foi porque é uma coisa que eu gosto. Ser professor é compartilhar isso com meu aluno - os aspectos históricos da humanidade, a história do homem, a história dos povos, as diversas sociedades que existem, mostrar para ele que o índio é um indivíduo diferente, mas não é porque ele é diferente que eu vou discriminar o índio. É o modo dele viver. Se o esquimó vive diferente, eu não vou discriminar o esquimó. É o modo dele viver. Existem outras culturas. Conhecer outros povos, saber que existem outros povos tanto na atualidade como

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no passado. Como foi a história do homem no passado e que isso influenciou o presente, né?. Essas transformações. Mostrar para ele o que transformou, o que mudou, o que não mudou, o que não conseguiu se transformar, certos pensamentos, certas mentalidades. Elas levam muito tempo para passar, para se transformar. e, então, a mentalidade das pessoas é o que mais demora. Eu acho que o nosso papel de professor é mostrar isso para eles. (...) Quando eu vou ao médico, eu espero que ele compartilhe o conhecimento dele comigo para investigar qual é a minha doença, né? Ele vai compartilhar, vai falar: olha, estou achando que... Vamos fazer um exame? É isso que a gente espera de um médico. Um diagnóstico e, depois do seu exame, de constatado a sua doença, que você faça um tratamento. (...) Que compartilhe aquilo que aprendeu e passe adiante para o seu jovem, não é?

É possível relacionar esse sentido de compartilhar um conhecimento adquirido

sobre uma área específica às criticas que Wanda faz aos professores que, por não

serem profissionais da educação, trabalham de forma inadequada, não compartilhando

seus conhecimentos em prol da boa formação do aluno. O relato abaixo sintetiza tal

visão.

(...) Agora, eu não, eu não tenho esse pensamento, não. Eu estou lá porque eu trabalho sério: educar os meus alunos. Mas tem bastante gente folgadinha (risos), infelizmente.

O compromisso da professora com a qualidade da educação a ser oferecida aos

alunos, no entanto, fica bastante comprometido pelas muitas impossibilidades de

exercer seu trabalho cotidiano, como já mencionado.

A respeito da escolha da profissão, Wanda menciona informações

interessantes:

(...) eu queria trabalhar na área de História, museu, museu do Ipiranga ou no Arquivo do Estado. Eu gostaria de trabalhar com documentação, mas é muito restrito o campo. Você não encontra emprego assim. Ou é por concurso, ou indicação, cargo político, sabe? Eu tentei várias vezes, quando mais jovem, arrumar emprego no museu Paulista, mas foi muito difícil, muito difícil. Tinha que ter uma boa indicação política (...). Eu não me lembro de nenhum concurso público para o museu Paulista, enquanto eu procurei emprego. Daí eu tive que ir lecionar. Não tive outra saída. Não que eu esperasse lecionar. Não fiz História para lecionar, mas eu não tive outra saída a não ser lecionar (risos).

O ingresso no magistério deveu-se à frustração da sua escolha profissional

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inicial, frustração essa reiterada durante a entrevista, mesmo depois de vinte e um

anos de atuação docente. Wanda tentou outros empregos, em outras áreas, mas não

conseguiu.

(...) Era época do PMDB, e tinha também o Maluf era ainda governador. Estava aquela situação que o Brasil não tinha ainda total liberdade democrática em 80. Ainda não tinha saído o Figueiredo do poder. Então, era tudo por indicação política, apadrinhagem, concurso público que raramente saía.

Ao ser indagada sobre se escolheria a profissão docente novamente, Wanda dá

mais indícios sobre sua frustração em ser professora

Se eu fosse jovem? (pausa) Não sei (pausa). Porque é uma coisa que frustra, né?, não encontrar valorização. E em outro tipo de trabalho, talvez eu encontrasse maior valorização da minha pessoa, do meu trabalho. É frustrante. Se eu fosse jovem de novo, voltasse no tempo, talvez eu fizesse até outro curso, só para não cair no magistério. Jornalismo, qualquer coisa assim, ou ser jornalista e, dentro do jornalismo, eu poderia participar da parte histórica, do patrimônio histórico, né? Quem sabe? Jornal, fazer entrevista, com coisas assim. Eu acho que não voltaria, não. A falta de valorização é muito grande.

Questionada sobre a realização profissional obtida com a prática docente, a

professora mais uma vez reafirma sua frustração profissional.

(...) Ah, eu gostei muito de fazer o projeto de História. Fazem cinco anos. Foi um projeto superbacana sobre a história da nossa escola. Os primeiros moradores do bairro, os que viram a escola surgir, construir. Eu entrevistei os moradores, entrevistei o padre, as pessoas mais velhas da comunidade, os alunos mais antigos da comunidade. Foi muito bacana. Eu trabalhei o ano inteiro recolhendo fotos, documentos, dados. Organizamos uma grande festa em homenagem à escola, quarenta e cinco anos da escola. Chamamos essas pessoas mais velhas do bairro para presenciar a festa. Foi muito bacana. Eu gostei muito desse trabalho, porque eu estava trabalhando com o que eu gosto, história, com documentos, com fotografias, imagens antigas, documentação; estava fazendo um trabalho de historiador, por isso eu me senti feliz.

O projeto realizado deixou-a satisfeita porque foi um trabalho de pesquisador

histórico e não um trabalho de professor de história, atividades diferentes, para ela.

Seu comportamento mudou quando da realização desse trabalho. As várias

dificuldades encontradas foram enfrentadas e resolvidas, comportamento oposto ao

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apresentado no dia-a-dia como professora.

Alunos, professores, colegas de trabalho. Nós partilhamos. Eu partilhei com todo mundo que eu pude tentar envolver. É lógico que você não consegue envolver todo mundo, né?, porque eles não querem nem saber, não têm nem interesse; mas muitas pessoas se interessaram. Foi um projeto muito bacana, nossa! Tem até CD Room, folder. Uma amiga minha tinha gráfica e imprimiu mil folders para eu distribuir na festa. Tem toda a história da escola escrita no folder. Fotografia no folder. O marido dela tinha uma gráfica e imprimiu de graça para mim. Aí, nós distribuímos o folder. Nossa!... Foi dez a colaboração dessa amiga; não cobrou nada para fazer isso.

O fragmento acima mostra que a professora lidou naturalmente com o

desinteresse de algumas pessoas em participar do projeto, bem como com as

estratégias criativas encontradas para driblar a falta de recursos financeiros.

Ao ser indagada sobre se recebeu incentivo da escola para a realização dos

trabalhos ela responde:

(...) Tive só da APM, porque eu fui implorar lá pra, numa reunião da APM, eles me arrumarem uma verba, me liberarem uma verba. Consegui convencer os membros da APM da importância da história da escola. Aí eles me liberaram R$ 200,00. Olha!... Aí, nós fizemos lá uns painéis para colocar fotografia.

Trata-se de fato de uma motivação diferenciada para realização de um projeto

que ela denominou “um trabalho de pesquisador histórico”. Ao se engajar no

trabalho, acreditar nele e realizá-lo com prazer, ela venceu as dificuldades mesmo

sem perceber que são dificuldades semelhantes às de seu trabalho como professora.

A mola propulsora para a mudança do comportamento da entrevistada foi o

fato de o projeto não ter alimentado sua frustração profissional, mas exaltado suas

aspirações, o que a deixou realizada e feliz.

É possível supor que a professora beneficiar-se-ia muito se compreendesse que

a docência está intimamente relacionada à pesquisa, sempre um recurso indispensável

ao trabalho do professor (Ludke, 2001).

Finalizando, é possível concluir que os sentidos atribuídos pela professora à

sua profissão são resumidos pelo adjetivo “extenuante”. Ela despende suas energias

com as dificuldades que surgem ao longo do trabalho em vez de investi-las em prol

das mudanças em sua prática. Sofre com a falta de liberdade em vez de refletir e

programar o que o professor pode fazer. Mais do que reclamar de sua profissão

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“extenuante”, conviria que ela pensasse sobre o que é ser professora.

Esses comportamentos talvez possam ter sua origem no fato de ela ter sido

obrigada a frustrar sua escolha profissional inicial. Tais sentimentos paralisam-na e

impedem-na de atuar satisfatoriamente como professora, apesar de ela dispor de

recursos para fazê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A árvore que não dá frutosé xingada de estéril. Quem

examina o solo?O galho que quebra

é xingado de podre, masnão havia neve sobre ele?

Do rio que tudo arrastase diz violento,

ninguém diz violentasas margens que o cerceiam.

Bertold Brecht

No contexto da psicologia sócio-histórica, o sentido é compreendido como

construído na relação dialética da pessoa com seu contexto social, o que faz de cada

ser humano único e singular. Neste estudo, essa singularidade se revela pelos sentidos

que o professor atribui à sua profissão.

Para a professora Marta, a profissão docente é um constante conflito, que

emerge da sensação de não exercer sua profissão tal qual deveria. Por causa desse

conflito, ela também culpa os alunos por seu mau desempenho profissional; eles

também são os responsáveis por isso. Essa culpabilização do aluno está ancorada nas

expectativas da professora - se seus alunos correspondessem ao perfil ideal de aluno,

ela conseguiria exercer sua profissão satisfatoriamente.

Marta não consegue relacionar-se com os alunos reais, presentes na sala de

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aula. Ela prepara suas aulas, cujo caráter principal é a transmissão de conteúdos

pertinentes à sua área de conhecimento, para alunos ideais. Uma vez que eles não

existem, os de verdade, os reais desinteressam-se, desmotivam-se. Marta, no entanto,

e infelizmente, não percebe isso.

Marta reconhece que é uma professora mal sucedida porque possui alunos

também mal sucedidos, círculo vicioso que, como também constou Mantovanini

(2001), gera profissionais mal sucedidos que tendem a produzir alunos mal sucedidos.

O insucesso de um acaba por alimentar o insucesso de outro. Em termos

vygotskyuanos é possível dizer que a subjetividade tanto de Marta como de seus

alunos constitui-se também pela relação dialética estabelecida entre eles, ou seja, na

relação sujeito-outro.

Mesmo sem ter consciência de que prepara suas aulas para atender uma

idealização sua, Marta, no entanto, reconhece que sua atuação profissional precisa ser

alterada. Professora mal sucedida culpa por isso alunos mal sucedidos, mas não retira

de seus próprios ombros a própria responsabilidade, o que alimenta os conflitos

profissionais vividos por ela.

Marta busca formas para aperfeiçoar sua prática docente, no entanto, como

não as encontra, frustra-se, desmotiva-se, sente-se impotente. Como alternativa para

lidar com tais sentimentos recorre às chamadas estratégias de sobrevivência e

preservação psíquicas. Ao perceber a impossibilidade de se relacionar com seus

alunos reais, via conteúdo acadêmico, ela opta por relacionar-se com eles, via

afetividade. Ao assumir a postura da professora “mãezona”, Marta encontra uma

forma de lidar com o conflito que a incomoda. Esse comportamento, no entanto, se

não a leva a abandonar sua profissão, transforma o que Duarte (2004) chama de

trabalho escolar sem conteúdo.

É interessante observar que mesmo adotando uma estratégia para lidar com os

sentimentos de desmotivação, impotência e frustração advindos de sua percepção

sobre a própria atuação Marta não desiste. Ela continua procurando formas para

realizar uma prática mais adequada e que responda às suas próprias expectativas do

que deveria ser o trabalho docente.

É esse movimento de busca constante de solução para seus conflitos que faz

com que Marta defina sua profissão como “dar murro em ponta de faca”. O

sentido atribuído por Marta à sua profissão não é imutável, pronto ou acabado, uma

vez que os conflitos por ela vivenciados são dinâmicos e estão em constante

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movimento.

Wanda, por sua vez, refere-se à profissão como “extenuante”. Além de

cansativo e pesado, seu trabalho é permeado de impossibilidades na condução de sua

prática, como a falta de reconhecimento e interesse dos alunos, a postura da direção

da escola que tolhe propostas de trabalho inovadoras, até mesmo a organização do

espaço físico escolar.

Percebeu-se também que a professora Wanda prende-se as impossibilidades

em virtude de um sentimento de frustração em face da profissão docente que não foi

sua escolha profissional inicial. Diferentemente de Marta, essa frustração não lhe traz

conflito, mas desmotivação e comodismo.

Para chegar a esses resultados foi percorrido um extenso caminho de análise

que buscou a compreensão do modo de pensar, sentir e agir das professoras

entrevistadas. Da compreensão de determinantes históricos presentes em suas

trajetórias profissionais emergiram os sentimentos que permearam a sua constituição

como pessoas.

Embora existam pontos comuns no discurso das duas professoras, a

experiência docente de cada uma delas é singular.

Ambas se sentem profissionalmente insatisfeitas em relação às suas

expectativas. Ambas se sentem professoras mal sucedidas e gostariam de atuar de

forma diferente. Ambas se queixam das muitas horas de trabalho fora da escola -

preparação de aulas, correção de provas - que a profissão exige. Ambas, ainda,

sentem-se profissionalmente responsáveis pela preparação do jovem para o mercado

de trabalho e para o exercício da cidadania, sentimento, talvez, próprio de professores,

como elas, que atuam exclusivamente no ensino médio.

Ambas também responsabilizam seu grupo de pares pela imagem inadequada

do professor no meio social. Diferentes, no entanto, são as formas como cada uma

lida com essa percepção.

Enquanto Marta, em seu movimento subjetivo, envolve-se e atribui a si a

responsabilidade pelas mudanças necessárias, Wanda atribui ao Estado a

responsabilidade pela modificação dos processos de contratação de pessoal. Graças a

seu envolvimento com a profissão, Marta busca superar o sentimento de impotência,

razão pela qual escolheria a docência novamente, porque adora seu trabalho. Wanda,

por sua vez, em razão, talvez, da frustração por não exercer a profissão escolhida

inicialmente, afirma que não a escolheria uma segunda vez.

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Os resultados do estudo mostram que os sentidos produzidos pelo próprio

trabalho estão intimamente ligados ao ser humano por trás da figura do profissional,

razão pela qual é necessário levar em consideração seus sonhos, desejos, frustrações.

Conviria que os responsáveis pela formação de professores, seja em fase inicial, seja

em serviço, não perdessem de vista a dimensão subjetiva desse profissional. Ela está

intimamente relacionada às suas possibilidades de atuação em seus respectivos

trabalhos. Essa dimensão subjetiva constitui e é constituída mediante uma relação

dialética que o sujeito estabelece com seu contexto histórico e social.

Embora as questões apresentadas refiram-se a professoras atuantes no ensino

médio, é possível pensá-las e considerá-las também em relação a professores de

outros níveis de educação.

Este trabalho espera poder alertar os profissionais responsáveis pela

elaboração de projetos na área de educação, que digam respeito diretamente ao

trabalho do professor. A implementação de novas medidas educacionais passa não só

pela elaboração de leis e deliberações, mas necessariamente pelas questões subjetivas

que caracterizam o trabalho do professor tão bem ilustradas por Marta e Wanda. Há

que se aproximarem novas medidas da escola real, concreta, vivenciada pelos

profissionais que a fazem funcionar.

Nesse momento se faz oportuno resgatar a questão do fracasso escolar tão

debatida no meio educacional. Os discursos de Marta e Wanda apontam indícios que

podem colaborar para sua compreensão, a medida em que reafirmam que o trabalho

do professor pode se tornar ineficaz por razões de natureza subjetiva. Assim, é preciso

pensar em planos de intervenção que considerem esses aspectos, uma vez que se

estaria contribuindo paralelamente com a redução da alarmante estatística dos alunos

mal sucedidos da escola pública que não têm êxito em seus processos de

aprendizagem.

Se a professora Marta fosse auxiliada a resolver seus conflitos através de uma

mediação que a favorecesse encontrar o equilíbrio entre sua atuação e suas

expectativas, por certo encontraria meios viáveis de ensinar de modo a atingir o seu

aluno real.

Se a professora Wanda fosse auxiliada a ressignificar sua prática, mudando

para melhor a maneira de encará-la através de uma mediação que a levasse a enfatizar

as possibilidades de aprimorá-la em vez de ficar paralisada pelas dificuldades que se

apresentam, por certo tornaria seu trabalho mais próximo de suas expectativas e

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anseios profissionais.

Para que haja cada vez mais melhor compreensão da subjetividade dos

professores e da relação deles com sua atuação profissional, que as reflexões deste

estudo despertem o interesse de outros pesquisadores, seja na área da psicologia ou de

ciências afins.

Para finalizar, é preciso considerar, com Bertold Brecht, muito mais “as

margens que cerceiam” as professoras Marta e Wanda do que sua atuação

insatisfatória, mal sucedida, ou coisa que o valha.

As qualidades profissionais das professoras permitem-lhes dominar suas

respectivas áreas de conhecimento, refletir sobre o valor efetivo dos conceitos

aprendidos na escola para inserção dos alunos na sociedade, pensar e sugerir melhores

condições para um bem-estar coletivo. Elas possuem, portanto, condições para darem

o primeiro passo rumo aos caminhos que as conduzirão à realização das mudanças

necessárias para uma prática docente efetiva que corresponda às suas próprias

expectativas.

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