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1 UM ESTUDO SOBRE A SEXUALIDADE FEMININA ANÁLISE DAS CAMPANHAS DE PREVENÇÃO À AIDS E DST Helena Godoy Brito 1 RESUMO O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise crítica sobre as campanhas educativas do Ministério da Saúde sobre a prevenção e cuidados com a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e o HIV/AIDS, tendo como recorte a perspectiva de gênero, e dessa forma buscar compreender de que forma a sexualidade feminina tem sido vinculada nesses meios, já que socialmente a sexualidade da mulher, ainda hoje, é um tabu na nossa sociedade. Palavras-chave: Sexualidade da Mulher. Gênero. DST e HIV/AIDS. Meios de Comunicação. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como proposta analisar, a partir de um recorte de gênero, as campanhas de prevenção à AIDS e outras DST’s divulgadas pelo Ministério da Saúde nos anos de 2012 e 2013, compreendendo de que forma as imagens do feminino e da sua sexualidade vêm sendo trabalhadas nessas campanhas. Os estudos de gênero, que têm aumentado em número com o passar dos anos, e isso inclusive nos estudos de comunicação, tentam desvendar de que forma as relações de gênero se expressam na nossa sociedade, contribuindo para o conhecimento do ser humano. Para que possamos entender o que significa ser homem e ser mulher na nossa sociedade. Ao se debater as questões de gênero, fala-se muito sobre as questões das desigualdades de gênero, ou seja, os papéis que foram e que ainda são socialmente e historicamente construídos na nossa sociedade, e que colocam a mulher em posição de subordinação em relação ao homem. O papel das mulheres nessa sociedade está ligado ao cuidado da família, subordinação ao marido, criação dos filhos, a reprodução e os cuidados com a casa, enquanto os homens, também vítimas desse sistema perverso, tem a obrigação de serem fortes, agressivos e os provedores do lar, é o famoso estereótipo do machão. 1 Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB).

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UM ESTUDO SOBRE A SEXUALIDADE FEMININA – ANÁLISE DAS CAMPANHAS DE

PREVENÇÃO À AIDS E DST

Helena Godoy Brito 1

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise crítica sobre as campanhas educativas do

Ministério da Saúde sobre a prevenção e cuidados com a transmissão de doenças sexualmente

transmissíveis e o HIV/AIDS, tendo como recorte a perspectiva de gênero, e dessa forma buscar

compreender de que forma a sexualidade feminina tem sido vinculada nesses meios, já que

socialmente a sexualidade da mulher, ainda hoje, é um tabu na nossa sociedade.

Palavras-chave: Sexualidade da Mulher. Gênero. DST e HIV/AIDS. Meios de Comunicação.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como proposta analisar, a partir de um recorte de gênero, as campanhas de

prevenção à AIDS e outras DST’s divulgadas pelo Ministério da Saúde nos anos de 2012 e 2013,

compreendendo de que forma as imagens do feminino e da sua sexualidade vêm sendo trabalhadas

nessas campanhas.

Os estudos de gênero, que têm aumentado em número com o passar dos anos, e isso

inclusive nos estudos de comunicação, tentam desvendar de que forma as relações de gênero se

expressam na nossa sociedade, contribuindo para o conhecimento do ser humano. Para que

possamos entender o que significa ser homem e ser mulher na nossa sociedade.

Ao se debater as questões de gênero, fala-se muito sobre as questões das desigualdades de

gênero, ou seja, os papéis que foram e que ainda são socialmente e historicamente construídos na

nossa sociedade, e que colocam a mulher em posição de subordinação em relação ao homem. O

papel das mulheres nessa sociedade está ligado ao cuidado da família, subordinação ao marido,

criação dos filhos, a reprodução e os cuidados com a casa, enquanto os homens, também vítimas

desse sistema perverso, tem a obrigação de serem fortes, agressivos e os provedores do lar, é o

famoso estereótipo do machão.

1 Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB).

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Essas relações de gênero que determinam os papéis do masculino e do feminino na nossa

sociedade são expressões da mais antiga correlação de forças da nossa sociedade patriarcal e

heteronormativa, colocando o homem como o sujeito universal e superior a mulher, e tudo isso

baseada nas diferenças sexuais que contribuem para legitimar a subordinação histórica da mulher na

nossa sociedade.

[...] a base das relações de gênero são construídas de acordo com as diferenças

percebidas entre os gêneros, os quais são seus elementos constitutivos, além de ser

um primeiro modo de dar significações às relações de poder (SCOTT, 1990, p.14-

16).

É interessante destacar que ao discutir gênero estamos falando de um conceito que é

relacional, ou seja, como já dito anteriormente, trata-se de um conceito que aborda as relações de

gênero, e por isso ao se analisar mulheres e homens a que se fazer essa analise um em

comparação/relação com o outro, como destaca PIRES e FERRAZ (2008):

[...] o tema gênero desenvolveu-se no campo das ciências humanas e sociais,

referindo-se ao estudo das relações de gênero que envolvem mulheres e homens.

Dessa forma, não é possível falar do masculino sem relacioná-lo ao feminino e vice-

versa. Assim, o apelo à construção de identidades, calcado na ênfase das diferenças

de gênero, mobilizou, desde então, o debate teórico nas ciências sociais. (PIRES e FERRAZ, 2008, p.23).

Entendendo esse aspecto relacional do conceito de gênero, partimos para outra questão, o

papel da educação (em seu sentido mais amplo, não se restringindo meramente a educação dada

pela família ou pelas instituições de ensino) na construção, reprodução e afirmação dos papéis

definidos como naturais a homens e mulheres. Como já foi colocado, o gênero, ou melhor, as

relações de gênero são construídas social, histórica e culturalmente, e por isso há um caráter

educativo na construção desses papéis.

[...] o conceito de gênero acentua a noção de que, ao longo da vida, por meio das

mais diversas instituições e práticas sociais, as pessoas se constituem como homens

e mulheres em um processo que não é linear, progressivo ou harmônico, e que nunca

está finalizado ou completo (PIRES e FERRAZ, 2008, p. 26).

Compreendendo o conceito de gênero e as implicações que a forma como as relações de

gênero vêm sendo definidas na nossa sociedade, é interessante notar o papel dos meios de

comunicação tanto para reafirmar e reproduzir essas relações de gênero opressoras e assimétricas,

quanto à potencialidade existente em subvertê-las.

A mídia e os meios de comunicação têm como funcionalidade passar determinadas

mensagens ao seu público-alvo. Ou seja, os meios de comunicação de uma forma geral transmitem

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mensagens, formas de comportamentos e servem como um guia, um manual que irá definir o papel

de cada individuo na sociedade.

[...] apresentam modelos de papéis da mulher na sociedade e são extremamente ricos

no que se refere à quantidade de informações e idéias depositadas nas imagens

(RAMOS, 2007, p. 33 e 34).

[...] a mídia publicitária reflete o pensamento do senso comum, ou seja, os valores

associados a mulheres e homens são aqueles tradicionalmente instituídos: emoção,

subjetividade, passividade, magia e mistério formatam o feminino; ao masculino, é

tributada razão, força, objetividade, ciência, entre outros (PIRES, 2003a, 2003b,

apud. PIRES e FERRAZ, 2008, p. 30).

Os meios de comunicação têm um papel importante em repassar as ideologias presentes na

nossa sociedade. Assim, constroem imaginários, formam opiniões, ditam normas e regras de

comportamento, como destaca MARIA INÊS GHILARDI-LUCENA (2008). Além desse papel de

reafirmar e manter comportamentos e normas, ou melhor, de reproduzir os papéis tradicionais

determinados a homens e mulheres, os meios de comunicação podem sim ser usados como formas

de romper essas relações de gênero, já que há espaço para que esses veículos de comunicação

possam criar novas formas de comportamento, ou seja, instituir o novo na sociedade. É essa

potencialidade de criar novas normas de comportamento, que acompanham o movimento da nossa

sociedade, que deixa uma brecha para que se questione esses papeis tradicionais atribuídos a

homens e mulheres.

Assim como os meios de comunicação de massa (como as revistas, televisão, rádio) e

mesmo os anúncios publicitários, as campanhas de prevenção desenvolvidas pelo Ministério da

Saúde também têm como funcionalidade principal influenciar e determinar normas de

comportamento. Diferentemente dos anúncios publicitários, as campanhas de prevenção à saúde

têm um forte caráter educativo ao informar a população sobre os riscos das doenças, além disso,

normalmente essas campanhas priorizam passar essas informações para mudar os hábitos da

população evitando comportamentos de risco e com isso a incidência de determinada doença.

[...] os programas de prevenção implementados pela Coordenação Nacional de DST

e AIDS, de certa forma têm contribuído para a promoção de mudanças de

comportamento (CARVALHO, 2008, p.41).

As campanhas de prevenção desenvolvidas pelo Ministério da Saúde traduzem o

direcionamento político dessa instituição, determinando que doenças merecem maior atenção que

outras. Ou seja, o grau de impacto de determinadas doenças na nossa sociedade irá determinar o

grau de atenção dado pelo Ministério da Saúde no enfrentamento delas, seja no nível da prevenção,

ou mesmo do tratamento e atenção básica.

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A epidemia de AIDS/HIV, principalmente, é uma doença que, a cada ano, ganha mais

espaço de preocupação do governo para o seu enfrentamento. Por se tratar de uma doença que não

tem cura, e que ainda não foi possível criar uma vacina para a proteção da população, a questão da

prevenção é uma das principais estratégias para o combate a essa doença, seja na questão de

proteção para que a população não seja infectada, ou mesmo na questão do diagnóstico precoce para

que o tratamento com medicamentos dê inicio o mais rápido possível, evitando maiores danos às

pessoas infectadas pelo vírus.

Desde o inicio da epidemia [de AIDS] percebeu-se a necessidade de ações de

comunicação de caráter informativo e preventivo, formadora de opinião,

pressupondo-se que as pessoas ao receberem essas informações, respondam de

forma positiva por meio de escolhas racionais e objetivas (CARVALHO, 2008, p.

35).

Tendo em vista esses fatores, o Ministério da Saúde todos os anos desenvolve campanhas de

prevenção à DST e AIDS/HIV, seja com a criação de cartazes, banners, folders educativos, vídeos,

adesivos, entre outros. Mais recentemente têm sido desenvolvidas campanhas para serem veiculadas

nos meios virtuais, como o fecebook e e-mails.

Essas campanhas preventivas para serem eficazes devem fazer uso da linguagem com a qual

o público-alvo delas se identifique. Ou seja, é de extrema importância compreender os contextos

sociais, econômicos, culturais e político no qual determinada população está inserida, para que se

possa desenvolver um conjunto de linguagens (visuais, escrita, falada) com o qual essa população se

identifique.

Essa questão da linguagem apropriada levou o Ministério da Saúde a direcionar suas

campanhas preventivas para determinados grupos sociais que são considerados como populações

que apresentam comportamentos de risco ao contágio da doença, como a população homossexual,

usuários de drogas injetáveis, os jovens e as mulheres.

Para alguns autores, as campanhas que apresentam resultados mais eficazes são as

desenvolvidas para públicos mais específicos e que utilizam vários meios de

comunicação numa estratégia integrada (CARVALHO, 2008, p.41).

Uma vez que as necessidades dos diferentes grupos sociais são muito especificas, é

necessário, na produção dos materiais informativos, selecionar os códigos verbais e

visuais, conhecer os contextos sociais e culturais onde irá ocorrer essa mediação e o

público-alvo, em seus aspectos perceptivos, emocionais e cognitivos (CARVALHO,

2008, p.41).

A população feminina passou a ser um grupo de preocupação para o governo no final dos

anos 90 e nos anos 2000, em decorrência do fenômeno que é conhecido como “feminização da

epidemia de AIDS”, no qual se observa um aumento considerável do número de mulheres

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infectadas pelo vírus. A AIDS/HIV, que nos anos 80 era conhecida como “o câncer gay”, ou seja

uma doença que se restringia à população homossexual masculina, ao final dos anos 90, passa a

infectar um crescente número de mulheres e com isso o aumento do número de casos de

transmissão vertical do vírus (no caso quando a mãe passa para o bebê), e desde então esse

fenômeno tem significado um enorme desafio para o Ministério da Saúde, principalmente no

quesito prevenção, e por isso tem demandado campanhas preventivas que sejam destinadas a esse

público-alvo, mantendo uma linguagem próxima dessas mulheres e que consiga dialogar com elas.

Tendo em vista esse processo de feminização da epidemia de AIDS, entendendo o processo

histórico, social e cultural que coloca as mulheres em situação de subordinação e passividade em

relações ao homem, e isso, também, no que diz respeito à vida sexual das mulheres, e

compreendendo que as representações de gênero são construídas na sociedade por meios de

“tecnologias de gênero”2 como a mídia, o cinema, as campanhas publicitárias e também campanhas

educativas/informativas desenvolvidas pelo governo, é interessante analisar de que forma o

feminino está sendo representado nas campanhas de prevenção à AIDS e DSTs.

Além disso, foram escolhidos cartazes, banners e folhetos, já que esses são os veículos que

acessam de uma forma mais ampliada a população brasileira, compreendo um espectro mais

heterogêneo da sociedade e com isso alcançando um número maior de pessoas. Como ressalta

CARVALHO (2008) sobre uma pesquisa realizada em 2003 para avaliação de impacto de uma

campanha de prevenção a AIDS e DSTs no carnaval (campanha veiculada nesse mesmo ano):

[...] o cartaz apresentou um resultado surpreendente, posicionando-se em segundo

lugar, com um nível de lembrança de 34%. Configura-se como a mídia que alcançou

uma distribuição mais uniforme por região [...] (CARVALHO, 2008, p.40).

2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

As campanhas escolhidas para análise foram as campanhas produzidas pelo Ministério da

Saúde com o foco nas mulheres, como as campanhas do Dia das Mães em 2013 (que foi pensada

para ser veiculada nos meios de comunicação virtuais, principalmente o facebook), a campanha

produzida para o Dia Internacional da Mulher em 2013 e a campanha voltada para as profissionais

do sexo também veiculada no ano de 2013, com o intuito de verificar como que o espectro do

feminino foi trabalhado nessas campanhas. Além dessas, e com o objetivo de comparar de que

forma o universo feminino está sendo representado, serão analisadas as campanhas de carnaval do

ano de 2013 e 2012 e a campanha criada para o Dia Mundial de Combate a AIDS de 2012.

2 Para aprofundar o debate sobre o conceito de “Tecnologia de Gênero” usar a autora LAURETIS (1994).

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2.1. Campanha Dia Internacional da Mulher 2013

Essa campanha foi pensada para o Dia Internacional da Mulher, e trabalhou com foco na

questão do diagnóstico precoce tanto ao vírus da AIDS, quanto às hepatites. Nessa campanha

aparecem mulheres que descobriram que portavam as doenças (ou hepatite ou AIDS) e hoje vivem

suas vidas normais. Essas mulheres dão alguns alertas quanto às doenças informando formas de se

prevenir e a importância de ter um diagnóstico precoce para a efetividade do tratamento.

Nos cartazes aparecem os seguintes textos verbais: “8 de março. Dia Internacional das

Mulheres”, um em rosa e no outro em amarelo, cores que normalmente são atribuídas ao universo

feminino; “Conheça a história dessas mulheres positivas” e “A hepatite é silenciosa. Mas essas

mulheres não”, fazendo referência às doenças da AIDS e hepatites.

Os textos junto às imagens passam a ideia de mulheres fortes, que venceram na vida,

independente de terem contraído doenças sexualmente transmissíveis, e que continuam vencendo os

obstáculos de viver com a doença. Por isso servem como modelos, e alertam as outras mulheres

sobre formas de prevenção e a importância do tratamento.

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2.2. Dia das Mães 2013

Nessa campanha o foco é a questão do pré-natal e a prevenção a transmissão vertical do

vírus HIV, hepatites e sífilis para os bebês. Para isso usa-se de mulheres grávidas que serão futuras

mães, e que alertam outras mulheres grávidas da importância de fazer o pré-natal.

O texto que aparece nessa campanha é o seguinte: “Daqui a pouco, nossos bebês vão nascer

e estamos tranqüilas: fizemos a nossa parte”; “Peça os teste de hepatite B, aids e sífilis. É um direito

seu”; “No mês das mães, elas estão aqui para lembrar que é muito importante fazer o pré-natal”.

Nessa campanha observa-se que algumas partes das frases foram destacadas com a cor rosa,

novamente reforçando que essa cor é socialmente determinada como representativa do universo

feminino.

Além disso, nessa campanha a mulher é colocada no seu papel tradicional, no qual a sua

principal preocupação é o cuidado com os filhos. O foco é dado para a proteção ao contágio do bebê

que está chegando, o cuidado com essa nova vida, e não é enfatizado que mesmo durante a gestação

a mãe deve continuar usando meios de prevenção ao contágio, como por exemplo o uso do

preservativo nas suas relações sexuais. Como coloca RAMOS (2007), a ideia de “mulher-mãe”, a

mãe-Maria, na qual não se vê apelo erótico, essa mulher não tem vida sexual ativa, ela é mãe e só.

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2.3. Campanha destinada para as profissionais do sexo (2013)

Fig. 03 – Campanha voltada para as Profissionais do Sexo – 2013.

Nessa campanha foram escolhidas três personagens que representam o universo das

prostitutas, para que essas mulheres possam ser ícones de identificação do público-alvo da

campanha, ou seja, o objetivo é tornar a campanha mais próxima da audiência. Nessa peça há frases

ditas por essas mulheres que tendem a alertar sobre a necessidade de proteção durante as relações

sexuais. Além disso, há na imagem várias flores desenhadas nas cores laranja e vermelho, essas

figuras novamente fazem referencia ao que vem sendo tradicionalmente entendido como natural do

universo feminino, e conotam a sensação de sensibilidade atribuída às mulheres.

Os textos que são veiculados junto às imagens dessa campanha são: “Prostituta que se cuida

usa sempre camisinha”; “A vida é melhor sem AIDS. Pegue sua camisinha na unidade de saúde.

AIDS ainda não tem cura”; “Um beijo para você, que usa camisinha e se protege das DSTs, aids e

hepatites virais”; “Eu não posso ficar sem a camisinha, meu amor”; “Todo dia a gente tem que fazer

educação e prevenção de aids”.

Nessa campanha verifica-se que essas mulheres são apresentadas como donas do próprio

corpo, são mulheres que impõem suas vontades e não abrem mão do uso do preservativo nas

relações sexuais, apesar disso, a imagem do preservativo não aparece nos cartazes, ele é

mencionado no texto. O que pode reforçar essa ideia da mulher com uma sexualidade própria é que,

diferente das outras campanhas que mostram o rosa em sua composição, quando a campanha é

voltada para as prostitutas, mulheres sexualizadas, usa-se a cor vermelha e derivações da mesma,

que representa justamente a cor do desejo e do pecado.

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2.4. Campanhas de Carnaval dos anos 2012 e 2013

As campanhas de carnaval são campanhas que normalmente são pensadas para a população

no geral, no entanto normalmente verifica-se que são criados cartazes e folders específicos para o

público homossexual, HSH (homens que fazem sexo com homens) e transexuais, sendo que para a

população no geral são destinados cartazes que fazem referencia a parceiros heterossexuais. Dos

cartazes produzidos para ambas as campanhas foram escolhidas apenas os cartazes que fazem

referencia ao público feminino, ou seja, voltados para os relacionamentos heterossexuais, já que o

ministério da saúde não tem desenvolvido campanhas de prevenção para as lésbicas.

Na campanha de 2012 a imagem é de um casal heterossexual se beijando em uma praia, e no

canto direito da imagem vemos um caranguejo com um preservativo masculino, oferecendo-o ao

casal. O texto utilizado foi: “Isso rola muito. Esperar por isso não rola”, fazendo referência ao

relacionamento do casal que é muito recorrente nas festas de carnaval, e ao ato de um animal está

trazendo um preservativo ao casal; “Na empolgação rola de tudo. Só não rola sem camisinha. Tenha

sempre a sua”.

Essa campanha trabalha com um texto divertido, e pretende alcançar o público mais jovem,

que são os que mais se expõem a fatores de risco durante os festejos de carnaval. Além disso, essa

campanha traduz um comportamento mais atual dos jovens, que têm iniciado a vida sexual mais

cedo e têm desenvolvido um comportamento sexual mais liberal, ou seja, os jovens não têm se

limitando a um parceiro sexual, e o sexo casual tem sido um comportamento comum desse público

no carnaval.

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Na campanha de carnaval de 2013 aparece uma mão feminina, que está pintada de esmalte

vermelho, e as questões de beleza são normalmente atribuídas ao universo feminino. Essa mão

segura um preservativo masculino, no fundo da imagem vê-se vários símbolos que fazem referência

à prevenção e o uso de preservativo, esses símbolos imitam os tradicionais confetes de carnaval,

caracterizando o período no qual a campanha foi veiculada. Os textos utilizados são: “A vida é

melhor sem AIDS”; “Proteja-se. Use sempre camisinha”; “Pegue gratuitamente a sua camisinha na

unidade de saúde mais próxima”; “AIDS ainda não tem cura”.

Nessa campanha a mão feminina segura o preservativo masculino, dando a sensação de

segurança e de que se trata de uma mulher que não abre mão do uso do preservativo nas relações

sexuais. No entanto essa mulher não tem um rosto, o que a torna um pouco mais distante do

público. É uma mão aparentemente jovem, reforçando que o público alvo das campanhas de

carnaval normalmente são os jovens.

2.5. Dia Mundial de Combate a AIDS (2012)

Para análise dessa campanha foram escolhidos dois cartazes que trazem dois personagens,

um masculino e outro feminino. O foco dado a essa campanha é novamente na questão do

diagnóstico precoce da doença, trazendo a história de duas pessoas que fizeram o teste e

descobriram a doença cedo, podendo seguir com suas vidas sem que a doença as impedisse de nada.

No primeiro cartaz temos a história de João Netto, ele aparece na foto rodeado de colegas, e

todos aparecem alegres e sorrindo, passando a ideia de que não há nada de errado. Os textos

utilizados nesse cartaz foram: “Há 10 anos, João Netto vive com HIV”; “Ele estuda, pratica esporte,

não abre mão de se divertir. Leva uma vida com qualidade. Tudo isso porque fez o teste de AIDS e

descobriu a tempo de se cuidar”; “Faça o teste de AIDS. Não fique na dúvida, fique sabendo. É

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gratuito, rápido, seguro e sigiloso. E não se esqueça de sempre usar camisinha. Procure uma

unidade de saúde”.

O outro cartaz traz a história de Silvia Almeida, ela aparece na foto ao lado de outra mulher

aparentemente mais nova que dá a entender ser sua filha. Ambas estão sorrindo e despreocupadas.

Os textos utilizados foram: “Há 17 anos, Silva Almeida vive com HIV”; “Ela trabalha, tem dois

filhos e dois netos, adora dançar e viajar. Leva uma vida com qualidade. Tudo isso porque fez o

teste de AIDS e descobriu a tempo de se cuidar”; “Faça o teste de AIDS. Não fique na dúvida, fique

sabendo. É gratuito, rápido, seguro e sigiloso. E não se esqueça de sempre usar camisinha. Procure

uma unidade de saúde”.

Essa campanha mostra em ambas a serenidade e não preocupação das personagens com o

fato de viverem com HIV. No entanto quando comparamos o texto utilizado para retratar o universo

de João Paulo e o universo de Silvia Almeida, observamos que se reforçam valores tidos como

naturais ao universo masculino e ao universo feminino. Ao homem fica reservado o esporte e o

estudo, que irão naturalizar aspectos da sua masculinidade. Já para a mulher são destacados fatores

como ter filhos e netos, novamente reforçando a ligação natural (ou maternal) da mulher com a

família, reforçando relações tradicionais que subordinam a mulher, mantendo as normas de

comportamento da mulher como responsável pelo cuidado com a família. Mesmo assim nessa

campanha observa-se algumas mudanças com relação ao espaço do feminino, e traduzindo uma

conquista histórica do feminismo, que é o seu lugar no mercado de trabalho.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se fala do universo sexual da mulher, ainda hoje, guardada as proporções, é um

assunto delicado e tratado como tabu. Afinal o comportamento esperado das mulheres é de serem

recatadas, passivas e subordinadas aos homens (no caso seus maridos).

As mulheres tiveram suas sexualidades por muitos anos caladas. Elas não poderiam nunca

ter prazer, o prazer deve ser do marido (um direito exclusivo masculino), às mulheres sobrava o

papel da reprodução, sua única função no ato sexual deveria ser esta, ter filhos. Caso as mulheres

desviassem desse padrão de comportamento eram mulheres impuras e indignas, e muitas vezes

eram excluídas socialmente (e ainda são, como o caso das profissionais do sexo que são

estigmatizadas).

A questão da sexualidade feminina, de ser dona de seu corpo e seu prazer, há muitos anos é

uma pauta da agenda política do movimento feminista. E, mesmo que ainda não sejam

completamente livres para exercerem suas sexualidades, as mulheres já começam a desenvolver

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novas formas de comportamento que vêem rompendo com essa visão tradicional da mulher pura e

casta, que não tem uma vida sexual ativa, não é erótica.

O que podemos perceber é que as campanhas produzidas nesses dois anos (2012 e 2013) de

alguma forma já mostram traços desse novo comportamento feminino, principalmente ao mostrar

posturas de mulheres mais fortes, corajosas e decididas, donas de sua própria história. Rompendo

com a visão da mocinha frágil e indefesa que por muito tempo foi tida como característica ideal do

universo feminino.

Esse novo comportamento pode ser visto nas campanhas do Dia internacional da Mulher de

2013, no qual as mulheres aparecem como vitoriosas e donas dos seus destinos, não se abatendo

pela existência da doença. Também vemos isso na campanha de carnaval de 2013, no qual a mão

feminina mostra segurança e decisão na escolha do uso do preservativo, e na campanha de 2012, no

qual dá a entender uma liberdade em escolher seus parceiros sexuais.

Mas há que se fazer um contraponto, apesar dessas novas posturas femininas representadas

nas campanhas, ainda se observa, principalmente ao longo dos anos 2000, um aumento crescente do

número de casos de mulheres infectadas pelo HIV. O que pode representar um fator de

vulnerabilidade na decisão ou não do uso do preservativo no ato sexual, já que, ainda hoje, as

mulheres encontram-se, muitas vezes, em condições de subordinação aos homens, e por isso ainda

verifica-se como uma decisão do homem se será feito ou não o uso do preservativo, ficando a

mulher vulnerável à decisão de seu parceiro.

Outro ponto muito curioso é que nas campanhas, principalmente nas voltadas ao público

feminino, não se fez referência ao uso do preservativo feminino, que poderia significar uma

emancipação das mulheres frente a seus parceiros na decisão do uso do preservativo. Esse fato

demonstra ainda como a sexualidade feminina ainda é estigmatizada e tratada como secundária em

comparação à masculina, reforçando a assimetria de poder das relações de gênero, colocando a

mulher em lugar de vulnerabilidade frente ao homem.

Apesar de vários avanços no que refere ao universo feminino e sua sexualidade, pode-se

observar nas campanhas vários traços conservadores, que reiteram o comportamento naturalizado

da mulher, enquanto mãe, o cuidado com a família, a sensibilidade e o emocional. Ou seja, essas

campanhas também têm contribuído para moldar as mulheres e o que significa ser mulher,

reproduzindo valores e normas que as colocam como sujeitos subordinados.

Isso pode ser identificado na campanha realizada para o Dia das mães (2013), no qual a

sexualidade dessas mães é deixada de lado, valorizando o cuidado que elas, enquanto mães, devem

ter com seus bebês. Isso também é notório na campanha do Dia Mundial de Combate a AIDS

(2012), na qual as questões relacionadas à família (netos e filhos) são atribuídas à mulher, enquanto

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ao homem ficam determinados espaços como o estudo e o esporte, reafirmando os espaços próprios

de cada sujeito na nossa sociedade (às mulheres o espaço privado, e aos homens o espaço público).

Para fechar esse trabalho chamo atenção para o fato de que em nenhuma das campanhas

preventivas fala-se das relações sexuais das mulheres lésbicas, e quais medidas preventivas elas

devem tomar. Observa-se que as lésbicas se configuram como um público ainda mais invisível, não

tendo espaço e não sendo prioridade das iniciativas do governo.

Todos os pontos apresentados se configuram como desafios a serem enfrentados pelo

governo. São pontos que devem ser pensados criticamente para que a formulação de campanhas

preventivas realmente alcance o maior número de pessoas, não estigmatizando nem reforçando

valores e normas assimétricos e subordinadores, para que dessa forma possamos realmente mudar

padrões de comportamento na nossa sociedade, na direção de uma sociedade mais justa e

igualitária.

4 REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. CAMPANHAS do Departamento de DST/AIDS e Hepatites

Virais. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/campanhas/>. Acesso em: 08 de julho de 2013.

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