um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO DIAGNOSE E ENSINO DE PRONOMES: UM ESTUDO SOBRE A RETOMADA ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Juliana Magalhães Catta Preta de Santana 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

DIAGNOSE E ENSINO DE PRONOMES: UM ESTUDO SOBRE A RETOMADA

ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO

Juliana Magalhães Catta Preta de Santana

2016

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DIAGNOSE E ENSINO DE PRONOMES: UM ESTUDO SOBRE A RETOMADA

ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO

Juliana Magalhães Catta Preta de Santana

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

quesito para a obtenção do Título de Mestre em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientadora: Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de

terceira pessoa no Português brasileiro

Juliana Magalhães Catta Preta de Santana

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção

do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Mônica Tavares Orsini – UFRJ

_________________________________________________

Prof. Doutor Ricardo Joseh Lima – UERJ

_________________________________________________

Doutor Antonio Francisco de Andrade Júnior – UFRJ – Suplente

_______________________________________________

Prof. Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ – Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de.

Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a retomada anafórica

do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro / Juliana Magalhães Catta

Preta de Santana. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016.

xi, 205f.: il.; 31cm.

Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, 2016.

Referencias Bibliográficas: f. 177-181

1. Retomada anafórica. 2. Objeto direto de terceira pessoa. 3. Sociolinguística.

4. Ensino de Português. I. Vieira, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas. III. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo sobre a

retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.

Page 5: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

SNOPSE

Estudo sobre as variantes da retomada anafórica do

objeto direto de terceira pessoa no PB. Análise de

base qualitativa de materiais didáticos e entrevistas

com docentes. Análise sociolinguística variacionista

de corpus de redações escolares de estudantes do

Rio de Janeiro no 9º ano do Ensino Fundamental.

Análise da correção efetivada nas redações, no

âmbito da rede pública de ensino.

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SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo

sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.

Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ.

2016.

RESUMO

Esta pesquisa investiga a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa como

fenômeno gramatical variável no Português do Brasil e sua correlação com o ensino de

pronomes no que concerne ao referido fenômeno. Para tanto, pauta-se no quadro teórico da

Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, [1968] 2006; LABOV,

[1972] 2008) e na Sociolinguística Educacional proposta por Bortoni-Ricardo (2004), além

das contribuições de autores que têm desenvolvido discussões relevantes ao âmbito do ensino

da Língua Portuguesa (cf. MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014; VIEIRA, 2015, no prelo).

Ao compreender o ambiente escolar, considera-se, aqui, especialmente relevante a atuação de

três agentes: a orientação prevista no material didático; a mediação do professor; e a atividade

de seus alunos. Assim, objetiva-se diagnosticar como se concretiza a integração e atuação

dessa “tríade” no tratamento dispensado ao fenômeno linguístico em abordagem, a qual,

julga-se, influencia mais diretamente o estudo da língua. Para tanto, foram realizadas três

seções de análise: (i) análise do material didático utilizado pelas professoras em sala de aula,

de forma a averiguar como este se comporta com relação à variedade existente no PB para o

fenômeno linguístico em questão; (ii) análise de entrevista realizada por escrito com as

referidas professoras, no intuito de alcançar sua compreensão sobre o espectro da variação e

de normas de uso no PB; (iii) análise do corpus extraído de redações escolares corrigidas

pelas mesmas professoras, de modo a compreender quais as estratégias de retomada

encontradas na produção escrita dos seus estudantes e, ainda, verificar quais destas formas

foram por elas corrigidas ou não e por que motivo. A partir da análise dos resultados obtidos,

pode-se articular algumas reflexões para ensino, sobretudo no que tange à abordagem de

fenômenos gramaticais variáveis, mais especificamente acerca das variantes do acusativo

anafórico de terceira pessoa.

Palavras-chave: Retomada anafórica; objeto direto de terceira pessoa; Ensino de Português;

Sociolinguística.

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SANTANA, Juliana Magalhães Catta Preta de. Diagnose e ensino de pronomes: um estudo

sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no Português brasileiro.

Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ.

2016.

ABSTRACT

This research investigates the anaphoric reference of the direct object of the third

person as a variable grammatical phenomenon in Brazilian Portuguese and its correlation with

the teaching of pronouns regarding the study of the referred phenomenon. With that goal, it is

based on the theoretical framework of Variationist Sociolinguistics (WEINREICH, LABOV

& HERZOG, [1968] 2006; LABOV, [1972] 2008) and Educational Sociolinguistics proposed

by Bortoni-Ricardo (2004), and also on the contributions of authors that have been developing

relevant discussions within the scope of the teaching of the Portuguese language (cf.

MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014; VIEIRA, 2015). In understanding the school

environment, it is considered to be especially relevant, here, the influence of three agents: the

orientation found in the didactic material; the mediation of the teacher; and the activity of

their students. Thereby, we seek to diagnose how the integration and the influence of that

“triad” materialize in the treatment given to the linguistic phenomenon that is being

approached, which, it is believed, influences more directly the studying of the language. With

that intention, three sections of analysis have been conceived: (i) the analysis of the didactic

materials used inside the classrooms by two teachers acting (during the course of the year

2015) in the 8th grade of public municipal schools in Rio de Janeiro, as a way to verify how

such works approach the existing variety found in Brazilian Portuguese of the phenomenon

that is being studied; (ii) the analysis of a written interview done with the referred teachers,

with the goal to reach their understanding about the spectrum of the variation and the norms

of use in Brazilian Portuguese; (iii) the analysis of the corpus extracted from the school

compositions corrected by those same teachers, as a way to understand the strategies of

anaphoric reference found in the written production of their students and, moreover, verify

which of those forms were corrected or not by the teachers and for what reason. From the

analysis of the obtained results, we look to articulate some reflections regarding the teaching

related to the approach of variable grammatical phenomena, especially the one that is related

to the variants in the anaphoric accusative of the third person.

Key-words: Anaphoric reference; direct object of the third person; teaching of Portuguese;

Sociolinguistic.

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Ao meu avô, Bely Catta Preta. Incomparável. Eu te amo, vô. (in

memoriam)

À minha mãe, que “fecha com meus sonhos como ninguém”.

À minha vozinha, que ilumina minha vida todos os dias com os mais

felizes sorrisos, tranquilos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, a meu anjo da guarda e aos anjos de luz que estão sempre olhando por mim.

Obrigada por orientar todos os meus passos, e sempre, sempre me proteger.

À minha mãe, a melhor mãe de todas, que está sempre pronta pra me ajudar no que for,

mesmo se não estiver pronta. Sem você, nada disso seria possível. Nossa proximidade e

cumplicidade são únicas. Obrigada por tanto, mãe. Obrigada por ser você a minha mãe!

Minha leitora, minha amiga, meu suporte... e um etc. enorme. “Ela fecha com meus sonhos

como ninguém”...

À minha vozinha, a mais linda do universo, como faço questão de reforçar, chata e

repetitivamente, mas com muito amor, todos os dias. Obrigada por tudo!!!!! Você não sabe

como me dá forças e equilíbrio para encarar com mais sabedoria (embora eu ainda esteja

engatinhando nesse processo) tudo com que a vida pode nos bridar.

Ao meu pai, que está sempre ao meu lado, preocupado comigo, perguntando sobre tudo e

disposto a me ajudar em qualquer coisa. Obrigada por estar sempre por perto, meu pai,

mesmo quando longe! Você é demais, pai!

Ao meu tio Jonas, que vem consecutivamente de São Paulo ao Rio para me auxiliar (salvar)

todas as vezes em que a tecnologia tenta nos pregar alguma peça. Na verdade, isso não é nada

perto do tio maravilhoso e admirável que você é.

A toda minha família, micro e macro, que mais do que me encher de orgulho, me enche de

amor e carinho, sempre.

Aos amigos que compartilharam, em algum momento, da minha trajetória acadêmica, fazendo

com que esse percurso tenha sido (e continue sendo) repleto de alegrias, as quais colorem

nossas conquistas profissionais.

Àquelxs do coração, que comemoram junto, sobretudo às minhas amigas lindas que

compreenderam todos os finais de semana em que eu disse “não vai dar, amiga”. Notícia:

agora dá!!!

Às escolas municipais do Rio de Janeiro que contribuíram de forma essencial para o

desenvolvimento desta pesquisa.

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Às professoras que gentilmente concederam suas respostas em entrevista, sem as quais seria

inviável proceder ao desenvolvimento deste trabalho.

À tia Carla, que tanto me ajudou para estabelecer contato com uma das escolas e uma das

professoras entrevistadas. Muito obrigada!

Ao Professor Antonio Andrade, quem, talvez sem saber, contribuiu em muito para a feitura do

anteprojeto que viabilizou minha entrada no âmbito do tão almejado Mestrado Acadêmico em

Língua Portuguesa. Suas aulas, além de deixarem saudades, realmente transformaram (apenas

positivamente, claro!) minha formação e consequente atuação como professora.

À Professora Mônica Orsini, pelas contribuições mais do que valorosas no início do

Mestrado, não só nas considerações relevantes conferidas ao ministrar sua disciplina, mas

também no auxilio e orientação, em especial, à minha monografia de final de curso, a qual

originou o desenvolvimento desta pesquisa.

Ao Professor Ricardo Lima, quem se mostrou ser uma pessoa maravilhosa, ainda que nos

poucos encontros acadêmicos.

À CAPES, por financiar esta pesquisa e contribuir para a continuidade da minha tão sonhada

jornada acadêmica.

Em especial, à minha querida orientadora, Silvia Rodrigues Vieira, que, mesmo com a vida

“uma loucura”, “enlouquecida com (i), (ii), (iii), ...”, sempre encontra disponibilidade para

nos orientar. Mais do que orientadora, é uma pessoa verdadeiramente incrível e ainda cumpre

papel de psicóloga nos momentos de sufoco. É professora. Com todas as características

admiráveis da profissão. Sem mais delongas, fica para a posteridade: #Silviaédiva!

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Parte desta pesquisa foi financiada por uma bolsa

CAPES (maio de 2014 a março de 2016).

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Cuando arrancaron los camiones, cargados de presos, yo fui uno de

los niños que corrieron detrás, tirando piedras. Buscaba con

desesperación el rostro del maestro para llamarle traidor y criminal.

Pero el convoy era ya una nube de polvo a lo lejos y yo, en el medio

de la Alameda, con los puños cerrados, sólo fui capaz de murmurar

con rabia: <<¡Sapo! ¡Tilonorrinco! ¡Iris!>>

(Manuel Rivas, La lengua de las mariposas)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................

19

CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA LITERATURA: O TRATAMENTO

DISPENSADO AO FENÔMENO DO ACUSATIVO ANFÓRICO DE

TERCEIRA PESSOA .............................................................................................

23

1.1 A abordagem da tradição gramatical ..................................................................

23

1.2 A abordagem das descrições linguísticas ............................................................

30

1.2.1 A gramática descritiva de Perini (2007 [1989]) ...............................................

30

1.2.2 A gramática descritiva de Castilho (2014 [2010]) ...........................................

34

1.2.3 A gramática pedagógica de Bagno (2012) .......................................................

38

1.2.4 Síntese do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira pessoa em

gramáticas do PB, segundo a tradição gramatical e as descrições linguísticas ........

43

1.2.5 A abordagem em estudos científicos ...............................................................

46

1.2.5.1 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na fala brasileira .....................

47

1.2.5.2 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita brasileira .................

53

1.2.5.3 O ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa.................................

60

CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................

66

2.1 A Sociolinguística Variacionista .........................................................................

66

2.2 A Sociolinguística Educacional ..........................................................................

70

2.3 O ensino de Português - pontos de partida ..........................................................

76

2.3.1 Por um ensino de gramática reflexivo .............................................................

77

2.3.2 Por um ensino que envolva variação e normas ................................................

82

2.3.3 Por um ensino de gramática na construção dos sentidos do texto ...................

88

Page 14: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA E HIPÓTESES DE PESQUISA.................

93

3.1 Procedimentos metodológicos e hipóteses de pesquisa.......................................

93

3.2 Descrição dos ambientes escolares de pesquisa ..................................................

97

3.3 Descrição dos materiais de pesquisa ...................................................................

99

3.3.1 Os materiais didáticos utilizados .....................................................................

99

3.3.2 A entrevista ......................................................................................................

101

3.3.3 As redações escolares ......................................................................................

104

3.3.3.1 Grupos de fatores controlados ......................................................................

105

3.3.3.2 O tratamento dos dados .................................................................................

117

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MATERIAIS DE

PESQUISA ..............................................................................................................

120

4.1 A análise qualitativa: os materiais didáticos e as entrevistas ..............................

120

4.1.1 O Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME) ........

120

4.1.2 O livro didático Vontade de Saber Português, de Romiere Alves e Tatiane

Brugnerotto (2012) ....................................................................................................

126

4.1.3 O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas

(IBEP). ......................................................................................................................

130

4.1.4 A perspectiva das professoras: as entrevistas ..................................................

132

4.2 Análise Sociolinguística Variacionista dos dados: a produção textual dos

estudantes ..................................................................................................................

140

4.2.1 Distribuição geral dos dados ............................................................................

140

4.2.2 Análise multivariada dos dados .......................................................................

142

4.2.2.1 Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico ...................................

143

Page 15: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

4.2.2.2 Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical...................................

150

4.3 O grupo de controle correção ..............................................................................

154

4.4 Análise dos resultados: reflexões para o ensino .................................................

167

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................

172

REFERÊNCIAS ......................................................................................................

177

ANEXOS ..................................................................................................................

182

Page 16: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de

estudantes brasileiros, segundo Averbug (2000). ....................................................

53

Gráfico 2. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de

estudantes brasileiros de acordo com seu nível de escolaridade, segundo Averbug

(2007) ......................................................................................................................

54

Gráfico 3. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa

no corpus de redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental. ......................

141

Gráfico 4. Probabilidade de uso do ele acusativo em função da variável

“estrutura sintática da frase”. ...................................................................................

153

Gráfico 5. Percentual geral de correção do acusativo anafórico de terceira

pessoa. .....................................................................................................................

155

Gráfico 6. Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD anafórico de

terceira pessoa .........................................................................................................

157

Page 17: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na produção oral de

estudantes do Rio de Janeiro conforme o nível de escolaridade, representada de

Averbug (1998 apud AVERBUG 2008, p. 16)........................................................

49

Tabela 2. Objeto direto anafórico na fala popular brasileira com base nos

resultados de Duarte (1986) e Marafoni (2010).......................................................

51

Tabela 3. Objeto direto anafórico na fala culta brasileira, segundo os resultados

de Duarte (1986) e Freire (2000)..............................................................................

52

Tabela 4. Clíticos acusativos na fala e escrita cultas no PB conforme resultados

de Freire (2000, 2005)..............................................................................................

54

Tabela 5. Objeto direto anafórico no PB conforme continuum de oralidade-

letramento, segundo Freire (2005)...........................................................................

55

Tabela 6. Objeto direto anafórico na escrita culta brasileira e na fala culta

lusitana, com base nos resultados de Freire (2005) e Freire (2000)

respectivamente........................................................................................................

55

Tabela 7. Ocorrência de mesmo SN e SN sinônimo conforme o nível de

escolaridade; adaptada de Machado (2006, p. 70), com apenas os resultados da

variante SN anafórico...............................................................................................

57

Tabela 8. Objeto direto anafórico em redações escolares conforme o gênero

textual, segundo Machado (2006, p. 73)..................................................................

58

Tabela 9. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa

no corpus de redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental........................

140

Tabela 10. Distribuição das formas do SN anafórico encontradas nas redações

escolares do 9º ano do Ensino Fundamental: SN idêntico; SN semelhante; e SN

sinônimo. .................................................................................................................

142

Tabela 11. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao

emprego do clítico acusativo. ..................................................................................

143

Tabela 12. Atuação da variável “antecedente do acusativo anafórico” quanto ao

emprego do clítico acusativo. .................................................................................

145

Tabela 13. Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo

anafórico” quanto ao emprego do clítico acusativo. ...............................................

146

Tabela 14. Atuação da variável “escola” quanto ao emprego do clítico acusativo.

147

Page 18: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

Tabela 15. Atuação da variável “função sintática do antecedente” quanto ao

emprego do clítico acusativo. ..................................................................................

148

Tabela 16. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego

do clítico acusativo. .................................................................................................

149

Tabela 17. Resultados do grupo de controle “correção” quanto ao emprego do

ele acusativo. ...........................................................................................................

151

Tabela 18. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao

emprego do ele acusativo. .......................................................................................

151

Tabela 19. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego

do ele acusativo. ......................................................................................................

152

Tabela 20. Distribuição geral do acusativo anafórico de terceira pessoa em

função da frequência de correção ............................................................................

155

Tabela 21. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e

“correção” sobre o emprego do clítico acusativo. ...................................................

161

Tabela 22. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e

“correção” sobre o emprego do pronome lexical. ...................................................

165

Page 19: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Pronomes pessoais segundo a tradição gramatical do PB (ROCHA

LIMA, 2012; CUNHA & CINTRA, 2001; BECHARA, 2009). .............................

28

Quadro 2. Classes e subclasses de substantivos e adjetivos (PERINI, 2007, p.

331) ..........................................................................................................................

32

Quadro 3. Formas pronominais retas e oblíquas do PB conforme Perini (2010) ..

34

Quadro 4. Pronomes pessoais do PB falado e escrito na atualidade, segundo

Castilho (2010, p. 477) ............................................................................................

35

Quadro 5. Pronomes da não-pessoa no Português brasileiro, conforme Bagno

(2012, p. 796) ..........................................................................................................

39

Quadro 6. Objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil –

tradição gramatical e descrições linguísticas: quadro-síntese .................................

44

Quadro 7. Variantes utilizadas na narrativa fictícia para entrevista com docentes.

137

Quadro 8. Síntese dos resultados das análises dos materiais didáticos, entrevistas

e redações escolares sobre as variantes clítico acusativo e pronome lexical ..........

168

Page 20: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

19

INTRODUÇÃO

A pesquisa em Língua Portuguesa, por bastante tempo, encontrou-se dissociada da

atuação de professores em sala de aula. Ao que parece, essa situação vem se modificando, ao

passo que a produtividade da inter-relação entre teoria e prática vem sendo compreendida.

Além do crescente conhecimento sobre a própria Língua Portuguesa, julga-se relevante que a

pesquisa teórica, a um só tempo, se beneficie do contexto escolar para ampliar seu horizonte

de investigação e conduza a resultados concernentes à prática de professores que trabalham

esse conhecimento da língua materna com seu alunado. Nessa perspectiva, a presente

pesquisa tem como campo de estudo o contexto do ensino da nossa língua, pautado, de um

lado, nos conhecimentos (socio)linguísticos obtidos com relação ao Português do Brasil

(doravante PB) e, de outro, na própria investigação da produção linguística escolar.

Nesse intuito, tomam-se como aporte teórico os pressupostos da Sociolinguística

Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, [1968] 2006; LABOV, [1972] 2008),

que esclarecem a relação intrínseca entre língua e sociedade, junto ao princípio da

heterogeneidade ordenada, e as contribuições da Sociolinguística Educacional, propostas por

Bortoni-Ricardo (2004), área que alia os pressupostos sociolinguísticos aos objetivos do

ensino de Português. É intento deste trabalho, portanto, promover uma análise que abarque

um estudo de cunho variacionista da língua e sua correlação com o contexto escolar. Nesse

âmbito, esta pesquisa investiga a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa como

fenômeno gramatical variável no Português do Brasil e o correspondente ensino de pronomes

no que concerne à referida função sintática. Em outras palavras, busca-se promover um

diagnóstico sobre o modo como se dá o ensino de pronomes, mais especificamente no que

tange ao objeto direto anafórico de terceira pessoa, tendo em vista os diversos estudos

científicos já realizados sobre o tema, e, a partir disso, articular algumas reflexões para o

âmbito do ensino no que diz respeito à abordagem do fenômeno em estudo.

Ao focalizar o contexto do ensino, compete ao professor refletir sobre o que se deve

ensinar em sala de aula e como se deve fazê-lo. Para tanto, considerar a questão da variação

linguística e as características associadas a determinadas variantes constitui uma tarefa

presente nessa ponderação. No que se refere ao ensino de pronomes, ainda há uma distância

considerável entre as descrições de estudos acadêmicos e o que se verifica, em geral, na

prática escolar. Caberia pensar, então, quais variantes têm lugar no ensino e que lugar ocupam

Page 21: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

20

essas variantes no contexto escolar. Em se tratando do ensino público do Rio de Janeiro, sabe-

se que as diversas variedades linguísticas referentes ao alunado não correspondem totalmente

às aceitas como de prestígio. Assim, a tentativa de submeter os alunos a determinado molde

tido como prestigioso na sociedade sugere certa problematização.

Ainda que a variedade utilizada pelos alunos contenha variantes socialmente

estigmatizadas, é impossível (e ineficaz) simplesmente apagá-las e depositar em seu lugar

uma norma de prestígio, com a qual o aluno pouco tem contato. Tampouco é válido manter

limitado o conhecimento inicial em língua materna de que dispõem os alunos apenas porque

assim já se comunicam em suas comunidades de fala, mas tentar substituir uma norma

estigmatizada por outra considerada padrão também é uma forma de limitar o conhecimento

linguístico. É necessário que se apliquem formas diversificadas no processo de ensino-

aprendizagem, para que os alunos alcancem um contato com o ainda desconhecido e, a partir

daí, adquiram novos conhecimentos. Desse modo, a ampliação de suas habilidades

linguísticas sucede do provimento de subsídios para que possam se adequar – adequar seus

discursos – às circunstâncias a que são e podem vir a ser expostos em sociedade. Isto é, trata-

se de aprimorar a habilidade linguística dos alunos em adequar-se aos possíveis contextos de

interação comunicativa.

Nesse propósito, é preciso considerar três agentes que se integram e influenciam mais

diretamente o estudo da língua: a orientação prevista no material didático, a atuação do

professor e a atividade de seus alunos, o que vai resultar em um trabalho conjunto. Em vista

disso, o objetivo geral desta pesquisa é justamente verificar como se concretiza a tríade

“material didático – orientação do professor – domínio por parte dos alunos” no que tange às

variantes linguísticas existentes para a representação do objeto direto anafórico de terceira

pessoa.

Os estudos anteriores indicam as seguintes variantes existentes no PB para o referido

fenômeno linguístico:

a) o pronome clítico, como em Margoᵢ descobriu que seu namorado aᵢ traía com sua

“AMIGA” e ela decide se vingar, que é a variante considerada pela norma padrão;

b) o pronome lexical, como em todos os dias a mãe do Luizᵢ levava eleᵢ para o treino de

futebol, que mostra o uso de um pronome originalmente nominativo em função acusativa;

Page 22: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

21

c) o sintagma nominal, como nos exemplos: Lucas entrou na água para salvar as meninasᵢ

seus colegas vieram e ajudaram ele a salvar as meninasᵢ e logo após de ter se apaixonado por

Cam, Luᵢ descobriu que ele era um anjo caído e que estava na terra para cumprir uma

missão, que era salvar a bondosa meninaᵢ da sua morte, que se configura como uma

estratégia de “esquiva”, conforme apontam Tarallo (1993), Silva (1993), e Duarte (2013), ao

uso do clítico, distanciado do vernáculo brasileiro, e ao uso do pronome lexical, estigmatizado

socialmente;

d) o objeto nulo, como em uma vez a mulher deixou o celularᵢ de bobeira e o homem pegou ᵢ

para mexer, que é a estratégia preferida dos brasileiros e, em geral, sequer é mencionada no

ambiente do ensino; e

e) o pronome demonstrativo, como em Mia dizia [que não e que isso era muito importante

pra ela e que não queria que ninguém o tocasse] ᵢ. Ela dizia issoᵢ até mesmo para sua melhor

amiga, verificada na maioria das vezes retomando um objeto proposicional.

Para atingir o propósito em questão, esta pesquisa envolve o ambiente educacional de

duas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, por meio das quais é investigado o

trabalho desenvolvido com duas turmas de 9º ano do Ensino Fundamental. Nesta

investigação, busca-se o alcance de quatro objetivos específicos: (i) analisar de que forma são

apresentadas as formas variantes de retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no

material didático utilizado por suas professoras em sala de aula, de modo a averiguar como

esse material se comporta com relação à variação existente no PB para o fenômeno linguístico

abordado; (ii) investigar a percepção das professoras sobre os conceitos de variação e normas

de uso da língua, levando em consideração o grau de legitimidade por elas atribuído às formas

variantes do objeto direto anafórico; (iii) examinar a produção textual escrita de seus

respectivos alunos, de modo a compreender quais as estratégias de retomada por eles mais ou

menos utilizadas e por que o são; e (iv) com base nos três objetivos anteriores, apresentar

reflexões acerca do ensino do referido fenômeno gramatical variável.

Esta pesquisa, portanto, compreende três etapas de análise. A primeira se refere à

apreciação crítica dos referidos materiais didáticos no que diz respeito ao tratamento neles

dispensado ao fenômeno linguístico aqui em estudo. A segunda, que abrange a perspectiva

das docentes, é feita a partir da elaboração de uma entrevista a elas destinada. A terceira

etapa, por sua vez, compreende a análise e interpretação de um corpus extraído de redações

escolares corrigidas pelas professoras em questão, o qual não apenas viabiliza averiguar as

Page 23: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

22

estratégias encontradas na produção escrita desses estudantes, mas permite, ainda, verificar

quais dessas formas foram corrigidas ou não. Essa análise possibilita um contraste entre as

considerações concedidas pelas professoras em entrevista e a avaliação/correção por elas

realizada efetivamente na produção de seus alunos. Os três tópicos de análise acima

explicitados se inter-relacionam, contribuindo para o alcance do objetivo geral desta pesquisa.

Para o desenvolvimento da investigação, esta dissertação encontra-se organizada da

seguinte maneira. O Capítulo 1 proporciona uma revisão das obras já realizadas na literatura

acerca do fenômeno linguístico aqui investigado, englobando as abordagens da tradição

gramatical e das descrições linguísticas sobre o tema. O Capítulo 2, por sua vez, esclarece os

fundamentos teóricos que norteiam esta pesquisa, sejam os próprios da Sociolinguística

Variacionista, sejam os mais recentes referentes ao ensino de Português como língua materna.

No capítulo 3, apresentam-se os procedimentos metodológicos e a hipóteses adotadas na

realização desta pesquisa, bem como as descrições das escolas aqui envolvidas e dos materiais

de pesquisa investigados. O capítulo 4 se refere aos três tópicos de análise acima

mencionados. Primeiramente, apresenta-se a apreciação de base qualitativa dos materiais

didáticos e das entrevistas realizadas e, em seguida, expõe-se o exame sociolinguístico

variacionista dos dados encontrados nas redações escolares coletadas. Posteriormente, em

uma terceira seção do capítulo, apresentam-se as reflexões para o ensino promovidas em

decorrência dos resultados anteriormente alcançados. Na sequência, expõem-se as

considerações finais obtidas com esta pesquisa e as referências bibliográficas utilizadas para

sua elaboração. Parte dos materiais didáticos e a entrevista formulada estão disponíveis, por

último, na seção de anexos.

Em vista das considerações mencionadas, busca-se, aqui, não só compreender o que

está presente nos materiais didáticos ou na produção dos estudantes com relação fenômeno

linguístico estudado, mas também promover o confronto entre esses materiais, a visão do

professor sobre a variação da língua quanto ao fenômeno em questão e a realidade linguística

verificada na escrita de seus alunos. Além disso, a partir da promoção de algumas reflexões

para o ensino baseadas nos resultados ora alcançados, almeja-se aproximar o espaço das

pesquisas teóricas da possiblidade de um ensino condizente com os conhecimentos

linguísticos já alcançados no âmbito acadêmico.

Page 24: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

23

CAPÍTULO 1

REVISÃO DA LITERATURA: O TRATAMENTO DISPENSADO AO

FENÔMENO DO ACUSATIVO ANAFÓRICO DE TERCEIRA PESSOA

Neste capítulo, faz-se uma revisão dos estudos que envolveram e descreveram o

fenômeno analisado nesta pesquisa: a retomada do objeto direto anafórico de terceira pessoa

no Português do Brasil. Neste percurso, tratamento especial é dado à correlação entre a

realização do fenômeno no PB e o ensino de português, no que tange, portanto, ao estudo dos

pronomes e estratégias que retomam o objeto direto no uso da língua. Desta forma, a seção

1.1 a seguir aborda o tratamento dispensado ao tema na tradição gramatical brasileira,

enquanto a seção 1.2, por sua vez, abarca a abordagem feita pelas descrições linguísticas.

1.1 A abordagem da tradição gramatical

Com o desenvolvimento dos estudos científicos e as contribuições alcançadas na

atualidade, acaba-se por abordar, muitas vezes, as considerações da tradição gramatical como

insuficientes à realidade linguística, como se a Gramática Tradicional (doravante GT) não

“desse conta” dos fenômenos da língua. Ocorre que, na história de construção do pensamento

tradicional, sequer se dispunha dos aparatos que atualmente contribuem para as pesquisas

linguísticas, além do fato de que a Gramática Tradicional surge em um contexto histórico e

social distante e, portanto, bastante distinto da atualidade. Em vista disso, antes de passar à

abordagem da tradição gramatical sobre o fenômeno linguístico aqui em questão, faz-se

necessário ressaltar, brevemente, o contexto em que se desenvolveu a GT e seus objetivos,

para, assim, evitar uma conclusão superficial de que esta simplesmente não daria conta dos

fenômenos linguísticos como um todo.

O estudo da gramática teve seus passos iniciais desde a Antiguidade Clássica, quando

gregos e romanos manifestaram suas primeiras reflexões sobre a língua a partir de fontes

diversas1. Dentre essas fontes, estavam as práticas políticas e jurídicas da época, que exigiam

um domínio das habilidades de fala suficiente à argumentação feita na tentativa de vencer as

disputas da área, reflexões de Platão e Aristóteles sobre a natureza da linguagem humana e a

1 As informações contidas nesta introdução à abordagem da tradição gramatical (seção 1.1) estão

baseadas, sobretudo, nas contribuições de Pagotto (1998, 2013) e na obra Norma Culta Brasileira:

desatando alguns nós, de Carlos Alberto Faraco (2008, p. 130-161).

Page 25: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

24

construção da lógica como raciocínio válido na análise de diferentes aspectos da língua grega;

estas últimas de caráter filosófico (cf. Faraco, 2008, p.131-132).

Algum tempo depois, já na era cristã, conforme aponta o referido autor, os gregos

passaram a dedicar profundamente seus estudos à produção literária de autores consagrados.

Objetivaram descrever a língua dos poetas e prosadores estudados, a qual acabava por

considerar-se um modelo de usos linguísticos. Quando Roma chegou ao Império, acolheu a

cultura grega e, tendo como referência a língua dos consagrados autores clássicos, também

buscou fixar um latim modelar para as considerações sobre a língua. Nesse intuito,

produziram diversas gramáticas do Latim, dentre as quais, como afirma Faraco (op. cit.,

p.138), a gramática de Prisciano (séc. VI d. C.) obteve maior destaque e em certa medida,

serve, até hoje, como modelo direto ou indireto para a produção das gramáticas tradicionais.

No período da Idade Média, porém, houve uma progressiva substituição do Latim

pelas línguas vernáculas, dada por meio do “contato entre os diferentes dialetos latinos

falados em cada região com as várias línguas germânicas trazidas pelas ondas invasoras”

(FARACO, p. 147). Com isso, embora já não se utilizasse efetivamente o Latim, obrigava-se

o aprendizado dessa língua, o que, consequentemente, era como aprender uma língua

estrangeira, uma Língua 2 (L2). Começou a construir-se, assim, uma cultura/pedagogia do

erro no ensino da língua, tendo em vista o modelo em que se espelhavam, modelo este que

não mais se verificava sequer na fala efetiva de nativos.

No século XVI, surgiram as primeiras gramáticas do Português, dentre as quais se

destacou a de João de Barros (1540). Segundo Faraco (2008), tal gramática estendia o modelo

de referência dos usos literários de poetas e prosadores aos usos linguísticos de “barões

doutos”, isto é, aos indivíduos mais letrados da sociedade (p. 143). Assim, o objetivo central

dessas gramáticas era, a partir da descrição desses usos, propor um modelo que configurasse o

uso clássico da Língua Portuguesa. Esse perfil tradicional acompanha as gramáticas que,

mesmo produzidas no decorrer do século XX, se enquadram no perfil das chamadas

gramáticas tradicionais brasileiras.

No Brasil, norteado pela segregação social do período colonial, é aquele modelo

medieval de ensino que influencia as práticas pedagógicas. Posteriormente, quando da

independência de nosso país, convencionou-se seguir não um modelo de língua mais próximo

da fala de brasileiros letrados, mas sim um modelo que adotasse a escrita lusitana, com base

nos escritores portugueses do Romantismo. Já no século XIX, o segmento mais privilegiado

Page 26: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

25

da sociedade começou a contribuir para a constituição de uma norma linguística ideal,

baseada da norma lusitana, de modo que o distanciamento entre as camadas sociais fosse

alargado, conforme esclarece Pagotto (1998).

Nesse sentido, os indivíduos que dispunham do estudo da língua eram ainda um grupo

bastante restrito: a elite branca brasileira do século XIX. Naquele momento, portanto, o

estudo era privilégio de uma minoria. Com o desenvolvimento da sociedade – aumento do

comércio, maior número de pessoas aprendendo a ler e tomando parte de estudos escolares

(não mais uma minoria, apenas) –, o distanciamento entre a linguagem do indivíduo e o que

se ensina nas escolas foi, progressivamente, aumentando (FARACO, 2008, p. 129-158).

Considerando o histórico social do estudo da língua, o que se verifica, nos dias atuais, é que a

gramática tradicional ensinada nas escolas, em muitos pontos, de fato não corresponde à

gramática natural dos alunos brasileiros. A esse respeito, o autor faz uma ressalva aos que se

dedicam ao ensino do Português:

Enquanto a questão do domínio da cultura letrada e, em consequência, da

língua modelar era problema de uma reduzida elite, um modelo normativo

anacrônico não causava maiores dificuldades. Contudo, à medida que

mudanças socioeconômicas (em especial, a industrialização e a urbanização)

trouxeram a necessidade de se ampliar o acesso da população à escola e se

propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos

bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no

Brasil de hoje, em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por

isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio

funcionamento social da norma culta/comum/standard (FARACO, 2008, p.

146).

A partir desse breve histórico, é possível compreender o fato de que as gramáticas

tradicionais elaboradas até hoje demonstram uma abordagem um tanto redutora sobre os

fenômenos variáveis da língua como um todo (como seria de se esperar, portanto) – o que se

justifica, sobretudo, pelos objetivos particulares que assume. Ocorre que diversos grupos

sociais continuam a considerar as propostas apresentadas na tradição gramatical como

modelos para suas práticas linguísticas, sobretudo na escrita.

Tendo em vista a relevância social de um modelo gramatical milenar, é compreensível

o peso que ele tem, até hoje, nas práticas sociais, científicas e pedagógicas. No que diz

respeito ao contexto pedagógico, não é raro que a abordagem tradicional seja o quadro teórico

descritivo e prescritivo adotado. O que se faz necessário, logo, é uma atualização da

descrição da GT para fins didáticos – mesmo porque esta continua sendo ponto de partida

Page 27: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

26

para diversas pesquisas científicas desenvolvidas na atualidade. Faraco (2008, p. 153) destaca

um dos próprios autores dentre as gramáticas investigadas na seção a seguir, Celso Cunha,

ressaltando que um dos seus principais objetivos do Projeto NURC, na sua visão, era

ajustar tanto quanto possível o ensino da língua portuguesa, em todos os seus

graus, a uma realidade concreta, evitando a imposição indiscriminada de

uma só norma histórico-literária, por meio de um tratamento menos

prescritivo e mais receptivo às diferenças regionais e socioculturais do País

(CELSO CUNHA, 1985:28 apud FARACO, 2008, p. 153).

Dito isso, além de “superar a cultura do erro e criar condições para um ensino mais

eficiente e eficaz da língua portuguesa em nossas escolas” (cf. Faraco, p. 130), não basta

compreender que a tradição gramatical não condiz com a realidade linguística atual e não

acompanha o desenvolvimento da língua em uso. O maior desafio está “na reconstrução de

nosso imaginário sobre a língua, promovendo, nessa área, um reencontro do país consigo

mesmo” (p. 156).

Levando em consideração esse breve histórico sobre o desenvolvimento da Gramática

Tradicional (apresentado de forma concisa, dentro dos limites deste trabalho), foram

averiguadas as gramáticas de Rocha Lima (2012 [1972]), Cunha & Cintra (2001 [1985]) e

Bechara (2009 [1999]) a respeito da abordagem que fazem, mais especificamente, sobre o

tema do objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil, tendo em vista que

figuram, ao que parece, entre as mais influentes nas instituições educacionais brasileiras.

As três gramáticas tradicionais averiguadas apresentam abordagem semelhante do

tema do acusativo anafórico de terceira pessoa. Ao partir do princípio de que a função de

retomar um termo é, de modo geral, atribuída aos pronomes, esta revisão da tradição

gramatical se inicia a partir da definição de “pronome” concebida pelos gramáticos em

questão.

Segundo Rocha Lima (2012 [1972]), pronome é “a palavra que denota o ente ou a ele

se refere, considerando-o apenas como pessoa do discurso” (p. 156). Bechara (2009 [1999])

diz basicamente o mesmo em outros termos: “é a classe de palavras categoremáticas que

reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou

por outras palavras do contexto” (p. 162). Cunha & Cintra (2001 [1985]), por sua vez,

definem os pronomes como termos que “desempenham na oração as funções equivalentes às

exercidas pelos elementos nominais” (p. 275). Os pronomes, na proposta dessas gramáticas (e

Page 28: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

27

da tradição gramatical em geral), servem para a) “representar um substantivo” e b)

“acompanhar um substantivo determinando-lhe a extensão do significado” (Cunha & Cintra,

2001, p. 275).

Nesse âmbito, as três gramáticas referidas classificam os pronomes como classe

gramatical dividida entre os seis grupos: pessoais, demonstrativos, relativos, possessivos,

indefinidos e interrogativos. Os pronomes pessoais, que abarcam as formas de retomada do

objeto direto, são caracterizados, tal como na gramática de Rocha Lima, por Cunha & Cintra

(2001, p. 276) da seguinte maneira:

1.º) por denotarem as três pessoas gramaticais, isto é, por terem a capacidade

de indicar no colóquio:

a) quem fala – 1ª PESSOA: eu (singular), nós (plural);

b) com quem se fala – 2ª PESSOA: tu (singular), vós (plural);

c) de quem se fala – 3ª PESSOA: ele, ela (singular); eles, elas (plural);

2.º) por poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma nominal

anteriormente expressa:

Santas virtudes primitivas, ponde

Bênçãos nesta Alma para que ela se uma

A Deus, e vá, sabendo bem por onde...

(A. de Guimaraens, OC, 149.)

Levantaram Dona Rosário, quiseram levantá-la, embora ela se opusesse,

choramingasse um pouco, dissesse que não lhe era possível fazê-lo.

(M. J. de Carvalho, AV, 137.)

3.º) por variarem de forma, segundo:

a) a função que desempenham na oração;

b) a acentuação que nela recebem.

Com relação à função dos pronomes pessoais, informa-se que podem funcionar como

sujeito da oração – configurando sua forma reta – ou como objeto da oração, direto ou

indireto – configurando as formas oblíquas. Quanto a estas, a acentuação dos pronomes os

diferencia entre as formas tônicas e átonas. Assim, dá-se o quadro tradicional de pronomes

pessoais – já amplamente conhecido (ROCHA LIMA, p. 386-387; CUNHA & CINTRA, p.

277; BECHARA, p. 164):

Page 29: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

28

Pronomes

pessoais retos

Pronomes pessoais oblíquos

átonos tônicos

Singular

1ª pessoa

2ª pessoa

3ª pessoa

eu

tu

ele, ela

me

te

o, a, lhe, se2

mim, comigo

ti contigo

ele, ela, si

Plural

1ª pessoa

2ª pessoa

3ª pessoa

nós

vós

eles, elas

nos

vos, se

os, as, lhes, se

nós, conosco

vós, convosco

eles, elas, si

Quadro 1. Pronomes pessoais segundo a tradição gramatical do PB (ROCHA LIMA, 2012; CUNHA &

CINTRA, 2001; BECHARA, 2009).

Esta é a abordagem feita pelas gramáticas tradicionais em geral, de bases e critérios

semelhantes. Não há menção, portanto, a nenhuma outra estratégia de retomada do objeto

direto de terceira pessoa no Português do Brasil. A única forma aludida, de fato, é a forma dos

pronomes oblíquos átonos o, a, os, as (e suas variantes lo, la, los, las; no, na, nos, nas, a

depender da terminação da forma verbal a que se ligam em casos de ênclise) – os clíticos

acusativos.

Dentro dessa proposta, Rocha Lima e Cunha & Cintra destinam uma seção em suas

gramáticas para tratar de casos em que o termo objeto direto desempenha função de sujeito da

oração seguinte, como em mandei-o entrar; fez-me sentar; deixe-nos pensar. Os gramáticos

explicam que, nesse caso, os pronomes oblíquos, originalmente acusativos (caso do objeto

direto), podem acumular as funções de objeto do primeiro verbo e sujeito do segundo, o verbo

no infinitivo. São estruturas formadas a partir de verbos causativos ou perceptivos, como os

exemplos citados. Entretanto, em construções como estas, no PB, é muito frequente o uso dos

pronomes nominativos (retos) em lugar dos oblíquos (cf. seção 1.3): mandei ele entrar; fez eu

sentar; deixe a gente passar. Ressalta-se que essas colocações não configuram um uso inculto

da língua, no sentido de ser rejeitado por falantes letrados, mas ainda não têm representação

na tradição gramatical.

À parte dessas estruturas de “dupla função”, Cunha & Cintra destacam, em uma seção

intitulada Equívocos e incorreções, o uso do pronome nominativo na posição de objeto direto:

Na fala vulgar e familiar do Brasil é muito frequente o uso do pronome

ele(s), ela(s) como objeto direto em frases do tipo:

Vi ele. Encontrei ela.

2 As formas se e si, sendo estritamente reflexivas, não constituem foco desta pesquisa. Além disso,

Cunha & Cintra (2001, p. 277) não as expõem dentro desse quadro pronominal.

Page 30: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

29

Embora esta construção tenha raízes antigas no idioma, pois se documenta

em escritores portugueses do século XIII e XIV, deve ser hoje evitada.

(CUNHA & CINTRA, p. 288)

Nota-se a prescrição feita em direção ao não uso da forma destacada. Bechara (2009

[1999]), porém, faz algumas ressalvas que sugerem, bastante limitadamente, a variação do

fenômeno do objeto direto anafórico de terceira pessoa no PB. Após afirmar, tal como os

demais gramáticos, que “o pronome pessoal reto funciona como sujeito ou complemento

predicativo, enquanto o oblíquo como os demais complementos: Eu saio. Eu não sou ele. Eu

o vi. Não lhe respondemos” (BECHARA, 2009, p. 173), o autor destaca certos casos em que

o pronome reto pode substituir o uso do pronome oblíquo. São estes:

a) quando o verbo e seu complemento estiverem distanciados, separados por

pausa:

“Subiu! E viu com seus olhos

Ela a rir-se que dançava.” [GD]

b) nas enumerações e aposições:

Depois de muita delonga o diretor escolheu: eu, o Henrique e o Paulinho.

c) precedido de todo, só, e mais alguns adjuntos, pode aparecer ele (e

flexões) por o (e flexões); cf. adiante.

d) quando dotado de acentuação enfática, no fim do grupo de força:

“Olha ele!” [EQ]

(BECHARA, 2009, p. 173)

Em seguida, o autor afirma que “o pronome ele, no português exemplar moderno, só

aparece como objeto direto quando precedido de todo ou só (adjetivo)”, exemplificado em

“No latim, eram quatro os pronomes demonstrativos. Todos eles conserva o português. [PL. 1,

398]” ou “se dotado de acentuação enfática, em prosa ou verso”, como no exemplo d acima

(BECHARA, 2009, p. 175). Estes são os únicos contextos mencionados em sua gramática

com o pronome nominativo utilizado na retomada do objeto direto de terceira pessoa.

Cabe salientar que Bechara produziu, além de sua Moderna Gramática Portuguesa

aqui abordada, uma gramática de cunho pedagógico. Nesta, vale mencionar, o gramático

expõe uma breve consideração sobre a existência da categoria zero para a retomada do objeto

direto – o objeto nulo do PB:

Page 31: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

30

Estando perfeitamente conhecido pela situação linguística, pode-se calar o

pronome complemento do verbo; esta linguagem é correta, apesar da censura

que lhe faziam os gramáticos de outrora.

“Disse já que tinha de fazer uma explicação ao leitor.

Tenha; e é indispensável.” [AH]

(BECHARA, 2012, p. 144)

Ainda assim, essa referência à omissão do pronome acusativo não alcança a extensão

tomada por essa estratégia no sistema linguístico do PB. Como vai ser detalhado na seção 1.3,

o objeto nulo é a estratégia mais utilizada pelos falantes brasileiros para a retomada do objeto

direto, superando tanto o pronome nominativo em função acusativa, limitadamente

mencionado por Bechara, quanto o clítico acusativo, referenciado nas gramáticas tradicionais

como um todo.

1.2 A abordagem das descrições linguísticas

Tendo em vista que as gramáticas tradicionais, em geral, não registraram as mudanças

da língua no que se refere ao quadro de pronomes e, por conseguinte, não apresentam uma

descrição coerente com a realidade linguística do Português do Brasil, alguns linguistas da

atualidade se propuseram a desenvolver gramáticas que buscassem dar conta dos fenômenos

gramaticais e variáveis no PB atual. Dentre esses compêndios, examino as gramáticas

descritivas de Perini (2007 [1989]) e Castilho (2014 [2010]), e a gramática pedagógica de

Bagno (2012), no tangente à descrição do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira

pessoa, além de destacar os estudos científicos já desenvolvidos acerca do tema em questão.

1.2.1 A gramática descritiva de Perini (2007 [1989])

Perini (2007 [1989]) dedica uma seção de sua gramática a apreciar a abordagem

tradicional acerca dos pronomes e, em vista das incoerências por eleapresentadas, promove

uma nova definição e classificação para esses elementos na língua. O autor afirma que não há

semelhanças sintáticas nem semânticas na caracterização do amplo grupo abrangido pela

tradição na classe única de pronomes. Há, na verdade, uma junção de critérios sintáticos e

semânticos que os envolvem na sua classificação tradicional.

Page 32: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

31

No que se refere à caracterização pelo critério sintático, Perini (2007, p. 329-330)

mostra que as funções de substituição e de acompanhamento de um nome não são suficientes

para a identificação do que se entende por pronome na língua. Em sua argumentação, parte de

exemplos com a substituição de um pronome-sujeito por um SN de referência. A partir da

sentença ela não gosta de quiabo3, substitui o pronome reto ela por essa senhora e por Gigi:

essa senhora não gosta de quiabo / Gigi não gosta de quiabo. Neste caso, o SN essa senhora

e o nome próprio Gigi seriam então pronomes, segundo a função de substituição concebida

pela tradição. Nesse sentido, o linguista demonstra a semelhança no comportamento sintático

de pronomes e substantivos – como o autor ressalta, “mais exatamente, os pronomes-

substantivos” (op. cit., p. 330). Utiliza-se, ainda, da definição dada na própria gramática

tradicional de Cunha & Cintra, em que afirmam que os pronomes são termos que exercem

funções equivalentes às desempenhadas por elementos nominais (cf. seção 1.1.1). A noção de

acompanhamento, por sua vez, é rebatida pelo simples fato de que outros elementos quaisquer

também podem acompanhar substantivos, como os adjetivos velho e cinza, além do pronome

meu, em meu velho paletó cinza.

Antes de passar à base do critério semântico, cabe ressaltar que a mesma substituição

realizada pelo autor para o pronome-sujeito vale para o pronome-complemento, no tema da

retomada anafórica. Em a senhora a chamou, é possível a substituição por a senhora chamou

a menina ou a senhora chamou a Gigi, além de a senhora chamou ela, em que se percebe a

função da substituição do termo complemento sendo exercida tanto por formas pronominais –

originalmente acusativa e nominativa – quanto por um SN e um nome próprio.

Passando, então, ao embasamento no critério semântico, o linguista afirma que a

maioria dos pronomes não se refere às pessoas do discurso, embora os termos que as indicam

sejam também por ele considerados pronomes. Ao abordar casos em que se indicam o espaço

e o tempo em determinada situação, o autor explica que muitos pronomes tampouco o fazem

(como os indefinidos algum e qualquer, exemplificados), enquanto outras palavras que não

são consideradas pronomes carregam esta informação: “atual, antigo, contemporâneo

(situação no tempo); próximo, distante, vizinho (situação no espaço)” (p. 330).

Em vista dessas considerações, Perini propõe um novo arranjo de pronomes,

classificado a partir de um critério sintático. Esse critério é ponto de partida, de modo geral,

3 Todos os exemplos usados para explicação da abordagem de Perini, nesta seção, foram extraídos de

sua Gramática Descritiva do Português (2007, p. 304-354).

Page 33: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

32

para a análise do sistema da língua como um todo em sua gramática. Assim, o linguista parte

de traços distintivos que caracterizam o funcionamento dos elementos na língua conforme a

noção de protótipo, que os une por meio da maior ou menor presença de determinadas

características semelhantes. Dessa forma, no que diz respeito ao assunto abordado nesta

pesquisa, o autor parte dos dois grandes grupos de substantivos e adjetivos (e rompe com a

divisão entre pronomes substantivos e pronomes adjetivos da tradição gramatical). Para os

substantivos de Perini, verificam-se os traços [+CP], [-Mod] e [-Pv]: podem exercer função de

complemento do predicado, não são modificadores e não podem exercer função de

predicativo. Os adjetivos de Perini, por sua vez, apresentam os traços [+CP] [+Mod] [+Pv]; os

dois últimos os diferenciam dos substantivos.

É na classe dos substantivos que Perini engloba a classe dos pronomes. Segundo o

autor, os substantivos têm a capacidade de ocorrer na função de núcleo de um SN ([+NSN]),

capacidade esta também exercida pelos tradicionais pronomes retos. Ao que tudo indica,

apenas estes são considerados pertencentes à classe dos pronomes na gramática de Perini.

Estes pronomes, por sua vez, podem ocorrer como núcleo de um SN, formando o SN por si

só; apresentam, assim, o traço [-T, SN], que indica que não podem ocorrer junto a nenhum

outro elemento desse SN, figurando apenas sozinhos.

A esse respeito, o autor subdivide a classe dos substantivos (na qual se encontram os

pronomes da sua descrição) em duas subclasses, caracterizadas pelo traço [T,SN]. Perini (p.

328) expõe a classificação conforme o quadro abaixo:

Classes e subclasses de substantivos e adjetivos

Substantivos: [+CP], [-Mod] e [-Pv]

Substantivos 1: [-T,SN, +NSN, -Int––, -PN, -íssimo]

Substantivos 2: [+T,SN, +NSN, -Int––, -PN, -íssimo]

Adjetivos: [+CP] [+Mod] [+Pv]

Adjetivos 1: [+Int––]

Adjetivos 1a: [-T,SN, +NSN, -PN, -íssimo]

Adjetivos 1b: [-T,SN, +NSN, -PN, +íssimo]

Adjetivos 1c: [-T,SN, +NSN, +PN, +íssimo]

Adjetivos 1d: [-T,SN, -NSN, +PN, +íssimo]

Adjetivos 2: [-Int––, -T,SN, -NSN, -PN, -íssimo]

Quadro 2. Classes e subclasses de substantivos e adjetivos (PERINI, 2007, p. 331).

Page 34: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

33

Perini (op. cit., p. 331) restringe a designação de pronomes aos itens da classe de

substantivos do tipo 1, tendo em vista que os elementos dessa classe são todos considerados

pronomes pela tradição gramatical. No entanto, faz um esclarecimento importante a esse

respeito:

Os substantivos 1 são todos chamados pronomes pela gramática tradicional e

poderão receber esse mesmo nome aqui; mas é preciso ter em mente que os

pronomes, assim definidos, são uma subclasse dos substantivos; e que

palavras como alguém, assim como todos os pronomes adjetivos da

gramática tradicional, não são pronomes na nossa nomenclatura (PERINI,

2007, p. 329).

A partir dessa proposta de análise da língua, a função da retomada anafórica de um

termo da oração, no interesse desta pesquisa, do objeto direto, pressupõe a compreensão do

funcionamento do termo objeto direto no sistema linguístico, levando em consideração o

critério sintático tomado como ponto de partida pelo autor. Nesse âmbito, o termo objeto

direto é classificado em sua gramática pelos traços [-CV, + Ant, +Q, -CN, + Cl , -PA], a

saber, a ausência de concordância verbal, a possibilidade de topicalização, a possibilidade da

retomada anafórica por (o) que ou quem, a ausência de concordância nominal com outro

termo da oração, a possibilidade de clivagem e a impossibilidade de ocorrer na posição de

auxiliar. Nesse caso, nota-se que a retomada anafórica é evidenciada apenas por meio dos

pronomes relativos, mas as variantes de representação do objeto direto de terceira pessoa não

conseguem enquadrar-se em todos esses traços. Conforme aponta Cunha (2007), em artigo

publicado na revista SOLETRAS da UERJ (ed. nº 13, p. 145-146), o clítico, por exemplo,

diferente de um SN e de um pronome nominativo, gera uma sentença agramatical ao ser

clivado e/ou topicalizado: a senhora encontrou sua neta / a senhora encontrou ela / a senhora

a encontrou – foi sua neta que a senhora encontrou / foi ela que a senhora encontrou / *foi a

que a senhora encontrou; sua neta a senhora encontrou / ela a senhora encontrou / *a a

senhora encontrou.

Ao abordar o recurso da topicalização no PB, Perini (op. cit., p. 301) faz referência ao

uso da categoria zero na retomada do objeto direto antecedente. O linguista compara, por

exemplo, a sentença “Fia fez a fantasia e Fernanda a forrou” à variante “Fia fez a fantasia e

Fernanda [] forrou”, na qual o objeto omitido é perfeitamente compreensível para os

brasileiros, tratando-as como sinônimos.

Page 35: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

34

A gramática averiguada não expõe um quadro que abarque o uso dos pronomes,

somente, no PB. No entanto, na edição de 2010 de sua Gramática do Português Brasileiro, o

autor, tomando como objeto de análise o português falado do Brasil, apresenta o seguinte

quadro de formas pronominais retas (da classe dos pronomes, segundo a explicação citada

acima) e oblíquas:

Formas retas Formas oblíquas

Eu

Você, (tu)

Ele, ela

Nós

Vocês Eles, elas

[reflexivo]

Me, mim, -migo

Te, (-tigo)4, (ti), (lhe)

Nos, -nosco

Se

Quadro 3. Formas pronominais retas e oblíquas do PB conforme Perini (2010).

Como se pode observar, de fato não são mencionados os clíticos acusativos como formas

oblíquas de terceira pessoa para o PB. O autor aclara que, assim sendo, as formas retas da

terceira pessoa podem ser utilizadas em quaisquer funções sintáticas, o que licencia seu uso

como objeto direto (anafórico de terceira pessoa). Desse modo, conclui-se que, na abordagem

descritiva de Perini, são possíveis as retomadas do objeto direto de terceira pessoa no PB por

meio das formas: pronome nominativo, SN anafórico e objeto nulo.

1.2.2 A gramática descritiva de Castilho (2014 [2010])

A gramática descritiva de Castilho (2014) reúne diversos estudos realizados no âmbito

da língua portuguesa, seja de pesquisadores sociolinguistas, seja de outras áreas da

Linguística. Dessa forma, parte dos critérios da GT para a caracterização da classe dos

pronomes, que, segundo o autor, “levaram em conta suas propriedades semânticas, discursivas

e gramaticais (= sintáticas e morfológicas)” (CASTILHO, 2014, p. 472).

Os critérios da definição e classificação dos pronomes pela GT observados em sua

gramática são, basicamente, os mesmos da análise feita por Perini. No entanto, Castilho não

4 O autor indica que as formas entre parênteses são pouco usuais no PB.

Page 36: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

35

rompe com a tradição gramatical em criar uma nova classificação para os elementos da língua

(como faz Perini (2007)). O autor busca apenas, a partir dos termos da GT, descrever o

sistema da língua, levando em consideração as formas apresentadas pelos estudos linguísticos

mais recentes. Assim, destaca que os pronomes de 1ª e 2ª pessoas têm função dêitica,

enquanto os de 3ª são anafóricos. Faz uma ressalva, além disso, para os casos em que a

terceira pessoa se encontra presente na situação do discurso (“à vista”), tomando por base as

reflexões de Apolônio Díscolo (séc. I d. C./ 1987).

Feitas as explicitações iniciais sobre o assunto, Castilho (op. cit., p. 477) exibe um

quadro de pronomes pessoais no PB da atualidade, o que é exposto a seguir:

PESSOA PB FORMAL PB INFORMAL Sujeito Complemento Sujeito Complemento

1ª pessoa sg. Eu Me, mim, comigo Eu, a gente Eu, me, mim,

Prep + eu, mim

2ª pessoa sg. Tu, você, o

senhor, a senhora

Te, ti, contigo,

Prep + o senhor,

com a senhora

Você, ocê, tu Você/ ocê/ cê, te,

ti,

Prep + você/ ocê

(= docê, cocê)

3ª pessoa sg. Ele, ela o/a, lhe, se, si,

consigo

Ele, ei, ela Ele, ela, lhe,

Prep + ele, ela

1ª pessoa pl. Nós Nos, conosco A gente A gente,

Prep + a gente

2ª pessoa pl. Vós, os senhores,

as senhoras

Vos, convosco,

Prep + os

senhores, as

senhoras

Vocês, ocês, cês Vocês/ ocês/ cês,

Prep + vocês/ ocês

3ª pessoa pl. Eles, elas Os/as, lhes, se, si,

consigo

Eles, eis, elas Eles/ eis, elas,

Prep + eles/ eis,

elas

Quadro 4. Pronomes pessoais do PB falado e escrito na atualidade, segundo Castilho (2010, p. 477).

Como se pode notar, houve a tentativa de promover um quadro que abarcasse as

formas mais formais e mais informais efetivamente usadas no PB atual. Em se tratando das

formas concebidas para a terceira pessoa, Castilho (2014, p. 479) ressalta que

[...] (ii) ele preservou o nominativo e ganhou o acusativo, funcionando como

objeto direto (57b); (iii) o acusativo o tem os alomorfes lo e no, e está

desaparecendo, talvez por conta dessa riqueza toda, sendo substituído pela

forma única ele acusativo (57c); (iv) lhe mudou para li e ganhou o caso

acusativo (57d).

Page 37: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

36

À parte da seção destinada ao estatuto dos pronomes no PB, no entanto, o autor expõe

algumas pesquisas feitas no âmbito da Sociolinguística para dar conta das estratégias de

representação do objeto direto (p. 300-304, no capítulo de “estrutura funcional da sentença”).

Abordam-se, então, as características que definem esse termo em sua categoria funcional,

inicialmente abrangendo as variantes que o retomam:

Complementando o que se disse anteriormente, o objeto direto tem as

seguintes propriedades:

1. É proporcional aos pronomes pessoais acusativos ele/o

(54) João pôs o livro na estante João pôs ele/ o pôs na estante.

2. Na passiva correspondente, o objeto direto assume função de sujeito:

(54’) O livro foi posto por João na estante.

3. Pode ser preenchido por sintagma nominal de núcleo pronominal (55a) ou

nominal (55b), e por sentença substantiva objetiva direta (55c), colocando-se

habitualmente após o verbo:

(55)

a) Viu-me na rua5.

b) Viu o rapaz na rua.

c) Disse que viu o rapaz na rua.

4. O papel temático do objeto direto é /paciente/, como em (55a e 55b),

mesmo com verbos causativos:

(56) O passageiro desceu o pacote

5. O objeto direto pode ser omitido na sentença:

(55a’) Viu Ø na rua.

(CASTILHO, 2014, p. 300-301)

Tendo em vista as propriedades citadas acima, o autor parte para a seção de

preenchimento do objeto direto, na qual explora formas variantes que o representam, a partir

das pesquisas de Tarallo (1983), Duarte (1989) e Cyrino (1997). Ao tomar por base estudos

de Duarte (1989), Castilho apresenta, segundo a referida autora, as quatro estratégias de

preenchimento do objeto direto:

1. Clítico acusativo – apenas 4,9% das ocorrências, como em

(57)

a) Ele veio do Rio só para me ver.

b) Então eu fui ao aeroporto para buscá-lo.

2. Pronome ele (= pronome lexical, na terminologia da autora): 15,4% das

ocorrências:

5 Embora o autor tenha apresentado um exemplo de uso do clítico na primeira pessoa, a pesquisa

mencionada aborda o uso de clíticos de terceira pessoa apenas, ao qual se refere o percentual de 4,9%

de ocorrência.

Page 38: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

37

(58) Eu amo meu pai e vou fazer ele feliz.

3. Sintagma nominal anafórico – 17,1% das ocorrências:

(59)

a) Ele vai ver a Dondinha e o pai da Dondinha manda a Dondinha

entrar, ele pega o facão...

b) No cinema a ação vai e volta. No teatro você não pode fazer isso.

4. Categoria vazia – 62,6% das ocorrências:

(60) O Senhozinho Malta está tentando o Zé das Medalhas a matar o Roque.

Mas ele é muito medroso. Quem já tentou matar Ø foi o empregado da

Porcina. Ontem ele quis matar Ø, a empregada é que salvou Ø.

(op. cit. p. 301-302)

Ainda segundo Duarte (1989), o autor expõe alguns condicionamentos linguísticos –

sintáticos e semânticos – e extralinguísticos que motivam o uso de uma ou outra variante.

Sobre os condicionamentos sintáticos, menciona diferenças entre estruturas simples e

complexas constatadas pela pesquisadora citada. Em casos de estruturas simples, a

possibilidade de elisão do objeto é maior, enquanto as estruturas complexas favorecem a

retenção do objeto. Seguem os exemplos fornecidos na gramática para tais estruturas,

respectivamente:

(61)

a) Conta essa história do seu avô de novo.

b) Você já contou pra ele?

(62)

a) Eu não tenho nada pra reclamar não. Eu acho ela sensacional.

b) Ontem ele foi ao cardiologista. Eu já deixei ele ir ao cardiologista

sozinho há muito tempo.

c) Eu queria ter uma irmã. Eu acho ter uma irmã tão bom!

(op. cit., p. 302)

No que se refere ao fator semântico, o autor explicita, com base nos resultados de

Duarte (1989), que o traço [-animado] favorece a elisão do objeto direto, enquanto os objetos

plenos, em sua maioria, apresentam o traço [animado]. Expõe-se, ainda, que, ao cruzar esses

fatores sintáticos e semânticos, o favorecimento à forma plena do objeto direto pelo traço

/animado/ se mostra, sobretudo, com o uso do pronome lexical, em especial nas estruturas

complexas. Em se tratando dos condicionamentos extralinguísticos, três fatores são

apontados:

(i) Os clíticos não aparecem entre os falantes jovens, e só começam a ser

utilizados à medida que eles progridem em sua formação escolar. Isso

mostra que o uso diferenciado dos clíticos é um caso de diglossia.

(ii) Por outro lado, a idade e a formação escolar não têm a menor

importância na emergência da categoria vazia, o que mostra que a elipse do

objeto direto está bem estabelecida na estrutura dessa variedade no PB.

Page 39: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

38

(iii) Nas situações mais formais, evita-se o pronome lexical e cresce a

utilização dos sintagmas nominais, mas de qualquer forma o clítico não é

utilizado. Isso pode mostrar que essa classe bate em retirada, mas ainda

resiste na língua escrita.

(op. cit. p.302-303)

Desse modo, Castilho (2014) se vale ainda da abordagem da Gramática Tradicional no

sentido de não promover uma reformulação da definição da categoria pronome, nem,

tampouco, uma classificação nova para o grupo de elementos que essa categoria abarca.

Entretanto, busca descrever com mais detalhes as funções exercidas por esses elementos no

sistema da língua e, a partir de estudos linguísticos diversos, expor a situação atual de uso do

PB.

1.2.3 A gramática pedagógica de Bagno (2012)

Marcos Bagno (2012) rompe com a tradição em grande parte dos conteúdos da Língua

Portuguesa em sua obra, bem como na formulação desta de modo geral. O autor concorda

com a ineficiência de “substituir ou acompanhar um nome” para a identificação dos

pronomes, também abandonando a definição e a classificação dadas pela GT, assim como

Perini (2007). Entretanto, Bagno (2012) o faz de maneira diferente, apesar de citar o referido

autor.

Ao abordar “conceitos importantes para entender a gramática” (Bagno, p.431-493),

destina uma seção à conceituação de pronome, a qual já apresenta como título: “Pronome não

é classe, é função” (p. 462-466). Segundo o autor, “os pronomes não são uma classe de

palavras, mas uma função que palavras de diversas classes podem exercer – a função da

retomada anafórica” (p. 462). A partir desta compreensão, Bagno refere-se aos tradicionais

pronomes pessoais como índices de pessoa e, dentro desta proposta, a terceira pessoa do

discurso é tratada como não-pessoa, cabendo aos índices de pessoa apenas as 1ª e 2ª pessoas

do discurso. Para esse novo conceito e posicionamento, o autor afirma aderir às análises de

Émile Benveniste6 (1902-1976). No intuito de melhor compreender essa classificação, vale

destacar a argumentação exposta em sua gramática:

6 Linguista francês, do século XX que contribuiu com a teoria da enunciação para os estudos na área

do discurso.

Page 40: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

39

Benveniste recorre à definição dos gramáticos árabes que chamam a 1ª

pessoa de “aquela que fala”, a 2ª de “aquela a quem me dirijo” e a 3ª de

“aquela que está ausente”, sem usar a numeração da gramática ocidental.

Essa noção de ausência é fundamental: uma ausência física ou uma ausência

do discurso.

Um dado importante que Hagège (1982:96) nos oferece é que apenas 24%

das línguas por ele analisadas (754 no total) apresentam forma própria para a

“3ª pessoa”. Os outros 76% recorrem a classificadores, anáforas,

demonstrativos – o latim não apresentava pronomes de “3ª pessoa”; as

línguas românicas, para criá-los, recorreram precisamente aos

demonstrativos latinos7 (BAGNO, 2012, p. 464).

Nesse sentido, Bagno (2012) esclarece o caráter de não-pessoa atribuído à tradicional

(e assim amplamente conhecida) terceira pessoa. Dessa forma, não confere o rótulo de

pronome à primeira e à segunda pessoas do discurso (índices de pessoa), relacionadas à

dinâmica da interação verbal, nos termos do autor, mas apenas à chamada não-pessoa (ÑP),

que “empreende a retomada anafórica, agindo em favor (pró-) do nome, economizando seu

uso, poupando-o de ser repetido” (p. 465).

Dentro dessa proposta, os pronomes podem assumir várias formas, a depender da sua

função sintática na sentença (proformas). A esse respeito, Bagno (2012, p. 796) fornece o

seguinte quadro de referência:

PRONOMES DA NÃO-PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Sujeito Obj. direto Obj. indireto Reflex. Compl. oblíquo

Sg. Pl. Sg. Pl. Sg. Pl. Sg./Pl. Sg. Pl.

ELE

ELA

SE

ELES

ELAS

ELE

ELA

O

A

LHE

ELES

ELAS

OS

AS

A/ PARA

ELE

A/ PARA

ELA

LHE

A/ PARA

ELES

A/ PARA

ELAS

LHES

SE

ELE

ELA

SI

(CONSIGO)

ELES

ELAS

SI

(CONSIGO)

Quadro 5. Pronomes da não-pessoa no Português brasileiro, conforme Bagno (2012, p. 796).

7 Bagno aponta a estratégia de indeterminação do sujeito com o uso do verbo na terceira pessoa do

singular, bastante usual no PB atual, além de gramaticalizações de verbos em substantivos como em

leva-e-traz e sabe-tudo, estruturas que, segundo o autor, reforçam ainda mais a impessoalidade da

terceira pessoa – portanto, “não-pessoa” (op. cit.).

Page 41: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

40

Diante desse quadro, o linguista informa que a retomada anafórica de “não-pessoa” no

PB ocorre majoritariamente por meio de uma categoria vazia, do objeto nulo. Em seguida,

afirma que os clíticos o, a, os, as ocorrem “exclusivamente na atividade linguística dos

falantes urbanos mais letrados, esporadicamente na língua falada, mas principalmente na

escrita de gêneros textuais mais monitorados” (p. 797). A partir disso, o autor destaca que o

uso dos clíticos é “extremamente raro” no PB (p. 797), o que, em certa medida, corrobora

pesquisas já desenvolvidas sobre o tema, as quais revelam que os clíticos não fazem parte do

vernáculo brasileiro (cf. seção 1.3), sendo aprendidos por meio do letramento formal e/ou

acesso à leitura, o que também é exposto nessa gramática.

Acerca da não presença dos clíticos no vernáculo8 do Português do Brasil, o autor

destaca, em box exclamativo9, a pertinência e a necessidade do ensino desses elementos:

Precisamente por isso é que cabe à educação linguística o ensino sistemático

desses clíticos, como algo que é praticamente estrangeiro para os falantes do

PB contemporâneo. É importante chamar atenção para os gêneros textuais

em que eles ocorrem, mostrar aos alunos o mecanismo da retomada

anafórica, de modo que saibam recuperar, no texto, a informação

pronominalizada na forma de o, a, os, as [...] (BAGNO, 2012, p. 798).

Ainda assim, em relação ao trabalho com os gêneros, há, no mesmo box, uma ressalva

sobre o uso dos clíticos em gêneros que “reproduzem a vida urbana contemporânea”, com

exemplo de algumas histórias em quadrinhos. Afirma-se que seu uso em contextos como esse

(histórias em quadrinhos) é pouquíssimo adequado, à exceção de uma caricatura, de um

personagem pedante, nos termos do autor, o que é exemplificado com as expressões “vou

buscá-lo” e “eu o encontrei” em falas de crianças de livros infantis.

Em se tratando de fala de crianças brasileiras que ainda não tiveram acesso à escola ou

à leitura, o autor afirma que utilizam somente o objeto nulo e o pronome ele como forma de

retomada do objeto direto. De fato, o objeto nulo já aparece como a estratégia preferida pelos

brasileiros para essa função desse a fase infantil, quando ainda sem influência de instrução

formal. Nessa fase, porém, as crianças parecem não demonstrar uso significativo do pronome

nominativo ele, a julgar por alguns estudos em aquisição já realizados (cf. seção 1.3, com

8 Entende-se por vernáculo o estilo ou situação de comunicação em que o mínimo de atenção é dado

ao uso da língua, isto é, seu uso com o mínimo de monitoramento possível, conforme explica Labov

([1972] 2008). 9 Há diversos destaques feitos no decorrer da gramática de BAGNO por meio de boxes (caixas ou

adendos) enfatizados com um grande sinal de exclamação. Nestes, em geral, o autor faz apelos

didáticos que julga apropriados, haja vista o caráter pedagógico de sua obra.

Page 42: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

41

resultados de Averbug, 2008). Foram verificadas outras formas de retomada do objeto direto

anafórico nessa etapa de uso do PB: DP pleno (17%); anáfora de complemento nulo (15%);

DP com nome apagado (9,5%); nome nu não contável (5%); nome nu contável no singular

(3,5%); e, só então, pronome nominativo (3%), nos resultados de Averbug (2008, p. 109). As

ocorrências do objeto nulo em seus dados, cabe citar, sobrepõem-se às demais estratégias,

com 40% de frequência10

.

De modo geral, Bagno (2012) explicita como formas de retomada do objeto direto

anafórico as seguintes: o pronome nominativo, o pronome lhe acusativo, o clítico acusativo e

o objeto nulo, que ganha, inclusive, uma seção de destaque intitulada A vitória do objeto nulo,

na qual o autor mostra a queda do uso do clítico e o aumento do uso do objeto nulo no PB a

partir de pesquisas de Duarte (1989), Tarallo (1993) e Bagno (2000). Ressalta, ainda, que o

objeto nulo se mostra como uma estratégia de esquiva, valendo-se dos termos de Fernando

Tarallo, ao uso do ele, nominativo em função acusativa (que carrega certo estigma), e dos

clíticos, segundo o autor, considerado “certo demais” pelos falantes urbanos mais letrados, em

seus termos (op. cit., p 799).

Em vista disso, o autor destaca a aplicação da variante objeto nulo e seu

aproveitamento no ambiente do ensino:

Se assim é, podemos aproveitar esse fenômeno e sugerir aos nossos alunos

que aproveitem essa estratégia – o objeto nulo –, quando, quiserem dar a seu

texto mais leveza, mais ritmo, mais naturalidade. É um privilégio único,

exclusivo da nossa língua, perfeitamente intuitivo e espontâneo para nós –

não há então por que não se valer dele (BAGNO, 2012, p. 799).

Sobre a estratégia com o pronome lhe acusativo, há uma ressalva, ainda, para seus

contextos de uso: “única e exclusivamente na língua escrita, pois o lhe na língua falada só se

refere a você, nunca a ele/ ela” (p. 799); ressalva esta seguida de vários exemplos de uso do

lhe acusativo em textos escritos mais monitorados. Não há menção explícita à variante com

um SN anafórico, também significativa no PB e “estratégia de esquiva”, muitas vezes,

equiparada ao objeto nulo (cf. seção 1.3). Ainda assim, o tratamento dispensado aos pronomes

como elementos funcionais de retomada anafórica, sem restrição à forma, deixa em aberto

essa possibilidade.

10

A referida pesquisadora encontrou ainda outras estratégias menos utilizadas, quais sejam: nome nu

agramatical (2,9%); nome próprio (2%); oração (1,5%); pronome demonstrativo (0,3%); nome nu

contável no plural (0,3%) (AVERBUG, 2008, p.109).

Page 43: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

42

Assim como na gramática tradicional de Rocha Lima (2012) e Cunha & Cintra (2001)

(seção 1.1.1), há a referência às estruturas com verbos causativos e sensitivos. Entretanto, na

gramática de Bagno, essa referência aponta para o uso, no PB, dos tais índices de pessoa e

não-pessoa (pronomes nominativos; retos, na tradição). Mais uma vez, entra em ação um box

com apelo didático sobre o tema em questão:

Como venho reiterando, a função da escola é ensinar o que os alunos não

sabem. Ninguém precisa ensinar um falante nativo de PB a dizer “deixa eu

entrar” ou “apanhei ele fumando” porque essas construções já estão

perfeitamente incorporadas à nossa língua. Já as construções clássicas, em

que o objeto direto do verbo causativo/sensitivo assume a forma de um

clítico acusativo (me, te, o, a, lhe, nos, os, as, lhes), não pertencem ao

vernáculo geral brasileiro, de modo que é necessário e importante ensiná-

las sistematicamente na escola para que os alunos se conscientizem da

existência delas e possam, se quiserem, empregá-las em gêneros textuais

falados ou escritos mais monitorados. Como sempre, a melhor maneira de

proceder a esse ensino é recolhendo as ocorrências de verbos

causativos/sensitivos no mais amplo espectro possível de gêneros textuais,

falados e escritos, monitorados e não monitorados, para que seja possível

fazer o trabalho de comparação e análise das construções variáveis que tais

verbos permitem. Isso, evidentemente, sem cair no prescritivismo tradicional

de condenar o que já é perfeitamente nosso e tentar impor como únicas

possíveis as regras da tradição normativa. O ensino de língua tem de

valorizar a multiplicidade de recursos que a língua oferece e não tentar

podá-la em nome de um conceito de correção anacrônico e autoritário

(BAGNO, 2012, p. 602) (grifos do autor).

O ensino sistemático de formas mais distantes do vernáculo é também um pressuposto

aqui adotado, o que se aborda com mais detalhes no capítulo de fundamentação teórica desta

pesquisa. No entanto, a ênfase em “ensinar o que os alunos não sabem”, apenas não

desvalorizando construções mais naturais ou instintivas, presentes no vernáculo do PB, pode

sugerir uma concepção de ensino um pouco redutora. Se “ensinar” a língua é trabalhar

reflexivamente seu sistema e os usos que lhe são permitidos, verificados e produtivos, o

conceito de ensino engloba também essas construções mais naturais, no sentido de fazer

refletir sobre como elas se comportam, em que contextos e que outras formas seriam possíveis

nesse percurso, tal como o próprio Bagno destaca no box citado anteriormente com referência

ao ensino do objeto nulo. E isto se pode fazer justamente da maneira explicitada na citação do

box acima: “recolhendo ocorrências de usos linguísticos no mais amplo espectro de gêneros

textuais, de diversos estilos e modalidades, para comparação e análise das construções

Page 44: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

43

variáveis”. Assim, é cabível não “ensinar um falante nativo de PB a dizer deixa eu entrar ou

apanhei ele fumando”, mas ensinar estudantes da língua a pensar sobre essas estruturas para

não só dizê-las, mas também entendê-las e, aliado a isso, refletir, compreender e apropriar-se

de quantas construções mais lhes forem produtivas.

No capítulo seguinte, essa concepção de ensino e seus objetivos são mais bem

aclarados, segundo diversos autores tomados como referência (cf. produções de Faraco,

Vieira, Duarte, entre outros). Anteriormente, pois, apresentam-se os estudos científicos

(acerca do fenômeno linguístico aqui focalizado) que servem de ponto de partida para esta

pesquisa (seção 1.2.5), bem como serviram alguns para a abordagem de ensino dos autores

referenciados no próximo capítulo. Antes, ainda, na seção a seguir, apresento um quadro-

síntese das abordagens tradicional e linguística, segundo as gramáticas aqui examinadas,

sobre o fenômeno da retomada do objeto direto anafórico de terceira pessoa.

1.2.4 Síntese do fenômeno da retomada do objeto direto de terceira pessoa em

gramáticas do PB, segundo a tradição gramatical e as descrições linguísticas

O quadro abaixo busca sintetizar mais objetivamente o tratamento dispensado ao

fenômeno da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa no PB conforme as seis

gramáticas investigadas – as três primeiras referentes à tradição gramatical e as três últimas às

descrições linguísticas. Para cada uma delas, busquei evidenciar a definição da categoria de

pronomes considerada nas obras, a maneira como os autores classificam essa categoria, as

particularidades destacadas a respeito da terceira pessoa do discurso e, por fim, as estratégias

de retomada do objeto direto de terceira pessoas nelas autenticadas.

Page 45: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

44

O OBJETO DIRETO ANAFÓRICO DE TERCEIRA PESSOA NO PB –

TRADIÇÃO GRAMATICAL E LINGUÍSTICA

Definição de pronome

Classificação dos

pronomes

Particularidades da

3ª pessoa

Estratégias de

retomada do OD

de 3ª p.

T

R

A

D

I

Ç

Ã

O

G

R

A

M

A

T

I

C

A

L

ROCHA

LIMA

(2012

[1972])

“Pronome é a palavra que

denota o ente ou a ele se

refere, considerando-o

apenas como pessoa do

discurso” (p. 156).

Servem para: i)

representar um

substantivo (pronomes-

substantivos); ii)

acompanhar um

substantivo

determinando-lhe a

extensão do significado

(pronomes adjetivos).

Classe gramatical

dividida entre os seis

grupos: pessoais,

demonstrativos, relativos,

possessivos, indefinidos e

interrogativos.

Os pronomes pessoais

variam de forma

i) quanto à função: sujeito

(forma reta), objeto

(formas oblíquas);

ii) quanto à acentuação

(formas oblíquas tônicas e

átonas).

Pessoa de quem se

fala no discurso.

Os pronomes na 3ª

pessoa podem

representar uma

forma nominal

anteriormente

expressa.

1. Pronomes

oblíquos átonos:

o, a, os, as.

CUNHA &

CINTRA

(2001

[1985])

“Os pronomes

desempenham na oração

as funções equivalentes às

exercidas pelos elementos

nominais” (p. 275)

Servem para: i) representar

um substantivo (pronomes-

substantivos); ii)

acompanhar um substantivo

determinando-lhe a extensão

do significado (pronomes

adjetivos).

Classe gramatical dividida

entre os seis grupos:

pessoais, demonstrativos,

relativos, possessivos,

indefinidos e

interrogativos.

Os pronomes pessoais

variam de forma

i) quanto à função: sujeito

(forma reta), objeto (formas

oblíquas);

ii) quanto à acentuação

(formas oblíquas tônicas e

átonas).

Pessoa de quem se

fala no discurso.

Os pronomes na 3ª

pessoa podem

representar uma

forma nominal

anteriormente

expressa.

1. Pronomes

oblíquos átonos:

o, a, os, as.

BECHARA

(2009

[1999])

“Pronome é a classe de

palavras categoremáticas

que reúne unidades em

número limitado e que se

refere a um significado

léxico pela situação ou

por outras palavras do

contexto” (p. 162)

Servem para: i) representar

um substantivo (pronomes-

substantivos); ii)

acompanhar um substantivo

determinando-lhe a extensão

do significado (pronomes

adjetivos).

Classe gramatical dividida

entre os seis grupos:

pessoais, demonstrativos,

relativos, possessivos,

indefinidos e

interrogativos.

Os pronomes pessoais

variam de forma

i) quanto à função: sujeito

(forma reta), objeto (formas

oblíquas);

ii) quanto à acentuação

(formas oblíquas tônicas e

átonas).

Pessoa de quem se

fala no discurso.

Os pronomes na 3ª

pessoa podem

representar uma

forma nominal

anteriormente

expressa.

1. Pronomes

oblíquos átonos:

o, a, os, as.

2. Pronome

nominativo

quando

precedido de

todos ou só

(todos eles / só

ele) ou se dotado

de acentuação

enfática (Olha

ele!).

Page 46: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

45

D

E

S

C

R

I

Ç

Ã

O

L

I

N

G

U

Í

S

T

I

C

A

PERINI

(2007

[1996])

Os pronomes são uma

subclasse dos

substantivos, podendo

ocorrer, sozinhos, como

núcleo de um SN

(apenas os “pronomes

retos” da GT).

Substantivos do tipo 1,

que carregam os traços:

[+CP, -Mod, -Pv], dos

substantivos em geral; e

[-T,SN, +NSN, -Int––, -

PN, -íssimo], da sua

classe em específico.

Não possui

referentes na forma

oblíqua.

1. Pronome

nominativo

2. objeto nulo,

quanto do

antecedente

topicalizado

3. SN anafórico

(as três com base

na língua falada)

CASTILHO

(2014

[2010])

Não expõe uma definição

própria; segue a

abordagem da tradição

gramatical, buscando

evidenciar a variação no

sistema.

Não expõe uma

classificação própria;

segue a abordagem da

tradição gramatical,

buscando evidenciar a

variação no sistema.

Os pronomes de

3ª são anafóricos,

exceto em casos

em que a terceira

pessoa se

encontra presente

na situação do

discurso (“à

vista”)

(cf. Apolônio

Díscolo, séc. I d.

C., 1987)

1. Clíticos

acusativos o, a,

os, as (em

contexto formal)

2. Pronome

nominativo (em

contexto

informal)

3. SN anafórico

4. Objeto nulo

(cf. Duarte,

1989)

BAGNO

(2012)

Os pronomes não são uma

classe de palavras, mas

uma função que palavras

de diversas classes podem

exercer – a função da

retomada anafórica (p.

462).

Não há classificação para

os pronomes, pois são

elementos funcionais.

Servem para a estratégia

de retomada anafórica.

Pronomes de não-

pessoa

“Empreendem a

retomada anafórica,

agindo em favor

(pró-) do nome,

economizando seu

uso, poupando-o de

ser repetido” (p.

465).

1. Pronomes

nominativos:

ele(s); ela(s) (na

língua falada e

escrita)

2. Clíticos

acusativos: o, a,

os, as (uso

esporádico na

fala urbana mais

letrada, mas

principalmente

na escrita mais

monitorada)

3. Categoria -

objeto nulo (na

língua falada e

escrita)

4. Lhe (apenas

na língua escrita)

Quadro 6. Objeto direto anafórico de terceira pessoa no Português do Brasil – tradição gramatical e descrições

linguísticas: quadro-síntese.

Page 47: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

46

1.2.5 A abordagem em estudos científicos

Embora os clíticos sejam uma estratégia de referência para a retomada do objeto direto

nos materiais didáticos (conforme as GTs), diversos estudos já vêm demonstrando, o processo

de perda pelo qual vêm passando esses pronomes de terceira pessoa no Português do Brasil.

Esse processo favoreceu o emprego de outras variantes no preenchimento dessa posição. Em

especial, a categoria zero na posição de objeto direto, no PB, veio se destacando em contextos

de uso cada vez mais amplos, além do emprego do pronome tônico, de caso originalmente

nominativo, em função acusativa (cf. Tarallo (1983), Duarte (1986), Cyrino (1990, 1996),

Corrêa (1991), Nunes (1993, 1996), Averbug (1998, 2000, 2008), entre outros).

Na tentativa de relacionar o processo de perda dos clíticos à extensão do objeto nulo

no PB, Cyrino (1990, 1996, 1997) desenvolveu análises diacrônicas que permitiram

compreender a origem dessas mudanças no sistema do Português do Brasil. A autora mostrou

que o clítico acusativo de terceira pessoa foi o primeiro a cair11

e, nessa mudança, o clítico o

proposicional foi o primeiro a desaparecer. A referência a objetos sentenciais passou a

licenciar o objeto nulo, primeiramente, e, a partir daí, essa forma foi progressivamente

ganhando espaço em demais contextos. Averbug (2008) cita Cyrino (1997) ao retomar

claramente essa trajetória do objeto nulo no PB:

Cyrino (1997), ao investigar a mudança que teria afetado o estatuto do objeto

nulo no PB, propõe que a mudança diacrônica no século XIX foi possível

devido ao fato de a criança ter estendido a alternativa de elipse,

primeiramente para os objetos sentenciais, depois para os com antecedente [-

animado, - específico], depois para [- humano, + específico], depois para [+

humano, - específico] e, finalmente, para casos de objeto com antecedente [-

animado, + específico]. O objeto nulo passou a ser gradativamente

licenciado em outros contextos12

(cf. conceito de reanálises diacrônicas)

(AVERBUG, 2008, p. 115-116).

A autora citada verificou em sua amostra, ainda, o aparecimento do pronome tônico

referente a um objeto direto também no século XIX, especialmente com um antecedente [+

11

Cabe mencionar o estudo de Nunes (1993), que alia a queda do clítico acusativo de terceira pessoa a

um procedimento fonológico. A autora explica que as crianças a partir do século XIX adquiriram um

sistema com cliticização fonológica da esquerda para a direita e, portanto, não licenciavam o onset da

sílaba dos clíticos acusativos de terceira pessoa. Nas palavras da autora, o emprego desses elementos

no PB exige, pelo menos, “material fonológico que os preceda” (NUNES, 1996, p. 2015); daí o

exemplo de termos como comprá-lo, presentes no Português Brasileiro. 12

Pesquisas recentes vêm buscando evidenciar uma mudança na gramática do PB, por meio da

refixação do parâmetro do objeto direto anafórico nulo, como, entre outras, a de Averbug (2008), que

investiga a mudança desse parâmetro a partir da gramática de crianças brasileiras, em um estudo de

aquisição.

Page 48: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

47

animado], contexto em que o objeto nulo ainda não era interpretado (Cyrino, 1990, 1997;

Duarte, 1986). Pesquisas posteriores vêm constatando a forte diminuição das restrições ao

objeto nulo no PB, variante que se consolidou como preferida pelos brasileiros (tanto na fala

quanto na escrita). Essas pesquisas demonstram, além disso, que o pronome lexical é uma

estratégia pouco frequente no PB, restrita a determinados contextos, dando lugar a outra

variante, a forma com o SN anafórico, segunda mais frequente no PB (tanto na fala quanto na

escrita)13

. Tais ocorrências e fatores são mais bem descritos nas subseções seguintes.

1.2.5.1 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na fala brasileira

A abordagem do objeto direto anafórico como fenômeno variável no PB em trabalhos

acadêmicos de cunho variacionista ocorreu pela primeira vez na dissertação de mestrado de

Omena (1979), na qual a autora investigou a fala de quatro estudantes da categoria de ensino

do antigo Mobral. Seus informantes, portanto, formavam um grupo de alunos em

alfabetização, cursando o que se denomina hoje como Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

Nessa ocasião, Omena (1979) verificou a ausência total de clíticos para a representação do

acusativo anafórico. Segundo seus resultados, houve 76% de ocorrência de objetos nulos e

apenas 24% de pronomes lexicais em função acusativa. Seu estudo se pautou somente nessas

três estratégias mencionadas de retomada do objeto direto.

Esses resultados do trabalho de Omena (1979) já contribuíram para a compreensão de

que o objeto nulo se mostra como a estratégia preferida dos falantes brasileiros e o clítico

acusativo não se verifica na fala de indivíduos de pouca ou nenhuma escolaridade, fatos que

posteriormente vieram a ser mais detalhados, inclusive em trabalhos que investigaram a fala

de crianças em fase de aquisição do Português como língua materna (cf. Averbug 2005). O

trabalho de Omena (1979) permitiu, ainda, observar alguns fatores linguísticos que

condicionavam o uso de uma ou outra estratégia: a) a animacidade do antecedente e b) a

presença da mesma função sintática de objeto direto na posição do antecedente configuraram

fatores que favoreceram o emprego da categoria zero; c) estruturas mais complexas, em que o

elemento acusativo exerce “dupla função” (sujeito de uma infinitiva, que funciona como

complemento de verbo causativo ou perceptivo, ou sujeito de uma minioração), favoreceram

13

Recentemente, Marco Antonio Martins e Jussara Abraçado organizaram o Mapeamento

sociolinguístico do português brasileiro (2015), que aborda, dentre outros, os estudos sobre variação

na função acusativa no PB (DUARTE e RAMOS, p. 173-198).

Page 49: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

48

o uso do pronome lexical (OMENA, 1979 apud MARAFONI, 2010, p. 18-19). Esses fatores

serviram de base para as pesquisas posteriores, que descreveram ainda outros

condicionamentos.

A partir do trabalho pioneiro de Omena, novas pesquisas deram continuidade ao

estudo desse fenômeno. Duarte (1986), em sua dissertação de mestrado, registrou quatro

variantes possíveis como estratégias de retomada do objeto direto: o clítico acusativo, o

pronome lexical, o objeto nulo e o SN anafórico. Levando em consideração uma nova

estratégia (SN anafórico), a autora investigou a fala de informantes em diferentes níveis de

escolaridade e em diferentes faixas etárias. Sua análise constatou, de modo geral, o

predomínio de objetos nulos (62,6%), seguido das estratégias com o SN anafórico (17,1%) e o

pronome lexical (15,4%) respectivamente. Sobre esta última, a autora destacou a ocorrência

em decorrência do traço [+ animado] do antecedente. Corroborando as constatações anteriores

de Omena, o clítico acusativo apresentou um percentual baixíssimo de ocorrências (4,9%).

Em sua análise, tal ocorrência de clíticos foi verificada apenas em estruturas simples SVO por

informantes de alto grau de escolaridade. Mais especificamente, a autora demonstra que

construções com formas simples do indicativo (especialmente no presente e pretérito perfeito)

e com formas do infinitivo são os únicos contextos em que ainda se verificam clíticos

acusativos de terceira pessoa na modalidade oral do PB.

Aos fatores linguísticos condicionantes observados por Omena (1979), Duarte (1986)

acrescentou fatores extralinguísticos, quais sejam: a escolaridade e a faixa etária do

informante. A autora constatou que os falantes mais jovens não realizaram nenhuma

ocorrência de clíticos acusativos, ao passo que essa variante veio ascendendo conforme o

aumento do nível de escolaridade. No entanto, o emprego do SN anafórico superou o uso dos

clíticos inclusive nos graus mais altos de faixa etária e escolaridade. O objeto nulo, por sua

vez, manteve-se como a estratégia predominante em todos os níveis analisados. A autora

investigou, ainda, a avaliação dos falantes sobre o emprego dessas variantes, por meio de um

teste de percepção e produção a eles aplicado. Essa análise contribuiu para a compreensão do

forte estigma atribuído à variante pronome lexical, enquanto o objeto nulo não é notado pelos

informantes.

Corrêa (1991) e Averbug (1998, 2000) demonstraram que o clítico acusativo de

terceira pessoa de fato é aprendido por falantes brasileiros via escolarização. Tal estratégia

não faz parte da gramática interna do PB, conforme comprovam os estudos de Nunes (1993),

Page 50: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

49

Duarte (1986), entre outros. Averbug (1998) investigou o desempenho linguístico de

estudantes cariocas no que tange ao uso ou não das variantes pronominais em questão. Para

tanto, valeu-se do corpus do Projeto Discurso e Gramática – UFRJ, realizando um estudo

com informantes distribuídos nos seguintes níveis de escolaridade: classe de alfabetização

infantil e adulta, 4ª série e 8ª série (atuais 5º e 9º ano do terceiro ciclo) e os últimos anos do

Ensino Médio e do Ensino superior. A estes informantes, a autora solicitou a produção de

registros do gênero “narrativa recontada”14

. A partir disso, a autora verificou, tal como Corrêa

(1991), a atuação da escolaridade na produção oral desses estudantes (AVERBUG 2008, p.

16):

Escolaridade

Clítico Pronome

lexical

SN

anafórico

Objeto nulo TOTAL

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

– – 5 17 14 48 10 35 29 100

1 3 10 26 10 26 18 45 39 100

4ª série – – 15 22 23 33 31 45 69 100

8ª série – – 12 17 21 30 37 53 70 100

Ensino

Médio

– – 8 9 48 55 32 36 88 100

Ensino

Superior

– – 8 9 43 49 37 42 88 100

Tabela 1. Uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na produção oral de estudantes do Rio de Janeiro

conforme o nível de escolaridade, representada de Averbug (1998 apud AVERBUG 2008, p. 16).

Nos resultados de Averbug (1998), o clítico acusativo não ocorre sequer nos dados do

ensino superior, o que sugere que a escola não consegue recuperar essa forma na fala desses

estudantes. O baixíssimo percentual de clíticos acusativos encontrados pela autora – que

corresponde a um único dado – refere-se, curiosamente, à fala de um adulto em processo de

alfabetização. Por outro lado, observa-se a queda gradativa da variante pronome lexical,

indicando a atuação da escola nesse sentido. Sendo esta a variante estigmatizada e o clítico

ausente na fala do PB, o objeto nulo e o SN anafórico se mantêm como as estratégias mais

utilizadas em todos os níveis de escolaridade.

14

O gênero “narrativa recontada” foi solicitado no intuito de averiguar as variantes utilizadas tanto na

modalidade oral quanto na escrita. Para esta seção, abordam-se apenas os dados referentes à

modalidade oral.

Page 51: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

50

Marafoni (2004) analisou a realização do objeto direto anafórico em fala popular do

PB, utilizando amostra do Rio de Janeiro. Seus resultados confirmaram os estudos anteriores

de Duarte (1986) e Omena (1979), com a primazia da variante objeto nulo (67,3%) e um

percentual menor do que 1% para a variante pronome lexical (0,7%). Os fatores

condicionantes observados em sua pesquisa também ratificaram os fatores conferidos nas

pesquisas anteriores, como a influência da função sintática do antecedente (que, quando

equivalente, favorece o objeto nulo) e o traço semântico do antecedente ([- animado],

favorecedor do objeto nulo). No entanto, a autora constatou casos já significativos de objeto

nulo com antecedente [+animado], o que corrobora a extensão progressiva dos contextos em

que o objeto nulo é licenciado no PB (embora esta variante ainda ocorra com maior

frequência em estruturas com o antecedente [-animado]). Dentre outros fatores, a

topicalização do antecedente favoreceu fortemente o emprego do objeto nulo, ainda que não

seja um fator necessário ao uso dessa variante, já que esta se emprega no PB também quando

o antecedente não é topicalizado, como menciona a própria autora.

Em tese de doutorado, Averbug (2008) analisou o parâmetro do objeto nulo, estratégia

de maior ocorrência na fala brasileira, em período de aquisição no PB. Sua pesquisa abarcou

prioritariamente o contraste entre o objeto direto anafórico nulo vs. expresso, o que a levou a

investigar também outros fenômenos (como o objeto direto novo (não anafórico) e o sujeito

nulo vs. expresso). O que se mostra bastante relevante para a presente pesquisa é que, na

amostra utilizada pela autora, não se verificou nenhuma ocorrência de clíticos acusativos e

apenas 3% de ocorrências do pronome nominativo em função acusativa. Este baixo percentual

da variante pronome lexical foi averiguado com destaque pela autora na fala de uma criança

que apresentava um nível sociocultural mais baixo. A pesquisadora acompanhou

longitudinalmente a fala de três crianças brasileiras de diferentes níveis socioculturais e,

analisando a expressão linguística de cada criança, percebeu que os diferentes estímulos

linguísticos a que são expostas contribuem para diferenças relevantes na sua produção oral. A

criança exposta a um ambiente mais letrado, por sua vez, demonstrou o comportamento mais

diferenciado, com um baixo percentual de uso do pronome nominativo em função acusativa

em toda a sua trajetória de análise.

Acerca dos contextos favorecedores ao objeto nulo, destaca-se uma consideração

importante de sua tese. Após a análise dos dados, a autora concluiu que

é grande a atuação dos traços semânticos animacidade/especificidade,

em aquisição, previstos por Cyrino, Duarte & Kato (2000) quando se

Page 52: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

51

trata de nulo anafórico. Essa estratégia é mais freqüente se o traço [-

animado] for associado ao [+ específico] e quando o antecedente é

proposicional, o que indica também continuidade. O não esperado é a

resistência da categoria vazia no contexto semântico oposto: [+

animado / - específico], apesar da hipótese da Cyrino assinalar esse

contexto como possível (57% no século XX). De fato, não há qualquer

restrição em relação à animacidade. O objeto nulo [- específico] pode

aparecer com antecedente animado ou inanimado (AVERBUG, 2008,

p. 198-199).

Em outras palavras, ao associar a animacidade à especificidade do antecedente, a

autora mostrou que de fato não há qualquer restrição ao objeto nulo por meio do primeiro

fator, como já havia indicado Marafoni (2004), ratificando ainda mais a expansão do uso

dessa variante no PB. Vale mencionar que a variante pronome lexical se mostrou fortemente

condicionada ao traço [+animado / +específico] do antecedente, também confirmando os

estudos anteriores.

Ao analisar a fala culta brasileira, Freire (2000) também corroborou as constatações

ora alcançadas sobre o progressivo desuso do clítico acusativo como forma de retomada do

objeto direto anafórico no PB. O autor, investigando a fala de de indivíduos de nível superior

completo, encontrou apenas 3% de ocorrência para essa variante. Dentre as demais

estratégias, o objeto nulo (59%) e o SN anafórico (34%) figuraram como as formas preferidas

pelos falantes cultos brasileiros.

Os estudos acima explicitados permitem uma correlação entre as falas culta e popular

no PB. A tabela abaixo indica a ocorrência de estratégias de retomada do objeto direto na fala

popular brasileira com base nos resultados de Duarte (1986) e Marafoni (2010):

Função acusativa DUARTE (1986) – SP MARAFONI (2004) – RJ

Clítico 4,9% 0,7%

Pronome 15,4% 13%

SN 17,1% 19%

Objeto nulo 62,6% 67,3%

Total 100% 100% Tabela 2. Objeto direto anafórico na fala popular brasileira com base nos resultados de Duarte (1986) e

Marafoni (2010).

A tabela acima, ao comparar pesquisas do final do século XX e início do XXI,

demonstra certa queda temporal do clítico acusativo, enquanto o objeto nulo se mantém

predominante (de 62,6% a 67,3%), seguido da forma com o SN anafórico, segunda mais

Page 53: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

52

frequente (com um leve aumento de 17,1% a 19%). O pronome lexical, por sua vez, sustenta-

se em ocorrência moderada (com uma leve queda de 15,4% a 13%). Ao correlacionar esses

percentuais da fala popular com os da fala culta brasileira, notam-se semelhanças entre esses

dois contextos da modalidade oral brasileira.

A tabela abaixo indica a ocorrência de estratégias de retomada do objeto direto na fala

culta brasileira, segundo os resultados de Duarte (1986) e Freire (2000):

Função acusativa DUARTE (1986) – SP FREIRE (2000) – RJ

Clítico 6,4% 3%

Pronome 9,8% 4%

SN 18,8% 34%

Objeto nulo 65% 59%

Total 100% 100% Tabela 3. Objeto direto anafórico na fala culta brasileira, segundo os resultados de Duarte (1986) e

Freire (2000).

Ao comparar as duas tabelas acima, nota-se que há um progressivo desaparecimento

do clítico acusativo, desta a investigação realizada em 1986 ao exame de amostras mais

recentes, tanto na fala popular quanto na fala culta – apenas 3% nos dados de Freire (2000).

Ao mesmo tempo, a forma com o objeto nulo se mantém como preferencial e o SN anafórico

como a segunda estratégia de maior ocorrência também em ambos os contextos de fala.

Destaca-se o fato de que o percentual de ocorrência do pronome lexical na fala culta é de

apenas 4%. Em se tratando de fala popular brasileira, esse índice aumenta, porém não tanto

(passa a 13%, tampouco configurando uma estratégia de preferência), o que contrasta com a

suposta impressão de alto emprego dessa forma na fala popular do PB.

Como aclara Duarte (2013), ocorre que a forma com o pronome nominativo, no PB, é

mais estigmatizada por ter maior saliência fônica, enquanto o objeto nulo serve como um

“escape” para o preenchimento da função acusativa sem a necessidade de uso do clítico.

Segundo a autora, os clíticos são variantes inerentes à gramática do Português Europeu, em

seus termos, mas não à do Brasileiro. Os brasileiros têm com estas, portanto, menor

familiaridade, sendo seu emprego aprendido via escolarização. A forma com o SN anafórico,

por sua vez, revela a tentativa de evitar repetições, substituindo o objeto por algum referente

nominativo, sem que se sofra, ainda, algum estigma. Por isso, também, ocorre o alto índice do

acusativo nulo no PB (não saliente, pouco perceptível). A forma com o pronome nominativo

apresenta baixo índice de uso tanto para PB quanto para PE: para o primeiro, é a forma mais

Page 54: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

53

estigmatizada (por ser a mais saliente); para o segundo, simplesmente não faz parte da sua

gramática (e eles não precisam incorporar formas brasileiras via escolarização, haja vista o

histórico da língua), conforme aponta a referida autora.

1.2.5.2 O objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita brasileira

As pesquisas que abordam o fenômeno na escrita, em geral, demonstram percentual

maior de uso do clítico acusativo, que aumenta conforme ascende o nível de escolaridade do

autor, aliado a um percentual ainda mais baixo de uso do pronome nominativo em função

acusativa, confirmando o estigma atribuído a essa variante. A esse respeito, Averbug (2000),

em dissertação de mestrado, expõe a distribuição das variantes representativas do objeto

direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros:

Gráfico 1. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros segundo

Averbug (2000); disponível em: http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno11-12.html

Como se pode observar, a primazia da variante objeto nulo se mantém, seguida, ainda,

da estratégia com o SN anafórico (tal como na modalidade oral). Ambas seguem

configurando o índice mais significativo, enquanto o emprego do pronome lexical e do clítico

acusativo continua a indicar as estratégias menos utilizadas. No entanto, em se tratando de

modalidade escrita, o uso do clítico acusativo aumenta consideravelmente, invertendo sua

posição com o pronome lexical, em menor índice de uso. Esta inversão fica ainda mais

evidente a partir do gráfico disponibilizado pela autora sobre a representação do objeto direto

conforme a escolaridade dos estudantes (AVERBUG, 2007, p. 99):

Page 55: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

54

Gráfico 2. Percentual das variantes do objeto direto anafórico na escrita de estudantes brasileiros de acordo com

seu nível de escolaridade, segundo Averbug (2007).

Nota-se que, à medida que aumenta o uso dos clíticos acusativos, há uma queda brusca

no emprego dos pronomes lexicais, que chegam a desaparecer no Ensino Superior. Tanto a

influência em prol do uso de clíticos quanto o estigma do pronome lexical são reforçados pela

atuação escolar. Apenas no Ensino Superior, também, o clítico acusativo é evidenciado como

a estratégia mais utilizada (40%), ainda assim equiparada à variante SN anafórico (37%).

Freire (2005) investiga a ocorrência de clíticos acusativos na escrita culta brasileira e

lusitana. No que se refere ao PB, o autor analisou uma amostra de gêneros textuais escritos a

partir de textos extraídos do Jornal do Brasil, O Globo, gibis da Turma da Mônica e da

Disney. Seus resultados possibilitaram uma percepção bastante interessante sobre a

recuperação desses elementos por meio do fator escolaridade. Vejamos a tabela abaixo,

comparando os dados de Freire (2000) e Freire (2005):

Função acusativa Fala culta – PB Escrita culta – PB

Clítico 3% 47%

Pronome 4% 8%

SN 34% 14%

Objeto nulo 59% 31%

Total 100% 100% Tabela 4. Clíticos acusativos na fala e escrita cultas no PB conforme resultados de Freire (2000, 2005).

Ao confrontar dados de fala e escrita culta brasileira, chama a atenção o fato de que o

aumento do uso dos clíticos (via escolarização) se dá apenas na modalidade escrita. Isto é, a

escola não recupera o emprego de clíticos na fala (como visto na seção anterior), o que deve

Page 56: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

55

relacionar-se, provavelmente, i) ao enfoque dado comumente à escrita no ambiente escolar e

ii) à característica da escrita como um contexto de maior monitoração da língua. Os contextos

de fala em questão envolvem um uso menos monitorado da língua. A análise de Freire (2005)

evidencia o uso do clítico acusativo de terceira pessoa em um continuum de oralidade-

letramento. Reproduz-se, abaixo, a tabela fornecida pelo autor:

Função acusativa + oralidade /

- letramento

+ oralidade /

+ letramento

- oralidade /

+ letramento

Clítico 15 70 104

Pronome 22 10 -

SN 20 24 14

Objeto nulo 46 57 24

Total 103 161 142 Tabela 5. Objeto direto anafórico no PB conforme continuum de oralidade-letramento, segundo Freire

(2005).

Como se pode notar, o número de ocorrências do pronome lexical diminui

drasticamente no extremo [+letramento] – que é constituído por eventos de comunicação

mediados pela língua escrita –, enquanto as ocorrências do clítico acusativo aumentam à

medida que esse extremo se aproxima. O aumento do uso do clítico acusativo é então

justificável, sendo a escrita tomada, comumente, como foco no ensino da língua portuguesa (o

que veremos com mais detalhe na análise desta pesquisa), além de apresentar maior grau de

monitoração.

A respeito da escrita culta do PB, ainda com base na amostra de Freire (2005), merece

destaque certa comparação com os resultados que o autor havia encontrado anteriormente

para a fala de informantes portugueses com nível superior completo. A tabela abaixo expõe os

resultados de Freire (2005) em paralelo aos resultados encontrados em sua dissertação de

mestrado (2000) para o PE.

Função acusativa Escrita culta – PB Fala culta – PE

Clítico 47% 44%

Pronome 8% -

SN 14% 25%

Objeto nulo 31% 31%

Total 100% 100% Tabela 6. Objeto direto anafórico na escrita culta brasileira e na fala culta lusitana, com base nos resultados de

Freire (2005) e Freire (2000) respectivamente.

Page 57: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

56

Ao comparar os dados da tabela acima, chama a atenção o fato de que a frequência de

uso do clítico acusativo na escrita culta brasileira corresponde à sua ocorrência na fala

lusitana. Este fator corrobora a ideia de que o clítico está presente no processo de aquisição do

PE, mas não se verifica no do PB. Considerando que a escola exerce determinada pressão

sobre o indivíduo (aluno) e sendo a escrita uma modalidade mais conservadora, o clítico

acusativo se configura como a variante mais utilizada na escrita do letrado tanto no PE quanto

no PB, embora com diferença percentual significativa. Verifica-se na escrita do PB, ainda, o

objeto nulo como forma alternativa ao clítico (31%).

O clítico acusativo é recuperado pela escola em contextos determinados. O autor

aponta os contextos de tempo verbal simples como os únicos em que essa variante supera as

demais, principalmente com o infinitivo (como em mostrá-lo), contexto em que se pode

verificar o uso do clítico no extremo de [+oralidade] e em ponto intermediário, bem como

todo o continuum de oralidade-letramento. Há, portanto, um alto índice de uso do clítico lo e

variantes (dentro do contexto da ênclise em verbos simples do infinitivo), fato associado pelo

pesquisador à saliência fonética desse elemento. Ressalta, em sua análise, a hipótese de Nunes

(1993) sobre a influência da questão fonológica no comportamento do clítico acusativo no PB

(cf. seção 1.3, em nota). Dentre as formas verbais simples flexionadas e complexas marcadas

com o tempo, destacou-se o emprego do objeto nulo.

Além disso, Freire (2005) também aponta as construções com verbos causativos e

perceptivos como um fator de condicionamento relevante nesse sentido. O autor afirma que

chamam a atenção no PB as estruturas complexas construídas com os verbos

denominados causativos e perceptivos, cujo complemento é uma oração

infinitiva encetada por um “sujeito acusativo”. Segundo a tabela, há uma

competição entre o pronome lexical e o clítico na disputa pelo total de

ocorrências dessas estruturas, com vantagem para o primeiro. Investigando

essas mesmas estruturas a partir do contínuo de oralidade-letramento,

constata-se uma distribuição: enquanto o pronome lexical só aparece nos

eventos de comunicação que apresentam traço de oralidade, o clítico figura

apenas nos eventos que contêm traço de letramento (FREIRE, 2005, p. 133).

Ao considerar um corpus de redações escolares, Machado (2006) verificou que, de

modo geral, a estratégia com o clítico foi a mais utilizada para a retomada do objeto direto

pelos estudantes (37%). A autora analisou redações de alunos e alunas em três níveis de

escolaridade: 4ª série (atual 5º ano) do Ensino Fundamental, 8ª série (atual 9º ano) do Ensino

Page 58: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

57

Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. Além de o aumento da escolaridade favorecer o uso

dos clíticos, essa análise revelou diversos fatores relevantes para a pesquisa.

Um controle interessante adotado pela autora foi a divisão da variante SN anafórico

entre o uso de a) mesmo SN e b) SN sinônimo. Como o SN anafórico constitui uma forma de

evitar repetições – “escapando” do estigma do pronome lexical e do clítico pouco familiar ao

PB (cf. seção 1.3.1) –, é válido averiguar se os alunos utilizam essa forma apenas repetindo o

termo antecedente ou se de fato o substituem por outro SN de referência similar. A tabela

abaixo demonstra a ocorrência desses dois tipos de SN anafóricos no corpus de redações

utilizado por Machado (2006):

Mesmo SN SN sinônimo

Ocorrência Frequência Ocorrência Frequência

4ª série do E. F. 27/108 25% 1/108 1%

8ª série do E. F. 14/129 11% 8/129 6%

3ª série do E. M. 25/159 16% 14/159 9%

Tabela 7. Ocorrência de mesmo SN e SN sinônimo conforme o nível de escolaridade; adaptada de Machado

(2006, p. 70), com apenas os resultados da variante SN anafórico.

Como se pode observar, a substituição por um SN sinônimo feita pelos estudantes é

baixíssima nos três níveis de escolaridade, ainda que aumente levemente com o aumento do

grau de instrução. No primeiro, foi encontrada somente uma ocorrência dessa forma (1%), em

contraste com 27 ocorrências de mesmo SN (25%). Embora o uso deste tenha diminuído

conforme a elevação do nível de escolaridade (de 25% para 16%), o aumento do uso de SN

sinônimo, que de fato cumpre o propósito de evitar repetições, ainda é pouco produtivo (de

1% para 9% apenas).

Os textos investigados se dividiram entre redações narrativas e dissertativas. Nesse

âmbito, algumas constatações da autora merecem destaque. Para uma melhor visibilidade das

considerações feitas, segue a tabela de resultados quanto ao tipo textual disponibilizada por

Machado (2006, p. 73).

Page 59: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

58

Tipo de

texto

Mesmo SN SN

sinônimo

Pronome

lexical

Clítico Objeto

nulo

Oco. Freq. Oco. Freq. Oco. Freq. Oco. Freq. Oco. Freq.

Dissertativo 30/100 30% 8/100 8% 6/100 6% 41/100 41% 15/100 15%

Narrativo 36/296 12% 15/296 5% 72/296 24% 106/296 36% 67/296 23%

Tabela 8. Objeto direto anafórico em redações escolares conforme o gênero textual, segundo Machado

(2006, p. 73).

O tipo dissertativo demonstrou maior frequência de uso dos clíticos (41%) em

comparação com o narrativo (36%). Este prevê maior proximidade com o domínio da

modalidade oral, conforme aponta a autora. Nesse sentido, destaca-se também o maior uso de

pronome lexical nas redações desse gênero (24%), o que contrasta fortemente com o uso

dessa variante nas dissertações (6%, apenas), gênero em que é muito pouco produtiva.

Entretanto, de modo geral, o gênero narrativo foi muito mais produtivo para o surgimento das

ocorrências do objeto direto anafórico nos textos, no sentido de que as narrativas

desencadearam 296 dados das diferentes estratégias de retomada do objeto direto, enquanto as

dissertações possibilitaram 100 dados no total. Ressalta-se, porém, que não houve nenhum

direcionamento para a narração em primeira ou terceira pessoa ao solicitar as redações,

decisão que coube aos alunos.

Ao observar o progresso no uso dos clíticos acusativos, a autora percebeu, ainda, que o

gênero feminino se destacou nessa trajetória. No cruzamento entre os resultados dos grupos

de fatores escolaridade e gênero, as mulheres incorporam a variante com clítico de maneira

mais acentuada do que os homens – aquelas com 46 pontos percentuais e estes com 30 pontos

percentuais. Além disso, as mulheres, que na 4ª série apresentaram maior percentual de uso do

pronome lexical (48%), reduziram drasticamente o uso dessa variante (caiu para 3%),

enquanto os homens oscilaram entre 12%, 24% e 5%, na crescente dos três níveis

respectivamente. Em vista dessa instabilidade, a autora mencionou a necessidade de melhor

descrição do fator gênero em pesquisas futuras.

Em artigo publicado na Revista Virtual de Estudos da Linguagem (ReVEL.), Oliveira

(2007) fez considerações relevantes acerca das estratégias de retomada do objeto direto

anafórico de terceira pessoa também em redações escolares. Diferente de Machado (2006), o

Page 60: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

59

estudo foi pautado em um corpus somente de séries iniciais – 1ª à 4ª séries do ensino

fundamental. Neste caso, o objeto nulo foi a estratégia mais produtiva nas quatro séries

investigadas, com 52% de ocorrências. Ao considerar apenas os dados dessa variante, a

ocorrência de retomada anafórica de antecedentes com traço [-animado], contexto ao qual se

mostrou fortemente condicionada, foi verificada em uma frequência de 69% do total de

objetos nulos. Isto confirma a colocação de Cyrino (1997) e Duarte (1986), entre outros, sobre

a influência do traço [-animado] favorável ao uso da categoria zero.

No entanto, a autora percebeu que o traço [+animado] do antecedente também foi

bastante significativo nos dados de objeto nulo, com 43% de frequência, confirmando o que já

apontavam Averbug (2000) e Marafoni (2004). Assim, nota-se que “as crianças expandiram

os contextos de uso do operador nulo, generalizando-o”, como concluiu a referida autora

(OLIVEIRA, 2007, p. 26); fato este que corrobora o pressuposto de que o objeto nulo é cada

vez mais licenciado no PB, reduzindo-se suas restrições e ampliando-se seus contextos de uso

(cf. Cyrino (1997), Duarte (1986) e outros estudos anteriores).

Além da animacidade do antecedente, a especificidade do termo também se configura

como fator de relevância. Nos dados da pesquisa em questão, o traço [-específico] do

antecedente também favoreceu o emprego do objeto nulo, enquanto as demais variantes

(expressas) se mostraram condicionadas ao traço [+específico]. Segundo a autora, esse

condicionamento, provavelmente, deve-se ao fato de que as crianças estabelecem uma

referência no mundo, especialmente, para aquilo que é animado ou concreto (OLIVEIRA,

2007, p. 26-27)15

.

Sua análise demonstrou, também, a ocorrência do clítico acusativo de terceira pessoa

preferencialmente em locuções infinitivas, as quais privilegiavam o emprego da ênclise.

Embora não constitua foco desta pesquisa, vale mencionar que a não recuperação do

movimento do clítico pela escola foi identificada em seus resultados, já que o clítico

empregado em tempos verbais simples se mostrou, invariavelmente, proclítico ao verbo

principal; análise esta que corrobora os resultados de Freire (2005) e demais pesquisas

desenvolvidas nesse âmbito. Em geral, “os trabalhos com a escrita (cf. Averbug 2000 e Freire

2005), entre outros, mostram que é justamente nos tempos do indicativo e com a forma

15

Cabe retomar aqui a constatação de Averbug (2008) sobre a maior ocorrência de objetos nulos com

referência a antecedentes com traço [-animado / +específico] (enquanto objeto nulo [-específico]

aparece associado a antecedente animado ou inanimado) em sua pesquisa de aquisição (cf. seção

1.3.1), expressando a continuidade na ampliação dos contextos de uso do nulo anafórico.

Page 61: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

60

infinitiva que a escola consegue recuperar o clítico na escrita” (MARAFONI, 2010, p. 113-

114).

Como se pôde notar, os estudos vêm revelando uma recuperação parcial do uso do

clítico por meio da escola. As demais estratégias, além dessa, demonstram produtividade seja

na fala, seja na escrita do PB, a depender dos contextos de uso em que se realizam –

linguísticos e extralinguísticos, conforme aqui detalhado.

1.2.5.3 O ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa

Como a correlação, no âmbito acadêmico, entre a teoria de pesquisas científicas e a

prática do ensino é algo ainda considerado recente, não há uma gama extensa de trabalhos que

tenham se dedicado especificamente a esse intuito. No entanto, a preocupação com o ensino

da língua já se mostrava de maneira a complementar alguns estudos desenvolvidos na área.

Na já referida tese de doutorado de Freire (2005), por exemplo, o autor dedicou um

capítulo a promover reflexões acerca do ensino de clíticos (no caso, acusativos e dativos de

terceira pessoa). O autor buscou evidenciar os meios pelos quais a escola tenta recuperar o

emprego dos clíticos haja vista o distanciamento entre esse uso e a gramática natural dos

alunos brasileiros. Na ocasião, investigou alguns dos livros didáticos até então aprovados pelo

MEC (tanto para o ensino fundamental quanto para o ensino médio), dos quais destacou o

tratamento neles dispensado ao ensino do objeto direto anafórico de terceira pessoa. Os livros

direcionam “correções”, segundo o autor, na tentativa adequar os alunos a uma determinada

“norma culta”, especialmente na busca por evitar totalmente o uso dos pronomes nominativos

em função acusativa, ressaltando apenas a variante com o clítico como “a forma correta”.

Em vista do que averiguou em tais livros em paralelo aos estudos anteriormente feitos,

que indicavam a influência da escolaridade sobre o uso das variantes do OD anafórico de

terceira pessoa, Freire (2005) ressaltou a pouca eficácia da escola na promoção do uso dos

clíticos e mostrou, por meio de alguns exemplos, que a aprendizagem dos alunos nesse

domínio não ocorre sem problemas. O autor evidenciou os chamados “usos irregulares dos

clíticos de terceira pessoa”:

(28) Felizmente, os frutos brotaram, mas os foram colhidos para uma

minoria […] (UFRJ, concurso de seleção 2001)

Page 62: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

61

(29) O povo que cada vez mais ignorante, deixa-se levar por uma

mídia, que traz notícias manipuladas para o confortá-lo. (UFRJ,

concurso de seleção 2001)

(30) O futuro que o Brasil espera e sempre esperou não parece chegar,

pois fez pouco para merecer-o. (UFRJ, concurso de seleção 2001)

(FREIRE, 2005, p. 184).

Como se pode observar, trata-se de exemplos extraídos de redações vestibulares,

escritos por alunos já cursando o último ano de Ensino Médio. Isto é, o exercício da escola no

ensino da variante de prestígio não se completou de forma eficiente. Nesse sentido, Freire

(2005, p. 185) propõe que

o ensino de clíticos de terceira pessoa deveria basear-se não em meras

recomendações proibitivas ou em exercícios artificiais de substituição,

mas na percepção dos escritores brasileiros de hoje sobre esse fato

gramatical, obtida a partir da leitura de textos produzidos pela

imprensa, que remetem a situações reais e representam o que

efetivamente constitui a norma culta brasileira.

Com a formulação do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), novas

professoras pesquisadoras trouxeram à baila discussões diretamente inseridas no âmbito

escolar, de forma a desenvolver caminhos para o ensino de regras gramaticais variáveis no

PB, tal qual é o caso do fenômeno aqui em enfoque. Uma delas trabalhou justamente com a

questão do ensino das variantes do OD anafórico de terceira pessoa. Em sua dissertação de

mestrado, Xavier (2015) formulou uma sequência didática como proposta de intervenção para

o ensino das variantes do acusativo anafórico. A autora trabalhou com uma turma de nono ano

do Ensino Fundamental de uma das primeiras escolas estaduais a serem fundadas no distrito

de Lagoa Salgada/RN. A turma abarca 19 alunos matriculados, dos quais somente 16

participaram da proposta feita pela pesquisadora (9 do sexo feminino e 7 do masculino).

Primeiramente, a autora sugeriu a feitura de duas produções escritas. A primeira, mais

formal, consistia em narrar a história de um filme por eles assistido em sala de aula

(“Narradores de Javé”); a segunda, mais espontânea, consistia em um relato de vivência

pessoal por parte dos alunos, narrando sobre uma experiência de risco de vida deles ou de

alguém a eles próximo. Na análise das produções escritas, dentre as variantes do acusativo

anafórico de terceira pessoa, foram encontrados: para o relato sobre o filme, a mais elevada

ocorrência de 57% de sintagmas nominais, seguida de 37% de objetos nulos e apenas 7% de

pronomes nominativos, enquanto o clítico apareceu no mais baixo percentual de 5%; para o

Page 63: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

62

relato pessoal, o objeto nulo atingiu o maior percentual de 56%, invertendo sua posição com o

SN anafórico, que caiu para 25%, enquanto a ocorrência de nominativos subiu para 16% e a

novamente mais baixa ocorrência de clíticos caiu ainda para 3% dos usos verificados.

Xavier (2015, p. 62) relata que houve uma única ocorrência do clítico acusativo dentre

os relatos pessoais, a qual sinalizava um referente [+ animado] e mais próximo do objeto

anafórico:

(31) Num certo dia, ainda nesse ano a policia envadio a casa da [minha tia]i.

Ela foi durmir na casa de outra tia minha, então eu e meus pais e a filha da

minha tia, íamos lá visita-lai de madrugada.

Aluno E, 16 anos, feminino.

Na análise dos resultados da primeira produção escrita – relato sobre um filme, estilo

mais formal –, a autora observa que o uso dos clíticos se deu de forma a contemplar um

domínio estrutural sobre essa variante, com a colocação adequada dos pronomes o, a, os, as, e

a contração também adequada de suas variantes para verbos terminados em r e m (-lo, -la, -

los, -las, -no, -na, -nos, -nas), embora nos pouquíssimos casos encontrados (apenas quatro).

Nesse sentido, Xavier (2015, p. 56) aponta que

das quatro ocorrências com o pronome clítico, três delas tinham referentes

[+animados] e nos quatro casos, os referentes estavam estruturalmente

próximos, o que sugere que na hora de retomar um referente próximo, a

opção pelo clítico acusativo seja a mais viável. Já quando o referente se

encontra mais distante textualmente, supõe-se que os alunos optem pela

retomada pelo sintagma nominal a fim de não gerar ambiguidade e também

para relembrar com mais nitidez o referente.

A análise dos resultados das produções solicitadas permitiu um diagnóstico da

situação de conhecimento e prática da turma na direção do uso das variantes do acusativo

anafórico de terceira pessoa. A partir disso, foram feitos os próximos passos na sequência da

proposta didática. A autora trabalhou “reflexões iniciais”, em seus termos, sobre o conceito de

gramática e o objeto direto anafórico, e, em seguida, introduziu o assunto mais

especificamente em aulas expositivas, nas quais buscou apresentar (i) a noção de predicação

para a tradição gramatical e a tradição linguística, (ii) a noção de objeto direto para cada uma

delas e (iii) as formas variadas para a retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa.

Após essas aulas, a pesquisadora promoveu, junto à turma, a transcrição de uma gravação de

fala dos próprios alunos, feita anteriormente por ela em sua própria sala de aula, e,

posteriormente, trabalhou com diferentes textos escritos em aula, de modo a abranger as mais

variadas ocorrências do acusativo anafórico nas mais diversas situações de comunicação.

Page 64: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

63

Feito isso, mostrou aos alunos todo o diagnóstico alcançado no intuito de fazê-los

refletir ativamente sobre as variantes verificadas e sua produtividade em determinados

contextos de uso. Por fim, solicitou uma produção escrita da turma, esta vez em conjunto:

uma narrativa ficcional, a fim de averiguar se houve de fato alguma mudança no

comportamento da turma com relação às variantes do objeto direto anafórico. Os resultados

dessa última produção escrita revelaram um aumento fortemente significativo no uso dos

clíticos acusativos, os quais foram constatados como a estratégias mais utilizada, com 45% de

ocorrência, porém ainda equiparada ao percentual de 42% de sintagmas nominais anafóricos.

O objeto nulo atingiu 10% do total de acusativos, enquanto o pronome nominativo se

verificou em apenas 3% dos dados.

Entretanto, assim como Freire (2005), Xavier (2015) também encontrou dados em que

o uso dos clíticos se deu de maneira irregular, o que evidencia a dificuldade dos alunos no

aprendizado dessa variante. No último trabalho referido, foram observados casos em que o

elemento acusativo era usado em lugar do dativo, como em “O pai e a mãe de Dhin, Mary e

John, o repetiram as mesmas frases (Aluno A 16 anos, feminino)” (XAVIER, 2015, p. 105).

Em outros, ainda, alguns alunos fora da faixa etária estipulada para tal série, que já possuíam

maiores dificuldades com a escrita, revelaram usos de um suposto clítico em lugar de outras

classes de palavras, como em “Era uma vez um hipopótamo chegaram-na casa dele porque o

hipopótamo teve de volta para-la na cidade (...) (Aluno D, 18 anos, masculino)” (op. cit.,

2015, p. 105).

Dessa forma, é possível perceber o quão distante é o uso dos clíticos para os alunos

brasileiros. Não obstante essa distância, os estudos revelam que essa variante não só é

prestigiada pela tradição gramatical, mas se verifica, ainda, em contextos de escrita mais

monitorada no Português do Brasil. Assim, o ensino dos clíticos segue inserido no rol de

objetivos do ensino de Português, embora não de modo estanque e fechado em comparação

com as outras variantes (cf. os diversos estudos citados anteriormente), mas como uma

variante a mais disponível no sistema da língua para a retomada anafórica do acusativo de

terceira pessoa. O conhecimento dessa variante amplia, portanto, o repertório linguístico dos

estudantes, para além do reconhecimento e compreensão sobre as variantes a eles mais

familiares.

Page 65: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

64

A esse respeito, os resultados dos trabalhos científicos ora abordados conduzem a um

diálogo com a proposta de Kato (2005), que trata a aprendizagem da escrita, contexto em que

mais se verifica o uso do clítico acusativo, como um processo de aquisição em segunda língua

(L2), tendo em vista que o clítico não faz parte da gramática natural dos brasileiros. Para

melhor compreender essa questão, vale esclarecer que a referida autora tem como

embasamento a Teoria de Princípios e Parâmetros desenvolvida no programa gerativista de

Chomsky (1957, 1965, 1981), a qual, embora não seja tomada como aporte teórico desta

pesquisa, merece um parêntese que permita elucidar o estatuto do clítico acusativo em

comparação com as demais variantes aqui em estudo.

Segundo a teoria mencionada, os princípios são leis válidas para todas as línguas

naturais, enquanto os parâmetros são as propriedades que uma determinada língua pode ou

não exibir, definindo, assim, as diferenças entre as línguas. Desse modo,

existe um princípio que enuncia que todas as sentenças finitas têm sujeito (o

Princípio da Projeção Estendida, abreviado como EPP). Associado ao EPP

existe o parâmetro do sujeito nulo (...). Para certas línguas, como o inglês,

este sujeito tem que ser pronunciado sempre; para outras, como o português,

nem sempre o sujeito é pronunciado. O inglês apresenta o valor negativo; o

português o valor positivo (MIOTO, SILVA & LOPES, 2013, p. 22).

Em se tratando do preenchimento do objeto direto anafórico, por exemplo, apenas

algumas línguas possibilitam a forma com o objeto nulo em sua representação. É o caso do

Português, em que João quis um carroᵢ e conseguiu comprar Øᵢ seria uma sentença possível.

Já para o Espanhol, a oração exigiria a presença plena de um objeto: Juan quizo un cocheᵢ y

logró comprarloᵢ / Juan quizo un cocheᵢ y loᵢ logró comprar. Isso significa dizer que o

Português do Brasil atende positivamente ao parâmetro do objeto nulo, enquanto o Espanhol

concebe negativamente este parâmetro. Ao observar os parâmetros ainda sem valores fixados,

os princípios da língua configuram o que Chomsky (1981) denomina Gramática Universal

(GU). À medida que os parâmetros das línguas vão se fixando como positivos ou negativos,

constroem-se as gramáticas das línguas, a Gramática Nuclear, segundo o referido autor.

Nesse processo, entretanto, conforme os sujeitos iniciam e dão continuidade a seu

desenvolvimento em sociedade, cada indivíduo recebe um determinado input linguístico, seja

por meio do contato com a experiência de pais letrados, seja por certas condições prévias de

leitura em seu ambiente de origem ou até mesmo escolar. Esse input particular pode envolver

fenômenos de empréstimos e resquícios de mudança, originando o que Kato (2005) designa

como a periferia marcada individual. Aliando-se a gramática nuclear aos traços da periferia

Page 66: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

65

marcada, configura-se a língua interna do indivíduo, a Língua-I (CHOMSKY, 1981; KATO,

2005), a qual se refere à gramática interna dos sujeitos, à sua gramática natural, como nos

referimos até aqui.

Por essa perspectiva, a seleção de uso do clítico em determinado contexto de caráter

escrito ([+ formal, + monitorado]), por parte dos estudantes brasileiros, implica não

simplesmente uma estratégia de adequação linguística ao referido contexto, mas sim o alcance

de uma mudança de gramática que viabilize seu emprego, conforme sugere Duarte (2013,

2015) ao buscar distinguir as concepções de adequação linguística e mudança de gramática.

Apesar de não competir à presente pesquisa uma discussão específica sobre as

diferenças entre essas gramáticas, o breve esclarecimento sobre tais temas permite

compreender que, de fato, o clítico acusativo não se mostra como uma variante (ao lado de

ele, zero, SN) naturalmente presente na gramática interna de todos os falantes brasileiros.

Nesse sentido, é bem verdade que o acesso à variante clítico acusativo não se realiza do

mesmo modo que os alunos brasileiros, em geral, acionam as demais variantes, a eles já

familiares, presentes em sua gramática interna. No entanto, no último ano do Ensino

Fundamental, já se espera que os estudantes compreendam o uso dos clíticos acusativos, uma

vez que, nesse estágio, já dispuseram de contato com essa variante, mesmo que apenas por

meio da influência escolar.

Em outras palavras, por mais que os alunos não tenham sofrido a influência do contato

com o clítico acusativo a partir da chamada periferia marcada, a escola se encarrega de

promover esse contato desde os primeiros anos escolares, por meio das histórias infantis, por

exemplo, e, bastante produtivamente, a partir do sexto ano do Ensino Fundamental (como os

próprios materiais didáticos analisados nesta dissertação poderão comprovar, mais adiante).

Assim, considera-se pertinente o reconhecimento e uso, caso estimado, dessa variante no nível

de escolaridade em que se encontram os estudantes envolvidos nesta pesquisa, ainda que seja

considerada uma forma díspar das demais variantes, distante da sua língua interna, sua

gramática natural.

Page 67: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

66

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para apresentar o aporte teórico de que se vale a presente investigação - para além dos

pressupostos a respeito da expressão do objeto direto já detalhados na revisão da literatura –,

segmenta-se este capítulo em três seções. Na primeira, apresentam-se as bases teórico-

metodológicas que fundamentam o tratamento da regra variável de preenchimento do objeto

direto, a Sociolinguística Variacionista (Seção 2.1); na segunda, mencionam-se as

contribuições da Sociolinguística para o ensino, reconhecendo a subárea denominada

Sociolinguística Educacional (Seção 2.2); e na Seção 2.3, expõem-se os pontos de partida que

fundamentam as ponderações e reflexões que serão feitas em relação especificamente ao

ensino de Português como língua materna.

2.1 A Sociolinguística Variacionista

No intuito de estudar dados da Língua Portuguesa considerando seu uso em interações

comunicativas diversas, parte-se, aqui, do quadro teórico-metodológico da Sociolinguística

Variacionista ou Teoria da Variação e Mudança, postulada por Weinreich, Labov e Herzog

([1968] 2006) – doravante WLH. Esse aporte compreende a língua produzida em seu contexto

social e, assim, busca descrever a variação e a mudança linguísticas. Os sociolinguistas

observam prioritariamente os usos da língua nas produções espontâneas de determinadas

comunidades de fala, analisando, na medida do possível, o que se percebe como a expressão

vernacular falante – a expressão espontânea da língua em situação de mínimo monitoramento

(LABOV, [1972] 2008).

A abordagem sociolinguística, portanto, exige um estudo da língua de modo a

envolver o comportamento social, a saber, “quem fala, quando se fala, onde, para quê e com

quem se fala”. Nesse sentido, seus fundamentos se aplicam a dados de natureza diversa, orais

ou escritos, verificados em determinada sincronia, em diferentes sincronias ou mesmo

diacronicamente. A partir do levantamento de dados linguísticos, alcança-se uma análise

quantitativa dos usos verificados, o que viabiliza a descrição da língua nos limites de cada

investigação.

Page 68: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

67

A língua é uma forma de comportamento social [...]. Crianças mantidas em

isolamento não usam a língua; ela é usada por seres humanos num contexto

social, comunicando suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros

(LABOV, 2008 [1972], p. 215).

Dessa forma, a base da Sociolinguística Variacionista permite compreender as

motivações que implicam a variação linguística e as consequentes (porém não obrigatórias)

mudanças da língua. Tais motivações podem ser de ordem linguística ou extralinguística

(provocadas pelo componente de natureza social em alguma medida). Assim, o processo de

variação e mudança é descrito com base em fatores que recebem diversificadas representações

sociais (idade, sexo, classe social, nível de escolaridade) e em fatores linguísticos

(motivadores internos da língua). Pode-se, com isso, descrever as motivações que conduziram

a um ou outro uso linguístico, uma ou outra variante linguística.

Em vista dessas apreciações, entende-se que a língua não é homogênea, mas sofre

variações, que podem ou não acarretar mudanças linguísticas. A Sociolinguística, por seu

papel, busca sistematizar as variações que ocorrem no uso da língua, compreendendo a

regularidade que se verifica nesse processo. Nota-se, assim, que a heterogeneidade linguística

é pautada em regras, as quais não são fixas, mas variáveis. A esse respeito, WLH ([1968]

2006) defendem o princípio da heterogeneidade ordenada, a partir do qual se compreende a

natureza variável da língua – não homogênea –, isto é, entende-se a variação como inerente ao

próprio sistema linguístico. Entretanto, essa variação se dá de forma ordenada, o que promove

a noção de regras variáveis, postulado que permite à Sociolinguística estudar e sistematizar a

variação linguística. A regularidade da variação, portanto, é sistematizada por um conjunto de

regras variáveis, e não categóricas. Labov ([1972] 2008), por sua vez, explora o sistema de

regras variáveis em que se manifesta a língua, tendo em vista que toda variação é

condicionada.

É comum que uma língua tenha diversas maneiras alternativas de dizer “a

mesma” coisa. Algumas palavras como “carro” e “automóvel” parecem ter

os mesmos referentes; outras têm duas pronúncias, como cantando e

cantano. Existem opções sintáticas como Uma pessoa que eu confio muito

vs. Uma pessoa em quem eu confio muito ou É fácil para ele falar vs. Para

ele falar é fácil (LABOV, 2008 [1972], p. 221).

Observa-se, logo, que as formas linguísticas alternantes, denominadas variantes

linguísticas, podem ocorrer em qualquer nível gramatical. No que concerne à pesquisa aqui

Page 69: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

68

realizada, o fenômeno gramatical em abordagem se insere no nível morfossintático do sistema

da língua (mais especificamente o uso de pronomes em função acusativa anafórica de terceira

pessoa no Português brasileiro), e, na promoção de uma análise variacionista do tema,

compreendem-se fatores condicionantes estruturais (linguísticos) e sociais (extralinguísticos).

Considera-se, para tanto, que a variação é inerente a cada língua e que, ainda, toda variação é

condicionada (LABOV, [1972], 2008). Como se pode perceber, a língua é heterogênea (varia)

e viva (modifica-se). Nesse sentido, toda mudança linguística pressupõe variação, embora

nem toda variação acarrete necessariamente uma mudança na língua (LABOV, [1972] 2008).

No intuito de compreender os mecanismos da mudança linguística, WLH ([1968]

2006) propõem cinco princípios empíricos que norteiam seus estudos:

a) a transição, que consiste no período de mudança de um estado da língua para o outro, em

que o falante alterna entre o uso de uma forma e outra, até que uma forma alternativa se

consolide em detrimento da outra;

b) as restrições, possíveis condicionamentos e a ausência de restrições linguísticas e

extralinguísticas que propiciam condições para que ocorra uma mudança;

c) o encaixamento linguístico, que demonstra o fato de que os fenômenos em mudança se

correlacionam de algum modo, o que possibilita a consideração de que uma mudança conduz

à outra;

d) a implementação, que incide sobre como e quando um fenômeno variável passa a ser parte

da estrutura sociolinguística de uma comunidade, constituindo uma mudança implementada;

e) a avaliação, que está relacionada à percepção ou avaliação dos membros de determinada

comunidade sobre o fenômeno variável, avaliação esta que pode afetar o processo de

mudança.

No que se refere à presente pesquisa, seu foco recai não sobre o processo de mudança

linguística em si, mas sobre a realidade linguística atual do fenômeno gramatical variável em

questão e seu reflexo no ensino de Português. Desse modo, dentre os cinco princípios

elencados pelos autores, dois deles serão perseguidos neste estudo, visto que constituem

fatores de maior relevância para os objetivos aqui traçados: o princípio das restrições e o

princípio da avaliação – embora todos se mostrem altamente inter-relacionados na

concretização e estudo do sistema linguístico.

Page 70: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

69

Ao analisar o uso do objeto direto anafórico de terceira pessoa na escrita de estudantes

brasileiros, alguns fatores linguísticos e extralinguísticos serão interpretados como favoráveis

ou restritivos ao emprego de uma ou outra forma para a referência anafórica em questão; daí a

importância de abranger as restrições em um estudo que busque compreender este fenômeno

linguístico, tal como realizado em pesquisas anteriores sobre seu comportamento variável no

PB (sintetizadas no Capítulo 1 desta dissertação). A avaliação, por sua vez, se mostra

especialmente relevante, uma vez que serão averiguados o reconhecimento e a aceitabilidade

de determinadas formas pronominais no âmbito do ensino. A percepção dos professores

exerce forte influência sobre esse processo, seja sua apreciação mais subjetiva como falante

do Português, seja sua avaliação efetivamente explícita no exercício da profissão; ambas

incidindo sobre sua escolha por determinadas formas como aceitas ou não e em que contextos

o são.

Ainda acerca da avaliação dos falantes sobre as variáveis linguísticas, Labov (2008

[1972], p. 290) ressalta que

as variáveis mais próximas da estrutura superficial frequentemente são foco

da avaliação social. De fato, valores sociais são atribuídos a regras

linguísticas somente quando há variação. Os falantes não aceitam de

imediato o fato de que duas expressões diferentes realmente “têm o mesmo

significado” e existe uma forte tendência a atribuir diferentes significados a

elas. Se dado grupo de falantes usa uma variante particular, então os valores

sociais atribuídos a esse grupo serão transferidos a essa variante linguística.

Os valores atribuídos aos grupos sociais, portanto, recaem sobre as variantes

linguísticas por eles utilizadas. Isto leva a crer que os preconceitos existentes na sociedade,

por consequência, podem contribuir para certo preconceito linguístico. Nesse sentido, dentre

outras motivações, determinadas variantes são estigmatizadas, colaborando para a construção

de estereótipos sociais. Labov (2008 [1972], p. 360) explica que os estereótipos são uma das

categorias que influenciam o processo de mudança da língua. Tais categorias se compõem

conforme a avaliação social que os elementos linguísticos recebem, de forma que podem ser:

a) indicadores, com traços linguísticos que diferem quanto à estratificação social dos falantes

(idade e grupo social), sem que sejam perceptíveis à avaliação, tendo em vista que não

costumam chegar ao plano da consciência;

Page 71: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

70

b) marcadores, que, não apenas diferenciados em grupos sociais, variam quanto à questão

estilística no uso da língua, mesmo que sua escolha nem sempre se dê de forma consciente

para os falantes (mas de modo subjetivo);

c) estereótipos, formas rotuladas pela sociedade de maneira enfática, de modo que algumas se

tornem fortemente estigmatizadas, as quais, ainda assim, podem persistir e resistir no sistema

linguístico.

Dentro desta última categoria, Labov (2008 [1972], p. 287) afirma que

esses estereótipos sociais oferecem uma visão fragmentada e assistemática

da estrutura linguística, para dizer o mínimo. Em geral, podemos afirmar que

a correção social explícita da fala é extremamente irregular, concentrando-se

nos itens lexicais mais frequentes, enquanto o verdadeiro curso da evolução

linguística, que produziu a forma marcada dessas variáveis, é altamente

sistemático.

O autor esclarece que até mesmo no uso de variantes consideradas estigmatizadas há

uma regularidade sistemática. Não há nenhuma ausência de sentido no emprego dessas

formas, que sequer é aleatório. O fator avaliativo da variação linguística, portanto, faz-se

altamente relevante para o contexto educacional, em que se pressupõe a legitimação ou não de

variantes e a reflexão sobre estas no processo de ensino-aprendizagem da língua. Nota-se,

com isso, a relevância da interação entre a teoria sociolinguística e o escopo do ensino;

interação esta explorada pela chamada Sociolinguística Educacional, descrita na seção que se

segue.

2.2 A Sociolinguística Educacional

Ao tomar como campo de estudo o contexto educacional, é importante ter em vista

que o aluno, na escola, já apresenta saberes sobre sua língua que permitem uma comunicação

regular em sociedade, conforme afirma Cyranka (2008). O ensino da língua materna não tem

por papel, pois, anular tais saberes em função de assentar outros. No entanto, é notória a

dificuldade em aproximar o ambiente escolar e a conduta dos professores ao universo

linguístico trazido pelos alunos, e é justamente nesse intuito que se centra o aporte da

Sociolinguística Educacional, formulada por Bortoni-Ricardo (2004; 2005).

Page 72: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

71

A Sociolinguística Educacional promove uma correlação entre os estudos da

Sociolinguística Variacionista, suporte teórico-metodológico de que se vale esta pesquisa, e o

contexto escolar, em favor de uma aproximação produtiva entre a descrição de estudos

sociolinguísticos e o âmbito do ensino da língua materna. Tendo em vista a dificuldade de

aproximação entre o amplo espectro da variação e o âmbito do ensino da língua, o domínio

escolar acaba por impor o uso de formas consideradas padrão que, muitas vezes, estão

distantes do cotidiano dos alunos (e até mesmo dos professores). Essas formas fazem parte de

certo modelo de norma padrão cunhada no século XIX, que serviu de base à formulação da

norma gramatical verificada nos compêndios gramaticais, dos quais se valem, em geral, os

materiais didáticos muito utilizados em sala de aula; norma esta relacionada ao contexto

social e político ainda vigente no século XXI – domínio da elite brasileira em detrimento das

demais camadas sociais e seus usos linguísticos.

Aliado a esta questão, o prestígio associado a determinado português-padrão sucede,

ainda, de uma herança colonial, como aponta Bortoni-Ricardo (2004), e dispõe de um valor

cultural enraizado na estrutura da nossa sociedade. Nesse sentido as escolas, em geral, acabam

por insistir em uma abordagem baseada no modelo de ensino cunhado no século XIX, o qual,

por sua vez, foi inspirado pelo modelo lusitano. Dessa forma, o contexto do ensino, em certa

medida, pode persistir na difusão de uma imposição linguística inspirada, em sua origem, nos

padrões linguísticos lusitanos, no Português de Portugal, ainda que, atualmente, determinadas

instituições escolares, a depender de seu perfil, possam acatar a presença de usos mais

inovadores da língua. É preciso, porém, questionar e desmistificar essa possível imposição de

modo a compreender suas decorrências na estruturação social. A língua é representativa da

cultura de uma comunidade, demonstrando, então, os valores linguísticos da sociedade e seus

estigmas. Assim,

é preocupante o fato de muitos estudiosos e professores considerarem que

toda linguagem, e consequentemente, a cultura das crianças de classes

populares, tem que ser substituída pela língua da cultura institucionalizada

(CYRANKA, p. 504, Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 2, t. 1).

O objetivo da escola não deveria centrar-se, portanto, em uma mera substituição de

formas estigmatizadas por determinados usos considerados corretos. Essa conduta, além de

estigmatizar a fala do alunado (que, muitas vezes, coincide com a dos próprios professores),

inibe a produção linguística dos alunos, que se sentem distantes da própria língua,

dificultando ainda mais o processo de ensino-aprendizagem do Português. O mais produtivo

Page 73: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

72

seria, então, valorizar as variantes linguísticas surgidas nesse processo, promovendo uma

reflexão sobre estas, o que conduziria a refletir sobre outras variantes, a princípio distantes do

conhecimento dos alunos. Nessa trajetória, tornar-se-ia viável e mais próximo o alargamento

do repertório linguístico do alunado, de modo que pudessem buscar o transitar por formas

linguísticas adequadas a diversos contextos: +/- formais e +/- informais; +/- orais e +/-

escritos/letrados, diferentes formas utilizadas ainda dentro do espectro de variedades cultas do

Português brasileiro.

A esse respeito, Bortoni-Ricardo (2004, p. 51-63) descreve três continua de variação

para o estudo da língua.

(i) O continuum rural-urbano, que situa em um pólo os falares rurais mais isolados da

sociedade e, no outro, os falares urbanos encontrados nas grandes cidades. Os primeiros,

geograficamente isolados, têm menor interação com a influência dos meios de comunicação,

que movimentam e retratam a língua em uso. A ponta com falares mais urbanos, por sua vez,

é influenciada constantemente pelo processo evolutivo de construção do sistema linguístico

nas diversas interações sociais. Nesse caso, tem-se como fator influente a cultura de agentes

padronizadores da língua, como a própria escola. Assim, a autora demonstra o continuum de

urbanização com a seguinte linha imaginária:

............................................................................................................................................. Variedades Área rurbana Variedades urbanas

rurais isoladas padronizadas

O que a autora denomina como área rurbana é representativo de um confronto entre essas

variedades, o qual envolve migrantes de zonas rurais que preservam seus falares, sua cultura

linguística, e indivíduos que habitam núcleos semi-rurais da sociedade, influenciados

parcialmente pela urbanização. Cada um dos indivíduos da sociedade, portanto, situa-se em

algum ponto desse continuum. Essa identificação, por sua vez, não se refere simplesmente ao

seu lugar de origem, mas à cultura linguística com a qual se identifica no exercício do uso da

língua dentro do espaço geográfico-social em que se encontra inserido, considerando, ainda,

seus antecedentes e seus atributos.

(ii) O continuum oralidade-letramento, que dispõe os eventos de comunicação concretizados

socialmente. De um lado, os eventos de oralidade demonstram aspectos da língua falada,

Page 74: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

73

enquanto, de outro, os eventos de letramento se constituem por traços característicos da língua

escrita, porém não necessariamente concretizados em registro efetivamente escrito.

............................................................................................................................................. Eventos de oralidade Eventos de letramento

Seria facilitador imaginar, em observação superficial, que os eventos de oralidade não

sofreriam influência da escrita e vice-versa. No entanto, as fronteiras entre os gêneros e

situações comunicativas se revelam de maneira tênue. Um contexto de comunicação oral pode

ter sido pautado em um texto escrito, como na abordagem de um telejornal ou uma

conferência religiosa, por exemplo, ao passo que um gênero escrito pode presumir influências

da língua falada, como ocorre em mensagens trocadas entre amigos e parentes, chats etc.

Diante disso, um enunciador altamente urbanizado diversifica seus usos linguísticos em

função dos eventos de comunicação em que se vê inserido, embora sobre as variedades mais

rurais haja, ao que tudo indica, o predomínio da cultura da oralidade.

(iii) O continuum de monitoração estilística, que vai das interações mais espontâneas às

interações de maior planejamento prévio. As situações de interação mais espontânea refletem

um uso menos planejado da língua, com menor monitoração linguística. Em outro ponto, há

os contextos de maior monitoração, que exigem maior planejamento e atenção aos usos

linguísticos:

............................................................................................................................................. - monitoração + monitoração

O uso de variantes mais formais em determinada situação demonstra o alto grau de

monitoramento linguístico por ela exigido. Em contrapartida, quanto menor for o grau de

monitoração da língua, mais estratégias informais de uso serão verificadas. O que implica um

uso mais formal da língua são fatores como o ambiente, o interlocutor e o tema abordado no

contexto interativo. Nesse sentido, tanto textos orais como escritos variam de acordo com a

monitoração estilística. As situações de maior monitoramento da língua, por sua vez, para

alcançar determinadas intenções comunicativas (tendo em vista os objetivos dos

interlocutores em interação), demandam um domínio maior de habilidades linguísticas, o que

configura um dos objetivos fundamentais do ensino da língua.

Page 75: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

74

Como se pôde observar, as fronteiras que distribuem essas variedades não são rígidas,

mas sim fluidas. A produção linguística concretizada entre os três continua apresentados,

portanto, se dá de maneira gradativa e ininterrupta; e não de forma estanque, como se

houvesse simplesmente variantes rurais ou urbanas, pertencentes à fala ou à escrita, informais

ou formais. Dessa forma, tais continua de variação podem e devem efetivamente nortear o

ensino de Português nas escolas, tendo em vista que a variação linguística se mostra presente

nas práticas discursivas de modo geral. Assim, é pertinente que o processo de ensino-

aprendizagem do Português brasileiro veicule a abordagem dos fenômenos gramaticais dentro

do espectro de variação em que são empregados no uso da língua.

De modo a contemplar esse propósito, Bortoni-Ricardo (2005, p. 130-133) explicita

seis princípios norteadores da prática da Sociolinguística Educacional. O primeiro princípio

por ela considerado é a tarefa da escola de ampliar o repertório linguístico dos alunos ao

fornecer-lhes recursos comunicativos eficientes em contextos de uso mais monitorado da

língua, os que exigem um grau de planejamento mais elevado. A influência da escola,

portanto, incide sobre estilos sobrepostos ao vernáculo dos falantes, estilos mais formais, com

maior nível de monitoramento.

O segundo princípio propõe que formas linguísticas não avaliadas negativamente

pela sociedade não são avaliadas negativamente na escola, isto é, não são salientes à correção

escolar, mesmo no âmbito de contextos mais monitorados. A própria autora ilustra essa

afirmação pela aceitação na escola da categoria zero e do pronome lexical (em determinados

contextos linguísticos) como estratégias de retomada do objeto direto anafórico de terceira

pessoa: a primeira (anáfora zero) por si só pouco saliente, e a segunda (pronome lexical) com

menor saliência nas construções de dupla função ou em miniorações (cf. explicitado no

Capítulo 1). Esse princípio demonstra, assim, a relevância do “caráter sociossimbólico das

regras variáveis”, nos termos da autora, para o ambiente escolar.

O terceiro princípio consiste em compreender a variação linguística inserida em sua

matriz social. Isso implica perceber que, no que se refere ao Português brasileiro, a variação

se encontra vinculada à estratificação social e às diferenças entre áreas rurais e urbanas.

Entretanto, a autora ressalta que, em nosso país (monolíngue), “o ensino da língua de prestígio

na escola não é necessariamente fonte de conflito, embora possa ser fonte de discriminação

das crianças de variedades populares” (op. cit., p. 132). Nesse sentido, os professores que

Page 76: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

75

compreendem as diferenças sociais da língua estão mais aptos a desenvolver estratégias de

ensino que ambientem o aluno e favoreçam o aprendizado de novas formas linguísticas.

O quarto princípio versa sobre a inserção de eventos de letramento nas salas aula, os

quais integram os usos de estilos mais monitorados da língua, enquanto os eventos de

oralidade envolvem os estilos de menor monitoramento. Busca-se distinguir “a língua que

usamos para falar com pessoas de quem gostamos e em quem confiamos e a língua que

usamos para ler, escrever e falar, quando falamos da maneira como escrevemos” (op. cit., p

132). Assim, a autora tenta afastar do ensino uma dicotomia equivocada entre “português

culto e português ruim”, nos termos da autora, concebendo, em seu lugar, o exercício e as

diferenciações das atividades de oralidade e letramento.

O quinto princípio demonstra que a prática da Sociolinguística Educacional demanda

uma análise dos significados assumidos pela variação, e não uma simples descrição das

formas variantes. Essas formas se verificam em padrões de emprego diferentes e promovem

significados socioculturais que também variam; geram avaliações distintas. O uso de

determinadas formas linguísticas, avaliadas negativamente por alguns, pode significar um

instrumento de inserção ou mesmo autoafirmação de um falante como membro de

determinada comunidade, como aponta a autora. A avaliação que professores fazem sobre

uma mesma variante também pode diferir e, nesse aspecto, os professores que entendem o

valor cultural da variação estão mais suscetíveis ao trabalho com diferentes estilos. O ensino

de estilos mais monitorados, assim, constitui-se pela apropriação dos alunos sobre novos

recursos linguísticos.

O sexto princípio advoga que não basta transmitir ao aluno as descrições que as

pesquisas acadêmicas alcançam sobre o sistema linguístico. É preciso conduzir à reflexão

sobre os fenômenos da língua de maneira conjunta (professores e alunos) em sala de aula,

buscando compreender as circunstâncias que envolvem o uso de formas variantes dentro da

estrutura social que as cerca. Esse processo leva a uma conscientização linguística mais

apurada, o que também contribui para o aprendizado de estratégias diversas, orais e escritas,

disponíveis no sistema da língua.

A partir do intuito de correlacionar teoria e prática, estudos acadêmicos e ensino,

alguns pesquisadores já vêm desenvolvendo materiais que contribuam para o alcance desse

objetivo. O livro Ensino de Português e Sociolinguística, organizado por Martins; Vieira &

Tavares (2014), divulga contribuições que a Sociolinguística brasileira forneceu e pode ainda

Page 77: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

76

fornecer ao ensino de Português. Ao longo da obra, diferentes autores abordam a variação

linguística na escola como um todo, o ensino de fenômenos fonético-fonológicos, destacando

sobretudo a relação fala e escrita, e morfossintáticos mais especificamente, evidenciando o

comportamento variável no âmbito da própria variedade/norma culta, bem como as avaliações

e crenças de alunos e professores sobre o tema da variação e como tal assunto é tratado em

livros didáticos, que também compõem o ambiente educacional. A esse respeito, é válido

mencionar que os livros didáticos, em geral, embora tenham incorporado o tema da variação

linguística, ainda o fazem de maneira muito superficial, como evidencia Lima (2014, p. 115-

131). Os professores, por sua vez, demonstram uma noção bastante confusa de conceitos

importantes à prática do ensino: “limites imprecisos entre “norma”, “modalidade” e

“registro””, que carecem de uma delimitação conceitual até mesmo em orientações

pedagógicas oficiais do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (cf. Martins; Vieira &

Tavares, 2014, p. 11).

Esses “limites imprecisos” e a compreensão pouco sólida sobre eles acabam por

dificultar o processo de ensino-aprendizagem da língua. Em vista disso, a seção seguinte

busca aclarar esses conceitos, valendo-se das contribuições de Faraco (2008), e elucidar os

pontos que orientam o ensino de Português dentro das concepções que norteiam esta pesquisa.

2.3 O ensino de Português - pontos de partida

Esta seção encontra-se dividida em três subseções, na tentativa de explicitar os

pressupostos adotados em relação ao ensino de língua materna e que norteiam este trabalho.

Trata-se de três eixos propostos e sistematizados, no âmbito do Mestrado Profissional em

Letras, por Vieira (2015, no prelo), que compõem o ensino de Português: (i) o eixo da

gramática reflexiva, que apresenta as concepções de gramática e as atividades necessárias

para o estudo em sala de aula (seção 2.3.1); (ii) o eixo de variação e normas, tal como

entendidas e trabalhadas dentro do universo escolar (seção 2.3.2); e (iii) o eixo de gramática

na construção dos sentidos do texto (seção 2.3.3).

Tais eixos fundamentam questões aqui consideradas relevantes para um ensino de

Português produtivo. Algumas referências sobre cada um deles já se apresentam na literatura

e, tomando-as como pontos de partida, apresento a proposta de Vieira nas seções que se

seguem, relacionando suas propostas, sempre que possível, aos propósitos assumidos nos

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77

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), que orientam o ensino de Português nas

escolas.

2.3.1 Por um ensino de gramática reflexivo

Estudar a gramática de uma língua implica estudar seu sistema linguístico, isto é,

compreender as expressões e operações possíveis e disponíveis para uso dos falantes. Nessa

perspectiva, compete à escola buscar uma reflexão sobre os procedimentos do sistema em

questão e sua eficácia nas interações comunicativas. Desenvolver esse saber gramatical na

escola implica promover um trabalho que ative a consciência linguística dos alunos: um

ensino de gramática reflexivo.

Por serem nativos de determinada língua, no caso, o Português do Brasil, esses

falantes já possuem conhecimentos linguísticos naturais, implícitos e intuitivos, os que

constituem a gramática interna do sujeito – a gramática internalizada. Em vista disso,

importa refletir sobre esses conhecimentos intuitivos e, a partir daí, de modo indutivo,

alcançar o nível da explicitação dessa gramática e alcançar, ainda, outras habilidades

linguísticas, inclusive as que não decorrem do processo natural de aquisição, desenvolvendo,

por exemplo, a percepção e a produção, quando necessárias, de estratégias menos frequentes e

muitas vezes mais formais. Isso proporcionará o crescimento da competência comunicativa do

alunado. A concepção de gramática, assim, refere-se ao estudo do sistema linguístico e suas

operações, as quais se efetivam em tarefas de compreensão e produção textual.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) propiciam certa reflexão no que

tange ao uso da linguagem e ao conhecimento gramatical na prática pedagógica. É possível

constatar duas concepções de gramática que, ainda que de modo nem sempre explícito,

norteiam a composição do documento em questão. Considera-se (i) o conceito de gramática

internalizada (implícita) e, atendendo aos objetivos do ensino, (ii) a noção de gramática como

disciplina (explícita). Estes conceitos configuram dois grandes blocos que abrangem as

concepções de gramática. A primeira refere-se ao conhecimento natural e intuitivo do

indivíduo, interno, de caráter implícito. Pode-se notar a compreensão dessa gramática

internalizada pelos PCN ao perceber que constituem requisitos para a atividade do ensino:

Page 79: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

78

a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de

ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o

falante tem de sua linguagem (PCN, 1998, p. 27) (grifo meu).

Na medida em que se explicita esse conhecimento interno, formalizando-o com a

intenção de descrever a língua, toma-se a concepção de gramática como disciplina. Trata-se

da explicitação de um conhecimento gramatical; conhecimento explícito, utilizando os termos

de Costa (2013). Tal explicitação pode ser feita por meio de uma abordagem normativa e/ou

descritiva da língua. É justamente na abordagem utilizada para o estudo da gramática como

disciplina que alguns descompassos conceituais começam a ser averiguados. Embora se

compreenda a relevância de uma abordagem reflexiva do ensino de gramática, ocorre que o

conhecimento gramatical descrito nas gramáticas tradicionais é, muitas vezes, confundido

com a proposta de uma abordagem puramente prescritiva da língua, como se a descrição

concebida nessas gramáticas conferisse um caráter de imposição ao estudo dos conhecimentos

gramaticais, de um modo, então, supostamente preestabelecido. Entretanto, já os PCN (1998,

p. 29) apontam que

deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de análise lingüística, que a

referência não pode ser a gramática tradicional. A preocupação não é

reconstruir com os alunos o quadro descritivo constante dos manuais de

gramática escolar (por exemplo, o estudo ordenado das classes de palavras

com suas múltiplas subdivisões, a construção de paradigmas morfológicos,

como as conjugações verbais estudadas de um fôlego em todas as suas

formas temporais e modais, ou de pontos de gramática, como todas as regras

de concordância, com suas exceções reconhecidas).

O documento aclara que a abordagem descritiva apresentada constantemente nos

manuais de gramática escolar – os quais, em geral, servem como instrumento de orientação no

processo de ensino-aprendizagem da língua – não deve ser tomada como base para um

trabalho de reconstrução, apenas, do sistema linguístico na escola. Nessa perspectiva, os PCN

afirmam que a Gramática Tradicional (GT) não deve ser delimitadora na escolha dos

conteúdos linguísticos a serem abordados em sala de aula. Isto não significa, porém, que não

haja espaço para a GT no ambiente escolar. Por uma leitura talvez não muito criteriosa ou

pouco precisa dessa questão, acaba-se por construir certo tabu com relação à Gramática

Tradicional e a possível eficácia no tratamento de temas diversos relevantes ao ensino.

A questão não se fia na impossibilidade de tomar a tradição como referência. O

trabalho com e a partir da GT é que não pode ser somente prescritivo, no sentido de limitador

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79

ou redutor do termo. É possível trabalhar com a Gramática Tradicional, aliando-a a outros

quadros descritivos, quando necessário,de forma a abranger o sistema da língua e orientar

uma reflexão por parte dos alunos sobre os conteúdos linguísticos em estudo. Isso significa,

de fato, ensinar gramática: trabalhar com o sistema da língua de modo a refletir sobre este e

ampliar o conhecimento dos alunos acerca das possíveis e plausíveis operações linguísticas,

formulando e movendo-se em diversas expressões de sentido (BASSO & OLIVEIRA, 2012;

COSTA, 2013; FOLTRAN, 2013).

Assim, não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas

de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma

descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente

escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano – uma

prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de

exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de

terminologia. Em função disso, discute-se se há ou não necessidade de

ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é o

que, para que e como ensiná-la (PCN, 1998, p. 28).

Nesse caso, a tal gramática descontextualizada e desarticulada das práticas da língua

faz referência a um conceito redutor de gramática como mera nomenclatura gramatical,

utilizando os termos de Foltran (2013). É uma visão tão-somente instrumentalista de

gramática, que não atende de fato à gramática da língua, à gramática que tem

indiscutivelmente seu espaço na escola. À medida que os alunos vão alcançando o caráter

sistemático da língua, tornam-se mais conscientes linguisticamente e, portanto, capazes de

falar sobre a língua, isto é, descrevê-la. Nesse sentido, usa-se a metalinguagem para a

sistematização dos conhecimentos desenvolvidos. Mais do que isso, a metalinguagem também

ocupa importante lugar no processo de ensino-aprendizagem da língua, apenas não de forma

isolada ou com a intenção de findar-se em si mesma, como aponta o trecho acima destacado

dos PCN (1998). Na verdade, “usar esses termos [metalinguísticos] com propriedade ajuda

muito na sistematização desses conhecimentos” (FOLTRAN, 2013, p. 172), o que significa

que o ensino da gramática engloba o uso da nomenclatura gramatical, porém não se limita à

atividade metalinguística como um fim em si mesma.

Nesse sentido, o questionamento da necessidade de ensinar gramática por tomá-la

como mera etiquetação de terminologias, ainda utilizando termos de Foltran (2013), é

inviável, como bem afirmam os próprios PCN ao identificá-lo como uma falsa questão. No

entanto, ainda paira no documento e no ambiente escolar certo “medo” no uso do termo

gramática e, consequentemente, na acepção de ensinar gramática na sala de aula, justamente

Page 81: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

80

em função desse desafino entre o que de fato significa ensinar gramática. Mais uma vez

aclarando a questão, o ensino de gramática é simplesmente imprescindível para o

desenvolvimento das habilidades intelectuais do alunado no plano linguístico, já que está no

conhecimento gramatical o estudo das estruturas da língua e suas operações, visando à

compreensão de diferentes processos de construção das expressões linguísticas. O saber

gramatical implica, em última instância, a capacidade de operar de forma consciente com a

língua em tarefas de produção e compreensão de texto, a qual propicia a ampliação das

habilidades linguísticas dos alunos. É importante, portanto, desconstruir esse possível “medo”

da gramática para utilizá-la de maneira clara e consciente durante o processo de ensino da

língua, incorporando o que ficou denominado como prática de análise linguística.

Nesse intuito, ainda que a Gramática Tradicional careça de atualização em alguns

temas, já que foi constituída em um período cujos aparatos para os estudos linguísticos eram

menos elaborados do que os atuais, a atuação do professor como mediador em sala de aula

traz em si um componente diferenciado, especialmente relevante.

O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de

definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que

parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma

terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do

professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica, muitas

vezes, chegar a resultados diferentes daqueles obtidos pela gramática

tradicional, cuja descrição, em muitos aspectos, não corresponde aos usos

atuais da linguagem, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros

materiais e fontes (PCN, 1998, p. 29).

Cabe ao professor, portanto, desenvolver mecanismos que permitam um ensino eficaz

da gramática da língua, o que, como se pôde notar, é inclusive apontado pelos PCN. É claro

que a diversidade de materiais e fontes utilizados no trabalho em sala de aula é enriquecedora

– e realmente necessária –, mas não por isso deva ser, obrigatoriamente, rechaçada toda e

qualquer descrição segundo o aporte tradicional.

Na tentativa de desenvolver mecanismos para um ensino de gramática mais produtivo,

é válido promover o exercício linguístico a partir da própria linguagem dos alunos, o que se

pode motivar por meio de atividades linguísticas. A atividade linguística consiste,

essencialmente, na prática e reflexão sobre sua própria linguagem, trazendo à baila contextos

de comunicação cotidiana dos alunos. Está na escola o espaço para a criação de condições que

permitam o exercício do “saber linguístico” das crianças, conforme aponta Franchi (2006, p.

Page 82: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

81

95). Trata-se do desenvolvimento comunicativo dos alunos, o que abarca sua participação

ativa e reflexiva acerca dos diversos contextos de uso da língua com que se deparam.

Cabe à escola, além disso, fornecer recursos expressivos diversificados, em atividades

orais e escritas, por meio do (re)conhecimento e produção de diferentes gêneros textuais e

contextos comunicativos outros; daí o desenvolvimento de atividades epilinguísticas. A

atividade epilinguística, por sua vez, refere-se à capacidade de operar sobre a própria

linguagem, conhecendo novas formas de construção que permitam o alcance de novas

significações, tal como esclarece o já citado Franchi (2006). Com isso, é possível que o

alunado amplie gradativamente suas habilidades linguísticas.

Em decorrência natural do trabalho realizado, torna-se viável e necessária a

sistematização dos conhecimentos construídos, para que os alunos, de fato, se apropriem

destes. Isto se dá no desenvolvimento de atividades metalinguísticas, ainda segundo Franchi

(2006), as quais, por fim, permitem a categorização dos conhecimentos linguísticos

trabalhados a partir de um trabalho inteligente de sistematização, nos termos do autor, o que,

finalmente, conduz a uma clara organização acerca do tema estudado, tal como descrito

anteriormente sobre o uso da metalinguagem na prática pedagógica.

Desta forma, é possível compreender que a gramática não é algo pronto, fixo, algo que

se pode “dar” aos alunos, mas implica uma construção (BASSO & OLIVEIRA, 2010). Nesse

sentido, para entender o objeto natural que é a língua (estudo da língua como ciência que é),

cabe aos próprios alunos construir a gramática, o que envolve também o exercício da

metalinguagem. É necessário construí-la e reconstruí-la para, nos termos dos autores,

apoderar-se dela e, então, sabê-la. Não se trata, pois, de uma visão instrumentalista de

gramática; mas sim da noção de gramática como o estudo das estruturas da língua e suas

operações, no entendimento de diferentes processos de construção das expressões linguísticas.

Nesse processo, grande parte dos resultados alcançados pelo trabalho de professores e

alunos em conjunto em sala de aula irá contrastar com as descrições da própria GT, e outra

parte poderá apenas coincidir. Esse desencontro (ou não), na verdade, é algo bastante positivo,

se considerarmos que põe em visualização clara a vivacidade da língua e sua possibilidade

constante de mudança. A partir daí, junto ao trabalho reflexivo com a gramática da língua,

acrescentam-se as diferenças entre os usos linguísticos e as avaliações sociais a estes

relacionadas. Outra demanda é posta em questão: as diferentes variedades e normas da língua.

Page 83: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

82

Esta, por sua vez, compõe o segundo eixo de ensino proposto por Vieira (2015, no prelo),

apresentado na seção a seguir.

2.3.2 Por um ensino que envolva variação e normas

Em concordância com os pressupostos teóricos elucidados até então, já se pode

perceber que a variação linguística não se limita a um conteúdo isolado a ser estudado em sala

de aula; ela está para o estudo da língua como um todo, tal como o estudo dos gêneros

textuais16

. Ambos existem no universo das práticas linguísticas de maneira integral.

Integrados a essa perspectiva, os PCN (1998) já compreendem a noção de variação como

inerente à língua, e entendem, ainda, que as variedades se apresentam atreladas a

determinados valores sociais. Nota-se no documento a real ideia de que uma língua

homogênea é inviável e, no mais, totalmente distante das formas linguísticas efetivamente

utilizadas.

Como consta do papel do professor orientar o aluno para uma produção linguística

cada vez mais apropriada e bem sucedida, os PCN (1998) apontam que

nas sociedades letradas (aquelas que usam intensamente a escrita), há a

tendência de tomarem-se as regras estabelecidas para o sistema de escrita

como padrões de correção de todas as formas lingüísticas. Esse fenômeno,

que tem na gramática tradicional sua maior expressão, muitas vezes faz com

que se confunda falar apropriadamente à situação com falar segundo as

regras de bem dizer e escrever, o que, por sua vez, faz com que se aceite a

idéia despropositada de que ninguém fala corretamente no Brasil e que se

insista em ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais (PCN, 1998,

p. 30).

Nessa circunstância, critica-se, de certo modo, a chamada norma padrão, que carrega

as tais “regras de bem dizer e escrever”. Tomar determinadas regras como padrão de correção

de todas as formas linguísticas significa adotar uma norma idealizada como alvo no ensino.

De fato, há um distanciamento considerável entre a norma padrão reverenciada nos

16

Valho-me, aqui, do conceito de gêneros textuais adotado por Marcuschi (2005), mediante o qual tal expressão

é usada como “uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa

vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades

funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são

inúmeros”. Assim estão, por sua vez, também inerentes às práticas linguísticas como um todo. A exemplo, o

autor destaca gêneros como “reunião de condomínio, notícia jornalística, [...] conversação espontânea,

conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador aulas virtuais e assim por diante” (MARCUSCHI, 2005,

p. 22-23).

Page 84: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

83

compêndios gramaticais e a norma culta, aquela efetivamente utilizada por brasileiros

escolarizados em situações de monitoramento. A fim de aclarar tal questão, Vieira (2009) põe

em discussão que norma padrão é essa objetivada no contexto escolar.

Ao que parece, já constitui ponto pacífico, para pesquisadores e professores,

a legitimidade da variação linguística. Ocorre que os cerca de 40 anos de

boas e produtivas pesquisas sociolinguísticas no país não receberam, ainda, a

divulgação desejável. Verifica-se, por vezes, a nosso ver, uma visão

estereotipada e dicotômica do amplo espectro da variação. A uma concepção

homogeneizante de língua, sobrepôs-se uma outra, que assume a existência

da variação, mas que a localiza num espaço fora da escola, como se fosse

viável pensar, o tempo todo, assim: “a variação é legítima, a variante x é

viável, mas na “norma culta”, a suposta norma da escola, essa variante não

cabe, não é adequada. (VIEIRA, 2009, p.54).

Dessa forma, essa norma idealizada objetivada na escola não corresponde de fato às

normas utilizadas pela elite brasileira, nem mesmo no que se refere à escrita. O conceito de

norma, nesse caso, refere-se ao que é normal dentro de determinado contexto social, seja na

escrita, seja na oralidade. Isto não significa a ausência de regras na norma, mas essas regras,

ainda que sistematizáveis, são também variáveis. É inviável a abordagem e imposição de uma

determinada norma padrão como sendo única e invariável, posto que até mesmo as normas

cultas de uso da língua variam a depender do contexto em que se encontram seus falantes.

Criou-se, então, uma era pedagógica de bipolaridades: a norma culta versus

outras normas; a escrita versus as falas; o formal versus os informais, sendo

supostamente o primeiro pólo dessas dicotomias estável e homogêneo, como

se, na realidade, a legitimidade da variação se verificasse apenas na fala dos

outros, não na do professor, nem na dos “bons textos”. Instaura-se, então,

uma tentativa constante do professor em estabelecer, no contexto escolar, as

estruturas de uma norma culta vista como invariável. Resulta disso a

flagrante contradição entre a proposta teórica e a prática da sala de aula – na

fala do professor, na teoria gramatical, e nos diversos textos apresentados

aos alunos (VIEIRA, 2009, p.54).

Como evidenciado acima, há, na verdade, uma pluralidade de normas também no

domínio culto de uso da língua – desde a oralidade até a escrita. O ensino da língua

formatado, em certa medida, pelos padrões linguísticos lusitanos corrobora a abordagem

realizada no contexto escolar, como se não houvesse variedades cultas brasileiras. Na

verdade, a diversidade linguística do português do Brasil é ampla e, dessa forma, promover

um ensino baseado em uma pedagogia do erro não parece um método produtivo.

Page 85: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

84

Se, antes, a escola estava a serviço de uma minoria elitizada – o que contextualizava,

de certo modo, o ensino normativista/prescritivista – posteriormente, houve a democratização

do ensino, e os alunos que chegam à escola se deparam com uma norma linguística até então

desconhecida, com a qual não têm contato. Tendo em vista o histórico de mudanças na nossa

sociedade, Faraco (2008) aponta para uma preocupação com relação ao ensino do português

no Brasil:

Enquanto a questão do domínio da cultura letrada e, em consequência, da

língua modelar era problema de uma reduzida elite, um modelo normativo

anacrônico não causava maiores dificuldades. Contudo, à medida que

mudanças socioeconômicas (em especial, a industrialização e a urbanização)

trouxeram a necessidade de se ampliar o acesso da população à escola e se

propagou o conceito moderno de cidadania (que inclui o direito de todos aos

bens culturais), um tal modelo passou a ser um problema grave, como no

Brasil de hoje, em que ele não faz sentido para a maioria da população e, por

isso, acaba por embaraçar não só o ensino do português, como o próprio

funcionamento social da norma culta/comum/standard (FARACO, 2008, p.

146).

Diante disso, a polissemia do termo norma tornou-se uma questão relevante para fins

de estudos linguísticos. A esse respeito, Faraco (2008, p. 31-98) aponta quatro possíveis

concepções de norma distintas, que distribuo aqui em dois planos, o da realização (item a) –

em que a norma constitui efetivamente uma variedade linguística praticada por uma

comunidade de fala – e outro da idealização (itens b, c e d) – em que se supõe, em um projeto

homogeneizante de norma, o que deveria ser o conjunto de usos de certa língua:

a) a norma culta/comum/standard, referente às formas linguísticas efetivamente utilizadas por

brasileiros letrados (cultos). Sendo assim, os usos que se encaixam na norma ou variedade

culta se situariam no cruzamento entre o ponto mais urbano, o mais formal e o de maior

letramento dos continua de variedades da língua, propostos por Bortoni-Ricardo (2005).

Retomo, aqui, que o grau de monitoração consiste em um dos continua de variedades da

língua, ou seja, o que é culto varia também entre formalidade e informalidade, a depender do

contexto situacional em que o falante se encontra. Nota-se, logo, que a norma culta também é

plural, tal como apontam Vieira; Freire (2014), que evidenciam a variação presente na norma

culta. Existem, portanto, normas cultas de uso da língua, dentre as quais se englobam formas

de prestígio social, referentes às variantes utilizadas pela elite letrada brasileira. Cabe, ainda,

advertir que muitos dos usos da fala culta brasileira não se distanciam efetivamente da

linguagem urbana comum em geral, conforme demonstram os dados do projeto NURC

Page 86: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

85

(Norma Linguística Urbana Culta) (PRETTI, 1997 apud FARACO, 2008). Ainda assim, os

traços que a distinguem (estereótipos linguísticos) – como, por exemplo, a marcação ou não

de pluralidade em certas formas verbais – são fortes alvos de avaliação social e acabam

influenciando a distinção entre normas;

b) a norma padrão, que se forma a partir de uma construção social e histórica, dada em

função do que se imagina como culto pela sociedade. Isto é, a norma padrão é a idealização de

um conjunto de regras que representariam, supostamente, o “bom uso da língua”. O uso do

clítico como estratégia de representação do objeto direto anafórico, por exemplo, encontra-se

contemplado no escopo da norma padrão – o que não implica que se encontre produtivamente

essa variante em expressões de norma culta. Como a diversidade linguística é ampla e

complexa, as sociedades costumam contar com a chamada norma padrão na tentativa de

uniformizar/padronizar a língua: há uma idealização do que se considera culto na sociedade.

Trata-se de um construto subjetivo que também é plural e vai se modificando historicamente.

A norma padrão do século XIX já não é a mesma do século XXI, e assim por diante. A norma

padrão, portanto, vai sendo estabelecida pela sociedade a partir do que se idealiza como

unificador e desejável em determinado período social;

c) a norma gramatical, constituída no momento em que filólogos e gramáticos se dispõem a

codificar a norma padrão nos manuais gramaticais e dicionários de referência. Esta, como se

pode observar historicamente, foi influenciada originalmente pelos moldes linguísticos

lusitanos, remetendo a um padrão linguístico da elite brasileira do século XIX. Nota-se,

portanto, que a norma gramatical, assim como a norma padrão, vai se modificando

posteriormente à evolução das normas cultas de uso, que avançam naturalmente a sua frente;

d) a norma curta, que remete (ironicamente) a uma norma extremamente restrita, com

destaque a formas linguísticas que já caíram em desuso ou até mesmo arcaicas. Trata-se da

norma purista dos que cultivam uma cultura do erro muito distante dos usos registrados na

norma culta/comum/standard. Esta é uma norma ainda mais radical do que a maior parte das

referências encontradas nos próprios compêndios gramaticais. É idealizada, de certo modo,

por alguns instrumentos sociais ou indivíduos muito conservadores envolvidos na área da

Língua Portuguesa, os que são ainda mais normativos que os manuais de gramática (que

muito apresentam de descrição da língua) e os agentes que naturalmente trabalham

(jornalistas, professores, dentre outros) com base em certo modelo de norma padrão em nossa

sociedade.

Page 87: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

86

Esclarecidas as distinções entre as quatro diferentes normas apontadas por Faraco

(2008), é possível compreender que há dois planos gerais que englobam as concepções de

norma explicitadas: (i) o plano das normas idealizadas e (ii) o plano das normas praticadas.

No primeiro, encontram-se a norma padrão e a norma gramatical, além da norma curta

mencionada pelo autor, as quais situam um conjunto de regras modelo da língua a partir do

que se imagina como culto e prestigioso pela sociedade (padrão) e/ou do que se explicita

como tal nas gramáticas tradicionais (gramatical). No segundo, por sua vez, estão situadas as

normas linguísticas de uso, verificadas em situações reais de comunicação, dentre as quais

estão as normas tidas como não prestigiosas pela sociedade e as normas cultas de uso.

Nessa perspectiva, os PCN (1998) não negam a necessidade de uma orientação normativa

no ambiente escolar, contanto que esta não seja promovida de forma descabida, desatualizada ou

anacrônica. Ao que parece, sugere-se que o modelo de ensino seja coerente com as preferências da

norma culta, de modo que a “norma padrão escolar”, nos termos do documento, assumiria um perfil

de proximidade com as normas cultas de uso:.

Tomar a língua escrita e o que se tem chamado de língua padrão como

objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola se justifica, na

medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que já

sabem. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de

capacidade intelectual e lingüística dos alunos, oferecendo-lhes condições de

desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso significa aprender a

manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações

interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar padrões mais

próximos da escrita.

Contudo, não se pode mais insistir na idéia de que o modelo de correção

estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de língua ou que

corresponda à variedade lingüística de prestígio. Há, isso sim, muito

preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma

associado às variedades não-padrão, consideradas inferiores ou erradas pela

gramática. (PCN, 1998, p. 30-31).

O que os PCN chamam acima de língua padrão se refere às normas cultas de uso, e a

necessidade de usar, em certas circunstâncias, padrões mais próximos da escrita faz

referência ao ponto de maior letramento dos continua de variedades da língua propostos por

Bortoni-Ricardo (2005). Nesse sentido, ressalta-se que a variedade linguística de prestígio,

que corresponde à noção de norma culta já explicitada, é tão plural e variável quanto as

demais variedades, como o documento bem expõe em seguida ao mencionar o valor atribuído

às “variedades padrão” da língua, em seus termos.

Page 88: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

87

Assim, ocorre que os PCN (1998) se referem como padrão também ao que se entende

por norma culta, o que seria um padrão culto de uso. No entanto, é necessário que os

professores possam compreender claramente as questões sobre norma que influem no ensino.

Um posicionamento não tão evidente das suas significações pode provocar nos professores – e

consequentemente nos alunos – uma noção não tão clara sobre o tema. Talvez por isso, entre

outras questões, o conceito de norma no ambiente escolar ainda esteja restrito a um conjunto

de regras linguísticas, no sentido de regulamento, como o que é normativo; e não como o que

é usualmente normal (e variável). Contudo, o próprio documento orienta que,

para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola

precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar,

o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que a fala

correta é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o

português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso

consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. (...)

No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se

almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da

forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do

contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a

variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber

coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que

modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa dado

o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de

erro, mas de adequação17

às circunstâncias de uso, de utilização adequada da

linguagem (PCN, 1998, p. 31).

A concepção de norma privilegiada nos PCN (1998), portanto, corresponde aos

padrões de uso, verificados em situações reais de comunicação, dentre as quais estão as

normas/variedades cultas. Diante disso, vale ressaltar que nem mesmo a variedade linguística

trazida pelo professor é referente à norma padrão idealizada (que é irreal). Logo, é pertinente

que os usos tanto do aluno como do professor, nas diversas situações de interação em sala de

aula, contribuam para uma pedagogia da inserção, como aponta Bortoni-Ricardo (2005). O

professor, ao invés de determinar a correção, desejando que o aluno substitua uma norma por

17

A respeito do conceito de adequabilidade linguística, cabe mencionar que alguns pesquisadores, em

se tratando de contextos que direcionam a uma mudança de usos da modalidade oral para a escrita, já

apontam e defendem a promoção, em tal movimento, de uma mudança de gramática, e não apenas um

movimento de adequação. Esta, por sua vez, envolve de fatores como o maior ou menor nível de

polidez que determinada situação exige, por exemplo. Ao selecionar usos linguísticos de maior grau de

letramento como na escrita mais monitorada, o indivíduo promove uma mudança de gramática, e

apenas os falantes escolarizados ou que carregam em sua bagagem maior contato com a leitura têm

habilidades para fazê-lo, tal como indicam Duarte (2013) e, em publicação mais recente,

Duarte & Serra (2015).

Page 89: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

88

outra, pode promover uma reflexão do estudante (e também dele mesmo) sobre a própria

língua, favorecendo a ampliação das habilidades linguísticas (e não a substituição). Esse

professor, assim, adotaria uma pedagogia sensível à diversidade linguística, nos termos de

Bortoni-Ricardo (2005). Mais do que isso, é necessário adotar uma pedagogia da variação

linguística, postulada por Faraco (2008), que envolve a busca por “alternativas pedagógicas

que permitam pôr a escola na vanguarda, sensibilizando as crianças e os jovens para a

variação e para seus sentidos sociais e culturais” (FARACO, 2008, p. 182).

Como bem apontam os já mencionados PCN (1998, p. 77),

na escola, a tarefa de corrigir, em geral, é do professor. É ele quem assinala

os erros de norma e de estilo, anotando, às margens, comentários nem

sempre compreendidos pelos alunos. Mesmo quando se exige releitura,

muitos alunos não identificam seus erros, ou, quando o fazem, se

concentram em aspectos periféricos, como ortografia e acentuação,

reproduzindo, muitas vezes, a própria prática escolar (grifo meu).

A ideia de assinalar erros de norma, nesse caso, não alude a uma pedagogia do erro,

assinalada na concepção de norma curta, anteriormente apresentada. Apontar erros de norma,

aqui, não significa que determinadas formas são fixamente erradas, mas que, em determinado

contexto situacional, tais estratégias não funcionam ou provocariam uma avaliação negativa.

O papel do professor, de fato, é orientar seus alunos e, com isso, fornecer-lhes subsídios que

lhes permitam compreender e produzir textos de maneira eficaz. Nesse sentido, corrigir erros

de norma implica que o alunado seja conscientizado sobre as diversas formas linguísticas

utilizadas na interação social, formas estas que assumem diferentes interpretações / avaliações

sociais em cada contexto situacional.

2.3.3 Por um ensino de gramática na construção dos sentidos do texto

Muito se tem debatido acerca da funcionalidade do ensino de gramática nas escolas,

conforme se discutiu na seção 2.2.1 desta pesquisa. Ao compreender que o ensino de

gramática faz referência à ampla gama de operações possíveis e eficientes no sistema da

língua em uso, já partimos, aqui, da noção de gramática reflexiva como ponte para a

compreensão e produção de textos diversos. Na tentativa de, literalmente, ler textos,

compreendendo-os e interpretando-os,

Page 90: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

89

deve-se tentar descobrir as várias técnicas de comunicação que o sistema

linguístico coloca a serviço do enunciador de um texto e que vão ser

recuperadas, conscientemente ou não, pelo leitor, dono de sua gramática

textual internalizada. Esse processo de leitura pelo reconhecimento das

etapas de composição do texto é passível de ser transmitido aos alunos, com

sistematicidade, e os resultados são bastante positivos em qualquer grau de

ensino (PAULIKONIS, 2011, p. 244) (grifo meu).

Ao fazer referência ao sistema linguístico, faz-se referência à gramática da língua.

Partindo-se desse princípio, a questão se volta para como articular os conhecimentos

gramaticais e o texto, isto é, de que forma apoderar-se das operações linguísticas para ler e

construir diferentes textos. Nesse intuito, diversas linhas já se ocupam por abranger os

sentidos no plano textual: a linguística textual, a linguística funcionalista, a análise do

discurso, entre outras. Toma-se por base, aqui, apenas algumas referências que permitam

explicar este terceiro eixo de ensino, que versa sobre a relação entre gramática e produção de

sentidos do texto.

Sabe-se que o texto é construído a partir de expressões linguísticas variadas, as quais

são envolvidas também por demandas extralinguísticas e contextuais. Nesse sentido, é de fato

relevante atentar para o contexto e a intenção de produção de textos na tentativa de

compreendê-los. Compreender e interpretar um texto, portanto, exige uma “re-construção de

sentidos”, como afirma Pauliukonis (2011, p. 244), adotando uma abordagem da Análise do

Discurso de orientação francesa (doravante AD), com os pressupostos de Patrick Charaudeau

(1983, 1992). Segundo a autora, trata-se de

uma operação interativa que demanda uma articulação de diferentes fatores;

não é apenas uma decodificação dos elementos instrucionais, mas o

reconhecimento de estratégias realizadas e que configuram significados

virtuais, passíveis de serem recuperados por processos de inferência, análise

de pressupostos e implícitos situacionais de diversas ordens. [...] Isso não

significa que a compreensão seja um processo de integração linear sem o

menor obstáculo, pois como sublinha Teun Van Dijk (1987:187), com

propriedade, “os processos de compreensão têm uma natureza estratégica,

pois, muitas vezes, a compreensão utiliza informações incompletas, requer

dados extraídos de vários níveis discursivos e do contexto de comunicação e

é controlada por crenças e desígnios variáveis de acordo com os indivíduos”

(PAULIUKONIS, 2011, p. 244).

A autora explica que as operações utilizadas na estruturação textual mobilizam

conhecimentos não linguísticos, que vão, por sua vez, permear os diversos gêneros textuais e

Page 91: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

90

suas restrições. Entende-se o texto, portanto, como manifestação de discurso18

, remetendo à

conjuntura da enunciação, e não mais como um produto acabado e delimitado cruamente.

Entretanto, também os conhecimentos linguísticos vão contribuir para a formação dos

diferentes gêneros. É no processo de construção do texto, dada por meio das operações

linguísticas selecionadas, estrategicamente, pelo enunciador/escritor, que o texto se define

como um todo coerente e, assim, significa. A referida autora aclara ainda mais essa questão:

Em vez da prática de se buscar primeiro o significado, o quê, finalidade

maior do ensino escolar ainda hoje, talvez se deva partir para o enfoque e a

análise do modo como o texto foi produzido; ou seja, deslocar-se do

significado original para os efeitos de sentido, a partir do exame das

operações e estratégias linguísticas que o produziram. Desse modo, em vez

de se procurar o que o texto diz, procurar analisar como o texto diz e por que

diz o que diz de um determinado modo. O importante é analisar no texto as

operações e/ou estratégias que são produtoras de sentido e que, aí sim,

podem ser recuperadas como tais pelo leitor. É nesse sentido que gramática e

texto se entrelaçam (PAULIUKONIS, 2011, p. 243).

A importância do suporte contextual não elimina a relevância dos dados linguísticos

sistemáticos, e vice-versa. Ao mesmo tempo em que se deve considerar a contextualização do

texto, devem-se compreender, também, as estratégias linguísticas acionadas para a elaboração

do texto/discurso, o que exige a compreensão gramatical da língua em uso. Dessa forma, os

conhecimentos linguísticos, semântico-pragmáticos e situacionais caminham lado a lado para

viabilizar o todo textual, tanto em sua interpretação como em sua produção.

Assim, interessa ao professor trabalhar com os alunos as várias estratégias sistemáticas

(gramaticais) disponíveis para uso na língua. Trata-se de fornecer os diversos aparatos

linguísticos possíveis e demonstrar que a escolha por determinadas estratégias implica

determinadas significações. O conhecimento gramatical, tanto no nível da frase como no do

texto, configura-se como um artifício de compreensão e de produção de sentidos. Ao tomar

conhecimento das diversificadas estratégias/operações da língua, o aluno poderá identificá-las

na leitura e interpretação de textos e utilizá-las na composição dos seus próprios. Quanto mais

estratégias forem compartilhadas e trabalhadas com o alunado, maior será seu conjunto de

habilidades linguísticas para o exercício como leitor e enunciador no mundo.

18

Para melhor compreender a noção de texto como discurso, conferem-se os pressupostos da Análise do

Discurso de orientação francesa (doravante AD), disponíveis em Linguagem e discurso, de Patrick Charaudeau

(1983, 1992). Trad. e org: Grupo NASD e CIAD-Rio. São Paulo: Contexto, 2008.

Page 92: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

91

Ao agir dessa forma, dando atenção a esses diversos fatores, a escola estará

colocando em prática a noção de ensino produtivo de texto, a que se refere

Luiz Carlos Travaglia em “Uma proposta para o ensino de gramática na

escola” (1996:180), quando afirma que um dos objetivos do ensino de língua

materna é desenvolver a competência comunicativa do aluno, utilizando um

ensino que muito contribuirá para a aquisição de novas habilidades

comunicativas. O ensino descritivo e o normativo, centrados no enunciado,

também têm seu lugar – visto que cada estrutura linguística deve ser

conscientemente dominada pelo aluno, por meio de um encaminhamento

pedagógico crítico e reflexivo (PAULIUKONIS, 2011, p. 245).

Trata-se, portanto, de apropriar-se do ensino de gramática reflexivo para alcançar o

domínio sobre as operações linguístico-discursivas que constituem o texto. Isto significa

ensinar gramática na e para a construção dos sentidos do texto. Nessa perspectiva, Moura

Neves (2013) organiza toda uma obra em prol da demonstração da inter-relação de processos

(gramaticais) que constituem os enunciados. Em seu livro Texto e Gramática, a autora aponta

a predicação e a referenciação como pontos de partida desse processo de constituição:

predicação e referenciação governam, em inter-relação, a construção de

objetos de discurso e sua manutenção no texto. Bem como a natureza

referencial desses constructos, que constituem os termos que formam as

predicações, e, portanto, os argumentos que ficam disponíveis no discurso –

com um determinado estatuto referencial – para o rastreamento coesivo no

fazer do texto (NEVES, 2013, p. 286).

Assim, fica claro que é a partir de instrumentos gramaticais que conseguimos

compreender e construir textos diversos. A atuação da escola, portanto, deve contemplar o

estudo da língua nessa direção, envolvendo os objetivos do ensino de gramática dentro dessas

concepções aqui explicitadas. Como já apontava Franchi (2006), a criatividade possibilitada

nos processos do sistema gramatical viabiliza que as expressões signifiquem.

Em vista das considerações feitas, o presente trabalho busca seus fundamentos nas

pesquisas anteriores mencionadas na revisão bibliográfica ora realizada (Capítulo 1), no

intuito de tratar e compreender as estruturas do objeto direto tal como aludidas nos materiais

de pesquisa investigados e coletadas no corpus das redações escolares. Para a análise das

redações, em especial, parte-se dos pressupostos básicos da Sociolinguística Variacionista a

fim de conceber a noção de regra variável e os condicionamentos linguísticos e

extralinguísticos posteriormente averiguados, além do exame da avaliação conferida pelas

Page 93: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

92

professoras acerca do fenômeno gramatical variável em questão. No mais, busca-se na

subárea da Sociolinguística Educacional e nos autores que debatem o ensino da Língua

Portuguesa os pressupostos gerais para interpretar e discutir os resultados relacionados ao

campo pedagógico.

Page 94: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

93

CAPÍTULO 3

METODOLOGIA E HIPÓTESES DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentam-se os procedimentos metodológicos e as hipóteses

adotadas para a realização desta pesquisa, ambos na seção 3.1. Na seção 3.2, faz-se uma breve

exposição do contexto educacional em que se inserem as escolas que viabilizaram o trabalho

aqui desenvolvido e, em 3.3, explicitam-se mais claramente os aspectos que compõem os

materiais de pesquisa analisados: materiais didáticos (3.3.1); entrevista (3.3.2); redações

escolares (3.3.3). Na descrição das redações escolares, ainda, as subseções 3.3.3.1 e 3.3.3.2

relatam os grupos de fatores controlados para a análise e o tratamento dos dados deste corpus,

respectivamente.

3.1 Procedimentos metodológicos e hipóteses da pesquisa

O primeiro procedimento realizado foi a feitura de uma revisão bibliográfica que

permitisse compreender o objeto de estudo aqui em abordagem: o acusativo anafórico de

terceira pessoa como fenômeno gramatical variável. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se os

fundamentos teóricos de que se vale esta pesquisa: os pressupostos da Sociolinguística

Laboviana e as contribuições da Sociolinguística Educacional (Bortoni-Ricardo, 2004),

aliados, ainda, aos princípios do ensino de Português tais como sistematizados por Vieira

(2015), em paralelo às orientações dos PCN (1998).

Com base na revisão da literatura e nos fundamentos teóricos explicitados

anteriormente, formulou-se uma entrevista19

destinada, por escrito, a professores atuantes no

9º ano do Ensino Fundamental. Tal entrevista teve o intuito de alcançar a perspectiva do

professor com relação tanto à compreensão dos conceitos de norma e variação quanto à

avaliação que ele faz sobre as formas variantes de representação do objeto direto de terceira

pessoa mais especificamente. Em seguida, foram selecionadas duas escolas do Rio de Janeiro

por meio das quais fosse possível estabelecer contato com professores de Língua Portuguesa

do 9º ano, ambas pertencentes à rede pública de ensino.

19

A entrevista formulada encontra-se mais bem descrita na seção 3.3.2, incluída na seção 3.3, na qual

se descrevem os materiais de pesquisa investigados. Além disso, pode-se visualizá-la por inteiro nos

anexos desta dissertação.

Page 95: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

94

A partir do contato estabelecido, verificou-se de antemão que as duas professoras

atuantes nas turmas de 9º ano (uma em cada escola) utilizavam como material didático os

Cadernos Pedagógicos fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de

Janeiro. Esta informação levou ao acréscimo de uma questão à entrevista formulada: saber a

opinião das professoras sobre a apostila da SME e se, por algum motivo, utilizam outro ou

outros materiais didáticos em suas aulas.

Assim, solicitou-se às duas docentes que respondessem à entrevista e que

disponibilizassem redações corrigidas de seus alunos. Ambas as professoras responderam

positivamente e contribuíram com a pesquisa. Ao observar suas respostas nas entrevistas,

constatou-se que as duas utilizavam outros materiais além dos Cadernos da SME em suas

aulas. A professora da escola 1 faz uso do livro didático Vontade de saber Português, de

Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto (2012), como forma de complementar o trabalho feito

com os Cadernos, e a professora da escola 2, por sua vez, informou que complementa seu

trabalho com as atividades do Caderno do Futuro, fornecido pelo Instituto Brasileiro de

Edições Pedagógicas (IBEP).

Essas informações viabilizaram o prosseguimento desta pesquisa, cuja análise se

dividiu em três partes. Na primeira, fez-se uma apreciação crítica, de base qualitativa, do

tratamento dispensado ao tema da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa nos

materiais didáticos utilizados pelas professoras em sala de aula. Na ocasião, analisou-se

especificamente a orientação feita nos Cadernos Pedagógicos da SME, utilizado pelas duas

docentes, no capítulo sobre pronomes do livro didático e no Caderno do Futuro da IBEP,

utilizados pela professora 1 e pela professora 2 respectivamente. O objetivo, com esta análise,

foi verificar quais formas de retomada anafórica são explicitadas nesses materiais para as

possíveis representações do acusativo anafórico de terceira pessoa, percebendo se e como tais

formas são legitimadas ou não. A segunda etapa de análise desta pesquisa consistiu na

apreciação crítica das entrevistas realizadas com as professoras. A terceira etapa, por fim,

incidiu na análise das redações escolares por elas corrigidas.

Com relação aos três momentos de análise mencionados, foram formuladas três

hipóteses de trabalho. No que concerne ao material didático utilizado, supõe-se que a apostila

pedagógica elaborada pela SME apresentaria poucas referências explícitas ao tema como

conteúdo gramatical (variável) em estudo, tendo em vista uma suposta aversão à “gramática”

que, por certa confusão conceitual, muitas vezes paira em alguns ambientes escolares públicos

Page 96: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

95

atuais. A esse respeito, respalda-se na pesquisa diagnóstica que vem sendo desenvolvida por Luiz

Felipe da Silva Durval e Jessica Pegas de Abreu, no âmbito da Iniciação Científica durante o curso da

graduação em Letras da UFRJ, acerca do tratamento dispensado à variação linguística e a temas

gramaticais na referida apostila do Município do Rio de Janeiro, a partir da qual é possível identificar

e compreender com mais detalhes as características mencionadas sobre tal material. O estudo dos

conteúdos gramaticais, em realidade, é de fato importante para as atividades de compreensão

leitora e produção textual explicitamente objetivadas nos PCN (1998).

Já para o livro didático em questão, supõe-se que também não haveria referências

explícitas às variantes existentes no Português do Brasil para este fenômeno; neste caso, a

hipótese se fundamenta no fato de que os livros didáticos em geral costumam objetivar o

alcance de certa norma padrão, sem representatividade das normas cultas e populares em uso.

Ainda que houvesse alguma menção a formas alternantes de representar o elemento acusativo,

acredita-se que o livro buscaria instruir os alunos a empregar o clítico acusativo como sendo a

forma “correta” de representação. Caso haja alguma menção às demais variantes, supõe-se

que seria feita em um adendo, em parte separada do corpo do capítulo, de modo a distanciá-

las da variante considerada padrão. Elas seriam, então, tratadas como “possíveis em uma

linguagem informal/coloquial”.

Para a análise das entrevistas com as professoras, consideraram-se as noções de norma

e variação até então averiguadas no contexto do ensino conforme os estudos realizados

anteriormente (citados no Capítulo 2, Seção 2.3). Com base em tais estudos, é provável que

haja, em sua perspectiva, uma visão dicotômica entre as variantes existentes no Português do

Brasil e o que se poderia legitimar na escola. Em vista disso, supõe-se que as professoras

compreenderiam a existência de formas acusativas alternantes, como o objeto nulo e o

pronome lexical, mas que, ainda assim, optariam pela primazia da forma com o clítico

acusativo no ambiente escolar em detrimento das demais variantes, as quais não teriam espaço

no contexto do ensino. Nesse aspecto, essa visão dicotômica viria a ser seguida de uma noção

polarizada dos registros formal e informal de uso da língua. Nesse sentido, é possível que as

professoras relacionem a variante considerada padrão como representativa de um contexto

formal, enquanto as demais variantes seriam possíveis apenas em um contexto informal

(conforme orientaria o livro didático, segundo a primeira hipótese), sem ponderar a noção de

continuum entre os graus de monitoração em questão.

Page 97: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

96

Com relação à produção escrita dos alunos, por fim, espera-se verificar a ocorrência de

“usos irregulares de clíticos acusativos”, como apontaram Freire (2005) e Xavier (2015). Tais

usos seriam empregados pelos alunos na tentativa de utilizar a forma padrão objetivada no

ensino, o que, em certa medida, resultaria em pelo menos algumas irregularidades, haja vista a

pouca familiaridade que os brasileiros têm com essa variante. Segundo as pesquisas realizadas

até então, o clítico acusativo não constitui parte da gramática interna dos falantes do

Português brasileiro. Assim, embora seja provável uma ocorrência significativa dessa

estratégia, uma vez que os alunos cursam já o 9º ano do Ensino Fundamental, supôs-se que

haveria uma predominância no uso de formas com o SN anafórico e o objeto nulo em função

acusativa na escrita desses estudantes.

Ainda acerca do corpus das redações escolares, no que concerne especificamente à

correção constatada em sua análise, supõe-se que as professoras corrijam, em maior escala, o

emprego do pronome lexical, embora se espere uma baixa frequência de uso dessa variante.

Além disso, é possível que haja um percentual talvez significativo de alguns “usos irregulares

do clítico acusativo de terceira pessoa” (cf. Freire, 2005), tendo em vista a larga distância

entre essa variante e o vernáculo do PB, o que dificultaria, em certa medida, seu aprendizado.

Para a realização da etapa de análise referente ao diagnóstico da produção estudantil e

da correção feita pelas professoras, especialmente, promoveu-se uma investigação

sociolinguística variacionista dos dados encontrados, conforme os pressupostos de Labov

(2008 [1972]). Foram coletadas as redações escolares das turmas de 9º ano do Ensino

Fundamental das duas escolas contatadas, as quais constituíram a amostra que será melhor

descrita ao final deste capítulo, na Seção 3.3.3. A metodologia adotada para sua análise seguiu

os seguintes procedimentos: (i) coleta de dados de acusativo anafórico verificados nas

redações; (ii) codificação dos dados conforme os grupos de fatores controlados (descritos na

seção 3.1.1); (iii) rodadas multivariadas com o Programa Goldvarb X, alcançando uma

descrição de resultados percentuais, pesos relativos e de cruzamentos entre variáveis; e (iv)

análise e interpretação dos resultados, comparando-os aos resultados de estudos anteriores.

Os grupos de fatores controlados na análise das redações e o tratamento dos dados

coletados são detalhados na seção 3.3, que compreende os todos os aspectos da pesquisa que

dizem respeito aos materiais investigados, inclusive à amostra de redações (seção 3.3.3), de

modo que serão abordados, em sequência, nas subseções 3.3.3.1 e 3.3.3.2, ao final deste

capítulo. No que concerne à investigação das correções verificadas no corpus, em especial,

Page 98: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

97

fez-se uma apreciação qualitativa das ocorrências corrigidas e não corrigidas pelas

professoras, em casos relevantes à análise.

Após o exame dos materiais didáticos, das entrevistas com as professoras e da

interpretação dos resultados da análise sociolinguística variacionista feita com os dados das

redações escolares, foi possível traçar um paralelo entre as considerações feitas para cada um

desses três materiais de pesquisa. Assim, alcançou-se o objetivo geral desta pesquisa: verificar

como se concretiza a tríade “material didático – orientação do professor – domínio por parte

dos alunos” no que tange às variantes linguísticas existentes para a representação do objeto

direto anafórico de terceira pessoa e, a partir disso, promover algumas reflexões sobre o

ensino nesse âmbito.

3.2 Descrição dos ambientes escolares da pesquisa

Ao considerar a relevância de conhecer o contexto educacional que permeia o trabalho

aqui desenvolvido, expõem-se, nesta seção, as circunstâncias em que se encontram as escolas

aqui envolvidas, tendo em vista a abrangência de seu alunado, o contexto social e a estrutura

física de cada uma delas. Visando ao não comprometimento das referidas instituições, optou-

se por não divulgar seus nomes, bem como os nomes das respectivas professoras que

concederam a entrevista. Assim, a referência às escolas e às professoras será feita por meio

das expressões escola 1 e escola 2; professora 1 e professora 2.

A escola 1 encontra-se situada na Zona Norte do Rio de Janeiro, no bairro da Vila da

Penha, e atende a alunos da Educação Infantil até o 9º ano do Ensino Fundamental, incluindo

o Ensino Fundamental – Educação Especial. No momento, abrange um total de seiscentos e

setenta e seis estudantes. Destes, cento e setenta cursavam o 9º ano do Ensino Fundamental no

ano de 2015, divididos em quatro turmas. No que tange ao ensino de Português mais

especificamente, a escola conta com o exercício de oito professores, que, em geral, lecionam

cada um em três turmas. Em 2015, no entanto, as quatro turmas de 9º ano apresentaram uma

única professora de Português como responsável, a qual cedeu a entrevista para esta pesquisa.

É uma instituição consideravelmente grande, no sentido de que abarca um número

expressivo de alunos (676), os quais, em sua maioria, vivem em comunidades do bairro e

proximidades. A escola apresenta uma boa infraestrutura, dispondo de sala de vídeo,

laboratório de informática, aparelhos de som e um data show em cada sala de aula, além de

Page 99: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

98

vários outros disponíveis, segundo informou a direção da instituição. Todos, salas e aparelhos,

encontram-se em boas condições de uso. Além disso, a direção afirmou que a escola possui

internet wifi disponível nas salas de aula, caso haja algum evento em que seu uso seja

produtivo.

A escola 2 também se situa na Zona Norte do Rio de Janeiro, no bairro de Irajá, e, por

sua vez, atende a um total de quatrocentos e oitenta alunos do Ensino Fundamental e da

Educação de Jovens e Adultos. Deste total de alunos, somente sessenta e nove cursavam o 9º

ano do Ensino Fundamental em 2015, os quais se encontravam divididos em três turmas. Para

o ensino de Português, a direção informou haver quatro professores atuantes na instituição:

três efetivos e um exercendo dupla regência (oriundo de outra escola). Dessa forma, os

professores costumam atuar em duas séries. No ano de 2015, em especial, a professora de

Português responsável pelas turmas de 9º ano estava em vias de se aposentar e, assim,

lecionou nessas turmas até o 3º bimestre do ano letivo apenas. Com isso, as turmas de 9º ano

ficaram sem professor para as aulas de Língua Portuguesa durante o último bimestre de 2015.

Como se pode notar, é uma instituição consideravelmente pequena, se comparada à

escola 1 e a outras unidades educacionais, já que abarca um número menor de funcionários e

estudantes (480). A maioria de seus alunos também advém de comunidades do entorno da

região – Morro da Serrinha, Morro do Juramento e Malvina –, segundo informou a direção,

embora sua unidade não esteja localizada tão próxima a elas. A escola conta com uma sala de

vídeo e um data show na maioria das salas de aula, mas somente as salas do 2º andar possuem

internet wifi para um possível uso educacional. Há, entretanto, uma sala de leitura bem

organizada e bastante frequentada pelos alunos.

Ambas as escolas se apresentam como contextos educacionais, de modo geral,

semelhantes, considerando a origem/classe social de seus alunos e a região onde se situam as

unidades de ensino (em bairros muito próximos). O que mais as diferencia, em contrapartida,

é a abrangência de seu alunado em números e a infraestrutura de cada uma.

Na seção a seguir, apresentam-se, mais detalhadamente, os materiais utilizados para a

análise do tratamento pedagógico da regra em estudo.

Page 100: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

99

3.3 Descrição dos materiais de pesquisa

Conforme já se esclareceu, esta pesquisa compreende três tópicos de análise: os

materiais didáticos utilizados pelas professoras 1 e 2; uma entrevista com elas realizada; e 260

redações escolares de seus alunos (por elas corrigidas). Tais materiais de pesquisa são

descritos nas subseções a seguir, separadamente.

3.3.1 Os materiais didáticos utilizados

Acerca dos materiais didáticos, foram três as obras analisadas: os Cadernos

Pedagógicos da SME, presentes nas aulas de ambas as professoras; o livro didático Vontade

de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto (2012), utilizado pela

professora 1; e o Caderno do Futuro da IBEP, utilizado pela professora 2. Desse modo,

vejamos a estruturação de cada um deles.

a) Os Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME)

Os Cadernos Pedagógicos da SME são formulados no intuito de auxiliar o docente no

exercício de sua profissão, tendo em vista a extensa carga horária que, em geral, dificulta a

produção contínua de materiais próprios (embora não seja esta uma regra). Esses Cadernos

são fornecidos bimestralmente às escolas municipais e se baseiam, de modo geral, nas

orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) referentes, no caso, ao Ensino

Fundamental. Para esta pesquisa, foram analisados os Cadernos referentes ao 9º ano do

Ensino Fundamental, do primeiro ao quarto bimestre do ano de 2015, a fim de abranger

exatamente o material destinado às turmas e respectivas professoras, que cederam suas

entrevistas.

Ao que parece, toda a orientação desse material é feita a partir de textos, sobre os

quais são elaboradas diversas questões e atividades. Os assuntos abordados nos textos

também desencadeiam temas para as produções textuais dos alunos. A obra, dessa forma, não

segue unidades ou seções predefinidas, havendo um ou outro tópico de destaque ao longo do

trabalho com os textos. Esses tópicos, em geral, são feitos por meio de pequenas seções

denominadas Espaço criação, Espaço pesquisa, Fique ligado!, Arrumando as ideias e

Produção de texto, dispostos aleatoriamente a depender da necessidade de determinada

abordagem.

Page 101: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

100

No primeiro capítulo de análise desta pesquisa (Capítulo 4), será possível observar

com mais nitidez a disposição desse material, especialmente no que diz respeito ao conteúdo

linguístico aqui em enfoque.

b) O livro didático Vontade de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane Brugmerotto

(2012)

O livro didático em questão, utilizado pela professora 1, é parte de uma coleção

fornecida pela FTD Educação para o Ensino Fundamental II (que vai do 6º ao 9º ano), cujos

livros foram aprovados pelo PNLD (2014). A coleção está organizada em quatro volumes,

cada um com seis unidades. Para esta pesquisa, foi investigado somente o volume dedicado ao

9º ano, mais especificamente as unidades que abordam o ensino de pronomes e fazem

referência às estratégias de retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa.

Assim, bem como para os Cadernos da SME, as seções deste livro que envolvem o

referido fenômeno serão mais bem exploradas no primeiro capítulo de análise desta

dissertação. Além disso, suas páginas que aludem a tal conteúdo encontram-se disponíveis na

seção de anexos.

c) O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP)

O Caderno do Futuro, utilizado pela professora 2, compõe uma coleção mais

abrangente, que abarca o Ensino Fundamental I e II, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de

Edições Pedagógicas (IBEP). Para esta pesquisa, foi analisada a edição reformulada destinada

ao 9º ano do Ensino Fundamental, a qual busca sistematizar os conteúdos estudados desde o

6º até o final do 9º ano. Para tanto, a obra apresenta uma extensa gama de atividades,

formuladas de modo a promover uma revisão dos conteúdos trabalhados durante tais períodos.

As atividades deste Caderno estão dispostas em quinze unidades que pontuam

determinados temas linguísticos, a saber: Revisão das classes gramaticais e funções sintáticas

das palavras – I; Revisão das classes gramaticais e funções sintáticas das palavras – II;

Discurso direto / discurso indireto e orações intercaladas; Frase, oração, termos da oração,

núcleo dos termos e período; Orações coordenadas; Orações subordinadas adverbiais;

Orações subordinadas adjetivas; Orações subordinadas substantivas – I; Orações

subordinadas substantivas – II; Orações subordinadas reduzidas de particípio, gerúndio e

Page 102: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

101

infinitivo; Denotação e conotação; Qualidades da boa linguagem20

; Colocação pronominal;

Tempos verbais; Vozes do verbo. Todas as unidades são constituídas de exercícios, havendo

apenas alguns lembretes teóricos ao longo da obra. Em algumas, porém, expõe-se uma

concisa e sistemática explicação sobre o assunto a ser abordado, anteriormente às atividades

sugeridas. Em quase todas as unidades, há o agrupamento de determinados exercícios em uma

seção designada Ortografia – vamos escrever certo?; e, ao final de algumas, há a seção

Prática de produção de texto, na qual se solicita a feitura de diferentes redações.

No que concerne ao fenômeno linguístico aqui em questão, foram encontradas

referências nas unidades 2 e 13 desse Caderno, as quais são também devidamente exploradas

no primeiro capítulo de análise. No mais, as páginas referentes ao tema desta pesquisa

também se encontram disponíveis na seção de anexos desta dissertação, para melhor

visualização do material.

3.3.2 A entrevista

Com base nos estudos anteriores que integram a questão dos conceitos de gramática e

variação ao ensino de Português (cf. Capítulo 2) e considerando os objetivos propostos nesta

pesquisa, buscou-se, com a entrevista formulada, alcançar três respostas no que concerne à

perspectiva das docentes sobre o tema, quais sejam:

(i) qual o conceito de gramática compreendido pelas professoras?;

(ii) qual é a concepção de variação e normas da língua de que dispõem as professoras?; e

(iii) que compreensão as professoras apresentam acerca das variantes disponíveis no sistema

linguístico para a representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa?

Tais questões se tomam no intuito de compreender a concepção de ensino de

Português que orienta a conduta das professoras em sala de aula. Assim, é possível traçar um

paralelo entre suas perspectivas e os resultados de produção textual de seus alunos, como

reflexo da aprendizagem obtida. Para tanto, a entrevista foi destinada por escrito às referidas

professoras, a fim de compreender sua visão sobre variação e normas na Língua Portuguesa

20

Esta unidade contém questões que exigem a reescritura de frases ambíguas, substituição de

expressões prolixas por concisas , definição de palavras parônimas, exercícios que envolvem

concordância verbal, entre outros.

Page 103: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

102

de modo geral e sobre a variação nas formas de representação do objeto direto anafórico de

terceira pessoa mais especificamente.

A essa finalidade, soma-se a intenção de alcançar a percepção das professoras sobre o

conceito de gramática e sua opinião acerca da abordagem gramatical feita nos Cadernos

Pedagógicos da SME, por ambas utilizados, o que se fez por meio das perguntas iniciais da

entrevista:

1. Você utiliza algum livro didático para suas aulas de Língua Portuguesa? Qual? Em

que medida o utiliza: em paralelo a outros materiais de apoio ou usa o livro de forma

exclusiva, seguindo estritamente suas orientações? Por quê?

2. Sobre a apostila de apoio pedagógico elaborada pela Secretaria Municipal de

Educação – RJ,

a) você a utiliza em sala de aula? Qual a sua opinião sobre esse material? Você acha que

atende às necessidades do aluno de Língua Portuguesa? Por quê?

b) O que você acha da abordagem gramatical feita na referida apostila? Está de acordo com

ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais específica do componente

gramatical?21

Com isso, buscou-se compreender se as professoras acrescentam e desenvolvem

informações em sala de aula para além do que fornece o material utilizado e, ainda, qual a

opinião delas sobre o tratamento dispensado aos fenômenos variáveis nos Cadernos da SME:

c) O que você acha da abordagem de fenômenos variáveis feita na referida apostila? Está de

acordo com ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais normativa desses

fenômenos?

As últimas perguntas foram formuladas na tentativa de tomar conhecimento de quais

formas são por elas legitimadas no ambiente escolar e de que maneira o são, abarcando sua

percepção sobre os conceitos de norma e a avaliação que fazem sobre os usos linguísticos

observados para o fenômeno gramatical variável em questão:

21

Embora a colocação de alternativas nos enunciados 2b e 2c pudesse direcionar, de certo modo, a

resposta dos professores entrevistados, o intuito de tais formulações foi, na verdade, evitar possíveis

respostas vagas ou pendentes, pouco elaboradas por parte dos docentes.

Page 104: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

103

4. Numa construção como “O bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao médico.”,

escrita por seus alunos, você corrigiria algo? O quê? Por quê?

5. No livro didático de William Cereja e Thereza Magalhães (2012), há como

exercício proposto, em dado momento, a seguinte questão (aqui, reduzida):

Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em desacordo com a norma padrão.

Reescreva as frases empregando tais pronomes de acordo com essa variedade.

a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.

e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?

Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as respostas fornecidas como

corretas no livro do professor ou também aceita outras possíveis respostas dadas pelos

alunos? Se aceita, quais respostas você validaria? Por quê?

6. Como você vê essa norma-padrão empregada no livro no que diz respeito ao ensino

da língua portuguesa, em especial com os alunos do 9º ano?

7. Marque abaixo qual ou quais formas seus alunos utilizam com mais frequência:

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora o guardou para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou ele para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou-o para mim.

Como você avalia as formas mais utilizadas pelos seus alunos? Por quê?

Além disso, foi formulada uma narrativa fictícia de um suposto aluno do 9º ano do

Ensino Fundamental, com diversos usos irregulares de ortografia e gramática. Tal narrativa

foi adicionada à entrevista no intuito de que as professoras expusessem a correção que fariam

no texto. Assim, seria possível perceber quais variantes elas notariam e, se fosse o caso, como

as corrigiriam:

3. Considerando a narrativa abaixo como feita por um de seus alunos do 9º ano do

Ensino Fundamental, o que você corrigiria no texto? Poderia apontar no texto tais correções?

Page 105: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

104

Cinderela era uma menina doce e gentil. Vivia com seus pais em uma fazenda muito

bonita, rodeada de natureza. Ela amava os seus pais mais do que tudo nessa vida. Um

dia, sua mãe ficou doente e não aguentou. Foi um momento muito triste para Cinderela

e seu pai. Depois de um tempo, ele se casou com uma moça malvada mas que fingia

ser boa para ele. A Cinderela teve que aceitar ela e se acostumar com os caprichos dela.

A moça malvada ainda tinha duas filhas, e elas não era nada legais com a Cinderela.

Quando o seu pai morreu, ela ficou sendo a empregada da casa e não tinha direito de

nada, e também tinha que dar seu quarto para as irmãs novas e dormir no porão. Ela era

a única que tinha que fazer todos os afazeres da casa, arrumar os quartos e limpar

também, lavar a louça, fazer a comida etc etc etc. Ela fazia tudo. Até que chegou o dia

do baile do príncipe do reino e sua madrasta não deixou ela ir. Eles já tinham se

conhecido antes e estavam apaixonado um pelo outro. A fada madrinha da Cinderela

apareceu e fez um vestido lindo e maravilhozo para ela ir no baile com uma carruagem

de abóbora que ela transformou os animais. Mas ela tinha voltar antes da meia noite.

Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu sapato de cristal

cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque só cabia no pé

dela.

Sobre as correções apontadas acima, você teria alguma observação a fazer? Se sim, qual?

Dessa forma, a entrevista foi composta por sete perguntas discursivas, de modo que as

docentes pudessem dissertar mais livremente sobre as indagações feitas. No primeiro capítulo

de análise desta pesquisa, todas as respostas conferidas são destacadas, em prol de uma

apreciação crítica mais clara. Para melhor visualização, ainda, a entrevista propriamente dita

está disponível na seção de anexos desta dissertação.

3.3.3 As redações escolares

As redações escolares coletadas para esta pesquisa advêm da própria avaliação de

produção textual das escolas municipais do Rio de Janeiro, que ocorre bimestralmente, a

partir da qual são obtidas e lançadas as notas de produção textual do alunado. Todas as

redações coletadas foram do tipo textual narrativo, tendo em vista que a ocorrência de dados

de acusativo anafórico é mais provável em narrações (cf. os resultados de Machado (2006)

citados no Capítulo 1). Tanto as redações provenientes da escola 1 quanto as da escola 2 são

compostas por textos em que os alunos deveriam narrar um pequeno conto no qual o

protagonista fosse o personagem de algum livro por eles lido durante o bimestre. No caso,

foram coletadas as redações do primeiro bimestre do ano letivo de 2015 de todas as turmas de

9º ano de cada escola contatada.

Page 106: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

105

Como observado na seção 3.2, a escola 2 tem por característica um número de alunos

bem menor do que a escola 1, dispondo de apenas de três turmas de 9º ano, que contabilizam

o total de sessenta e nove alunos desse nível escolar. A escola 1, por sua vez, abarca quatro

turmas com um total de cento e setenta alunos do 9º ano. Em vista disso, foi necessário

completar a amostra da escola 2 com as redações do terceiro bimestre de 2015, na tentativa de

equilibrar o corpus de análise desta pesquisa. Essa complementação, no entanto, não

comprometeu a investigação aqui feita, já que as avaliações de produção textual dos dois

bimestres (1º e 3º) seguiam os mesmos parâmetros, com apenas uma diferença: o comando da

avaliação do terceiro bimestre solicitava que os alunos produzissem um conto a partir de

algum acontecimento de um livro por eles lido, e não a partir de um personagem, como no

comando do primeiro bimestre.

Dessa forma, foram coletadas 260 redações dos alunos de 9º ano das escolas 1 e 2,

todas já corrigidas pelas respectivas professoras: 130 da escola 1, oriundas das quatro turmas

de 9º ano nela existentes, e 130 da escola 2, oriundas das três turmas de 9º ano nela existentes.

Nessa ocasião, fez-se o levantamento dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa

encontrados nos textos e iniciou-se o tratamento sociolinguístico variacionista descrito na

seção 3.3.3.1 a seguir. Dentre as 260 redações coletadas, foram encontrados 657 dados de

objeto direto anafórico de terceira pessoa, os quais compuseram o corpus desta pesquisa.

3.3.3.1 Grupos de fatores controlados

Para a análise sociolinguística variacionista das redações, estabeleceu-se a

possibilidade de cinco variantes para a representação do objeto direto anafórico de terceira

pessoa:

(i) o pronome clítico:

Harry é apaixonado por Hermioneᵢ desde que aᵢ conheceu (Redação 032, escola 1,

sexo masculino).

(ii) o pronome lexical:

A meninaᵢ nunca teve o que quiz, mais teve fé e sonhava em poder ajudar os outros.

Dos três anos sua avó retirou elaᵢ do orfanato (Redação 036, escola 1, sexo feminino).

Page 107: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

106

(iii) o objeto nulo:

Uma vez a mulher deixou o celularᵢ de bobeira e o homem pegou ᵢ para mexer

(Redação 146, escola 2, sexo masculino).

(iv) o SN anafórico:

Quando entrou, viu a bruxaᵢ preparando a panela para por a menina. Ele prendeu a

bruxaᵢ e salvou Isabela, que lhe agradeceu muito (Redação 142, escola 2, sexo

masculino).

(v) o pronome demonstrativo22

:

Mia dizia [que não e que isso era muito importante pra ela e que não queria que

ninguém o tocasse]ᵢ. Ela dizia issoᵢ até mesmo para sua melhor amiga (Redação,

escola).

A variante SN anafórico, no entanto, foi controlada, ainda, de forma mais detalhada,

consoante três formas distintas, quais sejam:

(i) o SN idêntico, que abarca o uso de expressão nominal exatamente igual ao SN antecedente:

Lucas entrou na água para salvar as meninasᵢ seus colegas vieram e ajudaram ele a

salvar as meninasᵢ (Redação 012, escola 1, sexo masculino);

(ii) o SN semelhante, que envolve expressões nominais com apenas o núcleo idêntico ao do

antecedente, podendo variar quanto a determinantes e/ou adjuntos, por exemplo:

Ele morava sozinho e tinha vários amigosᵢ. Quando eles precisavam de ajuda, Ivo

sempre dava um jeito de ajudar os seus amigosᵢ (Redação 100, escola 1, sexo

feminino);

(iii) o SN sinônimo, que abarca expressões nominais totalmente diferentes do antecedente,

inclusive com núcleos distintos:

O pai da meninaᵢ, no passado, teve um caso com a fada Malévola, que não estava

contente em ver seu amadoᵢ com outra (Redação 197, escola 2,sexo feminino).

22

Embora a variante pronome demonstrativo não ocorra em variação com todas as demais formas de

retomada, já que a referência anafórica a um objeto proposicional não seria possível por meio de um

SN anafórico ou pronome lexical, por exemplo, tal variante foi aqui contabilizada apenas para

abranger os dados de proposições encontrados no corpus, que foram devidamente separados na análise

dos efeitos variáveis.

Page 108: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

107

Essa medida foi adotada com base nos resultados de Machado (2006), que mostraram

o baixíssimo índice de uso de SN sinônimos pelos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental à

3ª série do Ensino Médio, quando houve um aumento muito pouco significativo no uso dessa

estratégia (de 1% para 9% dos casos constatados). Na ocasião, a autora diferenciou apenas as

formas SN sinônimo e Mesmo SN, a qual englobava os nossos SN idênticos e semelhantes.

Posteriormente, foram estabelecidos treze grupos de fatores que poderiam condicionar

a ocorrência de uma ou outra variante. Dentre estes, foram controladas dez variáveis

independentes linguísticas, especificadas a seguir.

a) Natureza do antecedente

Natureza do antecedente

Sintagma nominal A campainha tocou: “BLIM! BLOM!” a moça rapidamente foi

atender . (Redação 164, escola 2, sexo masculino)

Oração Todo dia a professora chega na sala de aula na intensão de tratar

todos os alunos da mesma forma, mas com o Vitor ela não

conseguia . (Redação 162, escola 2, sexo feminino)

Não é comum que os falantes brasileiros retomem um antecedente oracional com o

clítico acusativo, seja na fala, seja na escrita. Nesses contextos, em geral, utiliza-se o objeto

nulo no PB, conforme aponta Freire (2005). Assim, espera-se que os dados de clítico

encontrados no corpus venham a retomar apenas os antecedentes sintagmas nominais, os

quais, a depender de outros contextos linguísticos, podem vir a ser retomados também pelas

demais variantes.

b) A animacidade do antecedente

Animacidade do antecedente

Animado

Istephany fala que está muito feliz com seu namorado mas David

continua a pertuba ela. (Redação 161, escola 2, sexo feminino)

Page 109: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

108

Inanimado Ela levantou para abrir a porta e quando ela abriu o homem

misterioso era seu vizinho que foi entregar a conta de luz. (Redação

011, escola 1, sexo masculino)

Proposicional Ela chora falando que é o primo dela, que pode provar , mas ele não

acredita e vai embora... (Redação 146, escola 2, sexo masculino)

Esta variável se mostra altamente relevante para os estudos que envolvem o tema do

acusativo anafórico. Segundo as pesquisas anteriores de Omena (1979), Duarte (1986),

Marafoni (2004), Freire (2005), entre outros, o traço [+ animado] do antecedente é o maior

favorecedor do uso do ele acusativo e, por outro lado, oferece resistência ao emprego do

objeto nulo. Ao considerar que o pronome lexical é a variante mais estigmatizada

socialmente, supôs-se que as poucas ocorrências dessa estratégia seriam verificadas em

contextos de antecedentes animados, tal como o exemplo fornecido acima.

c) A especificidade do antecedente

Especificidade do antecedente

Específico Quando a menina se aproximou, a bruxa a puxou pelo braço e foi com

ela para sua casa (a casa 23). (Redação 142, escola 2, sexo masculino)

Não

específico

Depois de tanta depressão, ele virou usuário de drogas. Ele vendia

tudo que tinha para comprar as suas drogas e não possuia mais nada.

(Redação 042, escola 1, sexo feminino)

Proposicional Só que o que ela não sabia, que ele amava ela e não conseguia dizer

para Hazel. (Redação 105, escola 1, sexo feminino)

Embora os estudos citados para a variável anterior evidenciem o traço [- animado] do

antecedente como fator de resistência ao objeto nulo, Averbug (2000) e Marafoni (2004)

verificaram a ocorrência dessa variante até mesmo em contextos de antecedentes inanimados,

o que demonstra a ampliação progressiva dos contextos que licenciam o uso da categoria zero

para o objeto direto no PB. Nesse sentido, Averbug (2008) apontou que, quando o traço

semântico [- animado] do antecedente é associado ao traço [- específico], o objeto nulo é a

Page 110: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

109

variante mais frequente no PB, além dos contextos de antecedente proposicional. A autora

mostrou que a resistência que persiste ao objeto nulo no PB não se relaciona propriamente à

animacidade, mas sim à especificidade do antecedente: “o objeto nulo [- específico] pode

aparecer com antecedente animado ou inanimado” (AVERBUG, 2008, p. 198-199). Assim,

espera-se encontrar, no corpus em estudo, a maior frequência de objetos nulos com

antecedentes não específicos e, em contrapartida, os contextos de antecedente específico

devem condicionar o emprego das demais variantes.

d) A função sintática do antecedente

Função sintática do antecedente

Igual Ele pediu desculpas, mas ela não aceitou . (Redação 026, escola 1, sexo

feminino)

Diferente Cam era um garoto de 17 anos, com cabelos escuros e olhos verdes.

Assim que Luce o viu se apaixonou estanteneamente. (Redação 056,

escola 1, sexo feminino)

A presença de um antecedente que exerce a mesma função sintática do acusativo

anafórico (ou seja, a função de objeto direto) favorece o uso do objeto nulo, conforme

apontam as pesquisas de Omena (1979), Marafoni (2004), entre outras. Em vista disso, a

suposição que aqui se faz é que as demais variantes, inclusive o clítico, venham a retomar

mais facilmente um antecedente cuja função sintática é diferente. Busca-se saber, ainda, se

este contexto de função sintática diferente pode alcançar um favorecimento, em alguma

medida, ao uso do clítico, já que os alunos que produziram os enunciados aqui investigados se

encontram no 9º ano e, portanto, devem, segundo a influência normalmente exercida pela

escola, objetivar o uso dessa variante, evitando o emprego de pronomes lexicais.

e) A forma verbal do predicador do acusativo anafórico

Forma verbal

Simples flexionada E quanto ao cãozinho, ela levou ele para casa, cuidou dos

Page 111: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

110

seus ferimentos e o adotou. (Redação 021, escola 1, sexo

feminino)

Simples não flexionada

no infinitivo

Thomas não conhecia sua avó por parte de pai e tinha muita

vontade de conhecê-la. (Redação 051, escola 1, sexo

masculino)

Simples não flexionada

no gerúndio23

Harry a beija por um longo período, tirando seu fôlego e

logo em seguida a pedindo em namoro. (Redação 032,

escola 1, sexo masculino)

Complexa Caroline estava com anemia. Sua tia foi ajudando ela a se

recuperar a tempo, antes que seja tarde a Caroline não

consiga ganhar a disputa com as 22 meninas. (Redação 010,

escola 1, sexo feminino)

Conforme observado no Capítulo 1, os estudos anteriores vêm demonstrando que a

escola recupera o uso do clítico acusativo em contextos determinados. Freire (2005) mostrou

que essa variante consegue superar o uso das demais apenas em construções com tempo

verbal simples e, principalmente, quando não flexionado, no infinitivo, como em “conhecê-

la”. Ao considerar a modalidade oral do PB, Duarte (1986) apontou que, além das formas com

infinitivo, os contextos de verbos simples do indicativo, sobretudo no presente e no pretérito,

são os únicos em que essa variante ainda ocorre (como em “o adotou”, no pretérito). Em vista

disso, esta variável foi controlada no intuito de averiguar com quais formas verbais o uso do

clítico seria mais frequente, tendo como hipótese, portanto, que ocorreriam com mais

frequência nos contextos de verbos flexionados e/ou no infinitivo, quando não flexionados.

f) A estrutura sintática da frase do acusativo anafórico

Estrutura sintática da frase

S V OD Com 4 meses de namoro David fala que ainda gosta dela e que

nunca a traiu e pede para voltar. (Redação 161, escola 2, sexo

feminino)

23

Buscou-se controlar, também, formas verbais simples não flexionadas no particípio, porém não

houve dados de acusativo anafórico com verbos no particípio no corpus analisado.

Page 112: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

111

S V OD OI Nessa mesma época, eu levei a pedra para casa e mostrei à minha

mãe. (Redação 158, escola 2, sexo masculino)

S V OD +

Complemento

oblíquo

A tia ficou com o dinheiro todo até ela completar 21 anos. Sua tia

mandou ela para o internato, sopra fica com o dinheiro dela.

(Redação 001, escola 1, sexo feminino)

S V OD +

Predicativo

Thomas morava no Rio de Janeiro com seus pais. Seus amigos

chamavam ele de nerd, porque ele não conseguia viver um

segundo sem internet. (Redação 051, escola 1, sexo masculino)

S V OD + Verbo

no infinitivo

Caroline fazia coisas absurdas, botava o dedo na garganta para

poder vomitar, tomava remédios que fazia ela passa mal e

desmaiar. (Redação 010, escola 1, sexo feminino)

S V OD + Verbo

no gerúndio

Então o fazendeiro voltou, mais tarde e tentou sesquetra a

porquinha e o zezinho so viu a porquinha gritano e levatou

desperado. (Redação 003, escola 1, sexo masculino)

Os estudos anteriores de Omena (1979), Duarte (1986), Marafoni (2004), Freire

(2005), entre outros, demonstraram que os contextos em que o termo anafórico exerce “dupla

função” – como nas estruturas S V OD + preditacativo e S V OD + verbo no infinitivo ou

gerúndio, em que o objeto é, também, sujeito da oração seguinte – são os fortes favorecedores

ao emprego do ele acusativo, tanto na fala quanto na escrita (em menor nível de escolaridade)

do PB. Além disso, Duarte (1986) aponta que as estruturas S V OD são as únicas em que

ainda se verificam clíticos na fala brasileira. Assim, espera-se encontrar, no corpus em

análise, a maior ocorrência de clíticos regulares em estruturas SVOD e de pronomes lexicais

em estruturas de “dupla função” com predicativo (S V OD + Predicativo), verbo no infinitivo

(S V OD + verbo no infinitivo) e/ou verbo no gerúndio (S V OD + verbo no gerúndio).

Ademais, ao considerar um corpus de redações corrigidas, supôs-se que, caso

houvesse usos de pronome lexical não corrigidos pelas professoras, estes provavelmente

apareceriam em estruturas como estas, de “dupla função”, uma vez que são as menos

“perceptíveis” aos brasileiros, não carregando o estigma de construções S V OD com ele

acusativo, por exemplo, muito pouco usuais, principalmente na escrita.

Page 113: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

112

g) O tipo da oração do acusativo anafórico

Tipo de oração

Absoluta Todos os dias a mãe do Luiz levava ele para o treino de

futebol. (Redação 044, escola 1, sexo masculino)

Coordenada assindética Ele deu assistência para vários amigos. O professor

chamou ele e disse para Pedro: amanhã voce traz os

documentos que voce passou, jogou muito bem.

(Redação 138, escola 1, sexo masculino)

Coordenada sindética O professor chamou ele e disse para Pedro: amanhã voce

traz os documentos que voce passou, jogou muito bem.

Ele chegou na casa e disse para a mãe e foram fazer

logo os documentos. (Redação 138, escola 1, sexo

masculino)

Principal Renata vendo o corte da perna do Ivo, ela o leva ao

hospital. (Redação 100, escola 1, sexo feminino)

Completiva de verbo com

função de sujeito24

Lúcifer estava de volta à sua jaula. O que o surpreendeu

é que os irmãos voltaram para caça-lo. (Redação 161,

escola 2, sexo feminino)

Completiva de verbo com

função de objeto

Ela pediu perdão para Micaela e prometeu compreende-

la melhor, se ela voltasse para casa. (Redação 112,

escola 1, sexo feminino)

Completiva de verbo

oblíqua

O pai terminou de fazer as compras e sem esperança

ajudaram o pai a guarda as compras. (Redação 043,

escola 1, sexo masculino)

Completiva de nome Numa cidade bem distante havia um menino que quando

ficava triste gostava de brincar com seus carrinhos que

têm um superdispositivo e eram capazes de leva-lo para

outro lugares. (Redação 175, escola 2, sexo masculino)

24

A respeito das orações consideradas completivas de verbo com função de sujeito, as quais, pela GT,

se enquadrariam como uma oração adjetiva (“que o surpreendeu”) cujo pronome relativo “que”

retomaria o elemento “o” (no caso, referente a “aquilo”), esclarece-se que os fundamentos para análise

de tais orações com base na gramática de Mira Mateus (2003), na qual se pode compreender tal

estrutura como indicativa de orações subjetivas (“o que o surpreendeu”).

Page 114: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

113

Relativa Liz sem saber o que fazer, sai pelas ruas sem rumo,

quando se da conta é atingida por um carro que a joga

há metros de distância. (Redação 096, escola 1, sexo

masculino)

Adjunta Ele chutou a bola e fez o gol, caindo nos braços da

torcida, fazendo a torcida feliz. (Redação 073, escola 1,

sexo masculino)

Acredita-se que esta variável poderia ilustrar o “caráter pronominal do objeto nulo no

PB” (cf. Freire, 2005), tendo em vista as considerações de Cyrino (1993, 1997) e Freire

(2005), que apontam a ausência de restrições ao uso dessa categoria zero em quaisquer tipos

de oração na fala e escrita brasileira.

Além disso, é possível que a ordem mais comum de uso da variante clítico acusativo

demonstre alguma representatividade com relação à sua produtividade no corpus investigado.

Como apontou Machado (2006), o uso da ênclise é mais difícil quando se trata de orações

mais dependentes, como as completivas, relativas e adjuntas, nas quais os conectores

normalmente favorecem o uso da próclise, à exceção dos casos de orações reduzidas com em

“prometeu compreendê-la melhor”, nos quais a ênclise é mais frequente. Nos contextos de

orações mais independentes, como as absolutas, coordenadas assindéticas e principais, por sua

vez, seria possível verificar tanto a próclise quanto a ênclise.

h) A distância entre o antecedente e o termo anafórico

Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico

Perto E em seu primeiro dia de namoro Istephanyᵢ traiu David com Renan. O pai

de David aᵢ viu com Renan e contou pra seu filho que não acreditou.

Longe Acontece que passava pela rua um policial que ouviu os gritos da meninaᵢ.

Ele bateu na porta e como ninguém abriu ele arrombou-a. Quando entrou,

viu a bruxa preparando a panela para por a meninaᵢ.

Page 115: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

114

Para a definição de “perto” e “longe” adotada nesta pesquisa, tomou-se como medida a

distância estrutural de cinco orações entre o termo antecedente e o acusativo anafórico25

. O

estabelecimento desta medida ocorreu com base na observação dos dados do corpus em

estudo. Em primeiro caso, ponderou-se sobre a possibilidade de a distância ser instituída em

função da paragrafação das redações, tendo em vista a correlação mais próxima das ideias

contidas em um parágrafo. Assim, seria considerada “perto” a ocorrência de termos

antecedentes e anafóricos em um mesmo parágrafo; “longe” a referência estabelecida entre

parágrafos diferentes. No entanto, como as redações aqui investigadas não apresentaram uma

paragrafação regular, uma vez que algumas se compuseram em um parágrafo único enquanto

outras foram compostas por vários parágrafos com apenas uma ou duas orações, optou-se por

formular a medida em decorrência do número de orações que separaram um e outro termo.

Dessa forma, considerou-se “perto” o máximo de cinco orações de distância entre os

termos; “longe”, por sua vez, a retomada exercida em uma distância superior a esta medida.

Nesse caso, trabalhou-se com a hipótese de que, se o termo antecedente estivesse mais

distante do acusativo anafórico, provavelmente o aluno optaria por utilizar um SN anafórico,

para que sua referência ficasse mais clara, como apontou Xavier (2015). Em contrapartida,

supõe-se que haveria mais chances de o aluno substituir o antecedente por um pronome

quando houvesse uma distância menor entre os termos.

i) A ordem do clítico

Ordem do clítico

Próclise a formas

simples

Liz sem saber o que fazer, sai pelas ruas sem rumo, quando se da

conta é atingida por um carro que a joga há metros de distância.

Ênclise a formas

simples

Ela ficou inconformada que a boneca era muito pálida e decidiu

colocá-la no sol.

Próclise ao verbo

auxiliar

Léo cresceu sem conhecer o pai. Ele o havia abandonado por

algum motivo desconhecido.

25

Embora um critério mais preciso de controle de distância fosse a contagem do número de sílabas

entre um e outro termo, a opção por utilizar o critério de número de orações decorre da distância no

encaminhamento das informações no texto do aluno: um novo conteúdo proposicional, nova grade

argumental, remete a certa dispersão do raciocínio informativo, o que direciona a uma distância mais

acentuada.

Page 116: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

115

Ênclise ao verbo

auxiliar

Um menino de 12 anos ligou para o pai para contar que uma

mulher que ele conhecia ia aparecer na televisão, e ele acaba

ficando nervoso pensando que não ia reconhecê-la. Mas, no final,

ele fica emocionado por tê-la reconhecido

Próclise ao verbo

principal

Essas mulheres não eram as mais bonitas e nem de melhor classe

social, mas tinham corações enormes e poderiam sim fazer

Miguel ser uma pessoa melhor, mas com seu orgulho do tamanho

de Mercúrio nunca se desculpou com nenhuma e foi as perdendo.

Ênclise ao verbo

principal

Surpresa com o que o rapaz que ela nem conhecia disse, ela

chorou e ele limpou suas lágrimas e disse que iria ajudá-la.

Primeiramente, cabe salientar que este grupo de fatores não foi controlado como possível

variável condicionadora da regra variável em questão. Antes, constituiu tão-somente um

grupo de controle dos contextos de uso da variante clítica. Considerando os estudos

anteriores, espera-se que a maioria dos clíticos acusativos encontrados no corpus seja

verificada em dados de próclise, principalmente com os verbos simples. Os casos de ênclise,

por sua vez, devem aparecer em construções com verbos no infinitivo, como verificaram

Duarte (1986), Freire (2005), entre outros. Cabe mencionar, antecipadamente, que os

exemplos de próclise e ênclise em contextos verbais complexos destacados acima,

especialmente os de próclise e ênclise ao verbo auxiliar e próclise ao verbo principal, foram

os únicos que ocorreram no corpus. Apenas a ênclise ao verbo principal se verificou em um

dado a mais:

Um menino de 12 anos ligou para o pai para contar que uma mulher que ele conhecia

ia aparecer na televisão, e ele acaba ficando nervoso pensando que não ia reconhecê-

la. (Redação 154, escola 2, sexo feminino).

Além das dez variáveis linguísticas descritas acima, promoveu-se o controle de duas

variáveis independentes extralinguísticas, explicitadas em seguida.

a) O sexo do informante: feminino vs. masculino.

Como o objetivo desta pesquisa envolve a produção textual de turmas inteiras de 9º

ano, produzidas para a escola como avaliação bimestral, não foi possível obter um número

Page 117: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

116

equivalente de informantes femininos e masculinos, já que dificilmente as turmas possuem o

mesmo número de alunos e alunas. No entanto, como Machado (2006) verificou um aumento

mais acentuado no uso de clíticos acusativos por estudantes do sexo feminino, ao cruzar os

grupos de fatores escolaridade e sexo do informante, buscamos controlar também essa

possível correlação tendo em vista a possibilidade de algum resultado significativo.

b) A escola do informante: escola 1 vs. escola 2.

Alguns estudos já demonstraram a influência da escolaridade na variação do objeto

direto anafórico de terceira pessoa. De modo geral, o uso do clítico tende a aumentar e o

emprego do pronome lexical tende a diminuir conforme aumenta o nível de escolaridade.

Nesta pesquisa, entretanto, investiga-se a produção de apenas um nível escolar (9º ano do

Ensino Fundamental) em turmas de duas escolas diferentes. Assim, toma-se como hipótese a

possibilidade de ocorrer alguma diferença na influência exercida pelas duas escolas em

questão. Em caso de algum resultado que destaque o fator escola na análise sociolinguística, é

possível relacioná-lo à análise qualitativa das entrevistas das professoras de tais escolas,

observando se há algum contraste significativo na concepção de ensino de Português que

transmitem em suas respostas.

Por fim, apresenta-se um último grupo de controle desta pesquisa, este de natureza

extralinguística:

a) O fator correção: corrigido vs. não corrigido.

Uma vez que foi coletada uma amostra de redações corrigidas no âmbito da rede

pública municipal de ensino, formulou-se o fator “correção” como grupo de controle

extralinguístico a fim de identificar as variantes corrigidas pelas professoras entrevistadas. O

controle estatístico desse fator, embora não constitua uma variável independente quanto ao

tema estudado propriamente dita, permite evidenciar, além de quais variantes são mais ou

menos corrigidas pelas docentes, qual a probabilidade de que o sejam. Assim, é possível

contrapor esses resultados de correção efetiva ao que as professoras afirmaram e justificaram

corrigir ou não na entrevista realizada.

Page 118: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

117

Com os treze grupos de fatores descritos acima, foram realizadas rodadas

multivariadas com os dados das redações por meio do programa estatístico Goldvarb X. Na

seção a seguir, expõe-se o modo como se desenvolveu o tratamento dos dados computados.

3.3.3.2 O tratamento dos dados

Inicialmente, foram coletadas duzentas e sessenta redações escolares produzidas no

primeiro e/ou no terceiro bimestre do ano letivo de 2015 pelos alunos do 9º ano do Ensino

Fundamental de duas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, todas do tipo textual

narrativo: cento e trinta da escola 1 e cento e trinta da escola 2. A partir disso, fez-se o

levantamento dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa encontrados em tais

redações. Os dados coletados foram computados para a realização do tratamento estatístico

com o Programa Goldvarb X. Primeiramente, fez-se uma “rodada geral”, que gerou a

distribuição geral dos dados, com valores absolutos e percentuais, o que permitiu verificar

quais as variantes foram mais ou menos utilizadas pelos alunos. Em seguida, foram realizadas

rodadas multivariadas com o programa, no intuito de compreender qual a probabilidade de

que ocorra o uso de uma ou outra variante, a depender dos grupos de fatores controlados e dos

pesos relativos atribuídos a cada fator de tais grupos no condicionamento do fenômeno.

Para a primeira rodada multivariada, selecionamos o pronome clítico como valor de

aplicação. Na ocasião, houve knockouts (dados categóricos) nos grupos: “estrutura sintática da

frase”, não ocorrendo nenhum clítico em construções S V OD OI e S V OD + verbo no

gerúndio, e “ordem do clítico”, já que era um grupo de fatores exclusivo da variante clítica.

Em vista disso, foram realizados alguns amálgamas e utilizado o “não se aplica” (comando

que pede que não se considere determinado fator em certa variável) para que os knockouts

fossem eliminados e pudéssemos realizar as rodadas com os pesos relativos.

Amalgamaram-se os dados de construções com verbo transitivo direto e indireto (S V

OD OI) e verbos que selecionavam um complemento oblíquo além do objeto direto (S V OD

+ Oblíquo), na variável “estrutura sintática da frase”. Além disso, optamos por dar “não se

aplica” aos dados de construções de “dupla função” com a segunda oração na forma gerúndio

(S V OD + verbo no gerúndio), na variável “estrutura sintática da frase”. Após realizar esses

amálgama e “não se aplica”, fizemos outra rodada multivariada a partir da qual o programa

selecionou as seguintes variáveis como relevantes ao emprego do clítico: “animacidade do

Page 119: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

118

antecedente”; “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”; o fator “escola”;

“função sintática do antecedente”; e “estrutura sintática da frase”. Na ocasião, a melhor

rodada selecionada pelo programa obteve significância .00 e input .19 de tendência ao clítico.

Como havia três variáveis em que se destacavam os antecedentes proposicionais,

pressupomos que este controle em três grupos diferentes, com evidente superposição, pudesse

influenciar os resultados. Então, optamos por dar “não se aplica” aos dados de antecedentes

proposicionais nas variáveis “animacidade do antecedente” e “especificidade do antecedente”,

controlando os dados de antecedentes proposicionais apenas na variável “natureza do

antecedente”. Assim, realizamos uma nova rodada multivariada. Na melhor rodada que

também obteve significância .00 e input .19, o programa selecionou uma variável a mais

dentre as que haviam sido selecionadas anteriormente como relevantes: justamente a variável

“natureza do antecedente”. Dessa forma, os grupos de fatores relevantes ao emprego do clítico

acusativo, por fim, foram, em ordem de relevância: “animacidade do antecedente”; “natureza

do antecedente”; “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico”; “escola”; “função

sintática do antecedente”; e “estrutura sintática da frase”.

Após trabalhar em rodadas multivariadas com o clítico como valor de aplicação,

realizamos os mesmos procedimentos com o valor de aplicação pronome lexical, tendo em

vista que são as duas variantes mais “marcadas” ou menos neutras quanto ao fenômeno do

acusativo anafórico de terceira pessoa. Nesse caso, eliminou-se o controle da variável

“especificidade do antecedente anafórico”, pois o uso de pronomes lexicais em contextos de

antecedentes específicos foi categórico. Eliminaram-se, ainda, os dados de orações

completivas de verbo oblíquas e completivas de nome, na variável “tipo de oração”, pois não

houve nenhuma ocorrência de pronome lexical nesses contextos. Além disso, como não houve

nenhum dado de pronome lexical em estruturas S V OD + verbo no gerúndio26

,

amalgamaram-se os dados de tais construções aos dados de S V OD + verbo no infinitivo,

considerando que ambas são estruturas de “dupla função”. Feitos o amálgama e as

eliminações necessárias, o programa selecionou, na melhor rodada com significância .01 e

input .01, o grupo de controle “correção” e as variáveis “animacidade do antecedente” e

“estrutura sintática da frase” como relevantes ao emprego do pronome lexical.

26

Em todo o corpus, houve apenas sete ocorrências de estruturas S V OD + Verbo do gerúndio e, nas

sete, os alunos utilizaram a variante SN anafórico, como no exemplo: “A melhor hora do dia para o

monstro era a hora em que o sorveteiroᵢ passava. Toda vez que ouvia o sorveteiroᵢ se aproximando, o

monstro assustava o pobre homem” (Redação 234, escola 2, sexo masculino).

Page 120: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

119

Atenção especial foi dada ao fator correção, que, claramente, não condiciona nenhuma

variante. Ocorre que o pronome lexical foi a estratégia mais corrigida pelas professoras e, por

isso, a correção apareceu como o fator de suposta maior relevância quanto ao estudo dessa

variante. A partir disso, cruzamos os fatores “escola” e “correção” tanto para o pronome

lexical quanto para o clítico. Com o valor de aplicação pronome lexical, cruzamos também o

fator “correção” com a “animacidade do antecedente” e a “estrutura sintática da frase”, além

de cruzar esses dois últimos fatores entre si, no intuito de averiguar alguma correlação entre

tais grupos em tais cruzamentos. A partir dos resultados obtidos com todas as rodadas

multivariadas realizadas, fez-se a análise quantitativa e qualitativa das ocorrências e

probabilidades verificadas, as quais se apresentam no próximo capítulo.

Page 121: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

120

CAPÍTULO 4

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MATERIAIS DE PESQUISA

Em se tratando do fenômeno da retomada anafórica do objeto direto de terceira pessoa,

a presente pesquisa associa três diferentes pontos de análise, dentro da temática do ensino de

pronomes: materiais didáticos utilizados em sala de aula; entrevista com as professoras que os

utilizam; e redações escolares de seus alunos. Dessa forma, este capítulo organiza em duas

seções a apreciação crítica dos três referidos materiais de pesquisa. Na primeira, seção 4.1,

aborda-se a análise de base qualitativa dos primeiros materiais investigados – os materiais

didáticos e as entrevistas com as professoras. Na segunda, seção 4.2, expõe-se a análise

sociolinguística variacionista do corpus das redações escolares coletadas. Na última seção

deste capítulo, seção 4.3, por fim, apresentam-se algumas reflexões para o âmbito do ensino,

promovidas a partir da análise dos resultados obtidos com esta pesquisa, divulgados nas

seções anteriores.

4.1 A análise qualitativa: os materiais didáticos e as entrevistas

Nesta seção, abordam-se os materiais didáticos e as entrevistas realizadas no âmbito

desta pesquisa. Primeiramente, faz-se um exame qualitativo dos três materiais didáticos de

que se valem as professoras em suas aulas: os Cadernos Pedagógicos da SME (em 4.1.1); o

livro didático Vontade de Saber Português, utilizado pela professora 1 (em 4.1.2); e o

Caderno do Futuro da IBEP, utilizado pela professora 2 (em 4.1.3). Em seguida, apresenta-se

a análise qualitativa das entrevistas realizadas com as referidas professoras (em 4.1.4).

4.1.1 Os Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação (SME)

Os Cadernos Pedagógicos fornecidos pela SME, de modo geral, demonstram um forte

interesse por atividades de compreensão leitora e produção textual, a partir de diversos textos

de gêneros diversificados. Ao analisar as quatro apostilas referentes aos quatro bimestres do

ano de 2015 para o 9º ano do Ensino Fundamental, foi possível perceber a intenção de que o

aluno amplie continuamente suas habilidades em compreender e produzir textos,

principalmente escritos, com finalidades variadas. No entanto, a obra parece carecer de

Page 122: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

121

explicações mais contundentes sobre os conteúdos gramaticais necessários ao alcance desse

intuito27

.

No que concerne ao fenômeno gramatical aqui em estudo, a primeira referência

explícita encontrada – a tema direta ou indiretamente relacionado ao preenchimento do objeto

direto – foi uma menção à função da retomada anafórica nos Cadernos do 1º bimestre. Nesta,

o material chama atenção para a “costura” de determinado texto, de modo a evitar a repetição

de termos, contribuindo para uma melhor coesão textual:

(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 1º bim., p.44).

Na ocasião, aborda-se o uso de dois recursos coesivos: a “substituição lexical” e a

“retomada pronominal”, ambos referentes ao mecanismo único da retomada anafórica por

meio de formas distintas. O material menciona a existência desse mecanismo em prol da

coesão textual, mas não trata especificamente nenhum fenômeno gramatical variável nesse

âmbito. Não há qualquer referência explicativa sobre o uso do objeto direto anafórico de

terceira pessoa, tampouco às variantes possíveis no sistema linguístico do PB para sua

representação.

Além da explicação exibida acima, há mais três observações feitas sobre o referido

mecanismo, cada uma nos Cadernos do 2º, 3º e 4º bimestres, respectivamente:

27

Tal carência é amparada pelos resultados da pesquisa de Luiz Felipe Durval e Jéssica Pegas,

divulgados na Jornada de Iniciação Científica (2015) da Faculdade de Letras da UFRJ, na qual os

graduandos mapearam e quantificaram o tratamento de temas gramaticais nos referidos Cadernos

Pedagógicos da SME, conforme citado no Capítulo 3, referente à metodologia desta pesquisa.

Page 123: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

122

(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 2ºbim., p. 27)

(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 3ºbim., p. 26)

(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 4º bim., p. 14).

Page 124: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

123

A primeira menção é uma observação sobre a retomada de um antecedente

proposicional exercida através do pronome demonstrativo esse. A segunda, por sua vez,

relembra a função da retomada anafórica de forma geral para o desenvolvimento da coesão

textual, seguida de um exercício com exemplos de sujeitos anafóricos apenas. No 4º bimestre,

há novamente um esclarecimento sobre o mecanismo, mais uma vez, de modo geral, com

exemplos de sujeitos e objetos anafóricos (destacados na citação). Essas são as únicas

explicações feitas nos Cadernos examinados sobre o fenômeno.

Além das alusões conferidas, os Cadernos expõem alguns exercícios que exigem do

aluno a compreensão sobre o mecanismo da retomada anafórica e o reconhecimento de

elementos referentes. Em geral, tais exercícios se referem à retomada de termos antecedentes

como um todo, não se relacionando especialmente ao acusativo anafórico, conforme

exemplificam as seguintes citações:

6- A que se refere o termo “ela” no trecho “A rede social se faz num

ambiente atrativo para muitas pessoas. Além da comunicação virtual para

descontração e interação, ela se tornou uma porta para noticias, troca de

ideias e também embate para manifestos, flash mob [...]” no quinto

parágrafo? (2º bim., p. 26)

7. A quem se refere a palavra destacada no trecho: “ O grau de envolvimento

delas com a internet ainda é mediano e controlado [...]”. (sexto parágrafo)

(2º bim., p.28)

11. A quem se refere o pronome “eles” no trecho “Para eles, a velocidade é

outra.”? (4º bim., p. 16)

Dentre os exercícios mencionados acima, nenhum aborda a diferença entre as

possíveis variantes e seus contextos de uso. Nos demais exercícios averiguados, as únicas

variantes verificadas foram o pronome demonstrativo e o clítico, tal como evidenciam os

exemplos a seguir:

[Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado.

No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo?]

3- A que se refere o termo destacado em “sabê-lo” no último verso da

segunda estrofe? (3º bim., p. 16)

5 – A que se refere o termo destacado em “[...] mas a maneira como

expressar isso [...]” (no final da 1ª resposta)? (3º bim., p. 26)

3. No trecho “Os insights e a percepção de um problema por diferentes

ângulos demandam o funcionamento conjunto de vários circuitos cerebrais,

o que ajuda a mantê-los em forma até a idade avançada”, as aspas foram

usadas para ____________________.

Page 125: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

124

4. Nesse mesmo trecho, a que se refere o termo destacado? (4º bim., p. 27)

3. No trecho ”Obrigada, meu bom Peri! Tu és um amigo dedicado; mas não

quero que arrisques tua vida para satisfazer um capricho meu; e sim que a

conserves para me defenderes como já fizeste uma vez.”, a que se refere o

pronome destacado? (4º bim., p. 48).

Vale mencionar que não se verificou qualquer explicação que relembre (caso haja nos

Cadernos dos anos anteriores) a forma como se utiliza o clítico acusativo, havendo apenas os

exercícios que solicitam seu reconhecimento, apesar da pouca familiaridade que os alunos

brasileiros costumam demonstrar com relação a essa variante. No mais, além das atividades

citadas, há uma questão que aborda o reconhecimento do antecedente de um SN anafórico:

Desencontro

Chico Buarque/1965

A sua lembrança me dói tanto

Eu canto pra ver

Se espanto esse mal (...)

1 – A que se refere o termo destacado em “Se espanto esse mal”? (3º bim., p.

28).

As atividades observadas nos Cadernos, majoritariamente, enfocam a compreensão e

interpretação de textos variados, desde os mais literários, como poemas e alguns contos, até os

mais referenciais, como os editoriais, passando ainda por crônicas e artigos de opinião, e,

além disso, há propostas também diversificadas de produções textuais aos alunos (contos,

textos de opinião, entre outros). No entanto, para que os alunos consigam alcançar o domínio

linguístico esperado para a feitura de tais textos, o trabalho com os conteúdos gramaticais (os

quais foram abordados de modo muito superficial nos Cadernos analisados) se faz

fundamental, já que é através dos processos realizáveis no sistema da língua que é possível

mover-se pelos mais diversos tipos e gêneros textuais, tal como os próprios Cadernos

requerem. Nesse sentido, entende-se que o material proposto não desenvolve efetivamente o

estudo da gramática de modo reflexivo, conforme os pressupostos apresentados em Vieira

(2015), sintetizados no Capítulo 2 desta dissertação.

Acerca do tratamento dispensado a fenômenos gramaticais variáveis no material em

questão, cabe citar uma passagem verificada nos Cadernos do 3º bimestre que alude ao modo

como compreendem a variação linguística:

Page 126: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

125

(SME, Cadernos Pedagógicos, 2015, 3º bim., p. 59).

A obra faz alusão, primeiramente, à música Língua, de Caetano Veloso, na qual o

compositor valoriza a pluralidade linguística cultural de nosso país e, em seguida, expõe um

texto de Rui Barbosa em que o autor brinca com a diferença entre uma formalidade extrema

na fala de seu personagem e o consequente não entendimento desses usos pelo personagem

ladrão, o que causa certo humor. O texto se vale de elementos lexicais muito distantes do uso

cotidiano (como em “bípedes palmípedes” em lugar de “patos”) e também de variações

gramaticais, como o uso da mesóclise com a segunda pessoa (“dar-te-ei” e “reduzir-te-á”) e

do próprio uso de formas verbais na segunda pessoa (“adentrares”, “se fazes”, “para

zombares”), nada comum na fala carioca, em especial. Ressaltam-se, ainda, duas formas de

representação do acusativo anafórico no texto: o clítico em “surpreendeu-o tentando pular o

muro”, logo a início do texto, e o sintagma nominal em “eu levo ou deixo os patos”, por

último, na fala do personagem ladrão.

É interessante perceber a pergunta 2, na qual o aluno é questionado sobre como

caracterizaria Rui Barbosa pela linguagem utilizada e, posteriormente, a pergunta 4, que

Page 127: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

126

solicita a reescritura da fala de tal personagem de forma mais informal, “adequada à

situação”. De forma geral, parece apropriado o modo como é compreendida a variação na

obra: intrínseca ao sistema (gramatical) linguístico. Por outro lado, esse trabalho parece ser

feito de forma pouco aprofundada, sem evidenciar as distinções entre as variantes, o que

acaba por direcionar a um contraste superficial entre formal vs. informal. A mesóclise, por

exemplo, é raramente utilizada em textos mais formais, e a concordância verbal com a

segunda pessoa, por sua vez, de fato não caracteriza um registro formal no Rio de Janeiro. A

depender da mediação exercida pela professora ao trabalhar essa atividade em sala de aula, a

noção de continuum entre esses registros pode ficar comprometida, levando àquela ideia

dicotômica sobre as normas linguísticas.

Essa característica é ainda mais evidente na abordagem feita no Caderno do Futuro

utilizado pela professora 2, analisado na subseção 4.1.3. Antes, porém, vejamos o tratamento

dispensado ao tema no livro didático utilizado pela professora 1, na subseção 4.1.2, a seguir.

4.1.2 O livro didático Vontade de saber Português, de Romeire Alves e Tatiane

Brugnerotto (2012)

No livro didático Vontade de Saber Português referente ao 9º ano do Ensino

Fundamental, parte-se do princípio de que os alunos, nesse nível escolar, já estudaram o uso

dos pronomes pessoais (além dos possessivos e demonstrativos) nos anos anteriores. No

entanto, na seção destinada ao estudo da colocação pronominal, os autores relembram

especialmente o uso dos pronomes oblíquos átonos e a “classificação sintática desses

pronomes”, em seus termos. Assim, antes de abordarem a ordem dos pronomes, expõem o

seguinte quadro:

Pronomes oblíquos átonos

Os pronomes oblíquos átonos funcionam sintaticamente como

complementos verbais. Relembre, a seguir, a classificação sintática

desses pronomes.

Objeto direto – o, os, a, as

A violência nas grandes cidades transforma as pessoas em suas

observadoras.

A violência nas grandes cidades as transforma em suas observadoras.

Objeto indireto – lhe, lhes

Perguntaram à criança se sentia medo da violência,

Perguntaram-lhe se sentia medo da violência.

Page 128: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

127

Objeto direto ou objeto indireto (dependendo dos verbos que

complementam) – me, te, se, nos, vos

Aline convidou Paulo e eu para o protesto contra a violência,

Aline nos convidou para o protesto contra a violência.

(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 264).

Essa é a única referência ao uso de pronomes para a retomada anafórica do objeto

direto de terceira pessoa encontrada no referido livro, na qual são mencionados somente os

oblíquos o, a, os, as do quadro pronominal tradicional. Entretanto, em uma busca por

referências ao fenômeno em questão na coleção Vontade de Saber Português, verificou-se que

a abordagem mais específica sobre o tema é feita no livro destinado ao 6º ano do Ensino

Fundamental. Neste, de igual maneira, expõe-se o quadro tradicional de pronomes pessoais:

Pronomes pessoais

retos oblíquos

1ª pessoa singular eu me, mim, comigo

plural nós nos, conosco

2ª pessoa singular tu te, ti, contigo

plural vós vos, convosco

3ª pessoa singular ele, ela o, a, lhe, se, si, consigo

plural eles. elas os, as, lhes, se, si, consigo

(op. cit., 2012, p. 264).

Em seguida, os autores exibem outro quadro com informações sobre a formação dos

oblíquos em construções enclíticas:

Formação dos pronomes pessoais oblíquos

Os pronomes oblíquos, o, a, os, as, quando associados a

verbos terminados em –r, -s, -z, assumem a forma lo, la, los, las,

e os verbos perdem as consoantes finais. Por exemplo:

encontrar-os passa a ser grafado encontrá-los.

Já os pronomes oblíquos o, a, os, as, quando associados a

verbos terminados em –am, -em, -ão, -õe, assumem as formas

no, na, nos, nas. Por exemplo: ajudem-os passa a ser grafado

ajudem-nos.

(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 173).

Dessa forma, na seção referente ao ensino dos pronomes, além dos quadros

destacados, não há qualquer menção a formas variantes de representação do OD anafórico de

terceira pessoa. A partir desses dois quadros explicativos, passa-se à seção Praticando, na

qual são propostos alguns exercícios sobre o conteúdo em questão. Dentre os exercícios,

Page 129: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

128

somente no primeiro aborda-se a retomada anafórica do objeto direto, com base em três

perguntas sobre esse mecanismo em determinado texto:

a) Na frase “Dona Geralda foi pessoalmente recebê-lo em Nova York”, a

quem se refere o pronome em destaque? Que outro pronome pessoal poderia

ser utilizado no trecho?

Ao prêmio UNESCO de 1999. / Ele.

d) Retire do texto um trecho no qual o pronome pessoal oblíquo não foi

destacado, e escreva a quem ele se refere.

O que mais a impressionou na cidade foi o que os americanos jogaram fora.

Refere-se à dona Geralda.

e) Que efeito o emprego dos pronomes pessoais gera no texto?

Evita a repetição de palavras às quais os pronomes referem-se.

(op. cit., 2012, p. 174).

Os trechos destacados em azul, na citação, constituem respostas sugeridas pelo livro.

Curiosamente, embora partam apenas do quadro pronominal tradicional, mencionando

somente os oblíquos para possíveis representações do objeto direto, os autores apontam o uso

do ele acusativo na sugestão de resposta à primeira questão formulada sobre esse conteúdo.

No entanto, não há qualquer alusão às diferenças contextuais entre essas variantes, nem em

algum box no decorrer do capítulo, nem no manual do professor28

, ao final do livro.

Já no livro didático referente ao 9º ano, tampouco há novas informações sobre o tema,

como elucidado anteriormente. Os autores apenas relembram o emprego dos clíticos (cf. o

primeiro quadro aqui citado) para representação do objeto direto anafórico. Não há qualquer

referência à variação linguística ou às diferenças entre normas de uso do Português.

Entretanto, cabe mencionar que, no manual do professor deste livro, há uma sugestão de

atividade que abarca a noção de variação e normas da língua presente na obra. Embora a

atividade envolva o conteúdo da colocação pronominal (e não o uso de pronomes), é válido

28

Na seção de orientações ao professor, ao final do livro referente ao 6º ano do Ensino Fundamental,

algumas passagens permitem observar a visão polarizada de “linguagem formal, culta e padrão (como

se representassem a mesma categoria) vs. linguagem coloquial” presente na obra: “Comente com os

alunos que na linguagem coloquial é comum o uso do pronome oblíquo te, peculiar à 2ª pessoa o

singular (tu), combinado com o termo você (em vez do tu). (...) Explique aos alunos que em situações

formais ou de acordo com a norma-padrão não se deve misturar os tratamentos tu e você” (op. cit.,

p. 74) (grifo meu). Além disso, a obra ainda se vale de Pasquale Cipro Neto (1998, p. 15) em uma

citação no mínimo inquietante, na qual o autor iguala linguagem formal e culta para rechaçar o uso do

você como indeterminador do sujeito: “Pelo menos na linguagem formal, culta, é bastante desejável a

eliminação desse cacoete. É cansativo, pobre, e enfadonho o uso da palavra “você” como indicador de

algo genérico, coletivo”.

Page 130: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

129

mencioná-la para compreender a concepção de normas linguísticas que orienta o livro

didático em questão.

Sugestão de atividade

Varal de textos

Objetivo Propiciar aos alunos uma reflexão acerca da “real” colocação pronominal no

português brasileiro.

Materiais

Computador.

Internet.

Papel sulfite.

Impressora.

Lousa.

Fita adesiva.

Procedimentos

Fazer uma pesquisa na internet em entrevistas e textos de blogs e

sites de relacionamento, como o twitter. Recolha fragmentos em que

haja o uso da próclise transgredindo as regras da norma urbana de

prestígio29

(próclise antes do verbo principal em locução verbal,

próclise quando o verbo inicia oração, próclise com verbo no modo

imperativo afirmativo, próclise com verbo no futuro do presente e no

futuro do pretérito).

Digitar os exemplos com letras grandes e legíveis e imprima as

páginas.

Fixar as páginas na lousa, como se estivessem em um varal.

Questionar os alunos sobre qual é a posição dos pronomes oblíquos

átonos em relação ao verbo nos exemplos e estimule-os para que

façam a relação entre a colocação dos pronomes e o contexto de

produção em que foram empregados (contextos informais de

produção, em que há baixo nível de monitoramento em relação à

norma urbana de prestígio).

Pedir a cada aluno que vá até a lousa e adeque a colocação dos

pronomes à norma urbana de prestígio.

Questionar os alunos sobre qual colocação pronominal está mais

próxima ao modo como falam no dia a dia: a dos exemplos ou a das

frases reescritas.

Propor uma reflexão sobre qual é a “real” colocação pronominal

no português brasileiro e quais as situações em que se deve atentar

para as regras da norma urbana de prestígio em relação à

colocação dos pronomes (textos escritos formais), com exceção da

mesóclise.

(ALVES & BRUGNEROTTO, 2012, p. 78) (grifo meu).

29

Curiosamente, os autores citam, nesta seção, anteriormente à sugestão de atividade proposta, o

linguista Marcos Bagno (2009), a fim de esclarecer o uso da mesóclise restrito a textos ultraformais,

nos termos do autor, além de algumas diferenças entre a colocação pronominal nos âmbitos do PB e

do PE. No entanto, o conceito de normas urbanas de prestígio adotado na obra demonstra uma clara

confusão entre estas e a chamada norma padrão (cf. os esclarecimentos de Faraco (2008)), o que se

pode perceber por meio dos próprios comandos da sugestão mencionada.

Page 131: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

130

Como se pode notar, fica evidente a correlação dicotômica e polarizada entre, de um

lado, “contextos informais de produção” e, de outro, “situações em que se deve atentar para as

regras da norma urbana de prestígio”, nos termos dos autores. Mais do que isso, os contextos

informais são claramente identificados como o espaço em que se encontram usos

“transgredindo as regras da norma urbana de prestígio”, ao passo que essa “norma urbana de

prestígio” é compreendida como algo homogêneo, tendo em vista que seu contexto de uso

envolveria determinadas regras linguísticas (e não normas no sentido do que é normalmente

utilizado em tal situação). Além disso, é nesse contexto de “norma urbana de prestígio” que se

inserem os “textos escritos formais”, conforme os destaques feitos na citação.

Em outras palavras, é como se apenas o registro informal permitisse a variação “real”

da língua, na qual as regras de uma determinada “norma urbana de prestígio” poderiam ser

transgredidas; o registro formal e a modalidade escrita da língua, por outro lado, demandariam

uma forma única de uso, segundo um padrão idealizado, e não às normas (também variáveis)

prestigiosas de uso da língua, em contextos de maior ou menor formalidade, orais ou escritos.

4.1.3 O Caderno do Futuro do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP)

O Caderno do Futuro é constituído de exercícios sistemáticos sobre a língua, como os

conhecidos exercícios de fixação, e algumas vezes expõe uma ou outra explicação bastante

pontual sobre determinados conteúdos, conforme visto no capítulo de metodologia. Assim, os

exercícios que fazem referência ao objeto direto anafórico de terceira pessoa no Caderno são

formulados exclusivamente em prol da fixação dos clíticos acusativos como aprendizado.

Dessa forma, foram verificados dois exercícios de substituição sobre o fenômeno, os quais

solicitavam a reescritura de algumas sentenças utilizando os clíticos, como explicita o

primeiro exercício destacado abaixo:

14. Escreva as frases substituindo os substantivos objetos diretos pelos

pronomes o, a, os, as, e os substantivos objetos indiretos pelos pronomes

lhe, lhes.

Teleco exasperava o moço.

Teleco exasperava-o.

a) Ele mandou Luiza embora.

b) Contei o caso a Manuel.

c) Vejo Cátia e Vera contentes.

d) Dei bombons às crianças.

e) Convido os pais para a festa.

Page 132: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

131

f) Ela amava muito a netinha.

(Caderno o Futuro, Língua Portuguesa, 9º ano, 2013, p. 19-20).

O segundo exercício, por sua vez, parte de dois lembretes sobre as diferenças de

acentuação em formas verbais oxítonas terminadas em i e oxítonas terminadas em a, e, o, para

a formação da ênclise:

Lembre que:

Formas verbais oxítonas terminadas em –i precedido de consoante não

devem ser acentuadas. Por exemplo: ouvi-lo.

O i de destruí-lo é acentuado por ser tônico e formar hiato com a vogar u.

6. Faça como no modelo, prestando atenção na acentuação dos verbos

seguidos dos pronomes oblíquos lo, la, los, las.

Precisamos ouvir o encanador.

Precisamos ouvi-lo.

a) Queriam revestir a parede.

b) Vamos seguir o ônibus.

c) É bom prevenir os alunos.

d) Tentou destruir as provas.

e) O professor deve instruir os alunos.

f) Esperamos concluir o trabalho hoje.

g) Pensou em demitir o empregado.

h) Começam a construir a casa pela manhã.

i) Você deve restituir o dinheiro.

Lembre que:

Mandei chamar o médico.

Mandei chamá-lo.

Acentuam-se as formas verbais oxítonas terminadas em a, e, o, seguidas dos

pronomes oblíquos lo, la, los, las.

j) Não devemos incomodar os vizinhos.

k) Precisamos refazer o concerto.

l) Vou compor a música.

(op. cit., 2013, p. 32-33).

Ao considerar que a obra tem por objetivo principal fixar o aprendizado dos conteúdos

gramaticais trabalhados durante o Ensino Fundamental II de modo resumido, não surpreende

que haja a promoção de exercícios como estes, mesmo porque auxiliam o aluno a sistematizar

a forma como os clíticos são utilizados. Por outro lado, não se menciona quando o são e por

que motivos, o que não faz parte dos propósitos dessa obra. Entretanto, na unidade em que se

aborda a colocação pronominal, alguns enunciados chamam a atenção pela nomenclatura

envolvida no tratamento dispensado às normas linguísticas. A unidade inicia sua abordagem

com o texto Papos, de Fernando Veríssimo, que brinca com a variação na colocação

pronominal, e, a partir deste, faz as seguintes perguntas:

Page 133: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

132

1. Por que as duas pessoas do texto estão discutindo?

2. Que padrão linguístico a pessoa que corrige defende?

3. Sobre que item da gramática os interlocutores discutem?

4. Destaque do diálogo frases em que o pronome oblíquo foi usado na

linguagem culta de um modo e na linguagem popular e coloquial de outro.

5. Destaque do texto uma próclise, uma mesóclise e uma ênclise.

(op. cit., 2013, p. 113) (grifo meu).

Ao observar o destaque feito, fica evidente a noção polarizada das normas linguísticas

com a contraposição entre “linguagem culta” e “linguagem popular e coloquial”. Mais do que

isso, divulga-se uma ideia de que o coloquial – termo que se relaciona a registro/monitoração

– é equivalente ao popular – termo que se vincula a perfil de variedade/norma de uso –, como

se fossem simplesmente categorias do mesmo plano; como se a norma culta, a “linguagem

culta”, segundo a obra, não pudesse variar também entre os registros formais e informais. As

normas são entendidas, assim, como se houvesse dois blocos estanques: de um lado, o que é

culto e formal; de outro, o que é popular e coloquial.

Essa visão polarizada e dicotômica da variação linguística averiguada nos materiais

didáticos analisados é justamente a ideia que parece vigorar no ponto de vista das professoras

sobre a língua. Assim, vejamos com mais detalhes, na próxima seção, a concepção que as

professoras entrevistadas demonstram ter a esse respeito.

4.1.4 A perspectiva das professoras: as entrevistas

Como as perguntas formuladas na entrevista suscitaram respostas subjetivas das

professoras, no sentido de que tiveram um espaço livre para dissertar sobre as questões ao

invés de optar por uma ou outra resposta predeterminada, faz-se aqui um diagnóstico das

respostas dadas, pela docente 1 e pela docente 2, destacando os comentários feitos por elas ao

longo da análise.

Ao questioná-las sobre o uso de outros materiais em paralelo aos Cadernos

Pedagógicos da SME, as professoras afirmaram complementar seu trabalho com os materiais

analisados na seção anterior. O motivo pelo qual as duas o fazem é o mesmo: apontam a

carência de uma abordagem explícita de componentes gramaticais como uma desvantagem

dos Cadernos da SME:

Page 134: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

133

Professora 1: Eu utilizo o livro didático “Vontade de Saber

Português” da FTD paralelamente com outros materiais. Ele me

auxilia muito nas atividades para fixação de conteúdos gramaticais.

O Caderno Pedagógico é muito utilizado nas minhas aulas. Gosto dos

temas abordados e da seleção de textos. O estudo dos textos favorece

o enriquecimento do aluno pela diversidade dos gêneros (poesia;

narrativas, crônicas...).

Professora 2: Sim. Atualmente tenho usado, no município, os

cadernos pedagógicos da SME e o caderno do futuro da IBEP. Sigo a

ordem e os conteúdos apresentados nos Cadernos porque estão de

acordo com o planejamento.

Gosto muito da parte relacionada aos textos. São textos adequados e

que servem para desenvolver a leitura doa alunos. Só considero

deficiente quanto à gramática.

Dessa forma, ambas as professoras reconhecem a qualidade da obra no que se refere

ao trabalho com textos de tipos e gêneros diversificados, mas apenas nesse quesito, então, o

material atenderia às necessidades do aluno de Língua Portuguesa. A professora 2, ainda,

destaca o fato de seguir os conteúdos apresentados nos Cadernos em função de estarem

previstos no planejamento da turma. Ocorre que o componente gramatical é essencial ao

desenvolvimento da leitura e produção de textos diversos, como explicitado desde os

pressupostos adotados no Capítulo 2 com as contribuições de Vieira (2015), Franchi (2006),

entre outros, além dos próprios PCN (1998). É importante destacar, aqui, que não se trata de

uma crítica ao método empregado na abordagem dos temas gramaticais, mas a ausência de

atividades que efetivamente abordem tais temas. No entanto, ao indagá-las especialmente

sobre o tratamento de fenômenos gramaticais no material fornecido pela SME, as professoras

reforçam a ausência de uma abordagem mais específica de seus conteúdos:

Professora 1: Gostaria de encontrar mais abordagens do componente

gramatical.

Professora 2: Acho que deveria ser mais desenvolvida, com

atividades funcionais, aplicadas aos textos trabalhados.

Por outro lado, quando questionadas sobre o tratamento dispensado aos fenômenos

variáveis nos Cadernos, suas respostas começam, em certa medida, a se distanciar uma da

outra. A professora da escola 1 confere uma resposta genérica sobre o tema e afirma estar de

acordo com a abordagem feita no referido material:

Page 135: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

134

Professora 1: Estou de acordo sim. Os fenômenos variáveis são

aspectos da língua que devem ser analisados dentro do contexto.

Ao que tudo indica, essa professora parece ter consciência da variação presente na

língua de modo geral, mas não demonstra um conhecimento muito aprofundado a esse

respeito. A professora 2, por sua vez, responde:

Professora 2: Não entendi a pergunta.

Demonstra, assim, pouca familiaridade com termos que envolvem a questão da

variação linguística, indicando um distanciamento ainda maior com relação ao tema. No

decorrer da entrevista, a concepção de variação das professoras vai sendo gradativamente

evidenciada. Em dado momento, são questionadas sobre o modo como corrigiriam, em sala de

aula, o seguinte exercício, destacado de um livro didático (CEREJA & MAGALHÃES,

2012):

Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em

desacordo com a norma padrão. Reescreva as frases empregando tais

pronomes de acordo com essa variedade.

a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.

e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?

Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as

respostas fornecidas como corretas no livro do professor ou também

aceita outras possíveis respostas dadas pelos alunos? Se aceita, quais

respostas você validaria? Por quê?

A esta pergunta, a resposta da professora 1 seguiu transmitindo uma ideia de

“reconhecimento” da variação linguística. Tal ideia, porém, começa a distanciar todo o

espectro da variação do âmbito da norma padrão, colocando-os em dois extremos e, nesse

percurso, o domínio da norma padrão seria, então, enfatizado no contexto escolar:

Professora 1: Corrijo esta atividade de acordo com a norma-padrão,

mas informo que a colocação anterior pode ser vista como uma

variante da língua utilizada por alguns falantes.

As variantes são aceitas e podem inclusive ser mencionadas em sala de aula, mas, em

contraste com a norma padrão, esta carrega as formas ideais da língua, enquanto aquelas

refletem as formas usuais, o que realmente está de acordo com a realidade: a norma padrão se

Page 136: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

135

refere a um ideal, diferente das normas de uso; são as normas idealizadas e as normas

praticadas, conforme os conceitos de norma de Faraco (2008) (citados no Capítulo 2 desta

dissertação). Ocorre que, ao que parece, a norma padrão “ideal” é confundida com “a norma

correta, alvo do ensino da língua” e, nesse sentido, as normas de uso são afastadas do universo

escolar.

Professora 1: Acredito que o aluno possui o direito de ser informado

sobre a norma-padrão do seu idioma (Língua Portuguesa). Na vida ele

utilizará ou não estes conhecimentos.

A partir dessa visão polarizada dos conceitos de norma, é muito provável que o aluno

absorva a ideia de que o padrão é o correto, embora existam outras formas variadas de uso da

língua, em outro polo, no qual ele quase sempre identifica as variantes por ele utilizadas.

Dessa forma, a língua com que o aluno tem contato – o que poderia ser uma boa fonte de

estudo e consequente conhecimento – é totalmente apartada da língua estudada em sala de

aula, o que acaba por dificultar o processo de ensino-aprendizagem, como a própria

professora mostra reconhecer:

Professora 1: Informo para eles que existe uma forma padrão. Faço a

substituição do pronome, embora não há garantia da aprendizagem,

visto que o uso cotidiano reforça a outra forma!

A “outra forma” mencionada se refere ao uso do pronome lexical para a retomada do

OD de terceira pessoa, a qual, segundo a professora, é a forma mais utilizada, de modo geral,

pelos seus alunos. É como se houvesse, por essa perspectiva, duas formas possíveis: o clítico

acusativo, que seria a forma “correta” por ser a padrão, alvo do ensino, e o pronome lexical, a

variante utilizada pelos alunos fora do ambiente escolar30

. A entrevista com a professora 1,

portanto, reflete uma noção de variação linguística em dois polos: a norma padrão almejada

na escola vs. as variantes do uso cotidiano.

A professora 2, por sua vez, demonstra uma confusão ainda mais evidente com relação

a esses conceitos de norma e variação. Enquanto a professora 1 apresenta uma visão

polarizada entre forma padrão vs. formas do uso cotidiano, a professora 2 reúne claramente no

primeiro polo o que considera norma culta, norma padrão e norma gramatical, como se

30

No entanto, o pronome lexical sequer é a variante mais utilizada pelos alunos ou pelos brasileiros

em geral (cf. estudos anteriores), mas sim a mais estigmatizada e, portanto, mais perceptível às

professoras e propícia à correção, mesmo que em poucas ocorrências.

Page 137: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

136

fossem o mesmo, o que pode ser percebido a partir das demais respostas conferidas na

entrevista.

Ao avaliar uma construção como “o bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao

médico”, a professora 2 informa que a corrigiria com o emprego do pronome oblíquo (o

clítico o), porque “faz parte da norma culta”. Em seguida, indagada sobre a maneira como

trabalharia com o exercício destacado do livro didático, sua resposta relaciona o pronome

oblíquo não mais à norma culta, mas sim à linguagem formal:

Professora 2: a) Emprestei-o para a minha prima.

Emprestei-o a minha prima.

c) Eu não as vi na festa.

Eu não vi-as na festa.

Obs.: Sempre destaco a linguagem formal.

Nota-se, assim, que a norma culta e os contextos de linguagem formal são postos em

um mesmo plano, o qual é entendido em oposição aos contextos que, por essa perspectiva,

permitiriam as variantes não padrão. Esses contextos, por sua vez, são relacionados às

situações de fala, conforme outra consideração feita pela mesma professora:

Professora 2: A tendência do aluno é escrever da forma que fala. Por

isso, trabalhar exercícios estruturais da língua é fundamental para que

ele se acostume a utilizar as variantes formais da língua.

Desse modo, as variantes formais da língua são compreendidas em oposição à

modalidade oral, como se a fala não variasse em um continuum de monitoração. Além disso,

apenas dentro desse plano de formalidade são consideradas as formas da norma culta, que, por

sua vez, são diretamente relacionadas à norma padrão. Assim, é possível compreender uma

visão bem dicotômica desses contextos:

As variantes não padrão do registro coloquial e da modalidade oral

X

A forma padrão, formal e culta da língua

Nesse aspecto, a tal “forma padrão, formal e culta” é objetivada no âmbito escolar,

enquanto “as variantes não padrão do registro coloquial e da modalidade oral” encontrariam

espaço somente fora da sala de aula. Assim, o trabalho com o fenômeno do objeto direto

Page 138: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

137

anafórico de terceira pessoa se limitaria ao contraste entre o clítico acusativo e o pronome

lexical. Dessa forma, o ensino acaba por se restringir ao conhecimento das duas variantes

mais afastadas entre si, de maneira que uma delas seja a forma almejada (o clítico) e a outra

seja a forma usualmente empregada (o pronome lexical), a qual, nesse percurso, é rechaçada

no ambiente escolar.

Ao que tudo indica, as demais variantes já descritas pela literatura, como o SN

anafórico e o objeto nulo, provavelmente não são aludidas em sala de aula, o que pode

contribuir para o distanciamento que os alunos sentem com relação ao estudo do Português,

uma vez que se almeja a variante mais distante do seu uso cotidiano em detrimento da

variante (estigmatizada) de mais fácil entendimento. Nesse processo, as formas “neutras”

utilizadas intuitivamente por eles sequer são mencionadas durante o processo de ensino-

aprendizagem.

Ao solicitar que as professoras corrigissem uma narrativa fictícia de um suposto

aluno(a) de 9º ano, as duas ocorrências de pronome lexical foram assinaladas no texto. O

quadro abaixo destaca as variantes do acusativo anafórico utilizadas na narrativa e, em cor

sobressalente, os exemplos que foram corrigidos.

Variantes utilizadas na narrativa fictícia

SN anafórico

(semelhante e idêntico)

Objeto nulo Pronome lexical

“amava os

seus pais”

“achar a

Cinderela”

“amava os

seus pais”

“achar a

Cinderela”

“o príncipe

pegou ”

[seu sapato de

cristal]

“o príncipe

pegou ”

[seu sapato de

cristal]

“deixou ela ir”

[Cinderela]

“deixou ela ir”

[Cinderela]

“aceitar ela”

[Cinderela]

“aceitar ela”

[Cinderela]

Prof. 1 Prof. 2 Prof. 1 Prof. 2 Prof. 1 Prof. 2

Quadro 7. Variantes utilizadas na narrativa fictícia para entrevista com docentes.

Tanto o exemplo de pronome lexical em estrutura S V OD + verbo no infinitivo (que

favorece o emprego dessa variante no PB) quanto o exemplo em uma construção S V OD

Page 139: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

138

(que evidencia de modo mais saliente o uso do ele acusativo) foram corrigidos pelas

professoras, as quais os substituíram pelo clítico acusativo: “deixá-la ir” e “aceitá-la”. As

demais variantes foram normalmente aceitas, conforme mostra o retrato da correção feita por

ambas as professoras, em seguida:

Professora 1:

Professora 2:

Page 140: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

139

Acerca da correção retratada, vale ressaltar dois apontamentos em que a professora 2

assinalou o uso da categoria zero, indicando uma suposta carência de nitidez nas informações:

Um dia, sua mãe ficou doente e não aguentou ?.

O príncipe pegou e, depois, conseguiu achar a Cinderela porque [só ?

cabia no pé dela.

No primeiro caso, há um suposto objeto nulo sem referente explícito no texto (“as

consequências da doença”), o qual foi aqui destacado apenas em função da marcação

realizada pela professora. Tal objeto seria selecionado pelo verbo aguentar, transitivo direto

que, na verdade, possui valor semântico intransitivo nessa ocasião: “não aguentou”

“faleceu”. No segundo, a professora provavelmente relaciona o sujeito do verbo caber ao

termo sublinhado “a Cinderela” (o SN mais próximo do sujeito nulo em questão), indicando

uma possível incoerência, já que o sujeito não expresso se refere a um termo mais distante

(“sapato de cristal”): “Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu

sapato de cristal cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque [o

sapato] só cabia no pé dela”.

Ao analisar as considerações das duas professoras entrevistadas, chama atenção a

ênfase demonstrada, de modo geral, pela professora 2, especialmente, no intuito de não deixar

dúvidas quanto à sua posição acerca do ensino das variantes por ela consideradas formais,

cultas e, ainda, pertencentes à modalidade escrita, mais uma vez, ressalta-se, como se tais

contextos configurassem uma mesma categoria, a qual envolveria apenas o clítico acusativo

para a retomada do OD de terceira pessoa, cujo domínio assim se objetivaria no ambiente

escolar. Desse modo, é possível perceber um grau mais acentuado de conservadorismo na

perspectiva da professora 2, em comparação à professora 1, embora ambas evidenciem uma

concepção dicotômica e polarizada acerca dos conceitos de normas e da variação linguística.

A partir das considerações obtidas com o exame qualitativo dos dois primeiros

materiais de pesquisa analisados – os materiais didáticos e as entrevistas –, pode-se realizar a

análise do terceiro material investigado nesta pesquisa – as redações escolares – de forma a

promover um diálogo entre seus resultados e as apreciações feitas nesta primeira seção de

análise, o que se busca alcançar na seção 4.2 a seguir.

Page 141: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

140

4.2 Análise Sociolinguística Variacionista dos dados: a produção textual dos estudantes

Esta seção aborda exclusivamente a análise e interpretação dos dados encontrados nas

redações escolares investigadas, de modo a promover uma interseção entre as considerações

obtidas com a análise qualitativa dos materiais anteriormente averiguados (materiais didáticos

e entrevistas) e os resultados aqui alcançados com a análise sociolinguística variacionista do

corpus proporcionado pelas redações. Para tanto, em 4.2.1, expõe-se a distribuição geral dos

dados coletados; em 4.2.2, a análise multivariada desses dados; e em 4.2.3, por fim, faz-se

uma apreciação crítica dos resultados relacionados à correção das professoras, especialmente.

4.2.1 Distribuição geral dos dados

Para o fenômeno variável do OD anafórico de terceira pessoa, o corpus de redações

escolares das duas turmas de 9º ano do Ensino Fundamental aqui examinadas indicou a

ocorrência das seguintes variantes, no total de 657 ocorrências: SN anafórico, pronome

clítico, objeto nulo, pronome lexical e pronome demonstrativo; este último apenas quando

retomando um antecedente proposicional. A frequência de uso dessas variantes foi verificada

na ordem decrescente apresentada na tabela a seguir:

Estratégias de

representação do OD

anafórico de 3ª p.

Valor absoluto

Valor percentual

SN anafórico 280 / 657 42,6%

Pronome clítico 196 / 657 29,8%

Objeto nulo 126 / 657 19,2%

Pronome lexical 41 / 657 6,2%

Pronome demonstrativo 14 / 657 2,1%

TOTAL 657 100% Tabela 9. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações escolares

do 9º ano do Ensino Fundamental.

A tabela evidencia a mais alta ocorrência de SN anafóricos em 42,6% dos dados; o

clítico acusativo em um percentual de 29,8%; e o objeto nulo em um percentual também

expressivo de 19,2%. Em quarto lugar, aparece a variante pronome lexical com apenas 6,2%

de ocorrência. O pronome demonstrativo, por sua vez, foi utilizado somente na retomada de

antecedentes oracionais, em 2,1% do total de dados.

Page 142: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

141

Os resultados conferidos nessa distribuição corroboram, em geral, o que a literatura

vem evidenciando para a escrita de estudantes brasileiros, em especial no que compete a esse

nível de escolaridade. No entanto, se comparados aos resultados que Averbug (1998)

encontrou para o período do 9º ano do Ensino Fundamental – mais alto emprego do objeto

nulo, seguido do SN anafórico, clítico acusativo e, por último, o pronome lexical, nesta

sequência –, é possível verificar certa diferenciação. No corpus aqui analisado, o objeto nulo

foi apenas a terceira variante mais utilizada pelos alunos, e não mais a primeira como nos

resultados de Averbug (1998). A estratégia de maior ocorrência na escrita dos alunos aqui em

questão foi, predominantemente, o SN anafórico, que atingiu quase metade do total de

acusativos anafóricos encontrados (42,6%), conforme mostra mais claramente o gráfico a

seguir:

Gráfico 3. Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa no corpus de redações

escolares do 9º ano do Ensino Fundamental.

O predomínio do SN anafórico sobre as demais variantes também foi verificado por

Xavier (2015) em seu corpus de produções escritas de 9º ano do Ensino Fundamental. Apesar

disso, no corpus aqui investigado, também houve um percentual bastante expressivo de

clíticos, segunda estratégia mais utilizada pelos alunos. Entretanto, cabe mencionar que esta

43%

30%

19%

6%

2%

Distribuição geral das variantes do acusativo anafórico de 3ª p.

nas redações escolares do 9º ano do Ensino Fundamental

SN anafórico

Pronome clítico

Objeto nulo

Pronome lexical

Pronome demonstrativo

Page 143: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

142

também foi a segunda variante mais corrigida pelas professoras (fator que está mais bem

descrito na seção 4.3), no sentido de que os alunos apresentaram alguns usos irregulares do

clítico de terceira pessoa, como já apontava Freire (2005) a partir de exemplos de redações de

vestibulares. O predomínio do SN anafórico, por sua vez, também carrega uma informação

relevante ao ensino da língua. Do total de SN anafóricos encontrados, apenas 8,7% se referem

ao uso de SN sinônimos, estando em primazia, assim, o uso de SN idênticos e semelhantes, tal

como evidencia a tabela a seguir:

Formas de SN anafórico Valor absoluto Valor percentual

SN idêntico 125 / 280 19%

SN semelhante 98 / 280 14,9%

SN sinônimo 57 / 280 8,7%

TOTAL 280 / 657 42,6% Tabela 10. Distribuição das formas do SN anafórico encontradas nas redações escolares do 9º ano do Ensino

Fundamental: SN idêntico; SN semelhante; e SN sinônimo.

A maioria de SN anafóricos verificados se fez pelo uso de SN idênticos (125 do

total de 280 sintagmas nominais). Os percentuais de SN idênticos e semelhantes, se somados,

atingem 33,9% contra apenas 8,7% do total de sintagmas anafóricos (42,6%). Esse resultado

comprova que tais alunos não alcançam o intuito de evitar a repetição do objeto, o que

contribuiria de fato para uma coesão textual mais variada, uma vez que, em maior escala, eles

simplesmente repetem o termo antecedente, por meio de um SN idêntico, ou ao menos o

núcleo desse sintagma, modificando somente um determinante ou adjunto, por meio de um

SN semelhante.

Nas seções seguintes, veremos com mais detalhes os fatores que influenciaram o

uso de determinadas variantes, com base nos resultados das rodadas multivariadas realizadas

com o programa Goldvarb X.

4.2.2 Análise multivariada dos dados

Dentre as variantes averiguadas para o acusativo anafórico de terceira pessoa, o SN

anafórico e o objeto nulo são as estratégias mais “neutras” com relação à percepção dos

falantes, inclusive à das professoras, pois não sofrem nenhum estigma social, sendo

consideradas estratégias de “esquiva” ao uso do clítico, pouco familiar aos brasileiros, e do

pronome lexical, mais saliente e estigmatizado socialmente (cf. Silva (1993) e Duarte,

Page 144: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

143

(2013)). Em vista disso, foram realizadas rodadas multivariadas dos dados coletados com base

em dois valores de aplicação: o clítico acusativo e o pronome lexical, que são, portanto, as

variantes mais parciais (no sentido de não imparciais ou mais acentuadas) para a

representação do OD anafórico de terceira pessoa.

Nas duas subseções a seguir, apresentam-se as variáveis relevantes a cada uma

dessas variantes, analisando os resultados obtidos com as melhores rodadas realizadas pelo

programa Goldvarb X.

4.2.2.1 Variáveis relevantes ao emprego do pronome clítico

Com base no emprego do clítico acusativo, o programa selecionou como melhor

nível de interação estatística uma rodada de significância 0.00 e input .19 de tendência ao

clítico. Nesta, selecionaram-se seis variáveis relevantes ao uso desta variante – cinco

linguísticas e uma extralinguística. Dentre as variáveis linguísticas selecionadas, encontram-

se: a “animacidade do antecedente”; o “antecedente do acusativo anafórico”; a “distância

entre o termo antecedente e o acusativo anafórico”; a “função sintática do antecedente”; e a

“estrutura sintática da frase”. O único condicionante externo à língua selecionado foi,

curiosamente, o fator “escola”.

Na sequência, expõem-se os resultados referentes às seis variáveis em questão, em

ordem de relevância, conforme a seleção feita pelo programa.

a) Animacidade do antecedente

No corpus aqui analisado, a frequência de antecedentes animados foi o fator que

mais favoreceu a retomada anafórica pelo pronome clítico, ao passo que os antecedentes

inanimados desfavoreceram bastante o uso dessa variante, tal como mostra a tabela abaixo:

Animacidade do

antecedente

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Animado 179 / 394 45,4% .66

Inanimado 16 / 185 8,6% .19

TOTAL 195 / 579 33.7% – Tabela 11. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do clítico acusativo.

Page 145: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

144

Ressalta-se que o total de 579 dados expostos na tabela (ao invés de 657, que é o

total de dados geral do corpus) decorre da opção por contabilizar, nessa etapa, apenas os

traços animado ou inanimado do antecedente para essa variável, excluindo os dados de

referentes oracionais, que foram controlados em outra variável, conforme descrito e

justificado no capítulo de metodologia. Houve apenas um caso de retomada de oração por

meio do clítico acusativo e, por isso, o total de 195 clíticos utilizados na tabela, em lugar dos

196 clíticos encontrados no corpus completo.

Assim, os resultados da tabela comprovam que o clítico acusativo ocorreu

majoritariamente com referência a antecedentes animados (em 179 do total de 196 dados de

clíticos), atingindo 45,4% dos casos de antecedentes animados e peso relativo .66, e apenas

8,6% dos antecedentes inanimados, com peso relativo .19. Tendo em vista que o traço [+

animado] do antecedente, em geral, favorece o uso do ele acusativo na fala brasileira (cf.

estudos de Omena (1979), Duarte (1986), entre outros), faz sentido, em se tratando da escrita

de alunos no último ano do Ensino Fundamental, que esse traço [+ animado] do antecedente

tenha sido o maior favorecedor do emprego do clítico, haja vista o estigma fortemente

associado ao uso do pronome lexical, constantemente repelido ao longo dos períodos de

escolarização.

Nesse sentido, vale mencionar que Averbug (1998) evidenciou uma inversão nas

ocorrências do ele acusativo e do clítico justamente no 9º ano do Ensino Fundamental (antiga

8ª série, em sua análise), quando o clítico foi a terceira variante mais utilizada e o pronome

lexical passou a aparecer em último lugar, com o menor percentual de ocorrência. É possível,

portanto, que a atuação da escola esteja conduzindo a certa inversão: em lugar do ele

acusativo, usa-se o pronome clítico, o que remete, de certo modo, a algumas considerações

feitas na análise das entrevistas, nas quais as professoras demonstraram abordar, com maior

ênfase, as duas variantes em questão, promovendo o uso de uma – o clítico acusativo – em

detrimento de outra – o pronome lexical.

b) Natureza do antecedente

O contexto de antecedente oracional foi o maior desfavorecedor do emprego do

clítico, que quase sempre aparece retomando um sintagma nominal. Tal condição coloca esta

Page 146: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

145

variável como a segunda mais relevante ao uso do clítico acusativo, conforme mostra tabela a

seguir.

Antecedente do

acusativo

anafórico

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Sintagma nominal 195 / 574 34% .62

Oração 1 / 83 1,2% .03

TOTAL 196 / 657 29.8% – Tabela 12. Atuação da variável “antecedente do acusativo anafórico” quanto ao emprego do clítico

acusativo.

Embora o antecedente sintagma nominal tenha favorecido o uso do clítico

acusativo com peso relativo .62, chama a atenção o forte desfavorecimento condicionado pelo

antecedente oracional, com peso relativo .03. Isso sugere que a relevância do

condicionamento verificado se destaca muito mais em decorrência do que desfavorece o

emprego dessa variante – o antecedente proposicional – do que em função do favorecimento

exercido pelo antecedente sintagma nominal. A esse respeito, ressalta-se que Cyrino (1990,

1996, 1997) evidenciou a queda do o proposicional como o primeiro clítico a desaparecer no

sistema pronominal do PB. Dessa forma, a ocorrência de um clítico na retomada de um

antecedente oracional (exibido em (1), a seguir), neste corpus, pode demonstrar certa

preocupação mais elevada com o emprego da variante padrão.

(1) Frustrado por ter seu nome sujo, Jack sabia que ninguém jamais [o contrataria de novo]ᵢ. E

não oᵢ fizeram (Redação 159, escola 2, sexo masculino).

Nesse caso, destaca-se o fato de que a única retomada de antecedente proposicional

pelo clítico acusativo ocorreu justamente na redação de um aluno da escola 2, cuja professora

se mostra um pouco mais conservadora, como se pôde perceber por meio da análise de sua

entrevista no capítulo anterior.

c) Distância entre o antecedente e o acusativo anafórico

A análise revelou que há maior probabilidade de uso do clítico acusativo quando o

termo antecedente se encontra mais próximo (.58) do acusativo anafórico. Caso haja uma

distância maior no texto entre os termos, a referência ao antecedente por um pronome clítico

(.26) se torna mais difícil.

Page 147: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

146

Distância entre o

antecedente e o

acusativo

anafórico

Valor absoluto

Valor percentual

Peso relativo

Perto 168 / 495 33,9% .58

Longe 28 / 162 17,3% .26

TOTAL 196 / 657 29,8% – Tabela 13. Atuação da variável “distância entre o antecedente e o acusativo anafórico” quanto ao

emprego do clítico acusativo.

Os resultados da tabela certificam a hipótese de que o clítico dificilmente ocorreria na

retomada de antecedentes mais distantes estruturalmente, distância esta que favoreceria a

ocorrência do SN anafórico. De fato, cabe informar que a variante SN anafórico foi utilizada

em 69,8% dos casos de retomada a um antecedente [+ distante], em contraste ao percentual de

30,2% da soma das demais variantes no mesmo contexto. Esses dados ratificam, ainda, o que

Xavier (2015) havia sugerido sobre os resultados obtidos com a análise dos textos de seus

alunos (também cursando o 9º ano do Ensino Fundamental): a suposição de que a retomada

pelo sintagma nominal, em casos de antecedentes [+ distantes], facilitaria a referência ao

antecedente com mais nitidez, evitando qualquer ambiguidade. Além disso, os poucos casos

de clíticos encontrados pela autora citada também ocorreram em contextos de antecedentes

mais próximos estruturalmente do acusativo anafórico.

d) Escola do informante

Não é novidade que o uso do clítico acusativo se mostre em progressiva expansão

conforme aumenta o nível de escolaridade dos alunos brasileiros (considerando os estudos

anteriores de Averbug (1998, 2000, 2008), Machado (2006), entre outros). Nesse sentido, era

de se esperar que o fator escola exercesse influência relevante ao emprego dessa variante. No

entanto, ao considerar especialmente a instituição na qual estuda o aluno aqui informante a

natureza de uma variável de controle, surpreende a diferença verificada na atuação de uma e

outra escola:

Page 148: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

147

Escola Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Escola 1 84 / 305 27,5% .39

Escola 2 112 / 35231

31,8% .59

TOTAL 196 / 657 29,8% – Tabela 14. Atuação da variável “escola” quanto ao emprego do clítico acusativo.

Ao mesmo tempo em que a escola 2 condicionou o uso do clítico acusativo com peso

relativo .59, a escola 1, em contrapartida, “desfavoreceu” seu emprego com peso relativo .39.

Como ambas as escolas estão situadas na mesma região, sem muitas diferenças geográficas ou

sociais, essa distinção acaba por direcionar ao contraste na atuação de uma e outra professora

junto a seus respectivos alunos, os quais têm o mesmo grau de escolaridade. Obviamente, a

professora 1 não teve o intuito de restringir o uso do clítico acusativo, mas a atuação da

professora 2, em comparação à primeira, fez com que seus alunos utilizassem o clítico em

uma frequência bem mais elevada. Do total de 196 casos de clítico acusativo, mais da metade

(112/196; 57%) pertence aos dados da escola 2.

Ao traçar um paralelo entre esses resultados e as análises de base qualitativa ora

realizadas, destaca-se o estado um pouco mais acentuado de conservadorismo em relação ao

ensino da língua evidenciado nas respostas cedidas, em entrevista, pela professora 2. Nesse

sentido, tais resultados não demonstram simplesmente um melhor domínio linguístico por

parte dos seus alunos, embora revelem positivamente seu aprendizado sobre a forma como se

utilizam os clíticos. Os resultados indicam, na verdade, que os alunos dessa professora

absorveram com mais expressividade o uso do clítico como estratégia ideal para retomar um

termo antecedente. Mais do que isso, talvez seja esta a única forma que eles tenham estudado

em sala de aula como possível para essa função, seja por meio dos materiais didáticos

utilizados – os Cadernos Pedagógicos da SME e o sistemático Caderno do Futuro do IBEP –,

seja pela mediação feita por sua professora.

31

A diferença entre o total de dados de OD anafórico encontrados nas escolas não inviabiliza os

resultados, já que o número de clíticos foi maior nos dados da escola 2 até mesmo ao contabilizar

somente as redações do primeiro bimestre (antes de completar a amostra com as redações do terceiro

bimestre desta escola), quando havia um número menor de dados, no total, para a escola 2. Na ocasião,

havia um total de 305 dados para a escola 1 e apenas 173 para a escola 2 (total geral de 478 dados) e,

ainda assim, o programa havia selecionado a variável escola como relevante e o favorecimento ao

clítico foi verificado pela escola 2 com peso relativo .61, enquanto a escola 1 já o “desfavorecia” com

peso relativo .43.

Page 149: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

148

e) Função sintática do antecedente

De modo a corroborar a hipótese formulada para esta variável, o contexto de

antecedente com função sintática diferente do acusativo anafórico foi favorecedor ao uso do

clítico, enquanto o contexto de antecedente igualmente acusativo desfavoreceu o emprego

dessa variante:

Função sintática

do antecedente

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Igual 43 / 273 15,8% .38

Diferente 153 / 384 39,8% .58

TOTAL 196 / 657 29,8% – Tabela 15. Atuação da variável “função sintática do antecedente” quanto ao emprego do clítico

acusativo.

As pesquisas anteriores sobre o fenômeno revelaram que a referência a um

antecedente com a mesma função de objeto direto favorece o uso da categoria zero para a

retomada anafórica (cf. estudos de Omena (1979), Marafoni (2004), Freire (2005), entre

outros). Em vista disso, supôs-se que a função sintática diferente do antecedente pudesse

propiciar o emprego das demais variantes expressas e, possivelmente, do clítico. Os resultados

da tabela acima confirmam essa hipótese, evidenciando o favorecimento ao clítico acusativo

exercido pelo antecedente de função sintática diferente, com peso relativo .58. Além disso,

tais resultados ratificam a baixa probabilidade de ocorrência dessa variante com antecedente

de mesma função sintática, com peso relativo .38, o que remete ao favorecimento de tal

contexto sobre o emprego do objeto nulo.

f) Estrutura sintática da frase

A presença da estrutura sintática S V OD foi a única que favoreceu o uso do clítico

acusativo no corpus investigado. As demais estruturas controladas, por sua vez,

desfavoreceram o emprego dessa variante, principalmente em construções S V OD + verbo no

infinitivo, conforme mostra a tabela abaixo:

Page 150: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

149

Estrutura sintática

da frase

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

S V OD Oblíquo 38 / 142 26,8% .39

S V OD Predicativo 8 / 23 34,8% .37

S V OD 142 / 458 31% .55

S V OD V(infinitivo) 8 / 27 29,6% .29

TOTAL 196 / 650 30,2% – Tabela 16. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego do clítico acusativo.

Destaca-se, primeiramente, que o total de 650 dados exposto na tabela decorre da

opção por dar “não se aplica” aos dados de construções de “dupla função” com a segunda

oração na forma gerúndio (S V OD + verbo no gerúndio), na variável “estrutura sintática da

frase” – de modo a excluir os 7 dados desta estrutura –, tendo em vista a ausência de

ocorrência do pronome clítico em tais construções, fato que havia ocasionado knockouts na

rodada inicial, tal como explanado do capítulo de metodologia.

Do total de 196 clíticos acusativos que apareceram no corpus, 142 ocorreram em

estruturas S V OD (as quais constituíram 31% das ocorrências dessa estrutura), em contraste

com apenas 54 dados de clíticos nas demais estruturas sintáticas. Esses resultados confirmam

a hipótese de que, em construções S V OD, nas quais ainda se verifica o uso desta variante na

fala brasileira, segundo Duarte (1986), o emprego dos clíticos seria mais provável na escrita

desses estudantes. Não por acaso, também comprovando as hipóteses formuladas, as

estruturas de “dupla função”, como S V OD + predicativo e S V OD + verbo no infinitivo,

que são fortes favorecedoras ao uso do pronome lexical (cf. estudos de Omena (1979), Duarte

(1986), Marafoni (2004), Freire (2005), entre outros), foram as que mais desfavoreceram o

emprego do clítico, com pesos relativos .37 e .29, respectivamente.

Ao observar os resultados de todas as variáveis relevantes ao clítico acusativo, é

interessante perceber que os contextos desfavorecedores ao seu emprego, em geral, foram

mais expressivos do que os favorecedores. Os antecedentes sintagmas nominais, por exemplo,

favoreceram o uso do clítico com peso relativo .63, ao passo que a presença de um

antecedente proposicional desfavoreceu a variante com peso relativo .03. De igual maneira,

enquanto a distância curta entre o antecedente e o acusativo anafórico favoreceu o clítico com

peso relativo .58, a distância longa entre os termos o desfavoreceu em .26. O traço [+

animado] e a função sintática diferente do antecedente favoreceram o clítico em .66 e .58,

respectivamente, enquanto os contextos opostos o desfavoreceram em .19 e .38, na mesma

Page 151: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

150

ordem. O favorecimento de estruturas S V OD ao clítico foi de apenas .55; o

desfavorecimento das demais estruturas foi de .29, .37 e .39.

Em outras palavras, a seleção das variáveis linguísticas relevantes ao emprego do

clítico acusativo, na escrita desses estudantes, parece decorrer muito mais dos valores que

desfavorecem seu emprego do que do favorecimento exercido pelos contextos opostos.

Interpretação diferente, entretanto, é promovida com relação à variável extralinguística

“escola”, já que o fato de a escola 1 ter revelado peso relativo .39 ao emprego do clítico não

significa de fato um desfavorecimento à variante, demonstrando apenas que a escola 2

propiciou o uso do clítico em maior escala (.59), embora as duas escolas busquem que seus

alunos o utilizem.

4.2.2.2 Variáveis relevantes ao emprego do pronome lexical

A melhor rodada selecionada pelo programa com base na variante pronome lexical

obteve significância .01 e um input, igualmente, de apenas .01, o que já demonstra a raridade

de sua ocorrência, restrita a contextos bem peculiares. Nesse sentido, cabe ressaltar que o uso

da referida variante com antecedentes específicos foi categórico e, por isso, a variável

“especificidade do antecedente”, obviamente relevante,foi eliminada para a etapa de rodadas

multivariadas, conforme explicado no capítulo de metodologia. Assim, foram selecionados

pelo programa três grupos de controle relevantes ao seu emprego, quais sejam: o fator

“correção”; a “animacidade do antecedente”; e a “estrutura sintática da frase”, nesta ordem.

Obviamente, a correção dos textos feita pelas professoras não poderia condicionar o uso do

pronome lexical (anterior à tarefa da correção), mas a seleção desse grupo de controle dos

resultados como o mais relevante mostra a alta probabilidade de que o emprego do pronome

lexical seja corrigido pelas professoras, mesmo ocorrendo em uma baixa frequência de uso.

A seguir, apresentam-se os resultados dos três referidos grupos selecionados.

a) Fator correção

De forma a confirmar a hipótese desta pesquisa, o pronome lexical foi a variante mais

propícia à correção, embora sua ocorrência seja pouco expressiva, conforme mostra a seguinte

tabela:

Page 152: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

151

Grupo de

controle: correção

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Corrigida 27 / 46 57,8% .97

Não corrigida 14 / 612 2,5% .43

TOTAL 41 / 657 6,2% – Tabela 17. Resultados do grupo de controle “correção” quanto ao emprego do ele acusativo.

Como este grupo de controle revela a correção efetiva das professoras, seus resultados

serão explorados especialmente na última seção deste capítulo (4.2.3), que versa

especificamente sobre o problema da avaliação das variantes da regra variável. No entanto,

pode-se destacar, aqui, que o pronome lexical atingiu mais da metade das correções feitas

pelas professoras (57,8%). Em valores absolutos, de um total de 46 dados de correção

verificados no corpus, 27 corresponderam ao uso do pronome lexical, os quais serão

abordados com mais detalhes, portanto, na próxima seção.

b) Animacidade do antecedente

O traço [+ animado] do antecedente foi bastante favorável ao emprego do pronome

lexical, corroborando os estudos anteriores e confirmando a hipótese de que a maior

frequência dessa variante ocorreria em dados de antecedentes animados, tal como evidencia a

tabela abaixo:

Animacidade do

antecedente

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

Animado 39 / 394 9,9% .61

Inanimado 2 / 185 1,1% .26

TOTAL 41 / 657 7,1% – Tabela 18. Atuação da variável “animacidade do antecedente” quanto ao emprego do ele acusativo.

Como se pode observar, o traço [+ animado] do antecedente favoreceu o uso do

pronome lexical, com peso relativo .61, ao passo que o traço [- animado] o desfavoreceu, com

peso relativo .26. Do total de pronomes lexicais utilizados pelos alunos, houve apenas duas

ocorrências dessa variante com referência a antecedentes inanimados, os quais são

apresentados em (2) e (3), a seguir:

Page 153: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

152

(2) A palavraᵢ é “pai”, filho. Diga elaᵢ pra mim, para que eu fique feliz como da primeira vez

em que nos vimos, diz. (Redação 210, escola 2, sexo feminino).

(3) Ele mergulha até encontrar a bolsaᵢ, pega elaᵢ e volta até a superfície com a bolsa em sua

mão. (Redação 214, escola 2, sexo feminino).

Embora a literatura aponte o traço [+ animado] do antecedente como forte favorecedor

ao uso do pronome lexical e os resultados aqui obtidos tenham evidenciado o mesmo, com o

favorecimento de peso relativo .61 (exposto na tabela acima), é válido ressaltar que esse

mesmo contexto favoreceu também o emprego do clítico acusativo, com peso relativo .66 (cf.

tabela 11), quando contraposto a todas as outras variantes. Como o pronome lexical é uma

variante socialmente estigmatizada e, por conseguinte, de menor frequência, os alunos tendem

a buscar sua substituição, devido à influência escolar, pela variante considerada padrão.

Assim, é possível identificar certa transferência de uma variante à outra: o contexto que, em

geral, favorece a variante estigmatizada (principalmente na fala) foi o mais favorável, na

escrita dos estudantes, à variante padrão32

.

c) Estrutura sintática da frase

Ainda confirmando as hipóteses formuladas e ratificando os estudos anteriores, os

contextos de construções com “dupla função” foram os mais favoráveis ao pronome lexical,

ao contrário das estruturas S V OD, que desfavoreceram o uso dessa variante com peso

relativo .41:

Estrutura sintática

da frase

Valor absoluto Valor percentual Peso relativo

S V OD Oblíquo 17 / 108 15,7% .61

S V OD Predicativo 4 / 23 17,4% .75

S V OD 12 / 458 2,6% .41

S V OD V(infinitivo) 7 / 27 25,9% .84

S V OD OI 1 / 34 2,9% .73

TOTAL 41 / 657 6,2% – Tabela 19. Atuação da variável “estrutura sintática da frase” quanto ao emprego do ele acusativo.

32

De todos os contextos favoráveis ao clítico, o antecedente animado foi o mais expressivo, com peso

relativo .66. A variante pronome lexical atingiu 9,9% dos casos de antecedentes animados, enquanto o

clítico acusativo constituiu 45,4% das ocorrências desse contexto (cf. tabelas 18 e 11,

respectivamente).

Page 154: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

153

A tabela acima evidencia o mais alto emprego do pronome lexical em estruturas S V

OD + complemento oblíquo (17/108 – 15,7%). Se somadas as estruturas nas quais o verbo

seleciona um complemento oblíquo e as estruturas de “dupla função”, os resultados revelam,

nestas, mais da metade das ocorrências de pronomes lexicais – 29, em número absoluto,

contra 12 usos dessa variante em construções S V OD.

A maior probabilidade de uso do pronome lexical, por sua vez, verificou-se em

estruturas de “dupla função”: primeiramente, com verbo no infinitivo, com peso relativo .84,

e, em seguida, com predicativo, com peso relativo .75. Posteriormente, aparecem as estruturas

em que o predicador verbal seleciona, além do objeto direto, um objeto indireto, com peso

relativo .73, ou algum complemento oblíquo não dativo, com peso relativo .61. Dessa forma,

é possível estabelecer uma escala de favorecimento dessas estruturas à variante pronome

lexical, tal como ilustra o gráfico abaixo:

Gráfico 4. Probabilidade de uso do ele acusativo em função da variável “estrutura sintática da frase”.

A estrutura S V OD + verbo no infinitivo (exemplificada em (4)) foi o contexto mais

favorável ao uso do pronome lexical. Em segundo lugar, aparecem as construções, também de

“dupla função”, com predicativo (como em (5)). Em seguida, as demais estruturas favoráveis

S V OD

Oblíquo

S V OD OI S V OD

Predicativo

S V OD

V(infinitivo)

.61 .73 .75 .84

Favorecimento à variante pronome lexical

Page 155: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

154

à variante contêm um predicador verbal que seleciona algum argumento além do objeto

direto, seja um objeto indireto, como em (6), seja um complemento oblíquo não dativo, como

em (7). Os dados a seguir exemplificam tais ocorrências:

(4) A mãe de Melissa ficou tão feliz que elaᵢ ficou em segundo lugar no concurso que deixou

elaᵢ viajar pra Disney. (Redação 046, escola 1, sexo feminino).

(5) Elaᵢ viu um homem estranho na rua. Ele era alto e usava uma jaqueta e isso deixou elaᵢ

com muito medo (Redação 011, escola 1, sexo masculino).

(6) A palavraᵢ é “pai”, filho. Diga elaᵢ pra mim, para que eu fique feliz como da primeira vez

em que nos vimos, diz. (Redação 210, escola 2, sexo feminino).

(7) Então elaᵢ pediu que ele levasse elaᵢ até a casa da Beca (Redação 221, escola 2, sexo

feminino).

Não por acaso, a maioria dos dados de pronome lexical não corrigidos pelas

professoras ocorreu em estruturas como as apresentadas acima (cf. será observado na seção

4.3), que se enquadram no gráfico de favorecimento à variante, talvez por carregarem certo

grau de aceitação. A fim de abordar mais detalhadamente o fator correção controlado nesta

pesquisa, a próxima seção aborda as variantes mais ou menos corrigidas pelas professoras, de

modo a compreender em que medida o são e, além disso, as diferenças e semelhanças

encontradas na correção de cada uma delas.

4.3 O grupo de controle correção

Como mencionado anteriormente, o pronome lexical foi a variante mais corrigida no

corpus, atingindo mais da metade do percentual total de correção (57,8%). Os 42.2% restantes

de correções verificadas se dividiram entre o clítico acusativo (24,4%), o objeto nulo (11,1%)

e o SN anafórico (6,6%), tal como expõe o gráfico33

a seguir, de distribuição geral dos

resultados encontrados para o fator em questão:

33

A estratégia com o pronome demonstrativo foi categoricamente aceita pelas professoras e, portanto,

não aparece no gráfico exposto.

Page 156: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

155

Gráfico 5. Percentual geral de correção do acusativo anafórico de terceira pessoa.

É notória, evidentemente, a predominância da correção feita ao pronome lexical,

mesmo que seus usos sejam muito pouco frequentes. No entanto, o clítico acusativo, que é a

variante padrão e a segunda mais utilizada pelos alunos, também foi corrigido em um

percentual considerável de 24%. Os percentuais de correção do objeto nulo e do SN

anafórico, em contrapartida, correspondem a apenas poucos dados corrigidos destas variantes

– cinco da primeira e três da segunda –, conforme mostra seguinte a tabela:

Estratégias de

representação do OD

anafórico de 3ª p.

Frequência de correção

Valor absoluto Valor percentual

Pronome lexical 27 / 41 57,8%

Pronome clítico 11 / 196 24,4%

Objeto nulo 5 / 126 11,1%

SN idêntico 2 / 125 4,4%

SN semelhante 1 / 98 2,2%

SN sinônimo 0 / 57 0%

Pronome demonstrativo 0 / 14 0%

TOTAL 46 / 657 7% Tabela 20. Distribuição geral do acusativo anafórico de 3ª p. em função da frequência de correção.

58% 24%

11% 7%

Percentual geral de correção do OD anafórico de 3ª p.

Pronome lexical

Pronome clítico

Objeto nulo

SN anafórico

Page 157: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

156

Para os resultados gerais acima expostos, considerou-se como correção toda e

qualquer assinalação feita pelas professoras nos textos de seus estudantes. No entanto,

observou-se que os dados de clíticos não aceitos pelas docentes ocorreram em função de

questões gráficas, como no exemplo (8):

(8) Então elaᵢ tomou coragem e entrou, ao chegar dentro da casa dona Matilda vendo aᵢ,

colocou a mãe em seu ombro (Redação 007, escola 1, sexo feminino) – corrigido para

“vendo-a”.

Nessa ocorrência, a correção foi feita devido à ausência do hífen na grafia do aluno,

que (entre outros exemplos abordados mais adiante) demonstra utilizar o clítico sem dominar

as regras de representação da ênclise. A assinalação da docente, no caso, não se dá em prol do

uso de outra variante em lugar do clítico.

De igual maneira, a correção à variante SN anafórico verificada no corpus evidenciou

tão somente a busca por evitar a repetição de termos idênticos ou semelhantes, sem remeter à

escolha de outra variante em seu lugar, já que as docentes não apontaram, no texto, o uso de

outra forma por elas considerada mais adequada, apenas sublinhando os termos antecedente e

anafórico, tal como em (9):

(9) Ele se despede da amiga e sai correndo até o local da palestraᵢ, porém descobre que a sala

estava vazia e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. (Redação 008, escola 1, sexo

feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados).

Em vista disso, o gráfico a seguir expõe o percentual geral de correção ao uso das

variantes do acusativo anafórico de terceira pessoa, excluindo-se as assinalações feitas a

estruturas graficamente irregulares e não expressamente substituídas por outras:

Page 158: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

157

Gráfico 6. Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD anafórico de 3ª p.

Como se pode observar, é evidente o predomínio da coerção ao uso do pronome

lexical, seguido de poucas correções ao emprego do objeto nulo, ambas corrigidas com a

substituição pelo clítico, conforme as anotações feitas pelas professoras.

Visando a uma apreciação mais detalhada das condições de correção das quatro

variantes em questão, faz-se, na sequência, uma abordagem da correção verificada em cada

uma delas, separadamente, da variante menos corrigida (a iniciar pelas de uso assinalado

porém não substituído por outra forma – SN anafórico e clítico acusativo) à mais corrigida

pelas professoras.

a) A variante SN anafórico

Os resultados apontam que o SN anafórico foi a variante menos corrigida, ainda que

tenham ocorrido poucos casos de SN sinônimo, conforme explicitado na seção 4.1 (57, em

valor absoluto). Da soma de SN idênticos e semelhantes (125 e 98, respectivamente), que

84%

16%

Percentual geral de correção ao uso das variantes do OD de 3ª p.

Pronome lexical

Objeto nulo

Page 159: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

158

reúnem um total de 223 dados de sintagmas anafóricos iguais ou parcialmente iguais ao

antecedente, houve somente três ocorrências corrigidas:

(10) Eles marcaram um encontroᵢ em uma praça perto da escola, marcaram o encontroᵢ às

18:00 horas da noite. (Redação 130, escola 1, sexto feminino; corrigido com termo anafórico

sublinhado)

(11) Ele se despede da amiga e sai correndo até o local da palestraᵢ, porém descobre que a sala

estava vazia e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. (Redação 008, escola 1, sexo

feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados)

(12) (...) e acaba pensando que perdeu a palestraᵢ. Triste, ele caminha para a saída da

faculdade porém encontrou um homem que diz que ele estava na sala errada e mostra a ele a

verdadeira sala, assim Watson conseguiu dar a palestraᵢ. – termos sublinhados (Redação

008, escola 1, sexo feminino; corrigido com termos correspondentes sublinhados)

No primeiro exemplo (10), chama atenção a repetição não só do sintagma nominal

como também do predicador verbal, o que provavelmente deve ter influenciado a coerção da

professora, além do fato de os termos estarem muito próximos entre si34

. Neste caso, poderia

ser mais eficiente, para evitar repetições, a omissão tanto do acusativo anafórico quanto do

predicador verbal, a qual não causaria prejuízos à compreensão do leitor: “Eles marcaram um

encontro em uma praça perto da escola, às 18:00 horas da noite”. Como a professora

sublinhou somente o SN anafórico e não o verbo repetido, outra opção seria substituir o verbo

por outro que, no enunciado, denotasse o mesmo sentido. Neste caso, o uso do objeto nulo

seria uma boa opção, melhor até (em se tratando do âmbito do PB) do que o próprio clítico:

“Eles marcaram um encontro em uma praça perto da escola, combinando às 18:00 horas da

noite”.

Como se pode observar, embora o clítico acusativo seja considerado a variante padrão

e, além disso, costume ser utilizado em contextos de escrita mais formal, seu uso nem sempre

irá funcionar, necessariamente, como o mais adequado. Ainda assim, não demandaria

nenhuma correção, em quaisquer contextos, à exceção dos casos em que se verificam usos

irregulares da variante, adiante explorados.

34

Ressalta-se, aqui, a maior ocorrência de sintagmas nominais anafóricos nos casos de maior distância

entre o termo antecedente e o acusativo anafórico. Conforme apontado na seção 4.2.2, a variante SN

anafórico constituiu 69,8% dos dados do referido contexto.

Page 160: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

159

Nos dois outros dados corrigidos, que pertencem à mesma redação, destaca-se o fato

de o aluno repetir o mesmo SN por muitas vezes no decorrer do texto. Seria o caso, então, de

tentar modificar a estrutura de modo mais amplo, como em: “(...) e acaba pensando que

perdeu a palestra. Triste, ele caminha para a saída da faculdade porém encontrou um homem

que diz que ele estava na sala errada e mostra a ele a verdadeira sala, assim Watson conseguiu

realizar seu trabalho / cumprir seu objetivo”.

Nota-se, assim, que os três dados de SN semelhante e idênticos corrigidos demonstram

uma repetição mais extensa do que propriamente a repetição de um termo anafórico. Por outro

lado, à exceção das três ocorrências corrigidas elucidadas, há usos de SN idênticos ou

semelhantes que acarretam um texto intensamente repetitivo e, ainda assim, não se mostraram

salientes à correção das professoras. Em alguns casos, o emprego do clítico acusativo tornaria

o texto mais elaborado, como nos exemplos (14) e (15); em outros, porém, o objeto nulo

poderia ser suficiente para a retomada anafórica, como em (13):

(13) Sua mãe não queria falar o nome da sua avóᵢ. Quando ela descobriu o nome de sua avó,

resolveu fazer uma história para ela. (Redação 028, escola 1, sexo feminino)

(14) Ela viu um homemᵢ maltratando um filhote de cachorro, desesperada ela ligou pra

policia, que prendeu o homemᵢ. (Redação 021, escola 1, sexo feminino)

(15) Ele morava sozinho e tinha vários amigosᵢ. Quando eles precisavam de ajuda, Ivo sempre

dava um jeito de ajudar os seus amigosᵢ. (Redação 100, escola 1, sexo feminino)

O seguinte trecho de uma das redações elucida de modo ainda mais evidente essa

questão:

E as três meninas entraram na água. Um tempo depois elas se

afogaram. Lucas entrou na água para salvar as meninas seus colegas

vieram e ajudaram ele a salvar as meninas. Mais no final tudo deu

certo eles conseguiram salvar as meninas (Redação 012, escola 1,

sexo masculino).

Acerca do trecho destacado, ressalta-se que, ao passo que a intensa repetição de SN

anafóricos não acarretou correção ou qualquer sinalização pelas professoras, o uso do ele

acusativo – dado seu estigma em relação ao que se idealiza como norma padrão – não fugiu a

sua percepção:

Page 161: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

160

(16) Lucasᵢ entrou na água para salvar as meninas seus colegas vieram e ajudaram eleᵢ a

salvar as meninas (Redação 012, escola 1, sexo masculino; corrigido para ajudaram-no)35

.

Entretanto, em outros casos, o uso de SN semelhante não parece provocar uma

repetição danosa ao texto, como nos exemplos (17) e (18). Certas vezes, o emprego dessa

forma pode até mesmo contribuir para alguma ênfase (como em (19)) e, nesses casos, de fato

não haveria razões para correção.

(17) Outro dia, mexendo na grama, encontrei uma pedra coloridaᵢ. / Nessa mesma época, eu

levei a pedraᵢ para casa e mostrei à minha mãe. (Redação 158, escola 2, sexo masculino)

(18) Vários dias se passaram e Hazel continuou sentada ao lado de Gusᵢ. / Ela estava

loucamente apaixonada por ele. Nisso ela queria conquistar o Gusᵢ de qualquer forma, e

contou com ajuda de uma amiga. (Redação 105, escola 1, sexo feminino)

(19) No outro dia Maria chegou na escola e se sentou, logo Axelᵢ chegou e perguntou o

porquê dela estar triste. Depois de ter contado, ele percebeu que ela o admirava, ela gostava

dele. Ele fez uma cara de assustado e saiu depressa dali. Maria sem entender correu, chorando

para sua casa. / Ela já não ia a escola fazia dias, por vergonha de encarar o tão lindo Axel

Brandfordᵢ, mas tomou coragem e foi. (Redação 085, escola 1, sexo feminino).

b) A variante clítico acusativo

Com relação à correção ao clítico acusativo, houve uma diferença bastante

significativa entre as redações de cada escola, a qual pôde ser melhor identificada com o

cruzamento dos fatores “escola” e “correção”:

35

No exemplo citado, destaca-se que a estrutura sintática que envolve o ele acusativo em questão é um

dos contextos que mais favorecem a variante, conforme visto na seção 4.2.2.2, com o gráfico X de

favorecimento à variante pronome lexical. Trata-se de uma construção em que o predicador seleciona

um complemento oblíquo além do objeto direto (“a salvar as meninas”); contexto que, no entanto,

constituiu a maioria das ocorrências de pronome lexical não corrigido pelas professoras.

Page 162: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

161

Variante pronome clítico

Escola 1 Escola 2

Nº % Nº %

Corrigidos

8 / 40

20%

3 / 6

50%

Não corrigidos

76 / 265

29%

109 / 347

31%

Total de clíticos

84 / 305

28%

112 / 352

32% Tabela 21. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e “correção” sobre o emprego

do clítico acusativo.

A tabela mostra que mais da metade das ocorrências de clíticos acusativos se verificou

dentre os dados da escola 2 – 112, em valor absoluto, em contraste aos 84 dados de clíticos da

escola 1. Ainda assim, houve mais casos de usos irregulares (corrigidos) de clíticos acusativos

(corrigidos) nas redações da escola 1 (8 dados) do que nas da escola 2 (3 dados). Embora a

soma das duas escolas não sugira um número tão expressivo de usos irregulares (11 correções,

do total de 196 clíticos), o teor de tais ocorrências chama a atenção, principalmente em se

tratando de textos de alunos do último ano do Ensino Fundamental, o que se pode perceber

com os exemplos (20), (21), (22), (23) e (24), a seguir.

(20) Caroline encontrou sua tia Fátima e ela percebeu que Carolineᵢ não estava bem. Levou-laᵢ

ao médico e Caroline estava com anemia. (Redação 010, escola 1, sexo feminino; corrigido

para levou-a)

(21) A mãe de Léo trabalhava concertando carros, construindo coisas, etc. Às vezes elaᵢ o

deixava aᵢ ajuda laᵢ. (Redação 039, escola 1, sexo masculino; corrigido para “ajudá-la”).

(22) No sonho ela era bela, formosa e eleᵢ se via nela foi então que ela encher oᵢ de conselhos

(Redação 247, escola 2, sexo masculino; corrigido para “encheu-o”).

(23) Era uma vez um loboᵢ meio mal cujo seu nome ja começa estranho Alexandre T. Lobo,

mas pode chama loᵢ de Alex. (Redação 057, escola 1, sexo masculino; corrigido para “chamá-

lo”).

(24) Então elaᵢ tomou coragem e entrou, ao chegar dentro da casa dona Matilda vendo aᵢ,

colocou a mãe em seu ombro (Redação 007, escola 1, sexo feminino; corrigido para “vendo-

a”).

Page 163: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

162

Esses dados refletem o estatuto do clítico acusativo como variante de uma gramática

ainda em construção por parte dos estudantes em questão, demonstrando a pouca

familiaridade que apresentam com relação aos padrões ortográficos que regem seu uso, o que

evidencia certa dificuldade em corresponder ao intuito escolar de recuperar o emprego do

clítico acusativo. Em outros casos, a correção feita pelas professoras sucedeu da colocação

pronominal, como em (25), (26), (27) e (28).

(25) Harry aᵢ beija por um longo período, tirando seu fôlego e logo em seguida aᵢ pedindo em

namoro. (Redação 032, escola 1, sexo masculino; corrigido para pedindo-a)

(26) Elaᵢ tinha inveja de mim. Mais mesmo depois deu aᵢ ajudar ela continuava me

ameaçando (Redação 052, scola 1, sexo feminino; corrigido para ajudá-la)

(27) Essas mulheresᵢ não eram as mais bonitas e nem de melhor classe social, mas tinham

corações enormes e poderiam sim fazer Miguel ser uma pessoa melhor, mas com seu orgulho

do tamanho de Mercúrio nunca se desculpou com nenhuma e foi asᵢ perdendo. (Redação 070,

escola 1, sexo feminino; corrigido para perdendo-as)

(28) Quando eleᵢ se depara com uma luz que brilhava muito intensamente e o atraiu e

teletransportando-oᵢ para um lugar desconhecido. (Redação 093, escola 1, sexo masculino;

corrigido para o teletransportando)

Não foram codificados como corrigidos os dados em que os alunos não acentuaram os

verbos em ênclise, como em (31), justamente por se identificarem como uma irregularidade

de acentuação36

. No entanto, nos dois últimos casos de clíticos corrigidos, os alunos

acentuaram o clítico exatamente e, por esse motivo, foram contabilizados como um uso

irregular de clítico acusativo de terceira pessoa – expostos em (29) e (30) –, embora não se

manifestem da mesma maneira que as ocorrências citadas anteriormente.

36

Verificaram-se, no corpus, dez ocorrências em que apenas a acentuação foi corrigida pelas

professoras (não contabilizados, portanto, como clíticos corrigidos), a saber: cura-la (redação 016,

escola 1, sexo feminino); busca-la (redação 54, escola 1, sexo feminino); leva-la (redação 54, escola 1,

sexo feminino); acompanha-la (redação 74, escola 1, sexo masculino); dispensa-lo (redação 66, escola

1, sexo masculino); salva-las (redação 79, escola 1, sexo feminino); ajuda-la (redação 92, escola 1,

sexo masculino); compreende-la (redação 112, escola 1, sexo feminino); cura-la (redação 139, escola

2, sexo masculino); leva-lo (redação 175, escola 2, sexo masculino).

Page 164: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

163

(29) Elaᵢ morava com uma tia muito má, depois do falecimento dos seus pais em um acidente

de carro. Mais mesmo sua tia àᵢ maltratando, ela ainda tinha o sonho de ser “livre”.

(Redação 144, escola 2, sexo feminino; corrigido para “a maltratando”).

(30) Dela não gosta de ver Ruthᵢ nesse estado e faz de tudo para ajuda-láᵢ (Redação 225,

escola 2, sexo feminino; corrigido para “ajudá-la”).

(31) Eles foram conversando por muito tempo até que Aliceᵢ disse seu grande sonho para

Jorge que era conhecer uma cidade, ele concordou em ajuda-laᵢ em seu sonho. (Redação 092,

escola 1, sexo masculino; corrigido em “ajudá-la”).

c) A variante objeto nulo

No que tange ao uso do objeto nulo, das 126 ocorrências dessa variante, somente cinco

não foram aceitas pelas professoras. Desses cinco dados corrigidos, quatro (exibidos nos

exemplos (32), (33), (34) e (35)) se referiam seguramente a um antecedente humano e

específico:

(32) Ela começou a pedir para a menina parar, mais ela nunca parava, deu um tempo na

verdade anos e achou que nunca mais ia ver a meninaᵢ novamente mais viu ᵢ no shopping,

mais sozinha e encarando ela. (Redação 052, escola 1, sexo feminino; corrigido para “a viu”)

(33) No dia do casamento, o noivoᵢ teve um acidente e não foi no dia do casamento, a noiva

foi visitar ᵢ no hospital, felizmente ele só tinha quebrado a perna. (Redação 080, escola 1,

sexo feminino; corrigido para “visitá-lo”)

(34) Elaᵢ gostava muito de trabalhar como médica, era calma e muito feliz. / Até que um dia a

amiga dela Alice chamou ᵢ para ir no grupo de oração. (Redação 087, escola 1, sexo

feminino; corrigido para “chamou-a”)

(35) Elaᵢ era feliz fazendo isso. Até que o dono do shopping expulsou ᵢ do shopping, porque

não estava tendo rendimento. (Redação 107, escola 1, sexo feminino; corrigido para “a

expulsou”)

O quinto dado de objeto nulo corrigido (36), embora assinalado como referente a um

antecedente inanimado, demonstrou certa ambiguidade em sua leitura:

Page 165: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

164

(36) Quando suas forças para soltar a corda já tinham se esgotado, apareceu um principe, filho

do rei, que soltou dizendo “vamos sair daqui”. (Redação 150, escola 2, sexo feminino;

corrigido com sublinhado entre os termos que e soltou)

Em uma primeira leitura, a referência do objeto nulo do exemplo (36) é associada ao

termo antecedente a corda, inanimado porém específico, único contexto que, segundo a

literatura (cf. estudos de Marafoni (2004), Averbug (2008), entre outros, citados no capítulo

1), ainda restringe o uso dessa variante no PB. No entanto, a professora não o corrigiu

colocando o clítico a ou qualquer objeto expresso em seu lugar, mas simplesmente sublinhou

a ocorrência, indicando alguma incoerência ou irregularidade. É possível que, em uma

segunda leitura, esse objeto seja associado a um antecedente mais distante, referente à pessoa

que foi solta (antes, presa pela tal corda), o qual foi retomado diversas vezes no texto:

Uma bela mulher, que morava em uma simples casa numa

cidade qualquer, era amaldiçoada por sua madrasta, que queria sua

juventude. A maldição dizia que elaᵢ nunca seria feliz, e por isso saiu

da casa de seu pai.

As pessoas aᵢ olhavam com estranheza, por isso elaᵢ só saía de

casa quando o necessário, quase não tinha despesas. Nunca fora

realmente feliz, e ficou sabendo por alguns boatos que seria

executada.

Foi julgada e condenada. Numa simples tarde aᵢ prenderam

numa árvore perto do palácio, passaria a noite lá, e seria morta pela

manhã. Quando suas forças para soltar a corda já tinham se esgotado,

apareceu um principe, filho do rei, que soltou ᵢ dizendo “vamos sair

daqui” (Redação 150, escola 2, sexo feminino).

Como a marcação feita pela professora se encontra justamente entre os termos que e

soltou, ou seja, assinalando o espaço anterior ao verbo, é provável que sua intenção tenha sido

aludir ao uso do clítico acusativo (“a soltou”), o que não solucionaria a ambiguidade, já que

os dois possíveis antecedentes são femininos e o pronome utilizado seria o mesmo. Por esse

motivo, talvez, a professora deva ter optado por sublinhar a ocorrência sem fazer uma

correção explícita em prol do clítico, apenas sugerindo que o uso do objeto nulo, nesse caso,

não foi totalmente eficaz.

Page 166: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

165

d) A variante pronome lexical

Ao que tudo indica, as redações da escola 2, em comparação às da escola 1,

demonstram um direcionamento bem maior à aproximação da variante padrão e ao

afastamento da variante estigmatizada, muito provavelmente em decorrência do trabalho

exercido por suas professoras. Ao comparar os resultados do cruzamento para a variante

clítico acusativo (cf. tabela 22) ao mesmo cruzamento – grupo de fatores “escola” e

“correção” – para o pronome lexical, essa situação fica ainda mais evidente:

Variante pronome lexical

Escola 1 Escola 2

Nº % Nº %

Corrigidos

25 / 40

62%

2 / 6

33,3%

Não corrigidos

6 / 265

2%

8 / 347

2,3%

Total de pronomes lexicais

31 / 305

10%

10 / 352

3%

Tabela 22. Resultados do cruzamento entre os grupos de fatores “escola” e “correção” sobre o emprego do

pronome lexical.

Do total de correções ao acusativo anafórico verificadas no corpus (46, em valor

absoluto), quase todas foram conferidas pela escola 1, havendo 40 dados corrigidos em suas

redações e somente 6 nas redações da escola 2. A julgar pelas ocorrências corrigidas e pelas

entrevistas com as respectivas professoras (analisadas anteriormente na seção 4.1.3), esse

resultado mostra não uma coerção menos intensiva da professora 2, mas sim que as redações

de seus alunos suscitaram menos usos que demandavam correção. Dos 40 dados corrigidos

da escola 1, mais da metade se referiu a pronomes lexicais (62%, que correspondem a 25

dados). Além disso, do total de 41 dados de pronomes lexicais, 31 ocorreram nas redações da

escola 1 (dos quais 25, portanto, foram corrigidos). Nas redações da escola 2, houve apenas

10 ocorrências de pronome lexical, das quais 2 foram corrigidas, expostas em (37) e (38):

(37) Um homem negro viu Sheldonᵢ doente e carregou eleᵢ até uma caverna. (Redação 220,

escola 2, sexo masculino; corrigido para carregou-o)

(38) Ele mergulha até encontrar a bolsaᵢ, pega elaᵢ e volta até a superfície com a bolsa em sua

mão (Redação 214, escola 2, sexo feminino; corrigido com termo ela sublinhado).

Page 167: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

166

Conforme mostrou a tabela 20, no início desta seção, do total de 41 dados de pronome

lexical encontrados no corpus, 14 não foram corrigidos e, destes, a maioria ocorreu em

estruturas de “dupla função”, seja com um predicativo, como em (39), seja com um verbo no

infinitivo (40), ou em construções em que o predicador verbal selecionava um complemento

oblíquo além do objeto direto (41):

(39) Thomasᵢ morava no Rio de Janeiro com seus pais. Seus amigos chamavam eleᵢ de nerd,

porque ele não conseguia viver um segundo sem internet. (Redação 051, escola 1, sexo

masculino).

(40) Eleᵢ apanhava e não podia fazer nada, porque seu pai não deixava eleᵢ praticar violência.

(Redação 131, escola 1, sexo masculino).

(41) Até que a avó de Joanaᵢ escreveu elaᵢ em um concurso de natação. (Redação 097,

escola 1, sexo masculino).

As demais ocorrências não corrigidas, ainda que apresentadas em estruturas S V OD,

nas quais a saliência do ele acusativo fica mais evidente, referiam-se a antecedentes não só

animados como também humanos, contexto que favorece o uso do pronome lexical (cf. seção

4.2.2.2, tabela 18). A única ocorrência não corrigida com antecedente inanimado encontrada

no corpus demonstrou certa ênfase ao objeto, exposta em (42):

(42) Hazelᵢ começou a chorar e ficou muito triste, nada alegrava elaᵢ. (Redação 105, escola 1,

sexo feminino).

Em vista das apreciações conferidas com relação às formas variantes de retomada

anafórica do OD de terceira pessoa averiguadas no corpus, sobretudo no tangente à análise

das correções realizadas pelas professoras, é possível promover algumas ponderações acerca

do ensino de Português, especialmente no que concerne ao tratamento dispensado ao

fenômeno gramatical variável aqui em abordagem. Assim, a última seção deste capítulo, a

seguir, busca articular algumas reflexões para o ensino a partir da interpretação dos resultados

alcançados com esta pesquisa, o que, em última análise, poderá fundamentar propostas

pedagógicas a serem futuramente testadas em sala de aula.

Page 168: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

167

4.4 Análise dos resultados: reflexões para o ensino

As análises anteriormente desenvolvidas permitem refletir sobre algumas questões

relevantes para o ensino de Português, sobretudo no que se refere à abordagem do acusativo

anafórico de terceira pessoa como fenômeno gramatical variável. Ao que tudo indica, no

âmbito escolar, a noção de fenômenos gramaticais encontra-se ainda distanciada da

abordagem de fenômenos variáveis, os quais, na realidade, são parte intrínseca do sistema

gramatical da língua. A esse respeito, embora as professoras entrevistadas exponham a

carência de um tratamento mais efetivo com os componentes gramaticais no material didático

fornecido pela SME, a análise de suas entrevistas sugere que a compreensão gramatical por

elas almejada para o ensino não ultrapassa o conhecimento de uma norma linguística

idealizada.

O exame sociolinguístico variacionista das redações escolares, isoladamente,

corrobora os estudos anteriores sobre o tema, evidenciando que cada uma das variantes

apreciadas encontra certa produtividade em determinados contextos de uso, tal como

explicitado na seção 4.2.2. No entanto, a julgar pelas considerações conferidas pelas

professoras em entrevista, persiste, no ambiente do ensino, uma concepção ainda redutora e

polarizada da variação linguística, a partir da qual se acaba por restringir o estudo da língua à

abordagem de apenas duas estratégias de retomada do acusativo anafórico: (i) o clítico

acusativo, marcado positivamente no domínio escolar, e (ii) o ele acusativo, relacionado a

contextos orais e de maior informalidade, marcado negativamente no espaço da escola.

O quadro a seguir sintetiza os resultados alcançados nos três tópicos de análise desta

pesquisa no que tange às variantes clítico acusativo e pronome lexical, consideradas

“marcadas” ou “não neutras” para o fenômeno em questão.

Page 169: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

168

Variantes

“marcadas”

do OD

anafórico de

3ª p.

Menção

nos

materiais

didáticos

Considerações

nas entrevistas

Contextos ling. de

maior produtividade

Julgamento das

professoras – status

da correção

Retomada de

antecedentes:

Clítico

acusativo

Registro formal;

modalidade

escrita.

Animados; sintagmas

nominais;

estruturalmente

próximos; de função

sintática diferente; em

estruturas SVOD.

Amplamente aceito.

Não aceito em 11

casos de “usos

irregulares do

acusativo anafórico

de 3ª p.”

Pronome

lexical

X37

Registro

informal;

modalidade oral.

Específicos; animados;

em estruturas de

“dupla função”;

construções SVOD +

comp. oblíquo; ou

SVODOI.

Amplamente

corrigido.

Não corrigido em 14

casos de estruturas

de “dupla função”;

construções SVOD +

comp. oblíquo; ou

SVOD com

antecedentes

humanos.

Quadro 8. Síntese dos resultados das análises dos materiais didáticos, entrevistas e redações escolares

sobre as variantes clítico acusativo e pronome lexical.

Embora os alunos, no 9º ano do Ensino Fundamental, tenham utilizado

expressivamente o clítico acusativo em suas redações, apesar dos poucos porém

qualitativamente significativos casos de usos irregulares dessa variante (cf. Seção 4.2.3), o

quadro evidencia ainda mais a ideia dicotômica das normas linguísticas nas considerações

concedidas pelas professoras em entrevista. Dentro dessa perspectiva, é possível questionar

37

Ressalta-se que houve uma única menção à variante pronome lexical no manual do professor da

obra Vontade de Saber Português como estratégia opcional de retomada do acusativo anafórico de

terceira pessoa, apenas em uma sugestão de resposta a determinado exercício (conforme explicitado no

Capítulo 4), sem quaisquer alusões a normas ou contextos de uso.

Page 170: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

169

em que medida se dá a aprendizagem do acusativo anafórico como fenômeno variável por

parte de seus alunos. Será que esses estudantes compreendem o emprego do clítico acusativo

dentro do continuum de variação em que se processa o uso da língua? Ou basta que eles

saibam utilizar essa variante para que tenham atingido o domínio linguístico esperado pela

escola?

Não se questiona, aqui, a necessidade de levar o aluno ao conhecimento das variantes

mais formais, principalmente em se tratando da modalidade escrita, haja vista a atuação

escolar em prol da compreensão de estratégias mais distantes do vernáculo brasileiro, o que

inclui o ensino do clítico acusativo. Entretanto, a compreensão das normas urbanas de

prestígio, nos termos de Faraco (2008), mesmo em contextos escritos e de maior formalidade,

não implica (ou não deveria implicar) uma visão estereotipada da língua, como se houvesse

um Português correto, escrito e formal, ensinado na escola, enquanto todo o espectro da

variação abarcaria apenas os usos “possíveis mas não corretos” da modalidade oral e do

registro informal, os quais fazem parte do cotidiano dos alunos, mas não fariam parte da

“língua da escola”.

Se as professoras demonstram uma visão polarizada da língua, no sentido de que

haveria uma norma “correta” e outras possíveis fora do ambiente escolar, é muito provável

que seus alunos entendam a variante considerada padrão como “A” forma correta da Língua

Portuguesa, o que excede o status de forma ideal da norma padrão. Essa visão, por sua vez,

não conduz a um conhecimento verossímil sobre a língua. Assim, o uso do clítico acusativo

por parte dos estudantes se manifesta, de fato, como uma condição necessária e essencial aos

objetivos da escola – considerando os propósitos conferidos nas orientações dos PCN (1998)

e nas contribuições de Vieira (2015) acerca do ensino de Português (citados no Capítulo 2) –,

mas não configura uma condição suficiente para tanto. Em outras palavras, a compreensão do

corpo discente sobre o emprego do pronome clítico indica, realmente, uma ampliação de seu

domínio linguístico, mas não revela, para além desse indício, uma melhor compreensão sobre

a língua estudada.

Nesse sentido, considera-se bastante válido o desenvolvimento de propostas

pedagógicas que visem ao ensino de formas linguísticas aprendidas pelos alunos com maiores

dificuldades, como o caso do clítico acusativo. Embora o fato de ser esta a variante

considerada padrão remeta a um plano de normas idealizadas (cf. as considerações de Faraco

(2008) apontadas no Capítulo 2), seu uso se verifica, efetivamente, em gêneros que exigem

Page 171: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

170

alto grau de monitoração, escritos ou, em raras ocorrências, até mesmo orais, o que evidencia

seu emprego, ainda, em um plano de normas praticadas/de uso. A compreensão do clítico

acusativo via escolarização, portanto, não parece inapropriada. Por outro lado, a fim de não

comprometer a noção de variação e os conceitos de norma, as demais variantes também

deveriam ocupar espaço no âmbito do ensino.

Ao considerar os três eixos propostos e sistematizados por Vieira (2015), explicitados

no Capítulo 2 desta dissertação, certas questões se mostram claramente relevantes ao contexto

do ensino:

(i) Compreender e discutir as formas pronominais utilizadas na retomada anafórica do

acusativo de terceira pessoa, promovendo atividades que envolvam a participação ativa do

alunado no desenvolvimento de um ensino de gramática reflexivo – “eixo 1”.

Sem dúvida, cumprir os propósitos no âmbito desse “eixo 1: gramática e atividade reflexiva”

implicaria desenvolver estratégias linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas (Franchi,

2006) que levassem o aluno a trazer ao plano da consciência o conhecimento que têm acerca

das noções de pronome, pessoa e caso (predicação, sobretudo transitiva), por exemplo. É

nesse campo que o conhecimento gramatical pode ser ativado e, até mesmo, explicitado, visto

que dele depende a compreensão do fenômeno e o consequente desenvolvimento da

capacidade intelectual do aluno. Trata-se de conceber o aluno como um pesquisador em

potencial, privilegiado por ter, em sua própria consciência linguística, a intuição necessária

para a formalização do conhecimento de que precisam.

(ii) Identificar e distinguir contextos de uso das variantes para o fenômeno em estudo já

descritas na literatura, de forma a desmistificar a noção dicotômica e polarizada das normas

linguísticas, a qual acaba por estereotipar a concepção de variação da língua – “eixo 2”.

Relacionar conhecimento gramatical e o estabelecimento de regras variáveis,

sistematicamente organizadas e encaixadas linguística e socialmente (Weinreich, Labov,

Herzog, 1968), é o grande desafio desse “eixo 2”. Nesse plano, os resultados do presente

trabalho, bem como os de estudos anteriores, constituem material fundamental para a

elaboração de atividades – igualmente linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas –, não só

para promover o reconhecimento das variantes do acusativo anafórico de terceira pessoa, mas

também para trazer ao plano da consciência cognitiva os contextos de utilização, bem como o

estatuto social de cada uma delas nos domínios e gêneros em que são empregadas.

Page 172: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

171

Para auxiliar nessa tarefa, utilizar a noção de contínuos de variação, proposta por

Bortoni-Ricardo (2004, 2005), parece ser estratégia produtiva a um ensino que não pretende

dicotomizar a complexa situação que envolve uma regra variável, no plano das relações entre

escrita-fala; monitorado-não monitorado; rural-urbano. Nesse sentido, cabe destacar que

diversos autores – Gorski; Coelho (2009), Cyranka (2013), Gorski; Freitag (2013), Martins;

Vieira; Tavares (2014), dentre outros – têm apresentado material relevante para o

desenvolvimento das estratégias didáticas eficientes. Ademais, trabalhos diversos no âmbito

do Mestrado Profissional em Letras no país têm se esforçado por desenvolver propostas de

intervenção pedagógica (Xavier (2015), sobre o acusativo de terceira pessoa, e Souza (2015),

sobre a indeterminação do sujeito, por exemplo) que contemplem um trabalho sistemático

com regras variáveis.

(iii) Reconhecer e empregar as variantes em questão na construção dos sentidos de textos

trabalhados e/ou produzidos em sala de aula, aprimorando a coesão textual ao longo da

narração de acontecimentos ou da exposição de ideias – eixo 3.

É no âmbito desse “eixo 3” que se espera conseguir integrar gramática e texto. Sem dúvida,

por se tratar de fenômeno que abrange formas de construção da rede referencial do texto, a

desejável relação gramática e produção de sentidos não só é possível, como absolutamente

necessária. Trata-se de ingrediente que deve ser trabalhado em prol da promoção de formas de

garantir a coesão textual, de forma a um só tempo variável e precisa.

Em vista das considerações feitas, julga-se necessário que o aprimoramento das

habilidades linguísticas do alunado seja desenvolvido de modo congruente a uma concepção

mais realista do sistema da língua e, por conseguinte, da variação linguística, como categorias

intrinsecamente relacionadas. Em suma, ao que tudo indica, falta, para o âmbito do ensino,

compreender com mais nitidez o fato de que os fenômenos gramaticais são variáveis, e que,

portanto, estudar a língua não se restringe ao isolado propósito de promover variantes de

prestígio, mas se estende a envolver, em última instância, a complexidade da noção de regra

variável, ainda que dentro dos limites do nível de escolaridade com que se lida. Para tanto, o

trabalho insistentemente indutivo, para a construção do conhecimento necessário, numa

prática insistente de gramática reflexiva, aliado às mais variadas práticas sociais da linguagem

– em gêneros orais e escritos diversos, em situações sociocomunicativas variadas – constitui

um desafio que não se pode evitar e que precisa ser perseguido.

Page 173: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

172

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deve haver algo mais no ensino de ciência do que passar em exames, mas

esse algo a mais não pode ser um outro objetivo prático (ganhar as graças

do professor ou construir um computador mais sofisticado). Esse algo a

mais é o que sentimos quando apreciamos o que sabemos hoje em dia sobre

o universo, por exemplo, quando de repente nos damos conta de que somos

poeira estrelar (literalmente) girando a 1.675 km/h (velocidade de rotação

da Terra), viajando ao redor do sol a 107.000 km/h (velocidade de

translação); ou quando descobrimos que o Himalaia resultou do movimento

das placas tectônicas da Índia em direção ao Tibete; ou quando vemos que

as línguas, embora variem enormemente, são altamente regulares e sua

variação é regrada e não tem nada de aleatório. A ciência serve para nos

deslumbrarmos com a natureza.

(BASSO & OLIVEIRA, 2012, p. 19)

A pesquisa aqui desenvolvida buscou correlacionar as descrições linguísticas

realizadas no âmbito acadêmico ao contexto do ensino de Português, mais especificamente no

tangente às estratégias de retomada anafórica do acusativo de terceira pessoa dentro do

espectro da variação e da complexidade de normas da língua. Para tanto, investigaram-se os

materiais indicativos dos três agentes aqui considerados como diretamente influentes no

ambiente escolar: (i) a orientação dos materiais didáticos utilizados em aula, (ii) a perspectiva

das professoras sobre o tema (conferida em entrevista), e (iii) a produção textual de seus

respectivos alunos. Nesse propósito, tanto as análises de base qualitativa (materiais didáticos e

entrevistas) quanto a de cunho sociolinguístico variacionista (redações escolares) permitiram

um cruzamento de apreciações críticas, de modo que o fenômeno aqui em estudo – o

acusativo anafórico de terceira pessoa – no âmbito do ensino pode ser compreendido de

maneira mais abrangente.

Os materiais didáticos aqui investigados, de modo geral, instruem os alunos a

empregarem o clítico acusativo como sendo a forma única (ou considerada correta e, por esse

motivo, destacada exclusivamente nas obras) de retomada do objeto direto de terceira pessoa,

tal como se supôs dentre as hipóteses desta pesquisa. Mais do que isso, já contrariando as

expectativas, não se verificou qualquer alusão às demais variantes nem mesmo em adendos

que pudessem referir-se a uma linguagem informal/coloquial. O tratamento dispensado ao

fenômeno gramatical em questão, nas obras averiguadas, não abarca seu estatuto variável. O

Page 174: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

173

tema da variação linguística, ao menos no que concerne ao referido fenômeno, parece

totalmente desarticulado do conceito de regras variáveis do sistema (gramatical) linguístico.

A análise das entrevistas realizadas, por sua vez, demonstrou que, na perspectiva das

professoras entrevistadas, as variantes alternantes à forma com clítico poderiam ser aceitas

apenas em contextos de maior informalidade, os quais são por elas diretamente relacionados à

modalidade oral da língua. Dessa forma, ainda se verifica, por parte das professoras, uma

visão polarizada da variação linguística para o contexto do ensino. O espaço da variação é

reservado a uma “fala coloquial”, ao passo que a escrita mais formal, focalizada na escola,

demandaria os usos “corretos”, com uma suposta norma culta que, na realidade, corresponde a

uma forma única segundo um padrão idealizado, e não às normas/variedades cultas

efetivamente em uso. Assim, pôde-se constatar uma visão claramente dicotômica das normas,

distribuídas em dois planos: de um lado, as variantes linguísticas legitimadas no registro

coloquial e na modalidade oral; de outro, a forma padrão ensinada e almejada para o registro

formal e a modalidade escrita.

No que se refere à produção escrita dos alunos, verificou-se a mais alta ocorrência na

soma de SN anafóricos (42,6% do total de acusativos anafóricos coletados). Contudo, ao

detalhar o controle dessa variante consoante às formas SN idêntico, SN semelhante e SN

sinônimo, foi possível averiguar que seus usos, apesar de amplamente aceitos pelas

professoras, não alcançam o intuito de evitar a repetição do termo antecedente, já que a

maioria de SN anafóricos utilizados se fez por meio de sintagmas nominais idênticos ou

semelhantes (se somados, 223/280 expressões nominais anafóricas).

Em segundo lugar, houve um emprego expressivo do clítico acusativo (29,8% do total

de acusativos anafóricos), o qual, no entanto, foi a segunda variante mais corrigida pelas

professoras, manifestando-se em alguns casos de usos irregulares (11, em valor absoluto), os

quais, embora não sugiram um índice tão elevado, se revelam significativos em função do teor

qualitativo apreciado em tais ocorrências. Via de regra, esses usos revelam o domínio parcial

do contexto de emprego acusativo.

O ele acusativo, por sua vez, ratificando o forte estigma associado a seu emprego, foi a

estratégia predominantemente corrigida pelas docentes (27/41 dados), ainda que tenha se

verificado em uma frequência de uso muito pouco expressiva (6,2% do total de acusativos

anafóricos), salvo poucas ocorrências com estruturas sintáticas complexas em que o elemento

anafórico exerce “dupla função” ou em que seu predicador verbal seleciona, além do

Page 175: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

174

acusativo, algum complemento oblíquo – contextos que favoreceram o emprego do pronome

lexical. Seu índice de uso superou apenas o percentual do pronome demonstrativo (2,1%),

utilizado somente na retomada de antecedentes proposicionais.

Já o objeto nulo obteve um percentual medianamente significativo (19,2%), sendo a

terceira estratégia mais utilizada pelos estudantes e, além disso, raramente percebido/corrigido

pelas professoras, a exceção de poucas (5/126) ocorrências na retomada de antecedentes com

os traços [+ animado, + específico], que configuram, não por acaso, os contextos que podem

ainda restringir o emprego da categoria zero para o acusativo no PB, segundo a literatura,

sobretudo o contexto de antecedente [+ específico].

No mais, cabe observar que, em se tratando do exame de redações escolares, é comum

que o uso do clítico acusativo seja objetivado, tendo em vista o caráter escrito e de maior

monitoração dessa circunstância avaliativa. Embora o gênero textual selecionado para a

feitura das redações tenha sido um pequeno conto, o qual não exige, por si só, um grau de

formalidade muito elevado, a situação de avaliação no ambiente escolar, especialmente na

disciplina língua portuguesa, provoca maior preocupação nos estudantes, o que proporciona

um caráter de maior formalidade a esta produção discente. Apesar disso, a retomada exercida

por meio de um pronome clítico se mostrou pouco eficaz em contextos nos quais o

antecedente se encontrava mais distante estruturalmente do acusativo anafórico, conforme

explicitado na seção 4.2.2.1. Nesses casos, uma expressão nominal acionaria de maneira mais

rápida e pontual o termo antecedente, esclarecendo com mais eficiência a referência

anafórica. No entanto, vale destacar, a partir do observado na análise das entrevistas, que o

SN anafórico (bem como o objeto nulo) sequer é mencionado no contexto escolar como forma

variante do OD anafórico de terceira pessoa.

Visando a uma compreensão mais eficiente acerca do fenômeno gramatical variável

em questão, ressalta-se que todas as variantes averiguadas podem e devem ocupar espaço no

ambiente escolar, não apenas para promover, com base em uma abordagem descritiva

(construída reflexivamente e preferencialmente de forma indutiva, a partir de atividades

linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas), o conhecimento da língua, mas a fim de

contribuir para um estudo mais realista e inclusive mais prazeroso, tendo em vista a extensa

gama de descobertas que o alunado pode alcançar com a intermediação de seu professor. É

cabível, assim, a promoção de um ensino de gramática mais produtivo, inserido nas práticas

Page 176: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

175

sociais da linguagem, conforme propõem os PCN, ainda que sua abordagem demande uma

preparação (e um preparo intelectual constante) de maior complexidade.

Ao que tudo indica, ainda que de modo não intencional, a escola acaba por reforçar

uma cultura do erro e, por conseguinte, da exclusão. Inversamente, compete aos professores

de Língua Portuguesa, a tarefa de abraçar a pluralidade das normas linguísticas em sala de

aula, envolvendo o estatuto das regras variáveis. Nesse percurso, caberia ao alunado estudar e

compreender, de forma ativamente participativa, no decorrer do processo de ensino-

aprendizagem, a exuberância dos processos de variação e mudança linguística, tal como, no

caso, para o fenômeno do acusativo anafórico de terceira pessoa. Assim, seria possível chegar

a um trabalho mais abrangente com a língua materna, no qual o falante-aluno conseguisse

ponderar sobre as variantes por ele utilizadas e o domínio de novas formas, incluindo-se,

nesse processo, a compreensão das particularidades de tais variantes, seja no sentido da

estruturação social que as envolve, seja no conhecimento das especificidades linguísticas que

carregam.

Ao partir de formas mais próximas, como o pronome lexical e o SN anafórico, e

refletir sobre o emprego dessas variantes, a compreensão do clítico acusativo na retomada do

OD de terceira pessoa poderia ser mais facilmente acessível. Para o ensino do objeto direto,

em sala de aula, além de trabalhar as características que o definem como categoria dentro do

sistema da língua (como papel temático de tema ou paciente; primeiro argumento interno do

predicador verbal; caso acusativo), faz-se necessário trabalhar, também, suas formas variantes

de representação, de forma a contemplar também o aprendizado do clítico acusativo, mas não

como a estratégia correta, para além de seu caráter ideal.

Nesse sentido, a mudança desejada para o âmbito do ensino, no que tange ao

fenômeno gramatical variável aqui em estudo, não se limitaria à (re)formulação das

orientações de materiais didáticos, mas se estenderia, especialmente, à atuação e à própria

formação do corpo docente, que permitiriam fazer do aluno um co-partícipe da construção do

conhecimento, um potencial pesquisador, com capacidade de observar a língua em uso,

chegar a conclusões e sistematizar seu conhecimento. Assim, munido de consciência

cognitiva sobre a matéria linguística, entende-se que a escola não só colaboraria com o

desenvolvimento intelectual do aluno na área dos conhecimentos linguísticos, mas também

promoveria sua habilidade no reconhecimento (plano da leitura) e no manuseio (plano da

produção textual) das variantes linguísticas.

Page 177: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

176

Espera-se, por fim, que os resultados e as reflexões desta pesquisa possam, além de ter

contribuído com os estudos científicos sobre o preenchimento do objeto direto e sobre a

realidade escolar (com destaque para a questão da avaliação do professor na intervenção no

texto do aluno), servir de subsídios para a elaboração de estratégias para a prática pedagógica.

Uma prática que, a um só tempo, colabore com a formação dos alunos e com o trabalho do

professor. Fica o convite.

Page 178: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

177

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Page 183: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

182

ANEXOS

ANEXO A

Entrevista – 9º ano do Ensino Fundamental

por

Juliana Magalhães Catta Preta de Santana

Recado da entrevistadora:

Olá!

Esta entrevista é parte de uma pesquisa em desenvolvimento sobre o ensino de Português no

Rio de Janeiro. Agradeço MUITO sua colaboração, que é de suma importância para este

projeto. Em condição de estudante de Letras da UFRJ, busco, com este trabalho, compreender

melhor o ensino da nossa língua em nossas escolas. Muito obrigada pela compreensão em nos

conceder essa entrevista! Sua ajuda fará toda a diferença em nosso trabalho!

Obs.: Nem seu nome, nem o nome da escola onde leciona constarão como dados desta

pesquisa. Busco mesmo alcançar a sua opinião como professora sobre o ensino de Português,

dentro de nossas condições sociais.

1. Você utiliza algum livro didático para suas aulas de Língua Portuguesa? Qual? Em que

medida o utiliza: em paralelo há outros materiais de apoio ou usa o livro de forma exclusiva,

seguindo estritamente suas orientações? Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2. Sobre a apostila de apoio pedagógico elaborada pela Secretaria Municipal de Educação –

RJ,

a) você a utiliza em sala de aula? Qual a sua opinião sobre esse material? Você acha que

atende às necessidades do aluno de Língua Portuguesa? Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

b) O que você acha da abordagem gramatical feita na referida apostila? Está de acordo com

ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais específica do componente

gramatical?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Page 184: um estudo sobre a retomada anafórica do objeto direto de terceira

183

c) O que você acha da abordagem de fenômenos variáveis feita na referida apostila? Está de

acordo com ela ou você acha que deveria haver uma abordagem mais normativa desses

fenômenos?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3. Considerando a narrativa abaixo como feita por um de seus alunos do 9º ano do Ensino

Fundamental, o que você corrigiria no texto? Poderia apontar no texto tais correções?

Cinderela era uma menina doce e gentil. Vivia com seus pais em uma fazenda muito

bonita, rodeada de naturesa. Ela amava os seus pais mais do que tudo nessa vida. Um dia, sua

mãe ficou doente e não aguentou. Foi um momento muito triste para Cinderela e seu pai.

Depois de um tempo, ele se casou com uma moça malvada mas que fingia ser boa para ele. A

Cinderela teve que aceitar ela e se acostumar com os caprichos dela. A moça malvada ainda

tinha duas filhas, e elas não era nada legais com a Cinderela. Quando o seu pai morreu, ela

ficou sendo a empregada da casa e não tinha direito de nada, e também tinha que dar seu

quarto para as irmãs novas e dormir no porão. Ela era a única que tinha que fazer todos os

afazeres da casa, arrumar os quartos e limpar também, lavar a louça, fazer a comida etc etc

etc. Ela fazia tudo. Até que chegou o dia do baile do príncipe do reino e sua madrasta não

deixou ela ir. Eles já tinham se conhecido antes e estavam apaixonado um pelo outro. A fada

madrinha da Cinderela apareceu e fez um vestido lindo e maravilhozo para ela ir no baile com

uma carruagem de abóbora que ela transformou os animais. Mas ela tinha voltar antes da meia

noite. Quando deu meia noite ela teve que correr para ir embora e deixou seu sapato de cristal

cair. O príncipe pegou e depois conseguiu achar a Cinderela porque só cabia no pé dela.

Sobre as correções apontadas acima, você teria alguma observação a fazer? Se sim, qual?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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184

4. Numa construção como “O bebê ficou doente, então a mãe levou ele ao médico.”, escrita

por seus alunos, você corrigiria algo? O quê? Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. No livro didático de William Cereja e Thereza Magalhães (2012), há como exercício

proposto, em dado momento, a seguinte questão (aqui, reduzida):

Nas frases a seguir, alguns pronomes estão empregados em desacordo com a norma padrão.

Reescreva as frases empregando tais pronomes de acordo com essa variedade.

a) O livro não está comigo. Emprestei ele para a minha prima.

e) Eu não vi elas na festa. Será que elas não foram convidadas?

Em sala de aula, ao corrigir este exercício, você apenas informa as respostas fornecidas como

corretas no livro do professor ou também aceita outras possíveis respostas dadas pelos

alunos? Se aceita, quais respostas você validaria? Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

6. Como você vê essa norma-padrão empregada no livro no que diz respeito ao ensino da

língua portuguesa, em especial com os alunos do 9º ano?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

7. Marque abaixo qual ou quais formas seus alunos utilizam com mais frequência:

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora o guardou para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou ele para mim.

( ) Esqueci meu caderno na escola, mas a professora guardou-o para mim.

Como você avalia as formas mais utilizadas pelos seus alunos? Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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185

ANEXO B

Livro didático Vontade de Saber Português – 9º ano do Ensino Fundamental, de Romiere

Alves e Tatiane Brugnerotto (2012).

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187

ANEXO C

Caderno do Futuro – 9º ano do Ensino Fundamental, do Instituto Brasileiro de Edições

Pedagógicas (IBEP).

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