UM ESTUDO SOBRE A ESTÉTICA MEDIEVAL - Programa de … · 8 da obra de Eco, Santo Tomás e a...

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 UM ESTUDO SOBRE A ESTÉTICA MEDIEVAL LÓDE NUNES, Meire Aparecida (UEM) OLIVEIRA, Terezinha (UEM) Agência financiadora: CNPq Introdução Este texto tem como objetivo apresentar as reflexões de Umberto Eco sobre a possibilidade de encontrarmos um pensamento sobre Estética em Tomás de Aquino. A realização desse estudo na área da História da Educação justifica-se por entendermos a Educação como um processo de formação do homem para o convívio em sociedade. Nessa perspectiva, autores clássicos como Tomás de Aquino são importantes para nos aproximarmos do contexto social e refletirmos sobre os valores que participavam da educação daqueles homens. Adotamos como fonte de nossos estudos os objetos que sobreviveram ao tempo e que atualmente são entendidos como obras de arte. Entretanto, o conceito contemporâneo de arte não pode ser aplicado quando tratamos de Idade Média, por isso muitos historiadores preferem usar o termo imagem, quando abordam esse período, ao invés de arte. Nessa mesma instância, também, se insere o conceito de Estética, o qual pode ser definido como subárea da filosofia que se dedica as questões do belo. Portanto, com o intuito de construirmos um conhecimento mais preciso sobre Estética no período histórico que concentramos nossas pesquisas – Idade Média - propomos a elaboração deste texto. Iniciamos nossa abordagem apresentando questões centrais para a aceitação, ou não, da Estética em Tomas de Aquino. Todavia, as reflexões acerca dessas questões requerem esclarecimento, a nosso ver, das diferentes formas de pensar a Estética na História. Assim, ilustramos a divergência de compreensão das questões sobre Estética nos dois maiores filósofos da Antiguidade, Platão e Aristóteles, pelo fato de terem fundamentado o pensamento medieval patrístico e escolástico. Por fim, conduzimos

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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012

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UM ESTUDO SOBRE A ESTÉTICA MEDIEVAL

LÓDE NUNES, Meire Aparecida (UEM)

OLIVEIRA, Terezinha (UEM) Agência financiadora: CNPq

Introdução

Este texto tem como objetivo apresentar as reflexões de Umberto Eco sobre a

possibilidade de encontrarmos um pensamento sobre Estética em Tomás de Aquino. A

realização desse estudo na área da História da Educação justifica-se por entendermos a

Educação como um processo de formação do homem para o convívio em sociedade.

Nessa perspectiva, autores clássicos como Tomás de Aquino são importantes para nos

aproximarmos do contexto social e refletirmos sobre os valores que participavam da

educação daqueles homens.

Adotamos como fonte de nossos estudos os objetos que sobreviveram ao tempo

e que atualmente são entendidos como obras de arte. Entretanto, o conceito

contemporâneo de arte não pode ser aplicado quando tratamos de Idade Média, por isso

muitos historiadores preferem usar o termo imagem, quando abordam esse período, ao

invés de arte. Nessa mesma instância, também, se insere o conceito de Estética, o qual

pode ser definido como subárea da filosofia que se dedica as questões do belo. Portanto,

com o intuito de construirmos um conhecimento mais preciso sobre Estética no período

histórico que concentramos nossas pesquisas – Idade Média - propomos a elaboração

deste texto.

Iniciamos nossa abordagem apresentando questões centrais para a aceitação, ou

não, da Estética em Tomas de Aquino. Todavia, as reflexões acerca dessas questões

requerem esclarecimento, a nosso ver, das diferentes formas de pensar a Estética na

História. Assim, ilustramos a divergência de compreensão das questões sobre Estética

nos dois maiores filósofos da Antiguidade, Platão e Aristóteles, pelo fato de terem

fundamentado o pensamento medieval patrístico e escolástico. Por fim, conduzimos

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nossa atenção as questões apresentadas por Eco sobre Estética e Tomás de Aquino em

seu livro Arte e Beleza na Estética Medieval.

Considerações gerais sobre Estética em Tomás de Aquino

Ao propormos o desenvolvimento desse tema, entendemos que entramos em um

campo que necessita ser bem delimitado. Como podemos observar no título do capítulo

8 da obra de Eco, Santo Tomás e a Estética do Organismo, temos duas indicações que, a

nosso ver, merecem ser tratadas separadamente para evitar conclusões precipitadas ou,

até mesmo, equivocadas, devido a complexidade das questões.

A primeira questão que nos chama a atenção é sobre Tomás de Aquino e

Estética, o que em uma visão superficial, pode resultar na compreensão de um

anacronismo, pois como sabemos, o termo estética é decorrente da modernidade. O

próprio Eco demonstra consciência dessa questão, pois em The aesthetics of Thomas

Aquinas (1988) ressalta que uma de suas intenções, na obra, é eliminar qualquer mal

entendido pelo fato de usar o termo estética quando aborda um autor medieval.

A segunda refere-se ao conceito de organismo, o qual só pode ser entendido por

meio das reflexões sobre a concretude da substancia, conteúdo pertencente a metafísica

e que, portanto, exige uma reflexão mais profunda. A compreensão de substancia não é

a mesma para todos os filósofos, assim, faz-se necessário entender seu conceito em

Tomás de Aquino para que fique claro porque Eco relaciona a concretude as substância

com organismo para falar de Estética no pensamento de Tomás de Aquino.

Esclarecemos que nossa preocupação com esses conceitos é derivada da

premissa de que as especificidades da arte são decorrentes dos diferentes contextos

sociais. Portanto, como nos alerta Francastel,

[...] a investigação sobre os aspectos significativos e sociais da arte se apresenta como infinitamente mais delicada. Para ser exato, cada época deve ser abordada com um método diferente. É certamente permitido, entretanto, propor algumas direções gerais e alguns objetos precisos à pesquisa (FRANCASTELL, 1993, p.42).

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Considerando a afirmação de Francastel justificamos nossa abordagem, pois

muitos dos termos que nos parecem claros não tinham o mesmo significado em outros

tempos ou, como no caso da Estética, nem existiam. Nessa perspectiva, conduzimos

nossa abordagem nos dedicando a investigar as várias possibilidades de

compreendermos o conceito de Estética.

Estética

Observamos o uso da estética cotidianamente para designar situações ou

conceitos distintos uns dos outros. Isso se deve ao fato de que estética pode ser usada

com sentido de adjetivo ou de substantivo. Seu uso como adjetivo relaciona-se com os

atributos artísticos, como:

[...] a harmonia, a gratuidade, o prazer, o desprendimento: uma atitude, um gesto estéticos [sic] podem ser considerados obras de arte. Esse emprego, cujo manejo é bastante vago, refere-se a certa idéia do que seja arte, ou do que deva ser, ensejando uma definição latente que todo mundo supostamente compartilha ( CAUQUELIN 2005, p. 13).

Esse sentido adjetivo que confere qualidades à um substantivo é o mais

freqüente no cotidiano, mas ao examinarmos a etimologia desta palavra percebemos o

que possibilita seu uso como substantivo.

A palavra estética tem sua origem na palavra grega aisthesis que significa

‘faculdade de sentir’ ou ‘compreensão pelos sentidos’, a qual tem a mesma origem de

aistheticon que significa ‘o que sensibiliza’. Diante desses conceitos podemos inferir

que seu emprego esta relacionado a qualquer sensação proveniente dos órgãos dos

sentidos. É sob essa influencia etimológica que o termo estética é usado pela primeira

vez como substantivo, como nos informa Bayer (1993, p. 13): “A palavra «estética» só

apareceu no século XVIII, sob a pena de Baumgarten (1714-1762), e ainda assim, nessa

altura, significava apenas teoria da sensibilidade, de acordo com a etimologia da palavra

grega: aisthesis”. Propondo uma teoria da sensibilidade, Baumgartem apresenta a

estética como substantivo, uma área que pudesse acolher as pesquisas, reflexões e

estudos que tivessem como objeto a sensibilidade. Entretanto, o surgimento do

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substantivo estética não possibilitou uma clareza acerca da abrangência e delimitações

desses estudos. Cauquelin (2005, p. 14) afirma que mesmo que,

[...] Baumgarten tenha tentado construir uma espécie de órganon do pensamento sensível com sua Aestetica (termo utilizado então pela primeira vez como ‘ciência do sensível’) e o de Kant com a Critique Du jugament de goût (uma teoria) tenha conferido uma base a esse conjunto fluido, o termo ‘estética’ mantém ainda um uso confuso.

Assim, diante de uma falta de consenso sobre a estética, atualmente usa-se esse

termo para designar os estudos centrados na arte e no belo. Entretanto, essa relação é

decorrente das reflexões sobre o ‘gosto’ desenvolvidas pela filosofia moderna e

contemporânea. Na Antiguidade e na Idade Média as reflexões sobre arte (atividade do

artífice) e sobre o belo eram realizadas em instancias distintas. Podemos ilustrar essa

separação nos reportando à Platão que em A Republica, Livro X, nos apresenta seu

conceito sobre como aquele que imita (artista) a natureza leva à uma falsa verdade. Para

o filosofo:

- A imitação está, portanto, longe do verdadeiro, esse ela modela todos os objetos, é, segundo parece, porque toca apenas uma pequena parte de cada um, a qual não é, aliás, senão uma sombra. O pintor, diremos nós, por exemplo, nos representará um sapateiro, um carpinteiro ou outro artesão qualquer sem ter nenhum conhecimento do oficio deles; entretanto, se for bom pintor, tendo representado um carpinteiro e mostrado-o de longe, enganará as crianças e os homens privados de razão, porque terá dado à sua pintura a aparência de um autentico carpinteiro.

Assim como qualquer artesão, o poeta também é compreendido por Platão como

causador do distanciamento da verdade, por isso não pode viver na cidade que ele

idealiza. Dessa forma, na cidade justa de Platão não há lugar para os imitadores, como

podemos verificar na seguinte passagem:

— Podemos, pois, com justiça censurá-lo e considerá-lo como o par do pintor; assemelha-se-lhe, por produzir apenas obras sem valor do ponto de vista da verdade, e assemelha-se-lhe ainda, por ter comércio com o elemento inferior da alma, e não com o melhor. Assim, eis-nos bem fundamentados para não 'recebê-lo em um Estado que deve ser

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regido por leis sábias, já que acorda, nutre e fortalece o mau elemento da alma, e arruína, destarte, o elemento razoável, como acontece numa cidade que é entregue aos malvados, ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereçam os homens mais estimáveis; do mesmo modo, do poeta imitador, diremos que introduz mau govêrno na alma de cada indivíduo, lisonjeando o que há nela de irrazoável, que é incapaz de distinguir o maior do menor, que, ao contrário, encara os mesmos objetos, ora como grandes ora como pequenos, que produz apenas fantasmas, e está a uma infinita distância do verdadeiro. (PLATÃO, A Republica, L X, 605 a – e).

Diferentemente de Platão, Aristóteles não entendia a imitação, ou mímese, como

mera cópia do real. No início do capitulo II da Poética, Aristóteles afirma que o objeto

da imitação é o homem em ação, o qual é bom ou ruim “[...] daí resulta que as

personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós”

(ARISTÓTELES, Poeticas, c. II, § 1). Essa noção de mimese é a noção capital da

Poética, entretanto, muitos autores não consideram conveniente traduzir mimese por

imitação quando se trata de Aristóteles pela diferente compreensão que esse filósofo

tem em relação a Platão. Cauquelin (2005, p. 61) explica que a imitação presente na

Poética refere-se a uma ação:

[...] fabricadora, afirmativa, autônoma. Se ela repete ou imita, o que repete não é o objeto, mas um processo: a mimesis produz do mesmo modo como a natureza produz, com meios análogos, com vista a dar existência a um objeto ou a um ser; a diferença se deve ao fato de que esse objeto será um artefato, que esse será um ser de ficção.

O ser de ficção não esta comprometido com a verdade, com o que realmente

aconteceu, mas sim com o verossímil, o possível. Para entender essa questão, trazemos

a passagem da Poética em que Aristóteles estabelece a diferença do verossímil e

verdade por meio do exemplo entre o historiador e o poeta.

O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois, se a obra de Heródoto fora composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido. (ARISTÓTELES, A Poética, c. IX)

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Entretanto ‘o que poderia ter acontecido’ deve ser verossímil para que os

espectadores acreditem na imitação. O verossímil é explicado por Cauquelin (2005,

p.64) como algo que “[...] está submetido ao conjunto de nossas crenças; os limites do

acreditável são os limites dessas crenças. Mas essas são as crenças da opinião comum: a

doxa”. Em suma podemos entender que é a doxa que possibilita o verossímil, que por

sua vez é o cerne do prazer da imitação.

Assim, como os conceitos sobre a imitação são diferentes em Platão e

Aristóteles, também são quando a questão é o belo, ou beleza. Bayer explica que para

Platão,

[...] a beleza suprema está ligada à Ideia do verdadeiro e do bem. Mesmo nos seus diálogos, onde o belo é o esplendor do verdadeiro e do bem, há esplendor, isto é, qualquer coisa de, não abstracto, de não racional, de sensível e sensual. Se a beleza tem um pouco do rigor de um e da pureza do outro, o belo age reciprocamente sobre as Ideias. A justiça não é só um acordo, uma identidade entre dois elementos, mas uma harmonia que tudo une. (BAYER 1993, p. 42).

Dessa forma, podemos entender que em Platão a realidade é uma copia

imperfeita, o importante é conhecer as ideias, na qual se encontra a verdade, o bem e o

belo. Para Aristóteles, a ideia não tem existência em si, o que importa é a realidade, a

qual só pode ser conhecida por meio das causas1, ou seja, quando se conhece a causa

final. Em conseqüência das reflexões sobre as causas, Aristóteles separa a arte e o belo.

Sua conclusão é de que:

[...] a arte é técnica, o belo é metafísico. Na sua Metafísica, toma a enteléquia, a realização do fim como princípio essencial. A principal questão da estética é para Aristóteles, como para Sócrates, a questão das relações do belo com o bem ou com o útil. Os dois conceitos não são de modo algum idênticos, enquanto que em Platão continuam a ser possíveis as confusões (BAYER 1993, p. 48).

1 Aristóteles representou a pesquisa causal nos seus quatro elementos: a causa material (aquilo de que é feito o objecto); a causa motora ou eficiente (o que deu lugar a esse objecto); a causa formal (o que deu a forma do objecto); a causa final ou teológica (aquilo em vista de que, aquilo que um objecto visa): por aqui poderia introduzir-se a estética (BAYER, 1993, p. 47 )

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Em função dessas reflexões, a estética de Aristóteles é, para Bayer, uma estética

lógica que trata as causas racionalmente e que, portanto, deve ser louvada. A estética

aristotélica é muito importante para nós porque, a partir de meados do século XII

Aristóteles, influenciará o pensamento dos doutores desse período, especialmente de

Tomás de Aquino, no século seguinte.

Estética na Idade Média

Eco (1988) inicia seu livro Aesthetics of Tomás Aquinas explicando que a

publicação de Benedetto Croce em 1931 reforçou o desinteresse já existente em estudar

a estética medieval. Isso porque o artigo evidenciava que as idéias de Tomás de Aquino

sobre a arte e a beleza não eram falsas, mas extremamente gerais, por isso eram sempre

aceitas de forma correta. Essas idéias, segundo Croce, eram fastidiosas por apenas

repetirem o que os antigos já haviam pensado e a teologia sufocava o seu avanço. Eco

(1988) explica que enquanto o ponto de vista de Croce exercia grande influencia na

Itália esse julgamento foi suficiente para desencorajar as investigações sobre estética

medieval.

O pensamento de Croce sobre a influencia da teologia nas reflexões estéticas

pode ser entendido por meio das indicações de Bayer (1993), o qual afirma ser

consenso, entre os medievalistas, a grande influencia que o neoplatonismo exerceu na

origem da concepção cristã. O autor explica que essa fundamentação filosófica

direcionava a eliminação do sensível e sensual no homem. Dessa forma foi criado um

ideal cristão que:

[...] pela paixão do sofrimento, tem qualquer coisa de passivo, torna-se ascético e mais intransigente do que o ideal platônico. É preciso inalar em si a vida sensível, sensual, e matar o prazer sentido no belo e no que da natureza e do não eu é sedutor. (BAYER 1993, p. 86).

Para Bayer (1993), essa situação foi predominante, desde a constituição do

cristianismo, até o século IX. O autor descreve esse momento caracterizando-o pela

inquietação de justificar a fé, excluindo a razão do processo. Entretanto, a partir do

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século IX, com a constituição da escolástica, o abismo entre fé e razão teria sido

destituído e ‘crer e compreender’ passou a ser o cerne das reflexões filosóficas. Em

conseqüência ocorre a racionalização da religião, sendo seu maior expoente Santo

Tomás de Aquino (1225-1274). Bayer explica como essa mudança no pensamento

medieval influenciou a estética:

O impulso místico e a fé que animava os Padres eram mais favoráveis à estética e à arte do que o racionalismo seco de S. Tomás; mas, por outro lado, antes desta racionalização, não havia qualquer lugar para a arte uma vez que o impulso da fé consistia em matar no homem as qualidades físicas e exigir a morte do corpo. Há na pré-escolastica mais aberturas para a estética, mas foram tapadas pelo ascetismo cristão. A racionalização, em verdade, foi mais útil. (BAYER 1993, p. 87).

Assim, Bayer apresenta o pensamento escolástico como outra perspectiva para

entender a Estética medieval, a qual não se aproximava do pensamento de Croce. O

racionalismo do pensamento de Tomás de Aquino contribuiu para a efetivação de uma

estética concreta: relação intrínseca entre o abstrato e o material. A compreensão da

estética em Tomás de Aquino parte de um movimento estabelecido entre o pensamento,

que pode ser entendido por meio das reflexões sobre o belo e a concretização desse

pensar em coisas concretas, que podem ser o que chamamos de arte. Para entendermos

melhor essa questão, passamos agora a Estética em Tomás de Aquino.

Assim, como os filósofos anteriores, Tomás de Aquino estabelece uma

delimitação às reflexões sobre o artista, sua ação e o resultado de sua ação, a obra e o

belo. Bayer (1993) afirma que para Tomás de Aquino arte é virtude. O autor explica

essa afirmação partindo da premissa de que para os escolásticos, a disposição particular

do nosso ser (dispositio operativa) está em seus atos. Assim, a virtude é conseqüência

das ações. Nessa perspectiva, o homem/artista é virtuoso se sua ação, a obra, for

perfeita. Para entender essa questão é preciso considerar que para o monge “Os artesãos

e os artistas são sempre conduzidos por raciocínios, e toda a ação se reduz, em última

análise, a um pensamento: as disposições cognitivas precedem portanto, lógica e

cronologicamente, as disposições operativas” (BAYER, 1993, p. 92 ). Assim, podemos

inferir que a obra é fruto do conhecimento do artista. O autor sintetiza essa questão

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afirmando que “Os escolásticos vêem na arte uma virtude formada por raciocínios

especulativos levando a ideia de atividade operatória que suscita atos ou objetos cuja

utilidade consiste em tornar a vida melhor” (BAYER, 1993, p. 92). Essa passagem nos

direciona a outra questão importante quando o objeto é a arte: sua utilidade.

Contrariamente, ao pensamento contemporâneo acerca da utilidade da arte, para os

medievais o importante é sua eficiência. Bayer (1993), ressalta que a competência do

artista era avaliada se criasse uma obra que operasse bem. Para que a obra nascesse e

fosse eficiente o artista necessitaria de uma boa disposição racional, moral e operativa.

Esse conjunto de elementos e sua perfeita mistura possibilita uma obra ser assim

denominada, pois como nos explica Bayer (1993, p. 92) “[...] se a obra dum artista

falhou, é, segundo S. Tomás, contrária à arte; não é uma obra; só merece o nome de

obra se for perfeita”, a nosso ver, essa é a base para entendermos a estética em Tomás

de Aquino. Nesse sentido, o belo para o monge é a adequação perfeita da obra a sua

finalidade. Assim, a realidade concreta é a base de seu pensamento, mas o concreto só

existiria em função do abstrato. Constitui-se, dessa forma, um ‘circulo vicioso’ em que

para a efetivação do concreto é necessário a formulação abstrata e a abstração, por sua

vez, só ocorre partindo do concreto. Eco (2010) nos leva a fazer essa inferência ao

explicar que para abordar Tomás de Aquino prefere utilizar a denominação de ‘Estética

do Organismo’ e não da forma, como faz quando se trata de outros pensadores, pois a

idéia de organismo deve-se ao todo e não apenas da idéia abstrata. O autor explica que

forma pode ser entendida por três vias:

Forma pode ser entendida no sentido superficial como marphé, e então é a figura, uma qualidade da quarta espécie, a delimitação quantitativa de um corpo, no seu contorno tridimensional (S. Tb. I-II, II0, 3ob.3). Forma é a forma substancial que, atenção, só adquire existência incorporando-se em uma matéria e saindo, assim, de sua abstração essencial. E forma é, enfim, em vários momentos, a essentia, ou seja, a substancia vista como passível de compreensão e definição. (ECO 2010, p. 172).

Portanto, sendo a forma passível de compreensões distintas, Eco justifica o uso

de organismo para que a noção de concretude substancial fique evidente, uma vez que

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pensar as coisas dessa forma é característico da metafísica de Santo Tomás. Essa noção

é explicada da seguinte maneira:

[...] em virtude da participação divina, forma e matéria se unem em um ato de existência, estabelece-se, então, uma relação de organizante e organizado. A esta altura o que conta verdadeiramente é o organismo inteiro enquanto vivente, a substancia cujo ato próprio é o ipsum esse (ECO 2010, p.173).

O autor menciona que a relação entre forma e substancia é tão forte que uma não

existe sem a outra, para “[...] Santo Tomás, nomear a primeira implica a segunda, a não

ser que se faça uma distinção lógica” (ECO 2010, p. 173). Essa forma de concepção

metafísica exerceu grande importância na compreensão da arte. Para Hauser (apud ECO

2010, p.173-174),

O vivente e orgânico dos quais, no fim da Idade Antiga, haviam se perdido o sentido e valor, voltam a ser adequadamente apreciados, e as coisas singulares da realidade empírica não tem mais necessidade de uma legitimação além-mundo, sobrenatural, para tornar-se objeto de arte....

Assim, a compreensão da arte enquanto uma ação racional e não mais um dom

começa a ser edificada.

Quando direcionamos nosso olhar às reflexões acerca do belo, também podemos

visualizar a noção de organismo defendida por Eco. Sobre o belo, Bayer (1993, p. 90)

afirma que “Encontramos em S. Tomás diferentes definições do belo. Para que haja

beleza, são precisos três caracteres essenciais: a integridade ou perfeição, a justa

proporção ou harmonia e a claridade”. Assim como Bayer, Eco também ressalta a

existência dos três critérios essenciais para pensarmos a estética em Tomás de Aquino e

o autor ressalta que é a análise desses elementos que nos possibilita entender como a

estética do organismo se efetiva no pensamento do monge.

Se examinarmos agora, a luz deste conceito de organismo vivente, as várias observações que Santo Tomás faz a propósito dos três critérios do belo integritas, proportio e claritas, perceberemos que só como característica de uma substancia concreta (e não da simples forma

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substancial) eles adquirem inteiramente seu significado. (ECO 2010, p.174).

Sobre essas qualidades que devem compor a obra de arte, Bayer explica que

integritas e claritas são provenientes da fundamentação que Tomás de Aquino teve em

Aristóteles, pois esses conceitos estavam presentes nas reflexões do filosofo grego.

Bayer esclarece que:

Integritas significa que todos os caracteres que pertencem ao objecto devem estar no objecto. Todas estas múltiplas qualidades devem consonar, isto é, formar uma relação harmoniosa exigida pelo conceito e pelo fim do objecto. A claritas significa que estas qualidades do objecto devem ser percebidas pela razão. Todos três são caracteres intelectuais e deve existir uma relação legítima entre estes elementos. (BAYER 1993, p. 90)

Entendemos que Bayer também está evidenciando a relação que existe entre os

três elementos, a qual se estabelece por meio do conceito e o fim do objeto que é

atingido pela sua eficiência. Dessa forma, podemos entender que o conceito é a

abstração e o fim depende de sua materialização, ou seja, a abstração e a materialização

são questões que tem a existência condicionada uma a outra mediadas pela faculdade

intelectiva. Para que a interdependência dos elementos, que fazem parte da estética de

Tomás de Aquino, fiquem claras e o conceito de organismo seja compreendido, vamos

seguir a indicação de Eco e nos reportamos a cada elemento separadamente. Iniciamos

por entender a proporção.

O estudo das proporções artísticas são relacionados as equações matemáticas que

foram usadas pelos artistas desde a Antiguidade, como é o caso do Plolicleto (460 – 410

a.C), o mais celebre escultor da Grécia Antiga. Eco menciona que a proporção é:

Mas o aspecto mais antigo e fundamentado de tais fórmulas era sempre o da congruentia, da proporção, do numero, que, sem dúvida, originava-se dos pré-socráticos. Através de Pitágoras, Platão, Aristóteles, esta concepção quantitativa de beleza havia aparecido recorrentemente no pensamento grego, para se fixar de maneira exemplar – e em termos de praticidade operativa – no Cânon de Policleto e na exposição que dele havia feito sucessivamente Galeno. (ECO 2010, p. 63-64).

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O Cânon, ou cânone que tem o significado de regra, de Policleto é um

documento técnico-prático que traz as descobertas de Pitágoras, mas que trata da beleza

das proporções do corpo humano. Infelizmente essa obra não sobreviveu. Panofsky

(2007, p 104) reconhece que a única citação que pode realmente ser atribuída a Policleto

é a de que ‘a beleza aparece, pouco a pouco, através de muitos números’.

Esse caminho de entender a proporção também pode ser apreciada em Tomás de

Aquino, pois ao tratar da harmonia entre matéria e forma estabelece parâmetros

importantes à apreciação visual, como nos é evidenciado na passagem abaixo:

[...] não é um simples atributo da forma substancial, mas a própria relação entre matéria e forma, a tal ponto que, faltando a disposição da matéria à forma, a própria forma desaparece (Sentencia libri de anima I,9, p. 46b). É esta típica proporção capaz de interessar àquele que olha esteticamente a coisa, apreciando a congruente organização. (ECO 2010, p. 175).

Entretanto esse conceito, em Tomás de Aquino, estende-se à outras questões,

como a relação harmoniosa encontrada na proporção metafísica da essência e da

existência, da qual derivam outras, a qual pode ser exemplificada pela coerência entre

os atos e a razão.

Outra conotação que a proporção pode assumir e que Eco afirma ser constante na

estética medieval é aquela que se refere a “[...] adequação da coisa a si mesma, como

adequação da coisa à própria função. A adequação da coisa a si mesma, às exigências de

sua espécie e a seu dever ser individual é o que a Escolástica chama perfectio prima”.

(ECO 2010, p. 177). O autor exemplifica essa proporção mencionando que a altura dos

homens pode variar, porém há uma média e quando uma medida não está dentro desse

limite tem-se uma anormalidade que não se enquadra na natureza humana. A inter-

relação entre os elementos necessários ao belo são tão efetivos que podemos perceber

como a perfectio prima está condicionada a integritas. Por integritas entende-se a

presença de todas as partes necessárias para compor o todo, partindo desse conceito

“Um corpo humano é disforme sem um de seus membros, e dizemos que os mutilados

são feios, porque lhes falta a proporção das partes em relação ao todo [...]”. (ECO 2010,

p.178). Assim, quando existem todas as partes do todo de uma espécie que possibilita

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sua adequação ao seu devido fim, temos em conseqüência a perfectio secunda. Eco

(2010, p.179) explica que somente a “[...] perfeição formal da coisa permite operar

segundo a própria finalidade; mas igualmente é verdade que a perfectio secunda é regra

para a perfectio prima, porque uma coisa, para ser perfeita, deve organizar-se

precisamente segundo as exigências de sua função [...]”. Essas afirmações de Eco nos

possibilitam entender que a obra é bela se exerce sua função com eficiência, pois o autor

ilustra esse pensamento dando o exemplo de uma serra de cristal que, mesmo tendo sido

criada com muito esmero, não consegue desempenhar sua função de cortar e, portanto,

não é bela e sim feia.

O belo de uma obra que possui proporção entre sua forma e seu fim é possível de

ser percebido por meio do terceiro elemento: a claritas. Eco (2010, p.185) entende

claritas como a “[...] verdadeira capacidade expressiva do organismo; é – como foi dito

– a radioatividade do elemento formal. Um organismo percebido e compreendido

declara-se como tal e a inteligência o goza pela beleza de sua legalidade”. A

inteligência, dessa forma, é a faculdade que possibilita o reconhecimento do belo por

meio da luz harmoniosa que resplandece da obra, nesse sentido Bayer (1993, p.91 )

entende claritas como “[...] a vista, no seu sentido intelectual por excelência, não

relevando da sensibilidade, mas da inteligência”. Podemos verificar, neste momento,

mais um ponto de distanciamento entre a estética de Tomás de Aquino e dos

neoplatonicos. Como explica Eco para os neoplatonicos2 a luz

[...] vem do alto e difunde-se criativamente nas coisas, ou, diretamente constitui-se e se solidifica em coisas. A claritas de Santo Tomás, ao invés, sobe de baixo, do intimo da coisa, como auto manifestação da forma organizante. A própria luz física é uma qualidade ativa derivante da forma substancial do solo [...] (ECO 2010, p. 184)

A claritas, ou clareza propiciada pelo próprio objeto instiga um processo

inteligente que resulta na identificação do belo. Portanto, é a concretude do objeto que

leva o apreciador a estabelecer as correspondências entre seus elementos constitutivos e

2 Para aprofundar as reflexões sobre o belo em Platão e no neoplatonismo ver Bayer, o qual dedica o 5º capitulo de seu livro História da Estética para aborda as especificidades do pensamento de Plotino sobre a Estética.

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a realizar um julgamento cujo veredicto poderá ser a prazer do belo. Assim, o belo em

Tomás de Aquino pode ser entendido como:

[...] um ato de juízo que implica composição e divisão, a afirmação de uma matéria entre as partes e o todo, o realce da docilidade da matéria à forma, a consciência dos fins e da medida em que estão conformados. A visão estética não é intuição simultânea, mas discurso sobre a coisa. O dinamismo do ato de juízo corresponde ao dinamismo do ato da existência organizada que ela colhe. (ECO 2010, p. 185).

Face ao exposto, podemos inferir que as reflexões sobre o belo em Tomás de

Aquino são desenvolvidas a partir da relação causa e efeito, a qual por meio da

intelegência, resulta na fruição do belo. Entretanto, esse processo só é possivel por meio

da materialidade do objeto e a abstração do pensamento, uma simbiose perfeita que

estabelece a base da compreeensão da denominação apresentada por Eco de Estética do

Organismo.

No que se refere ao termo Estética, pudemos entender que ao usarmos essa

terminologia para tratar do pensamento de um autor medieval não podemos fazer uso

dos conceitos modernos e contemporaneos, pois se assim fizermos não poderemos

admitir a existencia da Estética Medieval. A aproximação entre arte e o belo, que hoje

aceitamos com naturalidade era inexistente naquela época, mas nem por isso não existia

a preocupação teorica provocadas por essas questões. A pesquisa em Estética Medival

requer do pesquisador um distanciamento do tempo presente. A compreensão da arte e

beleza medieval deve ser feita conforme a mentalidade do homem medieval,

considerando todos os segmentos que contribuiam para a construção do pensar

especifico daquele momento, caso contrário o pesquisador estará cometendo, a nosso

ver, anacronismo.

O respeito com o tempo historico constui um dos principais encaminhamentos

metodologicos para o trato da fonte histórica. Ao trabalharmos com fontes dessa

natureza devemos saber como inqueri-las, mas também saber ouvi-las. Mais importante

do que perguntar é saber como e o quê fazer com as respostas que recebemos, elas

podem nos revelar muitas ‘verdades’ por meios ficticios, como é o caso da arte. Saber

extrair da arte informações para entendermos o nosso momento sem deixar que a obra

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leve o pesquisador a desviar-se de seu objeto é o grande desafio do trato com essa

especie de fonte. Lembramos Tomás de Aquino que o prazer proporcionado pelo belo é

resultado de um processo racional, portanto manter o equilibrio harmonioso entre o

racional e o emocional é o ponto fundamental da pesquisa com fonte artistica.

Referência

ARISTÓTELES. A arte poética. GALVÃO, P.C (trad.). ebookbrasil. Disponível em: http://www.culturabrasil.org/download.htm

BAYER, R. História da estética. Estampa, 1993.

COSTA, Lígia Militz da. . A poética de Aristóteles: mímese e verossimilhança. São Paulo: Ática, 2006.

CAUQUELIN, A. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

COUTINHO, A. Notas de teoria literária. 2ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978. p. 9-10)

ECO, U. Arte e beleza na Estética Medieval. RJ/SP: Record, 2010.

______. The Aesthetics of Thomas Aquinas. 1988.

FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1993.

PLATÃO. A República. Livro X. disponível em: http://www.portalfil.ufsc.br/republica.pdf