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69 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 69-97, 2007. córrego Água Fria: médio curso do rio Tocantins, TO” 1 (Morales 2005), pesquisa desenvolvida na porção norte-nordeste da macrorregião conheci- Um estudo de Arqueologia Regional no médio curso do rio Tocantins, TO, Planalto Central brasileiro* Walter Fagundes Morales** MORALES, W.F. Um estudo de Arqueologia Regional no médio curso do rio Tocantins, TO, Planalto Central brasileiro. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 69-97, 2007. Resumo: Este artigo apresenta alguns dos resultados da pesquisa realizada na bacia do córrego Água Fria, médio curso do rio Tocantins, TO, Brasil. Teve como objetivo identificar os sistemas de assentamento dos grupos sociais que ocuparam a área ao longo do tempo e a forma como esses grupos organizaram o espaço interno de suas áreas de habitação e de atividades. Isso implicou na realização de levantamentos sistemáticos em âmbito regional e intervenções nos 38 sítios arqueológicos identificados. Como resultado elaboramos um modelo interpretativo de organização e uso deste espaço desde há 12.000, quando inicia a ocupação da área por grupos de caçadores e coletores, até o advento dos grupos ceramistas agricultores. Suas conclusões contribuem para as discussões sobre as rotas de povoamento antigo e o surgimento, deslocamentos e crescente complexidade sociopolítica que teria ocorrido entre as sociedades de ceramistas agricultores do Brasil Central e das regiões vizinhas. Palavras-chave: Arqueologia Regional – Análise intra-sítio – Brasil Central – Caçadores e coletores – Ceramistas agricultores – Tocantins. (*) Apoio CNPq. (**)Núcleo de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Bahia. Universidade Estadual de Santa Cruz (NEPAB/UESC). [email protected] Introdução presente artigo apresenta parte dos resultados obtidos na tese de douto- rado intitulada “12.000 anos de ocupação: um estudo de Arqueologia Regional na bacia do O (1) Esta pesquisa esteve vinculada ao “Programa de Resgate Arqueológico da UHE Lajeado” (PRAL), sob a coordena- ção do Prof. Dr. Paulo De Blasis e da Profa. Dra. Erika Robrahn-González. Este Programa foi o resultado de um contrato firmado entre a INVESTCO, empresa responsável pela construção da Usina Hidrelétrica Lajeado e o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), instituição também responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a sua construção.

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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 69-97, 2007.

córrego Água Fria: médio curso do rio Tocantins,TO”1 (Morales 2005), pesquisa desenvolvida naporção norte-nordeste da macrorregião conheci-

Um estudo de Arqueologia Regionalno médio curso do rio Tocantins, TO,

Planalto Central brasileiro*

Walter Fagundes Morales**

MORALES, W.F. Um estudo de Arqueologia Regional no médio curso do rio Tocantins,TO, Planalto Central brasileiro. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, SãoPaulo, 17: 69-97, 2007.

Resumo: Este artigo apresenta alguns dos resultados da pesquisa realizada nabacia do córrego Água Fria, médio curso do rio Tocantins, TO, Brasil. Tevecomo objetivo identificar os sistemas de assentamento dos grupos sociais queocuparam a área ao longo do tempo e a forma como esses grupos organizaramo espaço interno de suas áreas de habitação e de atividades. Isso implicou narealização de levantamentos sistemáticos em âmbito regional e intervenções nos38 sítios arqueológicos identificados. Como resultado elaboramos um modelointerpretativo de organização e uso deste espaço desde há 12.000, quandoinicia a ocupação da área por grupos de caçadores e coletores, até o adventodos grupos ceramistas agricultores. Suas conclusões contribuem para as discussõessobre as rotas de povoamento antigo e o surgimento, deslocamentos e crescentecomplexidade sociopolítica que teria ocorrido entre as sociedades de ceramistasagricultores do Brasil Central e das regiões vizinhas.

Palavras-chave: Arqueologia Regional – Análise intra-sítio – Brasil Central –Caçadores e coletores – Ceramistas agricultores – Tocantins.

(*) Apoio CNPq.(**)Núcleo de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Bahia.Universidade Estadual de Santa Cruz (NEPAB/UESC)[email protected]

Introdução

presente artigo apresenta parte dosresultados obtidos na tese de douto-

rado intitulada “12.000 anos de ocupação: umestudo de Arqueologia Regional na bacia do

O(1) Esta pesquisa esteve vinculada ao “Programa de ResgateArqueológico da UHE Lajeado” (PRAL), sob a coordena-ção do Prof. Dr. Paulo De Blasis e da Profa. Dra. ErikaRobrahn-González. Este Programa foi o resultado de umcontrato firmado entre a INVESTCO, empresa responsávelpela construção da Usina Hidrelétrica Lajeado e o Museu deArqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo(MAE/USP), instituição também responsável pelo Estudode Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a sua construção.

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da como Planalto Central Brasileiro, que buscouidentificar e interpretar os processos de ocupa-ção da área desde os seus primeiros ocupantes –há cerca de 12.000 anos atrás – até meados doséculo XVIII – período em que a região começoua ser definitivamente ocupada pela sociedadenacional.

As intervenções arqueológicas desenvolvi-das na área tiveram início em 1996, quando foirealizado o Diagnóstico Arqueológico para aimplantação da UHE Lajeado2 (DeBlasis1996), e finalizadas em 2002, com o resgatedos sítios identificados. No Programa deResgate Arqueológico da UHE Lajeado, oobjetivo foi efetuar o salvamento dos contextosarqueológicos situados na Área DiretamenteAfetada (ADA) e também, em menor escala, naÁrea de Influência Direta (AID), buscandoobter resultados concretos que pudessem servircomo referência e contextualização dos vestígiosarqueológicos encontrados na área do reservató-rio.3 Como conseqüência buscou-se ampliar eencaminhar as discussões ligadas aos problemasarqueológicos das formas de ocupação regionalnessa parte do território brasileiro (Robrahn-González & DeBlasis 1997; DeBlasis & Robrahn-González 1998, 1999, 2002 e 2003).

No caso específico da pesquisa realizada nabacia do córrego Água Fria procuramos pôr emprática uma análise focada em identificar osgrupos sociais que ocuparam esse ambiente aolongo do tempo e a forma como esses gruposorganizaram o espaço interno de suas áreas dehabitação e de atividades. Isso implicou narealização de levantamentos sistemáticos emâmbito regional e intervenções em todos ossítios arqueológicos identificados, procurando

recuperar o máximo possível de informações arespeito dos espaços ocupados.

O objetivo final foi buscar estabelecer umpanorama consistente de uma área aindapouco conhecida arqueologicamente, amplian-do as discussões ligadas aos problemas arqueo-lógicos e às formas de ocupação dessa região, econtribuindo para o desenvolvimento de duasquestões importantes. A primeira delas estárelacionada à identificação da presença devestígios de caçadores e coletores antigos eenvolve a necessidade de uma melhor compre-ensão sobre as indústrias líticas do PlanaltoCentral e sua relação com a expansão gradativados ambientes onde predominam os cerradosa partir do final do Pleistoceno e ao longo doHoloceno (Schmitz 1984, 1989; Kipnis 1998;DeBlasis & Robrahn-González 2003; Bueno2005).

A segunda questão associa-se ao entendi-mento da intensa circulação humana e acrescente diversidade cultural e complexidadesocial dos últimos séculos, o que abrangediscussões acerca do aumento populacional,das interações culturais e dos contatos que seprocessaram entre os grupos que habitaram aregião no transcorrer dos séculos (Wüst 1983e 1990; Schmitz 1989; Robrahn-González1996a; Morales 2005).

Os sítios arqueológicos identificados e osdados do contexto regional adquiridos apre-sentam-se agora como um referencial importan-te para aqueles que estão interessados nasdiscussões sobre o povoamento do PlanaltoCentral. Os novos sítios não apenas confir-mam o potencial arqueológico da região, comosão uns dos elos entre um cenário de ocupaçãohumana que remonta pelo menos ao final doPleistoceno, e o quadro de grande densidadedemográfica e considerável diversidade culturalformado por populações agricultoras àsvésperas da chegada dos europeus.

Planalto Central Brasileiro: a ocupação domédio curso do rio Tocantins

As pesquisas desenvolvidas nessa parcelado território revelam um potencial arqueológi-

(2) A usina, construída no médio vale do rio Tocantins, teveseu eixo erguido no município de Lajeado e as águas doreservatório se estenderam rumo ao sul do estado doTocantins, por quase 180 km, até a cidade de Ipueiras, comárea de inundação de aproximadamente 743 km2.(3) As prospecções extensivas realizadas na Área Diretamen-te Afetada (ADA) e aquelas amostrais na Área de InfluênciaDireta (AID) resultaram na identificação de 311 sítiosarqueológicos: 153 líticos, 108 cerâmicos, 12 lito-cerâmicos,26 rupestres, 10 de gravuras e 2 históricos. Desse total 146foram alvo de intervenções arqueológicas.

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co expressivo, cujos vestígios podem ser relaciona-dos àqueles encontrados também em outrasregiões do país e manifestam uma significativadiversidade cultural e profundidade temporal.

A antiguidade da ocupação no médio valedo rio Tocantins insere a região nos estudospara a compreensão das rotas de povoamentodos diferentes grupos humanos que a habita-ram desde épocas mais recuadas e suas inter-relações com as áreas limítrofes, em especial osplanaltos orientais mais áridos do sul do Piauíe Maranhão e do interior da Bahia, a regiãocentro-norte de Minas Gerais, as planíciespantaneiras e a Amazônia (Simões 1974;Schmitz et alii 1982; Wüst 1983 e 1990;Robrahn-González 1996a; Schmitz et alii 1998;DeBlasis & Robrahn-González 2003).

Na extensa faixa de planaltos das serrasorientais que parte do extremo sul do Piauí esegue até a região central de Minas Geraisexistem evidências de ocupação humana degrande profundidade temporal, em épocapleistocênica. São sítios líticos tradicionalmen-te atribuídos às sociedades com uma economiapré-agrícola baseada na caça e na coleta (Martin1996; Prous 2000; DeBlasis & Robrahn-González 2003). Nessa extensa faixa onde sealternam planícies, chapadões, planaltos eserranias existem vários assentamentos huma-nos que estão inseridos em um horizonte deocupação paleoindígena. As datações maisantigas foram obtidas no Piauí, mais especifica-mente no Boqueirão da Pedra Furada (Guidon& Arnaud 1991) e chegam a polêmicos 40.000anos. Embora essas datações ainda não sejamreconhecidas por parte da comunidadecientífica, o grande número de pesquisasarqueológicas desenvolvidas nos últimos anostem recuado a antiguidade da ocupaçãohumana no continente sul americano.

Em Minas Gerais existem datações com-provadas da presença de povos caçadores ecoletores desde pelo menos há 12.000 anos(Neves & Pucciarelli 1998; Prous 2000).Naquele estado a pesquisa arqueológica teveorigem ainda no século XIX com as escavaçõesrealizadas pelo naturalista dinamarquês PeterLund nas cavernas calcárias da região de LagoaSanta (Lund 1950; Prous & Fogaça 1999).

Também no médio curso do rio São Francisco,nas bacias do vale do Peruaçu e do Cochá,existem datações comprovadas entre 12.000 a11.000 AP (Prous 1996/1997).

Na direção SW da área de pesquisa estãoas planícies dos pantanais mato-grossenses comsuas áreas planas, inundáveis na estaçãochuvosa, mais conhecidas como “terras baixas”(Diegues 2002). Dentro desse contextoambiental estão vários tipos de sítios queindicam uma grande complexidade cultural euma intensa circulação humana. Podemos citaros aterros, onde viveram grupos caçadores ecoletores há pelo menos 8.200 AP e popula-ções ceramistas mais recentes, com início dosvestígios cerâmicos datados por volta de 2.000AP (Schmitz et alii 1998; Oliveira & Viana1999/2000).

Na Amazônia, situada ao norte do PlanaltoCentral Brasileiro, estão as datações maisantigas da América para sítios arqueológicoscom vestígios cerâmicos: na calha do baixoAmazonas e no litoral paraense (Roosevelt etalii 1991; Simões & Araújo 1987). As escava-ções realizadas na caverna da Pedra Pintada eno sambaqui fluvial da Taperinha, apresenta-ram uma ocupação com material cerâmicodatada entre 7.000 e 7.500 anos AP (Roosevelt1991 et alii; Roosevelt 1995 e 1998). Resulta-dos como esses ampliam as interpretaçõestradicionais sobre a questão do desenvolvimen-to das populações indígenas, da complexidadesocial existente e dos caminhos de circulaçãohumana dentro do contexto de povoamento edispersão humana na Amazônia (Neves 1999/2000; Neves 2000; Gomes 2002).

Além disso, para o horizonte de ocupaçãomais antigo chama a atenção a aparentehomogeneidade das tecnologias das tradiçõeslíticas, que por apresentar grande quantidadede artefatos plano-convexos – em sua grandemaioria lesmas – costuma ser relacionada àTradição Itaparica (Schmitz, Barbosa &Ribeiro 1978/1979/1980). Contudo, com oestudo de outras áreas e obtenção de novasdatações, a ampliação da extensão territorial eamplitude temporal dos sítios relacionados aesta tradição tem sido tal que tem tornado aassociação cada vez mais frágil (Fogaça 2002;

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DeBlasis & Robrahn-González 2003; Bueno2005).

Num horizonte de ocupação mais recente,os problemas de pesquisa referem-se àsvariedades de padrões cerâmicos associados àsgrandes tradições identificadas no PlanaltoCentral – Una, Aratu, Uru e Tupiguarani – eàs interações culturais e contatos que seprocessaram entre esses diferentes grupos notranscorrer dos séculos e que alguns pesquisa-dores consideram que tenham gerado umacomplexidade social crescente, principalmentea partir dos séculos IX e X (Wüst 1990;Robrahn-González 1996a; Wüst & Barreto1999; Oliveira 2005).

Em contrapartida à variabilidade dasindústrias cerâmicas associadas às grandestradições planálticas, as pesquisas apontam aaparente homogeneidade na indústria cerâmicarelacionada às tradições Aratu e Uru emoposição à grande diversidade e complexidadesocial dos grupos indígenas da região, sejamaqueles citados em documentos etno-históricossejam aqueles conhecidos etnograficamente(Wüst 1998 e 2000; Nimuendaju 2002).

É de se destacar que estudos voltados àcompreensão de problemas arqueológicoscomo os acima citados estão afetando direta-mente o entendimento sobre o modo de vida esobre a complexidade social das populaçõesque habitavam o território brasileiro antes doano de 1500 e são uma conseqüência direta deuma série de mudanças conceituais nosmodelos até então aceitos sobre as formas deocupação e a complexidade social da Américapré-conquista (Viveiros de Castro 2002). Elessão o resultado de um somatório de elementosque permitiram a superação de uma imagemcristalizada pela coletânea Handbook of SouthAmerican Indians, organizada por Steward(1946-1950), onde todos os grupos indígenasda Amazônia estavam inseridos, junto com osgrupos Jê e Bororo que habitavam o BrasilCentral, dentro do conceito de grupos de áreasmarginais, “grupos de Floresta Tropical”(Steward & Faron 1959). A partir do modelode Ecologia Cultural de Steward (1955)construiu-se todo um sistema adaptativo ecomparativo das culturas americanas que se

perpetuou e influenciou várias décadas, atécomeçar a ser superado por correntes teóricasmais preocupadas com os aspectos cognitivos eestruturais do pensamento e da organizaçãohumana (Lévi-Strauss 1967; Maybury-Lewis1979).

Para Viveiros de Castro (2002: 324) osestudos arqueológicos (e antropológicos) estãose voltando cada vez mais para aspectos dacomplexidade social das populações indígenase as interações homem, ambiente e sociedade(Viveiros de Castro & Carneiro da Cunha1993; Roosevelt 1994; Carneiro da Cunha1998) e vêm aglutinando evidências que estão:1) ampliando o panorama demográfico daspopulações que aqui viviam; 2) trazendoinformações sobre uma antiguidade cada vezmais recuada para a ocupação do territóriobrasileiro; 3) fazendo perceber uma complexi-dade crescente nas sociedades indígenas emregiões fora do eixo andino e centro-america-no; 4) valorizando sistemas regionais e suasarticulações dentro de sistemas ecológicos esociopolíticos bastante diversificados e 5)propondo a existência de contatos e decirculação de informações em longas distâncias.

Foi nesse contexto que procuramostrabalhar com os problemas de pesquisaexistentes para o Planalto Central Brasileiro e,em especial, para a região do médio curso dorio Tocantins. Embora já houvesse muitosdados para o Planalto Central, principalmenteem decorrência dos estudos realizados emáreas limítrofes, com pesquisas em níveisdiferenciados de detalhamento, até o início doProjeto de Resgate Arqueológico da UHELajeado (PRAL) a região do médio curso dabacia do rio Tocantins era pouco conhecidaem relação às pesquisas arqueológicas.

As pesquisas nessa região iniciaram-seapenas no final da década de 1970, com o“Projeto Médio-Tocantins: Monte do Carmo,GO, fase cerâmica Pindorama”. Esse projetodesenvolveu pesquisas pioneiras na área(Barbosa et alii 1982), identificando, em 1978,três sítios cerâmicos a céu aberto e um abrigorupestre com a presença de dez sepultamentos.As escavações permitiram, através da aberturade cortes e intervenções realizadas no abrigo,

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coletar carvões que ofereceram quatro datações:1.015 ± 60 BP ou 935 A.D., 2.360±70 ou 410A.D., 3.845 ± 75 BP ou 1.895 a.C. e 3.875 ±90 BP ou 1.975 a.C. Posteriormente, em 1986,as pesquisas foram retomadas no município deTocantínia, identificando-se outros sítios: noveabrigos sob rocha com pinturas, um sítio líticoe três cerâmicos a céu aberto e três sítios competróglifos (Barbosa et alii 1989). Para Barbosaet alii (1982), nessa região estaria a fronteiraentre a Tradição Aratu/Sapucaí e as tradiçõesamazônicas e haveria ainda uma breve presençaTupiguarani, relacionada à subtradição Pintada.

Pesquisas próximas à região se iniciaramum pouco antes, em 1973, com os projetos“Alto Tocantins”, “Alto Araguaia I” e “Centro-sul”, componentes do “Programa Arqueológi-co de Goiás”. Até então o conhecimentoarqueológico sobre esse estado (que à épocaabarcava o atual estado do Tocantins) serestringia a alguns poucos sítios isolados(Schmitz et alii 1982: 6).

O “Programa Arqueológico de Goiás”tinha como principal objetivo coletar amostrasindicadoras da variação cultural da área a fimde realizar uma reconstrução histórica dosantigos grupos indígenas e um reconhecimentoinicial das adaptações ecológicas das diversastradições e fases culturais (Schmitz et alii 1982: 8).Como resultado o programa permitiu conceber ocentro-sul de Goiás como uma área limite entrediversos grupos indígenas horticultores, principal-mente os portadores de indústria cerâmicarelacionada às tradições Aratu e Uru e formu-lar, na segunda metade da década de 1970, ahipótese de que a bacia do rio Tocantins teriaservido como área de passagem, um “corredorde deslocamento” (Schmitz 1976/1977;Schmitz et alii 1978/1979/1980).

Na década de 1980, o “Programa Arqueo-lógico de Goiás” é estendido com a atuação do“Projeto Serra Geral”, direcionado ao estudodo sudoeste da Bahia e de pequena parte doleste do até então estado de Goiás (Schmitz etalii 1996). Desde essa época várias pesquisasforam realizadas (Schmitz 1984 e 1989; Kipnis1998; Schmitz et alii 1982 e 1996; Wüst 1983e 1990; Robrahn-González 1996a; DeBlasis &Robrahn-González 2003; Souza 2003) e

embora cada uma delas tivesse objetivospróprios, todas trabalharam com os principaisproblemas de pesquisa encontrados noPlanalto Central Brasileiro.

Com o desenvolvimento das pesquisassurgiram novos dados que permitiram reavaliaras associações entre as indústrias e tradições eas hipóteses correntes. Robrahn-González(1996b: 101), por exemplo, sugere que um dossítios que teria dado origem à “fase Pindorama”,que foi inicialmente associado a qualquerindústria do Centro-oeste e que depois foiclassificado como “aparentemente Aratu”,estaria de fato relacionado à Tradição Una e seopõe à hipótese de que a bacia do rio Tocantinsseria um “corredor de deslocamento” (Schmitz1976/1977; Schmitz et alii 1978/1979/1980),considerando-a uma área de confluência paraonde os grupos ceramistas provenientes dediferentes regiões teriam se deslocado edesenvolvido (Robrahn-González 1996b: 118).

A partir da assinatura da ResoluçãoConama (Conselho Nacional do Meio Ambi-ente) no. 001/86 em 23/02/1986, queimplementa a Avaliação de Impacto Ambiental,a pesquisa arqueológica torna-se exigência legalpara o licenciamento de empreendimentos,passando a ser parte dos Estudos de ImpactoAmbiental (EIA/RIMA) e novos dados sãoapresentados para a região do Planalto CentralBrasil. As pesquisas mais próximas à região dovale do médio rio Tocantins foram realizadas noalto rio Tocantins, em função do licenciamentodas UHEs Serra da Mesa e Canabrava (Martins1998; Souza 2003; Pontim 2004).

Em 1989, diante da necessidade de avaliar osimpactos que a construção da futura capital doestado do Tocantins – Palmas – traria aopatrimônio arqueológico, são realizadasprospecções arqueológicas nas imediações daárea de estudo. Esses trabalhos permitiramidentificar outros sete sítios arqueológicos, algunsdeles na própria bacia do Água Fria, e obterinformação referente à presença de grandequantidade de abrigos rupestres ao longo de todaa linha da serra do Lajeado (DeBlasis 1989).

Mas é apenas a partir de 1998, no contex-to do Projeto de Resgate Arqueológico daUHE Lajeado (PRAL), que pesquisas sistemáti-

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cas são realizadas na bacia do córrego ÁguaFria e áreas adjacentes. Essas pesquisas resulta-ram em um grande número de sítios identifica-dos e escavados, ampliando sobremaneira oconhecimento que se tinha da região até então.

O conjunto de sítios arqueológicostrabalhados no contexto do PRAL indicou aexistência de três grandes horizontes deocupação com amplas lacunas entre eles esugeriu a existência de um quarto horizonte. Oprimeiro desses horizontes de ocupação foidenominado “período antigo” e vai de 12.000a 9.000 anos atrás. O segundo é o “períodointermediário” datado entre 7.000 e 4.000anos atrás. O último horizonte identificadoestá relacionado à ocupação pelos gruposceramistas recentes, até 2.000 anos atrás.

Cada um desses horizontes abarca ques-tões de investigação que estão relacionadascom amplitudes e conexões territoriais exten-sas, que não se restringem ao Planalto CentralBrasileiro. Em tal contexto estão em pautaquestões relativas às formas de povoamentodessa região, desde os seus primeiros ocupan-tes, até a emergência, deslocamentos e crescen-te complexidade social que teriam ocorrido nasgrandes tradições cerâmicas existentes nasregiões vizinhas.

Os sítios líticos escavados aumentaram oconhecimento sobre a ocupação de caçadorese coletores na região, até então fortementerepresentada no estudo dos grupos ceramistas.As datações de até 12.000 anos atrás obtidaspara sítios líticos em dunas no médio Tocantinsremetem esses assentamentos diretamente aum cenário de uma grande expansão territorialde grupos de caçadores e coletores compadrões tecnológicos bastante homogêneos(Bueno 2005).

Em dois sítios líticos foram ainda obtidasdatações entre 6.000 e 5.000 anos atrás emoutros níveis estratigráficos, em contexto queapresentava uma indústria lítica expediente. É apartir desse período intermediário que seinserem as datações entre 1.960 e 2.930 anosatrás (que chegam a 1.860 e 3.200 quandocalibradas) obtidas para três sítios, provavel-mente no contexto da aparentemente longatransição dos grupos caçadores e coletores

para horticultores incipientes, em um momen-to anterior à introdução das grandes aldeiascirculares. Esse período de transição entre umaeconomia de caça e coleta para uma economiaagrícola é muito pouco conhecido no PlanaltoCentral Brasileiro.

Os padrões de distribuição dos assenta-mentos de caçadores e coletores antigosapresentam evidentes contrastes com a distri-buição das aldeias mais recentes dos gruposceramistas. Os sítios arqueológicos associadosà presença de caçadores e coletores maisantigos estão implantados em ambientesecologicamente diversificados. Aqueles relacio-nados aos grupos ceramistas mais recentesestão dispersos de maneira mais ou menosregular por toda a área de pesquisa, ocupandoos terraços mais altos e antigos nas proximida-des das várzeas baixas e férteis, sobretudo, dosafluentes do rio Tocantins.

Os trabalhos nos sítios cerâmicos sugeremque a ocupação pelos grupos ceramistas naregião do médio Tocantins teria ocorridotardiamente, principalmente se levarmos emconsideração que grupos portadores decerâmica Aratu, Uru e Tupiguarani se encon-travam há séculos assentados no Brasil Central(DeBlasis & Robrahn-González 2003(I): 9).

Em períodos mais recentes, em épocaimediatamente anterior ao contato com oseuropeus, essa região teria sido palco deintensa circulação humana. Algumas dataçõesem sítios que apresentam estilos cerâmicosdiferenciados indicam que a região do médiovale do rio Tocantins era ocupada por gruposque apresentavam diferenças culturais, possi-velmente também abrangendo famílias lingüísti-cas diferenciadas. É possível que essa ocupaçãorecente esteja relacionada a grupos que seriamos antepassados das populações conhecidasetnograficamente para a área: Xerente, Xavante,Kraô, Avá Canoeiro etc...

A Arqueologia Regional como perspectiva

Para elaborar um modelo sobre a organizaçãoe uso do espaço inter e intra-sítio da área,buscamos compreender as associações entre os

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assentamentos identificados nesta bacia, suasinserções diferenciadas na paisagem e ainda aestrutura interna de cada um deles, procuran-do sempre trabalhar questões relacionadas aosusos sociais e culturais que os ocupantespretéritos fizeram desse espaço.

Optamos então por realizar análises deorganização e uso do espaço em dois níveisdistintos. No primeiro deles trabalhamos como enfoque teórico-metodológico fornecidopela Arqueologia Regional, quando buscamoscompreender a associação entre os sítios e asua inserção na paisagem, procurando descre-ver e interpretar os diferentes sistemas deocupação que se processaram e quais osdiferentes motivos envolvidos para tal configu-ração. Procuramos entender a lógica deocupação desses espaços pelas populações pré-coloniais inserindo desde os critérios econômi-cos até a existência de um sentido simbólico nouso e organização do ambiente.

No outro nível, mais conhecido comohousehold archaeology, nossas atenções estiveramvoltadas ao estudo dos espaços intra-sítio,procurando diagnosticar as particularidades decada grupo com relação à utilização de seuespaço cotidiano – as áreas de atividades e assuas possíveis articulações sociais no interiorde cada assentamento.

A escolha da bacia do córrego Água Friacomo unidade de análise não foi aleatória. Esseespaço foi selecionado por ser adequado nacompatibilização das variáveis tamanho da áreae tempo disponível – que permitiriam utilizarmetodologias sistemáticas de prospecção – eestado de conservação – que, por se tratar deuma região ainda pouco antropizada, oferece-ria grandes possibilidades de encontrarmossítios em bom estado de conservação quepudessem ser objeto de detalhadas interven-ções em superfície e profundidade.

As análises inter-sítio

A grande quantidade de sítios arqueológi-cos na área, o escasso conhecimento da regiãono contexto arqueológico brasileiro e o seupotencial para a pesquisa arqueológica noslevaram a pensar em uma abordagem de traba-

lho regional (Johnson 1977; Fish & Kowalewski1990; Billman & Feinman 1999), quandoprocuramos detectar e entender as variadasocupações existentes na região por intermédio daanálise dos vestígios arqueológicos e de suadistribuição na paisagem (Ashmore & Bernard1999; Aldenderfer & Maschner 1996; Dincauze2000). Essas variáveis são a referência básicapara identificar e apontar algumas característicasdos sistemas socioculturais que configuram aocupação de caçadores e coletores e dos agricul-tores desde o período pré-colonial no médiocurso do rio Tocantins (Rossignol &Wandsnider 1992).

A perspectiva teórica fundamental é que aArqueologia é uma ciência social e que, pormeio dos vestígios materiais recuperados(sítios, artefatos e quaisquer outros traçosmateriais de atividade cultural e seu contexto),considerados como vetores de informação,pode-se inferir os comportamentos humanos eas características socioculturais dos grupos queos produziram (Binford 1983; Gallay 1986;Renfrew & Bahn 1991). Assim, devem seranalisadas todas as informações disponíveis,que podem estar representadas por apenas umartefato ou por um conjunto de sítios arqueo-lógicos, e as formas de ocupação da área(Hodder e Orton 1990). Procedendo destamaneira, a análise recai mais sobre as possibili-dades de articulação espacial e funcional dossítios em âmbito local e regional. Além dosdiversos atributos observados habitualmentenos vestígios arqueológicos, neste tipo deanálise é dada ênfase à maneira como eles sedispõem no espaço, evidenciando característi-cas de territorialidade, organização e interaçãosocioeconômicas (Gorenflo & Gale 1990;Hodder 1990).

Nessa procura de entender cultura/sociedade – constituídas das inter-relaçõesentre as comunidades humanas e o ambiente –a análise do uso do espaço assumiu importân-cia fundamental (Binford 1982). Somada àscaracterísticas das atividades e processos emque as tecnologias estiveram envolvidas para acaptação de recursos, a análise do uso doespaço leva a inferências sobre as estratégias desubsistência adotadas pelas sociedades e sobre

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a razão da escolha dessas estratégias dentro deum número finito de opções (Billman &Feinman 1999).

Dentro desse enfoque, a abordagem daArqueologia Regional pareceu-nos a maisinteressante para tratar dessas evidênciasarqueológicas. Ela foi conceitualmente definidapor Willey (1953), como “padrões de assenta-mento”, aprimorada por Winters (1968) para“sistemas de assentamento” e posteriormentedifundida por pesquisadores que buscaramaproximar a relação existente entre natureza,tecnologia e sistema social (Parsons 1971,1972; Gumermam 1971; Chang 1972; Sanders1975).

A questão central passou a ser a distribui-ção dos sítios arqueológicos na paisagem, ouseja, sua análise espacial (Clarke 1977; Hodder& Orton 1990), que é um reflexo direto dasformas de interação dos assentamentoshumanos com o seu ambiente circundante edos padrões de articulação entre eles (Fish &Kowalewski 1990). Por meio deles é possívelentender os processos relacionados à estruturaçãosociocultural das sociedades humanas que umdia ocuparam um determinado lugar. Essa novaperspectiva e todos os seus desdobramentosposteriores fizeram com que os sítios arqueoló-gicos deixassem de ser vistos como um fim em simesmos e passassem a ser inseridos dentro deuma rede articulada de significados, onde cadaassentamento tem um papel complementardentro de um sistema maior (Trigger 1992;Descola & Pálsson 1996).

Nossa primeira preocupação foi paracom a inserção dos sítios identificados noespaço maior de que faz parte por meio doexame das interações do homem com seuambiente imediato, quando uma das referên-cias iniciais é o contexto tecnológico e suaimplantação (Foley 1981). Procuramos,então, interpretar a implantação dos sítiosem função dos elementos naturais quepudessem estar definindo seu posicionamentona paisagem, tais como o relevo, as fontesd’água, áreas de passagem natural, fertilidadedo solo, a formação vegetal e as fontes dematéria-prima, bem como a distribuição edisponibilidade dos recursos da área.

Nesses estudos utilizamos como referênciaalguns dos métodos e discussões propostaspor Plog & Hill (1971) e Flannery (1976)sobre a análise da distribuição espacial emrelação as variáveis ambientais (Shackley 1981).A articulação de cada sítio em relação aoconjunto de sítios localizados foi feita pormeio da semelhança dos atributos e pelaarticulação espacial existente entre eles.Buscamos inferir padrões de distribuição elocalização dos sítios em relação aos comparti-mentos da paisagem para, a partir daí, caracteri-zar e organizar as unidades que fazem parte dosistema de assentamento (Gummerman 1971;Hodder & Orton 1990).

Ainda que nossas análises tenham sevoltado à compreensão das necessidades desubsistência e aos aspectos econômicos,agregamos em nossas pesquisas fatores simbóli-cos e cognitivos na forma de ocupar o espaço,abordagem que tem sido intensamente aplica-da nos dias atuais pela Arqueologia da Paisa-gem (Thomas 1996, 2001). Esse tipo deabordagem pressupõe uma percepção diferen-ciada sobre o meio ambiente ao ponderar quea paisagem não é um simples recorte do meioambiente natural. Ela deve ser vista antes detudo como um fenômeno cultural. A paisagemé então percebida como um produto cultural ehistórico de um dado grupo sobre a qual existeuma rede de interações e todo um universo deelementos que são transmitidos de geração ageração (Gosden & Head 1994; Smith 1999).

A Arqueologia da Paisagem, contudo, não seapresentou como uma mudança de paradigmaque veio substituir a arqueologia processual.Ao contrário, ela pôde ser vista como aexpansão dos problemas de pesquisa arqueoló-gica em escala regional, aqueles focados nadialética entre o homem e o seu ambiente(Crumley & Marquardt 1987 e Ashmore &Bernard 1999). Ela se apresentou como umaforma de análise complementar àquela maistradicional, uma abordagem mais ampla depesquisa que visa estabelecer uma conexãoentre o meio físico e o ambiente cognitivo.

Diante de tal abordagem, onde entra emcena a “paisagem social”, a visão da paisagem écultural e compartilhada pelos grupos sociais

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que o utilizam (Toren 1995). Ela é compostapor locais que estão relacionados no espaço e notempo por um sistema de atividades (Rossignol& Wandsnider 1992). A área de pesquisa, comsua ocupação de mais de 10.000 anos, palcopara atores diversos, passa a ser percebida comoum local cuja utilização vai além da necessidadede sobrevivência, como área de assentamento e/ou de captação de recursos, exibindo múltiplaspossibilidades de utilização e, conseqüentemente,de interpretação (Hodder 1982 e 1986; Tilley1994; Thomas 1996).

Ao trabalhar com a Arqueologia da Paisagemem uma perspectiva regional conectamos umaperspectiva mais tradicional – aquela relacionadaa uma visão sistêmica da sociedade e suasestratégias de captação e utilização dos recursosdisponíveis – a elementos cognitivos do compor-tamento e relacionados à interação política, sociale simbólica entre os grupos humanos e oambiente (Cosgrove 1984; Bender 1993).

Essa possibilidade de conexão fez da baciado córrego Água Fria uma região especialmenteinteressante, já que ali as prospecções arqueológi-cas permitiram a identificação de vários sítios acéu aberto de diferentes procedências culturais etemporais e também a localização de abrigoscom grafismos rupestres ao longo da alcantiladaserra do Lajeado (Berra 2003; Jorge, Prous &Ribeiro 2007). Esses abrigos são de difícil acesso.O percurso é demorado, repleto de ravinasíngremes, cursos de água secos e solo cascalhentoe escorregadio, atingi-los é uma tarefa que exigeum esforço considerável, mesmo para pessoasbem adaptadas ao clima, com boa disposição eforma física. Isso significa dizer que, percorrerpor horas ravinas repletas de troncos ásperos eespinhosos, não se explica por uma racionalidadeeconômica e sim, devido a questões imateriais ede conteúdo simbólico que faziam parte dacosmologia das populações que ocupavam essaregião em tempos pré-coloniais e que fizeramdesses abrigos um ponto para a fixação dos seusgrafismos.

Foi com base nas premissas acima delineadasque o espaço geográfico constituído pela baciado córrego Água Fria foi examinado, com oobjetivo de compreender como as populaçõesde tempos pretéritos dele se apropriaram.

A análise espacial intra-sítio

O bom estado de conservação de muitos dossítios arqueológicos identificados foi um dosfatores que nos levaram a selecionar esta área depesquisa, já que nela seria possível trabalhar nãoapenas dentro de perspectiva regional, mastambém com a análise contextual dos vestígiosarqueológicos no espaço interno do assentamen-to. No decorrer desta pesquisa estivemospreocupados em compreender a distribuiçãodiferencial dos sítios no ambiente e também adisposição das evidências arqueológicas noespaço do assentamento, como forma de avaliarsuas características de função e organização(Lewarch & O’Brien 1981; Carr 1984; Schiffer1987; Hodder 1990).

A análise intra-sítio exibe condição sine quanon para a compreensão adequada das formasde uso e articulação regional dos assentamentos.Sem um conhecimento detalhado dos espaçosinternos de cada um dos sítios plotados e dadistribuição dos conjuntos de artefatos eestruturas ali existentes, seria muito difícilavançar em questões mais amplas, relacionadasaos aspectos de organização e uso de cada umdesses assentamentos.

Esse tipo de análise ancorado na organiza-ção e uso do espaço interno de um assentamento(Kramer 1979; Kent 1984 e 1987; Thompson1991; David & Kramer 2001) abarca a aborda-gem conhecida como household archaeology(Flannery 1976; Hietala 1984; Kent 1987; Kroll& Price 1991) e é um caminho que continuapromissor para interpretações sobre organiza-ção política e social (Lees 1979; McKee 1999).Essa abordagem privilegia os espaços internosdos sítios arqueológicos, mais precisamente, dassuas áreas de atividade e unidades habitacionais(Wüst & Carvalho 1996; Vianna 2006; Ruibal2001; Moi 2003; 2007), onde o importante éentender a racionalidade por trás da organizaçãoe uso dos espaços (Schiffer 1972, 1976; LaMota& Schiffer 1999).

Para atingir esses objetivos são necessáriosestudos intra-sítio detalhados, que ultrapassemas intervenções em espaços reduzidos, recortes deum assentamento, onde as interpretações sobrediferenças na organização dos espaços internos,

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as trocas e as mudanças na estrutura social, nãopoderiam ser atingidas de forma plena. Adiferenciação espacial dos artefatos dentro deum sítio – as análises intra-sítio – representamuma das formas de não se basear exclusivamentenas peças líticas ou cerâmicas, que, em váriosmomentos, oferecem uma grande homogeneidadeem extensas parcelas do território brasileiro (Wüst& Carvalho 1996).

No caso do Brasil Central, a utilização daanálise espacial intra-sítio combinada à análiseda cadeia operatória (Sellet 1989; Karlin et alii1991; Kelly 1995) pode ser utilizada paraajudar a resolver os problemas relacionados àaparente homogeneidade das indústrias líticasrelacionadas aos grupos de caçadores e coleto-res. Já em assentamentos ceramistas, as análisesintra-sítio estão levantando evidências sobre aexistência de um processo de complexificaçãosocial nas grandes aldeias.

Essas análises estão baseadas em variaçõesno tipo e distribuição da cultura material noespaço interno de sítios contemporâneos etambém entre as unidades habitacionais de ummesmo assentamento, que sugerem um acessodiferenciado às redes de trocas e aos eventuaisfluxos de informação e uma possível divisão dotrabalho entre as unidades habitacionais (Wüst1990). Conquanto poucos se arrisquem adefinir precisamente o conceito de complexida-de social e que seja este um tema de grandesdebates teóricos, dentro da arqueologia e daantropologia é consenso que algumas caracte-rísticas são condizentes com as sociedadescomplexas: estratificação social, desenvolvimen-to de uma organização política centralizada,existência de relações institucionalizadas dedesigualdade social e/ou grau de divisão dotrabalho (Carneiro 1970; Steponaitis 1978;Feinman & Neitzell 1984; Price & Brown 1985;Creamer & Hass 1985; Earle 1989). Algunstrabalhos de análise espacial intra-sítio realizadosno Brasil têm conseguido perceber algumasdessas características na distribuição da culturamaterial no sítio e entre os sítios (Wüst 1990;Wüst & Carvalho 1996; Viana 1996).

Na pesquisa ora apresentada, essa aborda-gem foi utilizada, principalmente, com afinalidade de analisar as características internas

dos assentamentos com vistas à compreensãoda organização social e utilização dos sítios esuas articulações com os grupos sociaisrepresentados pelos outros sítios identificadosdentro da bacia do córrego Água Fria (Morales2005).

Além do acima exposto, consideramos queo conhecimento em detalhe da organizaçãointerna dos sítios permite avançar em outraquestão ainda em aberto e citada brevementeacima: a conhecida complexidade social ediversidade cultural dos grupos indígenashabitantes do Brasil Central, que acabam sendodiluídas nos amplos conjuntos formados pelasvariações das indústrias cerâmicas e suas usuaisclassificações em tradições arqueológicas.

Julgamos que isso acontece porque aindústria cerâmica per se não se apresentacomo bom indicador das características sociaise culturais de um grupo social. Existem váriostrabalhos que indicam um perfil de transfor-mação bastante conservador para a cerâmica,às vezes mesmo diante de transformaçõesculturais intensas (Tschopik 1950; Charlton1976). Por isso, as análises das característicasmorfológicas, tecnológicas e decorativas dosvestígios cerâmicos costumam ser insuficientespara responderem à questão sobre ahomogeneidade das indústrias cerâmicas e,conseqüentemente, para tratarem da identida-de cultural (Shennan 1994) daqueles queproduziram esses vestígios. Ao agregarmos asanálises tecnotipológicas dos vestígios materiaislíticos e cerâmicos, às características ambientaisdos assentamentos e aos estudos sobre adistribuição e organização e dos espaçosinternos de cada um deles teremos informaçãosuficiente para atingirmos níveis mais específi-cos de detalhamento. Isso significa dizer quecoletas parciais ou totais não referenciadasgeograficamente e intervenções pontuais – dotipo uma sondagem por assentamento – nãonos permitem avançar em temas de fundamen-tal importância: a organização social daquelesque ali viveram (Kent 1990). Conclui-se queoutro ponto de grande importância para arealização de uma análise espacial intra-sítioseja a escolha dos métodos e técnicas apropria-dos de escavação dos sítios arqueológicos.

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Procedimentos de investigação: oscompartimentos ambientais

A bacia do córrego Água Fria pode serrepresentada pela divisão de sua área emquatro amplos compartimentos ambientais.

O primeiro deles, denominado Comparti-mento 1, comporta o trecho entre a planície deinundação e os terraços. A planície de inunda-ção é o trecho plano e inundável existentejunto às margens dos diversos cursos de águada região e estão entre 4 m e 6 m acima donível normal do rio Tocantins.4 Seu substrato écomposto por areia fina intercalada comcamadas espessas de cascalho fino e de argila. Noleito do rio Tocantins e nas amplas cascalheiras àssuas margens são comuns as presenças deseixos de quartzo, quartzito, arenito silicificadoe sílex que são trazidos pela força das águasdurante as enchentes anuais. Nesses locais osníveis de cascalhos são constituídos por seixoscom diâmetros variando de 1,5 a 15 cm.

Os terraços também são áreas planas, masenglobam trechos levemente ondulados einclinados em direção ao rio e são sustentadospor sedimentos aluvionares mais antigos doque aqueles encontrados na planície deinundação. Dele fazem parte os canais abando-nados, as lagoas, os alagadiços e as áreaselevadas, melhor drenadas, que estão menossujeitas a serem inundadas. As cheias queatingem esses terraços de cota mais alta sãoexcepcionais e ocorrem em média a cada 50 anos.

O Compartimento 2 está constituído pelascolinas amplas e rampas.5 É formado por umrelevo plano-convexo, com leve declividaderumo ao rio Tocantins. Seu perfil é longo eretilíneo, apresentando algumas rupturas queformam ressaltos geralmente junto às drenagens.Essas colinas amplas e rampas apresentam níveisaltimétricos entre 220 m e 280 m entre Porto

Nacional e Palmas. Possuem vales abertos epouco encaixados no relevo e afloramentos decouraças lateríticas em diversos pontos.

Do Compartimento 3 fazem parte osmorros e os morrotes residuais atualmenteocupado por propriedades rurais de pequenoe médio porte. Nele foram agrupadas asformas de relevo que apresentam uma disseca-ção bem mais pronunciada do que noscompartimentos anteriores. Apresentamaltitudes variadas, de 250 m a 300 m, e sãoformadas por morros e montanhas residuais,sustentados principalmente por rochascristalinas encontradas sobretudo no sopé dasescarpas da serra do Lajeado. Quando osubstrato é o quartzito possuem formasaguçadas. Ao contrário, quando possuemgranitos e granitóides como substrato, apresen-tam formas convexas. Os vales são abertos,pouco encaixados no relevo, e o córrego ÁguaFria contorna as elevações de maior porte.

Por fim, temos o Compartimento 4,representado pelas escarpas da serra do Lajeado.Este compartimento abrange as frentes escarpa-das das cuestas da serra do Lajeado comamplitudes de 300 m a 400 m. Suas partes altase íngremes são sustentadas por arenitos dasformações Serra Grande e Pimenteiras. Em suabase afloram granitos pré-cambrianos. Nasescarpas, topos estreitos, convexos e tabularesestão associados às vertentes descontínuas e deelevada declividade. São comuns os movimentosde sedimento através do escorregamento e daqueda de blocos, bem como o entalhe pluvial efluvial ao longo dos talvegues. Nesse ambientede solo bastante cascalhento e acidentadoexistem muitas reentrâncias nos paredõesareníticos e é comum a presença de abrigosrupestres com grafismos.

As prospecções arqueológicas

Esses quatro compartimentos da bacia docórrego Água Fria e seus diversos micro-ambientes – as planícies aluviais, os terraços,fundos de vale, morrotes, escarpas areníticasetc. – foram alvo de uma varredura intensiva.A meta proposta foi não nos restringirmosaos sítios arqueológicos mais representativos

(4) Esse compartimento de paisagem foi integralmenteinundado pelo reservatório de UHE Lajeado quando dofechamento das comportas.(5) As áreas de colinas amplas e rampas do Compartimento2 abrigam a malha urbana da cidade de Palmas, sendoatualmente a área mais densamente ocupada da região.

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em função da sua complexidade, importân-cia, visibilidade, densidade de peças ou porserem conhecidos pela população rural eidentificados através de informes orais. Avarredura arqueológica foi desenvolvidacomo uma ferramenta para obter elementosinformativos em escalas de relevânciasdiversificadas. Isso porque, como já foicomentado, acreditamos que os diversosassentamentos representam um contextocultural amplo, onde a existência de um sítioem determinado local pode ser vista comorelacionada ao ambiente circundante etambém aos fatores simbólicos e cognitivos.Assim, encaramos desde uma simples lascaperdida em meio ao cerrado até um abrigorupestre como uma intrincada rede articula-da e com múltiplas funções e significados.

Para atingirmos nossos objetivos foramutilizados de modo conjunto dois métodos deprospecção arqueológica: as varredurasintensivas e a cobertura total – full-coveragesurvey (Fish & Kowalewski 1990; De Blasis &Morales 1995). Esses trabalhos propiciaramum grau de detalhe nos trabalhos em superfíciee sub-superfície, que nos permitiram localizartodos os sítios arqueológicos existentes emsuperfície (ou pelo menos aqueles que ocupa-vam uma área superior a 50/60 m de diâme-tro) e grande parte daqueles assentamentos emsub-superfície, e entender a distribuição dossítios arqueológicos relacionados aos sistemasde assentamento presentes nas áreas deatuação (Redman 1987; Lewarch & O’Brien1981; Lightfoot 1986).

Sempre que possível, optamos pordistribuir a equipe em linha, com cada compo-nente mantendo uma distância constante entre5 m e 6 m do seu parceiro, permitindo investi-gar de forma plena os trechos predetermina-dos. Essa medida, aplicada em cada um dosquatro compartimentos definidos, aliada àgrande visibilidade do solo nos períodos deestiagem e uma equipe formada por 10 a 12componentes, possibilitou uma coberturaampla de toda a região, com a identificação depraticamente todo o material arqueológicoexistente em superfície.

Nas áreas sujeitas ao acúmulo de sedimen-

tos, quase sempre trechos arenosos, portantopassíveis de apresentar sítios em seus extratosinferiores, os caminhamentos intensivos foramcomplementados pela abertura de alinhamen-tos de poços-teste6 e sondagens7 profundas.Nas áreas com menor visibilidade do solo, ouporque não foram atingidas pelas queimadasou porque estavam cobertas por mata degaleria mais densa, os caminhamentos intensi-vos foram substituídos por alinhamentos depoços-teste.

Sobre os terraços do rio Tocantins e àsmargens do córrego Água Fria foram realiza-das, além da abertura de alinhamentos depoços-teste ao longo de centenas de metros edas sondagens profundas, a retificação deextensos perfis. As retificações de perfis foramutilizadas para localizar sítios e identificar aestratigrafia em profundidade de largos trechosdos terrenos. Elas são o resultado do aproveita-mento de intervenções antrópicas ou deprocessos naturais – como barrancas de rio ouáreas de erosão – preexistentes no terreno.

Quando algum vestígio arqueológico eralocalizado, toda a região de entorno sofria umavarredura ainda mais intensiva, buscandodelimitar a dispersão daqueles vestígios.

Os locais identificados como sítios arqueo-lógicos apresentaram graus diferenciados derelevância em termos quantitativos ou qualitati-

(6) Os poços-teste distinguem-se das sondagens principalmen-te por serem intervenções mais ágeis, com funções específicasde localização e delimitação de sítios em profundidade e deidentificação de horizontes de ocupação, geralmenteservindo de orientação para intervenções posteriores.Apresentaram lados de aproximadamente 50 cm eprofundidade que variou de acordo com o instrumentoutilizado para sua abertura. Quando realizados comcavadeira, os poços-teste atingiram profundidade de até1,80 m. Aqueles realizados com enxadão não ultrapassaram1m de profundidade. O controle estratigráfico foi feito porníveis artificiais de 10 cm e o sedimento retirado foicompletamente peneirado. Os alinhamentos de poços-testeforam demarcados a 100 m de distância um do outro, emsentido paralelo, e os poços-teste foram abertos a cada 50 m.(7) As sondagens foram sempre realizadas em níveis artificiaisde 10 cm, exibindo lados de 1 m e profundidade variável. Osedimento retirado de seu interior foi sempre peneirado.Quando uma sondagem apresentava evidência de estruturasou de definição de pisos de ocupação ela era ampliada edecapada em níveis naturais.

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vos, podendo representar assentamentos parauma estada mais intensa e/ou mais duradourae locais de acampamento ou de atividadesexpeditas. Ao todo foram localizados 38 sítiosarqueológicos divididos em assentamentoslíticos, cerâmicos, multicomponenciais eabrigos rupestres.

As pesquisas nos sítios identificados

Os 38 sítios arqueológicos identificados nabacia do córrego Água Fria pertencem a diferen-tes horizontes de ocupação e possuem variaçõesde tamanho, densidade e estado de conservação.Como decorrência, acabaram por receberintervenções e tratamentos diferenciados.

Em vários sítios líticos as peças estavamexpostas unicamente em superfície e as inter-venções puderam ser realizadas de formabastante rápida. Em todos eles foi possívelrealizar a coleta total georreferenciada domaterial aflorante e contextualizar a análiseinterna dos sítios através de sondagens e daelaboração de mapas de distribuição e densidade.

Nos sítios mais densos, alguns delesgrandes aldeias relacionadas às ocupações degrupos portadores de cerâmica Aratu eTupiguarani, elaboramos um quadriculamentocompleto da área com vestígios, com a marca-ção de cada fragmento individualizado em umaplanta base. O procedimento seguinte foicoletar seletivamente paredes, as bases, bordase apêndices e todo o material lítico, registrandoa localização espacial precisa de cada peça. Aoadotarmos esse procedimento de campo foipossível reconstituir em laboratório as áreas dedensidade e a origem de cada fragmentocoletado.

Naqueles sítios que ofereceram condiçõesadequadas de integridade e potencial informa-tivo e que estavam localizados em sub-superfí-cie aplicamos ainda intervenções sistemáticassob a forma da abertura de áreas dedecapagem (Leroi-Gourhan 1972), sondagense/ou poços-teste e retificação de perfis(Renfrew & Bahn 1991). Os poços-teste,sondagens e perfis foram realizados de acordocom as características já expostas. A área dedecapagem notabilizou-se pelas dimensões

variadas, mas caracteriza-se pelo trabalho emdetalhe dos níveis naturais, com manutençãodas peças em posição original, limpeza compincel e peneiramento de todo o sedimentoretirado (Leroi-Gourhan 1950 e 1972).

Com esse conjunto de procedimentosprocuramos caracterizar internamente osdiversos assentamentos identificados (análiseintra-sítio) para melhor estabelecer correlaçõesde âmbito regional.

Um modelo de organização e uso do espaço

Os horizontes de ocupação

As prospecções sistemáticas desenvolvidas aolongo da bacia do córrego Água Fria permitiramidentificar sítios a céu aberto (35) e abrigados(3). As intervenções e análises intra-sítio realiza-das demonstram a existência de váriassuperposições e solos de ocupação, que perpas-sam uma história de povoamento de 12.000anos e envolvem desde grupos de caçadores ecoletores até ceramistas agricultores. Essaspopulações foram reunidas de acordo com ascaracterísticas tecnotipológicas de sua culturamaterial e de implantação dos seus assentamen-tos em categorias amplas, que certamente nãorefletem a variedade social e diversidade culturaldos momentos de ocupação.

No caso dos grupos ceramistas recentesoptamos por utilizar o conceito de “tradiçãoarqueológica”. Essa conveniência classificatórialargamente empregada na arqueologia brasilei-ra traz em seu bojo algumas limitações. Elaoferece contornos definidos e estanques paragrupos sociais que certamente apresentavamvariâncias culturais, lingüísticas e cosmológicas.Sua utilização reforça categorias de limitadoalcance cultural e sociológico (Wüst 2000).Ainda assim, consideramos vantajosa autilização desse conceito para os grupos deagricultores ceramistas porque ele permitecontextualizar as novas informações dentro deum quadro referencial básico. Além disso,todas essas tradições associadas aos gruposceramistas apresentam indústrias com caracte-rísticas peculiares, regionais, e foram

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aglutinadas no contexto do PRAL em ummesmo horizonte arqueológico denominadode período recente.8 Assim, para a área depesquisa foram identificados sítios associadosaos grupos portadores de cerâmica comcaracterísticas das tradições Uru, Aratu eTupiguarani.

Julgamos que para o caso dos grupos decaçadores e coletores esta “conveniênciaclassificatória” seria menos adequada para oestabelecimento de parâmetros comparati-vos. Isso acontece porque a TradiçãoItaparica – que a princípio estaria associadaaos grupos de caçadores e coletores doperíodo antigo9 – embora já tenha sido alvode muitos estudos (Schmitz et alii 1989,1996; Kipnis 1998; Fogaça 2002; Bueno2005) permanece pouco compreendida. Aamplitude territorial das característicastecnotipológicas associadas a esta tradição éde tal monta que sequer poderíamos falarem grupos culturais. O mesmo acontece paraos grupos do período intermediário,10 quepoderiam ser associados à FaseSerranópolis, distinguível por uma continui-dade tecnológica do período anterior, mascom peças menos formais e com característi-cas expedientes.

Uma terceira ocupação por grupos decaçadores e coletores pôde ainda ser identificadaem função das características tecnológicas desuas indústrias e da implantação de seusassentamentos. Esse conjunto é o menosconhecido de todos, tendo sido delineadoinicialmente pelo PRAL por intermédio de trêsdatações e chamado por nós genericamente de“Período pré-cerâmico”, já que estaria situadoentre o período de ocupação por caçadores ecoletores do intermediário e pelos gruposceramistas agricultores.11

As indústrias arqueológicas e as análisesintra-sítio

As análises tecnotipológicas e espaciaisdesenvolvidas trouxeram informações sobre asindústrias e suas formas de utilização noespaço interno dos sítios. Esse nível de análisefoi fundamental para a interpretação dossistemas regionais de assentamento, pois sem oconhecimento detalhado dos espaços internosde cada um dos sítios plotados e da distribui-ção dos conjuntos de artefatos e estruturas aliexistentes, seria muito difícil avançar emquestões mais amplas, relacionadas aosaspectos de organização e uso de cada umdesses assentamentos. A análise intra-sítioapresenta-se como condição indispensável paraum segundo nível de análise, relacionado àsformas de uso e articulação regional dosassentamentos.

As análises das ocupações do períodoantigo não produziram informações substanci-ais diante da baixa quantidade de peçasassociadas às indústrias desse período. Para operíodo intermediário, a dificuldade emestabelecer maiores articulações entre as peçase sua distribuição no espaço ocupado foidecorrência das características expeditas daindústria, que na maior parte das vezes écomposta por ferramentas grosseiras, semgrandes requintes e onde se percebe a poucapreocupação em dar um acabamento maisformal aos artefatos. Nos sítios que foramassociados a esse período quase não encontra-mos artefatos e as principais evidências dematerial lítico são as lascas e os detritoscorticais. A baixa freqüência de artefatos temsido assinalada como uma das característicasda indústria desse período.

No período pré-cerâmico os sítios identifi-cados trouxeram novas e importantes informa-ções ao cenário de ocupação regional. Ascaracterísticas tecnológicas de seus vestígioslíticos revelam uma população que utilizavaartefatos que tinham como suportes dedebitagem lascas e seixos. Embora a diversida-de morfológica dos artefatos seja ampla,resultando em raspadores planos, semicircula-res, ogivais, fronto-laterais etc., os artefatos

(8) De 2.000 AP até o presente.(9) Entre 12.000 e 9.000 AP.(10) Entre 7.000 e 4.000 AP.(11) A existência de um quarto horizonte de ocupação naárea foi delineada por datações obtidas pelo método doC14 em três sítios situadas entre 2020±60 e 2870±60 AP.Os sítios são o Capivara 5, Emas 2 e Água Fria 9.

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costumam ser talhados sobre seixos e conservamporções de córtex. São quase sempre peçasplano-convexas com bordos abruptos ou semi-abruptos. As retiradas são em sentido perpendi-cular ou diagonal, invadentes, sobre as quaisexistem uma segunda e uma terceira linha deretoques que regularizam e dão forma ao bordoativo por meio de seqüências de retoques curtos,escamados, irregulares e paralelos. Por vezes essesretoques podem contornar completamente apeça.

Os sítios relacionados a esse períodocaracterizam-se ainda por abrigar uma significa-tiva quantidade de artefatos,12 pela existênciade lascas com talão preparado (e em menormedida com sinais de uso nesse local) epequena utilização do sílex com matéria-primapara seus instrumentos (nunca passando 6,7%do total).

As análises intra-sítio revelaram informa-ções sobre a cadeia operatória desenvolvidanesses assentamentos. Os seixos eram levadosaos sítios para ali serem trabalhados e muitosdos vestígios já utilizados eram reaproveitadosem outras áreas do mesmo sítio. Comoexemplos de assentamentos onde essa movi-mentação estaria acontecendo podemos citaro sítio Brejo Comprido 10 e o Água Fria 18. Noprimeiro deles foram realizadas remontagensdiretas e indiretas entre as peças, o quepossibilitou a associação entre diferentesconcentrações. No outro, o Água Fria 18, asferramentas dispostas em superfície sugeremhaver pequenos kits de lascamento com áreasonde artefatos eram utilizados e outras ondeeles eram confeccionados, retocados oureaproveitados. Em alguns momentos como noÁgua Fria 17 as concentrações são discretas,com o material arqueológico espalhado poráreas extensas e agregado em pequenosconjuntos.

Em síntese, as características dos assenta-mentos desse período pré-cerâmico sugerem

que eles estariam sendo reocupados ocasional-mente e que haveria uma utilização intensa depeças plano-convexas. Esses assentamentosapresentam indícios do preparo e reavivagemdos artefatos lascados, quando os grupos decaçadores e coletores se apropriavam de peçasutilizadas em momentos anteriores inserindo-asem uma nova cadeia operatória.

A indústria da primeira ocupação do ÁguaFria 9 presente entre os níveis 9 e 22 dassondagens e perfis apresenta poucas peçasdiagnósticas. Ela é constituída 60% pordetritos corticais, 13,4% por fragmentos deseixos e somente 1% de artefatos lascados,características que sugerem um local voltadopara a busca de matérias-primas com aptidãoao lascamento e onde eram preparadas pré-formas de artefatos que seriam levados paraserem utilizados em outros locais. A amostrapor C14 datada entre 3.200 e 2.850 anosantes do presente13 insere esse assentamentodentro do período pré-cerâmico e apresenta-ocomo uma área de captação de recursosutilizada pelos grupos desse período. Asintervenções realizadas permitiram-nos ter acerteza de estarmos em um local onde aintenção principal dos seus primeiros ocupan-tes foi de aproveitar as cascalheiras existentespara a obtenção de matéria-prima adequada aotrabalho com a pedra. Locais como essesfuncionariam como pólos de atração paraexecução de atividades limitadas, de duraçãorestrita, e voltadas para a captação de matéria-prima e preparo de artefatos que seriamutilizados em outras áreas.

A análise espacial dos vestígios existentesnas grandes aldeias ceramistas do períodorecente foi mais produtiva. Dentro da área depesquisa encontramos grandes aldeias associa-das aos grupos ceramistas Tupiguarani (ÁguaFria 6, 8 e 9) e Aratu (Água Fria 15, 24, 25 eBrejo Comprido 5) que se destacaram peloporte, densidade e diversidade de materiais, eassentamentos mais modestos, que foramassociados às ocupações dos grupos ceramistas

(12) Os artefatos são 11% da indústria do Brejo Comprido1, 13,6% do Brejo Comprido 2, 16,4% do Água Fria 21,17,2% do Água Fria 17, 20,8% do Água Fria 23 e 29,2%do Água Fria 18.

(13) Amostra 190467 do Beta Analitic Radiocarbon DatingLaboratory, Florida, EUA.

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das tradições Aratu (Água Fria 3, 10, 13, 14, 16e Brejo Comprido 6, 7 e 9), Uru (Água Fria 5,12, 20 e Brejo Comprido 8) e sítios em abrigocom fragmentos cerâmicos com característicasdas tradições Aratu (Ponta da Serra14) eTupiguarani (Vão Grande).

Os assentamentos que foram associadosaos grupos portadores da tradição ceramistaTupiguarani exibiram indústrias cerâmicas elíticas com características tecnológicas bastantehomogêneas e algumas diferenças pontuais.Algumas das formas15 de seus recipientesapresentam proporções semelhantes enquantooutras somente foram identificadas no sítioÁgua Fria 8. Os recipientes cerâmicos do ÁguaFria 6 tenderam a ter paredes mais espessas euma maior proporção de peças com aplicaçãode uma faixa vermelha pintada, apêndices edecoração plástica. O Água Fria 8 deu-nos umaquantidade de paredes engobadas proporcio-nalmente maior. Com relação ao tipo deantiplástico agregado à pasta, o Água Fria 6oferece uma menor quantidade de caco moídoe uma quantidade relativamente maior defragmentos com cariapé.

A análise da indústria lítica tambémrevelou certa uniformidade, havendo maisvariações quantitativas do que qualitativas nosatributos trabalhados. Entre as semelhançastemos a existência de muitas peças com sinaisde uso – como no caso dos detritos –, autilização intensa de peças em sílex e a presençade artefatos polidos e de calibradores líticos ecerâmicos. As disparidades são pontuais eficaram por conta de encontrarmos no ÁguaFria 8 uma quantidade relativamente maior depolidores e calibradores líticos e menor dedetritos e fragmentos de seixos.

A distribuição dos vestígios no espaço doassentamento foi mais bem observada no sítioÁgua Fria 8. Os diferentes processos pós-deposicionais sofridos por esses dois sítiosdeixaram as evidências materiais do Água Fria8 em superfície e as do Água Fria 6 recobertaspor uma camada de sedimento arenoso,posteriormente perturbado pela retirada davegetação por tratores. Em conseqüênciadesses processos pós-deposicionais as análisesespaciais no sítio Água Fria 8 apresentaramresultados mais abrangentes. A distribuiçãodos vestígios do sítio Água Fria 6 ocupou umaárea bem maior do que a do Água Fria 8 eexibiu indícios de uma forma alinhada emparalelo ao rio Tocantins.

No espaço interno do Água Fria 8 destaca-mos alguns elementos que sugerem a existênciade uma maior complexidade na organizaçãosocial e no uso do espaço: 1) é um assentamen-to associado aos grupos portadores da cerâmi-ca Tupiguarani com formato circular originadopor sete concentrações de vestígios bem defini-dos com uma área central vazia; 2) possui duasconcentrações situadas em lados diametralmenteopostos que abrigam com exclusividadefragmentos cerâmicos pintados e uma maiorquantidade de peças engobadas, indicandouma possível divisão clânica reproduzida naplanta da aldeia; 3) predomínio na utilizaçãode alguns tipos de recipientes fora das concen-trações e de outros em seu interior e 4) combase na distribuição da indústria lítica – comgrande número de polidores e calibradores naConcentração 3 e de detritos de sílex comsinais de uso na Concentração 2 – apresentaáreas de atividades monofuncionais quesugerem uma especialização do trabalho ou aexistência de áreas de atividades específicas.

Um outro sítio foi associado à ocupaçãodos grupos portadores de cerâmica relacionadaà Tradição Tupiguarani16 datada entre o finaldo século XV e início do XVI. As análisestecnotipológicas do material coletado no

(14) Amostra 195241 enviada para o Beta AnaliticRadiocarbon Dating Laboratory, Florida, EUA, e datada em790±60 anos(15) Com o objetivo de padronizar as análises, a definiçãodas categorias de formas dos recipientes cerâmicos estevebaseada nas classificações já utilizadas por Wüst (1983 e1990) e Robrahn-González (1996). Como resultado foramreconstituídas seis características básicas: pratos (Forma 1),contornos diretos (formas 2, 3 e 4), contornos infletidos(formas 5, 6, 7 e 8), contornos complexos (Forma 9),formas duplas (Forma 10) e contornos cônicos (Forma 11).

(16) Amostra 195244 e 195245 ambas enviadas para o BetaAnalitic Radiocarbon Dating Laboratory, Florida, EUA, edatadas respectivamente em 490±50 e 580±50.

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abrigo Vão Grande demonstraram a presençade corantes com sinais de uso no mesmo pisode ocupação de onde foram retirados osfragmentos cerâmicos associados a estatradição.

Em relação às grandes aldeias associadas àpresença de grupos com indústria cerâmicarelacionada à tradição Aratu, nos sítios ÁguaFria 24 e Brejo Comprido 5 as análises intra-sítio foram limitadas pelo precário estado deconservação do primeiro e pelas característicaspós-deposicionais do segundo, um sítio emsub-superfície.

As indústrias cerâmicas das grandes aldeiasdos grupos portadores de cerâmica da Tradi-ção Aratu dessa região são muito homogêneas.Pequenas variações ocorrem nas espessuras dasparedes, havendo apenas a tendência emencontrarmos peças um pouco mais espessasno sítio Brejo Comprido 5, e nas formas dosrecipientes, que demonstram uma maiorutilização da Forma 3 nos sítios Água Fria 15 e25 e da Forma 6 nos sítios Água Fria 24 eBrejo Comprido 5.

A comparação entre os atributostecnotipolóticos das indústrias cerâmicaspresentes nos sítios maiores de habitação e nosmenores, que consideramos áreas de atividadesespecíficas, remetem novamente à grandehomogeneidade da indústria e possibilita-nosperceber que existe uma preferência nautilização de tipos diferentes de recipientesentre os assentamentos. As formas 6, 7 e 11oferecem freqüência mais alta nos sítiosmenores do que nos sítios destinados àmoradia.

A indústria lítica dos sítios associados aosgrupos ceramistas da Tradição Aratu revelou-nos que no Brejo Comprido 5 e no Água Fria24 foi desenvolvida uma menor quantidade evariedade de atividades do que nos sítios ÁguaFria 15 e 25. Nestes dois últimos sítios encon-tramos seixos, corantes, percutores e umamaior quantidade de artefatos lascados.

Análises profícuas sobre a organização euso dos espaços internos dos assentamentosassociados aos grupos portadores de indústriacerâmica associada à Tradição Aratu forampossíveis nos sítios Água Fria 15 e 25 – sítios

superficiais que tiveram todo o materialaflorante mapeado e analisado em suasinterações.

Os cruzamentos das informações obtidasnas análises do sítio Água Fria 25 demonstra-ram que áreas de concentração de peças comalta densidade formaram um contorno circulare locais de dispersão em direção ao córrego,exatamente entre pontos que seriam de intensacirculação, porque ligavam o centro da aldeiaàs fontes de água e banho. Outro elementosignificativo é a intensidade da ocupação com anítida existência de solo escuro de “terrapreta”, resultado de uma ocupação humana ede atividades cotidianas intensas com grandeamplitude temporal. Mas não é possívelprecisar em que medida ela é resultado demuitas pessoas vivendo ao mesmo tempo nesseespaço ou se de uma quantidade menor demoradores por tempo mais extenso. Nossahipótese é que estaríamos diante de umapermanência mais prolongada e em algumamedida, intermitente, nessa aldeia .

Essa intensidade de ocupação da área, sejaela motivada por sucessivas ocupações sejadevido a uma intensa ocupação contemporâ-nea ou ainda uma conjunção desses doisfatores foi o motivo que mais dificultou-nos aavançar nas conclusões acerca da análiseespacial intra-sítio.

Pesquisas etnoarqueológicas desenvolvidaspor Moi (2003 e 2007) já demonstraram oconstante movimento de expansão e contraçãodas aldeias. Essa autora demonstra que adisposição das unidades habitacionais está emlenta e contínua movimentação, o que acabapor gerar mudanças consideráveis no registroarqueológico que incorpora esses movimentos,misturando-se evidências materiais de temposdiferenciados. O resultado final é uma áreamaior do que aquela apresentada no cotidiano– com um superdimensionamento de área epopulação – mascarando os padrões deorganização espacial e de utilização interna dosassentamentos.

Uma análise da distribuição espacialfocada na indústria lítica desse assentamentorevelou que várias atividades que fizeram usodas rochas aconteceram em seus limites.

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Artefatos foram confeccionados, reavivados eutilizados e a intensidade de uso das peças e avariedade de matérias-primas evidenciaram umgrande aproveitamento de materiais e peçascom origens e composições diversas. O sílex é amatéria-prima mais freqüente e sinaliza apreferência por um suporte de boa qualidadepara várias das atividades cotidianas.

Aventamos a possibilidade de que asatividades desse assentamento não estivessemrestritas aos espaços delimitados pela barra doscórregos Água Fria e Vão Grande. Elas teriamocupado áreas nas outras margens dessescórregos: os sítios de pequeno porte Água Fria3, 14 e 16. Propusemos que o sítio Água Fria25 seria a área destinada à habitação e ativida-des correlatas e que os três sítios menoresseriam de atividades complementares.

A morfologia do sítio Água Fria 15também relacionado à ocupação Aratu éparecida com o sítio Água Fria 25. Ele apresen-ta contorno elíptico alongado rumo ao córregoe uma área de maior concentração de vestígiosna porção central. A análise tecnotipológica ede distribuição da indústria lítica reveloualgumas recorrências na organização e uso doespaço. Talvez a mais significativa delas tenhasido a presença de seixos e ferramentas queutilizaram o seixo como suporte para atividadesde percussão e esmagamento. O posicionamentodesse tipo de material se deu em grandemedida na área central, exatamente onde estãoos líticos lascados com sinais de uso e amaioria dos artefatos. Esses dados permitem-nos dizer que o centro da aldeia era um pontode intensa atividade.

As lascas, fragmentos de lascas e lascasfragmentadas estavam distribuídas na direçãodo córrego. Esses vestígios formaram umaespécie de borda, uma franja, entre as áreascom grande quantidade de cerâmica e o cursode água. Nessa área também estão váriasbolotas de argila queimada que sugerem acaptação, confecção e queima de recipientescerâmicos nas margens dos córregos.

Nos sítios do período ceramista recentechama a atenção a constante presença defragmentos cerâmicos com características queestão associadas a tradições distintas daquelas

diagnósticas associadas aos grandes sítios.Embora seja uma presença muito tênue, essajustaposição de características parece serrecorrente para a área.

Nos grandes assentamentos Aratu, apresença de alguns fragmentos cerâmicos comcaracterísticas da indústria relacionada àTradição Uru (sítios Água Fria 15, 24 e 25)está provavelmente relacionada à intensaexpansão desses grupos associados a essaTradição a partir do século IX e a conseqüenteexistência de contatos culturais sob a forma deeventuais redes de trocas ou fluxos de informa-ções entre os grupos portadores de indústriascerâmicas relacionadas às tradições Aratu eUru, conforme já sugerido por outros pesqui-sadores (Wüst 1990; Robrahn-González2003). Tamanha interação com o avanço dosgrupos Uru sobre territórios antes Aratuteriam levado ao declínio dos grupos portado-res de indústria associada à tradição Aratu porvolta do século XV (Robrahn-González1996a).

A presença de alguns fragmentos cerâmicoscom características da indústria relacionada àTradição Uru também foi notada em algunssítios Tupiguarani (Água Fria 6 e 9), situaçãoesta já descrita por pesquisadores (Wüst 1990;DeBlasis & Robrahn-González 2003, Oliveira2005) e que muito provavelmente diz respeitoà existência de contatos culturais sob a formade eventuais redes de trocas ou fluxos deinformações. Como já apresentado pelo PRAL,a presença Tupiguarani na área é mais tardia doque a dos grupos Aratu e Uru e teria sidonecessária uma certa acomodação territorialpor parte dos grupos portadores de cerâmicaTupiguarani.

Os sistemas de assentamentos regionais

Como largamente demonstrado, o espaçode pesquisa definido pela bacia do córregoÁgua Fria foi intensamente utilizado pordiversas das populações que habitaram a regiãono passado.

A distribuição dos sítios arqueológicos napaisagem refletiu as formas de interação dosassentamentos humanos com o ambiente

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circundante e os padrões de articulação entreeles. Inserimos os sítios identificados noespaço maior ao qual fazem parte por meio doexame destas interações, tendo como referênciasos contextos tecnológicos e suas característicasde implantação, uma vez que elementos naturaispoderiam estar definindo seus posicionamentosna paisagem. Ainda que nossas análises tenhamse voltado à compreensão das necessidades desubsistência e aos aspectos econômicos,procuramos reconhecer outros fatores quedeterminaram a forma de ocupar o espaço,pois consideramos a paisagem um produtocultural e histórico de um dado grupo, sobre aqual existe uma rede de interações e todo umuniverso de elementos que são transmitidosentre seus componentes através dos tempos.

A área definida como Compartimento 1está figurada principalmente pela ocupaçãomais recente por meio do estabelecimento dealdeias pelos grupos portadores de cerâmica daTradição Tupiguarani e de acampamentos paracaptação de matéria-prima dos grupos decaçadores e coletores de diversas épocas.

A ocupação Tupiguarani está representadapelos sítios Água Fria 6, 8 e 9. São três assenta-mentos de razoável porte, instalados naplanície aluvial do rio Tocantins, em áreassujeitas às ocasionais inundações. Esses trechossão áreas planas, atuais ou pretéritas linhas deterraços. A quase ausência de vegetação noperíodo da pesquisa de campo proporcionavauma excelente visibilidade do entorno. Dequalquer um dos sítios era possível avistar asescarpadas encostas da serra do Lajeado ecentenas de metros a jusante e a montante dorio Tocantins.

Antes de esses terraços haverem sidoocupados por essas populações que viviam emaldeias de maior porte e conheciam a cerâmica,foram utilizados por grupos humanos maisantigos que praticavam a caça e a coleta emlarga escala. Os testemunhos da presençaanterior aos grupos ceramistas agricultoresforam divisados na estratigrafia das sondagens,nos poços-teste efetuados durante o fullcoverage survey e nas intervenções arqueológicasintra-sítio. Essas atividades produziram infor-mações de significativa relevância para a

compreensão dos ambientes de terraços: seusprocessos geomorfológicos e os sistemas deassentamento que ali foram implantados.

Há cerca de 3.000 anos, na época daocupação dessas áreas pelos grupos decaçadores e coletores a paisagem era significa-tivamente diferente da atual. A cascalheiraque hoje está encoberta por pelo menos 2 mde sedimento arenoso estaria plenamenteexposta. Nela afloravam seixos e calhaus devariados tamanhos e diferentes matérias-primas. Em períodos de estiagem maisprolongada, época em que as águas do rioTocantins ficariam mais baixas, haveria umcontinuum de seixos margeando sua porçãodireita, o que permitiria às populações decaçadores e coletores que circulavam pelaregião realizarem suas atividades de produçãode artefatos. Esse local seria o ponto inicial demuitas das cadeias operatórias de lascamentoda região, onde teriam sido realizadas ascaptações das matérias-primas e a pré-forma eelaboração de artefatos. Estas cadeias estariaminseridas em um sistema de circulação depeças conectado às áreas mais distantesexistentes ao pé da serra do Lajeado, noterceiro compartimento ambiental.

Com o passar do tempo essa paisagemtransformou-se diante da contínua migraçãolateral do rio Tocantins e dos diferentesregimes hídricos e climáticos. Tal movimenta-ção lateral, que acabou formando áreas deerosão e de deposição ao longo do eixo do rio,pode ser comprovada pelas altas barrancas dacalha do córrego Água Fria e nas áreas planas ealagáveis bem diante do sítio Água Fria 9. Elasdão contorno a um paleocanal que em épocaspretéritas era um antigo terraço e o diquemarginal do rio Tocantins. Essa migração doleito do rio possibilitou-nos entender que osvestígios líticos coletados nos extratos maisprofundos do assentamento Água Fria 9seriam de um grupo que estaria acampado emum ambiente bastante distinto do de agora.Eles estariam realizando suas atividadescotidianas às margens do rio Tocantins, quehoje dista cerca de 400 m e não junto a umcórrego de menor porte como o Água Fria, naconfiguração atual.

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Nesse compartimento de paisagem foramainda identificados outros vestígios de gruposceramistas agricultores e de caçadores e coleto-res. Um pequeno assentamento implantadosobre um terraço próximo ao rio Tocantins(Água Fria 5) apresentou fragmentos cerâmicoscom características que o relacionam aos gruposportadores de cerâmica associada à tradiçãoUru. O outro, o Água Fria 7, é um sítio líticopouco denso e com escassos elementos para umdiagnóstico preciso, mas que corrobora o fatode as barrancas do rio Tocantins serem desdelonga data utilizadas como ponto de passagem ecaptação de matéria-prima.

O Compartimento 2 exibiu poucosvestígios de ocupações pretéritas. Apesar deapresentar áreas com excelente visibilidade dasuperfície do terreno e haver sido intensamen-te prospectado vertical e horizontalmente,foram encontrados somente dois sítios depequeno tamanho: um relacionado aos gruposportadores de cerâmica Aratu (Água Fria 10) eum sítio lítico cujas características não permiti-ram maiores considerações (Água Fria 11).

Tal situação permite concluir que essecompartimento paisagístico apresentoucondições ambientais pouco interessantes parauma fixação mais prolongada durante todo operíodo pré-colonial. O solo cascalhento,laterítico e pouco fértil não seria um incentivopara a fixação das populações ceramistas e aocupação por grupos de caçadores e coletoresestaria sendo limitada pela baixa visibilidadedas áreas de entorno, pela falta de locais para acaptação de matérias-primas e pela pequenaquantidade de corpos d’água nas proximida-des, exigindo avançar longas distancias para suacaptação – fatores ambientais que foramdecisivos para a implantação de alguns dossistemas de assentamento existentes na região.

Mas essa ausência de vestígios não querdizer que o Compartimento 2 não tenha sidoutilizado pelas populações no passado. Apesarde as evidências materiais serem poucas, eleserviu como área de circulação e busca derecursos diversos, com o assentamento depequenos acampamentos – pontos de parada edescanso – que resultaram em pouca ounenhuma evidência material.

O terceiro compartimento abriga umasignificativa quantidade e variedade de sítiosarqueológicos. São sítios que foram associadosàs ocupações de grupos do período recente(Aratu e Uru), pré-cerâmico, intermediário eantigo. Eles estão implantados nos topos dosmorros e morrotes mais resistentes que“sobraram” do recuo da serra do Lajeado enos terraços arenosos e cascalhentos dos valesabertos e pouco encaixados por onde ocórrego Água Fria segue seu rápido curso.

A presença mais marcante nesse comparti-mento é concernente ao horizonte ceramistaassociado aos grupos portadores da tradiçãoAratu, com quatro grandes aldeias e sete sítiosmenores.

As grandes aldeias estão representadaspelos sítios Água Fria 15, 24, 25 e BrejoComprido 5. Elas foram implantadas na base daserra, sempre sobre terreno fértil e margeadaspelos córregos Água Fria ou Brejo Comprido.A visibilidade das áreas de entorno desses sítiosé mediana: pode-se avistar os paredões areníticosda serra do Lajeado onde estão implantadosvários abrigos rupestres. Nessas aldeiasassociadas aos grupos portadores da cerâmicarelacionada à Tradição Aratu, identificamosuma grande quantidade de vestígios através dasintervenções arqueológicas realizadas. Sãosítios semelhantes nas suas características deimplantação e de tecnotipologia, mas queapresentam variações na densidade de vestígiose na espessura da camada de solo antrópico.Os sítios que apresentaram maior densidade dematerial e espessura de solo de ocupação emordem crescente foram o Brejo Comprido 5 eos Água Fria 24, 15 e 25.

Os sítios menores que apresentaramvestígios associados aos grupos portadores decerâmica da tradição Aratu são o Água Fria 3,13, 14 e 16 e o Brejo Comprido 6, 7 e 9. Elesestão localizados nas proximidades das grandesaldeias, implantados mais afastados da base daserra do Lajeado, em trechos de solo fértil,plano e próximos às áreas que no período daschuvas ficam úmidas e até charcosas. São sítioscom baixas densidades de vestígios, provavel-mente resultados de pequenos acampamentospara caça e coleta ou de áreas destinadas ao

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cultivo. Seriam áreas de atividades específicasque envolveriam um menor número de pessoase objetos do que os assentamentos parahabitação.

No caso específico dos sítios Água Fria 3,14 e 16, diante da proximidade do Água Fria25 e por estarem separados somente por umcurso de água, teríamos provavelmente áreasde atividades diferenciadas que faziam parte docotidiano da aldeia.

Mas os vínculos entre os assentamentosnão se restringem à existência de áreas deatividades específicas e de habitação. Duas dasgrandes aldeias Aratu (sítios Água Fria 24 e 15)estão a exatos 2,5 km em linha reta do sítio ÁguaFria 25: um a sua esquerda e outra a sua direita.A maior densidade de vestígios identificadavertical e horizontalmente no sítio Água Fria25 e a existência de duas datações que sugerema ocorrência de uma ocupação mais prolonga-da (ou uma reocupação) desse assentamentolevaram à premissa de que este sítio seria omais antigo relacionado a essa tradição arqueo-lógica nesse fundo de vale. Se esta premissa forcorreta, aventamos a hipótese de que o ÁguaFria 25 teria originado as outras duas aldeias eque seria possível que as três tenham sidocontemporâneas. Neste caso, o mais provável éque tenha havido algum tipo de articulaçãohierárquica entre elas. Estão todas localizadasno sopé da serra do Lajeado, abaixo do abrigoPonta da Serra – que mostrou fragmentoscerâmicos com características da TradiçãoAratu em seu único piso de ocupação – e doVão Grande – os quais foram associados àTradição Tupiguarani.

É possível que também as concentraçõeslíticas 2, 3, 4, 5 e 6 do sítio Brejo Comprido 1estejam associadas aos grupos portadores decerâmica da Tradição Aratu, mas o pequenonúmero de fragmentos encontrados estavamisturado a outros com características daTradição Uru.

Outros assentamentos implantados nessecompartimento foram associados aos gruposportadores de cerâmica da Tradição Uru (ÁguaFria 12 e 20 e pelo Brejo Comprido 8). Elessão pequenos e estão situados em trechosplanos, férteis e de solo mais seco e firme do

que aqueles assentamentos de pequeno porterelacionados aos grupos Aratu. Diferentemen-te dos sítios menores Aratu, as prospecçõesnão detectaram assentamentos de maior portea que esses pequenos sítios poderiam estaratrelados. Sugerimos duas interpretaçõespossíveis para o pequeno tamanho e a parcapresença de assentamentos com indústriacerâmica da Tradição Uru. A primeira, poucoprovável devido à utilização do método deprospecção da varredura intensiva, é que asprospecções não tenham localizado os assenta-mentos de maior porte. A outra, que conside-ramos provável, é que esses sítios de menorporte estariam relacionados a assentamentosfora da bacia do córrego Água Fria e fariamparte de um amplo território de circulaçãolocalizado fora do escopo de atuação dapesquisa.

No Compartimento 3 encontramos aindaas evidências materiais de grupos de caçadorese coletores. Essas evidências são muitas epodem ser relacionadas aos diferentes horizon-tes de ocupação. Associado ao período antigoencontramos um artefato isolado na Concen-tração 1 do sítio Água 18. A associação dessapeça com o período antigo foi feita por meiodas características tecnotipológicas apresenta-das. Ela foi coletada em um topo de colinacom excelente visibilidade das áreas de entornoem um local com material arqueológicoassociado a uma outra ocupação. A baixaquantidade de vestígios desse período demons-tra que o trecho junto da serra do Lajeado nãofoi uma região das mais interessantes para afixação desses grupos. Evidências esparsascomo esta sugerem que esse compartimento depaisagem teria sido utilizado pelos grupos decaçadores e coletores do período antigo apenascomo área de passagem, de trânsito, onde nãoestariam ocorrendo assentamentos comatividades mais duradouras e intensas.

Os vestígios líticos associados ao períododatado entre 7.000 e 4.000 anos antes dopresente também foram encontrados nessecompartimento. A ausência de datação e depeças diagnósticas não nos possibilita fazerassociações seguras com os vestígios relaciona-dos a esse período, principalmente porque os

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elementos diagnósticos dessa indústria líticaainda são vagos para todo o Brasil Central. Ossítios que poderiam ser deste período são oÁgua Fria 19 e o Brejo Comprido 3 e 4. Elesestão implantados em topos de morrotes,sobre um solo cascalhento e a cerca de 100 mde distância dos respectivos corpos d’água.

As ocupações existentes nesse comparti-mento que foram relacionadas a grupos decaçadores e coletores do período pré-ceramicosão sete: Água Fria 17, 18, 21 e 23 e BrejoComprido 2 e 10 e Concentração 1 do BrejoComprido 1. Não há informações cronológicasseguras para esse horizonte de ocupação nabacia do córrego Água Fria, mas as análises dasindústrias líticas, das cadeias operatórias e dosespaços internos desses assentamentos exibiramcaracterísticas que sugerem que as ocupaçõesdesses sítios não estariam associadas àquelas doperíodo recente. Elas representam um outrohorizonte de ocupação, anterior a esse períodoe por isso denominadas genericamente como“pré-cerâmicas”. Apresentam indústrias líticascujas características não podem ser associadasao horizonte ceramista recente e tampouco aoshorizontes de caçadores e coletores dos perío-dos antigo ou intermediário.

Os sítios relacionados a esse novo contex-to são encontrados em dois tipos de ambien-tes: nos topos dos morrotes planos e nosterraços junto ao córrego Água Fria. Nostopos dos morrotes estão os sítios Água Fria17 e 18 e o Brejo Comprido 10. Nos terrenosmais baixos, aqueles de terraços, estão o ÁguaFria 21, o Água Fria 23, o Brejo Comprido 1 e2 e a primeira ocupação do Água Fria 22.Supomos que as diferenças de implantação sãovariações meramente funcionais existentes emum mesmo sistema. O significativo é que todasestão dentro de uma região semelhante, a baseda serra do Lajeado, com uniformidadetecnológica e alta proporção de artefatosplano-convexos. Além disso, todos os sítios sãosuperficiais – conquanto o Brejo Comprido 2apresente continuidade de vestígios em sub-superfície – e estão implantados sobre soloscascalhentos e lateríticos, com peças em superfí-cie misturadas às folhas e galhos secos e agrega-das em concentrações de portes variados.

Nesses ambientes, quer seja sobre os toposdos morrotes ou nos terraços junto ao córrego,estariam sendo desenvolvidas atividades queutilizavam artefatos lascados de diferentescontornos. Ocasionalmente, durante os perío-dos de cheia que tornavam as cascalheiras do rioTocantins menos acessíveis, outras áreas decaptação eram utilizadas, como aquelas existen-tes na área do sítio Água Fria 22. Neste sítio, asintervenções em sub-superfície permitiramreconhecer na primeira ocupação um pontopara a escolha e captação de matéria-prima epara o preparo de pré-formas que seriamutilizadas em outros locais. No piso de ocupa-ção que supomos associado ao horizonte pré-cerâmico, observa-se no corte do barranco docórrego uma espessa camada de seixos encober-tos pelo solo arenoso que, no passado, teriadisponibilizado uma farta quantidade dematéria-prima para as atividades de lascamentodaqueles que circulavam nesse fundo de vale.

Esses sítios de caçadores e coletores dosperíodos intermediário e pré-cerâmico não sãoextensos, mas sim, pequenos agregados depeças que refletem sucessivas pequenasocupações do mesmo espaço. Em algunsmomentos elas se sobrepõem e parece ter sidocomum que os grupos das ocupações maisrecentes tivessem se utilizado dos artefatos edemais instrumentos encontrados, frutos deum momento de ocupação anterior.

No quarto e último compartimento foramidentificadas duas distintas configurações desítios: a céu aberto e em abrigo. Aquelessituados a céu-aberto são os sítios Água Fria 1e 4, implantados nas escarpadas encostas daserra. Devido à baixa quantidade de peçasdiagnósticas, não puderam ser associados anenhuma ocupação. Podemos dizer apenas queseriam pontos de parada dos grupos que tinhamessa região como território de circulação.

Os sítios em abrigos Jibóia, Ponta da Serra eVão Grande estão implantados no alto da serra.Eles foram locais de intensa ocupação, compro-vada pela grande quantidade de grafismos epelas complexas estratigrafias existentes em suascamadas de sedimentos, resultados de distintosprocessos pós-deposicionais e de ocupaçõessucessivas por populações de diferentes

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períodos e filiações culturais. A visibilidade dasáreas de entorno de qualquer um deles éexcelente, podendo-se avistar parte do cursodo córrego Água Fria, a cidade de Palmas e asáreas planas existentes na margem esquerda dorio Tocantins. A partir dos vestígios cerâmicosencontrados nas sondagens desses sítiosabrigados pudemos perceber que ali passaramcomponentes dos grupos de caçadores ecoletores do período antigo e dos ceramistasagricultores das tradições Aratu e Tupiguarani.

No abrigo Ponta da Serra, que exibiu fragmen-tos cerâmicos com características associadas aosgrupos portadores de cerâmica da Tradição Aratu,amostras de carvão foram coletadas no centro deuma estrutura de combustão no mesmo nívelonde os fragmentos estavam localizados.17

No abrigo Vão Grande os níveis ondeforam encontrados fragmentos cerâmicos comcaracterísticas dos grupos portadores decerâmica Tupiguarani foram datados por C14em 490±50 AP e 580±50 AP. Como explicitadoanteriormente, a presença de corantes comsinais de uso nesses níveis sugerem umadatação para alguns dos grafismos rupestresdos paredões e uma associação entre essapinturas e os grupos portadores de cerâmicada Tradição Tupiguarani, sinalizando tambémque esses grupos teriam circulado por todos oscompartimentos delimitados na bacia.

No sítio Jibóia, os extratos inferiores,datados em 10.200 anos – datação esta quefica entre 12.350-11.565 AP quando calibrada– inserem a presença das populações doperíodo antigo nesse local.

Considerações finais

As pesquisas desenvolvidas nos 38 sítiosarqueológicos identificados na bacia do córregoÁgua Fria, médio curso do rio Tocantins permiti-ram perceber uma ocupação humana desde12.000 anos atrás até o início do século XVI por

distintos grupos humanos. Essas populações,distribuídas em pelo menos quatro amploshorizontes de ocupação – Antigo (12.000 AP -9.000), Intermediário (7.000 - 4.000 AP), Pré-cerâmico (3.000 – 2000 AP) e Cerâmico (2.000AP – XVI) se utilizaram dos diferentes comparti-mentos ambientais no transcorrer das alteraçõesclimáticas e paisagísticas que se processaram aolongo dos séculos.

Algumas ocupações foram tênues e nãopermitiram avançar nas análises intra-sítio. Ospoucos assentamentos relacionados ao PeríodoAntigo, com seus vestígios identificados quasesempre nos abrigos, apresentaram baixadensidade. Aqueles relacionados ao PeríodoIntermediário, embora mais numerosos, comsítios implantados esparsamente desde osparedões rochosos até as cascalheiras junto ao rioTocantins, exibiram indústria com característicasexpeditas, na maior parte das vezes com baixaquantidade de artefatos geralmente confecciona-dos com pouco requinte tecnológico. Para oPeríodo Recente, destacamos a pouca intensi-dade do horizonte ceramista Uru na área.

Ocupações de maior porte foram relacio-nadas às populações agricultoras que seestabeleceram em grandes aldeias com formatocircular/elíptico associadas à tradição Aratu(ocupação datada entre 790 e 640 AP), e nocaso da recente ocupação Tupiguarani (490-580 AP), em um assentamento com umaorganização social dual expressa pela disposi-ção circular das concentrações onde atividadesespecíficas estavam em andamento.

Outro dado de significativa importânciano contexto regional de ocupação foi acaracterização de um horizonte de ocupaçãonovo, chamado aqui de “Período Pré-cerâmico”,estimado entre 2000 e 3000 anos AP. Suaexistência agrega mais um cenário de ocupaçãohumana ao médio curso do rio Tocantins e aopróprio Planalto Central Brasileiro.

Agradecimentos

A Flavia Prado Moi pela revisão dosoriginais e pertinentes comentários durantetoda a pesquisa.

(17) Essas amostras foram datadas em 790±60 AP, data bastantepróxima àquela apresentada pelo sítio Aratu Estiva 2 (760±60AP), trabalhado na dissertação de mestrado de Oliveira (2005).

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Abstract: This article presents some of the results collected at the Água Friabasin, located in the middle Tocantins river valley, TO, Brazil. The main target isto identify the settlement systems set up by the social groups that have lived in thearea since remote eras and how they have organized themselves in regional scale aswell as into activity areas and household locations. Full coverage survey haslocated 38 different archaeological sites and, as a result, we have designed aninterpretative framework for analyzing the patterns of use and organization ofspace of the several populations that lived in the area throughout the last 12.000years – from hunter-gatherers to ceramic-making agriculturalists. Our conclusionscontribute to the investigation of the route of ancient occupation of the centralBrazilian Plateau and the studies about the emerging, development and thegrowing of sociopolitical complexity of the ceramic-making societies in the CentralBrazil and the surrounding areas.

Keywords: Regional Archaeology – Household Archaeology – Central Brazil– Hunter-gatherers – Ceramic-making agriculturalists – Tocantins.

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Recebido para publicaçaõ em em 29 de agosto de 2007.