Um Cristianismo Avivado e Seu Pioneirismo na Proliferação...
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Um Cristianismo Avivado e Seu Pioneirismo na Proliferação
dos Saberes e da Justiça Social
Marlon Marques1
Resumo
No presente artigo, o cristianismo é relatado como pioneiro na preocupação com
a educação, artes, ciências e demais saberes. Uma análise de uma cosmovisão cristã, que
se preocupa com os valores do evangelho em todas as áreas da sociedade para o bem de
todos e de todas segue-se à introdução. Para desmistificar o pensamento de que um
cristianismo que busca a salvação das almas não é condizente com a transformação da
sociedade, buscou-se apresentar ramos cristãos com uma visão de cristianismo fervoroso
e avivado, no tocante às práticas conversionistas, que enfatizaram exacerbadamente a
justiça social em suas pregações.
Palavras-chave: Cosmovisão Cristã. Cristianismo Avivado. Justiça Social.
Introdução
O cristianismo não se restringe apenas à questão da salvação das almas sem se
importar com a transformação social. É incorreto afirmar algo sobre o cristianismo sem
que se atenha aos grandes feitos que cristãos fizeram no decorrer dos séculos em prol da
humanidade.
Não deve causar surpresa alguma a informação de que o ambiente acadêmico foi
sido criado por cristãos, bem como a reintrodução dos estudos do direito romano
(DAWSON, 2016, p. 223,229). As escolas monásticas e as catedrais forneceram a base
para o surgimento e o desenvolvimento da educação superior (CAIRNS, 2008, p. 215).
Não foi somente no campo acadêmico do ensino universitário geral e do direito
em específico que o cristianismo teve proeminência e pioneirismo. A área das ciências é
de iniciativa cristã. O cristianismo trouxe à tona na Idade Média o interesse pela filosofia
1 É ministro da Igreja Metodista Livre, licenciado em língua portuguesa e geografia, bacharel em teologia,
especialista em ensino de língua portuguesa, professor de língua portuguesa no ensino fundamental,
professor de literatura no ensino fundamental e em faculdades, professor de teologia em vários seminários
e faculdades, dentre elas na Faculdade do Maciço de Baturité (FMB).
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e ciência gregas. Isto, na verdade, foi até estimulados pelos papas do século XII
(DAWSON, 2016, p. 236-237).
É muito pertinente para que os cristãos busquem conhecimento nessas áreas, pois
tem havido, no caso do ambiente científico, uma abertura grande para a aceitação de uma
divindade transcendente (CRAIG, 2012, p. 17). A simples interação com o mundo
moderno utilizando-se palavras e conceitos advindos das ciências torna o cristão
entendedor e entendível em questões científicas (MORELAND, CRAIG, 2005, p. 381).
Cosmovisão Cristã
Vimos o pioneirismo e atenção que a academia, o conhecimento e as ciências tiveram por
causa do engajamento cristão para com esses saberes. Tanto a vertentes católica romana
quanto as igrejas protestantes têm ampla contribuição para isso. Earle Cairns, um
historiador batista, relata o quanto o catolicismo romano contribuiu para o progresso
nessas áreas vistas acima. Cairns desta que
Não se podem ignorar as contribuições reais e positivas da Igreja Romana
entre 590 e 1305, a despeito de tantas evidências do fracasso nas práticas
pessoais e institucionais. Foi ela que legou a cultura greco-romana e a
religião cristã aos germanos bárbaros que tomaram o Império Romano. Foi
ela que forneceu a única cultura e erudição autênticas que se mantiveram
vivas através de obras de eruditos como Beda, Alcuíno, Einhard e outros. O
nível moral da sociedade foi melhorado com a suavização dos horrores das
guerras feudais. A Igreja Romana possibilitou que obras de socorro e de
caridade se fizessem na Idade Média. Foi ela que deu uma unidade intelectual
à vida através do sistema teológico que os escolásticos desenvolveram (2008,
p. 218).
Como qualquer instituição, que é humana, a Igreja Católica Romana é imperfeita.
Como o ser humano é manchado pelo pecado, como as Escrituras nos dizem (Is 64.6; Rm
3.23), bem como a tradição cristã, sobre a criação ter caído com Adão e Eva (OLSON,
2004, p. 219), tudo o que ele tocar, mesmo sendo nascido de novo, resultará em
possibilidade de mancha. Logo, por mais que o catolicismo romano tenha contribuído
para o progresso da civilização ocidental, houve grandes equívocos também por parte de
tal instituição.
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Uma ênfase é necessária e crucial no que deve ser crido e preservado, o que é
comumente chamado de ortodoxia. Afinal de contas, como Charles Colson e Nancy
Pearcey enfatizam, “os cristãos consideram a tradição e a herança ocidentais como dignas
de serem defendidas; isto é, na medida em que elas tenham sido historicamente formadas
por uma cosmovisão bíblica” (2000, p. 29). Contudo, meramente crer no que é certo não
é o bastante. É preciso que possamos fazer boas obras para que o Pai seja glorificado (Mt
5.16). Essas boas obras evidenciam que somos cristãos nascidos de novo e servem como
prova da nossa justificação final (cf. Mt 25).
Uma cosmovisão cristã é altamente necessária para atuarmos como agente de
transformação não somente espiritual, mas também social neste mundo criado por Deus.
A cosmovisão está ligada ao nosso modus vivendi (modo de vida) (COUTO, 2017, p.
200). Como falamos em outro lugar, “o Evangelho não deve ficar somente restrito ao
ambiente da igreja enquanto espaço físico nem somente enclausurado no âmbito familiar.
Os princípios e valores cristãos devem, necessariamente, ser levados para o local público”
(MARQUES, 2018b, p. 101).
Howard Snyder propõe que devemos colocar todas as áreas da vida sob o senhorio
de Jesus Cristo. Ele alude que o reino de Deus não chegou à sua plenitude, mas está
chegando. Com isto, ele indaga:
Quais são as implicações da perspectiva bíblica da realidade para a arte,
educação, política, economia, música, filosofia? Todas essas áreas afetam as
pessoas; todas são projeções do trabalho humano e da percepção humana da
realidade. E todas precisam ser colocadas sob a soberania de Cristo.
(SNYDER, 2004, p. 30)
A questão da transformação social, abordando desde a preocupação com o saber
acadêmico até o empenho científico, é algo que está também no cerne do movimento
protestante. A maioria dos grandes movimentos filantrópicos, em prol da humanidade
oprimida socialmente, vem do meio evangélico (STOTT, 1997, p. 20).
Pietismo
O início do evangelicalismo, segundo muitos, é estabelecido no movimento petista, que
influenciou várias denominações cristãs tradicionais (OLSON, 2001, p. 503). Os petistas
são conhecidos por viverem uma vida piedosa e um cristianismo avivado, como o próprio
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nome do livro do pai do pietismo, Philip Jacok Spener, alude. O livro chama-se Pia
Desideria (Desejos Piedosos). Infelizmente, o pietismo é tido como anti-intelectual e
focado apenas nas coisas celestiais, esquecendo-se da vida terrena (Ibid, p. 503). Contudo,
isto não é verdadeiro. O pietismo nasce dentro da universidade de Leipzig (OLSON;
WINN, 2017, p. 60).
O pietismo focou em questões sociais também. Spener tinha a preocupação de
amparar viúvas, órfãos, camponeses, desempregados, refugiados, imigrantes mendigos e
inválidos. Numa atitude novidadeira para a época, Spener instigou igrejas a fazerem
parceria com o governo para providenciar ajuda, emprego, socorro, lares e assistência
médica para com tais pessoas (Ibid, p. 27).
Este pensamento de reforma social por parte dos pietistas não parou com seus
fundadores.2 Chistoph Blumhardt, que viveu até o início do século passado, também se
importou com as questões sociais tanto quanto o caráter de uma vida cristã santificada.
Blumhardt escreveu:
Nós não queremos primeiro nos salvar e ficar satisfeitos com isso, mas
queremos levar a sério o suspiro de toda a criação, os lamentos e gemidos de
inúmeros seres humanos que certamente não são ajudados por nossa salvação,
mas que são muito ajudados se clamarmos e orarmos: “Venha o Teu Reino!”
(Ibid, p. 158).
Blunhardt passou a entender que a transformação real e física do Reino de Deus
na terra será acrescida também de uma transformação das condições sociais da
humanidade. Ele também passou a identificar a luta com os poderes e principados
espirituais também com os poderes e principados explicitamente nos campos social e
político (Ibid, p. 159).
A preocupação em ver todas as pessoas sabendo ler e escrever partiu dos pietistas,
justamente de um grupo que, como vimos, era tido como alienados do meio social. José
Carlos de Souza afirma que “a difusão da alfabetização segundo [Roger] Chartier,
ocorreria somente com o movimento petista, nos últimos decênios do século XVII e
inícios do XVIII, quando a relação com a Bíblia também se modificou”. Souza continua
2 É digno de nota mencionarmos que tanto Spener quanto August Hermann Francke são os fundadores do
pietismo. Christian Collins Winn e Roger Olson afirmam várias atuações de Francke na ajuda para com os
pobres e com as questões sociais de sua época (2017, p. 64-65). O espaço, entretanto, não nos permite
atermo-nos mais nesse assunto.
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e elucida o que foi modificado em relação à Bíblia: “De literatura destinada a pastores e
segmentos relacionados, ela se tornou um livro para todas as pessoas” (SOUZA, 2013, p.
103).
Metodismo
John Wesley é o fundador do metodismo enquanto movimento e, posteriormente,
igreja (CAMARGO, 1986, p. 15). O metodismo teve início em um grupo de estudantes
universitários chamado Clube Santo (DONATO, 2018, p. 23). Este clube iniciou-se entre
os anos de 1727 e 1729 com Charles Wesley, irmão de John Wesley. Para alguns
historiadores, Charles, e não John, é o “primeiro metodista” (REILY, 1991, p. 24).3 Além
de Charles Wesley, o Clube Santo teve como membros iniciantes Robert Kirkham e
William Morgan. Seis anos depois, um grande pregador famoso nessa época entrou no
grupo, George Withefield (LELIEVRE, 1997, p. 42, 47).
John Wesley tinha como missão para os metodistas “reformar a nação e, em
particular, a Igreja; para espalhar a santidade bíblica sobre a terra” (HEITZENRATER,
2016, p. 214).
Wesley não gostava da ideia dos metodistas acumularem riquezas e usarem roupas
caras. Ele tinha como dever tanto dele quanto de todos os metodistas a seguinte
orientação: “ganhe tudo o que puder, economize tudo o que puder, e (mais importante)
dê tudo o que puder; isto é, dê tudo o que você tem a Deus” (Ibid, p. 217). Ele orienta
também que
Depois de suprir a tua própria casa com as coisas necessárias para a vida e a
piedade, alimenta os famintos, veste os nus, alivia os enfermos, os prisioneiros,
os estrangeiros com tudo o que tiveres. Então Deus te vestirá com glória e
honra na presença de homens e anjos. (Ibid, p. 217).
É interessante frisar que tanto Wesley quanto o metodismo primitivo eram
caracterizados como pietistas ou entusiastas (termo usado para pessoas fervorosas com as
questões espirituais). Entretanto, isto nunca o afastou de buscar conhecimento e erudição.
Como Richard Heitzenrater nos assevera, “mesmo estando seus dias de Oxford longe no
tempo Wesley nunca foi capaz de descartar suas vestes acadêmicas. Ele continuava a
3 Mesmo tendo sido Charles Wesley quem fundou o Clube Santo, que é considerado a semente do
metodismo, John Wesley é tido como o fundador do metodismo, pois ele quem assumiu o Clube Santo
(REILY, 1991, p. 25) e foi quem organizou o movimento metodista cerca de uma década depois.
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alimentar seu amor ao estudo e ao mesmo tempo focalizava sua necessidade de santidade
(2017, p. 218).
É preciso que destaquemos, como mais acima, a ênfase acadêmica de Wesley,
pois, infelizmente, muitos até mesmo na tradição metodista conhecem apenas Wesley
como avivalista e pregador (MARQUES, 2018a, p. 40). Isto não está errado, mas está
parcialmente certo. Wesley foi tanto um avivalista quanto um reformador social altamente
conhecido no seu país com esse epíteto.
Wesley tinha muitos pregadores que vieram das classes baixas da sociedade.
Contudo, ele não permitia que os pregadores menos cultos permanecessem na ignorância.
Para seus pregadores, Wesley orientou que tivesse um treinamento prático sob orientação
de pregadores mais experientes e que tivesse um pesado programa de leitura com, no
mínimo, seis horas de leitura (REILY, 1991, p. 48). A um de seus pregadores, John
Trembath, Wesley recomendou obrigatoriamente para que ele atenha-se à leitura habitual:
Reserve uma parte de cada dia para cultos individuais. Você pode adquirir o
gosto que não tem agora; o que é entediante a princípio pode, com o tempo,
se transformar em prazer. Quer você goste disso ou não, leia e ore
diariamente. Isto é para sua vida; não há outro meio, do contrário você será
uma pessoa frívola a vida inteira, e um pregador afetado e superficial. Seja
justo com sua própria alma; dê-lhe tempo e meios para crescer. Não continue
a se matar de fome (POTTS, 1991, p. 6).
O conselho incisivo visto acima não poderia ser diferente. Wesley era um
professor universitário e altamente dedicado aos estudos em diversas áreas. É conhecido
o fato de que Wesley conhecia tão bem o grego, que era mais fácil ele se recordar de
passagens do Novo Testamento em grego do que em inglês, sua língua de nascença
(CAMARGO, 1986, p. 43).
Gonzalo Baez Camargo evidencia o academicismo e a ênfase nas ciências por
parte de John e Charles Wesley: “O metodismo foi, desde o princípio, e com seus próprios
fundadores, favorável à ilustração [conhecimento] e pronto a aceitar o progresso
científico como um meio de conhecer melhor o maravilhoso mundo criado por Deus...”.
Camargo também destaca a intelectualidade dos irmãos Wesley: “João e Carlos Wesley
eram verdadeiros ‘scholars’, eruditos estudiosos, mentes ávidas de aprender, e com uma
admirável disciplina para o trabalho intelectual.” (Ibid, p. p. 42).
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Leituras clássicas eram não somente lidas por John Wesley quanto quase que
obrigatórias para seus pregadores. Dentre tais leituras estão Platão, Homero, Virgílio,
Horácio, Júlio César, Erasmo e Pascal (Ibid, p. 44).
No aspecto científico, Wesley tinha muito interesse em medicina, mais
precisamente a medicina popular. Ele queria aprender a ciência da medicina para ajudar
os mais pobres e necessitados. O seu livro mais vendido, que teve mais de vinte edições
durante a vida dele, é chamado Primitive Physick [Medicina Primitiva] (NASCIMENTO,
2003, p. 92). Nas palavras de Kenneth Collins, quanto ao livro de medicina de Wesley:
“a fim de satisfazer as necessidades prementes dos que estavam praticamente
na penúria total, Wesley criou um dispensário médico gratuito, o primeiro
desse tipo em Londres, e reuniu o conhecimento médico que conseguiu no
antigo, embora bem-intencionado, manual Primitive Physic” (2010, p. 348).
Como estamos constatando, o pensamento teológico de Wesley não ficava restrito
ao mundo espiritual, mas também ao mundo físico, no qual os seres humanos habitam.
Como pode ser constatado, “o Evangelho wesleyano é, simultânea e consistentemente,
um evangelho pessoal e público” (JOSGRILBERG, 2007, p. 15). Para Wesley, o
evangelho não é algo abstrato, propondo e debatendo apenas doutrinas que não têm muita
ação prática para o cotidiano das pessoas que precisam de um consolo espiritual.
Rui de Souza Josgrilberg escreveu que a teologia deve ser atrelada à vida e deve
ser soteriologicamente orientada. Para ele, “a perfeição e a theosis (deificação) cristã
aparecem no coração da vida como práxis da salvação ou como um imperativo da
transformação” (2007, p. 28). A theosis é a salvação, que nos tornará divinizados (ou
deificados), ou seja, é quando participaremos da natureza divina de acordo com 2 Pedro
1.4. Este pensamento foi desenvolvido incialmente por Ireneu (OLSON, 2001, p. 75).
A salvação no pensamento wesleyano sempre tem uma dimensão social. O
relacionamento que orientou Wesley e que deve orientar os wesleyanos está ligado ao
aspecto social. Wesley afirmou que “religião solitária não se encontra aqui. ‘Santos
solitários’ é uma frase nada mais consistente com o evangelho do que adúlteros santos”
(RENDERS, 2011, p. 44). No mesmo contexto e texto, Wesley declara que “o evangelho
de Cristo não reconhece nenhuma religião que não seja social; nenhuma outra santidade
que não seja a (santidade) social” (Ibid, p. 44).
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Charles Wesley não deixou de expressar belissimamente suas preocupações
sociais em seus hinos. Quando não era comum uma preocupação com questões sociais,
os irmãos Wesley dedicaram sua atenção ao cuidado com os pobres e denunciaram a
opressão social de seu tempo. Charles Wesley compôs:
“De Sua Igreja membros,
Os pobres são corpo Seu, nós sabemos:
Todos os bens que Ele tinha aqui,
Eles deveriam Suas túnicas repartir:
Mas os soldados gananciosos se apoderam
Daquilo que a necessidade de Seu povo deveria suprir.
Os membros em dificuldades renegam
E não os alimentam nem o querem vestir (KIMBROUGH, 2015, p. 22)
Em outros de seus versos musicais, Charles Wesley aborda a questão da graça
social. Este termo usado no meio metodista define a preocupação com ações sociais em
prol dos mais necessitados. Vejamos:
Deixe-nos unir (é o mandamento de Deus),
Unir os nossos corações e as nossas mãos;
Ajude-nos a alcançar a esperança da nossa vocação,
Enquanto edificamo-nos mutuamente.
Deus derramará a sua bênção,
Deus coroará o seu mandamento,
Se encontrar como sugerido por Ele,
Alimenta-nos com graça social (RENDERS, 2011, p. 45).
Para Helmut Renders, a graça social e a redenção social estão mais ligadas à ação
social, pois está ligada a um aspecto comunitário. A santidade social está associada a um
aspecto público mais abrangente (Ibid, p. 45).
John Stott expressou-se muito bem quando comentou acerca da necessidade de
enfatizarmos tanto o evangelismo quanto a ação social. Depois de declarar que o
evangelismo e a ação social são parceiros inseparáveis e que haverá momentos em que o
destino eterno da pessoa será a necessidade de explanação enquanto que em outros
momentos uma pessoa que esteja passando fome necessitará primeiro ser alimentada para
ouvir e compreender as Boas Novas do Evangelho de Jesus Cristo, Stott, dialogando com
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a parábola do bom samaritano, escreve que “se o nosso inimigo estiver faminto, nosso
mandato bíblico não é evangelizá-lo, mas alimentá-lo (Rm 12.20)” (2010, p. 33).
Não adianta pregarmos a salvação do destino eterno de perdição e separação de
Deus se a preocupação com o corpo da pessoa, que também faz parte da criação de Deus,
não é levada em conta. Necessitamos atentarmo-nos para os dilemas totais de todas as
pessoas.
O trabalho árduo de Wesley, assim como do metodismo primitivo, voltava-se
também para a questão da libertação dos escravos negros. Aos comerciantes de escravos,
Wesley pregava contra a indução dos comerciantes ingleses de fazerem com que os
próprios negros africanos vendessem seus conterrâneos de pele negra: “Tu és o que induz
o vilão africano a vender seus compatriotas; e isso para roubar, pilhar e assassinar um
sem-número de homens, mulheres e crianças, ao permitir que o vilão inglês lhe pague por
assim fazê-lo” (RUNYON, 2002, p. 226).
Quanto aos donos de escravos, o fundador do metodismo foi bem enfático acerca
da crueldade deles: “Ora, é o vosso dinheiro que paga o comerciante, e por meio dele o
capitão e os carniceiros da África. Vós, portanto, sois culpados, sim, essencialmente
culpados, de todas essas fraudes, roubos e assassinatos” (Ibid, p. 226). Alguns donos de
escravos chegavam ao absurdo de dizer que eles não compraram os escravos, mas sim
receberam-nos por herança de seus pais. Eles tinham a si mesmos como inocentes porque
não compraram os escravos, mas sim herdaram. Wesley escreveu contra eles: “Talvez
dirás: ‘Eu não compro negros; apenas uso os que me foram deixados por meu pai’. Muito
bem; porém será isso o bastante para satisfazer a tua própria consciência?” Mais à frente,
ele prossegue: “Tinha os teus pais, tens tu, tem qualquer homem vivente o direito de usar
outro como escravo? A liberdade é direito de toda criatura humana, tão logo ela inspire o
ar vital... Abaixo todos os chicotes, todas as correntes, toda a coerção” (Ibid, p. 227).
A última carta que Wesley escreveu foi para o parlamentar evangélico William
Wilberforce, que foi um ávido defensor e atuante na causa da extinção da escravidão
negra. Wesley escreve o seguinte trecho para Wilberforce:
A menos que Deus te haja levantado exatamente para isto, tu será abatido pela
oposição de homens e demônios. Mas “se Deus é por ti, quem será contra ti?”
[...] Prossiga, em nome de Deus e na força do seu poder, até que mesmo a
escravidão americana (a mais odiosa que já viu o sol) desapareça da tua
frente. [...] Que Aquele que te guiou desde a tua juventude possa continuar a
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fortalecer-te nisso e em todas as coisas, é a oração, caro senhor, do teu
afeiçoado servo João Wesley” (Ibid, p. 228).
Wesley não se esqueceu de dar voz às mulheres. Ele as valorizava desde que
nasceu, pois sempre teve em alta estima sua mãe Suzana Wesley, buscando sempre os
conselhos dela (DONATO, 2016, p. 95). Ela era uma referência para ele. Com isto, este
admirável pregador e reformador social inglês via as mulheres como dignas dos mesmos
direitos dos homens. Quanto à atuação na obra de Deus, Wesley declarou o seguinte sobre
elas: “Vós, tanto quanto os homens, sois criaturas racionais. Vós, tanto quanto eles, fostes
criadas à imagem de Deus: sois igualmente candidatas à imortalidade. Vos também sois
chamadas por Deus” (Ibid, p. 248).
Wesley escreveu e orientou seus ouvintes e leitores acerca de outros assuntos,
sempre baseado nos princípios cristãos. Ele abordou sobre meio ambiente, como é
característico também da teologia wesleyana (COUTO, 2018a, p. 148), educação para
adultos que tinham pouco estudo e também se preocupava com o estado dos animais
(RUNYON, 2002, p. 240, 253).
O metodismo preocupava-se com a transformação da sociedade no tocante a um
empenho em prol dos necessitados muito antes do surgimento de movimentos cristãos
como o evangelho social, teologia da libertação e missão integral. Embora este último
movimento seja o mais próximo do metodismo, pois alia preocupação social com
evangelização, como afirmamos em outro lugar (MARQUES, 2017, p. 107), não deve ser
igualado ao amplo destaque que o metodismo teve na luta pela justiça social e ênfase no
senhorio de Cristo.
Avivamentos do Século XIX e XX
O movimento de santidade tem relação direta com o pensamento metodista. Foi
do movimento de santidade e de grupos wesleyanos que o movimento pentecostal surgiu
no começo do século XX (MENZIES; MENZIES, 2002, p. 19). Como no caso do
metodismo, os rebentos dele também se interessaram e firmaram compromissos com um
compromisso social.
Como é essencial no metodismo mais amplo e primitivo, bem como no
pensamento de Wesley, o pós-milenismo é o mais adequado na esfera escatológica
(COLLINS, 2010, p. 414). Vic Reasoner afirma que o entendimento wesleyano é mais
adequado a um entendimento pós-milenista (2018, p. 174).
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Com uma visão social mais otimista, característica do pós-milenismo, que enfatiza
que antes de Jesus voltar os valores do Reino estarão bem divulgados e aderidos no
mundo, o movimento de santidade alicerçou sua base nesse entendimento (DAYTON,
2018, p. 260). A questão da perfeição cristã4 e da reforma social foram marcas cruciais
do avivamento do século XIX (Ibid, p. 265). Charles Finney, grande avivalista do século
XIX, associou e atrelou a perfeição cristã à reforma da sociedade, como afirma Timothy
Smith: “O desenvolvimento da doutrina da perfeição cristã de Finney, então, refletiu e
reforçou seu próprio interesse revolucionário, e da comunidade de Oberlin geralmente,
em reformar a sociedade” (1981, p. 130).
Finney enfatizava enormemente a reforma social como uma característica da
propagação do evangelho. Finney afirmava que
A grande tarefa da Igreja é a reforma do mundo – dar fim a todo tipo de
pecado. A Igreja foi organizada originalmente para ser um corpo de
reformadores. A própria tarefa do cristianismo implica na tarefa e
virtualmente no compromisso de fazer tudo que estiver ao seu alcance para a
reforma do mundo. A Igreja cristã foi designada para fazer movimentos
avançados em todas as direções – levantando sua voz e pondo toda sua energia
nos lugares altos e baixos – para reformar indivíduos, comunidades e
governos, e não descansar até que o Reino e a grandeza do Reino sob o céu
sejam dadas aos santos do Deus Altíssimo – até que toda forma de iniquidade
seja varrida da face da terra (DAYTON, 2018, p. 265).
Finney praticava o que falava. Ele não somente admitiu como incentivava
mulheres e negros estudarem na faculdade de Oberlin, onde era reitor (CAIRNS, 2008,
p. 457). Isto em uma época que mulheres e negros eram totalmente discriminados
acentuadamente. Earle Cairns é bem enfático ao afirmar que “a obra de Finney como líder
de reavivamentos, reformador social e a favor da abolição e educador em Oberlin
influenciou grandemente a vida religiosa americana” (Ibid, p. 457).
Também da mesma faculdade onde Finney era reitor, Henry Cowles, também
destacado representante do avivamento do século XIX, afirmou que guerras, governos
opressores, escravidão e toda miséria serão vencidos antes da chegada do Reino
(DAYTON, 2018, p. 267).
4 Para mais informações sobre a questão da perfeição cristã no entendimento wesleyano, cf: MARQUES, Marques. Salvação Integral: Salvação Pessoal e Social na Teologia de John Wesley. São Paulo:
Reflexão, 2017.
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Uma característica marcante do movimento de santidade, que teve grandes nomes
como Charles Finney, Asa Mahan, Phoebe Palmer, Benjamin Titus Roberts, Phineas
Breese dentre outros, foi o engajamento social. Era comum a pregação do evangelho junto
à assistência a pessoas necessitadas no tocante a comidas, roupas, remédios e demais
suprimentos (COUTO, 2018b, p. 63).
Benjamin Titus Roberts, fundador da Igreja Metodista Livre, foi um grande
defensor do ministério pastoral feminino e do conceito “casamento igualitário”, em que
as mulheres não teriam que ser sempre subservientes e oprimidas por seus maridos, como,
infelizmente, era habitual em tempos antigos (DAYTON, 1981, p. 161).
O início do movimento pentecostal foi marcado pela busca da igualdade racial
e/ou étnica. Considerada como um grande marco de avivamento do movimento
pentecostal, Azusa foi palco de uma conquista monumental de harmonia racial por causa
de William Seymour, que lutava pela igualdade racial no começo do século XX nos
Estados Unidos (SYNAN; FOX JR, 2017, p. 84).
Charles Mason, grande fundador da Igreja de Deus em Cristo (conhecida pela
sigla COGIC, em inglês), também pregava que não deveria haver barreiras entre brancos
e negros e que deveria haver laços de unidade não segregada (THUSTON, 2018, p. 233).
Os pentecostais estão causando um impacto grande na sociedade onde estão
inseridos. A mensagem de arrependimento dos pecados, perdão e transformação forma
comunidades de adoração e contribui para o surgimento de famílias virtuosas e que
capacita os pobres a prosperarem (MENZIES, 2017, p. 101).
Conclusão
Um cristianismo avivado deve, necessariamente, ter implicação de relevância na
sociedade. Como C. S. Lewis, um professor universitário, escritor e pensador cristão
reconhecido mundialmente por suas obras de ficção e pronunciamento em questões
cotidianas, que se preocupava com a área da educação para que haja pessoas educadas
para o reconhecimento do belo e da moral (MCGRATH, 2014, p. 131, 132), precisamos
também nos importar com todas as áreas da sociedade.
Há uma relação entre conversão e responsabilidade social que todos os cristãos
devem se ater. Um cristão convertido vive tanto na igreja quanto no mundo, onde a igreja
está inserida. Jamais a conversão vai tirar o cristão do mundo. O cristão convertido deve
influenciar o mundo com a renovação da sua mente (Rm 12.1-2). Como John Stott
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declara: “Se a primeira ordem de Jesus foi ‘venha!’, sua segunda foi ‘vá!’, isto é, devemos
voltar ao mundo do qual viemos, e voltar como embaixadores” (2010, p. 145).
Como Wesley orientou, devemos ser ricos em boas obras, pois o que recebemos
de graça (da graça de Deus na nossa vida) devemos dar também de graça aos que
precisam. Em uma declaração bela e empolgante, sigamos o conselho de Wesley, que
escreveu: “defenda os oprimidos, advogue a causa dos órfãos e faça o coração da viúva
cantar de alegria” (WESLEY, 2012, p. 191).
Bibliografia
CAIRNS, Earle. Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã.
São Paulo: Vida Nova, 2008.
COLLINS, Kenneth. Teologia de John Wesley: O Amor Santo e a Forma da Graça.
Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
COUTO, Vinicius. Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est: Construindo
uma Cosmovisão Cristã In: COUTO, Vinicius. Igreja Reformada Sempre sendo
Reformada: A fidelidade aos Princípios da Reforma e sua Atualidade nas Teologias
Arminianas Clássica e Wesleyana. São Paulo: Reflexão, 2017.
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