Um Cantico Para Leibowitz - Walter M. Miller Jr

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Ficção Científica

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Sumrio

    Fiat HomoFiat Lux

    Fiat Voluntas Tua

  • ANNE, em cujo seio

    RAQUEL guia a minha pobre cano,

    como uma musa,

    sorrindo entre as linhas

    Deus te abenoe

    W.

  • Agradecimentos

    A todos aqueles cuja assistncia, de vrios modos, contribuiu para tornar possvel este livro, o autor exprime asua gratido, especialmente e explicitamente aos seguintes: Senhor e Senhora W. M. Miller (Pai), Senhores DonCongdon, Anthony Boucher e Alan Williams, ao Dr. Marshal Taxay, ao Reverendo Alvin Burggraff, C.S.P., a SoFrancisco, a Santa Clara e a Maria Santssima, por motivos que eles bem conhecem.

  • Fiat Homo

  • O1

    Irmo Francis Gerard, de Utah, talvez nunca tivesse descoberto os santosdocumentos, se no fosse o peregrino com os rins cingidos que apareceu

    no deserto durante o jejum quaresmal do seu noviciado.

    Nunca antes vira um peregrino com os rins cingidos, mas de que esse eraverdadeiro, ficou convencido desde que voltou a si do choque de descobrir aquelafigura no horizonte, como um pequenino iota negro no meio da claridade ofuscante.Parecendo no ter pernas mas com uma minscula cabea, o iota tomava forma nocaminho resplandecente e parecia antes se retorcer do que andar, o que levou oIrmo Francis a segurar o crucifixo do seu rosrio e a murmurar uma Ave Maria. Oiota lembrava uma pequena apario produzida pelos demnios do calor quetorturavam a terra no meio do dia, quando toda criatura capaz de se mover nodeserto (exceto as aves de rapina e alguns eremitas monsticos como Francis)ficava inerte em sua toca ou se escondia debaixo de uma rocha, para fugir daferocidade do sol. Somente algo monstruoso ou de preternatural, ou algum louco,poderia propositadamente andar desse modo e nessa hora por aquele caminho.

    O Irmo Francis disse uma rpida orao a So Raul, o Ciclpico, padroeiro dosmalnascidos, pedindo-lhe proteo contra os seus protegidos. (Pois quem no sabiaque havia monstros na terra naqueles dias? O que nascia vivo, pela lei da Igreja e daNatureza, tinha de viver e ser ajudado a atingir a maturidade, se possvel, pelos queo tinham gerado. A lei nem sempre era obedecida, mas assim mesmo havia umapopulao de monstros adultos que escolhia as mais longnquas terras desertaspara as suas perambulaes e que, noite, rondava as fogueiras dos viajantes dasplancies.) Mas afinal o iota, sempre se enroscando, veio atravs das nvoasdistantes at o ar claro, onde, sem sombra de dvida, tornou-se um peregrino: oIrmo Francis soltou o crucifixo com um pequeno amm.

    O peregrino era um velho magro e tinha um cajado, chapu de palha, barbaeriada e uma pele passada pelo ombro. Mastigava e cuspia bem demais para seruma apario, e parecia muito fraco para ser dado a lobisomem ou a bandido deestrada.

  • Francis, porm, foi saindo da sua linha de viso e meteu-se atrs de um montede pedras carcomidas, de onde podia ver sem ser visto. Os encontros comestrangeiros no deserto, apesar de raros, eram ocasio de mtua suspeita e semprecomeavam por preparativos contra algo que tanto poderia ser cordial quantoagressivo.

    Raramente mais que trs vezes por ano viajava algum, leigo ou estrangeiro,pela velha estrada que passava pela abadia, muito embora o osis que lheassegurava a existncia fizesse dela um lugar de repouso natural, se a estrada viessede algum lugar ou conduzisse a algum lugar, pois assim eram as estradas naqueletempo. Talvez, em idades mais remotas, tivesse sido parte do caminho mais curtoentre o Grande Lago Salgado e El Paso; ao sul da abadia, era atravessada por umatrilha de pedra picada que se estendia na direo este-oeste. A encruzilhada estavagasta pelo tempo, mas no pelo Homem, ultimamente.

    O peregrino aproximou-se at uma distncia em que j podia ser ouvido mas onovio continuou no monte de pedras. Os rins do velho estavam verdadeiramentecingidos por uma espcie de saco; alm das sandlias e do chapu, era tudo quantovestia. Avanava com deciso, coxeando mecanicamente e amparando a pernaaleijada com o pesado cajado. O ritmo com que se aproximava era o de um homemque percorrera um longo caminho e que ainda tinha muito que andar. Mas, aoentrar na rea das runas antigas, diminuiu o passo e parou para observar o lugar.

    Francis abaixou-se ainda mais.No havia sombra entre o aglomerado de montes onde, em tempos distantes,

    existira um grupo de construes. Algumas pedras maiores, no entanto, serviampara refrescar umas poucas partes do corpo de viajantes experimentados no deserto,como logo se mostrou o peregrino, ao procurar rapidamente uma de proporesadequadas. O Irmo Francis notou que ele no agarrou a pedra e puxou-a comprecipitao, mas manteve-se distncia, e usando o cajado como alavanca e umapedra menor como ponto de apoio, mexeu a mais pesada at que a inevitvelcriatura chocalhante sasse debaixo dela. Sem mostrar emoo, matou a serpentecom o cajado e jogou para o lado a carcaa ainda em contores. Uma vezdespachado o ocupante da cavidade embaixo da pedra, o peregrino utilizou-se dasua frescura pelo simples mtodo de revolv-la. Isso feito, suspendeu o seu alforje,sentou-se com as fanadas ndegas de encontro pedra relativamente fresca, atirou

  • fora as sandlias e encostou os ps no cho da cavidade. Assim refrescado, ps-se amexer com os dedos dos ps, mostrou um sorriso desdentado e comeou acantarolar, num dialeto desconhecido para o novio. Cansado de estar abaixado, oIrmo Francis mudou de posio.

    Enquanto cantava, o peregrino desembrulhou um po e um pedao de queijo.Parou de cantar e ps-se em p por um instante para dizer a meia-voz, numaespcie de balido nasal e no vernculo da regio: "Bendito seja Adonai Elohim,Soberano de todos, que faz o po sair da terra". Cessado o balido, sentou-se outravez e comeou a comer.

    Devia vir de longe o forasteiro, pensou o Irmo Francis, a ponto de ignorar queno havia qualquer reino prximo governado por um monarca de nome epretenses to estranhos. Imaginou que o velho estaria fazendo uma peregrinaode penitncia talvez ao "altar da abadia, apesar de no ser ainda oficialmente umaltar nem o "santo", que l se venerava, oficialmente santo. O Irmo Francis nopodia atinar com outra explicao para aquela presena na estrada que noconduzia a lugar algum.

    O peregrino comia vagarosamente o po e o queijo e o novio, medida que sesentia menos ansioso, ia comeando a se mexer. A regra de silncio para os dias dejejum quaresmal no lhe permitia conversar voluntariamente com o velho, mas sesasse de seu esconderijo detrs do monte de pedras antes que ele se fosse,certamente se faria ver ou ouvir. No podia ir mais longe, porque fora proibido desair da vizinhana daquelas runas antes do fim da Quaresma.

    Ainda um pouco hesitante, puxou um pigarro o mais alto possvel e ps-se vista.

    Oh!

    O po e o queijo caram no cho. O velho tomou o cajado e levantou-se. Chegue at aqui, se ousar!

    Brandiu o cajado ameaadoramente na direo da figura encapuzada que seerguera detrs da pilha de pedras. O Irmo Francis notou que na extremidade docajado havia uma aguda ponta de lana. Curvou-se trs vezes, cortesmente, mas operegrino no reparou nessa delicadeza.

    Fique onde est! grasnou ele. Mantenha-se distante, monstrengo. No

  • tenho nada do que voc quer a menos que seja o queijo, e isso voc pode levar. Se carne que voc procura, nada tenho seno cartilagens, mas lutarei para conserv-las. Agora, para trs! Para trs!

    Espere... O novio fez uma pausa. A caridade, ou at a simples cortesia,podiam prevalecer sobre a lei quaresmal do silncio, quando as circunstnciasexigissem que se falasse, mas romp-la por deciso prpria sempre o fazia ficar umpouco nervoso.

    No sou um monstrengo, bom simplrio continuou, empregando afrmula mais polida. Deixou cair o capuz para fazer ver a tonsura monstica eergueu o rosrio. Voc sabe o que essas coisas significam?

    Durante alguns segundos o velho ficou numa atitude de gato pronto para pular,enquanto estudava a fisionomia adolescente e queimada de sol do novio. Eranatural que tivesse errado. As grotescas criaturas que pilhavam o deserto no rarousavam capuzes, mscaras, ou amplas vestimentas que lhes ocultavam asdeformidades. Entre elas, havia as que no eram disformes s no corpo e que, svezes, atacavam os viajantes para comer-lhes a carne.

    Depois de observar algum tempo, o peregrino endireitou-se.

    Ah! um deles. Apoiou-se no cajado, carrancudo. a Abadia deLeibowitz, l adiante? perguntou apontando para o longnquo aglomerado deconstrues ao sul.

    O Irmo Francis curvou-se cortesmente at o cho. Que que voc est fazendo aqui nessas runas?

    O novio apanhou um fragmento de pedra parecido com um giz.Estatisticamente, no era provvel que o viajante fosse letrado, mas resolveuexperimentar. Como os dialetos falados pelo povo no tinham nem alfabeto nemortografia, escreveu em latim as palavras "Penitncia, Solido e Silncio", numagrande pedra lisa e, mais abaixo, outra vez em ingls antigo, esperando, apesar dasua no admitida nsia de falar com algum, que o velho compreendesse e odeixasse prosseguir, na solido, a viglia quaresmal.

    O peregrino olhou para a inscrio com um sorriso torto. O seu riso maisparecia um balido fatalista. Hum-m-m! Ainda escrevendo de trs para diante disse; mas se entendeu o que estava escrito, no condescendeu em d-lo a perceber.

  • Ps o cajado de lado, sentou-se outra vez na pedra, apanhou o po e o queijo ecomeou a limp-los da areia. Francis umedeceu os lbios com fome, mas desviou oolhar. Nada comera seno frutos de cacto e um punhado de milho queimado, desdea quarta-feira de Cinzas; as regras de jejum e abstinncia eram estritas durante asviglias vocacionais.

    Notando o seu mal-estar, o peregrino partiu um pedao de po e de queijo eofereceu-os.

    Apesar de desidratado em virtude do seu parco suprimento de gua, o novioficou com a boca inundada de saliva. Os seus olhos se recusaram a deixar a mo queoferecia alimento. O universo todo se contraiu e, no seu exato centro geomtrico,flutuava aquele manjar arenoso de po escuro e de queijo branco. Um demnioimpeliu os msculos de sua perna esquerda a mover o p meio metro para a frente;possuiu, em seguida, a sua perna direita de modo a pr o p na frente do esquerdo,e forou os msculos peitorais e o bceps direito a esticar o brao at que a motocasse a mo do peregrino. Os seus dedos sentiram a comida e pareceram atprovar-lhe o gosto. Um tremor involuntrio sacudiu o corpo faminto. Fechou osolhos e viu o Dom Abade olhando para ele, brandindo um chicote. Todas as vezesque procurava imaginar a Santssima Trindade, a fisionomia de Deus Pai seconfundia com a do abade que, normalmente, segundo parecia a Francis, era muitozangada. Atrs do abade crepitava uma fogueira e, do meio das flamas, os olhos doBeato Mrtir Leibowitz se dirigiam, na agonia da morte, para o seu protegido quedevera estar jejuando, mas fora apanhado quando estendia a mo para o queijo.

    O novio estremeceu outra vez. Apage Satanas! murmurou entre dentes,enquanto recuava e deixava cair o alimento. Sem nenhum aviso, aspergiu o velhocom gua benta que tirou de uma garrafinha que trazia na manga. Por algunsinstantes, na sua mente ofuscada pelo sol, o peregrino no mais se distinguiu doGrande Inimigo.

    O ataque de surpresa aos Poderes das Trevas e da Tentao no produziuresultados sobrenaturais imediatos, mas os naturais apareceram como que ex opereoperato. O peregrino Belzebu, em lugar de explodir em fumaa sulfurosa, emitiuuns sons gorgolejantes, ficou rubro e atirou-se a Francis com um berro de fazergelar o sangue. O novio, tropeando na tnica, fugiu do cajado pontiagudo econseguiu escapar ileso porque o peregrino esqueceu as sandlias. O mpeto do seu

  • ataque transformou-se numa srie de pulinhos num p s, como se ele, de repente,se tivesse apercebido das pedras escaldantes em que estava pisando. Parou epareceu preocupado. Quando o Irmo Francis olhou por cima do ombro, teve aimpresso exata que o peregrino se dirigia ao lugar fresco, saltando na ponta dosps.

    Envergonhado com o odor de queijo que lhe ficara nos dedos e arrependido dairracionalidade do seu exorcismo, voltou aos seus trabalhos nas velhas runas,enquanto o outro refrescava os ps e aliviava a raiva atirando-lhe uma ou outrapedrada cada vez que se mostrava por entre os montes. Quando o velho sentiu obrao cansado, passou a fingir que atirava e, vendo que Francis j no fugia,limitou-se a resmungar, enquanto comia o po e o queijo.

    O novio estava andando de um lado para outro, atravs das runas e, de vez emquando, dirigia-se cambaleando para um determinado lugar, abraado comdificuldade a uma pedra quase to grande quanto o seu peito. O peregrino viu-oescolher uma dessas pedras, calcular suas dimenses, rejeit-la e cuidadosamenteescolher outra para ser destacada, erguida e transportada aos tropeos. Deixou-acair depois de dar alguns passos e, sentando-se de repente, ps a cabea entre osjoelhos, num esforo para no desmaiar. Depois de arfar por alguns momentos,levantou-se e acabou de rolar a pedra at o seu destino. Continuou nessa atividadeenquanto o peregrino o observava j no com irritao, mas com pasmo.

    O sol, como uma maldio, queimava a terra rachada com o calor do meio-dia ederramava o seu antema sobre tudo o que era mido. Francis trabalhava apesar datemperatura.

    O viajante, depois de haver lavado os ltimos restos de po e queijo com algunsgoles de gua do seu cantil, enfiou as sandlias, levantou-se com um gemido e foicoxeando pelas runas em direo do local de trabalho do novio. Este, vendo que ovelho se aproximava, tratou de ganhar distncia. Com ar de troa, o peregrinoameaou-o outra vez com o cajado, mas parecia mais interessado no que o outrofazia com as pedras do que em vingar-se. Chegando perto, parou para inspecionar atoca do novio.

    Ali, na extremidade leste das runas, o Irmo Francis cavara uma trincheirarasa, usando uma vara como enxada e as mos como p. No primeiro dia daQuaresma, tinha-a coberto com um monte de gravetos e, de noite, usava-a como

  • refgio contra os lobos do deserto. Mas medida que os dias de jejum seavolumavam, a presena deles ia deixando vestgios na vizinhana, at que aquelesvisitantes noturnos se sentiram atrados pelas runas e chegaram a arranhar omonte de gravetos, depois de extinta a fogueira.

    A princpio, Francis tentou for-los a desistir, aumentando a pilha em cima datrincheira e rodeando-a com um anel de pedras colocadas num rego, bem juntasumas das outras. Mas na vspera, alguma coisa tinha pulado em cima da pilha,uivando, enquanto ele tremia embaixo. Por isso, decidira fortificar a toca por meiode um muro que comeara a construir sobre o anel de pedras, e que se inclinavapara dentro medida que subia; mas como a cavidade era de forma ligeiramenteoval, tinha de ser escorado por pedras a fim de que no tombasse para o interior. OIrmo Francis esperava que, com pedras bem escolhidas, ligadas entre si porcascalho bem acomodado e batido, fosse possvel construir uma aparncia de domo.E, como sinal de sua ambio, l estava um palmo de arco sem qualquer apoio,desafiando as leis da gravidade. Quando o peregrino, cheio de curiosidade, comeoua dar pancadas nesse arco com o seu cajado, o Irmo gritou como um cachorrinhoferido.

    Zeloso pela sua morada, aproximou-se um pouco enquanto durava a inspeo.O peregrino respondeu ao seu grito com um floreio do cajado e um formidvel uivo.O Irmo Francis imediatamente tropeou na bainha da tnica e sentou-se. O velhops-se a rir.

    Hum! Voc vai precisar de uma pedra com formato estranho para cabernaquele lugar disse, enquanto sacudia o cajado de um lado para outro numespao vago na camada superior de pedras.

    O jovem concordou com um movimento da cabea e olhou para outro lado.Continuou sentado onde estava e, por meio dos olhos baixos e do completo silncio,esperava dizer ao velho que no era livre para conversar ou aceitar de bom grado asua presena no seu local de solido. Comeou a escrever na areia com um graveto:Et ne nos inducas in...

    Ainda no me ofereci para mudar em po essas pedras, no ? disse ovelho, zangado.

    O Irmo levantou os olhos depressa. Ento ele sabia ler, e lia a Escritura. Alm

  • do mais, a sua frase mostrava que compreendera o uso impulsivo que fizera da guabenta e o motivo pelo qual ali se encontrava. Percebendo que o peregrino caoavadele, baixou os olhos outra vez e esperou.

    Hum! Ento voc deve ficar s, hein? Muito bem, nesse caso melhor ir-meembora. Ser que os seus irmos na abadia deixaro este velho descansar um pouco sua sombra?

    O Irmo, outra vez, acenou que sim com a cabea e, caridosamente, ajuntou emvoz baixa: Eles tambm daro alimento e gua.

    O peregrino riu. Em sinal de agradecimento, vou procurar uma pedra quesirva para aquele buraco. Deus esteja com voc.

    Mas no preciso... O protesto no chegou a ser articulado. O IrmoFrancis limitou-se a olhar enquanto ele se afastava, devagar e coxeando. Ps-se aandar pelo meio das pedras, parando s vezes para inspecionar uma ouexperimentar outra com a ponta do cajado. O novio pensou que a procura seriacertamente intil, pois era a repetio do que fizera desde cedo. Por fim, tinhadecidido que era mais fcil demolir e refazer uma parte da camada superior do queencontrar uma pedra com o feitio aproximado de uma ampulheta, que servissenaquele espao. Com certeza, o peregrino acabaria por perder a pacincia e irembora.

    Enquanto isso, o Irmo Francis descansava, rezando pela volta daquela solidointerior que a sua viglia impunha: o esprito como um pergaminho liso onde aspalavras divinas se pudessem escrever se aquela outra Solido Incomensurvel,que era Deus, estendesse a mo para tocar a sua nfima solido humana e marc-lacom a vocao. O Pequeno Livro que o Prior Cheroki deixara com ele no domingoprecedente, servia-lhe de guia nessa meditao. Era velho de sculos e chamava-seLibellus Leibowitz, apesar de ser incerta a tradio que o atribua ao Beato.

    "Parum equidem te diligebam, Domine, in juventute mea, quare doleo nimis...Muito pouco vos amei, Senhor, no tempo da minha juventude; por isso aflijo-meexcessivamente nos dias da minha velhice. Em vo fugi de Vs naqueles dias..."

    Voc a! veio um grito detrs dos montes de pedras. O Irmo Francislevantou os olhos rapidamente, mas o peregrino no estava visvel. Seus olhosvoltaram ao livro.

  • "Repugnans tibi ausus sum quaerere quidquid doctius rnihi fide, certius spe,aut dulcius caritate visum esset. Quis itaque stultior me..."

    Eh, menino! veio outra vez o grito. Encontrei uma pedra para voc queparece servir.

    Dessa vez, quando o Irmo Francis olhou, viu o cajado fazendo sinais detrs deum dos montes. Suspirando o novio voltou leitura.

    "O inscrutabilis Scrutator animarum, cui patet omne cor, si me vocaveras,olim a te fugeram. Si autem nunc velis vocare me indignum..."

    Irritado, ainda atrs do monte de pedras, o velho continuou: Muito bem, faacomo quiser. Vou assinalar a pedra e marcar o lugar com uma estaca. Experimentese serve ou no, como achar melhor.

    Obrigado suspirou o novio, mas duvidou que o velho o tivesse ouvido.Continuou a estudar o texto:

    "Libera me, Domine, a vitiis mis, ut solius tuae voluntatis mihi cupidus sim, etvocationis..."

    Pronto! gritou o peregrino. Est marcada e assinalada. E possa vocachar logo a voz, menino. Olla allay!

    Pouco depois de ter morrido o eco do ltimo grito, o Irmo Francis viu operegrino caminhando na direo da abadia. Murmurou uma rpida bno e umaorao pela segurana da sua viagem.

    Mais uma vez s, reps o livro na toca e recomeou a colocar as pedras, sem sepreocupar com o que o peregrino achara. Enquanto seu corpo faminto se curvava,distendia e cambaleava sob o peso das pedras, seu esprito repetia maquinalmente aorao pela certeza de sua vocao:

    "Libera me, Domine a vitiis mis... Livrai-me Senhor, dos meus vcios, para queem meu corao possa desejar somente o que for da Vossa vontade e conhecer oVosso chamado, se vier... ut solius tuae voluntatis mihi cupidus sim, et vocationistuae conscius si digneris me vocare. Amen.

    Livrai-me, Senhor, dos meus vcios, para que possa, em meu corao..."No cu, volumosos cmulos a caminho das montanhas onde, depois de

    decepcionar cruelmente o deserto ressequido, derramariam a sua bno mida,

  • comearam a esconder o sol e a projetar longas sombras sobre o cho trrido,oferecendo um repouso bem-vindo, ainda que intermitente, da luminosidadeescaldante. Aproveitando a rpida passagem dessas sombras pelas runas, o noviotrabalhava velozmente e depois descansava at que o prximo castelo de nuvensvelasse o sol.

    Foi por acaso que, afinal, descobriu a pedra do peregrino. Andando por perto,tropeou na estaca que o velho enterrara na areia para marcar o lugar. Abaixou-se edeu com os olhos em dois sinais traados numa pedra das mais antigas:

    Os sinais tinham sido desenhados com tanto cuidado que o Irmo Francisimediatamente percebeu que eram smbolos, mas depois de meditar algunsminutos sobre eles, continuou pensativo. Que significado teriam? O velho tinhadito, ao partir: "Deus esteja com voc"; um feiticeiro no falaria assim. Destacou apedra e rolou-a para fora. Ao faz-lo, ouviu um ligeiro rudo vindo do interior domonte, e uma pedrinha deslocou-se da parte de cima. Francis tratou de fugir deuma possvel avalancha, mas nada houve naquele momento. No lugar em queestivera a pedra, porm, aparecia agora um pequenino buraco escuro.

    Os buracos freqentemente, eram habitados. Mas este parecia ter estado tobem arrolhado pela pedra que, antes que Francis a tivesse retirado, dificilmenteuma pulga teria entrado. Apesar disso, procurou uma vara e, devagar, passou-a pelaabertura. No encontrou resistncia e ela, ao ser solta, escorregou para dentro edesapareceu, como se embaixo houvesse uma cavidade maior. Esperounervosamente, mas nada saiu de dentro.

    Ps-se de joelhos e, cuidadosamente, aplicou o nariz no buraco. No sentiuqualquer odor de animal ou de enxofre. Jogou uma pedrinha para dentro e curvou-se para escutar. A pedrinha pulou uma vez a poucos metros da abertura, depoiscontinuou a descer, bateu em qualquer coisa metlica e, finalmente, parou muitolonge, embaixo. Os ecos sugeriam uma cavidade subterrnea do tamanho de umasala.

    O Irmo Francis levantou-se, cambaleante, e olhou em volta. Parecia estar s,com exceo da ave de rapina, sua companheira, que o vinha observando do alto,ultimamente, com tamanho interesse, que outras deixavam os seus territrios dealm do horizonte e vinham investigar o que havia.

  • O novio andou em volta do monte de pedras mas no encontrou sinal de umsegundo buraco. Subiu a um monte adjacente e perscrutou o caminho. O peregrinoh muito desaparecera. Nada se movia ao longo da velha estrada, mas teve umarpida viso do Irmo Alfredo atravessando uma colina a uma milha dali, em buscade lenha para o seu eremitrio. Esse irmo era surdo como uma porta. Ningummais havia vista. Francis no via qualquer razo para gritar por socorro, masparecia-lhe bom exerccio de prudncia calcular de antemo quais seriam osresultados, se tivesse de faz-lo. Depois de examinar cuidadosamente o terreno,desceu do monte. O flego de que necessitaria para gritar, seria mais bemaproveitado correndo.

    Pensou em recolocar a pedra do peregrino de modo a tapar o buraco comoantes, mas as pedras ao redor tinham mudado um pouco de posio e eraimpossvel p-la no lugar em que estivera. Alm disso, o espao na camada superiordo seu abrigo continuava vazio, e o peregrino tinha vazo: a pedra, a julgar pelotamanho e formato, parecia servir. Depois de hesitar um pouco, suspendeu-a edirigiu-se cambaleando para a toca.

    A pedra adaptou-se perfeitamente ao lugar. Deu um pontap no muro para secertificar da sua firmeza; a camada superior no se mexeu, apesar da sacudidela tercausado um pequeno desmoronamento a alguns metros dali. Os sinais feitos pelovelho, embora um pouco apagados pela manipulao da pedra, ainda estavamsuficientemente claros para copiar. Cuidadosamente, transcreveu-os numa outrapedra, usando um graveto queimado como estilgrafo. Quando o Prior Cherokiviesse fazer a sua ronda habitual do sbado, talvez pudesse dizer se tinham algumsentido de encantamento ou maldio. Era proibido temer as maquinaes pags,mas o novio, pensando no peso da pedra, tinha curiosidade em saber que sinaiseram aqueles que iam ficar sobre a sua dormida.

    Seus trabalhos continuaram pelo calor da tarde. Na sua mente, porm, ficou alembrana do buraco aquele interessante, ao mesmo tempo apavoranteburaquinho e da maneira por que a pequenina pedra despertara ecos distantesem algum lugar embaixo da terra. Sabia que as runas que o cercavam eramantiqssimas. Sabia tambm, pela tradio, que gradualmente elas tinham sidotransformadas naqueles montes de pedras irregulares por geraes de monges e umou outro estrangeiro que procuravam carregamento de pedras ou pedaos de ao

  • enferrujado que se podiam encontrar rachando as colunas e lajes em cujo centrotinham sido colocados por homens de uma poca j quase esquecida no mundo.Essa eroso humana tinha destrudo o aspecto que uma antiga tradio atribua srunas, no obstante o atual mestre-de-obras da abadia inda se orgulhar da suahabilidade em perceber e mostrar vestgios de salas, num e noutro lugar. Aindahavia metal a ser encontrado, se algum se dispusesse a rachar as pedras que oencobriam.

    A prpria abadia fora construda com essas pedras. Francis achava improvvelque depois de vrios sculos de trabalhe dos pedreiros, ainda houvesse algumacoisa interessante por descobrir nas runas. No entanto, nunca ouvira falar emconstrues com fundamentos ou aposentos subterrneos. O mestre-de-obras,segundo se lembrava, tinha dito especificamente que as construes nesse lugarpareciam ter sido feitas s pressas, sem alicerces profundos, repousando, a maiorparte, em lajes superficiais.

    Tendo quase terminado o abrigo, o Irmo Francis se aventurou de volta aoburaco e ficou olhando para dentro dele; como habitante do deserto, no se podialivrar da convico de que, em todo lugar abrigado do sol, devia haver algoescondido. Mesmo que agora estivesse vazio, alguma coisa, certamente, seesgueiraria para dentro antes do amanhecer do dia seguinte. Por outro lado, sealgum morasse ali, era melhor encontr-lo de dia do que de noite. Na vizinhana,no havia outras pegadas seno as suas prprias, as do peregrino e o rasto doslobos.

    Tomando uma deciso rpida, comeou a retirar as pedras e a areia de volta doburaco. Meia hora depois, este no aumentara, mas sua convico de que levava auma cavidade subterrnea era agora uma certeza. Dois muros de seixos, meioenterrados e prximos abertura, tinham sido claramente comprimidos um contrao outro pela fora da grande massa de pedras na boca de um poo; estavam comoque apertados num gargalo. Quando empurrava uma pedra para a direita, a queestava ao lado rolava para a esquerda, at parar em determinado lugar. O contrrioocorria quando empurrava na direo oposta, mas assim mesmo continuava aescavacar o monte.

    A alavanca, de repente, pulou de suas mos, ministrou-lhe, de passagem, umapancada no lado da cabea e desapareceu numa depresso surgida naquele instante.

  • O golpe f-lo recuar, vacilando. Uma pedra deslizando do alto atingiu-o nas costas eele caiu sem flego, e sem saber se tombava para dentro do poo, at que sentiu oventre de encontro terra e agarrou-se a ela. O estrondo da avalancha foiensurdecedor, mas breve.

    Cego pela poeira, Francis ficou arquejando e receoso de se mover, to grandeera a dor que sentia nas costas. Quando conseguiu enfiar a mo dentro do hbito eprocurar o ponto, entre os ombros onde, talvez, houvesse alguns ossos esmagados,sentiu uma dor aguda e os seus dedos vieram midos e vermelhos. Mexeu-se, masgemeu e ficou imvel outra vez.

    Houve um dbil bater de asas. O Irmo Francis olhou para cima a tempo de veruma ave de rapina se preparando para pousar num monte de pedras a poucosmetros de distncia. O pssaro levantou vo imediatamente, mas Francis imaginouque ele o tinha olhado com uma espcie de cuidado maternal, como uma galinhaansiosa. Virou-se rapidamente nas costas. Uma enorme e negra nuvem deles setinha reunido no cu e circulava em altitude curiosamente baixa. Quase roava osmontes. Subiram para o alto quando se moveu. Ignorando de repente apossibilidade de vrtebras partidas ou de alguma costela esmagada, o novio ps-seem p cambaleando. Desapontada, a horda celeste voou de volta s grandesaltitudes em seus invisveis elevadores de ar quente, e dispersou-se na direo deoutras longnquas viglias areas. Negras alternativas do Parclito cuja vindaesperava, os pssaros pareciam, s vezes, ansiosos por descer em lugar da Pomba;seu interesse espordico vinha ultimamente enervando o novio e ele prontamentedecidiu, depois de sacudir um pouco os ombros, que a pedra nada mais fizera doque contundir e arranhar.

    Uma coluna de p que se elevara do local da depresso esmaecia-se ao longe,com a brisa. Desejou que, nas torres de vigia da abadia, algum a visse e viesseinvestigar. Aos seus ps uma abertura quadrada se abria na terra, no lugar em queum dos flancos do monte desmoronara para dentro do poo. Havia uma escada queconduzia para baixo, mas somente os primeiros degraus tinham ficado livres daavalancha que, durante seis sculos, parara no meio do caminho a fim de esperar aajuda do Irmo Francis para completar a sua estrepitosa descida.

    Numa das paredes ao lado da escada, uma inscrio semi-enterrada ainda eralegvel. Reunindo os seus modestos conhecimentos de ingls antediluviano

  • murmurou, hesitante:

    ABRIGO DE SOBREVIVENTES DO DILVIO NUCLEAR NMERO MXIMO DE

    OCUPANTES: 15

    Limite das provises por ocupante: 180 dias, dividida pelo nmero atualde ocupantes. Entrando no abrigo, verifique se a primeira comporta estseguramente trancada e selada, se os escudos contra intrusos estodevidamente eletrificados a fim de repelir as pessoas contaminadas quetentarem entrar, se as luzes indicando perigo esto acesas fora do recinto...

    O resto estava enterrado, mas as primeiras palavras eram suficientes paraFrancis. Nunca vira um "sobrevivente", e esperava nunca ver. Uma descrio exatado monstro no tinha chegado at esses dias, mas ele ouvira as lendas. Persignou-see afastou-se do buraco. A tradio contava que o prprio Beato Leibowitz encontraraum "sobrevivente" e fora por ele possudo durante muitos meses, at que oexorcismo que acompanhou o seu batismo expulsou o demnio.

    O Irmo Francis imaginava o "sobrevivente" um pouco como uma salamandraporque, de acordo com a tradio, era coisa sada do Dilvio de Fogo como osncubos que atacavam as virgens durante o sono, pois no eram os monstros dessemundo ainda chamados "filhos do Dilvio"? Que o demnio era capaz de infligirtodas as provaes que desceram sobre J, era coisa registrada nas Escrituras,seno artigo de f.

    O novio olhou para a inscrio com temor. O seu significado era claro.Inadvertidamente tinha dado com a habitao (abandonada, esperava) no s deum, mas de quinze daqueles horrveis seres. Procurou rpido o seu vidro de guabenta.

  • 2

    "A spiritu fornicationis.

    Domine, libera nosDo raio e da tempestade,

    Livrai-nos, Senhor.

    Do flagelo do terremoto,Livrai-nos, Senhor.

    Do lugar de terra zero,

    Livrai-nos, Senhor.

    Da chuva de cobalto,Livrai-nos, Senhor.

    Da chuva de estrncio,Livrai-nos, Senhor.

    Da queda de csio,

    Livrai-nos, Senhor.

    Da maldio do Dilvio,Livrai-nos, Senhor.

    De gerar monstros,Livrai-nos, Senhor.

    Da maldio dos malnascidos,

    Livrai-nos, Senhor.Da morte perptua,

    Domine, libera nos.

  • P

    Peccatores,te rogamus, audi nos.

    Para que nos poupeis,Ns vos rogamos, ouvi-nos.

    Para que nos perdoeis,

    Ns vos rogamos, ouvi-nos.Para que vos digneis conduzir-nos

    a uma verdadeira penitncia,te rogamus, audi nos."

    edaos desses versculos da Ladainha de Todos os Santos vinham comoque sussurrando junto com a respirao arquejante do Irmo Francis,

    enquanto descia p ante p a escada do antigo abrigo de sobreviventes, armadoapenas com a gua benta e com uma tocha improvisada com os carves da fogueirada vspera. Por mais de uma hora esperara que algum da abadia viesse saber o quetinha causado a coluna de poeira, mas ningum viera.

    O abandono, ainda que por poucos instantes, do seu retiro vocacional, a no serque estivesse seriamente doente ou que fosse chamado de volta a abadia, seriaconsiderado ipso fato como uma renncia ao desejo de encontrar a verdadeiravocao como monge da Ordem Albertiana de Leibowitz. O Irmo Francis teriapreferido a morte. Era obrigado a escolher entre investigar o que havia no poo,antes que o sol se pusesse, ou passar a noite na sua toca sem saber o que poderiaestar oculto no abrigo, pronto para despertar e pr-se pilhagem na escurido.Como perigos noturnos, os lobos j davam muito o que fazer, e eram merascriaturas de carne e sangue. As criaturas de substncia menos slida, ele preferiaencontrar iuz do dia, apesar de muito pouca claridade penetrar no poo, agora queo sol j descia para o poente.

    Os destroos que tinham cado no abrigo formavam como que uma colina, cujotopo chegava ao alto da escada, deixando apenas uma estreita passagem entre aspedras e o teto. Colocou os ps no declive e comeou a escorregar para baixo,

  • enfrentando aos poucos o desconhecido e procurando apoio em pedras salientes, medida que descia. De vez em quando, a tocha quase se apagava e ele parava parainclinar a chama para baixo, a fim de que o fogo queimasse melhor o carvo.Aproveitava a pausa para se dar conta do perigo em volta e mais para o fundo.Muito pouco havia para ser visto. Estava numa sala subterrnea, mas no mnimoum tero dela era ocupado pelo monte de destroos que tinham cado pelo vo daescada. A cascata de pedras havia coberto o cho, esmagado vrias peas demobilirio e talvez soterrado inteiramente outras. O novio viu caixas de metalamassadas e afundadas quase inteiramente nas runas. No fundo da sala havia umaporta de metal, cujas dobradias abriam para fora, e contra a qual se comprimia aavalancha. Ainda legveis, viam-se algumas letras gravadas a fogo na porta:

    COMPORTA INTERIOR

    LOCAL SELADO

    Evidentemente essa sala era apenas uma antecmara. Mas o que havia atrs daComporta Interior estava isolado por vrias toneladas de pedras. O local estavarealmente selado, a menos que houvesse outra sada.

    Chegando ao fim do declive, e depois de se assegurar que na antecmara nohavia qualquer ameaa, o novio foi inspecionar a porta cautelosamente, luz datocha. Embaixo das letras gravadas na Comporta Interior, havia em letras menores,sujas de ferrugem, os seguintes dizeres:

    Aviso: Esta comporta no deve ser selada antes que todo o pessoal tenhaentrado e que todas as medidas de segurana prescritas pelo ManualTcnico CD-Bu-83A tenham sido tomadas. Quando a comporta tiver sidoselada o ar dentro do abrigo ser pressurizado a 2.0 p.s.i[1 ] acima do nvelbaromtrico do ambiente, a fim de reduzir ao mnimo a difuso interior.Uma vez selada, a comporta ser automaticamente aberta pelo sistemaservomonitor, somente num dos casos seguintes: (1) quando a radiaoexterior cair abaixo do nvel perigoso, (2) quando falhar o sistema de

  • repurificao do ar e da gua, (3) quando os alimentos se esgotarem, (4)quando falhar o suprimento interno de fora. Veja CD-Bu-83A para maioresinstrues.

    O Irmo Francis ficou ligeiramente confuso com o aviso, mas achou melhor

    acat-lo, no tocando nem de leve na porta. No se devia lidar descuidadamentecom os miraculosos dispositivos dos antigos, como muitos dos escavadores dopassado tinham testemunhado com seus ltimos estertores.

    O novio notou que os destroos que h sculos estavam na antecmara erammais escuros e speros que os que tinham suportado o sol do deserto e o ventoarenoso at o desmoronamento daquele dia. Podia-se ver imediatamente que aComporta Interior no fora bloqueada por ele, mas por rochas que haviam deslizadoem tempos mais antigos que a prpria abadia. Se o Abrigo Selado de Sobreviventescontinha um demnio, era claro que ele no tinha aberto a Comporta desde o tempodo Dilvio de Fogo, antes da Simplificao. E, se durante tantos sculos tinha ficadotrancado atrs da porta de metal, no havia muita razo, disse Francis de si para si,para temer que se precipitasse para fora antes do Sbado Santo.

    A tocha estava quase extinta. O novio acendeu nela um p de cadeira quebradoe comeou a juntar pedaos da moblia para fazer uma boa fogueira, enquantopensava naquela antiga inscrio: Abrigo de Sobreviventes do Dilvio Nuclear.

    Como bem sabia, o seu domnio de ingls antediluviano estava longe de serperfeito. A maneira por que, naquela lngua, alguns substantivos s vezesmodificavam outros, tinha sido sempre um dos seus pontos fracos. Em latim, comoem muitos dialetos da regio, uma construo como servus puer queria dizer maisou menos a mesma coisa que puer servus, e at em ingls escravo menino era omesmo que menino escravo. Mas a semelhana ficava por a. Depois de muitocusto, compreendera que um gato de casa no queria dizer casa de gato, e que umdativo de inteno ou posse, como mihi amicus, era expresso de algum modoquando se dizia comida de cachorro, ou casa da sentinela, mesmo sem inflexo.Mas aquela trplice expresso, abrigo para sobreviventes do dilvio? O IrmoFrancis sacudiu a cabea. O Aviso inscrito na Comporta Interior mencionavaalimento, gua e ar; no entanto esses elementos no eram necessrios aosdemnios do Inferno. s vezes, o novio achava o ingls antediluviano mais

  • complicado do que a Angelologia Intermediria e os clculos teolgicos de SoLeslie.

    Acendeu a sua fogueira na encosta do monte de pedras, de onde era possveliluminar os recantos mais escuros da antecmara e comeou a explorar o que notinha sido soterrado. As runas da superfcie tinham sido reduzidas a umaambiguidade arqueolgica por geraes de escavadores, mas esta no fora tocadaseno por circunstncias naturais, estranhas mo do homem. O lugar pareciacheio de fantasmas de outras pocas. Um crnio no meio das pedras num cantoescuro da sala ainda conservava um dente de ouro, o que provava que o abrigonunca fora invadido por estranhos. O incisivo dourado brilhava quando o fogotremulava mais alto.

    Mais de uma vez, no deserto, o Irmo Francis encontrara, junto a um arroioseco, um pequeno monte de ossos humanos limpos e branquejando ao sol. No eraparticularmente sensvel a tais coisas que, alis, no surpreendiam ningum. No seassustou, portanto, ao dar com o crnio no canto da antecmara, mas o brilho doouro entre os seus maxilares continuava nas suas retinas enquanto pesquisava oque havia nas portas (trancadas ou emperradas) dos mveis ferrugentos e puxava asgavetas (tambm emperradas) de uma escrivaninha de metal amassado que poderiaser de grande valor, se contivesse documentos ou cadernos que tivessem escapadodas furiosas fogueiras da Idade da Simplificao. Enquanto tentava abrir as gavetas,o fogo quase se extinguiu e pareceu-lhe que o crnio comeara a emitir um poucode luminosidade prpria. Um tal fenmeno no era incomum, mas, na criptaobscura, o Irmo Francis achou-o impressionante. Reuniu mais madeira para o fogoe voltou a sacudir e a puxar as gavetas, procurando ignorar o sorriso luminoso dacaveira. Conquanto ainda um pouco receoso de sobreviventes ocultos, j estavabastante senhor de si para compreender que o abrigo, e principalmente aescrivaninha e as caixas, poderiam conter importantes relquias de uma era que omundo, deliberadamente, tinha esquecido quase totalmente.

    A Providncia abenoara esse lugar, pois naqueles dias era pura sorte encontrarum pedao do passado que tivesse escapado tanto das fogueiras quanto dos ladresdas runas. Ao mesmo tempo, porm, era coisa arriscada, pois sabia-se que muitosmonges, procura de antigos tesouros, haviam emergido das escavaes trazendotriunfantemente um estranho artefato cilndrico e depois enquanto o limpavam

  • ou tentavam descobrir-lhe a utilidade tinham apertado um boto ou dado volta auma chave, terminando o assunto com desvantagem para o clero. H apenas oitentaanos, o Venervel Boedullus escrevera maravilhado ao seu Dom Abade, para contarque a sua pequena expedio descobrira os remanescentes do que chamou de"plataforma de disparos intercontinentais, com diversos reservatrios no subsolo".Ningum na abadia jamais soube o que o Venervel Boedullus quis dizer por"plataforma de disparos intercontinentais", mas o Dom Abade reinante naqueletempo, decretou com severidade que os monges em busca de antiguidadesdeveriam, sob pena de excomunho, evitar tais "plataformas" dali por diante, poisaquela carta foi a ltima notcia que se teve do Venervel Boedullus, seu grupo, sua"plataforma de disparos" e da pequena aldeia que havia no local; agora, uminteressante lago dava graa paisagem no lugar em que estivera a aldeia, porquealguns pastores tinham desviado o curso de um riacho para a cratera, a fim dearmazenar gua para os seus rebanhos em tempo de seca. Um viajante que vieradaquela direo h uns dez anos, contara que a pesca no lago era excelente, mas ospastores consideravam os peixes como as almas dos aldees e escavadores mortos erecusavam-se a com-los, com medo de Bo'dollos, o gigantesco tubaro que moravano fundo das guas.

    "...nem haver qualquer outra escavao que no tenha como principalobjetivo o enriquecimento da Memorabilia", continuava o decreto de Dom Abade o que significava que o Irmo Francis s podia procurar livros e papis no abrigo eno devia mexer em ferragens, por interessantes que fossem.

    Com o canto dos olhos, continuou a ver o dente de ouro brilhando, enquantoforava as gavetas da escrivaninha que se recusavam a ceder. Afinal, deu-lhes umltimo pontap e virou-se impacientemente para a caveira: Por que que voc nori para qualquer outra coisa?

    O sorriso continuou. O crnio estava preso entre uma pedra e uma caixa demetal enferrujado. Deixando a escrivaninha o novio foi, atravs dos destroos,examinar mais de perto aqueles restos humanos. Era claro que a pessoa morrera nolocal, atingida pela torrente de pedras e quase soterrada. Apenas o crnio e os ossosde uma perna no tinham sido cobertos. O fmur estava fraturado e o occipitalesmagado.

    O Irmo Francis disse uma orao pelo morto e, com delicadeza, ergueu o

  • crnio do lugar do seu descanso e virou-o de encontro parede, de modo a no v-losorrir. Ento o seu olhar caiu na caixa ferrugenta.

    O seu feitio era semelhante ao de uma pasta e era claramente porttil. Poderiater servido para vrios fins, mas fora muito amassada pelas pedras. Devagar, soltou-a do monte e trouxe-a para perto do fogo. A fechadura parecia quebrada, mas atampa no abria em virtude da ferrugem. Ao sacudi-la, alguma coisa se mexiadentro. No era um lugar apropriado para se procurar livros ou papis, mas foracertamente feita para ser aberta e fechada, e podia conter alguma informao para aMemorabilia. Entretanto, lembrando-se do que sucedera ao Irmo Boedullus e aosoutros, aspergiu-a com gua benta antes de tentar abri-la e, to reverentementequanto possvel, ps-se a bater com uma pedra nas dobradias enferrujadas.

    Afinal quebrou-as e a tampa soltou-se. Pequeninos pedaos de metal saltaramde tabuleiros, espalharam-se pelas pedras e alguns desapareceramirremediavelmente entre as fendas. Mas, no fundo da caixa, viu que havia papis!Depois de uma rpida ao de graas, juntou quantos pedacinhos de metal pde e,tendo recolocado frouxamente a tampa, comeou a subir a colina de destroos nadireo da escada e do estreito pedao de cu, com a caixa bem apertada embaixo dobrao.

    A luz de fora ofuscava depois da escurido do abrigo. Mal notou que o sol estavadescendo perigosamente para oeste, e comeou imediatamente a procurar uma lajesuficientemente lisa onde pudesse espalhar o contedo da caixa para examin-losem que nada se perdesse na areia.

    Alguns minutos mais tarde, sentado numa laje rachada, comeou a retirar ospedacinhos de metal e vidro que enchiam os tabuleiros. Muitos deles tinham aforma de pequeninos tubos com um pedao de arame em cada ponta. Isso, j haviavisto antes. No modesto museu da abadia havia 'alguns deles, de vrios tamanhos,feitio e cor. Uma vez, vira um sacerdote pago das montanhas com um colar feitocom esses tubos, como adorno cerimonial. O povo montanhs pensava que setratava de "pedaos do corpo do deus" da fabulosa Machina Analytica,proclamada como o mais perfeito entre os seus deuses. Engolindo um tubinho, osacerdote adquiria "infalibilidade", diziam eles. O que certamente adquiria, era"indisputabilidade" entre os seus, contanto que no engolisse um da espcievenenosa. Os pedacinhos que havia no museu eram ligados uns com os outros, no

  • em forma de colar, mas como um complexo e desordenado labirinto no fundo deuma pequena caixa metlica, exibida sob o nome de "Chassi de rdio: aplicaoincerta".

    Dentro da tampa da caixa porttil havia sido colada uma nota; a cola secara, atinta esmaecera e o papel estava to manchado de ferrugem que mesmo uma boaletra teria sido difcil de ler, quanto mais aqueles garranchos feitos apressadamente.Enquanto esvaziava os tabuleiros, o novio estudava o papel. Parecia estar escritonuma espcie de ingls, mas passou-se meia hora antes que pudesse decifrar amensagem que continha:

    Carl:Preciso pegar o avio para (indecifrvel) dentro de vinte minutos. Pelo

    amor de Deus, fique com Em at que saibamos se estamos em guerra. Porfavor! Procure coloc-la numa das listas alternadas para o abrigo. Noposso obter lugar para ela no meu avio. No lhe diga por que foi que amandei com essa caixa de velharias mas procure ficar com ela at quesaibamos (indecifrvel) o pior, uma das alternadas no aparecer. I.E.L.

    P.S. Coloquei o selo na fechadura e "confidencial" na tampa paraimpedir que Em veja o que est dentro. Ponha na minha gaveta ou emqualquer outra coisa.

    A nota pareceu ao Irmo Francis um amontoado de palavras escritas s pressas

    mas ele, no momento, estava excitado demais para se deter em qualquer coisa.Depois de um ltimo olhar desdenhoso para aqueles rabiscos, comeou a mexer naarmao dos tabuleiros a fim de chegar aos papis que estavam no fundo. Ostabuleiros descansavam em varetas aparafusadas de modo a faz-los sair como emdegraus, mas os parafusos no rodavam por causa da ferrugem. Francis teve deretir-los com uma pequena ferramenta de ao que estava num compartimento dacaixa.

    Depois de tirar o ltimo tabuleiro, o novio tocou os papis reverentemente:apenas um punhado de documentos, mas na verdade um tesouro, pois tinham

  • escapado das chamas ferozes da Simplificao, quando at as Escrituras Sagradas setinham contorcido enegrecidas e dissipado em fumaa, enquanto as turbasignorantes urravam e saudavam aquilo como um triunfo. Segurou os papis comose seguram as coisas sagradas, protegendo-os do vento com o seu hbito, poisestavam frgeis e quebradios devido sua antiguidade. Havia um certo nmero dedesenhos esboados e de diagramas. Havia tambm notas feitas mo, dois grandespapis dobrados e um pequeno livro intitulado Memorando.

    Examinou primeiro as notas. Tinham sido rabiscadas pela mesma mo queescrevera a nota colada tampa, e a letra no era menos abominvel. Libra depastrani, dizia uma nota, lata de kraut, seis bagels tragam para Emma. Outracontinha um lembrete: No esquecer de apanhar o formulrio 1040, Renda do Tio.Outra, nada mais era que uma coluna de algarismos com um total dentro de umcrculo do qual um segundo total era subtrado, com uma percentagem seguida dapalavra bolas! O Irmo Francis conferiu as contas. Pelo menos, nenhum erro haviana aritmtica do escriba abominvel, mas nada podia deduzir a respeito do quepoderiam representar aquelas quantidades.

    Tomou o Memorando com especial reverncia, porque o ttulo sugeriaMemorabilia. Antes de abri-lo, persignou-se e murmurou a Bno dos Textos. Maso pequeno livro foi um desapontamento. Esperara encontrar pginas impressas,mas s havia listas de nomes e lugares, nmeros e datas escritas mo. As datascobriam a ltima parte da quinta e o princpio da sexta dcada do sculo XX. Outravez firmava-se a sua idia de que o que havia no abrigo vinha do declnio da Idadeda Luz. Uma descoberta realmente importante.

    Um dos dois papis dobrados estava tambm enrolado apertadamente ecomeou a se desmanchar quando o novio tentou desenrol-lo; conseguiuentender as palavras "Formulrio para Corridas", e mais nada. Depois de recoloc-lona caixa para um futuro trabalho de restaurao, virou-se para o segundodocumento; suas dobras estavam to quebradias que s ousou inspecionar umpedacinho, abrindo um pouco as folhas e olhando entre elas.

    Parecia um diagrama mas de linhas brancas sobre papel preto!

    Teve outra vez a sensao de descoberta. Era claramente uma planta! e nohavia mais nenhum original na abadia, mas somente fac-smiles tinta. Osoriginais h muito se tinham apagado por terem ficado por muito tempo expostos

  • luz. Francis nunca vira um original, mas j vira muitas reprodues pintadas mopara reconhecer que se tratava de uma planta que, apesar de manchada e desbotada,ainda era legvel depois de tantos sculos, em virtude da total escurido e poucaumidade do abrigo. Virou o documento pelo avesso e sentiu-se enfurecido. Queidiota teria profanado o precioso papel? Algum desenhara distraidamente figurasgeomtricas e caretas como as das histrias infantis em todo o verso da planta. Quevndalo desatencioso...

    A zanga passou depois de um momento de reflexo. Aquilo fora feito numtempo em que essas plantas eram to comuns quanto as ervas- daninhas, e o donoda caixa, provavelmente, era o autor, Protegeu o documento do sol com a suaprpria sombra enquanto procurava desdobr-lo. Embaixo, direita, havia umretngulo impresso em letras de forma, com vrios ttulos, datas, "nmeros depatentes", nmeros de referncia e nomes. Seus olhos percorreram esses ltimosat encontrar: "DESENHO DO CIRCUITO por: Leibowitz, I.E."

    Apertou os olhos e sacudiu a cabea at que esta pareceu chocalhar. Depoisolhou outra vez. L estava, bem claro:

    "DESENHO DO CIRCUITO por: Leibowitz, I.E."

    Rapidamente virou o papel e olhou o verso. Entre as figuras geomtricas e osdesenhos infantis, carimbado nitidamente em tinta roxa, estava o formulrio:

    O nome estava escrito com letra feminina e firme, e no apressadamenterabiscado como nas demais notas. Olhou outra vez para as iniciais no fim da notacolado na tampa da caixa: I.E.L. e outra vez para "DESENHO DO CIRCUITO"

  • por..." E as mesmas iniciais apareciam em outros lugares pelo meio das notas.

    Houvera discusses, porm sem muita base, a fim de saber se o Beato fundadorda Ordem, se fosse canonizado, seria chamado de Santo Isaac ou Santo Eduardo.Havia quem preferisse So Leibowitz, uma vez que at o presente momento o Beatofora chamado pelo sobrenome.

    Beate Leibowitz, ora pro me! murmurou o Irmo Francis. Suas mos tremiamcom tal violncia que ameaavam destruir os frgeis documentos.

    Acabara de descobrir relquias do Santo.Naturalmente, Nova Roma ainda no proclamara a santidade de Leibowitz, mas

    o Irmo estava to convencido dela que ousou ajuntar Saneie Leibowitz, ora prome!

    No se perdeu em vos argumentos de lgica para chegar concluso imediatade que o Cu lhe enviara um sinal da sua vocao. Achara o que lhe tinhammandado procurar no deserto. Era chamado a ser um monge professo da Ordem.

    Esquecendo o severo aviso do abade no sentido de no esperar que a vocaochegasse de forma espetacular ou milagrosa, ajoelhou-se na areia para dar graas eoferecer algumas dezenas do rosrio pelas intenes do velho peregrino queindicara a pedra que conduzia ao abrigo. Possa voc achar logo a voz, menino,dissera ele. Em nenhum momento, at agora, suspeitara que o peregrino queriadizer Voz com V maisculo.

    "Ut solius tuae voluntatis mihi cupidus sim, et vocationis tux conscius, sidigneris me vocare..."

    Caberia ao abade dizer se a sua "voz" estava falando a lngua das circunstnciase no a de causa e efeito. Caberia ao Promotor Fidei pensar que "Leibowitz", talvez,no fosse um nome incomum antes do Dilvio de Fogo, e que I.E. poderiamfacilmente representar "Ichabod Ebenezer" ou "Isaac Eduardo". Para Francis shavia uma voz.

    Da distante abadia, soaram trs badaladas de sino atravs do deserto. Umsilncio e as trs notas foram seguidas por nove.

    "Angelus Domini nuntiavit Mariae", respondeu obedientemente o novio,observando com surpresa que o sol j se tinha transformado numa grande elipse

  • escarlate que j tocava o horizonte a oeste. A barreira de pedras em volta de sua tocaainda no estava pronta.

    Terminado o Angelus, colocou rapidamente os papis na velha caixaenferrujada. Um chamado do Cu no trazia necessariamente carismas paradominar animais ferozes ou fazer amizade com lobos famintos.

    Findo o crepsculo, quando apareceram as primeiras estrelas, o abrigo deemergncia estava to fortificado quanto possvel; se resistiria aos lobos, o querestava saber. O teste no demoraria muito, pois o novio j ouvira uns uivos para olado oeste. Reavivou o fogo, mas no havia qualquer outra claridade fora do crculode luz da fogueira que permitisse a sua colheita diria de frutos de cacto roxo seunico alimento, exceto aos domingos, quando alguns punhados de milho queimadoeram enviados da abadia depois de um padre haver feito a ronda dos eremitrioslevando o Santssimo Sacramento. A letra da regra a respeito do retiro vocacional daQuaresma no era to estrita quanto a sua aplicao prtica, que chegava quase amatar de inanio os novios.

    Hoje, no entanto, o tormento da fome no fora to importuno para Francisquanto seu desejo impaciente de correr abadia e anunciar a sua descoberta. Faz-lo, seria renunciar sua vocao to cedo quanto a conhecera; viera ao deserto parapermanecer por toda a Quaresma, com ou sem vocao, e continuar o seu retiro,mesmo que algo de extraordinrio viesse a ocorrer.

    Sonhadoramente, de perto do fogo, olhou atravs da escurido, para o Abrigo deSobreviventes do Dilvio Nuclear e tentou imaginar uma grande baslica erguendo-se no seu lugar. A fantasia era agradvel, mas era difcil pensar que algumescolhesse aquele remoto pedao de deserto para centro de uma futura diocese. Seno uma baslica, pelo menos uma igreja menor a Igreja de So Leibowitz doDeserto rodeada por um jardim e um muro, com um altar do Santo atraindo donorte rios de peregrinos com os rins cingidos. O "Padre" Francis de Utahconduzindo os peregrinos para um passeio nas runas, atravs da "Comporta n.Dois" at os esplendores do "Local Selado", as catacumbas do Dilvio de Fogoonde... onde... bem, depois celebraria a missa por eles no altar que encerrava umarelquia do titular da Igreja um pedao de pano? Fibras da corda do carrasco?Pedaos de unhas encontrados no fundo da caixa enferrujada? ou talvez oFormulrio para Corridas. Mas a fantasia dissipou-se. As possibilidades de tornar-

  • se sacerdote eram poucas no sendo uma Ordem missionria, os Irmos deLeibowitz s precisavam de padres para a abadia e para umas poucas pequenascomunidades de monges situadas em outros lugares. Alm disso, o "Santo",oficialmente, ainda era um Beato e nunca seria formalmente declarado santo, seno fizesse mais alguns slidos milagres para confirmar a sua prpria beatificao,que no era uma proclamao infalvel, como seria a canonizao, mas que permitiaaos monges da Ordem de Leibowitz venerar seu fundador e padroeiro fora da missae do Ofcio. As propores da igreja imaginria diminuram at as de um altar deperegrinao; o rio de peregrinos reduziu-se a uma gota. Nova Roma estava ocupadacom outros assuntos, como o pedido de uma definio formal da questo dos DonsPreternaturais da Santssima Virgem, os dominicanos sustentando que a ImaculadaConceio implicava no somente a ausncia do pecado original, mas tambm aposse dos poderes preternaturais de Eva, antes da Queda; alguns telogos de outrasOrdens, embora considerando piedosa essa conjetura, negavam que fossenecessariamente o caso, e pensavam que uma "criatura" poderia ser "inocente emsua origem", mas no dotada de dons preternaturais. Os dominicanos inclinavam-sediante disso, mas afirmavam que tal crena sempre estivera implcita em outrosdogmas como a Assuno (imortalidade preternatural) e a Preservao do PecadoAtual (implicando integridade preternatural) e davam ainda outros exemplos.Enquanto procuravam esclarecer essa disputa, Nova Roma, aparentemente, deixavaa causa da canonizao de Leibowitz cobrir-se de poeira numa prateleira.

    Contentando-se com um pequeno altar em honra do Beato e uma eventualgotinha de peregrinos, o Irmo Francis cochilou. Quando acordou, o fogo estavareduzido a brasas. Alguma coisa estava acontecendo. Haveria algum por perto?Olhou em volta, para dentro da escurido.

    Do outro lado das brasas, um lobo escuro espiava-o.

    O novio soltou um grito e mergulhou na toca.Tremendo no seu abrigo de pedras e gravetos, decidiu que o grito fora uma

    quebra involuntria da regra do silncio. Abraado caixa de metal, ficou rezandopara que os dias da Quaresma passassem rpidos, enquanto as patas dos lobosarranhavam o exterior do seu esconderijo.

  • E3

    ento, padre, eu quase aceitei o po e o queijo.

    Mas no aceitou?

    No.

    Ento no pecou por ao. Mas eu queria tanto, que cheguei a sentir o gosto.

    Voluntariamente? Voc, deliberadamente, gozou essa fantasia? No.

    Tentou libertar-se dela?

    Sim. Ento tambm no houve gula em pensamento. Por que que voc confessa

    isso?

    Por que ento perdi a pacincia e aspergi-o com gua benta. Voc o qu? Por qu?

    O Padre Cheroki, de estola, olhou para o perfil do penitente ajoelhado diantedele na luz escaldante do deserto aberto; perguntava-se a si mesmo como erapossvel que aquele jovem (que no era particularmente inteligente, tanto quantopodia julgar) achasse ocasio ou ocasies prximas de pecado, completamenteisolado, como estava, na aridez do deserto, longe de qualquer distrao ou aparentefonte de tentao. Bem pouco de mal poderia acontecer ali a um jovem armadosomente com um rosrio, uma pedra, um canivete e um livro de oraes. Era o queparecia ao Padre Cheroki. Mas a confisso estava demorando muito e desejava queo novio a terminasse logo. A sua artrite incomodava-o outra vez, mas em virtudeda presena do Santssimo Sacramento na mesa porttil que levava consigo nasrondas dos eremitrios, preferia manter-se em p ou ajoelhado com o penitente.Acendera uma vela diante do pequeno receptculo de ouro que continha as Hstias,mas a chama era invisvel luz do sol, e a brisa j a poderia ter apagado.

  • Mas o exorcismo permitido nos nossos dias, sem qualquer autorizao. Doque que voc se confessa... de ter tido raiva?

    Tambm disso. De quem foi que voc teve raiva? Do velho... ou de voc mesmo por quase ter

    aceito o alimento?

    No... no sei bem. Bem, ento decida-se disse o Padre Cheroki impacientemente. Acuse-se

    ou no se acuse.

    Eu me acuso.

    De qu? suspirou Cheroki. De abusar de um sacramental durante um acesso de raiva.

    Abusar? Voc no tinha um motivo racional para suspeitar de influnciadiablica? Apenas ficou zangado e esguichou o velho com gua benta? Como setivesse jogado um vidro de tinta na cabea dele?

    O novio curvou-se e hesitou, sentindo o sarcasmo do padre. A confissosempre lhe fora difcil. Nunca achava as palavras certas para exprimir as suas faltase quando procurava se lembrar do que as tinha determinado, ficavairremediavelmente confuso. Alm do mais, o padre no estava ajudando, ao exigirdele aquela atitude de "fez ou no fez" apesar de, naturalmente, s poder ter feitoou no ter feito.

    Penso que fiquei fora de mim por um momento disse afinal.

    Cheroki abriu a boca, aparentemente com a inteno de continuar o assunto,mas disse apenas: Est bem. E o que mais?

    Pensamentos de gula respondeu Francis depois de alguns instantes.

    O padre suspirou. Parece que j falamos deles. Ou voc se refere a umarepetio desses pensamentos?

    Ontem. Foi um lagarto, padre. Era azul com listas amarelas e tinha unspresuntos magnficos... grossos como o seu polegar e gordos, e eu fiquei pensandoque teriam o mesmo gosto que um franguinho dourado e torradinho por fora e...

    Est bem interrompeu o padre. Apenas uma sombra de nojo passou pela

  • sua velha fisionomia. Afinal de contas o menino h muito tempo suportava aquelesol. Voc sentiu prazer nesses sentimentos? No se esforou por afastar atentao?

    Francis corou. Eu... eu tentei peg-lo, mas ele escapou. Ento no foi s pensamento... mas tambm ao. S aquela vez?

    Bem, sim, s aquela. Muito bem. Em pensamento e ao, desejo voluntrio de comer carne

    durante a Quaresma. Por favor, daqui por diante seja to especfico quanto puder.Pensei que voc tivesse examinado direito a conscincia. H mais alguma coisa?

    Muita coisa.

    O padre sobressaltou-se. Ainda tinha que visitar vrios eremitrios; havia umlongo e escaldante caminho a percorrer a cavalo e os seus joelhos doam. Digadepressa suspirou ele.

    Impureza, uma vez.

    Pensamentos, palavras ou obras? Bem, havia esse scubo e...

    Scubo? Ah, de noite. Voc estava dormindo?

    Sim, mas... Ento por que se confessa disso?

    Porque depois... Depois o qu? Quando voc acordou?

    Sim. Fiquei pensando nisso. Fiquei rememorando tudo.

    Muito bem. Pensamentos concupiscentes, deliberadamente entretidos. Vocest arrependido? Bem, o que mais?

    Isso era o que se ouvia o tempo todo dos postulantes e novios, e parecia aoPadre Cheroki que, pelo menos, o Irmo Francis poderia enumerar as suasacusaes em ordem, uma depois da outra, sem que tivesse de puxar por ele. Onovio achava dificuldade em exprimir tudo o que desejava dizer; o padre esperou.

    Penso que recebi a minha vocao, padre, mas... umedeceu os lbios secos

  • e olhou para um inseto em cima de uma pedra. Ah, foi? a voz de Cheroki soou inexpressiva. Penso que sim... mas seria um pecado, padre, se a princpio pensei com

    desprezo naquela escrita? Quero dizer...

    Cheroki franziu os olhos. Escrita? Vocao? Que pergunta seria aquela?Estudou a fisionomia sria do novio por alguns instantes e assumiu um ar severo.

    Voc e o Irmo Alfredo tm escrito um ao outro? perguntou em tom demau agouro.

    Oh, no, padre!

    Ento de que escrita voc est falando? Do Beato Leibowitz.

    Cheroki fez uma pausa para pensar. Havia ou no, na coleo de antigosdocumentos da abadia, algum manuscrito atribudo ao fundador da Ordem? Umoriginal? Depois de refletir um pouco, decidiu pela afirmativa; sim, havia unsfragmentos, mas cuidadosamente trancados.

    Voc est falando de algo que aconteceu na abadia? Antes da sua vinda parac?

    No, padre. Aconteceu aqui mesmo. Indicou o local com a cabea. Depoisdaquele terceiro monte, perto do cacto alto.

    Com relao sua vocao, diz voc? S-sim, mas...

    Naturalmente disse Cheroki severamente ? voc NO PODE estardizendo que... recebeu... do Beato Leibowitz, morto h seis sculos... um conviteescrito mo para fazer a sua profisso solene! Desculpe, mas foi a impresso quevoc me deu.

    qualquer coisa assim, padre.

    Cheroki engasgou-se. Alarmado, o Irmo Francis tirou da manga um pedao depapel ressequido e manchado pelo tempo. A tinta estava desbotada.

    "Libra de pastrami", pronunciou o Padre Cheroki, passando rapidamentepelas palavras pouco familiares, "lata de kraut, seis bagels tragam para Emma".

  • Olhou fixamente para o Irmo Francis durante vrios segundos. Quem escreveuisso?

    Francis tornou a dizer.Cheroki refletiu. Voc no pode fazer uma boa confisso enquanto estiver

    nesse estado. E eu no posso dar a absolvio se voc no estiver bem em si. Vendo Francis estremecer, o padre tocou-o animadoramente no ombro. No seaflija, filho, falaremos outra vez disso quando voc estiver melhor. Ento voc seconfessar outra vez. Por ora olhou nervosamente para o receptculo quecontinha a Eucaristia quero que voc junte as suas coisas e regresseimediatamente abadia.

    Mas padre, eu... Ordeno disse surdamente o padre que voc volte imediatamente

    abadia.

    Sim... padre.

    Por enquanto, no vou absolver voc, mas faa um bom ato de contrio ediga duas dezenas do rosrio como penitncia, de qualquer maneira. Voc quer aminha bno?

    O novio, com a cabea, acenou que sim, lutando para no chorar. O padreabenoou-o, levantou-se, fez uma genuflexo diante do Santssimo Sacramento,tomou o receptculo de ouro e prendeu-o corrente que trazia ao pescoo. Ps avela no bolso, desarmou a mesa, amarrou-a em seu lugar, atrs da sela, olhousolenemente para Francis, montou no seu cavalo e afastou-se para completar aronda dos eremitrios quaresmais. Francis sentou-se na areia quente e comeou asoluar.

    Teria sido simples se pudesse ter levado o padre at cripta e mostrado a salaantiga, se pudesse ter exibido a caixa com o seu contedo e o sinal que o peregrinofizera na pedra. Mas o padre levava a Santa Eucaristia e no podia ser convidado aescorregar para dentro de um subterrneo cheio de pedras, ou a mexer no contedoda caixa e entrar em discusses arqueolgicas. Francis guardou-se de faz-lo. Avisita de Cheroki era necessariamente solene enquanto o receptculo que traziacontivesse uma s Hstia; somente depois de vazio, o padre poderia conversar demaneira informal. O novio no o censurava por haver concludo que enlouquecera.

  • Estava, realmente, um pouco estonteado pelo sol, e tinha gaguejado bastante. Maisde uma vez os novios tinham aparecido com perturbaes mentais depois do retirovocacional.

    Nada havia a fazer seno obedecer ordem e regressar.Andou at o abrigo e olhou uma vez mais para se certificar de que existia;

    depois foi buscar a caixa. Quando acabou de arrumar as suas coisas e ficou prontopara partir, a coluna de p que anunciava a chegada do emissrio da abadia com osuprimento de gua e milho, j tinha aparecido a sudoeste. O Irmo decidiu esperaro alimento antes de encetar o longo caminho de volta.

    Trs burros e um monge emergiram da nuvem de p. O burro que vinha nafrente andava com dificuldade sob o peso do Irmo Fingo. Apesar do capuz, Francisreconheceu o ajudante do cozinheiro pelos seus ombros curvos e pelas longaspernas cabeludas que balanavam dos dois lados do burro, de modo que assandlias quase se arrastavam no cho. Os animais que o seguiam vinhamcarregados de pequenos sacos contendo milho e cantis com gua.

    U---t, u, u, u! gritou Fingo aplicando as mos aos lbios em forma decorneta, e mandando a voz na direo das runas, como se no tivesse visto Francisa sua espera. U, u, u, ah, l est voc, Francis! Pensei que fosse uma pilha deossos. Vamos ter que engordar voc para os lobos. Pronto, v tomando a bebida dosdomingos. Como vai indo esse negcio de eremitrio? Voc acha que vai adotar acarreira? Veja bem, s um cantil e um saquinho de milho. E cuidado com as patasda Malcia; ela est num perodo delicado e sente-se muito alegre. Deu um coice emAlfred l no outro eremitrio, bum! bem em cima do joelho. Cuidado com ela! OIrmo Fingo abaixou o capuz e ficou observando o novio e Malcia se defrontandoum com o outro. Sem dvida, era o homem mais feio do mundo; quando ria, umavasta exibio de gengivas rosadas e enormes dentes de todas as cores ainda lheacentuava a feira: era um malnascido, mas no podia ser chamado de monstrengo;era de um tipo hereditrio comum em Minnesota, de onde era originrio, cujacaracterstica era a calvcie e uma distribuio desigual de melanina, de modo que asua pele era cheia de manchas vermelhas e marrons sobre um fundo albino. Noentanto, o seu constante bom humor compensava o seu aspecto a ponto de faz-loesquecer depois de alguns minutos; para quem o conhecesse j h muitos anos,esses sinais eram to normais quanto os de um animal malhado. O que poderia ser

  • horrvel, se ele fosse mal-humorado, ficava to decorativo quanto a pintura de umpalhao, quando acompanhado pela sua exuberante alegria. O seu trabalho nacozinha tinha sido uma punio e era temporrio. Era escultor em madeira e, deordinrio, trabalhava na carpintaria. Uma escultura sua do Beato Leibowitz, decarter extremamente pessoal, dera causa a que o abade o transferisse para acozinha at que mostrasse sinais de estar praticando a virtude da humildade.Enquanto isso, a figura inacabada do Beato esperava na oficina.

    O riso de Fingo foi se apagando ao observar a fisionomia de Francis quedescarregava o gro e a gua da endemoninhada mula. Voc parece umcarneirinho doente, menino disse ao penitente. O que que est acontecendo?O Padre Cheroki est outra vez numa das suas zangas?

    O Irmo Francis sacudiu a cabea. No que eu tenha visto.

    Ento o que que h? Voc est mesmo doente? Ele me mandou voltar para a abadia.

    O qu? Fingo passou uma perna cabeluda por cima do animal edesmontou. Imensamente mais alto que o novio, ps-lhe a mo carnuda no ombroe olhou-o de perto. O que , ictercia?

    No. Ele acha que eu... Francis bateu na cabea com o indicador e sacudiuos ombros.

    Fingo riu. Bem, isso verdade, mas ns todos sabamos. Por que que eleest mandando voc voltar?

    Francis olhou para a caixa aos seus ps. Encontrei umas coisas quepertenceram ao Beato Leibowitz. Comecei a dizer-lhe, mas ele no me acreditou.Nem me deixou explicar. Ele...

    Voc encontrou o qu? Fingo riu com incredulidade, ajoelhou-se e abriu acaixa enquanto o novio esperava, nervoso. O monge mexeu com um dedo noscilindros com arames que estavam nos tabuleiros e assobiou. So amuletos dospagos das montanhas, no so? Isso coisa antiga, Francis, muito antiga mesmo. Olhou para a nota colada tampa. Que estria essa? perguntou, olhandopara o infeliz novio.

    Ingls antediluviano.

  • Nunca estudei isso a no ser o que cantamos no coro.

    Foi escrito pelo Beato em pessoa. Isso? Os olhos do Irmo Fingo passaram da nota ao Irmo Francis e

    voltaram nota. Abanou a cabea, abaixou a tampa e levantou-se. Seu riso era agoraartificial. Talvez o padre esteja com a razo. melhor voc ir para a abadia etomar uma das infuses do Irmo Farmacutico. Isso da febre, Irmo.

    Francis deu de ombros. Talvez. Onde foi que voc encontrou essas coisas?

    O novio apontou com o dedo. Na direo daqueles montes. Mexi numaspedras. Havia uma depresso e encontrei um subterrneo. V ver voc mesmo.

    Fingo sacudiu a cabea. Tenho que ir ainda muito longe.Francis apanhou a caixa e ps-se a andar na direo da abadia, enquanto Fingo

    montava outra vez no seu animal; depois de andar alguns passos, parou e chamou:

    Irmo Pintado, voc pode me dar dois minutos? Talvez respondeu Fingo. Para qu?

    Ande at l e olhe para dentro do buraco.

    Para qu? Para poder dizer ao Padre Cheroki que h realmente um buraco.

    Fingo parou com uma perna j passada na sela. Ah! Desmontou. Estbem. Se no houver, com voc que falarei.

    Francis ficou olhando a figura de Fingo desaparecer por entre os montes.Depois voltou-se e, com dificuldade, ps-se a andar pela estrada poeirenta nadireo da abadia, mastigando de vez em quando o milho e bebendo gua. s vezes,olhava para trs. Fingo desaparecera h mais de dois minutos. J desistira deesperar que surgisse, quando ouviu um berro vindo das runas. Virou-se e viu afigura distante do escultor em p no alto de um dos montes, agitando os braos e,com a cabea, confirmando vigorosamente que encontrara o buraco. Francis acenoutambm e, fatigado, continuou a caminhar.

    Depois de andar duas ou trs milhas, comeou a pagar tributo s duas semanasque passara em jejum quase absoluto. Ps-se a cambalear e, quando s faltava uma

  • milha para chegar abadia, desmaiou na estrada. Foi s no fim da tarde queCheroki, passando de volta, viu-o. Desmontou rpido e banhou-lhe o rosto at quevoltasse a si. O padre tinha encontrado os burrinhos com os suprimentos e pararapara ouvir a narrativa de Fingo, confirmando o achado do Irmo Francis. Apesar deno acreditar que se tratasse de algo realmente importante, arrependeu-se de tersido impaciente com o menino. Notou a caixa cada no cho com o contedo domeio espalhado na estrada e, depois de ler rapidamente a nota colada na tampa,enquanto Francis, estonteante e confuso, sentava-se beira do caminho, ficouinclinado a considerar a garrulice do menino mais como resultado de imaginaoromanesca do que como loucura ou delrio. No visitara a cripta nem examinara afundo o que havia na caixa, mas era bvio que, pelo menos, o menino interpretaramal fatos reais e, ao contrrio do que parecera a princpio, no estivera confessandoalucinaes.

    Voc pode acabar sua confisso quando chegar aba-dia disse com doura,ajudando-o a subir para a sua sela. Penso que voc, se no insistir em dizer querecebeu mensagens dos santos, poder ser absolvido.

    O Irmo Francis estava fraco demais para insistir em qualquer coisa.

  • V4

    oc fez bem resmungou por fim o abade. Nos ltimos cinco minutos ele,devagar, estivera andando de um lado para outro em seu escritrio. O seu

    largo rosto de campnio estava vincado por fundas rugas de preocupao. O PadreCheroki, nervoso, esperava sentado na beira da cadeira. Desde que viera emobedincia ao chamado do seu superior, ainda nada haviam dito um ao outro;quando, finalmente, o Abade Arkos falou, Cheroki teve um ligeiro sobressalto.

    Voc fez bem repetiu, parando no meio da sala e olhando de lado para oseu prior que j estava mais vontade. Era quase meia-noite e Arkos se tinhapreparado para uma ou duas horas de sono antes de Matinas e Laudes. Aindamolhado e descabelado depois de um mergulho na banheira, lembrava um ursomeio mudado em homem. Usava uma veste de pele de coiote e o nico sinal de seucargo era a cruz peitoral que resplandecia luz da vela cada vez que ele se viravapara a escrivaninha. O cabelo mido caa-lhe sobre a testa e, com a barba curta esaliente e a pele de coiote, parecia, naquele momento, menos um padre do que umchefe militar recm-chegado de um assalto e ainda cheio de mal contida friaguerreira. O Padre Cheroki, que vinha de uma alta linhagem de Denver, tendia areagir de acordo com as atribuies oficiais dos homens, e a falar cortesmente comquem usasse as insgnias da autoridade, sem se permitir olhar para as pessoas,seguindo assim a secular tradio das Cortes. Por isso, sempre mantivera relaesformais e cordiais com quem usasse o anel e a cruz peitoral e fosse seu abade. EmArkos, porm, esforava-se por ver o menos possvel o homem. Essa atitude no erafcil nas presentes circunstncias, vendo o Rev. Padre Abade apenas sado do banhoe andando descalo em volta da sala. Ele, aparentemente, tinha se cortado aoextirpar um calo, pois tinha o p ensangentado. Cheroki procurou no repararnisso, mas sentiu-se contrafeito.

    Voc sabe do que que eu estou falando? rosnou Arkos, impacientemente.

    Cheroki hesitou. Padre Abade, V. Rev.a se importaria de fazer perguntasespecficas no caso que digam respeito a algo que eu tenha ouvido somente emconfisso?

  • Como? Ah! Bem, verdade. Voc confessou-o, tinha-me esquecido. Faa comque ele conte tudo outra vez para que voc possa falar apesar de toda a abadia jsaber da histria. No, no agora. Eu contarei a voc o que houve e no responda aoque tiver sido matria de confisso. Voc j viu aquilo? o Abade Arkos apontoupara a escrivaninha onde o contedo da caixa do Irmo Francis tinha sido colocadoa fim de ser examinado.

    Cheroki, com a cabea, indicou que sim. Ele deixou cair tudo na estrada,quando desmaiou. Ajudei a apanhar, mas no examinei nada cuidadosamente.

    O que diz ele que ?

    O Padre Cheroki olhou para o lado, sem parecer ter ouvido a pergunta. Muito bem, muito bem disse o abade no se incomode com o que ele

    diz. Olhe voc mesmo com cuidado e diga o que pensa.

    Cheroki curvou-se sobre a escrivaninha e examinou os papis atentamente, uma um, enquanto o abade continuava a andar de um lado para outro e a falar,aparentemente com o padre, mas em grande parte, consigo mesmo.

    impossvel! Voc fez bem em mand-lo de volta antes que descobrisse maiscoisas. Mas, naturalmente, isso no o pior. Est tudo muito complicado. No seide nada que possa prejudicar mais uma causa que uma inundao de "milagres"impossveis. Uns poucos fatos, est certo! preciso estabelecer que a intercesso doBeato obteve milagres antes que a canonizao possa ter lugar. Mas s vezes hexagero, como no caso do Beato Chang, beatificado h dois sculos e at hoje nocanonizado. E por qu? Sua Ordem mostrou-se ansiosa demais. Cada vez quealgum se curava de uma tosse, era milagre do Beato. Vises no subterrneo,evocaes no campanrio; mais parecia uma coleo de estrias de fantasmas doque uma lista de fatos milagrosos. Talvez dois ou trs deles fossem vlidos, masquando h tanta poeira...

    O Padre Cheroki levantou os olhos. Na beirada da escrivaninha, as suas falangesestavam brancas. As suas feies pareciam estiradas. Aparentemente nada ouvira. Perdo, Padre Abade?

    Bem, o mesmo poderia acontecer aqui, o que eu digo disse o abade,recomeando a andar pela sala. No ano passado, houve o Irmo Noyon e amilagrosa corda do carrasco. Sim! E no ano atrasado, o Irmo Smirnov curou-se

  • milagrosamente da gota e como? tocando uma provvel relquia do BeatoLeibowitz, dizem esses tolos. E agora Francis encontra um peregrino vestido como qu? com o mesmo saco que serviu para cobrir a cabea do Beato Leibowitzantes do enforcamento. E que usava como cinto? Uma corda. Que corda? Ah, amesma...

    Fez uma pausa e olhou para Cheroki. Pelo seu olhar vago, estou vendo quevoc ainda no ouviu essas coisas. No? Bem, ento voc nada pode dizer. No, no,Francis no disse nada disso. S disse o Abade Arkos procurou introduzir umligeiro tom de falsete na sua voz habitualmente spera "encontrei umhomenzinho velho que pensei fosse um peregrino indo para a abadia porque andavana direo dela; ele usava um velho saco amarrado cintura por um pedao decorda. Fez na pedra um sinal assim".

    Arkos tirou do bolso um pedao de pergaminho e mostrou-o a Cheroki luz davela. Ainda tentando, sem muito sucesso, imitar a voz do Irmo Francis, continuou: "E no pude compreender o que significava. Vocs sabem o que ?"

    Cheroki olhou fixamente para os smbolos e abanou a cabea. No estava perguntando a voc rosnou Arkos com sua voz normal. Isso

    foi o que Francis disse. Tambm eu no sabia o que significava.

    Mas agora sabe?

    Agora sei. Algum investigou para mim. Aquilo um lamedh e aquilo umsadhe. Letras hebraicas.

    Sadhe lamedh?

    No. Da direita para a esquerda. Lamedh sadhe. Um som de l e de ts. Sehouvesse sinais de vogais, poderia ler "luts", "lots", "lets", "lats", "lits" qualquercoisa assim. Se houvesse algumas letras entre aquelas duas, poderia soar como Llll adivinhe quem.

    Leibo Oh, no!

    Oh, sim! O Irmo Francis no pensou nisso. Outra pessoa pensou. O IrmoFrancis no pensou no capuz de saco e na corda do carrasco; um dos seuscompanheiros pensou. Ento, o que que est acontecendo? Hoje, o noviciadointeiro est cheio da linda estorinha de Francis que encontrou o Beato em pessoa

  • no deserto, que acompanhou o nosso menino at o lugar em que estavam aquelascoisas e disse-lhe que encontrara a sua vocao.

    Cheroki franziu o rosto com um ar de perplexidade. O Irmo Francis disseisso?

    NO! urrou Arkos. Voc no presta ateno? Francis no disse nadadisso. Antes tivesse dito, porque, ento, saberia o que fazer com o pirralho! Mas eleconta a coisa de um modo aucarado e simples, um pouco bobamente, e deixa queos outros imaginem o resto. Ainda no falei com ele. Mandei o Reitor daMemorabilia ouvir a sua estria.

    Penso que melhor que eu converse com o Irmo Francis murmurouCheroki.

    V! Quando voc entrou, eu ainda estava na dvida se assaria voc vivo ouno. Quero dizer, por t-lo mandado de volta. Se ele tivesse ficado no deserto, noteramos essa tagarelice fantstica aqui dentro. Mas, por outro lado, no se podesaber o que mais iria ele desencavar naqueles subterrneos. Por isso, acho que vocfez bem em traz-lo.

    Cheroki, cuja deciso no fora tomada por esses motivos, achou que o silncioera a poltica mais apropriada para o momento.

    V v-lo resmungou o abade. Depois, mande-o aqui.Quase s 9 h, numa brilhante manh de segunda-feira, o Irmo Francis bateu

    timidamente porta do escritrio do abade. Uma noite bem dormida no durocolcho de palha de sua velha cela, mais uma parca refeio diferente da do deserto,se no tinham sido o suficiente para restaurar-lhe o corpo faminto e clarear-lhe ocrebro da intensa luz do sol, pelo menos tinham-lhe dado a necessria lucidez paraperceber que havia razoes para ter medo. Na realidade, estava aterrorizado c bateu porta to de leve, que no se fez ouvir. Nem ele prprio ouviu nada. Depois dealguns minutos, encheu-se de coragem e bateu outra vez.

    Benedicamus Domino. Deo gratias respondeu Francis.

    Entre, meu filho, entre! disse uma voz afvel que, depois de algunssegundos de surpresa, identificou como sendo a do seu soberano abade.

  • Vire o trinco, meu filho disse a mesma voz amiga, depois de Francis,gelado, ter ficado no mesmo lugar por alguns instantes, com a mo ainda emposio de bater.

    S-s-sim... o novio mal tocou o trinco, mas parecia que a maldita porta seabria de qualquer jeito; esperara que estivesse emperrada.

    O Senhor Abade mandou m-m-me chamar? balbuciou o novio.

    O Abade Arkos franziu os lbios e, devagar, acenou que sim com a cabea. S-s-sim, o Senhor Abade mandou chamar voc. Entre e feche a porta.

    O Irmo Francis fechou a porta e ficou tremendo, em p no meio da sala. Oabade estava brincando com uma daquelas coisas com arames que havia dentro dacaixa.

    Talvez fosse mais apropriado disse ele se o Rev. Padre Abade fossechamado por voc? Agora que a Providncia o favoreceu e que voc se tornou tofamoso, hein? Sorriu com brandura.

    Ah, ah? riu o Irmo Francis em tom interrogativo. N-n-no, SenhorAbade.

    Ento no contesta que tenha ficado famoso de repente? A Providnciaelegeu voc para descobrir ISSO fez um gesto indicando as relquias sobre aescrivaninha essa caixa de VELHARIAS, como bem a chamou o seu ltimo dono?

    O novio gaguejou desamparado e conseguiu esboar um sorriso. No, Magister meus.

    Ah? No? Ento voc acha que no tem vocao para a Ordem?

    Tenho! arquejou o novio. Mas no d qualquer desculpa?

    Nenhuma. Seu cretino, estou perguntando que razes tem voc para isso! Desde que no

    d nenhuma, penso que est pronto a negar que encontrou algum no deserto hpoucos dias, que esbarrou nessa caixa de VELHARIAS sem o auxlio deningum, e que o que eu tenho ouvido dos outros puro delrio?

    Oh, no, Dom Arkos!

  • Oh, no, o qu?

    No posso negar o que vi com os meus olhos, Rev. Padre. Ento voc encontrou um anjo... ou um santo? Ou talvez, ainda no um

    santo? E ele mostrou onde procurar a caixa?

    Eu nunca disse que ele era... E essa a sua desculpa para acreditar que tem uma verdadeira vocao, no

    ? Diz que esse, esse... vamos cham-lo de "criatura"!... falou a voc a respeito deencontrar uma vez e assinalou uma pedra com umas iniciais, e disse que era aquiloque voc procurava, e quando voc olhou embaixo, encontrou ISSO. Hein?

    Sim Dom Arkos.

    Que pensa da sua execrvel vaidade? Minha execrvel vaidade imperdovel, meu Senhor e Mestre.

    Imaginar-se bastante importante para ser imperdovel ainda maior vaidade urrou o soberano da abadia.

    Meu Senhor, sou realmente um verme.

    Muito bem, voc s precisa negar a parte relativa ao peregrino. Ningummais viu uma tal pessoa, voc sabe. Pelo que entendi, ele partiu na direo daabadia? Chegou mesmo a dizer que pararia aqui? Indagou a respeito desta casa?Sim? E para onde teria ido, se jamais tivesse existido? Por aqui no passou. O irmoque estava de vigia na torre no o viu. Hein? Voc est pronto a reconhecer queapenas o imaginou?

    Se, na realidade, no houver dois sinais na pedra que ele... ento talvezpossa...

    O abade fechou os olhos e suspirou fatigado. Os sinais esto l... ainda quequase apagados. Voc mesmo os poderia ter feito.

    No, Senhor Abade. Voc reconhece que apenas imaginou a velha criatura?

    No, Senhor Abade.

    Muito bem. Voc sabe o que lhe vai acontecer agora? Sim, Rev. Padre.

  • Ento prepare-se.

    Tremendo, o novio levantou o hbito at a cintura e curvou-se sobre aescrivaninha. O abade tirou de uma gaveta uma forte chibata de junco,experimentou-a na palma da mo e vibrou com ela uma boa lambada nas ndegasde Francis.

    Deo gradas! respondeu o novio com respeito, mas um pouco ofegante.

    Quer mudar de idia, filho? Rev. Padre, no posso negar...

    PAF!

    Deo gratias! PAF!

    Deo gratias!Dez vezes repetiu-se essa simples mas dolorosa ladainha, com o Irmo Francis

    gritando ao cu o seu agradecimento pelas duras lies da virtude de humildade,como lhe cabia fazer. O abade parou depois da dcima lambada. O Irmo Francispulava na ponta dos ps. Lgrimas corriam pelos cantos de suas plpebras cerradas.

    Meu caro Irmo Francis disse o Abade Arkos voc tem absoluta certezade que viu o velho?

    Tenho guinchou o novio, preparando-se para receber mais.O abade olhou clinicamente o jovem, deu volta escrivaninha e sentou-se com

    um grunhido. Examinou por algum tempo o pedao de pergaminho com os sinais .

    Quem pensa voc que ele era? perguntou distraidamente.O Irmo Francis abriu os olhos fazendo jorrar uma rpida cascata de lgrimas.

    Ora, voc j me convenceu, filho, e pior para voc. Francis nada disse, masrezou em silncio para que no precisasse muitas vezes convencer o seu soberanode que falava a verdade. Abaixou a tnica em resposta a um gesto irritado do abade.

    Sente-se disse este, em tom natural, seno afvel. Francis foi at a cadeira,sentou-se, estremeceu e levantou-se outra vez. Se o Rev. Padre Abade no seimportar...

  • Muito bem, fique em p. No vou prender voc por muito tempo. Voc vaivoltar e terminar o seu retiro... interrompeu-se ao notar que a fisionomia donovio se animara um pouco. Mas no pense que vai voltar para o mesmo lugar disse rapidamente. Voc trocar de eremitrio com o Irmo Alfred e no irmais para perto daquelas runas. Alm disso, ordeno que no discuta o assunto comningum, exceto o seu confessor e eu, muito embora o mal j tenha sido feito. Vocsabe o que desencadeou?

    O Irmo Francis sacudiu a cabea. Ontem foi domingo, Rev. Padre, noramos obrigados a guardar silncio e eu, durante o recreio, respondi ao que osoutros me perguntavam. Pensei...

    Bem, os outros construram uma explicao muito especial, querido filho.Voc sabia que tinha encontrado o Beato Leibowitz em pessoa?

    Francis ficou plido e depois sacudiu a cabea outra vez. No, Senhor Abade. Estou certo que no podia ter sido. O Beato no faria

    uma coisa daquelas.

    No faria que coisa daquelas?

    No correria atrs de uma pessoa para bater-lhe com um cajado com umprego na ponta.

    O abade enxugou a boca para esconder um sorriso involuntrio. Conseguiuparecer pensativo por alguns momentos. No estou assim to certo disso. Foiatrs de voc que ele correu, no foi? Sim, foi o que pensei. Voc contou isso aosoutros novios? Contou, hein? Pois a est, eles no acharam que estava excluda apossibilidade de que fosse o Beato. De minha parte, duvido que haja muitas pessoasatrs de quem ele corresse com um cajado, mas... No pde conter o riso dianteda expresso do novio. Est bem, filho, mas quem voc pensa que poderia tersido?

    Pensei que, talvez, fosse um peregrino que viesse visitar o nosso santurio,Rev. Padre.

    Ainda no um santurio e voc no deve falar assim. De qualquer modo,no era um peregrino ou, pelo menos, no veio aqui, nem passou pela nossa porta, amenos que o vigia tenha dormido. O novio que estava na torre naquele dia, negaque tenha dormido, apesar de confessar que se sentia sonolento. Ento o que que

  • voc sugere?

    Se o Rev. Padre me perdoar, estive de vigia algumas vezes, eu mesmo. E?

    Bem, num dia muito claro, quando nada se move a no ser as aves de rapina,depois de algumas horas, comea-se a olhar para elas.

    Ah, olham, no ? Quando no deveriam tirar os olhos da estrada!

    E quando se olha muito tempo para o cu, fica-se distrado... no adormecido,mas assim como que preocupado.

    Ento isso