Últimas Palavras - Monólogo Teatral

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ÚLTIMAS PALAVRAS

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ÚLTIMAS PALAVRAS

PRODUTO: Peça Teatral Categoria Monólogo. DURAÇÃO: 3 atos de aproximadamente 8 minutos cada. Atos consecutivos, sem interrupção da apresentação, divisão para orientação de Roteiro. Tempo total estimado: 24 minutos.

CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 16 anos, contém linguagem de apelo sexual

CONTEÚDO: Ficção, Humor, as confissões e reflexões de um homem e seus amores no mundo contemporâneo.

TRECHO: “Minha avó dizia que a gente aprende mais com erro dos outros do que com os nossos. Mas eu posso confessar, sem vergonha nenhuma, que não consegui seguir esse conselho”.

AUTOR: Procópio Pinheiro, Roteirista e Estudante de Publicidade.

DATA DA AUTORIA: Concluído em 9 de Junho de 2011, Itaquáquecetuba, São Paulo - SP.

CONTATOS: [email protected]

[email protected]

SITE: www.procopiopinheiro.blogspot.com

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Luz se acende.

Uma placa sob o palco, escrito: ATO 1 - SERENIDADE

REINALDO, personagem principal desse monólogo, entra.

Está vestindo calça, camisa e sapatos.

Olha para a placa, se senta numa cadeira (ou poltrona) localizada no centro do palco.

Reinaldo sentado faz movimentos com os braços para baixo, como se pedisse calma.

Depois com o indicador na boca, sinalizando como se pedisse silêncio.

Encara a platéia, tamborilando os dedos, sereno.

Então...

Se levanta com tudo e dá um grito louco descomunal, num susto. Vários gritos.

Pigarreia, senta-se de novo e começa a rir.

Inicia diálogo:

“Que coisa de louco, né? E quem não é louco? Tudo é técnica. Alguém tem que ficar pelado, alguém tem que gritar, alguém tem que morrer. Sempre é assim. Sempre! Na TV, você tem 20 minutos para conquistar o espectador. No livro, são 50 páginas. Num filme, são 10 minutos. Pro cinema e pro teatro... A coisa muda. Porque existe toda uma montagem... Você se arruma pra ir pro cinema ou pro teatro. Quem aqui nunca perdeu duas horas da sua vida assistindo um filme ruim no cinema? Ou vendo a peça de escola da sua filha? Ela é sua filha, ela é linda, ela é... a árvore.

Mas o problema de uma peça ruim ou de um filme ruim é que as pessoas não indicam para os amigos assistirem. Só para os inimigos... Espero que não tenham muitas pessoas do mal neste momento aqui.

Bom...

Meu nome é Reinaldo. Tenho 30 anos. Sou brasileiro. (como se pensasse) Solteiro?

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Eu poderia colocar isso num currículo. Mas a verdade é que eu nunca estou sozinho... Não que eu seja um garanhão, mulherengo, o pega-todas. Isso não existe. Apenas existem caras que tem coragem e outros que não tem. Eu tenho coragem de levar um pé na bunda... Então isso faz com que as possibilidades de eu pegar uma mulher sejam mais altas que as de um cara que não tem coragem.

Esse raciocínio parece estranho... Mas não é. Coragem é tudo nessa vida. Se você não luta por alguma coisa, qualquer coisa que seja, você não vence. Ser corajoso também é ser inteligente. Coragem não é teimosia. É que nem banco... Banco não empresta dinheiro pra quem não tem dinheiro. Crédito é investimento, não é ajuda. A ideia do empréstimo é justamente ter o dinheiro devolta. Ninguém quer realmente... te ajudar.

Melhor, um humorista. Essa lei todo humorista conhece. Diz a lenda que todo comediante tem que saber fazer piadas... Muitas piadas. Mas ele só será um bom comediante se de cada 10 piadas que ele contar, uma for boa. Mas ele precisa fazer essas 10 piadas. E dentre essas 10 piadas, UMA precisa ser boa. A vida é assim. Objetivos, riscos, coragem. E quando se trata de mulher as coisas não mudam. E de homens também.

Não, não. Eu não sou gay. Eu... aparo o sovaco, faço a barba, uso creminho, vou na academia... Mas não sou gay. Hoje em dia esse tipo de definição através de “pistas” é impossível, pra ser sincero. À não ser que o cara seja uma bicha louca. Tipo assim, todo mundo sabe que o He-man é gay. Mas e se o Conan decide se assumir? E aí, como é que fica? Onde tá a “pista” aí? Não dá pra saber. Ou melhor, não dá pra arriscar. O he-man é loiro sensível, mas o Conan é um bárbaro!

Não sei porque as pessoas não simplificam isso elas mesmas... Se eu fosse um viado, não teria problema nenhum em assumir isso. Quantos exemplos existem por aí? Deixa eu pensar... Tem... (tentando lembrar) Tem aquele também... Como é o nome? (desiste) Ah, mas eu sei que tem!

Bom, eu sou totalmente heterossexual. É o que eu posso dizer por mim. E nessa altura do campeonato, sou do tipo pragmático. Os 30 anos podem ser o auge de qualquer homem, mas ainda assim são 30 anos, não importa o que o botox faça parecer. A idade tá aqui dentro, na cabeça. (cutuca a testa) E, com oficialmente 30 anos, eu me sinto com a cabeça de um homem de 30 anos.

Tenho dois filhos. Um casal. A Lorrane e o Guaier. Nomes bonitos né? Lorrane e Guaier... Em alguma coisa, a vaca da minha primeira esposa tinha que acertar. Eu amo os meus filhos... Eles são gêmeos, nasceram juntos, cada um tem 7 anos. É por isso que eu adoro eles... O que uma criança pode fazer de mal? Toda criança é burra. Crianças acreditam em papai noel, coelhinho da

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páscoa, super-homem, mulher-maravilha. Ou seja, crianças são burras. E essa burrice que também chamam de inocência é o que torna uma criança sagrada. Eu vou amar meus filhos... até os 14 anos. E enquanto eu puder pagar para a minha esposa ficar com eles.

É! Mulher se aposenta antes do homem porque tem tripla jornada. Ser mulher é fácil, ser esposa também pode ser fácil, mas ser mãe... É o cão! E olha que eu tô dizendo isso com visão de pai... Tem muito pai por aí que é mãe e pai e tem muita mãe solteira também... Mas eu prefiro ver as coisas por uma ótica em que tudo pareça ser mais fácil para... mim.

Amor não sustenta casa. Foi o que a vida me ensinou. Se eu puder pedir um epitáfio no meu túmulo... Epitáfio é uma frase que eles colocam no túmulo do morto. Tipo: “Reinaldo. Amava seus filhos.” Não. Isso é muito comum. Assim: “Reinaldo. Amor não sustenta casa”. Agora sim. Quem um dia já ficou na merda com uma esposa e dois filhos pra sustentar sabe do que eu tô falando...

“Mas você se casou porque quis!” podem resmungar. Quero ver aqui quem nunca ficou apaixonado! Pode até não confessar, mas um dia, você já sentiu aquilo. Estar com outra pessoa. Essa baboseira toda. Se não sentiu, vai sentir. Aí quero ver ouvir falar isso!

“Mas você teve filhos porque quis!” também podem resmungar. Quero ver aqui quem nunca transou sem camisinha. Ou mulher que nunca esqueceu de tomar a pílula. Camisinha é uma droga, é um pedaço de plástico que incomoda. Tomar pílula é um pé no saco, ficar marcando dia e hora pra não bobear nenhum dia ou hora. Tô mentindo? Não. Mas são sacrifícios necessários para se evitar esse tipo de coisa, eu sei. Mas quem aqui nunca deslisou? Se você não teve filhos nem pegou nenhuma merda sexualmente transmissível, parabéns! Mas não venha apontar o dedo para mim...

Odeio gente mal-lavada que fala de gente suja. Odeio gente perfeitinha também... Sei lá, parece que a qualquer momento, essa gente metida a perfeitinha pode surtar e sair matando à torto e direita por aí! Gente tem que ser gente... E história, quando a gente ouve, mesmo que seja uma fofoca, é pra refletir. Não é pra dizer: “Eu acho que...”.

Minha avó dizia que a gente aprende mais com erro dos outros do que com os nossos. Mas eu posso confessar, sem vergonha nenhuma, que não consegui seguir esse conselho.

(fica eufórico) Viver! Viver! Viver!

(acalma-se) Tem gente que acha que a vida é essa loucura toda. E é mesmo.

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Corrigindo a minha situação: é essa a palavra que eu buscava – livre. Solteiro dá uma ideia angustiante de solidão. Como se dependêssemos de outra pessoa para sobreviver. Meu, hoje em dia até irmãos siameses podem se separar!

Eu sou um homem livre. Não que casamento seja uma prisão. Pode ser bom. Tem que ser bom, senão... Casamento é inevitável e se você só enxerga como ruim, então fica ruim. O que eu quero dizer, na verdade... Não deu certo pra mim. Nas duas vezes que eu tentei.

Então, agora, por enquanto eu só estou curtindo... Não tive problemas até o momento. É jogo limpo. Não prometo nada. Tenho uma grana, cuido de mim, do que eu sou... Eu gozo, a garota goza, nós conversamos, a vida continua.

Não é triste, não é pecaminoso.É consentido, é vida. Que eu posso dizer? É... hum... Legal. Legal, nos dois sentidos da palavra.

Eu era um cara muito preocupado. Obsessivo demais com as coisas. Quando eu relaxei, deixa a vida me levar, é que eu encontrei a felicidade. Felicidade pra mim é esse sossego.

Assim como os outros, eu não sabia o que queria da vida. Se você perguntar isso a seco, ninguém sabe te responder. As pessoas sabem o que NÃO querem. Ninguém quer ficar doente, ninguém quer ter uma família chata, ninguém quer ficar desempregado. Mas isso acontece. E aí, como fica o que se QUER?

O que EU quero da vida?

Agora... Me divertir.

Vou falar pra vocês sobre a Beatriz. A gente se conhece dos tempos da escola. Ela foi a minha primeira. E se você pensar, ah, a gente nunca esquece a primeira vez, isso é verdade, porque a primeira vez é um desastre. Não existe nada de mágico. É trabalho com a camisinha, pra acertar o buraco, pra não gozar antes de pelo menos 20 minutos, lembrar de fazer as preliminares, sem falar que dói.

Na primeira vez, homem também sente dor, à não ser que ele seja circunsisado. Como não sou judeu nem tive fimose... Tive que me foder como a maioria dos homens. E, fodi.

Mas ainda bem que a Beatriz possibilitou outras vezes para que eu fosse praticando, aprendendo e melhorando.

Mas nunca foi nada sério. Ficar, era só isso. A escola acabou,

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nunca mais vi nenhum dos meus amigos daquele tempo, até que anos depois eu a reencontrei. Naquela época do colégio, ela já era meio maluquete. Mas hoje ela virou uma louca total e eu... Adorei isso.

Ficamos de novo. Na casa da Tia dela, pois pelo que eu entendi, a Beatriz tinha brigado com a mãe e na família, a Tia, era a única que ainda aguentava a doidinha.

Depois de tudo, lá na cama, a Beatriz me tira um cigarro verde e acende. Começa a fumar e rir feito a louca que ela é. Tinha um cheiro de incenso aquilo, de macumba doce...

Era maconha.

Eu nunca me aproximei dessas coisas, eu sempre fui o certinho. É o que dizem, do menor dos males, a maconha, pra você ir pra cocaína é um salto em queda livre. Apesar de eu não conhecer uma pessoa que seja viciada ao mesmo tempo em duas coisas. Pensa que merda: às 8 horas reunião nos Alcóolicos Anônimos e às 9 no Narcóticos Anônimos.

Mas então, eu nunca tinha experimentado. E então experimentei o bagulho. É pra se jogar? Então vamos.

E quer saber?

Eu ri pra caramba. Depois me deu uma fome desgraçada... Ela disse que isso era a Larica, que maconha dá fome. E aí um mito foi desfeito pra mim: caralho, então maconha engorda???

Assaltamos a geladeira. Voltamos pro quarto e voltamos a fumar.

E aí, a Tia dela chega! A Tia tinha ido pra uma vigília da Igreja, mas especialmente naquela noite, o Pastor decidiu dispensar os fiéis antes das 3 da madrugada. Tia de Igreja não pode sentir cheiro de maconha. Se a Tia expulsasse a Beatriz, quem é que ia ficar com a herança maldita? (aponta para si mesmo) E naquele fumaceiro, o desespero foi total.

A Beatriz disse pra eu me livrar do cheiro enquanto segurava a Tia no jardim. Abri as janelas, portas, liguei o ventilador e disparei o perfume da Beatriz. Depois, quando ela voltou, ela quis me matar. Eu acabei com o perfume dela da Dior de R$400,00.

Problema do cheiro resolvido, agora tinha outro. A Tia dela não podia saber que eu estava lá. A mulher era crente fanática, sexo só depois do casamento e para fins reprodutivos. Um marmanjo como eu ali, estava fora de questão. Eu tive que sair corrido de lá, sem camisa, pulando pela janela, agarrado no lençol.

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Quando eu cheguei em casa, ainda bem que eu não fui parado pela polícia, senão tinha virado um filme, eu parei e pensei: “Putz, que ridículo! Transar escondido na casa da Tia Crente fumando um baseado?” Eu tenho 30 anos, posso pagar motel e sou viciado é em cerveja como todos os outros homens.

Depois, a Beatriz me ligou. Disse que achou superdivertido. Também achei, mas isso só quando o desespero passa. Ela perguntou se eu queria mais maconha. Que ela vendia. Ela disse bem assim: ”Maconha é super do bem. E não vicia. Veja eu por exemplo: fumo desde os 14 anos.”

Eu pensei: “Se isso não for vício, o que é?”

Depois: “Caralho, a Beatriz virou traficante!”

Deixou de ser divertido, definitivamente.

Aí me veio outras lembranças da fase de colégio. Eu sempre fui ligado nessa coisa de arte, de ser artista. Mas sem os produtos da Beatriz, ok? Não fui bem sucedido nesse ramo artistíco.

Eu não dormi com as pessoas certas. Ou pior, não tinha talento.

Hoje eu sou contador, mas necessariamente isso não faz de mim um cara mala, chato.

Daquela época, eu ainda tenho o sapateado, um pouco. Eu era fissurado naquele filme Dançando na Chuva.

É a minha vida esse filme. Com a chuva, na gripe, na merda de tudo, e o cara lá, sorrindo, dançando e cantando.

Eu não me atrevo mais a cantar. Bom senso que veio com o tempo. Mas eu ainda tenho sonhos. (fala devagar) E eu sou aquele cara que ta lá, com a gripe, na merda de tudo, sorrindo e dançando.

Pega um guarda-chuva, que estava debaixo da cadeira, entra a música do filme Dançando na Chuva, dá uma palhinha dos passos.

Trecho da música encerra, larga o guarda-chuva no chão, sapateia no silêncio do palco.

Faz uma meia mesura de agradecimento, sorri.

Luz apaga.

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Luz acende.

No palco vazio, uma nova placa, substituindo a anterior, onde se lê: ATO 2 – CONFLITO

Reinaldo então surge, entrando em passos largos, apressados.

Está vestindo calça jeans, camisa esporte, tem um penteado mais leve.

Inicia o diálogo, em pé:

“Que desgraça! Mas tudo que acontece nessa casa é culpa minha! (tentando se acalmar enquanto fala, andando de um lado para o outro, até tranquilizar-se) Tudo que acontece no mundo! Se o Papa pegar uma gripe, a culpa é do Reinaldo! Parece que mulher só sabe reclamar e homem só sabe xingar! Puta que pariu! Filha-da-puta!

(Expira longamente)

Quem disse que xingar é coisa feia, é um tonto dos infernos! Chega uma hora que todos nós precisamos desabafar... Choro é coisa de gente fraca, de quem perdeu e não tem mais como ganhar. Ou de felicidade demais. Quem sente raiva, se impõe, ergue o queixo, xinga mesmo! Pra mim, xingar é terapêutico. Já que hoje em dia não se pode bater em ninguém... Ou você mata e se ferra, ou você entra na justiça, espera 11 anos e se ferra. Ou então... você simplesmente xinga. (imita) “Ah, bom dia!” (respondendo a si mesmo) “Bom dia! E, antes que eu me esqueça, vai tomar no cú!” Pensei, apenas pensei.

Eu...

Eu sou o Reinaldo. Tenho 25 anos. Trabalho feito um condenado pra sustentar casa, esposa e dois filhos. Falam em Igualdade dos Sexos, mas a maior parte das contas quem paga sou eu. Tenho o direito de reclamar? Não! Foi eu que escolhi isso pra mim, admito. É que nem trabalho... Tem gente que passa a vida reclamando do trabalho... Mas que eu saiba não estamos mais na Escravidão. Você pode simplesmente sair... Lindo, gostoso e... calmo! Mas é difícil. É o orgulho. Casamento ruim, trabalho ruim... A gente fica preso, por quê?

Eu acho que eu tenho aquele defeito de mulher... De “querer” mudar as pessoas, mudar o mundo. (ri) É defeito porque ninguém muda. Não muda porque você quer.

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O meu casamento ou o que sobrou dele, vamos lá...

A minha esposa era uma puta gostosa! Quer dizer, ela era mais bonita antes da Lorrane e do Guaier nascerem... Parto de gêmeos. Tem mulher que não se recupera da gravidez... Mas esse é de longe o menor problema da minha esposa. Pessoas magras podem engordar, pessoas gordas podem emagrecer... Aí vai do gosto de cada um. Só que ela só pensa nesse negócio de ser mãe... Tudo pra ela é os filhos. Caramba, mulher não goza também???

Uma noite estávamos lá, no rala e rola, depois de 6 meses de seca... Uma das vantagens do casamento é você pode transar a hora que quer de graça. Mas 6 meses de seca? Nem eu sei como eu aguentei! Todo homem continua no prazer solitário, mesmo depois de casado, mas aí é uma coisa eventual. Quando eu passo a me comportar como um adolescente sendo “casado”, alguma coisa tá muito errada.

Quando um homem e uma mulher deixam de fazer sexo, eles são amigos. Tudo bem ter mais um amigo, minha esposa, mas eu preciso de alguém pra transar. Eu sou animal, nós somos animais... Comemos, respiramos, andamos, transamos. Dizer o contrário, é mentira. Mentira feia.

E é justamente nessa hora que as tentações aparecem... Traição não é problema. Se você vai lá, dá uma pegadinha e some... Ninguém nunca vai ficar sabendo. O problema é que se rola uma primeira vez, há muitas chances de acontecer uma segunda vez e se acontece uma segunda vez então deixa de ser traição e aí vira caso. E se vira caso vira merda.

Pensa nesses caras que casam com a amante. Se quando eles se conheceram eles eram amantes, o que garante que agora, que estão casados, ela ou ele não tenham um amante, do mesmo jeito quando se conheceram? Ninguém nunca pára pra pensar nisso. Aconteceu com o meu pai... Ele era casado e deixou o casamento para ficar com a amante. A amante chifrou ele. Era a minha mãe.

Mas meu pai a perdoou, eles ainda estão juntos e... “Traição” é um tema bastante controverso. Tem gente que não tá nem aí... Não ligo que estejam me traindo. Desde que eu nunca descubra. Mas tem caso em que o cara se faz de “desavisado”. Deram até um nome pra isso: “Corno”. Existe o homem traído e existe o corno. O corno além de traído é burro, porque “finge” que não sabe. Ou é burro demais pra saber.

Um exemplo... um casal novo, papai e mamãe de primeira viagem, que fica sei lá... 6 meses sem transar...

(pensa)

Foi isso que eu pensei! A vaca tá me traindo! Ela não gosta mais

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de mim!

E ficava lá dizendo que não, não e não. Que era coisa da minha cabeça. Que o foco dela agora era a maternidade. Por um momento, eu acreditei. Estávamos lá, numa noite, doidos pra transar e já indo no bem-bom, quando a Lorrane e o Guaier se levantaram do berço e miraram aqueles olhinhos pequenos para a cama, para nós... As crianças estavam sérias. Bebê chora ou ri, só se aprende a ficar com aquela cara de sério repreendedor na adolescência, no primeiro round pais versus filhos. Eu broxei, minha esposa broxou... Não deu.

Quero ver se um dia, quando eles crescerem, eles tiverem que dormir numa república... Quero ver se eles vão encher o saco dos amigos estarem transando no mesmo cômodo! Quando se é estudante que mora em república, motel é luxo. Eu vivi isso, por um semestre, depois mudei de faculdade. Não faz sentido você ter que se mudar para estudar. À não ser que você more no Acre e tenha conseguido uma vaga para estudar em Princeton, o que não foi o meu caso. Economia não é o meu forte, mas o mínimo da relação custo-benefício, todo mundo entende.

Então eu coloquei uma cortina. As crianças não iriam mais nos lançar aquele olhar broxante maléfico, espiãezinhos-mirim! E só iríamos parar se alguma delas chorasse... Porque quando criança chora, pai e mãe sabem que esse é o único alarme conhecido. Mas não rolou... Não foi bom. Ela estava diferente, distante, fria. Eu quero agradar, sabe? Não só ficar lá, no “Ah!”. E eu senti que... eu não estava agradando.

Então... eu resolvi inovar. Disse que ia viajar à trabalho num fim de semana, mentirinha. Quando ela pensasse que eu tinha ido, eu ia voltar, sem nenhum aviso, pegar ela de jeito... Fazer aquela transa fenomenal, dos velhos tempos, que começa na garagem, passa pela cozinha, sobe as escadas e termina no quarto, tendo como bônus um banho junto. Rapidinha extra no banheiro. Ia ser a minha surpresa pra ela. Isso mesmo que eu ia fazer. Uma surpresa. Mas, no fim das contas, quem foi surpreendido foi eu.

Minha mulher estava me traindo.

E é nesse momento, que minha esposa, passa a se chamar “vaca”. A vaca tava com outro cara na cama. E ela não teve nem o trabalho de dizer: “Não é nada disso que você está pensando” ou de esconder o cara no armário. Ali, na minha casa, no meu quarto, na minha cama! E onde estavam as crianças? Com a avó, quero dizer, com a minha sogra. Teria a minha sogra participado desse plano maléfico de traição? Eu rezo para que não. Errar na escolha da esposa, tudo bem, falta de sorte. Mas se além de uma esposa ruim, a sogra também for uma desgraça... Eita dedo podre!

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Rememorando, ali no flagra, o choque foi tamanho que eu, eu fiquei estático. Não bati nela, não matei o cara, não fiz aquele escândalo que os vizinhos adoram. Mandei os dois saírem. Eu não ia sair. Tinha pagado a casa ou pelo menos a maior parte. Ela me traiu, até o momento eu tinha sido o bom mocinho. Tava com a razão.

Ser corno pro homem não é fácil. É tabu. Homem não confessa que já deu o rabo na adolescência, aquela coisa idiota do troca-troca, quando não se sabe bem o que quer. Homem não confessa que já levou um cutucão da mulher lá atrás, mesmo que ele não seja gay, mas tenha gostado. E, de jeito nenhum, sob hipótese alguma, homem confessa que um dia foi chifrado. Homem é quem trai, homem é o safadão cafajeste, sempre foi assim. Mas eu... Eu sou a prova viva de que não.

Não.

Depois, mais pra frente, eu perguntei pra vaca porque ela fez isso. Porque se o homem é que ganhou a fama de garanhão, é porque ele é burro. Talvez a maioria dos homens não saiba mentir tão bem quanto uma mulher. Penso eu que não deve ser fácil descobrir que uma mulher tá pulando a cerca tão descaradamente assim, de caso com outro. Por que a vaca foi tão burra? Na minha casa, na minha cama, na primeira viagem que eu invento? E depois... Se ela estava cansada de mim, não era só dizer? Se ela queria inovar... Bom, eu poderia pensar na possibilidade de frequentarmos um Swing. Se o problema era só sexo.

Mas não era sexo o problema. Segundo ela, ela amava o amante e esse amor era recíproco. Ela não me dispensou antes porque tava grávida. Sim, os filhos eram meus, sorte ou azar. Depois que os pimpolhos nasceram, ela “pensou” que pudesse me amar, que a coisa da “família” seria mais importante. Mas então veio o baque... “Essa família” que ela tinha comigo não a fazia feliz. E quem estava atrapalhando? Eu! Olha que eu quase acreditei...

Gente safada quando apronta faz parecer que a culpa é nossa, quando não é. Tipo o cara é viciado em drogas e fala que é viciado porque nasceu pobre. Mentira! Se o cara tá tão louco que tá entrando em casa de construção pra cheirar cal, quem tá cheirando é ele. Ninguém tá forçando nada. Porra nenhuma. É mais fácil colocar a culpa nos outros do que assumir a merda que você mesmo e só você tá fazendo.

Mas tem um detalhe essencial nisso tudo...O cara com quem a vaca me chifrou era meu ex-cunhado. Cunhado já começa com “cu”. Meu cunhado, meu cu. Carambolas! Não dá. Ex-cu, ex-cunhado... Isso não é traição. Isso é falta de lealdade, é maldade pura. Sem perdão.

Mas a vaca é a mãe dos meus filhos. A gente pára pra pensar nos

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filhos e... Só rendeu um remember. Quem aqui nunca transou com um ou com uma ex na vida? Remember é o nome disso. Relembrar. Quando você sabe que o relacionamento não tem mais volta, que é só sexo, mas vocês já transaram, então sabem o que funciona melhor um com o outro... Então é o máximo. Eu transei com a minha esposa. Depois dela ter me traído. Ela estava com o meu ex-cunhado, no fixo agora. Então de marido passei ao papel de amante de uma noite só. Não sei dizer se isso foi vingança ou... burrice.

Bom, então eu fui pro meu segundo casamento. E quem errou dessa vez foi eu. Tem que ter concessão, sabe, o meio-termo, senão não funciona. Casamento não é só sexo e dinheiro. Isso ajuda muito, lógico. Mas não se transa 24 horas por dia. E não se gasta dinheiro 24 horas por dia. Então, o que fazer com as horas que restam? Cada um tem a sua vida, num casal. Até mesmo pra quando rolar a conversa, os dois terem o que contar. Imagina o inferno que devia ser nos anos 50... O marido chegava do trabalho e contava do dia: quanto produziu, o que fez, o que viu. E a esposa, que ficou o dia todo presa dentro de casa no papel de dona do lar vem falar que Sabão Omo rende mais?

Isso sendo otimista, porque se a mulher saísse pra bater perna com vizinha, aí vinha fofoca. Não existe conversa num relacionamento desses, troca de experiências. Ou é o Sabão Omo que rende mais ou são as brigas da vizinha do 99, a Dona Ava Creidiane, com o Seu Linuailzo José.

Eu não soube respeitar isso, a individualidade dessa nova mulher que apareceu na minha vida. Reclamava das roupas que ela usava, curto demais, claro demais, da família dela, o estopim foi quando eu falei das amigas dela. Eu tava inseguro... Fui egoísta, imbecil e confesso isso quando vejo a situação agora.

As últimas palavras dela pra mim foram:

“Apenas o que eu posso te desejar é boa sorte, que tenha uma boa vida, por mais improvável que seja... Adiós!”

Chutado pela segunda vez. Pelo menos agora, por uma boa razão.

Luz apaga.

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Uma placa no centro do palco. Lê-se: ATO FINAL.

REINALDO entra tranquilamente.

Está vestindo tênis, bermuda, camisa com gola em V, boné.

Pára em frente à placa e escreve a palavra “Sonhos”.

Lê-se agora na placa, ATO FINAL: SONHOS

Inicia o diálogo:

“Sonhos...

Quais são os sonhos de um garoto de 16 anos como eu?

Meu nome é Reinaldo, tenho 16 anos e ainda sou virgem. Tô no 2ª ano do Ensino Médio. Não gosto dessa de-no-mi-na-ção: “Ensino Médio”. Faz a gente parecer “mediano” e “mediano” é “medíocre”. Ou você é bom o suficiente ou não é. Preferia como antigamente, “2º grau”, aí sim tem cara de título.

Hum... Meus sonhos. O primeiro deles vai se realizar hoje: perder a virgindade. Se bem que, pensando bem... Isso não é exatamente um sonho. É algo que vai acontecer na vida de todo mundo. Um dia você vai transar, um dia você vai trabalhar e um dia você vai morrer, creio eu. Então vou corrigir, um dos meus sonhos, é de que a minha primeira transa seja muito boa. E... vai ser!

Foi tudo armado na escola. Vou falar pra vocês sobre como é que funciona minha vida estudantil, resumidamente. Eu acordo mais ou menos às 10 horas da manhã com a minha mãe gritando pra eu arrumar o meu quarto. Minha mãe nem entra no meu quarto, às vezes isso é tão estressante...

Então, depois de arrumar o qaurto, eu assisto televisão, até o meio-dia, quando sai o almoço.

Na parte da tarde, eu converso com uns camaradas, entro na internet, jogo vídeo-game, dou uns rolês, essas coisas.

Semana passada deu um problema lá com o Servidor de não sei das quantas e eu fiquei 3 dias sem conseguir entrar na Internet.

(entonação séria) Isso foi de longe a pior coisa que já aconteceu na minha vida. Mas agora já tá tudo arrumado, graças à Deus.

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Na parte da noite, eu vou pra escola. Estudo um pouquinho e faço os esquemas. Eu faço parte do grupo dos Nerds, eu sou um infiltrado entre os populares, mas enquanto ninguém descobrir... Posso ter o melhor que cada um desses grupos oferece.

Para os populares, os melhores três anos da vida com direito à baile de formatura pra fechar com ouro.

Para os nerds, todos os games, animés japoneses e livros de aventura emprestados que você puder imaginar e um emprego que pague bem no futuro.

Já o “esquema” é quando a gente arma pra ficar com uma menina. Por exemplo, o Antônio quer ficar com a Mariazinha. Aí eu chego na Mariazinha e falo: “O Antônio quer ficar com você”. Aí vai na troca de idéias. Pode rolar adicionar no Orkut, celular pra SMS, se pegou o MSN, já era então, a mina é sua. Depois, pra ficar, o melhor lugar é na saída da escola. Pode reparar... Todo mundo demora pra entrar ou pra sair. Se portão falasse... Nossa!

Aí umas 11 horas, quase meia-noite, eu chego em casa. Janto, tomo um banho pra dormir, assisto o Jô Soares ou algum filme de terror. Sou viciado em filme de Terror. O Jason é o meu herói. Se tivessem me afogado na lagoa quando eu era criancinha, também ia ficar revoltado. E ia me vingar. Mas de uns filmes pra cá, o Jason perdeu a motivação. Sabe como é?

Tá passando uma menina lá na lagoa, vê o Jason e fala: (imita) “Boa noite, Jason”. O cara vai lá e decepa a cabeça da menina. Aí já é intolerância, convenhamos. Mas é estranhamente engraçado. Se você reparar, os melhores filmes de comédia do mundo são os filmes de terror.

Lá pras duas horas da madruga eu durmo e aí só vou acordar às 10, 10 e meia, dependendo do humor da minha mãe. E começa toda rotina denovo. Não é uma vida fácil.

Não vejo a hora de começar a trabalhar. Todo dinheiro que a gente pede, quer saber pra quê. Todo lugar que a gente vai, quer saber onde. Meu estoque de desculpas secou com o meu pai e com a minha mãe.

Hoje, a transa tá confirmada na casa do Carlos. Ele só mora com a mãe, e a mãe trabalha à noite, como enfermeira. Então, casa livre. Você acha que eu vou falar: “Mãe, 20 reais é pra comprar a camisinha, umas balas, fregells preto, tá ligado, e umas velas aromatizadas?”

Nunca!

Existe Televisão, Internet e Escola. Não preciso falar de sexo

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com a minha mãe. Acho super bonito os filhos que tem esse relacionamento com os pais, mas da última vez que eu perguntei alguma coisa sobre sexo pros meus pais, eles disseram que a menina tava grávida.

Mas peraí, que menina?

Vou falar pro meu pai que sou cabaço?

Os velhos piraram! Disseram que eu ia ser pai, ou que queria ser pai, que eles iam ser avós, que não havia estrutura, que essa juventude tá mesmo perdida... Essa última é obrigatória.

Tudo isso. E eu não havia nem transado. Isso porque eu sou homem. Imagina se a Beatriz, a menina com quem eu vou ficar, resolve abrir a boca? (imita) “Ah, mãe, hoje eu vou dar pro Reinaldo, vai ser a primeira vez dele”.

E a mãe então responde: (imita) ”Tudo bem, minha filha, mas não esqueça a pílula, a camisinha e principalmente o amor, o amor e a confiança são tudo”.

Du-vi-do!

Mas, voltando a falar de sonhos... Eu não tenho esses sonhos idiotas que as pessoas tem... Tipo, a Paz Mundial. Mas que mentira! Quem quer saber da Paz Mundial? Se você mora no Congo ou no Afeganistão, aí, tudo bem. Caso contrário, você tá querendo dar uma de super-herói da Marvel.

É ridículo o sistema deles... O vilão quer destruir ou dominar o planeta. Mas me diga, pra quê? Se ser chefe de família já deve ser uma merda, é o que o meu pai fala, é a forma dele me dizer para não ter filhos, imagine administrar o planeta! E destruir a Terra então... Você só vai achar outro planeta habitável à zilhões de quilômetros passando por um portal interdimensional à outros zilhões de quilômetros de distância... Só de falar, cansa.

Então eu não vou ser mentiroso. Paz Mundial, Amor Mundial... Se eu estiver em paz comigo mesmo, já vou ter feito minha parte, sem hipocrisias. É o que eu acho. Outros sonhos que eu tenho... Olha, eu tenho o sonho de me casar. Sei que isso é sonho de mulher e vocês vão zoar comigo por confessar isso, mas eu tenho.

Sabe, eu lá, no altar, de terno, bonitão. Aí entra uma mulher, eu não sei exatamente quem ela é... Pode ser a Beatriz, talvez, não sei. Mas é uma mulher perfeita pra mim. É uma mulher que eu amo. Que vai me ensinar muita coisa. E que eu vou ensinar também. Eu digo que “Sim”, que quero me casar com ela e ela também me diz “Sim”. Aí eu beijo ela, na frente de todo mundo, escracho o nosso amor e a nossa felicidade.

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Eu também quero ser cantor. Aí, na noite de núpcias, eu vou cantar pra ela. Vou ficar pelado, só com o violão no meio. E ela, na cama, deitada, me admirando, me amando. Vou tocar minha música preferida. E essa música vai se tornar a nossa música. Todo casal tem uma música, todo casal tem quer TER uma música e a nossa vai ser a mais especial de todas.

Toca alguma música romântica-positiva, desafinadamente.

Eu ainda vou ter que melhorar um pouquinho, mas se até o MC Créu alcançou o sucesso, quem dirá que daqui alguns anos eu não seja um cantor de Jazz ou Soul? E aí, quem me diz que não?

É o meu sonho. Mesmo que eu sofra, mesmo que eu seja humilhado, mesmo que não acreditem em mim... É o meu sonho. Não sei quem é essa mulher especial. Não sei se vou ser o homem especial para essa mulher. Mas eu acredito que... as coisas podem ser simples. Que tudo pode ser fácil. Que existe amor dentro de mim. Pra ser um bom homem, um bom marido e ah, meu pai vai me matar se ouvir isso, ser também um bom pai.

Se tivesse que agora, escolher minhas últimas palavras, elas seriam: “Eu te amo”. De novo: “Eu te amo”. Mais uma vez: “Eu te amo”. Repito: “Eu te amo”.

Eu te amo, isso é tudo.

Luz apaga.

Luz acende:

Palco vazio, na Placa, escrito FIM.