UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em...

50
0 UFRRJ INSTITUTO TRÊS RIOS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO MONOGRAFIA UNIÕES PARALELAS: A SITUAÇÃO JURÍDICA DO CONCUBINO(A) NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO Gisele Loureiro da Silva 2014

Transcript of UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em...

Page 1: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

0

UFRRJ

INSTITUTO TRÊS RIOS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

MONOGRAFIA

UNIÕES PARALELAS: A SITUAÇÃO JURÍDICA DO

CONCUBINO(A) NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

Gisele Loureiro da Silva

2014

Page 2: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

1

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO TRÊS RIOS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

UNIÕES PARALELAS: A SITUAÇÃO DO CONCUBINO(A) NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

GISELE LOUREIRO DA SILVA

Sob a Orientação da Professora

Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza

Monografia submetida como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito.

Três Rios, RJ Fevereiro de 2014

Page 3: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

2

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO TRÊS RIOS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GISELE LOUREIRO DA SILVA Monografia submetida como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, no Curso de Graduação em Direito. MONOGRAFIA APROVADA EM ____/____/______.

_______________________________________________________ Professora Dra. Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza - UFRRJ

_______________________________________________________

_______________________________________________________

Page 4: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

3

Dedico esta monografia aos meus pais que durante toda essa trajetória me deram muito amor e apoio incondicional. Obrigada por estarem sempre ao meu lado. Amo vocês!

Page 5: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

4

RESUMO

SILVA, Gisele Loureiro. Uniões paralelas: a situação do concubino(a) no direito de família

brasileiro. 2014. 60p. Monografia (Graduação em Direito). Instituto Três Rios, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2014. A proposta do presente trabalho é analisar a situação das uniões paralelas dentro do direito brasileiro. Abordará ainda a possibilidade do reconhecimento das famílias simultâneas como entidades familiares, tendo em vista o novo conceito de família democrática trazido pela Constituição Federal de 1988, fundada nas relações de afeto. Primeiramente, será estudada a evolução que o conceito de família sofreu ao longo do tempo, passando pela unidade de produção até chegar à família plural. Em um segundo momento, a união estável, consagrada pela Constituição, será analisada de um modo geral, a fim de esclarecer os seus requisitos caracterizadores e os direitos e deveres concernentes aos companheiros. Finalmente, será abordada a questão do concubinato e das uniões paralelas, trazendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial da questão. Em suma, o estudo consistiu na tentativa de demonstrar o tratamento recebido pelas uniões paralelas no direito e na jurisprudência brasileira, enfatizando que sua existência gera consequências não só no plano fático, mas também no jurídico. Palavras-Chave: Família, União Estável, Concubinato, Uniões Paralelas.

Page 6: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

5

ABSTRACT

SILVA, Gisele Loureiro. Parallel links: the status of concubine(a) the right of Brazilian

family. 2014. 60p. Monograph (Law Degree). Instituto Três Rios, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2014. The purpose of this paper is to analyze the situation of parallel links within the Brazilian law. It will also address the possibility of simultaneous recognition of families as family entities in view of the new concept of democratic family brought by the 1988 Federal Constitution , founded on the relations of affection . First, the evolution that the concept of family has suffered over time , through the production unit to reach the plural family will be studied . In a second step , the stable union , consecrated by the Constitution , will be analyzed in general in order to clarify their requirements and characterizing the rights and duties pertaining to his companions . Finally, we will address the issue of concubinage and parallel links , bringing the doctrinal and jurisprudential understanding of the issue . In short, the study consisted in an attempt to demonstrate the treatment received by parallel links on the right and in the Brazilian case, emphasizing that its existence creates consequences not only on the factual level, but also in law. Keywords : Family , Stable Union, Concubinage, Unions Parallel.

Page 7: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

6

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 7 CAPÍTULO I – A FAMÍLIA BRASILEIRA.............................................................. 9 1.1 Conceito..................................................................................................................... 9 1.2 Evolução Histórica.................................................................................................... 10 1.3 A Família Constitucionalizada.................................................................................. 11 1.4 Princípios Aplicáveis ao Direito de Família.............................................................. 16 1.4.1 Princípio do respeito à dignidade humana.............................................................. 17 1.4.2 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros........................ 1.4.3 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos.................................................. 1.4.4 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar.............................. 1.4.5 Princípio da comunhão plena de vida e solidariedade familiar.............................. 1.5 A monogamia no direito brasileiro............................................................................

17 17 18 18 19

CAPÍTULO II – A UNIÃO ESTÁVEL...................................................................... 21 2.1 Conceito e Evolução Histórica.................................................................................. 21 2.2 Características............................................................................................................ 26 2.2.1 Convivência “more uxorio”.................................................................................... 26 2.2.2 “Affectio maritalis”................................................................................................. 28 2.2.3 Diversidade de sexo............................................................................................... 29 2.2.4 Notoriedade........................................................................................................... 30 2.2.5 Durabilidade e estabilidade.................................................................................... 30 2.2.6 Continuidade.......................................................................................................... 31 2.2.7 Inexistência de impedimentos matrimoniais.......................................................... 32 2.2.8 Relação monogâmica.............................................................................................. 2.3 Deveres dos Companheiros....................................................................................... 2.4 Direitos dos Companheiros.......................................................................................

32 33 34

CAPÍTULO III – O CONCUBINATO E AS UNIÕES PARALELAS.................... 37 3.1 Do Concubinato......................................................................................................... 37 3.2 Das Uniões Paralelas................................................................................................. 40 3.2.1 Famílias Simultâneas e boa-fé objetiva.................................................................. 3.2.2 Famílias simultâneas e ausência de boa-fé objetiva............................................... 3.3 O Princípio da Afetividade e as Uniões Paralelas.....................................................

41 43 52

CONCLUSÃO................................................................................................................ 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 57

Page 8: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

7

INTRODUÇÃO O presente trabalho buscará analisar o tema das uniões paralelas no Direito de Família brasileiro e, principalmente, a forma como tem sido tratado tão delicado assunto em nossos Tribunais. As famílias simultâneas são mais comuns do que se imagina e, por isso, o direito não pode fechar os olhos para essa realidade existente em nossa sociedade. As relações mantidas fora do casamento sempre se fizeram presentes, mesmo com a intervenção do Estado nas relações familiares. Importante então analisar como o direito tem lidado com elas. O Direito de Família, como ramo do Direito Civil, sofreu profundas transformações, perdendo o caráter canonista e dogmático. Se antigamente regulava apenas a família constituída pelo casamento, hoje prioriza a família socioafetiva. A função social da família foi demonstrada e ressaltada pelas inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, fundada, principalmente, no princípio da dignidade da pessoa humana. Contudo, apesar dessas mudanças no Direito de Família brasileiro, as uniões paralelas continuaram excluídas do seu âmbito, sendo reguladas pelas normas do direito obrigacional, como se fossem sociedade de fato. Esta monografia visará analisar esse tratamento dispensado pelo direito brasileiro a essas uniões. No primeiro capítulo será abordado a origem e evolução histórica da família, que surge como unidade de produção, patriarcal e hierarquizada, para alcançar na sociedade contemporânea a pluralidade de relações fundadas no afeto. Deixa-se de lado o caráter patrimonial das relações, passando a ser o desenvolvimento da dignidade humana o objetivo principal da constituição da família. O capítulo segundo estudará a união estável dentro do ordenamento jurídico brasileiro, onde, inicialmente, os direitos eram alcançados somente perante os Tribunais para, mais tarde, ser reconhecida como entidade familiar protegida pela Constituição. Analisará ainda as principais características e pressupostos da união estável, bem como os deveres e direitos atinentes aos companheiros. O terceiro capítulo foi destinado ao tema do concubinato e das uniões paralelas dentro da doutrina, da legislação e da jurisprudência brasileira, tendo em vista os conflitos que já existem e os que ainda vão surgir. Buscar-se-á ao final fazer uma reflexão das famílias simultâneas frente ao princípio da afetividade, que hoje rege as relações familiares. Para o tema em estudo, a metodologia adotada foi baseada na legislação, na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais, analisando as divergências existentes e seus reflexos na família brasileira. Desta forma, este trabalho, além de abordar os conceitos de família, união estável e concubinato, analisará a legislação, a doutrina e jurisprudência existentes, trazendo as soluções aplicadas aos casos de uniões paralelas.

Page 9: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

8

CAPÍTULO I – A FAMÍLIA BRASILEIRA

1.1 Conceito O Código Civil não define o conceito de família. Também não são idênticos os conceitos que o Direito, a Sociologia e a Antropologia dão a esta instituição. Nem mesmo dentro do próprio Direito há uma identidade de significado, sendo que cada ramo da ciência jurídica adota uma compreensão. Segundo os ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

Etimologicamente, a expressão família vem da língua dos oscos, povo do norte da península italiana, famel (da raiz latina famul), com o significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão [...] Em sua origem, pois, a família não tinha um significado idealístico, assumindo uma conotação patrimonial, dizendo respeito à propriedade, designando os escravos pertencentes a alguém, a sua casa, a sua propriedade.1

Nos dias atuais, podemos entender a família como a união de pessoas por relação conjugal, por parentesco ou por afeto. Para Maria Berenice Dias “A família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito”.2 Já para Caio Mário da Silva Pereira, família se define da seguinte maneira:

Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem do tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados) [...] Na verdade, em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos.3

Na mesma linha, Silvio de Salvo Venosa afirma que:

Desse modo, importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar [...] Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filho que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar.4

1.2 Evolução Histórica

1 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012. 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 27. 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 23. 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. – 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2010. – (Coleção direito civil; v. 6), p. 2.

Page 10: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

9

Conforme preleciona Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, “Dúvida inexiste de que a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e como fenômeno social [...]”.5 Existem referências a uma organização matriarcal pela qual a família teria passado, ligada ou pela certeza da maternidade ou pela ausência temporária dos homens devido às caças e guerras. Contudo, o que se tem como certo é que a família ocidental, na maior parte da história, fundou-se no regime patriarcal. Caio Mário explica que “O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz [...] A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital [...]”.6 A família fora um organismo extenso e hierarquizado por séculos. Era vista como unidade de produção, onde os laços de afeto não tinham grande importância. A formação de patrimônio era o principal objetivo das pessoas que se uniam. No modelo de família patriarcal, necessariamente matrimonializada, vigente no Código Civil brasileiro de 1916, muitas das vezes a felicidade pessoal era sacrificada em prol da manutenção do vínculo de casamento.7 Maria Berenice salienta que:

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar matrimônio. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.8

As duas principais causas do desaparecimento da família patriarcal foram a urbanização e a emancipação da mulher. Com a industrialização a família sofreu uma alteração em sua composição, diminuindo o número de filhos e deixando de ser uma unidade de produção onde todos trabalhavam sob a autoridade do patriarca. O pai de família passa a trabalhar nas fábricas e as mulheres ingressam no mercado de trabalho. A emancipação feminina e a menor proximidade entre Estado e Igreja provocaram uma mudança na estrutura da família, deixando pra trás a imagem da família patriarcal e hierarquizada para inaugurar uma visão pluralista da família fundada nos laços de afeto. A partir do momento que a família deixa para trás a ideia de unidade de produção, constituída necessariamente pelo casamento, passam-se a existir novos arranjos familiares fundados no afeto e na busca pela dignidade humana. A estrutura de família patriarcal se modifica passando a família atual a estar fundada no princípio da solidariedade, como um dos fundamentos da afetividade. A organização patriarcal, que vigorou no Brasil por todo o Século XX, desapareceu não apenas no direito, mas sobretudo nos costumes. Nasce uma nova estrutura jurídica intimamente ligada ao conceito de família socioafetiva, fundada, principalmente, nos laços afetivos e na solidariedade entre os membros que a compõem.

5 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 38. 6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 29. 7 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 40. 8 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 28.

Page 11: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

10

Observa Caio Mário que “Substituiu-se, à organização autocrática uma orientação democrático-efetiva. O centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor”.9 Cristiano Chaves e Nelson Rosevald, ao analisarem a evolução da estrutura familiar, explicam que:

A transição da família como unidade econômica para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, reafirma uma nova feição, agora fundada no afeto. Seu novo balizamento evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem. Abandona-se, assim, uma visão institucionalizada, pela qual a família era, apenas, uma célula social fundamental, para que seja compreendida como núcleo privilegiado para o

desenvolvimento da personalidade humana.10 1.3 A Família Constitucionalizada A família brasileira transformou-se intensamente ao final do século XX, não apenas quanto aos valores, mas à sua composição. Conforme vimos, a família patriarcal entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição de 1988.11 A Carta Magna proclamou a família como base da sociedade, expandindo a proteção do Estado às entidades familiares, que passaram a assumir o papel de núcleo de direitos e obrigações. Para Caio Maio a “Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 abriu horizontes ao instituto jurídico da família, que mereceu sua atenção em três pontos relevantes: ‘entidade familiar’, planejando familiar e assistência direta à família (art. 226, §§ 3º a 8º)”.12 Maria Berenice ao analisar os efeitos da Constituição Federal de 1988 afirma que:

Procedeu o legislador constituinte ao alargamento do conceito de família, calcado na nova realidade que se impôs, emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento. Afastou da ideia de família o pressuposto do casamento, identificando como família também a união estável entre um homem e uma mulher.13

Prepondera Maria Helena Diniz:

Há relações familiares fora do matrimônio que podem ser pessoais, patrimoniais e assistenciais; que foram ignoradas pelo nosso Código Civil de 1916, que apenas indiretamente as regulava (arts. 248, IV, 1.177 e 1.719, III) com o escopo de fortalecer a família legítima [...] Mas a legislação e a

9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 30. 10 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 42. 11 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 17. 12 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 39. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 36.

Page 12: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

11

jurisprudência evoluíram no sentido de proteger a família não matrimonial e de conferir efeitos ao concubinato ou ao companheirismo.14

Com a Constituição Federal de 1988, fundada na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social e igualdade substancial, ficou estabelecido que a família merece especial proteção do Estado, sendo que o conceito trazido no caput do art. 226, por ser indeterminado, trata-se de verdadeira cláusula de inclusão, pela qual entende-se que qualquer núcleo familiar merece essa especial proteção do Estado. A família contemporânea, fruto do avanço tecnológico, científico e cultural, é plural e multifacetária. Fica no passado a estrutura hierarquizada e patriarcal, passando a família a ser compreendida como sistema democrático. A nova concepção múltipla e plural da família pós-moderna pode se referir a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos. Conforme observa Caio Mário, “Os vínculos de afetividade projetam-se no campo jurídico como a essência das relações familiares. O afeto constitui a diferença específica que define a entidade familiar”.15 Se a família tradicional aparecia através do direito patrimonial, agora, é fundada na solidariedade, na cooperação, no respeito à dignidade de cada um de seus membros, que se obrigam mutuamente em uma comunidade de vida.16 A Constituição Federal, a fim de abarcar as mudanças que ocorreram na estruturação da família, em seu art. 226, reconheceu a existência de outras entidades familiares além das famílias constituídas pelo matrimônio, quais sejam a união estável e a família monoparental. Importante lembrar que as uniões homoafetivas também foram reconhecidas como entidades familiares pelo STF na ADI 4277 e ADPF 132. As mudanças introduzidas pela Carta Magna de 1988 foram tão importante que Maria Berenice afirma que “Raras vezes uma constituição consegue produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como fez a atual Constituição Federal”.17 Salienta Paulo Lôbo que:

A Constituição brasileira inovou, reconhecendo não apenas a entidade matrimonial mas também outras duas explicitamente (união estável e entidade monoparental), além de permitir a interpretação extensiva, de modo a incluir as demais entidades implícitas.18

Na mesma linha, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald prelecionam que:

A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.19

14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 5. 15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 33. 16 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 27. 17 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 40-41. 18 LÔBO, Paulo. Op. cit., p. 33. 19 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 47.

Page 13: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

12

Ao tratar das famílias não matrimonializadas frente à nova ordem constitucional, Maria Berenice destaca que “A família à margem do casamento passou a merecer tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento, estabilidade e responsabilidade necessários ao desempenho das funções reconhecidamente familiares”.20 As estruturas familiares se modificam no tempo e no espaço a fim de atender às expectativas e necessidades da sociedade e do homem. A família evolui na medida em que o homem e a sociedade também evoluem e alcançam novas conquistas. Ou seja, a família está sempre se reinventando. O fenômeno familiar não é feito de uma totalidade homogênea, mas sim de relações diferenciadas, fundadas na busca da realização pessoal de seus membros. Os referenciais da família contemporânea estão fundados no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre seus membros, na preservação e fomento da dignidade deles.21 Com as mudanças sociais, econômicas e políticas, o conceito de família sofreu uma completa reformulação. O modelo convencional de um homem e uma mulher unidos pelo casamento e concebendo filhos já divide espaço com famílias monoparentais, homoafetivas e recompostas. Segundo o magistério de Caio Mário:

Delinearam-se novos paradigmas e novos modelos de família, centrados na dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar, visando à realização integral de seus membros. Rompeu-se com a primazia dos laços sanguíneos e patrimoniais em prol do vínculo afetivo.22

Como visto, a família passou a ser fundamental na promoção do princípio da dignidade da pessoa humana. Nessa esteira Maria Helena Diniz ensina que:

Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano.23

Anotam Cristiano Chaves e Nelson Rosevald que:

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora.24

20 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 37. 21 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 41. 22 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 50. 23 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 13. 24 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Op. cit., p. 41.

Page 14: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

13

A família passa a ser um elemento de garantia do homem, um instrumento para alcançar a felicidade. A proteção familiar tem como alvo a própria pessoa humana. A ideia de família-instituição perde espaço para a família-instrumento do desenvolvimento da pessoa

humana. Maria Berenice destaca que “As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, com mais liberdade, buscam realizar o sonho de ser felizes sem se sentirem premidas a permanecer em estruturas preestabelecidas e engessadoras”.25 Com essa maior liberdade, abre-se espaço para as mais diversas configurações de relacionamento. Caio Mário ao tratar do assunto afirma que “Novos tipos de grupamento humano marcados por interesses comuns e pelos cuidados e compromissos mútuos hão de ser considerados como novas ‘entidades familiares’ a serem tuteladas pelo direito”.26 Percebe-se que durante a evolução pela qual a família passou várias foram suas funções, tais como: religiosa, política, econômica e procriativa. As duas primeiras funções quase não deixaram vestígios na atual estrutura da família. A função econômica não faz mais tanto sentido, tendo em vista que a família deixou de ser uma unidade produtiva. E, por último, a função procriativa já não é tão essencial, ao passo que cresce o número de casais sem filhos. A família atual está fundada no paradigma da afetividade. A função básica da família moderna é a realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade. Nas palavras de Caio Mário:

Consolida-se a família socioafetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como Direito Fundamental, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar.27

Ao tratar da socioafetividade, Paulo Lôbo afirma que:

A família é sempre socioafetiva, em razão de ser grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva. [...] As relações familiares e de parentesco são socioafetivas, porque congrega o fato social (socio) e a incidência do princípio normativo (afetividade).28

Como vimos, o conceito e a estrutura da família sofreram diversas mudanças ao longo da história. A família inicialmente hierarquizada, patriarcal, vista como unidade de produção, abriu espaço para a ideia de família fundada no afeto, na solidariedade, na promoção da dignidade da pessoa humana e na busca pela felicidade de seus membros. Devido a essas transformações, as normas jurídicas tiveram que se adequar, passando a tutelar outras entidades familiares além daquelas constituídas pelo casamento. 1.4 Princípios Aplicáveis ao Direito de Família

25 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 44. 26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 41. 27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 43. 28 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 29.

Page 15: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

14

A legislação procurou se adaptar às mudanças da sociedade, incorporando novos princípios condizentes com a atual configuração da família brasileira. Insta destacar, que o Direito de Família deve ser analisado sob o prisma da Constituição Federal, encaminhando-se para um Direito Civil Constitucional. Como afirma Paulo Lôbo, “O modelo igualitário da família constitucionalizada contemporânea se contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior”.29 Dentre os principais princípios que se aplicam à família contemporânea estão: Princípio do respeito à dignidade humana, Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, Princípio da paternidade responsável e planejando familiar e o Princípio da comunhão plena de vida e solidariedade familiar. 1.4.1 Princípio do respeito à dignidade humana A Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso III, estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Tal princípio passa a refletir em todas as esferas do Direito, garantindo proteção integral ao indivíduo. O respeito à dignidade da pessoa humana também reflete no Direito de Família e, como consequência, se torna a base da estrutura familiar. Se no passado a família foi vista como unidade de produção, onde as pessoas se uniam com o objetivo principal de constituir patrimônio, nos dias atuais a família serve de instrumento para garantir o pleno desenvolvimento de seus membros. O princípio em tela é aplicado para resolver questões que surgem nas relações familiares, sendo que o patrimônio passa a ficar de lado, perde importância, ao passo que a pessoa é supervalorizada. 1.4.2 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros O art. 226, § 5º, da Carta Magna de 1988, preceitua que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Da mesma forma, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.511, prevê que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Com a queda da família patriarcal, a mulher, antes restrita a tarefas domésticas e à procriação, alcança papel de igualdade jurídica com o homem. Sendo assim, ambos os cônjuges ou companheiros possuem todos os direitos advindos da relação familiar e ambos possuem o dever de prover à manutenção da família. 1.4.3 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos Dispõe a Constituição Federal em seu art. 227, § 6º, que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O art. 1.596, do Código Civil, também traz o princípio da igualdade entre os filhos nos mesmos termos da Constituição. Conforme visto, todos os filhos são iguais, havidos ou não durante o casamento, ou ainda aqueles que forem adotados ou havidos por meio de inseminação heteróloga. As expressões utilizadas no passado, como filho adulterino, filho bastardo ou espúrio, não podem ser utilizadas nos dias atuais por serem discriminatórias. Também seria inimaginável,

29 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 33.

Page 16: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

15

após a evolução sofrida pelo conceito de família, a classificação que se ligava à qualificação dos filhos, como: família legítima, ilegítima e adotiva. A isonomia constitucional na ótica do direito de família repercute tanto no campo pessoal como patrimonial. Assim, todos os filhos terão direitos e deveres iguais dentro da família. 1.4.4 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar Prevê o art. 226, § 7º, da Carta Maior que “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”. Igualmente, o art. 1.565, § 2º, do Código Civil, também prega a liberdade no planejamento familiar. Prevê ainda o art. 1.513 que “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Trata-se do direito à liberdade e a não-intervenção do Estado no âmbito do Direito de Família. Quando se fala em relações de família, a regra geral é a autodeterminação afetiva de cada pessoa, ou seja, é a autonomia privada, sendo justificável a atuação do Estado somente para proteger e garantir os direitos de seus componentes. Com o novo conceito de família democrática, o planejamento e a chefia familiar devem ser exercidos por ambos os cônjuges e companheiros, inclusive com a participação dos próprios filhos, sendo vedada a interferência estatal. 1.4.5 Princípio da comunhão plena de vida e solidariedade familiar O elemento nuclear da família moderna é a afetividade, decorrente principalmente da valorização da dignidade humana. Conforme afirma Maria Berenice Dias, “Existe uma nova concepção de família, formado por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação”.30 A convivência, o afeto e a realização pessoal de todos os membros tornaram fatores essenciais à construção dessa nova família, que está fundada no princípio da solidariedade familiar. Importante destacar que a solidariedade não é apenas patrimonial, mas também afetiva e psicológica, implicando respeito e consideração mútuos em relação a todos os membros da entidade familiar. 1.5 A monogamia no direito brasileiro A monogamia não é exigida expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, contudo alguns doutrinadores afirmam a existência de um “princípio da monogamia” que deve orientar as normas que regulam o direito de família31. Fato é que o Estado brasileiro prega o preceito monogâmico através da proibição da bigamia. A bigamia se revela no direito penal como uma conduta tipificada no art. 235 do Código Penal, suscetível de pena de reclusão de 2 a 6 anos. Já na esfera civil, a existência de

30 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 28. 31 QUADROS, Tiago de Almeida. O Princípio da monogamia e o concubinato adulterino. Disponível em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B688241C5-06B2-4B76-B77E-5644DBAE41E6%7D_8.pdf. Acesso em: 20/12/2013, p. 12-13.

Page 17: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

16

casamento anterior gera impedimento de novo casamento (art. 1521, VI, do Código Civil de 2002). Caso venha a ser celebrado, o casamento posterior será nulo, nos termos do art. 1548, II, do mesmo diploma. Maria Berenice Dias define a ideia de monogamia da seguinte forma:

Trata-se de mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado condominial primitivo. Mas a uniconjugalidade não passa de um sistema de regras morais, de interesses antropológicos e psicológicos, embora disponha de valor jurídico.32

Para alguns autores, a monogamia serve como meio de exclusão de diversas famílias. Para essa corrente, o “princípio” da monogamia vai de encontro ao princípio da pluralidade de entidades familiares estabelecido na Constituição. Pressupõe-se que existam algumas famílias merecedoras da proteção do Estado e outras não. Para aqueles que defendem a “tese do rompimento ou superação da monogamia”, com a aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade e democracia nas relações familiares, não cabe mais dizer que subsiste princípio da monogamia no Direito de Família brasileiro. Alega-se que pelo fato do Brasil ser um Estado laico e plural, e por pregar o princípio da não intervenção estatal nas relações familiares, não faz sentido colocar obstáculos ao reconhecimento de diferentes formas de entidades familiares ligadas pelos laços de afeto. Por outro lado, existem aqueles que defendem que o princípio da monogamia deve ser observado em respeito à ordem normativa vigente. Ou seja, aquele que não observa o preceito da monogamia acaba por violar normas de direito civil e penal. Ao tratar do assunto, Thiago de Almeida Quadros afirma que:

Do exposto, constata-se que a monogamia, ao contrário do que alguns possam pensar, não consiste em simples regra atinente à moral. Trata-se, em verdade, de dogma imposto pelo próprio ordenamento jurídico, e, por conseguinte, não se resume a uma sugestão proposta aos indivíduos.33

Posteriormente, abordar-se-á o tão controvertido tema da monogamia frente às famílias simultâneas.

32 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 60. 33 QUADROS, Tiago de Almeida. O Princípio da monogamia e o concubinato adulterino. Disponível em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B688241C5-06B2-4B76-B77E-5644DBAE41E6%7D_8.pdf. Acesso em: 20/12/2013, p. 13.

Page 18: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

17

CAPÍTULO II – A UNIÃO ESTÁVEL

2.1 Conceito e Evolução Histórica O Código Civil de 2002, em seu art. 1.723, estabeleceu que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Ao conceituar a união estável, Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirmou que:

[...] o companheirismo é a união extramatrimonial monogâmica entre homem e mulher desimpedidos, com vínculo formador e mantenedor da família, estabelecendo uma comunhão de vida e d’almas, nos moldes do casamento, de forma duradoura, contínua, notória e estável.34

Guilherme Calmon Nogueira da Gama explica que “o companheirismo remonta a milênios, não se tratando de realidade recente na civilização humana”.35 Caio Mário da Silva Pereira afirma ainda que “concubinato houve em todos os tempos e em todas as civilizações, repercutindo necessariamente na vida jurídica”.36 No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensinam que “[...] a união afetiva livre, informal, sempre existiu (e sempre existirá). A história inclusive, revela que, entre diversos povos da Antiguidade, a união entre homem e mulher sem casamento não era algo reprovável, condenável [...]”.37 Paulo Lôbo em seus ensinamentos sobre a concessão de direitos aos companheiros salienta que:

[...] A influência da Igreja Católica, inclusive durante o período da República – autoproclamada laica –, impediu as tentativas de projetos de lei em se atribuir alguns efeitos jurídicos ao concubinato [...] A jurisprudência brasileira, tangenciando os óbices legais, procurou construir soluções de justiça para essas situações existenciais, configurando verdadeiro uso alternativo do direito, ante a pressão incontornável da realidade social. [...]38

Sobre o assunto Maria Berenice Dias afirma que:

[...] As uniões, surgidas sem o selo do matrimônio, eram identificadas como nome de concubinato. Quando de seu rompimento, pela separação ou morte de um dos companheiros, demandas começaram a bater às portas do Judiciário. Os primeiros julgados, que impulsionaram a construção de uma doutrina concubinária, são da década de 60. As soluções encontradas regravam tão só efeitos patrimoniais do relacionamento na tentativa de coibir aberrantes injustiças. [...]39

34 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 116. 35 Ibidem, p. 109. 36 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009. 37 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 500. 38 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 169. 39 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 167.

Page 19: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

18

Com relação à importância da jurisprudência na concessão de direitos aos que constituíam uniões não matrimonializadas, Guilherme Calmon Nogueira da Gama ensina que:

Em matéria de companheirismo, é imprescindível realçar o papel desempenhado pela jurisprudência nacional. À falta de regulamentação apropriada acerca das diversas espécies de uniões informais, mormente o companheirismo, as soluções das lides instauradas no âmago das relações somente foram encontradas devido à sensibilidade dos julgadores, prontos a reconhecer a realidade fática existente na sociedade e, baseados em princípios jurídicos voltados a realização da justiça, prestaram efetivamente a jurisdição, não assumindo postura tradicional e retrógrada aos anseios sociais.40

Flávio Tartuce e José Fernando Simão ao analisarem a evolução da legislação brasileira com relação à união estável ensinam que o Decreto-lei 7.036/1944 foi a primeira norma a tratar do assunto, reconhecendo a companheira como beneficiária da indenização no caso de acidente de trabalho de que foi vítima o companheiro.41 Com o passar do tempo, alguns direitos começaram a ser conferidos à concubina, em especial na legislação tributária. Para, mais tarde, o STF editar a Súmula 380 com a seguinte redação: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Analisando o surgimento de tal súmula, Maria Berenice Dias explica que: Em face das queixas generalizadas – e mais do que justificadas –, passou a

justiça a reconhecer a existência de sociedade de fato. Porém, para ensejar a divisão dos bens adquiridos na constância da união, havia necessidade da prova da efetiva contribuição financeira de cada consorte para a constituição do patrimônio.42

Portanto, a solução para contornar as relações patrimoniais advindas do então chamado “concubinato” eram encontradas no direito das obrigações, e não no direito de família. Como não era possível o pagamento de pensão alimentícia entre os companheiros, a alternativa utilizada pelos tribunais na época era a fixação de indenização dos serviços prestados pela concubina. A respeito de tal indenização, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensinam que:

[...] Tratava-se de uma maneira efetiva e concreta de conceder algum tipo de direito às pessoas que, por lei, não teriam direito a nada. Era, enfim, um modo de conceder alimentos a alguém que, com base no sistema jurídico-positivo, não poderia recebê-los por não constituir uma entidade familiar. Veja-se, pois, que referido posicionamento jurisprudencial tem grande consistência jurídica, representando significativo avanço para aquele tempo.43

40 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008. 41 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010, p. 267. 42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 168. 43 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 503.

Page 20: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

19

Outra legislação que também garantiu direitos à companheira foi a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973), que em seu art. 57, § 2º, passou a prever a possibilidade de a companheira utilizar o sobrenome do seu companheiro. A maior evolução veio com a Constituição Federal de 1988 que reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. A norma constitucional elencou as mais frequentes entidades familiares, sem desigualá-las, merecendo todas a mesma proteção. Prepondera Maria Berenice Dias que:

Com a evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais acabaram merecendo a aceitação da sociedade, levando a Constituição a dar nova dimensão à concepção de família e introduzir um termo generalizante: entidade familiar. Alargou o conceito de família, passando a proteger relacionamentos outros além dos constituídos pelo casamento. Emprestou juridicidade aos enlaces extramatrimoniais até então marginalizados pela lei.44

A Carta Magna, em seu art. 226, § 3º, preceitua que: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”. Para Maria Berenice Dias, embora a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu a equiparação das entidades familiares.45 Em pensamento contrário aos que afirmam que houve a equiparação da união estável ao casamento, Flávio Tartuce e José Fernando Simão filiam-se ao entendimento pelo qual a união estável não é igual ao casamento, uma vez que coisas iguais não se convertem uma na outra.46 Salienta Guilherme Calmon Nogueira da Gama que:

[...] Contudo, a suposta equiparação com o casamento nunca existiu, nem mesmo com o advento da Constituição de 1988, que expressamente reconheceu a preponderância das uniões formais quando comparadas com as informais. Caso assim fosse, ficaria sem sentido a regra da facilitação da conversão da ‘união estável’ em casamento.47

Caio Mário da Silva Pereira ensina que:

Num primeiro plano, o Constituinte de 1988 passou a considerar as uniões extraconjugais como realidade jurídica, e não apenas como um fato social. Retirou-lhes todo aspecto estigmatizante, no momento em que as colocou sob a ‘proteção do Estado’. Não se pode eliminá-la do âmbito do Direito de Família, eis que a Constituição as insere no art. 226, no Capítulo destinado à Família [...].48

E continua o ilustre professor:

44 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 168. 45 DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 169. 46 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010, p. 268. 47 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 116. 48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 570.

Page 21: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

20

De primeiro, afastou-se a sua equiparação ao casamento. Uma vez que ‘a lei facilitara sua conversão em casamento’ deixou bem claro que não igualou a entidade familiar ao casamento. Não se cogitaria de conversão, se tratasse do mesmo conceito. União estável e casamento ‘são institutos diversos’ [...].49

Na mesma esteira, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que:

Ao estabelecer a facilitação da conversão da união estável em casamento, o constituinte almejou, tão somente, tornar menos solene e complexo o matrimônio daquelas pessoas que, anteriormente, já conviviam maritalmente, como se casados fossem. Só isso. Não há, de nenhum modo, na referida disposição um intuito hierárquico, estabelecendo graus de proteção da família. [...] Para ser mais exato: casamento e união estável não são a mesma coisa e não querem ser. Todavia, ambas as entidades familiares dispõem da mesma proteção, eis que a família, base da sociedade, tem

especial proteção do Estado, como reza o caput do art. 226 da Constituição da República.50

Superada a questão, após a Constituição, foram editadas as Leis n. 8.971 e n. 9.278. A primeira entendia como “companheiros” o homem e a mulher que mantivessem união comprovada, na qualidade de solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole. Assegurou ainda o direito a alimentos e à sucessão do companheiro ou companheira, além do usufruto sobre parte dos bens deixados pelo de cujus. Já a segunda lei, em seu art. 1º, considerava entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Ou seja, suprimiu-se os requisitos de natureza pessoal, tempo mínimo de convivência e existência de prole. A Lei n. 9.278/96 ainda reconheceu o direito real de habitação e estabeleceu a presunção de que os bens adquiridos a título oneroso durante a união estável são fruto do esforço comum, independentemente da efetiva participação de cada companheiro. A presunção de colaboração dos conviventes na formação do patrimônio durante a vida em comum foi uma das mais importantes alterações trazidas pela lei, em seu art. 5º, invertendo-se o ônus probatório, que competia a que negasse a participação do outro. Atualmente, o Código Civil de 2002 dispõe sobre as regras básicas aplicadas à união estável, bem como seus efeitos pessoais e patrimoniais. O Código também não estabeleceu período mínimo de convivência. Sendo que os elementos expressamente previstos para a caracterização da união estável são: convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Importante também destacar que o § 1º, do art. 1.723, admitiu a união estável entre pessoas casadas, deste que estejam separadas de fato. A Carta Magna conferiu igual proteção aos institutos do casamento e da união estável, contudo o tratamento dado pelo Código Civil não é o mesmo. Apesar de prever direito a alimentos e estabelecer partilha igualitária dos bens, alguns direitos só são concedidos aos cônjuges. 2.2 Características

49 Ibidem, p. 570. 50 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012., p. 496.

Page 22: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

21

A união estável não depende de qualquer formalismo para se constituir, sendo necessário apenas o fato de vida em comum. Como consequência, na maioria das vezes, também não oferece dificuldades para sua dissolução. Contudo, pela ausência de formalismo, apresenta dificuldade de prova, pela falta de documento constitutivo da entidade familiar. O art. 1.723 do Código Civil de 2002 prevê os requisitos para a configuração da união estável. Carlos Roberto Gonçalves salienta que:

Vários são, portanto, os requisitos ou pressupostos para a configuração da união estável, desdobrando-se em subjetivos e objetivos. Podem ser apontados como de ordem subjetiva os seguinte: a) convivência more

uxório; b) affectio maritalis: ânimo ou objetivo de constituir família. E, como de ordem objetiva: a) diversidade de sexos; b) notoriedade; c) estabilidade ou duração prolongada; d) continuidade; e) inexistência de impedimentos matrimoniais; e f) relação monogâmica.51

Passemos a analisar as principais características e pressupostos que a união estável deve apresentar para que seja reconhecida como entidade familiar. 2.2.1 Convivência “more uxorio” Trata-se da comunhão de vidas, ou seja, o desejo de os companheiros compartilharem a mesma vida. Na visão de Carlos Roberto Gonçalves:

Envolve a mútua assistência material, moral e espiritual, a troca e soma de interesses da vida em conjunto, atenção e gesto de carinho, enfim, a somatória de componentes materiais e espirituais que alicerçam as relações afetivas inerentes à entidade familiar.52

Segundo o entendimento de Maria Berenice Dias:

Com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento se torna uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade. O casal transforma-se em universalidade única que produz efeitos pessoais com reflexos de ordem patrimonial. Atenta o direito a essa nova realidade, rotulando-a de união estável. Daí serem a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que prova da presença do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco. A exigência de notoriedade, continuidade e durabilidade da relação só serve como meio de comprovar a existência do relacionamento.53

Para alguns doutrinadores, a vida em comum sob o mesmo teto é elemento indispensável à configuração da união estável. Contudo, a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal preceitua que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável

51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 612. 52 Ibidem, p. 612. 53 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 174.

Page 23: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

22

à caracterização do concubinato”. Apesar de alegações de que tal súmula não estaria mais em vigor, Flávio Tartuce e José Fernando Simão afirmam que a Súmula 382 do STF continua em vigor, sendo que a lei não exige que os companheiros residam sob o mesmo teto.54 Carlos Roberto Gonçalves afirma que “[...] É difícil, no entanto, imaginar que o casal tenha a intenção de constituir família se não tem vida em comum sob o mesmo teto [...]”.55 E continua:

Pode acontecer, todavia, que os companheiros, excepcionalmente, não convivam sob o mesmo teto por motivo justificável, ou seja, por necessidade profissional ou contingência pessoal ou familiar. Nesse caso, desde que, apesar do distanciamento físico, haja entre eles a affectio societatis, a efetiva convivência, representada por encontros freqüentes, mútua assistência e vida social comum, não há como se negar a existência da entidade familiar.56

Maria Berenice Dias anota que:

[...] Apesar da ausência de reclamação legal de moradia única, a jurisprudência resiste em reconhecer o relacionamento quando o par não vive em um único lar. Embora existam justificativas para a mantença de casas diferentes, ainda assim a falta de vida sob o mesmo teto tende a desconfigurar a união.57

Paulo Lôbo ao tratar do assunto afirma que “A convivência sob o mesmo teto não é requisito da união estável. Persiste o conteúdo da Súmula 382 do STF, que atingia o que atualmente se denomina união estável [...]”.58 Entende Guilherme Calmon Nogueira da Gama que:

[...] Todas as noções doutrinárias e jurisprudências aplicáveis ao dever de coabitação dos cônjuges se aplicam perfeitamente ao companheirismo, inclusive quanto às exceções de tal dever, por circunstâncias pessoais ou profissionais de um ou de ambos os partícipes [...].59

Maria Helena Diniz ensina que “[...] a união estável pode existir mesmo que os companheiros não residam sob o mesmo teto, desde que seja notório que sua vida se equipara à dos casados civilmente [...]”.60 Seguindo este pensamento, existem julgados em que a ausência de convivência sob o mesmo teto não descaracteriza a união estável.61

54 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010, p. 273. 55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 613. 56 Ibidem, p. 613. 57 DIAS, Maria Berenice. Op. cit., 2011, p. 178. 58 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 172. 59 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 132. 60 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 389. 61 “Não exige a lei específica (Lei n. 9278/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a união estável. Diante da alteração dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes. O que se mostra indispensável é que a união

Page 24: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

23

2.2.2 “Affectio maritalis” Seria o ânimo ou objetivo de constituir família. Carlos Roberto Gonçalves salienta que “O requisito em apreço exige a efetiva constituição de família, não bastando para a configuração da união estável o simples animus [...]”.62 E continua o autor:

Não configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos mesmo constantes, ainda que os parceiros mantenham relações sexuais, nem as viagens realizadas a dois ou o comparecimento juntos a festas, jantares, recepções etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.63

Guilherme Calmon Nogueira da Gama define affectio maritalis como “[...] sentimento de amor e de solidariedade entre os companheiros, a intenção de se unirem cercados de sentimentos nobres, desinteressados de qualquer fator de índole econômica ou patrimonial [...]”.64 Afirma o ilustre autor Paulo Lôbo que “[...] A constituição de família é o objetivo da entidade familiar, para diferençá-la de outros relacionamentos afetivos, como a amizade, a camaradagem entre colegas de trabalho, as relações religiosas [...]”.65 A união extramatrimonial precisa visar à constituição de uma família, formando um novo organismo distinto de suas individualidades.66 Neste sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald explicam que:

Nesse passo, é o intuito familiae, também chamado de affectio maritalis, que distingue a união estável de outras figuras afins, como, por exemplo, um namoro prolongado, afinal os namorados não convivem como se estivessem enlaçados pelo matrimônio. Também aparta a união estável de um noivado, pois neste as partes querem, um dia, estar casadas, enquanto naquela os companheiros já vivem como casados. Nesse passo, mesmo que presentes, eventualmente, em um namoro ou em um noivado, algum, ou alguns requisitos caracterizadores da união estável, sendo ausente o ânimo de estar vivendo uma relação nupcial, como se casados fossem, não se caracterizará a entidade familiar e, via de consequência, não decorrerão efeitos pessoais e patrimoniais.67

2.2.3 Diversidade de sexos Entendia-se até pouco tempo que a união estável só poderia existir com a diversidade de sexos, principalmente por se tratar de modo de constituição de entidade familiar semelhante ao casamento.

se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento” (REsp 474.962-SP, STJ, 4ª Turma, rel. Min.Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU, 1º-3-2004). 62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 615. 63 Ibidem, p. 615. 64 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 123. 65 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 173. 66 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit., p. 120. 67 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 518.

Page 25: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

24

A própria Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, preceitua que é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Ou seja, diante da analise da norma constitucional percebe-se que a união entre pessoas do mesmo sexo não poderia ser considerada entidade familiar. Contudo, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, em 05 de maio de 2011, reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade. 2.2.4 Notoriedade A convivência entre o casal deve ser pública, ou seja, os companheiros devem se apresentar perante a sociedade como se casados fossem, como uma família. Ou seja, a união não pode ser oculta ou clandestina. Guilherme Calmon Nogueira da Gama ao tratar da notoriedade afirma que a união estável deve ser “[...] reconhecida socialmente, ainda que por um grupo restrito, pela posse de estado de casados, dignificando a união que deixa de ser clandestina, oculta, para ser tipo de família [...]”.68 Maria Helena Diniz afirma ainda que “[...] os companheiros deverão tratar-se, socialmente, como marido e mulher, aplicando-se a teoria da aparência, revelando a intentio de constituir família, traduzida por uma comunhão de vida e de interesses [...]”.69 2.2.5 Durabilidade e estabilidade A convivência deve ser duradoura, estendendo-se no tempo. Como vimos anteriormente, a legislação não fixa um prazo determinado para a caracterização da união estável, contudo é indispensável a estabilidade da relação. O relacionamento não deve ser efêmero, porém deve se prolongar no tempo. Prepondera Paulo Lôbo que:

[...] Na união estável a estabilidade decorre da conduta fática e das relações pessoais dos companheiros, sendo presumida quando conviverem sob o mesmo teto ou tiverem filho. Evidentemente, essas presunções admitem prova em contrário, pois o filho pode resultar de relacionamento casual, sem qualquer convivência dos pais. A noção de convivência duradoura é imprescindível, tendo em vista que a união estável é uma relação jurídica derivada de um estado de fato more uxório, que nela tem sua principal referência.70

Salienta Guilherme Calmon Nogueira da Gama que a estabilidade significa “[...] tratar-se de uma união sólida, duradoura, com a renovação cotidiana da vontade de manter o projeto familiar, não sendo efêmera, passageira, constituída a título experimental [...]”.71 Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

68 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 120. 69 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 386. 70 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 173. 71 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 120.

Page 26: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

25

[...] o traço caracterizador da estabilidade é a convivência prolongada no tempo, durante bons e maus momentos, a repartição das alegrias e tristezas experimentadas reciprocamente, a expectativa criada entre ambos de alcançar projetos futuros comuns... Tais situações, sem dúvida, servem para estabilizar a convivência.72

Por não possuir um critério objetivo, deve ser verificado em cada caso concreto se a relação existe por tempo suficiente para que esteja caracteriza e seja reconhecida a união estável. 2.2.6 Continuidade A união deve ser sem interrupções. A solidez da união é caracterizada pela continuidade do relacionamento. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensinam que:

[...] Evidentemente, não se fala em continuidade no sentido de perpetuidade, mas sim como elemento de verificação da solidez do vínculo. Significa que o relacionamento permanece, transpassa o tempo, não sofrendo interrupções constantes. [...] Assim, a continuidade que se exige para caracterizar a união estável é subjetiva anímica. É a intenção das partes de imprimir continuidade ao relacionamento, não se tratando de uma mera relação transitória, independendo de tempo. Até mesmo porque o amor não precisa de tempo...73

Carlos Roberto Gonçalves explica que “A instabilidade causada por constantes rupturas desse relacionamento poderá provocar insegurança a terceiros, nas suas relações jurídicas com os companheiros”.74 2.2.7 Inexistência de impedimentos matrimoniais A constituição da união estável é vedada se ocorrerem os mesmos impedimentos para o casamento. São eles: a) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; b) os afins em linha reta; c) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; e) o adotado com o filho do adotante; f) as pessoas casadas; g) o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seus consorte. Como já visto, a única hipótese em que é permitida a configuração da união estável, é no caso das pessoas separadas de fato ou judicialmente, de acordo com o art. 1.723, § 1º, do Código Civil de 2002. 2.2.8 Relação monogâmica

72 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 523. 73 Ibidem, p. 524. 74 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, 621.

Page 27: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

26

No tópico anterior vimos que as pessoas casadas são impedidas de constituir união estável, salvo o caso em que estejam separadas de fato. Sendo assim, conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves:

O vínculo entre os companheiros, assim, tem de ser único, em vista do caráter monogâmico da relação. Pode acontecer, todavia, que um dos conviventes esteja de boa-fé, na ignorância de que o outro é casado e vive concomitantemente com seu cônjuge, ou mantém outra união estável.75

A respeito do assunto, Guilherme Calmon Nogueira da Gama prepondera que:

Acerca da unicidade do vínculo, se houvesse outro vínculo anterior, matrimonial ou não, de um dos partícipes da nova relação, a nova união necessariamente seria concubinária, e não fundada no companheirismo e, assim, fora do alcance da norma constitucional e dos efeitos jurídicos inerentes ao instituto criador de família [...].76

Maria Helena Diniz salienta que “[...] Não havendo fidelidade, nem relação monogâmica, o relacionamento passará a condição de “amizade colorida”, sem o status de união estável [...]”.77 2.3 Deveres dos Companheiros O art. 1.724 do Código Civil impõe os seguintes deveres aos companheiros: a) lealdade; b) respeito; c) assistência; e d) guarda, sustento e educação dos filhos. O dever de lealdade abrange o dever de fidelidade. Alguns autores afirmam que a lealdade é gênero do qual a fidelidade é espécie, por isso, a lealdade inclui a fidelidade. Para Paulo Lôbo “[...] A lealdade é respeito aos compromissos assumidos, radicando nos deveres morais de conduta [...]”.78 Guilherme Calmon Nogueira da Gama entende que o dever de lealdade é “[...] decorrente do respeito, da consideração que ambos devem ter mutuamente, associado aos requisitos da unicidade de vínculo, da comunhão de vida, e da affectio maritalis [...]”.79 O dever de respeito engloba em considerar a individualidade do outro e não ofender os direitos da personalidade do companheiro. E a assistência obriga aos companheiros que se auxiliem, em todos os aspectos, ou seja, a assistência deve ser moral, afetiva, patrimonial e espiritual. O dever de guarda, sustento e educação dos filhos compreende também um direito de ambos os pais de conviverem com seus filhos, de se esforçarem para criá-los e educá-los e, ainda, a obrigação de arcarem com as despesas referentes aos cuidados. Quanto ao descumprimento dos deveres inerentes aos companheiros, esclarece Maria Berenice Dias que:

75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 623. 76 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 121. 77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 387. 78 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 178. 79 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit., p. 131.

Page 28: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

27

Eventual descumprimento dos deveres legalmente impostos não tem sequer o condão de afastar o reconhecimento da existência da entidade familiar, quando presentes os requisitos legais à sua constituição (CC 1.723). De outro lado, mesmo que um ou ambos os conviventes descumpram os deveres impostos pela lei, tal não gera efeito nenhum: nem impede o reconhecimento da união estável nem impõe sua dissolução.80

2.4 Direitos dos Companheiros Vários são os direitos conferidos aos companheiros pela legislação brasileira. Os mais importantes são os relativos aos alimentos, à meação e à herança. O direito aos alimentos está previsto no art. 1.694 do Código Civil. Em caso de dissolução da união estável, o companheiro ou a companheira terá direito a pedir alimentos desde que comprovada sua necessidade e a possibilidade do outro companheiro. Poderá ser utilizado o rito especial da Lei de Alimentos – Lei n. 5.478/68 –, sendo assim possível a fixação de alimentos provisórios, desde que exista prova preconstituída do companheirismo. Sobre o referido assunto, Caio Mario da Silva Pereira explica que:

Alimentos pelo tempo decorrido não lhes cabe, porque a regra é que não se concedem para o passado, uma vez que o postulante, bem ou mal, viveu, prevalecendo o brocardo latino in preteritu non vivitur. A possibilidade de pleiteá-los não é eterna. Os mesmos devem ser requeridos tão logo consubstanciado o rompimento da vida em comum. Cabe ao juiz avaliar esta necessidade vinculada à relação de dependência econômica entre os companheiros. Quanto ao futuro, a continuidade dos alimentos cessa se o alimentado vier a constituir nova união, ou se provar a desnecessidade por qualquer meio: exercício regular de uma atividade laborativa, recebimento de herança, ocorrência de um ato liberal, ou até um evento fortuito como seja o recebimento de um prêmio advindo da sorte.81

O art. 1.725 do mesmo diploma prevê que “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Sendo assim, na hipótese de ruptura da união estável, os companheiros terão direito à metade dos bens adquiridos durante a união. Sobre tal assunto, Maria Berenice Dias assevera que:

No regime da comunhão parcial, todos os bens amealhados durante o relacionamento são considerados fruto do trabalho comum. Presume-se que foram adquiridos por colaboração mútua, passando a pertencer a ambos em parte iguais. [...] Portanto, quem vive em união estável e adquire algum bem, ainda que em nome próprio, não é o seu titular exclusivo [...].82

Na mesma linha, Paulo Lôbo ensina que:

80 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 179. 81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 574. 82 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 179.

Page 29: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

28

Em virtude da expressa adoção do regime de comunhão parcial, há presunção legal de comunhão dos bens adquiridos após o início da união, não sendo cabível a discussão que lavrou na legislação anterior acerca da necessidade da prova do esforço comum. A presunção legal é absoluta, juris

et de jure. [...]83 Preponderam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que:

Essa presunção absoluta de colaboração recíproca somente cessará em algumas situações, nas quais se demonstre a inexistência de ajuda mútua entre o casal, sob pena de enriquecimento sem causa: i) quando as partes estipularem contrato de convivência em sentido contrário; ii) se a aquisição ocorreu durante a convivência, mas em sub-rogação de bens adquiridos anteriormente; iii) na hipótese de aquisição após a separação de fato.84

Quanto aos bens móveis existentes à época da dissolução da união estável, presumem-se adquiridos durante a vida em comum, salvo prova em contrário, nos moldes do art. 1.662 do Código Civil. As dívidas inadimplidas contraídas em proveito da entidade familiar também ingressam na comunhão, bem como os valores correspondentes ao pagamento de parcelas de contratos de aquisição de bens, após a constituição da união estável. Importante ressaltar que os companheiros podem celebrar contrato escrito mediante instrumento particular ou público com a finalidade de estipular regime de bens diferente da comunhão parcial, podendo adotar qualquer dos regimes previstos para os cônjuges ou ainda criando um próprio, de acordo com o previsto no art. 1.725 do Código Civil. No âmbito da sucessão, o companheiro ou companheira terá direito de herdar quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Concorrerá com os filhos e, na ausência deles, concorrerá com os ascendentes do autor da herança. Na ausência de ascendentes, concorrerá com outros parentes sucessíveis e, só na ausência de parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança, nos termos do art. 1.790 do Código Civil. Tal dispositivo é enormemente criticado por demonstrar um tratamento desigual entre cônjuge e companheiro. Na ordem de vocação hereditária, o cônjuge, na ausência de descendentes ou ascendentes do de cujus, herda a totalidade da herança. Ou seja, ele não concorre com os colaterais. Já o companheiro, como vimos, só herda a totalidade da herança quando inexistirem parentes sucessíveis. Quanto ao direito real de habitação, parece mais acertado o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama que afirma que:

No âmbito do Código Civil, não foi estabelecido o direito real de habitação no campo sucessório em favor dos companheiros conforme se constata pela leitura do art. 1.831. Contudo, não há qualquer incompatibilidade entre a previsão contida no art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/96 e o art. 1.831 do Código Civil, motivo pelo qual deve-se concluir pela continuidade do direito real de habitação para o cônjuge sobrevivente.85

Bem como o entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: 83 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 180. 84 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 547. 85 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 137.

Page 30: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

29

De fato, não se pode cogitar da existência do direito real de habitação em favor do cônjuge e negar-lhe ao companheiro, sob pena de afronta ao Texto Constitucional. Por isso, ate que sobrevenha lei, reconhecendo o direito de habitação ao companheiro, impõe-se aos juristas uma interpretação conforme a Constituição Federal, admitindo tal direito aos conviventes, em face da não revogação do dispositivo legal supracitado. [...] Outrossim, é de se defender que o direito de habitação do companheiro deveria se submeter às mesmas regras do direito reconhecido às pessoas casadas. Assim sendo, apesar da previsão do Parágrafo Único do art. 7º da Lei nº 9.278/96, estabelecendo que o direito de habitação do companheiro extingue-se pela constituição de nova entidade familiar ou pela morte do titular, é de se conferir a este direito as mesmas latitudes do art. 1.831, asseverando que o companheiro beneficiado pela habitação somente perderá seu direito pela morte (direito real de habitação incondicionado, assim como em favor do cônjuge sobrevivente).86

86 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 563.

Page 31: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

30

CAPÍTULO III – O CONCUBINATO E AS UNIÕES PARALELAS 3.1 Do Concubinato A expressão “concubinato” foi utilizada por um longo tempo para se referir à união prolongada, não matrimonializada, entre um homem e uma mulher, que difere-se do casamento principalmente pela liberdade de descumprir os deveres inerentes ao matrimônio. Contudo, após a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, a união entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição da família foi reconhecida como entidade familiar e passou a receber a nomenclatura de “união estável”. Apesar das expressões “concubinato” e “união estável” terem sido usadas como sinônimas por muito tempo, nos tempos atuais não se pode fazer tal confusão, pois essas expressões possuem significados diferentes. A união estável, antigo “concubinato puro”, diz respeito à união de pessoas que não possuem os impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil, com exceção do inciso VI. Já o “concubinato impuro”, atualmente “concubinato” apenas, se refere à convivência estabelecida entre duas pessoas onde uma delas ou mesmo as duas possuem impedimentos para se constituir a união estável. Ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

O concubinato, assim, diz respeito à união, de índole afetiva, entre um homem e uma mulher, sem casamento. [...] Com o advento do libertário e solidário Texto Constitucional, a expressão concubinato passou a designar, tão somente, a figura impura, pois o antigo concubinato puro passou a ser chamado de união estável [...].87

Prepondera ainda Sílvio de Salvo Venosa:

[...] é importante reiterar que o legislador do Código Civil optou por distinguir claramente o que se entende por união estável e por concubinato, não podendo mais essas expressões ser utilizadas como sinônimas, como no passado. O Termo concubinato fica reservado, na forma do art. 1.727, às relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, o que não é também uma expressão muito precisa, como apontaremos. Trata-se da união sem casamento, impura ou adulterina [...].88

Desta forma, o art. 1.727 do Código Civil prevê que constitui concubinato as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar. Importante lembrar que os separados de fato, judicialmente ou extrajudicialmente apesar de impedidos de casar, não são impedidos de constituir união estável, nos moldes do § 1º, do art. 1.723, do mesmo diploma.

87 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 508. 88 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. – 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2010. – (Coleção direito civil; v. 6), p. 416.

Page 32: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

31

Carlos Roberto Gonçalves afirma que “A expressão “concubinato” é hoje utilizada para designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, que infringem o dever de fidelidade”.89 Guilherme Calmon Nogueira da Gama ensina ainda que:

[...] O termo concubinato, portanto, deve ser reservado para outros tipos de uniões extramatrimoniais que não se insiram no contexto da família, nos moldes constitucionais. A jurisprudência também, há tempos, passou a distinguir a companheira da concubina, sendo aquela a mulher que se une ao homem, e que se apresenta à sociedade como se casada fosse com o seu parceiro, enquanto a concubina é a amante, no sentido pejorativo, ou seja, a mulher do lar clandestino, oculto. Tal distinção, hodiernamente, deve ser inteiramente aplicável ao partícipe (varão) da relação: companheiro ou concubino [...]. 90

Salienta Maria Helena Diniz que:

Ter-se-á concubinato impuro ou simplesmente concubinato, nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de entidade familiar (CC, art.1727), visto não poder ser convertido em casamento [...].91

O concubinato se difere ainda da união estável pela ausência das características e pressupostos presentes neste tipo de união. Assim, falta ao concubinato, na maioria das vezes, a presença de convivência “more uxorio”, do “affectio maritalis”, da notoriedade, além de outras características, principalmente por se tratar, quase sempre, de uma relação clandestina. O concubinato não é tido como entidade familiar, posto que o art. 226, § 3º, da Constituição e o art. 1.723, do Código Civil, reconhecem apenas a união estável como entidade familiar, e não o concubinato. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou da seguinte maneira:

Companheira e concubina. Distinção. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União estável. Proteção do Estado. A proteção do estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. Pensão. Servidor Público. Mulher. Concubina. Direito. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.92 (grifo nosso)

O concubinato, por sua vez, é tido como sociedade de fato, aplicando-se a Súmula 380 do STF. Como consequência, o concubino não possui direito aos alimentos, à sucessão ou à meação.

89 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 606. 90 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 117. 91 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 395. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 590779, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.02.2009. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 33: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

32

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald relacionam o reconhecimento do concubinato como sociedade de fato à ausência de relação monogâmica da seguinte forma:

O tratamento jurídico do concubinato como mera sociedade de fato tem como fundamento, ainda, o caráter monogâmico da relação familiar. Por isso, entende-se que conferir proteção ao concubinato em sede familiarista implicaria, por vias transversas, em quebrar a monogamia em sua própria essência [...].93

Paulo Lôbo em seus ensinamentos explica que:

[...] as relações entre os concubinos, segundo a orientação dominante, receberiam incidência das normas de direito obrigacional, aproximando a partilha dos bens comuns dos concubinos aos dos sócios de uma sociedade em comum (art.986 do Código Civil) e os alimentos que seriam devidos, se de entidade familiar se tratasse, ao valor de prestação de serviços [...].94

O que se pretende ao reconhecer a existência da sociedade de fato é evitar o enriquecimento sem causa de um concubino em detrimento do outro. Contudo, depende de prova efetiva pelo concubino interessado da existência de colaboração recíproca e da aquisição patrimonial para que alcance os efeitos patrimoniais decorrentes do concubinato. Ainda nesta seara, além de não ter direito aos alimentos, sucessão e meação, o concubino casado não pode fazer doação ao concubino cúmplice, sob pena de anulação pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários (art. 550, CC); o concubino do testador casado não pode também ser nomeado herdeiro nem legatário (art. 1.801, CC); e pela inteligência do art. 793 do Código Civil, não será também válida a instituição do concubino como beneficiário de seguro de pessoa. Com relação a esta última proibição, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu em maneira contrária, entendendo pelo fracionamento do seguro de vida, em partes iguais, entre a esposa e a concubina:

SEGURO DE VIDA EM FAVOR DE CONCUBINA. Homem casado. Situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole concomitante advinda de ambas as relações. Indicação da concubina como beneficiária do benefício. Fracionamento. Inobstante a regra protetora da família, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra “bigamia”, em que o extinto mantinha-se ligado à família e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do Direito. Recurso conhecido e provido em parte para determinar o fracionamento, por igual, da indenização secundária.95

3.2 Das Uniões Paralelas

93 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 509. 94 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 187. 95 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 100.888/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12/3/2000. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 34: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

33

“Famílias paralelas” ou “famílias simultâneas” são os termos utilizados para identificar a existência de núcleos familiares concomitantes, que apresentam um membro em comum. Ou seja, uma pessoa casada, que vive maritalmente com seu cônjuge, mas mantém também uma relação com outra pessoa. Ou ainda, um indivíduo que vive em união estável com uma pessoa e vem a iniciar uma nova relação com outra, sem terminar a primeira. A principal questão que surge é se esse segundo relacionamento poderia ser considerado uma união estável ou se trata de concubinato. Paulo Lôbo em sua obra entende que:

Desde a Constituição de 1988 abriu-se controvérsia acerca da possibilidade jurídica de uniões estáveis paralelas, tendo em vista a inexistência de regra expressa a respeito na legislação, inclusive no Código Civil de 2002. Entendemos não ser possível, porque a união estável é relação jurídica more

uxório, derivada de convivência geradora de estado de casado, o qual, consequentemente, tem como referência o casamento, que no direito brasileiro é uno e monogâmico [...].96

Sobre unicidade de vínculos, Flávio Tartuce e José Fernando Simão citam em suas lições que:

A exclusividade, apesar de não constar expressamente no art. 1.723 do CC, constituiria, para parte da doutrina, um dos requisitos para a caracterização da união estável, relacionada com a intenção de constituição de família e decorrente dos seus deveres, constantes do art. 1.724 da atual codificação.97

Guilherme Calmon Nogueira da Gama salienta ainda que:

[...] Assim, as hipóteses de ‘concubinato adulterino’ e de ‘concubinato desleal’, justamente por carecerem de unicidade de vínculo, não estão abrangidas pelo companheirismo, podendo, eventualmente, se caracterizar como sociedade de fato para efeito de partilhamento de bens, desde que atendidos os requisitos necessários.98

Já Maria Berenice Dias, em posição contrária, afirma que:

Não se atina o motivo de ter o legislador substituído fidelidade por lealdade. Como na união estável é imposto tão só o dever de lealdade, pelo jeito inexiste a obrigação de ser fiel. Portanto, autorizando a lei a possibilidade de definir como entidade familiar a relação em que não há fidelidade nem coabitação, nada impede o reconhecimento de vínculos paralelos. Se os companheiros não têm o dever de serem fiéis nem de viverem juntos, a mantença de mais de uma união não desconfigura nenhuma delas.99

96 LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011, p. 174. 97 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010, p. 284. 98 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 121. 99 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 178.

Page 35: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

34

Para melhor compreensão da problemática em questão, devem ser analisados os possíveis e mais comuns casos de famílias paralelas. 3.2.1 Famílias Simultâneas e boa-fé objetiva Como ficaria a situação em que um indivíduo vive em união estável com outro e desconhece que seu parceiro ou parceira é casado ou mantém união estável anterior a sua com uma terceira pessoa? No caso da concubina ou concubino que, de boa-fé, desconhece que seu parceiro é casado ou vive em união estável com outra pessoa, a doutrina entende que deve haver o reconhecimento da união estável putativa. Nessa linha de raciocínio, Guilherme Calmon Nogueira da Gama ensina que:

Tal como ocorre no casamento, é possível o reconhecimento da união estável putativa, sendo que a boa-fé do companheiro somada à aparência existente quanto à condição de desimpedido do outro (ainda que posteriormente se revele que havia outra família anteriormente constituída e mantida por este), permitirá a atribuição de todos os efeitos positivos ao companheiro que se conduziu na crença de que somente havia sua família na vida de seu consorte [...].100

Nesse caso, aplica-se a teoria da aparência para resguardar os direitos da companheira ou companheiro que manteve a relação desconhecendo o estado civil do parceiro. Uma vez demonstrada a boa-fé objetiva, os direitos serão preservados. Neste sentido, seguem julgados que reconheceram a união estável putativa e, por consequência, conferiram os direitos decorrentes da união estável à companheira que desconhecia o estado civil de casado do companheiro:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. PENSÃO POR MORTE. 1) O reconhecimento da união estável, segundo a interpretação que se extrai do disposto no art. 1.723, §1º, do Código Civil, exige como requisito a inexistência de impedimento para o casamento, o que, como visto, não se mostra possível na espécie, já que o de cujus era casado com a ora apelante. 2) Entretanto, sendo inegável a duradoura convivência entre a autora-apelada e o de cujus - pelo período de 26 anos - permeada de afeto e outros valores familiares não menos relevantes, aliado ao fato de que aquela somente tomou conhecimento da condição de casado do falecido após vinte anos de relacionamento(em 2003), é de se compreender, com lastro na vedação ao retrocesso social, que tal situação merece proteção jurídica, impondo-se, neste caso, a aplicação, por analogia, do disposto no art. 1.561, §1º, do Código Civil, para se reconhecer como caracterizada a situação de união estável putativa, dado que a autora ostentou a condição de convivente de boa-fé por mais de vinte anos, até que, em 2003, tomou conhecimento da existência de impedimento ao seu casamento com o falecido. 3) Direito da autora/apelada, em concorrência com a ré/apelante, à percepção da pensão por morte que ora se reconhece. 4) Recurso ao qual se dá parcial provimento.101

100 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 138. 101 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível 0060216-

90.2009.8.19.0038, Oitava Câmara Cível, Relator Des. Heleno Ribeiro P Nunes, julgamento: 20/03/2012. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 36: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

35

PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRAS SIMULTÂNEAS. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. RATEIO DA PENSÃO EM PARTES IGUAIS. É devido o rateio, em partes iguais, da pensão por morte entre as companheiras com quem o falecido segurado manteve, parelelamente, união estável putativa.102

3.2.2 Famílias simultâneas e ausência de boa-fé objetiva Como ficaria a situação de um indivíduo que vive em união estável com outro, tendo total conhecimento de que seu parceiro é casado ou mantém uma união estável anterior a sua com uma terceira pessoa? Maria Berenice Dias defende a ideia de reconhecer a segunda união como união estável e não como concubinato, concedendo todos os direitos reservados pela legislação àquele tipo de união:

[...] A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados só privilegia o ‘bígamo’. São relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos. Presentes os requisitos legais, é mister que a justiça reconheça que tais vínculos afetivos configuram união estável, sob pena de dar uma resposta que afronta a ética, chacelando o enriquecimento injustificado. Depois de anos de convívio, descabido que o varão deixe a relação sem qualquer responsabilidade pelo fato de ele – e não ela – ter ido infiel.103 (grifo nosso)

E continua a ilustre desembargadora:

[...] Uniões que persistem por toda uma existência, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsas da tutela jurídica. [...] Negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade [...].104

Seguindo esse pensamento, alguns Tribunais de nosso país têm entendido pelo reconhecido das uniões estáveis nos casos de famílias paralelas, em especial o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DUPLICIDADE DE CÉLULAS FAMILIARES. O Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja "digna" de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões

102 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível: 15492/PR 2003.70.01.015492-

1, Quinta Turma, Relator: Rômulo Pizzolatti, data de Julgamento: 29/01/2008, data de Publicação: D.E. 22/04/2008. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: 11/01/2014. 103 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 50. 104 Ibidem, p. 51.

Page 37: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

36

estáveis, cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações. Negado provimento ao apelo.105

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA A OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. O anterior reconhecimento judicial de união estável entre o falecido e outra companheira, não impede o reconhecimento da união estável entre ele e autora, paralela àquela, porque o Direito de Família moderno não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do mesmo caráter de entidade familiar. Preenchidos os requisitos elencados no art. 1.723 do CC, procede a ação, deferindo-se à autora o direito de perceber 50% dos valores recebido a título de pensão por morte pela outra companheira. 2)RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. Descabe a cumulação de ação declaratória com ação indenizatória, mormente considerando-se que o alegado conluio, lesão e má-fé dos réus na outra ação de união estável já julgada deve ser deduzido em sede própria. Apelação parcialmente provida.106

DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de

105 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70010787398, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/04/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. 106 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70012696068, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 06/10/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014.

Page 38: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

37

forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro.107 (grifo nosso)

Com o reconhecimento da união estável, a partilha dos bens passa a ser denominada “triação”:

Apelação. União dúplice. União estável. Possibilidade. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de 'papel'. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa,a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em 'triação' , pela duplicidade de uniões. Deram provimento, por maioria, vencido o des. Relator.108 (grifo nosso)

Contudo, apesar da existência de decisões em sentido contrário, conforme visto acima, o entendimento majoritário em nossos Tribunais é que a segunda união não poderá ser considerada uma união estável, mas sim uma relação concubinária. Neste sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que:

Não se pode admitir, no entanto, a existência de famílias jurídicas simultâneas quando a pessoa desimpedida da segunda união tem pleno conhecimento da manutenção do casamento ou do companheirismo pelo seu parceiro com a pessoa a que ele primeiro se vinculou no Direito de Família. Trata-se de hipótese de concubinato e, portanto, recebe a incidência do disposto no art. 1.727 do Código Civil.109

Os julgados de nossos Tribunais, em sua grande maioria, baseados no caráter monogâmico aplicável às famílias brasileiras, trazem o seguinte pensamento:

Civil e Processual Civil - Ação de reconhecimento e dissolução de união estável - Relacionamentos simultâneos - União estável não configurada - Fixação de alimentos - Incabivel. I - A união desleal não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, pois a manutenção de duas uniões de fato, concomitantes, choca-se com o requisito de respeito e consideração mútuos, impedindo o reconhecimento desses relacionamentos como entidade familiar, uma vez descaracterizada a existência do objetivo de constituir família e da estabilidade na relação; II - In casu, diante da manifesta existência de outros relacionamentos simultâneos, dos quais tinha ciência a autora, não pode receber a proteção da tutela jurisdicional para nenhum dos fins de direito, inclusive, no que toca à fixação de alimentos, não lhe amparando o direito à assistência material

107 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0017.05.016882-6/003 – Comarca de Almenara, Quinta Câmara Cível, rel. Desa. Maria Elza, j.20.11.08, DJMG 10.12.08. Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em 11/01/2014. 108 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70019387455, 8ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova, j. 24.05.2007. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. 109 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008, p. 139.

Page 39: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

38

recíproca previsto no art. 7º c/c o art. 2º, II, da Lei nº 9.278/96; III - Recurso conhecido e desprovido.110 (grifo nosso)

APELAÇÃO. DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO POST MORTEM DE UNIÃO ESTÁVEL. A entidade familiar advinda da união estável é reconhecida pelo Estado e dele merece proteção na forma do parágrafo 3º, do artigo 226 da CRFB. Para tanto, devem estar presentes os requisitos disciplinados pelo legislador no artigo 1723 do CCB, a saber, convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. Pelas provas carreadas aos autos, no período da suposta união estável, o finado encontrava-se casado, sendo inadmissível o reconhecimento de uniões paralelas. Doutrina e precedentes desta Corte. Negado seguimento ao apelo.111 (grifo nosso)

Também pensam desta forma o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal:

Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Casamento e concubinato simultâneos. Improcedência do pedido. - A união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro (a) separado de fato, enquanto que a figura do concubinato repousa sobre pessoas impedidas de casar. - Se os elementos probatórios atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, impõe-se a prevalência dos interesses da mulher casada, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo concubino. - Não há, portanto, como ser conferido status de união estável a relação concubinária concomitante a casamento válido. Recurso especial provido.112 (grifo nosso)

DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSIVIDADE DE RELACIONAMENTO SÓLIDO. CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL. EXEGESE DO § 1º DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1. Para a existência jurídica da união estável, extrai-se, da exegese do § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, o requisito da exclusividade de relacionamento sólido. Isso porque, nem mesmo a existência de casamento válido se apresenta como impedimento suficiente ao reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato, circunstância que erige a existência de outra relação afetiva factual ao degrau de óbice proeminente à nova união estável.

110 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível: 2008203509/SE, 2ª Câmara Cível, Relator: Desa. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, data de Julgamento: 02/09/2008. Disponível em: www.tjse.jus.br. Acesso em 11/01/2014. 111 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação: 89192520098190206/RJ

0008919-25.2009.8.19.0206, 19ª Câmara Cível, Relator: Des. Ferdinaldo do Nascimento, data de julgamento: 18/04/2012. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Acesso em 11/01/2014. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 931.155/RS, 3ª Turma, Relator: Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 07/08/2007. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 40: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

39

2. Com efeito, a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na inexistência de relacionamento de fato duradouro, concorrentemente àquele que se pretende proteção jurídica, daí por que se mostra inviável o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. 3. Havendo sentença transitada em julgado a reconhecer a união estável entre o falecido e sua companheira em determinado período, descabe o reconhecimento de outra união estável, simultânea àquela, com pessoa diversa. 4. Recurso especial provido.113 (grifo nosso)

COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.114

Diante do não reconhecimento da união paralela como entidade familiar, a relação concubinária será regulamentada pelas regras da sociedade de fato, conforme vimos anteriormente. Desta forma, entende o Superior Tribunal de Justiça que:

CONCUBINATO. Sociedade de fato. Direito das obrigações. Segundo entendimento pretoriano, "a sociedade de fato entre concubinos é, para as conseqüências jurídicas que lhe decorram das relações obrigacionais, irrelevante o casamento de qualquer deles, sobretudo, porque a censurabilidade do adultério não pode justificar que se locuplete com o esforço alheio, exatamente aquele que o pratica." Recurso não conhecido.115 (grifo nosso).

Sobre esse posicionamento adotado, Maria Berenice Dias prepondera que:

Deixar de reconhecer a família paralela como entidade familiar leva à exclusão de todos os direitos do âmbito do direito das famílias e sucessório. Ou seja, a companheira não pode receber alimentos, herdar, ter participação automática na metade dos bens adquiridos em comum. A jurisprudência amplamente majoritária nega a existência desses relacionamentos, não os identificando como união estável. No máximo é invocado o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens

113 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 912.926/RS, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 22/02/2011, DJe 07/06/2011. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. 114 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 397762, 1ª Turma, Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/2008. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 11/01/2014. 115 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 229.069/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 26/4/2005. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 41: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

40

adquiridos na sua constância, mediante indispensável prova de participação efetiva para a aquisição patrimonial. Nada mais é deferido.116

A autora afirma ainda que “[...] reconhecer apenas efeitos patrimoniais, como sociedade de fato, consiste em uma mentira jurídica, porquanto os companheiros não se uniram para constituir uma sociedade [...]”.117 Tratar o concubinato como sociedade de fato e, via de consequência, invocar a Súmula 380 do STF, é uma forma de evitar o enriquecimento injustificado de uma das partes e não deixar a outra desamparada. A antiga indenização por serviços domésticos prestados também é concedida como forma de amenizar os prejuízos sofridos pela concubina. A respeito do assunto, a desembargadora Maria Berenice Dias ensina que:

[...] em face do repúdio do legislador (CC 1.727) e da própria jurisprudência em reconhecer a existência das famílias paralelas, excluindo-as do âmbito do direito das famílias, imperativo garantir a sobrevivência de quem dedicou a vida a alguém que não lhe foi leal, mantendo outro relacionamento. Como vem sendo rejeitada a concessão de alimentos, para evitar o enriquecimento injustificado do varão, e não permitir que se livre sem responsabilidade alguma, impositivo, ao menos, impor-lhe a obrigação de indenizar serviços domésticos. Esse é o jeito de impedir que a companheira acabe sem meios de prover a própria subsistência, depois de anos de dedicação e convívio. Deve-lhe ser assegurado, no mínimo, direito indenizatório. Por mais que tal espécie tenha sido alvo de críticas pelo caráter aviltante, que ao menos a quem deu amor seja remunerado o seu labor. É a única saída, ainda que pouco digna [...].118

Neste sentido, nossos Tribunais já concederam decisões favoráveis à concessão da indenização:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. INDENIZAÇÃO. AMPARO À CONCUBINA. RETRIBUIÇÃO PELA VIDA EM COMUM. Não é razoável deixar ao desamparo a companheira de mais de uma dezena de anos, o que representa o locupletamento à custa do afeto e dedicação alheia, sendo cabível estimar-se indenização correspondente ao tempo de convivência. APELAÇÃO PROVIDA, PARA FIXAR INDENIZAÇÃO.119

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SERVIÇOS PRESTADOS E COMPROVADOS NA CONDIÇÃO DE CONCUBINA, DA AUTORA - RELAÇÃO CONCUBINÁRIA SOBEJAMENTE PROVADA NOS AUTOS - COMPLETOS REQUISITOS DE SUA CONFIGURAÇÃO COM ESPECIALIDADE A "affectio maritalis E MAIS A RELAÇÃO more uxório" - EXISTÊNCIA DE PROLE CONFESSADA, O QUE TAMBÉM CARACTERIZA O CONCUBINATO. AUSÊNCIA DE PATROMÔNIO COMUM. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR

116 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 54. 117 Ibidem, p. 52. 118 Ibidem, p. 187. 119 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70011177599, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 13/07/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014.

Page 42: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

41

SERVIÇOS PRESTADOS. POSSIBILIDADE. TOTAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA, COM ARBITRAMENTO POR ARTIGO. 1. Inexistindo acréscimo patrimonial e, por conseguinte, quaisquer bens a serem partilhados é possível o pagamento de indenização a convivente que se dedicou exclusivamente aos afazeres domésticos, a título de indenização por serviço prestado e comprovados. Apelo PROVIDO 5. Sentença reformada em favor da Apelante.120

O Superior Tribunal de Justiça já havia se pronunciado a respeito do assunto, concedendo também a indenização por serviços domésticos prestados, conforme acórdãos abaixo:

RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Inexistindo acréscimo patrimonial e, por conseguinte, quaisquer bens a serem partilhados, entende esta Corte Superior possível o pagamento de indenização ao convivente que se dedicou exclusivamente aos afazeres domésticos, a título de indenização por serviços prestados. Precedentes. 2. Recurso conhecido e provido.121 (grifo nosso)

CIVIL E PROCESSUAL. CONCUBINATO. RELAÇÃO EXTRACONJUGAL MANTIDA POR LONGOS ANOS. VIDA EM COMUM CONFIGURADA AINDA QUE NÃO EXCLUSIVAMENTE. INDENIZAÇÃO. SERVIÇOS DOMÉSTICOS. PERÍODO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL PELA CONCUBINA APÓS O ÓBITO DA ESPOSA. DESCABIMENTO. PEDIDO RESTRITO. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. Pacífica é a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de ser o concubino casado, se possível, como no caso, identificar a existência de dupla vida em comum, com a esposa e a companheira, por período superior a trinta anos. II. Pensão devida durante o período do concubinato, até o óbito do concubino. III. Inviabilidade de ocupação pela concubina, após a morte da esposa, do imóvel pertencente ao casal, seja por não expressamente postulada, seja por importar em indevida ampliação do direito ao pensionamento, criando espécie de usufruto sobre patrimônio dos herdeiros, ainda que não necessários, seja porque já contemplada a companheira com imóveis durante a relação, na conclusão do Tribunal estadual, soberano na interpretação da matéria fática. IV. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" - Súmula n. 7-STJ. V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.122 (grifo nosso)

120 BRASIL. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Apelação Cível nº 59733/PE 0000750398, 4ª Câmara Cível, Relator: Jones Figueirêdo, Data de Julgamento: 03/09/2009. Disponível em: www.tjpe.jus.br. Acesso em 11/01/2014. 121 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 323909/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 15/05/2007. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 43: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

42

Entretanto, nos julgados mais recentes, o STJ passou a não reconhecer o direito à tal indenização por entender que tal providência eleva o concubinato a um nível de proteção mais favorável que o existente no casamento e na união estável:

Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados. - Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse. - A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido. - A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita. - Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores. - Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito. Recurso especial do Espólio provido. Recurso especial da concubina julgado prejudicado.123 (grifo nosso)

DIREITO CIVIL. CONCUBINATO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SERVIÇOS DOMÉSTICOS. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.727 DO CC/02. INCOERÊNCIA COM A LÓGICA JURÍDICA ADOTADA PELO CÓDIGO E PELA CF/88, QUE NÃO RECONHECEM DIREITO ANÁLOGO NO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A união estável pressupõe ou ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos,

122 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 303604/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 20/03/2003. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. 123 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 872659/MG, 3ª Turma, Relator: Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 25/08/2009, data de publicação: DJe 19/10/2009. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 44: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

43

separação de fato, para que assim ocorram os efeitos análogos aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de direitos patrimoniais, conforme definido em lei. 2. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência. 4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (art. 226 da CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família. 5. Recurso especial conhecido e provido.124 (grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO CONCUBINÁRIA ENTRE A AUTORA E O FALECIDO. PARTILHA DE BENS. NÃO COMPROVAÇÃO DE ESFORÇO COMUM PARA A AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO. INDENIZAÇÃO. SERVIÇOS PRESTADOS. DESCABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO COM APLICAÇÃO DE MULTA. [...] 3. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 4. Agravo regimental a que se nega provimento com aplicação de multa.125 (grifo nosso)

Percebe-se, então, que nos casos de famílias paralelas, segundo entendimento jurisprudencial majoritário, não sendo aplicável a hipótese da união estável putativa – onde o companheiro, de boa-fé, desconhecia a situação de impedimento do outro companheiro –, a relação será reconhecida como concubinato, sendo aplicadas as regras da sociedade de fato, devendo a concubina ou concubino comprovar que o patrimônio foi adquirido pelo esforço comum para ter direito à partilha. 3.3 O Princípio da Afetividade e as Uniões Paralelas

124 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 988.090/MS, 4ª Turma, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 02/02/2010. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. 125 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 249.761 - RS

(2012/0231402-6), 4ª Turma, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 28/05/2013. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 45: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

44

Como vimos no Capítulo I, a nova família brasileira não é mais aquela família patriarcal, hierarquizada e constituída, principalmente, pelo matrimônio. Hoje, o centro gravitor das famílias é o afeto. As relações familiares servem de instrumento para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. Diante dessa nova realidade, indaga-se se desconsiderar as uniões paralelas como entidades familiares é a melhor forma de lidar com a situação. Importante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não ter adotado diretamente o princípio da monogamia, traz esse valor moral monogâmico em sua essência. Se se aplicar a letra fria da lei a essa situação onde existem famílias simultâneas, realmente não há de se reconhecer a união estável, posto que o parágrafo primeiro, do art. 1.723, do Código Civil, prevê que a união estável não se constituirá caso um dos companheiros seja casado, exceto nas hipóteses de separação de fato ou judicial. Por óbvio, não se deve premiar a conduta do parceiro infiel e desleal que achou na união estável uma forma de constituir família com duas pessoas diferentes sem, contudo, incorrer no crime de bigamia. Todavia, em certas situações deve-se relativizar a norma jurídica para melhor atender os anseios da sociedade. Assim como foi feito no caso da união estável homoafetiva. O § 3º, do art. 226, da Constituição Federal e o art. 1.723, do Código Civil, reconhecem somente a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já proclamou a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar também. Isso mostra que, assim como a sociedade, o Direito vive em constante mudança para melhor se adequar à realidade. Se atualmente a família é fundada nos laços de afeto, deve-se aplicar o Direito da melhor forma para que as concubinas ou concubinos, que viveram durante longo tempo ao lado da pessoa amada, não sejam prejudicadas ao término dessa relação. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald concluem que:

Realmente, já é chegado o momento de refletir sobre o concubinato com uma visão menos preconceituosa e mais técnica. Levando em conta o caráter afetivo das relações familiares, não se pode renegar efeitos jurídicos a uma realidade fática afetiva, envolvendo pessoas humanas. Logicamente, não se pretende com isso equiparar o concubinato a uma união estável, mas tão somente, enquadrá-lo no continente do Direito das Famílias. Se o afeto é o ponto concêntrico das relações de família, é preciso uma reflexão mais acurada e cuidadosa acerca da natureza do concubinato, procurando posicioná-lo com isenção de ânimo de moralidade pessoal [...].126

No Recurso Extraordinário 397.762-8/BA, o Ministro Carlos Ayres Brito pronunciou um voto memorável que, apesar de ter sido vencido, merece especial atenção por indicar uma possível mudança no pensamento de nossos Tribunais superiores:

[...] Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais Alta do nosso País, porém casais em situação de companheirismo. Até porque o concubinato implicaria discriminar os eventuais filhos do casal, que passariam a ser rotulados de “filhos concubinários”. Designação pejorativa, essa, incontornavelmente agressora do enunciado constitucional de que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos

126 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012, p. 512.

Page 46: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

45

direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (§6º do art. 227, negritos à parte). Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a-dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração “é terra que ninguém nunca pisou”. Ele, coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou por qualquer modo embaraçante. [...] No caso dos presentes autos, o acórdão de que se recorre tem lastro factual comprobatório da estabilidade da relação de companheirismo que mantinha a parte recorrida com o de cujus, então segurado da previdência social. Relação amorosa de que resultou filiação e que fez da companheira uma dependente econômica do seu então parceiro, de modo a atrair para a resolução deste litígio o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. Pelo que, também desconsiderando a relação de casamento civil que o então segurado mantinha com outra mulher, perfilho o entendimento da Corte Estadual para desprover, como efetivamente desprovejo, o excepcional apelo. O que faço com as vênias de estilo ao relator do feito, ministro Marco Aurélio.127

Conclui-se, desta maneira, que o concubinato, por possuir características próprias, não pode ser equiparado a união estável, tendo em vista que esta possui pressupostos que, na maioria das vezes, não estão presentes no concubinato. Contudo, não se deve tratar uma relação familiar no campo do direito obrigacional, pois os concubinos não se uniram com o objetivo de formar uma sociedade, mas sim de formar uma família.

127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 397762, 1ª Turma, Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/2008. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 47: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

46

CONCLUSÃO Novas configurações de família surgiram juntamente com a evolução da sociedade. Via de consequência, o direito teve de adequar suas regras para abarcar essas novas estruturas familiares, tutelando direitos e solucionando conflitos. A Constituição Federal, fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana, reconheceu como entidade familiar a união estável, protegendo e garantindo direitos a este tipo de união não matrimonializada, que se difere do casamento pelo modo de sua constituição. O afeto foi elevado a elemento nuclear das relações familiares. A família passa a ser compreendida como sistema democrático, fundada na igualdade, solidariedade, cooperação, no respeito à dignidade humana e na busca da realização pessoal de cada um de seus membros. Desta forma, com o pluralismo das entidades familiares, impõe-se o reconhecimento de novos arranjos familiares, além dos previstos expressamente pela Constituição. Sob essa perspectiva, impossível não reconhecer o caráter familiar das relações concubinárias presentes nas uniões paralelas. Essas relações repercutem no mundo jurídico. Os indivíduos convivem por longo período, constroem uma família, muitas vezes têm filhos e ainda podem adquirir patrimônio em comum. Equiparar essas relações a uma sociedade de fato e conceder apenas efeitos patrimoniais, não parece ser a forma mais equilibrada e justa de lidar com a situação. Na verdade, trata-se de uma mentira jurídica, pois concubinos se unem pelo afeto, para formarem uma família, e não uma sociedade. O argumento mais utilizado para não reconhecer essas uniões é o princípio da monogamia que, para muitos, não se trata de um princípio expresso, mas de um valor moral. Certo é que a monogamia é acolhida pela maior parte da sociedade contemporânea e, devido a isso, mantido pelo ordenamento jurídico brasileiro, mesmo que de forma indireta. Contudo, não é possível que o Estado controle a existência das relações paralelas. Apesar de ter o legislador brasileiro optado por uma postura francamente intervencionista na vida íntima das pessoas que se unem informalmente, a constituição da união paralela é escolha única e exclusivamente dos indivíduos envolvidos naquela situação, devendo o Estado respeitá-la, intervindo quando necessário para proteção e garantia de direitos. Logicamente, não se pretende igualar as relações concubinárias às uniões estáveis, pois, muitas das vezes, lhe faltariam os requisitos estabelecidos no art. 1.723, do Código Civil. Entretanto, aquelas relações, fundadas igualmente no afeto, devem ser tratadas de forma digna, não discriminatória e, principalmente, devem ser consideradas entidades familiares, tendo em vista que se enquadram no novo conceito de família. O direito não pode ignorar a realidade social. A hipocrisia que tanto impregnou o Direito de Família deve ser afastada para, então, reconhecer o afeto como um dos principais princípios norteadores das relações familiares.

Page 48: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 249.761 - RS

(2012/0231402-6), 4ª Turma, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 28/05/2013. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 100.888/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12/3/2000. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 229.069/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 26/4/2005. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 303604/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 20/03/2003. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 323909/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 15/05/2007. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 872659/MG, 3ª Turma, Relator: Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 25/08/2009, data de publicação: DJe 19/10/2009. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 912.926/RS, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 22/02/2011, DJe 07/06/2011. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 931.155/RS, 3ª Turma, Relator: Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 07/08/2007. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 988.090/MS, 4ª Turma, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 02/02/2010. Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 397762, 1ª Turma, Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/2008. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 590779, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.02.2009. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0017.05.016882-

6/003 – Comarca de Almenara, Quinta Câmara Cível, rel. Desa. Maria Elza, j.20.11.08, DJMG 10.12.08. Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Apelação Cível nº 59733/PE

0000750398, 4ª Câmara Cível, Relator: Jones Figueirêdo, Data de Julgamento: 03/09/2009. Disponível em: www.tjpe.jus.br. Acesso em 11/01/2014.

Page 49: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

48

________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível 0060216-

90.2009.8.19.0038, Oitava Câmara Cível, Relator Des. Heleno Ribeiro P Nunes, julgamento: 20/03/2012. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação:

89192520098190206/RJ 0008919-25.2009.8.19.0206, 19ª Câmara Cível, Relator: Des. Ferdinaldo do Nascimento, data de julgamento: 18/04/2012. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Acesso em 11/01/2014. ________, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº

70010787398, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/04/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº

70011177599, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 13/07/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº

70012696068, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 06/10/2005. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível

70019387455, 8ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova, j. 24.05.2007. Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 11/01/2014. ________. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível: 2008203509/SE, 2ª Câmara Cível, Relator: Desa. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, data de Julgamento: 02/09/2008. Disponível em: www.tjse.jus.br. Acesso em 11/01/2014. ________. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível: 15492/PR

2003.70.01.015492-1, Quinta Turma, Relator: Rômulo Pizzolatti, data de Julgamento: 29/01/2008, data de Publicação: D.E. 22/04/2008. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: 11/01/2014. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5 : direito de família. – 25. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Famílias, v. 6. – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2012. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil : família. – São Paulo : Atlas, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

Page 50: UFRRJ · parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito, no curso de Graduação em Direito. Três Rios, RJ ... tendo em vista o novo conceito de família democrática

49

LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011. NAMUR, Samir. A desconstrução da preponderância do discurso jurídico do casamento no

direito de família. – Rio de Janeiro: Renovar, 2009. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 5. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009. QUADROS, Tiago de Almeida. O Princípio da monogamia e o concubinato adulterino. Disponível em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B688241C5-06B2-4B76-B77E-5644DBAE41E6%7D_8.pdf. Acesso em: 20/12/2013. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. – 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2010. – (Coleção direito civil; v. 6)