Tutela Penal do Sentimento Religioso

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Agosto de 2011 12 Brasil Presbiteriano BP LEGAL ais uma edição do Congresso Internacional de Ética e Cidadania no Mackenzie está se aproximando. Este ano, o tema será Psicologia e Cristianismo. Será nos dias 29, 30 e 31 de agosto e irá abordar a importância que uma visão abrangente tem para o tratamento das necessidades psicológicas do ser humano. Os palestrantes internacionais, Dr. David Powlison e Dr. Eric Johnson, são doutores formados em uni- versidades seculares na área de psicologia e tratarão do tema do ponto de vista cristão, além de outros pal- estrantes convidados que participarão do Congresso. As palestras serão transmitidas ao vivo pela internet e ficarão disponíveis para download gratuito após o evento. Congresso Internacional no Mackenzie aborda Psicologia e Cristianismo M Sentimento religioso s crimes contra o “sen- timento religioso”, constantes no artigo 208 do Código Penal, apesar de serem previstos numa lei que data de 1940, indicam tratar- se de algo relevante para o Direito. Diz o artigo 208: “Escarnecer de alguém publi- camente, por motivo de cren- ça ou função religiosa; impe- dir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Pena – detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa”. A idéia de escarnecer acompanha o sentido de ridi- cularizar. No mais, o escárnio deve se dirigir a pessoa deter- minada, feito publicamente e por motivo específico de crença ou função religiosa. A lei fala em proteção do culto religioso contra qual- quer pessoa que impede ou perturba seu desenvolvimen- to. A proteção é específica à cerimônia ou culto religioso solene, mas abrange também as reuniões informais como estudos bíblicos ou orações. O artigo também cita a ação de vilipendiar, que é o tratamento vil ou com des- prezo, de ato ou objeto do culto, o que pode se efetivar por meio de palavras, gestos ou escritos. O incurso a qualquer uma das três figuras tipificadas pelo artigo 208 do Código Penal possibilita a instaura- ção de inquérito policial para apuração dos fatos, visando ajuizamento de ação penal e imposição de pena de deten- ção de 1 mês a 1 ano, ou multa, a quem for condenado pela prática de tais crimes. Remanescem, contudo, desafios contemporâneos à questão. É que, apesar da proteção legal ao sentimento religio- so, é necessário lidar com o modo pelo qual esse direito pode ser exercido, conside- rando-se ser o Brasil um país laico (artigo 19, I, CF/88) e caracterizado pela diversi- dade cultural, étnica e com valores pós-modernos, plura- lista e relativista. Em nome da “liberdade de consciência e de expressão”, setores da sociedade brasilei- ra têm vivenciado um campo de batalha. Dadas duas posi- ções contrapostas, a liberda- de de expressão tutelada a uma delas tem sido tomada como violação à liberdade de expressão da que lhe é contrária. No campo da hermenêu- tica, a nova teoria geral do direito constitucional tem desenvolvido “métodos de interpretação evolutiva” que permitem a modificação informal da Constituição sem a necessidade de alteração do conteúdo formal do seu texto. Assim, por um lado, os tri- bunais têm procurado “repa- rar” uma antiga idéia apon- tada por Pontes de Miranda em seus Comentários à Constituição de 1946 de que no Brasil, ainda não se havia compreendido que o conteúdo das liberdades de consciência e de expressão envolveria também a tutela de manifestações anti-demo- cráticas e anti-religiosas. Ocorre que, em nome do combate da chamada “into- lerância religiosa”, é o direi- to ao “sentimento religioso” que tem sido atingido. Veja-se o recente caso do PL n° 122/2006, que tenta institucionalizar o “deli- to de opinião”, que ocor- re, por exemplo, quan- do alguém manifesta, por seguir um credo religioso, censura ao comportamento homossexual. Se o PL 122 for aprovado, corre-se o risco de o sim- ples ato de manifestação de opinião contrária ao com- portamento homossexual ser considerado uma prática de ação constrangedora ou inti- midatória ao direito de opção sexual, com implicações ao direito fundamental de cons- ciência, crença e expressão. Apesar da insegurança jurídica, já tem havido um esforço hermenêutico nos tribunais para se evitar que leis, aparentemente neutras, como a que se pretende aprovar, resultem em pre- juízos oblíquos às minorias estigmatizadas. Resta-nos a oração e a mobilização para que o direi- to ao “sentimento religioso”, como corolário do direito de consciência, crença e expres- são, nos seja assegurado den- tro e fora de nossas igrejas. Ricardo Barbosa O O Dr. Ricardo de Abreu Barbosa, advogado trabalhista, é especialista em direito mobiliário (USP), direito do consumidor (OAB/SP) e administração de empresas (FGVSP). Mestrando em Administração de Empresas (Mackenzie), é presbítero e tesoureiro da 1ª IP de São Bernardo do Campo - SP.

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Agosto de 201112BrasilPresbiteriano

BP LEGAL

ais uma edição do Congresso Internacional de Ética e Cidadania no Mackenzie está se

aproximando. Este ano, o tema será Psicologia e Cristianismo. Será nos dias 29, 30 e 31 de agosto e irá abordar a importância que uma visão abrangente tem para o tratamento das necessidades psicológicas do ser humano.

Os palestrantes internacionais, Dr. David Powlison e Dr. Eric Johnson, são doutores formados em uni-versidades seculares na área de psicologia e tratarão do tema do ponto de vista cristão, além de outros pal-estrantes convidados que participarão do Congresso.

As palestras serão transmitidas ao vivo pela internet e ficarão disponíveis para download gratuito após o evento.

Congresso Internacional no Mackenzie aborda

Psicologia e Cristianismo

M

Sentimento religioso

s crimes contra o “sen-timento religioso”,

constantes no artigo 208 do Código Penal, apesar de serem previstos numa lei que data de 1940, indicam tratar-se de algo relevante para o Direito.

Diz o artigo 208: “Escarnecer de alguém publi-camente, por motivo de cren-ça ou função religiosa; impe-dir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Pena – detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa”.

A idéia de escarnecer acompanha o sentido de ridi-cularizar. No mais, o escárnio deve se dirigir a pessoa deter-minada, feito publicamente e por motivo específico de crença ou função religiosa.

A lei fala em proteção do culto religioso contra qual-quer pessoa que impede ou perturba seu desenvolvimen-to. A proteção é específica à cerimônia ou culto religioso solene, mas abrange também as reuniões informais como estudos bíblicos ou orações.

O artigo também cita a ação de vilipendiar, que é o tratamento vil ou com des-prezo, de ato ou objeto do culto, o que pode se efetivar por meio de palavras, gestos ou escritos.

O incurso a qualquer uma das três figuras tipificadas pelo artigo 208 do Código Penal possibilita a instaura-ção de inquérito policial para apuração dos fatos, visando ajuizamento de ação penal e

imposição de pena de deten-ção de 1 mês a 1 ano, ou multa, a quem for condenado pela prática de tais crimes.

Remanescem, contudo, desafios contemporâneos à questão.

É que, apesar da proteção legal ao sentimento religio-so, é necessário lidar com o modo pelo qual esse direito pode ser exercido, conside-rando-se ser o Brasil um país laico (artigo 19, I, CF/88) e caracterizado pela diversi-dade cultural, étnica e com valores pós-modernos, plura-lista e relativista.

Em nome da “liberdade de consciência e de expressão”, setores da sociedade brasilei-ra têm vivenciado um campo de batalha. Dadas duas posi-ções contrapostas, a liberda-de de expressão tutelada a uma delas tem sido tomada como violação à liberdade de expressão da que lhe é contrária.

No campo da hermenêu-tica, a nova teoria geral do direito constitucional tem desenvolvido “métodos de interpretação evolutiva” que permitem a modificação informal da Constituição sem a necessidade de alteração do conteúdo formal do seu texto.

Assim, por um lado, os tri-bunais têm procurado “repa-rar” uma antiga idéia apon-tada por Pontes de Miranda em seus Comentários à Constituição de 1946 de que no Brasil, ainda não se havia compreendido que o conteúdo das liberdades de consciência e de expressão envolveria também a tutela

de manifestações anti-demo-cráticas e anti-religiosas.

Ocorre que, em nome do combate da chamada “into-lerância religiosa”, é o direi-to ao “sentimento religioso” que tem sido atingido.

Veja-se o recente caso do PL n° 122/2006, que tenta institucionalizar o “deli-to de opinião”, que ocor-re, por exemplo, quan-do alguém manifesta, por seguir um credo religioso, censura ao comportamento homossexual.

Se o PL 122 for aprovado, corre-se o risco de o sim-ples ato de manifestação de opinião contrária ao com-portamento homossexual ser considerado uma prática de ação constrangedora ou inti-midatória ao direito de opção sexual, com implicações ao direito fundamental de cons-ciência, crença e expressão.

Apesar da insegurança jurídica, já tem havido um esforço hermenêutico nos tribunais para se evitar que leis, aparentemente neutras, como a que se pretende aprovar, resultem em pre-juízos oblíquos às minorias estigmatizadas.

Resta-nos a oração e a mobilização para que o direi-to ao “sentimento religioso”, como corolário do direito de consciência, crença e expres-são, nos seja assegurado den-tro e fora de nossas igrejas.

Ricardo Barbosa

O

O Dr. Ricardo de Abreu Barbosa, advogado trabalhista, é especialista

em direito mobiliário (USP), direito do consumidor (OAB/SP) e administração

de empresas (FGVSP). Mestrando em Administração de Empresas

(Mackenzie), é presbítero e tesoureiro da 1ª IP de São Bernardo do Campo - SP.