TUDO SOBRE ALFABETIZAÇÃO

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TUD SOBRE ALFABETIZAÇÃO Edição Especial | 03/2009 Alfabetizar é todo dia O professor deve planejar com antecedência e constantemente as atividades de leitura e escrita. Por isso, manter-se atualizado com as novas pesquisas didáticas é essencial MÃO NA MASSA As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo. Foto: Ricardo Beliel Alfabetizar todos os alunos nas séries iniciais tem implicações em todo o desenvolvimento deles nos anos seguintes. Segundo a educadora Telma Weisz, supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, “a leitura e a escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive”. Por isso, o desafio requer trabalho planejado, constante e diário, conhecimento sobre as teorias e atualização em relação a pesquisas sobre as didáticas específicas (leia o artigo abaixo). Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a 1

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TUD SOBRE ALFABETIZAÇÃO

Edição Especial | 03/2009

Alfabetizar é todo dia

O professor deve planejar com antecedência e constantemente as atividades de leitura

e escrita. Por isso, manter-se atualizado com as novas pesquisas didáticas é essencial

MÃO NA MASSA As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo. Foto: Ricardo Beliel

Alfabetizar todos os alunos nas séries iniciais tem implicações em todo o desenvolvimento deles nos anos seguintes. Segundo a educadora Telma Weisz, supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, “a leitura e a escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive”. Por isso, o desafio requer trabalho planejado, constante e diário, conhecimento sobre as teorias e atualização em relação a pesquisas sobre as didáticas específicas (leia o artigo abaixo).

Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a escrita e também seus usos e funções. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda e Silva, o grande mérito do teste de avaliação que mede as competências das crianças na fase inicial de alfabetização é fornecer instrumentos para o professor interpretar os resultados, além de sugerir práticas pedagógicas eficazes para alcançá-los. “É um material que ajuda o professor na reflexão porque nenhuma avaliação serve

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para nada quando se limita a constatar. Ela só faz sentido para mudar práticas e identificar as dificuldades de cada aluno.”

 Telma Weisz

A saída é a formação do professor alfabetizador 

Para desenvolver este artigo, parto de dois pressupostos. Primeiro: o que garante a qualidade da Educação que acontece de fato nas escolas é, sobretudo, a qualidade do trabalho profissional dos professores. O segundo: a qualidade do trabalho profissional dos professores tem dependido essencialmente da formação em serviço, pois a inicial tem se mostrado inadequada e insuficiente. Diante disso, me concentro numa questão: a competência da escola pública brasileira para produzir cidadãos plenamente alfabetizados, requisito mínimo para falar em Educação de qualidade. É preciso admitir que nossa incapacidade para ensinar a ler e a escrever tem sido responsável por um verdadeiro genocídio intelectual.

A existência de um fracasso maciço, o fato de ele ter sido tratado como natural até poucos anos atrás e a fraca evolução desse quadro em 40 anos comprovam como vem sendo penoso ensinar os brasileiros que dependem da rede pública. Pesquisas de campo mostram a enorme dificuldade que os educadores têm para avaliar o que os alunos já sabem e o que eles não sabem. Aqueles que produzem escritas silábico-alfabéticas e alfabéticas na 1ª série e que teriam condições de acompanhar a 2ª série – pois podem ler e escrever, ainda que com precariedade – são retidos. Por outro lado, os bons copistas e os que têm letra bonita ou caderno bem feito são promovidos.

Quando se trabalha com esse tipo de indicador, até avanços na aprendizagem acabam sendo prejudiciais. Muitas crianças que aprendem a ler começam a “errar” na cópia. Elas deixam de copiar letra por letra e passam a ler e escrever blocos de palavras, em geral unidades de sentido. Isso faz com que cometam erros de ortografia ou unam palavras. O que indicaria progresso é interpretado como regressão, pois, por incrível que pareça, nem sempre o professor sabe a diferença entre copiar e escrever.

Essa é uma dificuldade de avaliação comum nos quatro cantos do país e que explica em grande parte por que muitos alunos de 4ª série não leem e não entendem um texto simples. Eles costumam ser os que terminam a 1ª série sem saber ler ou lendo precariamente. Nas séries seguintes, passam o tempo copiando a matéria do quadro-negro ou do livro didático. Ao serem perguntados sobre o que fariam para melhorar a qualidade da leitura e do texto produzido por esses estudantes, os profissionais que lecionam para a 2ª, 3ª ou 4ª série costumam dizer que não há o que fazer, já que eles foram mal alfabetizados e, além disso, as famílias não ajudam.

Nos últimos 25 anos, estive envolvida com programas de formação docente em serviço

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em todos os níveis possíveis: desde a implantação de uma unidade educacional até a formação em nível nacional. Essa experiência me dá condições de afirmar que não existem soluções mágicas para resolver em pouco tempo os problemas da escola brasileira. A qualidade da Educação – e especificamente da alfabetização – só melhorará quando as políticas educacionais forem um projeto de Estado e não de governo.

TELMA WEISZ é supervisora do Programa Ler e Escrever,

da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo

E não há tempo a perder. No início do ano, como agora, a tarefa essencial é descobrir quais as hipóteses de escrita das crianças, mesmo antes que saibam ler e escrever convencionalmente (leia mais sobre como fazer um bom diagnóstico). Assim, fica mais fácil acompanhar, durante o ano, a evolução individual para planejar as intervenções necessárias que permitam que todos efetivamente avancem. Essa sondagem inicial influi na distribuição da turma em grupos produtivos de trabalho, como mostra a reportagem Parceiros em Ação.

CERCADA POR TEXTOS Todos os materiais escritos do cotidiano, como livros, jornais e revistas, devem ser levados para a sala de aula. Foto: Marcelo Min

Da mesma forma, organizar a rotina é imprescindível. Uma distribuição de atividades deve ser estabelecida com antecedência, contemplando trabalhos diários, sequências com prazos determinados e projetos que durem várias semanas ou meses (confira dicas preciosas sobre o planejamento). Ao montar essa programação, cabe ao professor abrir espaço para as quatro situações didáticas que, segundo as pesquisas, são essenciais para o sucesso na alfabetização: ler para os alunos, fazer com que eles leiam mesmo antes de saber ler, assumir a função de escriba para textos que a turma produz oralmente e promover situações que permitam a cada um deles escrever até que todos dominem de fato o sistema de escrita.  A partir da página 34,  você encontra as bases teóricas e casos reais de professoras que obtiveram sucesso ao desenvolver cada uma das situações (com sugestões detalhadas de atividades).

Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática

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esse saber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o sistema alfabético.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, as educadoras Ana Teberosky e Teresa Colomer apontam que o desenvolvimento do aluno se dá “por reconstruções de conhecimentos anteriores, que dão lugar a novos saberes”. Essa condição está presente nos 12 planos de aula deste especial. Em todos, transparece a necessidade de abrir espaço para que a turma debata o que produz, permitindo que a reflexão leve a avanços nas hipóteses iniciais de cada estudante.

Expectativas para o 1º ano

COMUNICAÇÃO ORAL• Fazer intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas. • Mostrar interesse por ouvir e expressar sentimentos, experiências, ideias e opiniões. • Recontar histórias de repetição e/ou acumulativas com base em narrações ou livros. • Conhecer e recontar um repertório variado de textos literários, preservando os elementos da linguagem escrita.

LEITURA

• Ouvir com atenção textos lidos. • Refletir sobre o sistema alfabético com base na leitura de nomes próprios, rótulos de produtos e outros materiais - listas, calendários, cantigas e títulos de histórias, por exemplo -, sendo capaz de se guiar pelo contexto, antecipar e verificar o que está escrito. • Ler textos conhecidos de memória, como parlendas, adivinhas, quadrinhas e canções, de

maneira a descobrir o que está escrito em diferentes trechos do texto, fazendo o ajuste do falado ao que está escrito e o uso do conhecimento que possuem sobre o sistema de escrita. • Buscar e considerar indícios no texto que permitam verificar as antecipações realizadas para confirmar, corrigir, ajustar ou escolher entre várias possibilidades. • Confrontar ideias, opiniões e interpretações, comentando e recomendando leituras, entre outras possibilidades. • Relacionar texto e imagem ao antecipar sentidos na leitura de quadrinhos, tirinhas e revistas de heróis. • Inferir o conteúdo de um texto antes de fazer a leitura com base em título, imagens, diagramação e informações contidas na capa, contracapa ou índice (no caso de livros e revistas).

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ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL • Conhecer as representações das letras maiúsculas do alfabeto de imprensa e a ordem alfabética.

• Escrever o próprio nome e utilizá-lo como referência para a escrita.

• Produzir texto de memória de acordo com sua hipótese de escrita.

• Escrever usando a hipótese silábica, com ou sem valor sonoro convencional.

• Reescrever histórias conhecidas - ditando para o professor ou para os colegas e, quando possível, de próprio punho -, considerando as ideias principais do texto-fonte e algumas características da linguagem escrita.

• Produzir escritos de autoria (bilhetes, cartas, instrucionais). (Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo)

É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no cotidiano, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é realmente fundamental para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os gêneros de escrita (textos informativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades de produção de texto, a intervenção do professor é vital para negociar a passagem da linguagem oral, mais informal, à linguagem escrita.

O número mais recente do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2007, mostra que só 28% da população brasileira está na condição de alfabetizados plenos. Para impedir que mais pessoas fiquem restritas a compreender apenas enunciados simples, o desempenho escolar nos anos iniciais precisa de resultados melhores. Essa preocupação deve ser compartilhada por professores e órgãos públicos. “O governo está fazendo uma intervenção específica nas séries iniciais para ter resultados rapidamente, com dois docentes por sala, material didático de apoio, formação continuada e avaliação bimestral”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo. 

Expectativas para o 2º ano

COMUNICAÇÃO ORAL• Participar de situações de intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas sobre o tema tratado. • Ouvir com atenção crescente a opinião dos colegas, expressar suas ideias, relacioná-las ao tema e fazer perguntas sobre os assuntos abordados. • Aprender a respeitar modos de falar diferentes do seu. • Recontar histórias conhecidas, recuperando características da linguagem do texto original. • Aprender a falar de maneira mais formal e, assim, se preparar para se comunicar em

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situações como entrevistas, saraus, recitais, cantorias e seminários, entre outras.

LEITURA • Apreciar textos literários. • Compreender a natureza do sistema de escrita e ler por si mesmo textos conhecidos. • Com a ajuda do professor, ler diferentes gêneros (literários, instrucionais, de divulgação científica, notícias), apoiando-se em conhecimentos sobre tema, características do portador, gênero e sistema de escrita. • Ler, por si mesmo, textos conhecidos, como parlendas, adivinhas, poemas, canções e trava-línguas, além de placas de identificação, listas, manchetes de jornal, legendas, quadrinhos e rótulos. • Colocar em ação diferentes modalidades de leitura em função do texto e dos propósitos da leitura (ler para buscar uma informação, para se entreter, para compreender etc.). • Coordenar a informação presente no texto com as informações oriundas das imagens que o ilustram (por exemplo, nos contos, nas histórias em quadrinhos, em cartazes, em textos esportivos e nas notícias de jornal). • Ampliar suas competências leitoras: ler rapidamente títulos e subtítulos até encontrar uma informação, selecionar uma informação precisa, ler minuciosamente para executar uma tarefa, reler um trecho para retomar uma informação ou apreciar aquilo que está escrito. • Analisar textos impressos utilizados como referência ou modelo para conhecer e apreciar a linguagem usada ao escrever (como os autores descrevem um personagem, como resolvem os diálogos, evitam repetições, fazem uso da letra maiúscula, da pontuação).

ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL

• Escrever alfabeticamente, ainda que com erros ortográficos (ausência de marcas de nasalização, hipo e hipersegmentação, entre outros). • Reescrever histórias conhecidas, ditando-as ou de próprio punho. • Produzir textos simples de autoria. • Revisar textos coletivamente, com ajuda do professor e dos colegas, para melhorá-los e, assim, compreender a revisão como parte do processo de produção. • Aprender a se preocupar com a qualidade de suas produções escritas, no que se refere tanto aos aspectos

textuais como à apresentação gráfica.

(Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo) 

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As principais redes de ensino do país, como a estadual e a municipal de São Paulo, trabalham com a meta de alfabetizar as turmas em no máximo dois anos. Para garantir que essas expectativas de aprendizagem sejam atingidas, é preciso um compromisso dos coordenadores pedagógicos em utilizar os horários de trabalho coletivo para afinar a capacitação das equipes. “Pesquisas, debates e orientações curriculares têm de ser incentivados”, sugere Célia Maria Carolino Pires, que coordenou em 2008 o Programa de Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Nos quadros acima, você confere uma lista, adaptada por NOVA ESCOLA, de expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º e o 2º ano da rede municipal paulistana. Com base nela, você pode adequar suas propostas de trabalho e fazer com que, em 2009, nenhum aluno da turma fique para trás. Pois superar os desafios da alfabetização é apenas o primeiro passo para que todos tenham uma vida escolar cheia de aprendizagens cada vez mais significativas.  

Língua Portuguesa

Alfabetização inicial - Fundamentos

Edição Especial | Março 2009

REPORTAGEM: Aposte alto na capacidade dos alunos

Ela é a mais respeitada especialista em alfabetização do país. Em sua trajetória profissional, Telma Weisz viveu o conflito de ter trabalhado durante anos numa perspectiva mais tradicional, até ter contato com as ideias da psicogênese da língua escrita. “Aí fiquei furiosa comigo mesma”, revela a educadora. Desde então, mudou seu olhar sobre os alunos, percebeu que não se pode subestimar a capacidade intelectual de nenhuma criança, aprofundou-se como ninguém no assunto e, dona de uma generosidade sem igual, dedicou-se a transformar a prática de milhares de professores alfabetizadores por meio do principal curso de formação em Alfabetização do Brasil, o PROFA. Hoje, ela supervisiona a versão paulista do programa, o Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação. Nesta entrevista a NOVA ESCOLA, Telma abusa de exemplos cotidianos para mostrar equívocos, muitos deles cometidos no passado por ela mesma, que ocorrem na árdua tarefa de ensinar a ler e escrever. E, o mais importante, explica por que eles acontecem, com a autoridade de quem soube, por meio do conhecimento científico, refletir sobre a própria prática para melhorá-la.

Ainda há professores que não transmitem informações às crianças por pensar que elas aprendem sozinhas? Qual é a origem dessa dificuldade?

Telma Weisz  Na verdade, isso tem a ver com a própria concepção de ensino. Antigamente, todos tinham a ideia de que ensinar era transmitir informações. Nos últimos 30 anos, quando começamos a descobrir que ensinar é criar condições e situações para a aprendizagem e quando os professores ouviram falar, sem aprofundamento, que as crianças constroem seu conhecimento, muitos acharam que

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bastava o contato com as letras e o material escrito para que o conhecimento aparecesse naturalmente, por geração espontânea.

 Não sei se ainda há quem pense assim. Eu espero que não, pois é um equívoco. O papel do professor é ser aquele que sabe mais dentro da classe e que valida a informação que circula. Em uma sala, todos estão em atividade intelectual, todos falam, todos elaboram ideias e constroem conhecimento. Não ao mesmo tempo – e esse é outro equívoco –, mas todos têm a oportunidade de expressar o que pensam. A validação deve acontecer, porque todos os saberes que estão sendo construídos são provisórios, elaborados por meio de um processo permanente de aproximação com o conhecimento objetivo.

A interpretação enviesada do construtivismo também tem a ver, em parte, com o fato de que a teoria da psicogênese foi popularizada no Brasil por um conjunto de vídeos de entrevistas com as crianças. O entrevistador, que no caso era eu, buscava tornar visíveis as hipóteses que elas formulam quando estão aprendendo a ler e a escrever. Como o objetivo era deixar que os professores vissem-nas pensando em voz alta, a intervenção era pequena. O que foi mal compreendido é que aquilo não era uma situação de ensino nem de pesquisa. Era uma tentativa de ilustrar o que estava no livro [Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky] e que não era de fácil compreensão. Esses mal-entendidos fizeram com que muitos tivessem dúvidas não só sobre informar ou não, mas sobre o que informar. E essa é uma questão delicada porque não há um guia de coisas permitidas ou proibidas. Depende das circunstâncias e daquilo que as crianças pensam em cada momento.

Como essas dúvidas se revelam na prática?

Telma Por exemplo, se você tem um aluno que está escrevendo uma letra para cada sílaba e ele pergunta “qual é o MI”, você pode dar duas respostas. A primeira é: “MI é o M e o I”. E a segunda: “O que você quer escrever?”, ajudando-o a encontrar uma resposta que caiba na estrutura teórica com a qual ele está trabalhando. Se o menino já está escrevendo alfabeticamente, a situação é outra, mas também tem suas características. Certa vez, um outro me perguntou “Como se escreve lã?”. E eu disse “L, A, til”. Quando vi, ele havia escrito “balãsa”. Dei uma informação errada, porque não tive o cuidado de perguntar “para escrever o quê?”. Há uma quantidade enorme de informações que cabe ao professor oferecer, mas é preciso ter condições e critérios para saber quais estudantes podem aproveitá-las. Isso só se consegue fazendo avaliação constante da classe.

Há muitos anos, em um trabalho de pesquisa, observei uma menina que estava repetindo a 1ª série havia cinco anos. A professora, naquele dia, apresentava à classe o alfabeto (para aquela aluna, pela primeira vez). A garota teve uma crise descontrolada de choro e, quando se acalmou, disse “eu sempre saio da escola no meio do ano porque não consigo aprender as letras. Mas eu não sabia que eram tão poucas. Se eu soubesse, não teria ficado tanto tempo aqui até aprender.” É uma informação simples, mas se não é dita, como ela vai saber? Outro exemplo: uma

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criança pergunta “cozinha é com S ou com Z?” O que você faz? Diz a ela “pense para descobrir?” Não tem como pensar para descobrir. Você tem duas alternativas: mandá-la ao dicionário, o que, em determinadas circunstâncias, é uma perda de tempo, ou aproveitar a situação para explicar que é com Z, mas que, muitas vezes, o mesmo som pode ser com S, ainda que entre vogais. Assim, é introduzida uma série de informações que nem todos talvez possam utilizar, dependendo das condições do grupo. Mas, de qualquer maneira, se isso não vier do professor, de onde virá?

O que acontece quando não nos colocamos na perspectiva do aluno?

Telma “Cegamos” o aluno. É porque somos alfabetizados que ouvimos e vemos coisas que, para os que ainda não sabem ler e escrever, não estão lá. Um exemplo simples: muitos professores estão convencidos de que o branco entre as palavras é uma coisa que se pode escutar. Isso só pode acontecer a uma pessoa cuja percepção da relação entre escrita e leitura está de tal maneira organizada em cima da sua própria competência leitora que nem passa por sua cabeça que a fala é um contínuo e que jamais as crianças vão encontrar no falado os elementos que permitirão separar as palavras. E é claro que, dessa perspectiva, ao vê-las escrevendo tudo grudado, imagina-se que há uma disfunção, um problema. Não há. Trata-se de um momento necessário do processo. É preciso aprender a escrever assim para depois pensar na questão das separações.

Colocar-se no lugar do aprendiz é essencial para ensinar. Muitos falam em “palavras”, como se as crianças soubessem o que é isso. Mas só gente alfabetizada, que já escreve e segmenta o texto, pode saber o que são palavras. E, às vezes, mesmo quando já fazem isso, recusam a ideia de que os artigos sejam palavras. Não estou dizendo para não usar a terminologia, mas é preciso ter claro que o que se está nomeando não é exatamente o que as crianças pensam que é. Certa vez, perguntei a uma menina o que era “palavra”. Ela respondeu: “É o que está escrito na Bíblia.” E eu insisti: “Por quê?”. “Por que a Bíblia é a palavra de Deus”. Imaginar que é obvio escrevermos exatamente como falamos, na mesma ordem, só acontece se não nos colocamos no lugar de quem está aprendendo. Porque, ao assumir essa perspectiva, somos obrigados a olhar de outro jeito. Intuitivamente, ninguém é capaz de fazer isso.

Só com pesquisa cientifica é possível compreender o outro que pensa diferente de você. A vida inteira, vi meninos escreverem coisas que, para mim, não eram escrita, não eram nada. Nunca parei para refletir sobre o que eles estavam pensando. Até o dia em que li sobre a psicogênese. E aí fiquei furiosa comigo mesma, porque já tinha visto aquilo tudo. Qualquer alfabetizador já viu crianças escrevendo com uma letra para cada sílaba ou com menos letras. Na verdade, não dávamos importância. Não olhávamos para isso como uma ação inteligente delas. Sem a ajuda da ciência, não se pode recuperar uma visão que já se teve, mas que foi apagada, numa espécie de esquecimento cognitivo.

Há muitos anos, quando trabalhei com professores indígenas no Acre, estava explicando a eles as hipóteses sobre a escrita e dizendo que, no inicio, as crianças

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pensam que, para escrever um pedaço do que se fala, basta um pedaço de escrita, que para eles é a letra. Eles me olhavam com estranheza, pois essa ideia de hipótese era muito estranha à cultura local. Até que um deles puxou uma folha antiga de sua pasta. Ele se chamava Norberto, havia feito um desenho e assinado NBT. Era recém-alfabetizado e ainda tinha o documento de suas próprias hipóteses. Foi uma situação interessante ver um adulto recuperar esse esquecimento. Nós não nos lembramos de quando não sabíamos calcular, escrever, ler. Nós não temos a memória viva do que é ser alguém que tem de aprender, que não sabe nada sobre determinada coisa. E os professores, como tais, só podem recorrer ao conhecimento cientifico para recuperar isso. Porque, via bom senso ou afetividade, não se chega a lugar algum.

Quais são os equívocos mais comuns na escolha das intervenções para fazer a turma avançar nas hipóteses de escrita?

Telma Vejo duas versões sobre isso. Em uma delas, a mais tradicional e frequente, mostra-se aos silábicos quais letras faltam, imaginando que isso os ajuda a chegar a uma hipótese mais avançada. Há uma dificuldade enorme de aceitar e deixar no caderno uma escrita que não esteja ortograficamente correta. “O que os pais vão pensar?”, “o aluno achará que está certo”, “vai fixar o erro”. Na verdade, falta compreensão da diferença entre trabalhar o processo de aprendizagem e trabalhar sobre o produto que a criança está realizando. Toda a tradição de correção com caneta vermelha e de cópia dos erros vem daí – existe o não saber, o saber errado e o saber certo. E é claro que isso corresponde a uma concepção de aprendizagem, para a qual o ensino, por sua vez, cuida de evitar que se fixem na memória ideias erradas. Na visão construtivista, com uma abordagem psicogenética da alfabetização, fica claro que aquela escrita, errada segundo os padrões convencionais, faz parte de um processo do aluno. E que, naquele momento, é preciso estimular o máximo possível a reflexão sobre o que se escreve. É possível e necessário subsidiá-lo para ajudá-lo, o que é muito diferente de dar informações para obter um produto correto.

A segunda versão é uma leitura parcialmente equivocada do que chamamos de conflito cognitivo. Ou seja, o que faz um menino, que está lá, bem satisfeito da vida, escrevendo uma letra para cada sílaba e conseguindo se virar assim, abandonar essa hipótese que, do ponto de vista teórico, é tão elegante? Como é que ele avança? Além da hipótese de que, para cada vez que abrimos a boca, usamos uma letra, ele tem outras, como a de que não pode escrever uma mesma letra repetida, escrever com poucas letras e, de forma alguma, escrever com uma letra só. Mas, para alguns, duas letras também é muito pouco. A média estatística da exigência é em torno de três letras. O que acontece com uma língua como o português, com uma quantidade enorme de palavras dissílabas? Toda vez que a criança escreve um dissílabo, tem um problema, pois precisa colocar alguma coisa para não cometer um “sacrilégio”. Essa contradição entre os esquemas explicativos que ela tem para a leitura e a escrita é que dá origem e espaço ao que chamamos de conflito cognitivo.

A partir dessa explicação, os professores fazem uma assimilação de que é preciso produzir situações conflitivas o tempo todo. Mas o conflito ou é do aprendiz ou vira uma

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conversa sem nexo para ele. Uma das atitudes equivocadas mais clássicas nessa linha é mandar contar os pedaços de uma palavra falada. Por exemplo, para “borracha”, bater três palmas, uma em cada sílaba. Então, o professor escreve a palavra, pergunta quantas letras tem e diz: “Você pensa que abrimos a boca três vezes e que é preciso colocar três letras, mas eu estou mostrando que não é, e que borracha, no papel, tem oito letras”. Dependendo de em que nível os meninos estejam, isso não faz o menor sentido. E certamente não fará quando estão colocando três letras. Pode ser em uma transição, mas aí não é necessário ficar contando quantas vezes a boca abre ou quantas letras a palavra tem. A própria criança começa a batalhar para colocar as letras. Ou você pode – e para isso é preciso conhecê-la intelectualmente – dizer: “Você sabe fazer melhor do que isso. Pense mais um pouco”.

É comum a ideia de que, na leitura de textos memorizados, o importante é guardar a grafia das palavras. Isso está certo?

Telma Não está clara, para quem pensa dessa forma, a importância do trabalho com textos memorizados. Em primeiro lugar, não é qualquer texto que pode ser utilizado. Deve ser um texto estável, não o segundo parágrafo da história da Bela Adormecida. Existe um vasto repertório infantil, naturalmente memorizado. São versinhos, parlendas e trava-línguas, usadas em brincadeiras de roda e jogos verbais, que as crianças já sabem ou podem aprender oralmente na escola, usados em dois tipos de atividades muito interessantes. Uma é juntar duas delas (com níveis próximos de conhecimento, de forma que uma possa contribuir com a outra) para produzir uma escrita. Por exemplo, “a galinha do vizinho bota ovo amarelinho”. Como as duas sabem de memória, tudo o que têm de intercambiar é que letras colocar e onde. Se estivessem redigindo um texto inventado, não teriam um problema comum para resolver. Mas sendo um texto estável, tomam decisões em função desse conhecimento prévio.

Outro tipo de trabalho é pedir que acompanhem, sabendo o que está escrito em cada verso, a leitura que alguém faz. Elas sabem que, na primeira linha, está escrito “a galinha do vizinho” e, na segunda, “bota ovo amarelinho”, porque você informou. O que está por trás disso? O fato de que ninguém nasce sabendo que se escreve tudo aquilo que se fala, na ordem em que se fala, sem omitir nada. No início, imagina-se que só se escreve os substantivos. Se você tem “a galinha do vizinho”, pensam que está escrito “galinha” e “vizinho”. Para “bota ovo amarelinho”, os mais avançados podem achar que está escrito “bota”, “ovo” e “amarelinho”, mas não necessariamente nessa ordem. É interessante pedir para localizar e ler pedaços, que são as “palavras” (mas, se você disser “palavras”, eles procurarão as letras). Você pode perguntar onde está escrito “vizinho”. Eles acompanharão o texto e começarão a localizar as partes do escrito e relacioná-las ao falado.

Esse tipo de atividade tem um papel extremamente importante e não aprendemos isso com a psicolinguística ou com a didática. Mas com a história da leitura, com investigações sobre como as populações antigas se alfabetizaram. Descobriu-se que, nos países nórdicos, por exemplo, toda a população era alfabetizada antes de haver escolas. Protestantes de orientação calvinista, eles tinham uma prática sistemática de

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acompanhar nos textos o que se falava nos cultos. Todos eram incorporados a esse universo em que a palavra escrita nos textos religiosos era tratada como uma coisa básica, essencial. As pessoas acompanhavam e decoravam para se aproximar desse objeto sagrado que era a escrita. Isso também aconteceu nas escolas religiosas judaicas e ocorre nas escolas religiosas muçulmanas - mas nessas duas instituições o aprendizado é apenas para os homens. Essa é a origem do trabalho que fazemos com textos memorizados. Já a memorização da forma escrita produz um efeito contrário. Sempre que os professores insistem na memorização da forma, os alunos, no esforço de lembrar como as palavras são escritas, produzem uma escrita caótica, e não a que produziriam se estivessem pensando em como se escreve.

O professor ainda acredita que, ao pedir que a criança acompanhe a leitura com o dedo, é capaz de fazê-la ler, sem observar se ela faz a relação do escrito com o falado?

Telma Sobre esse assunto, eu gostaria de fazer um “mea culpa público”. Certa vez, em um vídeo, depois de dizer muitas vezes “ler apontando com o dedinho”, eu disse “ler com o dedinho”. Muita gente repete isso, mas é uma bobagem. Ler acompanhando com o dedo serve, por exemplo, para aproveitar as possibilidades de uma atividade em que se leia um texto memorizado em público. Para um sarau de poesia, cada um tem um poema, leva para casa, pede ajuda à família, estuda, decora, aponta e tenta acompanhar, pois terá de se apresentar publicamente. Essa situação de focalização e de achar as partes do texto para se apresentar de forma adequada ajuda a descobrir em qual pedaço está escrito o quê. Agora, passar o dedo embaixo, em si, não é nada. A leitura da escrita não entra pela pele. Faz sentido apenas se houver reflexão sobre a grafia das palavras e se quem está lendo tenta ajustar aquilo que fala ao que está escrito. A forma adequada de organizar esse tipo de atividade é, por exemplo, todos cantarem uma canção juntos. De repente, o professor bate palma, pára numa determinada palavra e anda pela sala para ver se os dedos estão onde deveriam estar. Se não estiverem, ajuda a entender a posição certa. Se simplesmente diz “acompanhe com o dedo” e vai embora, não acontece nada. É preciso construir uma situação de aprendizagem e não ficar alisando papel. Para isso, é preciso estudar, buscar uma compreensão teórica que vai muito além de apenas saber identificar uma hipótese de escrita.

O que leva o professor a passar questionários em vez de promover comentários sobre as histórias lidas – como fazemos com amigos, quando lemos um livro?

Telma Ou pedir que façam um desenho, o que é ainda pior... O intercâmbio de ideias a partir de uma situação de leitura é algo que se faz apenas quando se tem uma experiência significativa e intensa como leitor. Quando lemos com ou para as crianças, tentamos constituir bons comportamentos leitores. Mas, para que você funcione como um modelo desses comportamentos, também precisa ser um leitor. Essa prática de ler uma história e depois pedir um desenho não tem nada a ver com a ideia de que o que se lê pode ser aprofundado, explorado, re-elaborado e compartilhado. Quando se tem

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a concepção de que a leitura não é simplesmente fazer barulho com a boca diante das marcas gráficas, sabe-se que ela produz em mim um impacto diferente do que em você, e que eu posso ter observado mais um aspecto do que outro e que podemos nos interessar por coisas diferentes. Esse espaço de intercâmbio é um espaço de trocas. Eu tenho visto perguntarem “de que pedaço você gostou mais?”, “E você?”. Assim, podam o intercâmbio real, que seria “quem achou uma coisa interessante que gostaria de contar aos amigos?”. Se não souberem como fazer isso, você dá o modelo: “Lendo esse texto, eu pensei nisso, me lembrei daquilo, achei muito interessante a forma com que o autor escreveu, parecia que ele queria dizer uma coisa, mas queria dizer outra”. É interessante fazer perguntas sobre aspectos de uma história que talvez poucos tenham entendido.

Há uma escritora que escreve em espanhol e tem uma série de livros sobre uma menina com uma amiga igualzinha a ela, mas que é gigante e aparece sempre que a garota precisa se proteger dos adultos. Só que isso nunca é dito explicitamente. Se você pergunta “quem é essa amiga grande?”, “ela existe de verdade?”, uma discussão louca surge na classe. Porque a personagem é, na verdade, uma representação do desejo da menina que se salva das maldades dos adultos. Mas as crianças não têm isso claro, apenas uma vaga intuição. Também é interessante perguntar “quem estava contando essa história? A personagem? A mãe dela?”. Em geral, respondem que “é a escritora”. E você pode questionar “mas aqui diz ‘eu não gosto que me penteiem os cabelos porque arranca e dói’. A escritora disse isso?” Aparece, então, a ideia do narrador, que, para as crianças, é completamente misturada à do escritor.

O professor já compreendeu a importância dos livros na alfabetização. Mas ele oferece variedade de materiais de leitura?

Telma A variedade dos gêneros ultrapassa a ideia dos livros. Só no jornal e nas revistas há uma variedade enorme de gêneros. Se o professor não entende isso, usa esses portadores para recortar letras. Se entende, aprende como explorar os gêneros que há dentro deles. Os livros infantis, em geral, não têm uma grande variedade de gêneros. Têm, eu diria, subgêneros. São todos livros de ficção, mas alguns falam de mistério, outros de assombração ou de fadas. Mas acho que o problema é anterior: o professor tem de ler para si mesmo, para selecionar o texto, com critérios, antes de levá-lo para as crianças.

Eu acompanhei uma classe de alfabetização em que todos estavam envolvidos com os livros de histórias, menos um menino. Quando se falava em leitura e escrita, ele saía de perto e ia fazer outra coisa. Aparentemente, não tinha interesse. Até o dia em que chegou uma enciclopédia de dinossauros. Nesse dia, o menino ficou absolutamente fascinado, agarrou a enciclopédia. Ele não tinha alma de ficcionista, ele tinha alma de cientista. Precisamos reconhecer essas diferenças. Ele não tinha vontade de aprender a ler para ler sozinho as histórias infantis. Mas ele tinha muita vontade de aprender a ler para classificar os dinossauros, saber de que época eram e o que faziam. Aprendeu a ler em dias. É uma mudança de gênero, mas foi também uma mudança de mundo para o garoto.

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Variar os gêneros é importante, mas não é uma ideia mecânica. Quando introduzimos um gênero novo, é preciso ter um sentido para isso. Para ler poemas, tenho um foco, se vou ler histórias, tenho outro. O que os diferentes gêneros permitem é abrir o leque das possibilidades de leitura e oferecer o discurso escrito em suas diversas formas. Porque, na verdade, quando as crianças ouvem o adulto ler, não aprendem só o enredo, mas também sua linguagem, que não é igual a dos outros. A variedade tem de ser selecionada em função daquilo que a turma pode aprender, das diferenciações que os alunos já têm condições de fazer e que você se sente em condições de oferecer.

Por que ainda é pequeno o acesso a materiais que favoreceriam, na produção de um texto, a busca de informações em diversas fontes?

Telma Há um medo mortal de trabalhar verdadeiramente com jornais porque se pensa que é um texto adulto. Isso não é verdade. Certa vez, vi uma professora fazer um trabalho muito interessante. Os meninos tinham de assistir o noticiário da TV e, no dia seguinte, ela levava o jornal impresso para a sala, para que encontrassem as informações sobre os fatos do dia anterior. Ler os títulos, o subtítulo da reportagem, uma parte inicial do texto é algo muito possível de fazer, especialmente quando se tem sensibilidade para escolher o quê. Você não vai, por exemplo, propor a leitura de uma reportagem sobre uma chacina. Mas pode ler sobre quem jogou no domingo, quem ganhou o campeonato ou a corrida. Quando alguém relata algo que viu, você pode perguntar se a turma deseja escutar a história contada no jornal impresso, mais detalhada. Eu sou uma defensora convicta da presença do jornal na sala de aula porque os fatos são a fonte da história. Nele, lemos sobre acontecimentos de países distantes. Com um mapa múndi na classe você aponta, por exemplo, onde ocorreu uma avalanche e aborda questões como o que é isso, por que acontece. Esse trabalho é fascinante.

Mas é preciso ter a inteligência das crianças em alta conta. Quando se espera mais, elas devolvem mais. Quando se espera pouco, elas devolvem um pouquinho. O fato de trabalhar no limiar superior faz com que avancem muito mais do que quando se pensa “elas não vão entender”. É claro que sozinhas elas não entendem. Tudo isso vale para enciclopédias, jornais, textos de ficção, revistas. Mas é preciso fazer uma aposta alta. Não uma aposta cega, sem olhar se a turma está acompanhando. E, sim, a mais alta possível, ajustada àquilo que as crianças mostram que são capazes de pensar e fazer.

O professor encontra dificuldades em dar atividades diferenciadas para os que já estão alfabéticos e também precisam avançar? Como agir nesses casos?

Telma Isso é o mais fácil. Os já alfabéticos podem ler, escrever, produzir textos, ser envolvidos em projetos mais complexos. Estes não são o problema. O problema são os que ainda não compreenderam o sistema. Às vezes, há alfabéticos que não são leitores. Nesse caso, é preciso construir situações que ajudem a desembaraçar a leitura, que não é algo que vem sozinho.sa Não é porque uma criança colocou todas as letras que ela já sai lendo. Poucas fazem isso. A maioria precisa construir uma prática de leitura para se soltar. Tenho uma experiência recente com uma que estava

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escrevendo silabicamente com valor sonoro. Quando ela já sabia todas as letras, foi possível pensar em trabalhar questões como “essa letra serve para escrever esse som, mas é só essa? Tem mais? Você poderia colocar outra no lugar?” Então, ela avançou rapidamente para uma escrita alfabética, cheia de erros de ortografia, mas alfabética. Mas dizia “eu não sei nada porque escrevo, mas não sei ler. Eu escrevo nessa letra e tudo o que eu vejo está escrito numa letra que eu não conheço”. Então, fiz uma tira de correspondência, com as letras de forma e de imprensa. Todas as vezes que não conseguia reconhecer uma letra, o menino via na tira. Mas isso empacava a leitura. Quando ele terminava a segunda palavra, já não sabia mais sobre o que era o texto. Passei a propor que lesse desse jeito e, depois de destrinchar todo o texto, voltasse a estudá-lo para ler rápido, pois só se entende o que se lê quando se lê rápido. Sozinho, ele se treinou, voltou e disse: “Estou lendo tudo”. E estava mesmo. Porque, na verdade, ele não tinha se soltado da ideia de que era necessário ler todas as letras. Na medida em que pedi para que avançasse além dessa leitura letra por letra, ele teve de usar as estratégias de leitura. Isso fez com que ganhasse velocidade e compreensão. Conforme passou a compreender o que lia, a vontade de ler cresceu e a leitura melhorou. Esse é um ciclo virtuoso.

Ainda persiste a ideia de que as crianças só podem ter contato com histórias curtinhas, nunca lidas em capítulos?

Telma Essa mania de que tudo tem de ser pequenininho é uma deturpação da concepção de criança e, principalmente, um desrespeito enorme. Porque ela senta na frente da TV, vê uma novela em 180 capítulos, lembra de todos os personagens, quem casou com quem, quem brigou com quem e o que vestia em tal dia. As crianças não têm problemas de memória, quem tem problemas de memória somos nós. Elas têm tudo fresquinho na cabeça. Minha experiência pessoal é a de escolher livros pela grossura, ao contrário do que alguns fazem. Eu sempre escolho os livros mais grossos porque, se a história for boa, não quero que ela acabe! Esse lugar do leitor que tem prazer na leitura é o que o professor teria de encarnar. Para elas, uma história pequena é pobre e chata. É claro que histórias grandes podem ser pobres e chatas. Mas elas adoram ouvir uma história grande em capítulos, contados um por dia e, no fim da leitura: “tchan tchan tchan tchan, agora aguardem o capitulo de amanhã! Quem que acha que elas não gostam nunca experimentou. Elas são muito mais inteligentes do que os adultos porque, nesse momento da vida, tudo está para ser aprendido e a disponibilidade para a aprendizagem é enorme. Quando perdem isso é porque os adultos destruíram. O fracasso reiterado mata essa disponibilidade.

Como deve ser o trabalho do 3º ano em diante no que se refere ao aprimoramento da leitura e da escrita?

Telma Você já disse a palavra: aprimoramento. Em primeiro lugar, ninguém deveria chegar ao final da segunda série sem compreender o sistema de escrita e sem ler. Daí pra frente, todo o trabalho é de estabelecer objetivos cada vez mais complexos para a mesma coisa, que é ler e escrever. O nome do conteúdo não muda e, sim, o que está lá dentro. O que acontece é que muitos imaginam que, quando se é capaz de colocar

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todas as letras e ler alguma coisa, ainda que silabando, está encerrada a aprendizagem da leitura e da escrita. Uma prova de que isso não é verdade é que os meus alunos na pós-graduação estão aprendendo a ler textos acadêmicos, porque infelizmente as faculdades onde estudaram, em vez de deixá-los ler textos acadêmicos adequados à competência deles, criam as apostilas, simplificando o conteúdo, no pior sentido da palavra. Isso os impediu de construir a capacidade de ler textos de certo grau de complexidade, de um determinado gênero.

Aprende-se a ler e a escrever ao longo da vida toda. Não basta ser alfabético e ser capaz de ler um outdoor para ser alfabetizado. Quando entendemos isso, ajudamos os meninos a se aproximar de textos cada vez mais complexos. Esse trabalho os transforma em leitores cada vez melhores e de uma gama mais ampla de gêneros. E aprender por meio dos textos é condição para estudar os outros conteúdos na escola. Para quem não sabe aprender a partir de um texto escrito, o destino depois da quinta série é o fracasso.

Alfabetização inicial - Fundamentos

Edição 217 | 2008/11/01 | Atualizado em 2008/11/01

Por que as crianças devem aprender a escrever com letra de fôrma para depois passar para a cursiva? Beatriz Vichessi ([email protected])

Esta escolha está relacionada ao processo de construção das hipóteses da escrita. Durante a alfabetização inicial, os pequenos trabalham pensando quais e quantas letras são necessárias para escrever as palavras. As letras de fôrma maiúsculas são as ideais para essa tarefa, já que são caracteres isolados e com traçado simples - diferentemente das cursivas, emendadas umas às outras. O aprendizado das chamadas "letras de mão" deve ser trabalhado com crianças alfabéticas, que já têm a lógica do sistema de escrita organizada. Antes de estarem alfabetizadas, elas entram em contato naturalmente com as letras cursivas e as de fôrma minúscula e até podem ser apresentadas a elas, desde que tal contato fique restrito à leitura.

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Alfabetização inicialFundamentos

Edição 218 | 2008/12/01 | Atualizado em 2008/12/01

A criança e a escrita

A pesquisadora Emília Ferreiro escreve sobre alfabetização.

A investigação acadêmica organizada por Emilia Ferreiro a respeito da alfabetização, iniciada em 1979, revolucionou o jeito de ensinar as crianças a ler e escrever e fez da autora uma referência mundial sobre o tema.

O livro Reflexões sobre Alfabetização (104 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3864-0111, 15 reais), lançado em 1981, é um dos melhores materiais concebidos pela educadora argentina para quem quer iniciar o estudo das pesquisas realizadas por ela a respeito da psicogênese da língua escrita. Trata-se da síntese das principais contribuições de Emilia para a história e as descobertas sobre a alfabetização.

Porém é importante que o leitor passeie pelas refllexões propostas no texto com olhos e pensamento atentos, pois irá deparar-se com saberes infantis sofisticados e engenhosos, que surpreendem muito ao mostrar quão originais (e nem um pouco mecânicas) são as construções cognitivas que os pequenos são capazes de realizar.

O texto instiga o educador e dá subsídios para que ele questione sua prática e revitalize o modo de compreender o ensino, inaugurando uma maneira inédita de alfabetizar: a autora transfere a investigação do jeito de ensinar para o que tem de ser aprendido, com foco nas concepções que as crianças têm sobre o sistema de escrita, e prioriza a análise das produções infantis.

Mergulhar nas informações sobre a pré-história das elaborações infantis a respeito das marcas da linguagem expressas no mundo que nos rodeia acende uma luz definitiva sobre a alfabetização: diante de construções tão inteligentes, somos convidados a construir uma escola igualmente inteligente! E, ao sabermos o que as crianças pensam e como pensam, permitimos que sejam abertos novos caminhos: torna-se um compromisso inadiável entender cada vez mais e melhor como esses processos funcionam para planejar as aulas de alfabetização.

Ana Cláudia Rocha, diretora do Projeto DICA de formação docente

Trecho do livro

"Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos a alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um

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aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. Um novo método não resolve os problemas. É preciso reanalisar as práticas de introdução da língua escrita, tratando de ver os pressupostos subjacentes a elas, e até que ponto funcionam como fi ltros de transformação seletiva e deformante de qualquer proposta inovadora. Os testes de prontidão também não são neutros. (...) É sufi ciente apontar que a 'prontidão' que tais testes dizem avaliar é uma noção tão pouco científi ca como a 'inteligência' que outros pretendem medir."

Por que ler

- Aproxima o leitor da pesquisa que representou uma revolução conceitual na alfabetização, colocando o foco naquele que aprende.

- Apresenta o percurso pelo qual as crianças elaboram suas próprias idéias sobre o sistema de escrita.

- Fornece elementos para compreender por que a escola tem formado analfabetos funcionais. - Expõe exemplos de como se dá o pensamento infantil sobre o sistema de escrita, demonstrando a originalidade e a provisoriedade dessas concepções.

- Convida o educador à consciência da dimensão política da alfabetização, entendida como ferramenta de construção de cidadania.

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Edição Especial | 03/2009

Para conhecer a nova turma Mesmo antes de saber ler e escrever convencionalmente, a criança elabora hipóteses

sobre o sistema de escrita. Descobrir em qual nível cada uma está é um importante

passo para os professores alfabetizadores levarem todas a aprender

MANTENHA O FOCO  A sondagem deve ser individual, o que torna necessário propor ao resto da turma uma atividade que dispense ajuda. Foto: Marcos Rosa

Nos primeiros dias de aula, o professor alfabetizador tem uma tarefa imprescindível: descobrir o que cada aluno sabe sobre o sistema de escrita. É a chamada sondagem

inicial (ou diagnóstico da turma), que permite identificar quais hipóteses sobre a língua escrita as crianças têm e com isso adequar o planejamento das aulas de acordo com as necessidades de aprendizagem. Ela permite uma avaliação e um acompanhamento dos avanços na aquisição da base alfabética e a definição das parcerias de trabalho entre os alunos. Além disso, representa um momento no qual as crianças têm a oportunidade de refletir, com a ajuda do professor, sobre aquilo que escrevem.

No Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do programa Ler e Escrever, das secretarias estadual e municipal de Educação de São Paulo, a sondagem é descrita como uma atividade que envolve, num primeiro momento, a produção espontânea de uma lista de palavras sem apoio de outras fontes e pode ou não prever a escrita de algumas frases simples. Essa lista deve, necessariamente, ser lida pelo aluno assim que terminar de escrevê-la. O guia ressalta também que é por meio da leitura que o alfabetizador “pode observar se o aluno estabelece ou não relações entre aquilo que ele escreveu e aquilo que ele lê em voz alta, ou seja, entre a fala e a escrita”.

As pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, realizadas por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky no fim dos anos 1970 e publicadas no Brasil em 1984, mostraram que as crianças constroem diferentes ideias sobre a escrita, resolvem problemas e elaboram conceituações. Aí entra o que pode ser considerado uma palavra, com quantas letras ela é escrita e em qual ordem as letras devem ser colocadas. “Essas hipóteses se desenvolvem quando a criança interage com o material escrito e com leitores e escritores que dão informações e interpretam esse material”, conta Regina

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Câmara, membro da equipe responsável pela elaboração do material do Programa Ler e Escrever e formadora de professores.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer ressaltam que as “hipóteses que as crianças desenvolvem constituem respostas a verdadeiros problemas conceituais, semelhantes aos que os seres humanos se colocaram ao longo da história da escrita”. E completa: o desenvolvimento “ocorre por reconstruções de conhecimentos anteriores, dando lugar a novas construções”. Diagnosticar o que os alunos sabem, quais hipóteses têm sobre a língua escrita e qual o caminho que vão percorrer até compreender o sistema e estar alfabetizados permite ao professor organizar intervenções adequadas à diversidade de saberes da turma. O desafio é propor atividades que não sejam tão fáceis a ponto de não darem nada a aprender, nem tão difíceis que se torne impossível para as crianças realizá-las.

As quatro hipóteses

Ferreiro e Teberosky observaram que, na tentativa de compreender o funcionamento da escrita, as crianças elaboram verdadeiras “teorias” explicativas que assim se desenvolvem: a pré-silábica, a silábica, a silábico-alfabética e a alfabética. São as chamadas hipóteses. As conclusões desse estudo são importantes do ponto de vista da prática pedagógica, pois revelam que os pequenos já começaram a pensar sobre a escrita antes mesmo de ingressar na escola e que não dependem da autorização do professor para iniciar esse processo. “Todos eles precisam de oportunidades para pôr em jogo o que sabem para se aproximar pouco a pouco desse objeto importante da cultura”, ressalta Regina.

Aqueles que não percebem a escrita ainda como uma representação do falado têm a hipótese pré-silábica. Ela se caracteriza em dois níveis. No primeiro, as crianças procuram diferenciar o desenho da escrita, identificando o que é possível ler. Já no segundo nível, elas constroem dois princípios organizadores básicos que vão acompanhá-las por algum tempo durante o processo de alfabetização: o de que é preciso uma quantidade mínima de letras para que alguma coisa esteja escrita (em torno de três) e o de que haja uma variedade interna de caracteres para que se possa ler. Para escrever, a criança utiliza letras aleatórias (geralmente presentes em seu próprio nome) e sem uma quantidade definida.

COMBINE ANTES  É importante que a criança saiba que ela podeescrever da melhor forma que conseguir, mesmo que nãoconvencionalmente. 

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Quando a escrita representa uma relação de correspondência termo a termo entre a grafia e as partes do falado, a criança se encontra na hipótese silábica. O aluno começa a atribuir a cada parte do falado (a sílaba oral) uma grafia, ou seja, uma letra escrita.

Essa etapa também pode ser dividida em dois níveis: no primeiro, chamado silábico sem valor sonoro, ela representa cada sílaba por uma única letra qualquer, sem relação com os sons que ela representa. No segundo, o silábico com valor sonoro, há um avanço e cada sílaba é representada por uma vogal ou consoante que expressa o seu som correspondente.

A hipótese silábico-alfabética corresponde a um período de transição no qual a criança trabalha simultaneamente com duas hipóteses: a silábica e a alfabética. Ora ela escreve atribuindo a cada sílaba uma letra, ora representando as unidades sonoras menores, os fonemas. Quando a escrita representa cada fonema com uma letra, diz-se que a criança se encontra na hipótese alfabética. “Nesse estágio, os alunos ainda apresentam erros ortográficos, mas já conseguem entender a lógica do funcionamento do sistema de escrita alfabético”, explica Regina.

O professor deve realizar a primeira sondagem no início do período letivo e, depois, ao fim de cada bimestre, mantendo um registro criterioso do processo de evolução das hipóteses de escrita das crianças. Ao mesmo tempo, é fundamental uma observação cotidiana e atenta do percurso dos alunos. “A atividade de sondagem representa uma espécie de retrato do processo naquele momento. E como esse processo é dinâmico e na maioria das vezes evolui muito rapidamente, pode acontecer de, apenas alguns dias depois da sondagem, um ou vários alunos terem dado um salto”, ressalta Regina. “As sondagens bimestrais são importantes também por representarem dispositivos de acompanhamento das aprendizagens para os pais, bem como um retrato da qualidade do ensino para as redes, que podem ajustar seus programas de formação continuada de professores em regiões onde os resultados mostram que os estudantes não estão evoluindo da maneira desejada.”

Investigação individual

O melhor é que a atividade seja feita individualmente, com o professor chamando um aluno por vez, que deve tentar escrever algumas palavras e uma frase ditadas. Enquanto isso, o resto da turma precisa estar envolvido em uma atividade diversificada em que não seja necessária a ajuda do professor (a cópia de uma cantiga, a produção de um desenho, um jogo etc.). Essa é a estratégia usada por Eduardo Araújo, na EMEB Helena Zanfelici da Silva, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Alguns dias após o retorno às aulas, ele deixa as crianças envolvidas com jogos e brincadeiras sob a supervisão da estagiária que o acompanha em sala. Alfabetizador há mais de sete anos, Araújo sabe bem o valor da sondagem inicial. “Conhecendo a situação de cada aluno, consigo pensar melhor como será a rotina do bimestre e quais as intervenções devo fazer para ajudar os menos avançados a entender a lógica do sistema de escrita.”

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ADOTE SINAIS Fazer luma marcação nos textos produzidos é útil para registrar como o aluno lê o que escreve e se ele se detém ou não em cada letra.

O ditado deve ser iniciado por uma palavra polissílaba, seguida de uma trissílaba, de uma dissílaba e, por último, de uma monossílaba – sem que o professor, ao ditar,

marque a separação das sílabas (leia no quadro abaixo como preparar a lista de palavras). Após a lista, é preciso ditar uma frase que envolva pelo menos uma das palavras já mencionadas, para poder observar se o aluno volta a escrevê-la de forma semelhante, ou seja, se a escrita da palavra permanece estável mesmo num contexto diferente.

No começo de 2008, a escola onde Araújo leciona passava por grande reforma. Aproveitando a curiosidade das crianças, ele resolveu trabalhar com uma lista de objetos usados na obra do prédio. As palavras ditadas foram ferramenta, martelo, ferro e pá. E a frase escolhida foi: usei a pá na reforma.

Lista bem feita

Na sondagem, a escolha certa das palavras e da frase (e da ordem em que elas serão ditadas) é essencial. “O ideal é preparar uma lista de termos de um mesmo campo semântico, ou seja, agregados por uma unidade de sentido, e uma frase adequada ao contexto desse grupo”, recomenda a formadora de professores Regina Câmara, do Programa Ler e Escrever. Deve-se evitar que as palavras tenham vogais repetidas em sílabas próximas, como ABACAXI, por exemplo, por causar um grande conflito para as crianças que estão entrando no Ensino Fundamental, cuja hipótese de escrita talvez faça com que creiam ser impossível escrever algo com duas ou mais letras iguais. Por exemplo: um aluno com hipótese silábica com valor sonoro convencional, que utiliza vogais, precisaria escrever AAAI. Os monossílabos ficam para o fim do ditado. Esse cuidado deve ser tomado porque, no caso de as crianças escreverem segundo a hipótese do número mínimo de letras, poderão se recusar a escrever se tiverem de começar por ele.

Observação e registro

Ficar atento às reações dos alunos enquanto escrevem também é fundamental. Anotar o que eles falam, sobretudo de forma espontânea, pode ajudar a perceber quais as ideias deles sobre o sistema de escrita. Na sondagem inicial feita com a lista de palavras relacionadas à reforma da escola, um aluno comentou com o professor Araújo:

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– Ferro começa com “fe”, de Felipe, não é? E termina com “o”. Essa é fácil.

– Agora eu quero que você escreva “pá” – disse o professor.

O aluno parou um instante, tentou contar “as partes” da palavra com os dedos e ficou um pouco incomodado. Demorou bastante até se manifestar:

– Mas essa não dá para escrever. Fica só uma letra e isso não pode.

CRIE UMA TABELA O ideal é construir um quadro para anotar a evolução das hipóteses de cada estudante. Fotos Marcos Rosa

Com o comentário, o professor conseguiu perceber que a criança entrou em conflito, pois pensava que só se pode ler ou escrever palavras com três ou mais letras e, ao mesmo tempo, tinha construído a hipótese de

que para cada emissão sonora uma letra basta.

Terminado o ditado, é imprescindível pedir que a criança leia o que escreveu. Por meio da interpretação dela sobre a própria escrita, durante a leitura, é que se pode observar se ela estabelece ou não relações entre o que escreveu e o que lê em voz alta – ou seja, entre o falado e o escrito – ou se lê aleatoriamente.

O professor pode anotar em uma folha à parte como ela faz a leitura, se aponta com o dedo cada uma das letras, se associa aquilo que fala à escrita etc. “Uma lista de palavras produzida pelo aluno, em situação de sondagem, sem a respectiva leitura, não permite analisar essa produção e identificar sua hipótese de escrita”, afirma Regina.

Se o aluno escreveu LGA para o ditado da palavra martelo e associou cada uma das sílabas dessa palavra a uma das letras, é necessário registrar abaixo a relação de cada letra com uma sílaba. Há duas maneiras de fazer esse registro, usando marcação com sinais que indique quais as associações feitas pela criança:

LGA (mar) (te) (lo) Ou ainda: LGA | | |

É possível que o aluno utilize muitas e variadas letras, sem que o critério de escolha desses caracteres tenha alguma relação com a palavra falada. Nesse caso, se ele ler

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sem se deter em cada uma das letras, é necessário anotar o sentido que ele usou nessa leitura. LPIEMAN

 

Esse tipo de marcação é importante, pois permite observar com mais clareza a hipótese que a criança tem e, posteriormente, os avanços que ela obtém ao longo do ano.

Atividades diversificadas

REGISTRE TUDO  A observação da produção de cada um ao longo do ano mostra com clareza como ele avançou.

Para que os alunos atinjam o objetivo previsto para o 1º ano – escrever alfabeticamente, ainda que com erros de ortografia –, o professor precisa acompanhar a evolução de todos, conhecendo os que demandam mais atenção, quantos têm hipóteses mais avançadas e os que estão alfabetizados. Esses últimos, particularmente, necessitam de outros conteúdos de ensino, como a ortografia.

O ideal é que seja construída uma tabela que contenha a evolução das hipóteses de cada um, comparando quanto evoluiu ao longo do ano. Com frequência, essa comparação traz agradáveis surpresas em relação aos que, apesar de não escreverem convencionalmente, realizaram avanços significativos em comparação com sua escrita do início do ano.

Com base nessa tabela, é possível também fazer uma análise crítica da rotina e das atividades que estão sendo contempladas. Será que todos interagem com outras fontes de texto e, nessa interação, refletem sobre a escrita e seu uso? Recebem informações de colegas mais experientes, que os ajudam a compreender o que está envolvido na leitura e na escrita? Têm a oportunidade de tentar ler por si mesmos? Contam com o apoio do professor, que oferece novas informações sobre a escrita e orienta seu olhar para os materiais escritos disponíveis na sala de aula, que podem ajudar no momento de decidir pelo uso de uma determinada letra? Encontram na escola um ambiente favorável à pesquisa, sendo encorajados a se arriscar e escrever segundo suas hipóteses?

É por meio das sondagens e da observação cuidadosa e constante das produções dos

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estudantes durante o ano que se pode saber em que momento se encontra cada um, se sua abordagem e rotina estão funcionando, qual a expectativa razoável de evolução para os que ainda se encontram em hipóteses mais primitivas e como ajustar o planejamento do trabalho para que, ao fim do ano letivo, todos estejam alfabetizados.

Alfabetização inicia - lPrática pedagógica - Produção de textos

Edição 225 | Setembro 2009

Célia Diaz Argüero: "A organização do texto vale tanto quanto vírgula e ponto"

Especialista, que vem a São Paulo para a Semana da Educação, fala das hipóteses

que os estudantes fazem sobre a pontuação na alfabetização inicial

CELIA DÍAZ ARGÜERO "Oferecer textos prontos e pedir para pontuar não ajuda o professor em nada. O melhor é colocar a garotada para escrever e observar a organização gráfica." 

Vírgulas servem para indicar breves pausas para respirar.

Pontos indicam pausas mais longas.

Aspas aparecem quando queremos mostrar que alguém disse alguma coisa.

Se você aprendeu pontuação assim (ou ensina seus alunos usando apenas essas informações), talvez seja hora de rever alguns conceitos.

"Na sala de aula, dizemos que ela serve para separar unidades sintáticas e organizar o texto", afirma Celia Díaz Argüero. "Só que as crianças nem sequer entendem o que isso significa." Pesquisadora e professora do Instituto de Pesquisas Filológicas da Universidade Nacional Autônoma do México, ela coordena desde 2003 um trabalho com crianças das séries iniciais para descobrir como elas efetivamente apreendem o sentido de dividir e reagrupar as ideias no papel usando sinais de pontuação para que qualquer pessoa possa entendê-las. E mostra que esse jeito tradicional de ensinar não resolve o problema da garotada.

Celia vem a São Paulo em outubro como uma das palestrantes da Semana de Educação, promovida pela Fundação Victor Civita (as inscrições, que já estão abertas, devem ser feitas via internet). Confira a seguir algumas das principais conclusões de

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sua pesquisa, que ajuda a entender como os alunos constroem os principais conceitos sobre a pontuação.

O que suas pesquisas revelam sobre a forma como as crianças aprendem o que é (e como usar) a pontuação?

CELIA DÍAZ ARGÜERO Em primeiro lugar, que a explicação oficial para o que é a pontuação está muito distante do que as crianças de 6 e 7 anos sabem sobre os usos da língua. Elas compreendem que todos falamos em "blocos", mas a passagem da fala para a escrita é muito mais complexa do que falar em "unidades sintáticas". Em outras palavras, a pontuação tem a ver com o que as crianças pensam sobre o idioma, mas não necessariamente com o que a escola quer que elas aprendam. O que descobrimos, ao realizar o trabalho, é que os alunos rapidamente compreendem que a pontuação está associada a duas coisas: à entonação e à ideia que se completa. Isso significa que nas séries iniciais é relativamente fácil compreender que o sinal "?" está associado a uma pergunta porque falamos com uma entonação diferente quando propomos uma questão a alguém. Por outro lado, nesse primeiro momento, é muito difícil para uma criança entender que uma lista de itens precisa de sinais de pontuação porque, para ela, a lista é uma unidade em si. Além disso, o uso que as crianças fazem dos sinais de pontuação atende a ideias específicas que elas têm sobre a função de tais marcas gráficas na construção de um texto - e essas ideias não têm a ver com os conceitos formais que a escola divulga sobre o que é pontuação.

De que forma as crianças organizam o texto quando ainda não compreendem o sentido da pontuação?

CELIA Entre a unidade letra e a unidade texto, existem diferentes unidades, como palavras e parágrafos. Mas as crianças trabalham com tudo junto: letra, sílaba, palavra, parágrafo. Porque essas unidades textuais não são nada óbvias para quem está aprendendo a ler e escrever.

Como isso se traduz nas produções dos estudantes em classe? CELIA Não há um comportamento igual em 100% dos casos. Ao contrário, há enormes diferenças de compreensão das regras de pontuação, de criança para criança. Mas é bastante claro que a organização gráfica do texto é muito importante para a grande maioria dos alunos em início de alfabetização. A forma como os pequenos colocam as palavras no papel e a forma como exploram os espaços em branco na folha dizem muito sobre suas concepções de linguagem. Para o professor, é essencial saber disso e observar a organização visual das produções para poder avaliá-las e ajudar a garotada a avançar. É essencial ter a clareza de que, na alfabetização inicial, a organização dos textos não é só uma questão sintática. Ela é visual também.

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Na prática, o que o professor pode fazer para avaliar melhor a turma? CELIA Oferecer textos prontos aos estudantes e pedir para todos colocarem a pontuação é um tipo de tarefa que não ajuda o professor em nada nesse processo. Sem dúvida, o melhor caminho é colocar a garotada para escrever. Só assim é possível observar a organização visual que cada criança constrói.

Em que momento as crianças avançam para um uso mais convencional da pontuação? CELIA Uma das conclusões de nossa pesquisa é que as crianças aprendem a usar a pontuação como se espera quando têm (ou passam a ter) contato com livros. Nesse momento, elas começam a entender que, em textos reais de uso social, existem inúmeros sinais gráficos, abreviaturas etc. E, com mais facilidade, avançam de um estágio para outro. Essa é mais uma das razões para fazer com que todos, além de ler muito, também produzam muito em sala de aula.

Como a pesquisa surgiu?

CELIA O trabalho nasceu em 2003, quando eu ainda trabalhava para o Ministério da Educação do México. Como eu acredito que a única forma de desenvolver um trabalho com professores é de forma contínua - e não com grandes eventos e conferências que acabam isoladas do dia a dia das equipes docentes -, tudo o que fazíamos, no Ministério, estava ligado a programas de formação permanente. Quando chegamos à cidade de Tepic, no estado de Nayarit, para apresentar nossa proposta, o secretário de Educação local imediatamente se comprometeu a dar início a um projeto de longa duração. Durante o primeiro ano, trabalhamos três dias por semana com os 80 professores (40 de pré-escola e outros 40 de 1º ano). Cada um desses professores ficou responsável pela coordenação de uma, duas ou três escolas, do total de 120 na região. E, desde então, continuamos atuando regularmente com esse grupo, oferecendo materiais que nos ajudem a entender os processos das crianças.

Como é a rotina de trabalho?

CELIA Para começar, as crianças têm acesso a textos escritos desde o primeiro dia. E trabalhamos com textos variados. Aliás, como deveria ser feito em todas as escolas quando se pensa num bom trabalho de alfabetização. No dia a dia, o professor faz muitas atividades de leitura de textos e também muitas de revisão - tudo tendo por base os estudos psicogenéticos realizados por Emilia Ferreiro e as pesquisas de didática da alfabetização realizadas por Delia Lerner, que já foram amplamente estudados e reproduzidos em diversos países, não só nos de língua espanhola como também no Brasil. O ponto de partida foi um livro chamado E de Escuela (de autoria de Tomàs Abella, não lançado por aqui), que traz fotos de crianças africanas e textos curtos que descrevem a Educação local. Um deles diz: "Nossas escolas são feitas de uma mistura de barro e palha. Não têm luz elétrica. Por sorte, nosso país é muito ensolarado e podemos aproveitar a luz que entra pelas janelas". Outro: "Muitos de nossos pais e mães não puderam ir à escola quando eram pequenos. Mas, quando

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viajam para vender a colheita ou os animais no mercado, percebem a importância de saber ler e escrever. Isso os anima a frequentar a escola para adultos". Daí propomos uma tarefa: escrever um texto para que as crianças da África saibam quem somos e como é nossa escola. Cada um deve fazer a atividade individualmente, numa folha de papel, e responder a quatro perguntas:

Quem sou eu? Como é a nossa escola? Como chegamos à escola? O que fazemos na escola?

E por que essas práticas fazem diferença na aprendizagem? CELIA De cara, saber que é preciso ter um destinatário para qualquer produção textual é fundamental para o sucesso do trabalho. As crianças percebem que escrevem para alguém que vai ler - não só porque o professor está mandando. O resultado é que esses alunos se desenvolvem mais do que a média. Desde o início, além das turmas que participam do projeto, acompanhamos outras (em outra cidade) que não têm nenhum tipo de acompanhamento. E o desempenho dos nossos alunos é claramente melhor do que os desse grupo de controle. Em média, o total de palavras nos textos é de 145 nas salas que participam do projeto e de apenas 77 no grupo de controle. O mesmo ocorre com o número de erros de ortografia, que é bem maior entre as crianças que não recebem a orientação.

Quais são as dificuldades mais comuns apontadas pela pesquisa? CELIA O "erro" que as crianças mais cometem nesse processo de entender o que é e para que serve a pontuação é a dificuldade de identificar as tais unidades sintáticas. Diversos alunos escrevem uma frase sobre um assunto. Sem ponto nem nada, emendam uma nova frase sobre outro tema. Veja dois exemplos reais. "Existem crianças que brigam e crianças tranquilas na escola na escola temos televisão..." e "Vendem-se muitas coisas no centro no centro existem muitas lojas". Além disso, há os estudantes que usam, sim, sinais de pontuação, mas não sabem fazer isso de forma convencional. Colocam dois pontos para indicar o horário ("12:30"), mas não sabem se o correto é pôr uma vírgula ou um ponto.

Qual é o papel do professor diante de situações como essa? CELIA Acredito que todo professor precisa se fazer algumas perguntas para ajudar a turma a se desenvolver. Quais sinais os alunos utilizam primeiro? Quais são os mais usados por cada um? A pontuação, de fato, avança da periferia para o centro, como escreveu Emilia Ferreiro? De que forma as crianças incorporam as informações que a escola lhes oferece? Que relação existe entre a pontuação e a ortografia? Que relação existe entre a pontuação e outros recursos para organizar os textos, como o uso do espaço na folha de papel?

É possível dar um exemplo de uso do espaço como forma de pontuação? CELIA Veja um trecho de um texto produzido por uma de nossas alunas:

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"MINHA ESCOLA Quem sou. Eu me chamo Karina eu vivo em Santa Maria tenho 7 anos Minha professora se chama Maria Cruz Minha casa é grande e branca"

E por aí vai, ocupando uma página inteira. Ela não usa corretamente as maiúsculas e organiza o texto praticamente sem pontuação. Na verdade, faz um trabalho genial, pois é bastante fácil compreender o sentido. Cada linha é uma frase e cada frase tem apenas um verbo. No entanto, todos os professores dão nota zero.

Que elementos a garotada costuma usar primeiro em seus textos? CELIA As formas mais comuns são os espaços em branco para separar frases ou parágrafos. O ponto, em geral, é empregado no fim da linha (mesmo que não seja o fim de uma frase), para delimitar frases no interior de um parágrafo, para delimitar os parágrafos, no fim de abreviaturas, e, claro, para concluir o texto. Quando percebem que isso aparece em outros textos, os pequenos passam a usar vírgulas para separar elementos numa lista. Também há os que usam aspas para títulos e para delimitar grupos (2º ano "A") e os dois pontos antes de uma lista ou para indicar horário. Uma linha ao longo de toda a superfície do papel também aparece com frequência para separar parágrafos, assim como um travessão no fim de cada linha.

Como, então, atuar para fazer a garotada entender as regras de pontuação e usá-las de forma convencional?

CELIA Não há soluções mágicas, e nem é isso que buscamos com a pesquisa. Por mais que existam atividades eficazes para dar início ao trabalho, é essencial entender que o que fazemos é um primeiro passo para descobrir como os alunos aprendem - a chamada psicogênese - e que ainda não há pesquisas específicas na área de didática que ajudem a pensar em atividades ou sequências que garantam um avanço mais eficaz na direção de fazer as crianças aprenderem a usar a pontuação. O que realmente importa é observar os alunos e entender o processo para ajudá-los a superar as barreiras.

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Alfabetização inicial - Prática pedagógica - Produção de textos

Edição Especial | Março 2009

Produzir texto sem escrever

Ao desempenhar o papel de escriba e pedir que os estudantes criem oralmente um

texto, o docente trabalha o comportamento escritor, as diferenças entre a linguagem

oral e a escrita e a importância de sempre revisar o que é produzido, individual ou

coletivamente

Anderson Moço ([email protected])

PROFESSORA ESCRIBA Os alunos produzem um texto sobre os polos norte e sul, ditando as informações que pesquisaram em duplas. Foto: Marcos Rosa

Por anos, o ditado foi patrimônio do professor: um texto ou uma lista com o propósito de avaliar se a turma sabia escrever de acordo com as regras da ortografia. Isso mudou - tanto nos objetivos como na forma. Hoje, uma das quatro situações didáticas previstas pelos principais programas oficiais de alfabetização inicial é pedir que os alunos produzam textos oralmente para se perceberem capazes de

escrever antes de estarem alfabetizados. Livres de questões relacionadas à grafia e ao sistema de representação, eles se concentram nos desafios da produção do texto: a definição do conteúdo, a adequação a um gênero e a organização da linguagem escrita.

"É importante criar espaços para que as crianças usem a linguagem escrita antes de ler e escrever, pois o conhecimento do sistema alfabético não é pré-requisito para a produção de texto, ou seja, não é preciso saber grafar as letras para organizar as ideias tal como se escreve", explica Silvana Augusto, formadora do Instituto Avisa Lá e professora do Instituto Superior de Ensino Vera Cruz, ambos em São Paulo. A criança que não sabe escrever de forma convencional está diante de uma situação-problema que permite a ela observar o desenvolvimento de seu processo de aprendizagem e da compreensão da linguagem escrita.

A elaboração de um texto vai muito além do registro gráfico. Durante o ditado para o professor, os alunos comandam a produção do texto no conteúdo e na forma - por meio das leituras e releituras do que já foi escrito - e fazem adequações na produção:

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incluem pausas, ritmo e velocidade, repetem partes quando necessário e distinguem o que dizem para ser escrito do que dizem como interlocutores, mudando o tom de voz. O texto que será grafado pelo professor precisa ter uma função comunicativa definida (a produção de um bilhete, a recomendação de um livro lido etc.). Essa situação didática deve fazer parte da rotina da alfabetização inicial, contemplando diferentes gêneros.

Indicação literária

Neste trabalho, o professor: - Oferece às crianças espaço de troca de experiências e preferências. - Seleciona um material de leitura de significativo valor estético. - Propõe a produção de texto com propósitos comunicativos claros. 

Diário da professora Carlene Fernandes Lima - Após a leitura de um livro que as crianças adoraram, pedi que elas me ditassem um texto de indicação literária, que anotei no quadro-negro. Na hora da revisão, elas foram percebendo expressões repetidas no texto e frases que precisavam ser alteradas, sugerindo como melhorar a narrativa. Fotos Marcos

Rosa

Uma atividade de ditado para o professor que não deve ficar fora do planejamento das aulas diz respeito à produção de textos de indicação literária, nos quais as crianças expõem sua opinião e aprendem a reconhecer e expressar preferências como leitoras. Elas ditam seu parecer sobre o material e os motivos para recomendar essa leitura. "É um comportamento usual entre as pessoas indicar os livros de que gostam mais. Ao fazer isso, a criança desenvolve critérios para a formação das preferências", ressalta Silvana Augusto

A produção precisa ter um destinatário real. Na EE Nelson Fernandes, em São Paulo, as indicações literárias fazem parte do planejamento de toda a escola. Semanalmente, as crianças escolhem uma das leituras realizadas para que seja produzida uma recomendação, que será encaminhada a outras turmas. No começo do ano, os alunos da 1ª série contam com a ajuda do professor para escrever o texto. Foi o que aconteceu com a sala da alfabetizadora Carlene Fernandes Lima após a leitura de A Fantástica Fábrica de Chocolate, do escritor galês Roald Dahl.

Por ser um livro grande, a professora passou mais de uma semana lendo diariamente um ou dois capítulos de cada vez. Terminada a leitura, Carlene abriu a conversa,

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estimulando a turma a expor suas ideias. O debate foi acalorado, as crianças se identificaram com o personagem principal, o menino Charlie, e partiu delas mesmas a iniciativa de escrever uma recomendação para a 1ª série C, prática que elas já estavam acostumadas a realizar. 

- Como vamos começar esse texto? - perguntou a professora. 

- A gente tem de contar um pouco da história para que eles também tenham vontade de ler - disse um aluno.

Todos, então, passaram a ditar uma descrição do enredo, muitas vezes utilizando expressões que tinham visto no livro. A cada nova passagem, Carlene relia o que estava escrito. "O papel do professor aqui é fundamental, pois, ao escrever no quadro-negro, ele explicita aos estudantes os comportamentos próprios de quem escreve", ressalta Silvana. Ele deve chamar a atenção sobre a estrutura, negociar significados e propor a substituição de palavras repetidas. Expressões como "e", "aí" e "daí" (marcas da oralidade) precisam ser trocadas por outras mais adequadas à linguagem escrita e que marquem a temporalidade e a causalidade, como "de repente".

Por fim, os pequenos ditaram os motivos que os levaram a escrever aquela recomendação e utilizaram expressões que estavam nos modelos de indicação literária que Carlene havia mostrado. 

- Vamos colocar que esta é uma história encantadora e envolvente, que não deixa a gente perder a atenção - ditou uma das crianças.

Reescrita de história

Neste trabalho, o professor: 

- Aborda questões relacionadas ao gênero e às características da linguagem escrita. - Desenvolve o comportamento escritor: planejar, textualizar e revisar. - Permite aos alunos que se sintam escritores e produtores de texto antes de saber grafá-lo.

 Diário da professora Rozangela Barbosa Cardoso - Depois de lermos na sala de aula vários livros com bruxas como personagens, os alunos produziram uma versão própria. Num segundo momento, pedi que eles retomassem a história, 

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pois uma parte tinha ficado confusa. Para melhorar o texto, eles encontraram respostas nos livros lidos, em que viram como os autores resolvem problemas semelhantes. Fotos Ivan Amorim

As atividades de reescrita de textos diversos favorecem a apropriação das características da linguagem escrita, dos gêneros, das convenções e das formas. Planejadas com o objetivo de eliminar algumas dificuldades inerentes à produção de textos, consistem em recriar algo com base no que já existe.

"A reescrita não equivale a uma cópia porque a criança fará uma versão pessoal do texto fonte", explica Silva Augusto. No livro Aprender a Ler e Escrever, a pesquisadora argentina Ana Teberosky afirma que a orientação que se dá para a utilização do texto-modelo pressupõe que aprender a escrever é, sobretudo, aprender a reescrever.

Antes de propor essa atividade, o professor deve realizar situações de leitura de diferentes textos de um mesmo gênero para a ampliação do repertório linguístico dos alunos e a apropriação de suas características.

Foi o que fez Rozangela Barbosa Cardoso, da EM Sebastião de Mattos, em Umuarama, a 580 quilômetros de Curitiba. Professora da 2ª série, no início do ano ela se deparou com uma situação comum nas escolas brasileiras: menos de um terço de seus alunos estava no nível alfabético. Rozangela desenvolveu um projeto de reescrita de histórias de bruxas.

Em um primeiro momento, ela explicou que eles produziriam coletivamente um conto sobre bruxas e iniciou a leitura de diversos livros que tinham essa personagem. A cada conto finalizado, uma roda de conversa sobre o texto era realizada.

Depois a professora pediu que eles destacassem oralmente o que caracteriza uma história de bruxa. Ela escreveu no quadro-negro uma lista intitulada "Nas histórias de bruxas tem..." para que os alunos pudessem consultar as características que haviam encontrado.

O próximo passo foi começar a produzir o texto. 

- Começa por "era uma vez", professora - disse um dos alunos. 

- Mas será que a gente não consegue encontrar outro começo? Esse não é muito comum? Nas histórias que lemos, como os autores fizeram? - indagou a professora. 

- Eles usam outras palavras. Que tal "um certo dia"? – propôs outra criança.

Esse tipo de intervenção da professora é de grande valia nas situações de produção. É importante ajudar a turma a perceber como se trabalha um texto, que tipo de reflexão deve ser feita na hora de escolher a forma e a sequência dos fatos e destacar as questões de estilo e de efeito que deve provocar no leitor.Os estudantes continuaram ditando a história até que a primeira versão fosse

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finalizada. No dia seguinte, a professora retomou a produção, relendo, grifando passagens e propondo que juntos tentassem melhorar o texto.

Terminada a segunda versão, Rozangela digitou no computador a história e, em outra aula, entregou uma cópia para cada um deles, pedindo que revisassem e tentassem encontrar partes que ainda precisavam ser trabalhadas.

"As crianças perceberam que precisávamos melhorar a coerência da narrativa para que o leitor não tivesse dúvidas. Sugeri que eles procurassem nos livros como os autores resolvem esses problemas. Depois da pesquisa, eles pediram, então, para alterar algumas expressões e acrescentar novas frases para que a história ficasse mais redonda."

Texto informativo

Neste trabalho, o professor: 

- Propõe a pesquisa e a busca de informações. 

- Explora as características do texto de caráter científico e informativo. 

- Amplia o universo de conhecimento e informação do aluno acerca de um tema específico.

 Diário da professora Anna Lúcia Schneider - Pedi que os estudantes pesquisassem  nos livros informações sobre os polos norte e sul para saber como vivem ali as pessoas e os animais. Eles trabalharam em duplas e um deles ficou com a tarefa de escrever o que ambos julgaram importante. Com os dados coletados na pesquisa e a leitura feita por mim, eles produziram um texto informativo sobre a vida de um bicho. Fotos Marcos Rosa

É muito importante que desde cedo os alunos tenham contato com uma boa variedade de textos informativos e de caráter científico, pois eles permitem o acesso a informações diversas e contribuem para o aprendizado dos procedimentos de pesquisa e de estudo. Saber extrair informações de textos e aprender com eles é uma condição para se tornar estudante. A atividade de produção do texto oral com destino escrito no gênero informativo é fundamental na alfabetização inicial, seguindo as pesquisas mais consistentes na área. "Ao participar desse tipo de situação de escrita, utilizando a linguagem, a organização e as expressões características, o estudante passa a se

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familiarizar com as maneiras de buscar e apresentar informações", explica Silvana Augusto. Além disso, ele tem mais uma oportunidade de analisar e refletir sobre o sistema de escrita e ainda entra em contato com informações variadas, explicações e curiosidades.

Na Escola Alecrim, em São Paulo, a professora Anna Lúcia Schneider propôs um projeto sobre os polos norte e sul. Primeiro, ela explicou que o produto final da atividade seria um livro ilustrado e que cada um receberia uma cópia. Depois, tentou descobrir o que o grupo conhecia sobre o tema. Ela levou livros com informações sobre as regiões e os animais e pessoas que vivem nelas. Em seguida, formou duplas e pediu que cada uma pesquisasse sobre um aspecto dos polos (animais, clima etc.). Ela circulava pela sala para ver se alguém precisava de ajuda.

Todos eram estimulados a trocar informações e a mostrar para os colegas o que haviam descoberto. O passo seguinte foi a escrita coletiva. A cada texto finalizado, Anna Lúcia propunha uma discussão. As informações estão de acordo com o que lemos? Será que o leitor vai entender o que queremos dizer? Eles consultavam os livros para checar se estava tudo certo e se havia uma maneira melhor de construir o texto.

O trabalho com produção escrita deve ser uma prática continuada, na qual se reproduz o contexto cotidiano em que escrever tem sentido. É percebendo a função social da linguagem escrita, as características do comportamento escritor e a importância de trabalhar o texto que a criança vai avançar na compreensão da linguagem que usamos para escrever.

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Alfabetização inicial - Prática pedagógica - Leitura pelo aluno

Edição Especial | 03/2009

Desde o começo

É preciso oferecer textos à criança já nas primeiras atividades de alfabetização porque

conhecer seus usos e suas funções favorece a reflexão sobre o sistema de escrita

APRENDER A LER LENDO  Os alunos podem avançar se colocados em atividades que proporcionam a eles situações reais de leitura. Foto: Marcelo Min

A criança compreende o sistema alfabético na prática de leitura, uma das quatro situações didáticas básicas para a alfabetização. O longo processo de conhecimento da linguagem escrita tem início antes de ela frequentar a escola. Segundo Ana Teberosky, professora da Universidade de Barcelona, na Espanha, a escrita ultrapassa os limites da sala de aula. Está presente em todas as etapas da vida e

atinge o ser humano desde que surge o interesse pela representação gráfica.

A criança não tarda em reconhecer e distinguir palavras de figuras ao abrir um gibi ou um livro. Diferentemente dos desenhos, que comunicam referentes com facilidade, o sentido da escrita alfabética é adquirido com o tempo: as palavras se dispõem quase sempre em linha reta e descontínua e possuem uma quantidade de letras, que se alternam e se combinam para formar um significante.

O segredo para ensinar a ler é dar condições para o aluno resolver problemas que lhe permitam avançar como leitor e escritor, confrontando-se com textos desde o início da alfabetização.

Texto memorizado

Neste trabalho, o professor:

• Propõe a reflexão sobre o sistema alfabético de escrita.

• Proporciona situações reais de leitura com cantigas e parlendas.

• Permite que os alunos estabeleçam uma relação entre o oral e o escrito.

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 Diário da professora Ana Rosa Piovesana - Um aluno leu a letra da cantiga que escrevi em um papel pardo, preso na parede a uma altura que permitia acompanhar com o dedo. Eu também dei uma cópia do texto para cada um colar no caderno e acompanhar a leitura na carteira e fiz algumas intervençoes para que todos analisassem mais do que a primeira letra da palavra e usassem diversas estratégias. Fotos: Kriz Knack

Segundo Beatriz Gouveia, coordenadora do programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo, é o contato com o texto que permite ao aluno refletir sobre o funcionamento do sistema de escrita. “A reflexão constante possibilita desenvolver estratégias de leitura”, explica a educadora. Tais estratégias são postas em prática pelas crianças sempre que tentam “ler” mesmo sem saber ler. “Elas antecipam o que pode estar escrito. Como ainda não dominam o sistema, estão o tempo todo usando informações sobre a escrita do próprio nome, do nome dos colegas ou outros que trazem da própria experiência.” Beatriz esclarece que essa tentativa de leitura não é aleatória. Ao contrário, “é um trabalho intelectual. A criança compara as palavras, seleciona, olha para todas as pistas e só então verifica o que está escrito”.

Existem atividades que ensinam o aluno a ler ao mesmo tempo em que proporcionam situações reais de “leitura”. Um exemplo é uma coletânea de cantigas e parlendas que as crianças já conheçam de cor. A letra da música é afixada pela professora na parede da sala de aula de maneira que todos possam acompanhar a leitura enquanto cantam. Assim – sempre com a intervenção da professora –, constroem relações entre o que pronunciam e a escrita correspondente.

A professora Ana Rosa Piovesana conseguiu alfabetizar todos os alunos no 1º ano da EMEB Rosa Scavone, em Itatiba, a 89 quilômetros de São Paulo, lançando mão de atividades de leitura e escrita de cantigas e parlendas, entre outras. No início de 2008, sua sala tinha oito crianças pré-silábicas, duas silábicas sem valor, oito silábicas com valor, uma silábica-alfabética e duas alfabéticas.

Antes de tudo, Ana Rosa pergunta quais cantigas todos conhecem. Esse levantamento é importante para saber que canções fazem parte do repertório comum da classe. Como as crianças ainda não dominam o sistema de escrita, a memorização prévia da canção que será “lida” é essencial para saber o que está escrito e tentar ler onde está escrito: se trabalha a música O Sapo Não Lava o Pé, por exemplo, o estudante saberá que as estrofes que tentará ler durante a atividade correspondem tão-somente à letra dessa música.

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“Escrevo a letra das cantigas num papel pardo e coloco na parede da sala. Também entrego uma cópia para cada um colar no caderno para levar para casa e ler com os pais”, diz Ana Rosa. “Então cantamos a música, acompanhando a letra, apontando e fazendo o ajuste do falado ao escrito conforme ela vai sendo cantada. Depois, peço que encontrem palavras da música.”

Ana Rosa descreve as intervenções realizadas com um de seus alunos durante o trabalho com uma das cantigas. Os versos em questão eram: “Havia uma barata/ Na careca do vovô/ Assim que ela me viu/ Bateu asas e voou”. Ana perguntou:

– Lucas, encontre para mim na cantiga a palavra “vovô”.

Ele apontou a palavra “voou”.

– Lucas, diga com que letra começa a palavra “vovô”?

– Com “v”, de Vanessa.

– Muito bem, mas...

– Mas esta também começa com “v” – disse Lucas, se antecipando à docente e apontando para a palavra “vovô”.

– Então, com que letra termina a palavra “vovô”?

A intervenção nesse caso levou o garoto a analisar mais que a primeira letra da palavra para conseguir lê-la e encontrá-la. “Lucas observou que ‘voou’ não tinha a letra ‘o’ no fim, percebeu que aquela não era a palavra correta e recorreu novamente à música para encontrar o que havia sido pedido”, explica Ana Rosa.

Títulos de livros

Neste trabalho, o professor:

• Propõe a reflexão sobre o sistema alfabético de escrita. • Aciona estratégias de leitura que permitam descobrir o que está escrito e onde (seleção, antecipação e verificação).

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 Diário da professora Tatiana Garcez Jora - Escrevi os títulos dos livros que selecionei em pequenas tarjetas de cartolina e apresentei três delas de cada vez aos estudantes. Depois que cada um escolheu o título de uma obra, pedi que eles

procurassem por ela em uma caixa que matenho na sala de aula. Antes de retirar o que seria levado para casa, cada um colocou o título da história em um caderno que registra os empréstimos. Fotos Tatiana Cardeal

O objetivo da leitura de títulos de livros é oferecer ao aluno o desafio de encontrar, entre muitas histórias, uma que gostaria de escutar em casa pela voz dos pais. Esse é o motivo pelo qual ele é levado a procurar em uma lista o título de sua história preferida. Isso é feito com base nos conhecimentos sobre a escrita de que já dispõe e naqueles que adquire com o passar do tempo – a escrita do próprio nome, do nome de colegas etc.

Na EMEF Laura Lopes, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Tatiana Garcez Jora começa essa atividade colocando os estudantes em círculo para que comentem o livro que leram com a família. A professora permite que eles citem os trechos da história que mais chamaram a atenção. A intenção é fazer com que apresentem as obras uns aos outros, despertando o interesse coletivo.

Tatiana prepara pequenas tarjetas de cartolina. Em cada uma, vai escrito o título de um dos muitos livros que podem ser encontrados numa caixa que fica na sala de aula. Então um aluno se sente atraído por Branca de Neve. A professora seleciona três tarjetas, A Bela Adormecida, Branca de Neve e A Bela e a Fera, lê os títulos numa ordem e os apresenta à criança em outra. O fato de que os três títulos terem palavras começadas com “b” impõe a necessidade de encontrar na extensão da palavra mais indicativos – tamanho, outras letras etc.

A professora fica ao lado do aluno durante as tentativas de leitura, fazendo intervenções que promovam a reflexão sobre o sistema de escrita, seja para levá-lo a repensar uma escolha, seja para pedir justificativas se ele aponta corretamente o título (leia a atividade permanente). Uma vez que o encontra, o estudante coloca o título num caderno para registrar o empréstimo e vai à caixa de livros, onde estará envolvido em outra atividade de busca, com o auxílio das imagens nas capas.

Utilizar essas tarjetas que apresentam apenas o título das histórias, em vez de exibir as imagens na capa dos livros, permite o foco exclusivamente no contexto escrito – objetivo da alfabetização.

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Texto informativo

Neste trabalho, o professor:

• Expõe o procedimento que os leitores experientes usam para buscar informações. • Formula questões sobre o que será lido e procura no texto como respondê-las.

Diário da professora Lóide Carvalho de Vasconcelos - Pedi que as crianças procurassem na biblioteca da escola livro sobre girafas. Ajudei na leitura dos índices das obras para buscar as informações desejadas. Mostrei que apenas ver as figuras não basta. É preciso verificar se a informação está escrita. Organizei uma roda na sala para uma leitura coletiva das informações encontradas. Fotos Marcelo Min

Em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a professora Lóide Carvalho de Vasconcelos iniciou com a turma de 1º ano da EMEB Anísio Teixeira o projeto Conhecendo os Animais.

“Primeiro, perguntei a todos quais animais queriam conhecer melhor. Eles chegaram a um consenso e decidiram se aprofundar na vida da girafa”, explica Lóide. “Então levantamos questões sobre o que a girafa come, onde mora, quantos anos vive etc.” Para confirmar as respostas que os alunos deram às perguntas, a solução foi encaminhá-los à biblioteca.

Na rede municipal de São Bernardo, a pesquisa não apresenta as dificuldades tradicionais que uma criança encontraria numa biblioteca comum. As obras estão dispostas por temas e divididos por cores. Os livros se organizam em ordem alfabética pelo sobrenome do autor e ficam com a capa à mostra para que o aluno que está aprendendo a ler possa utilizar as imagens como um instrumento adicional de busca. As estantes são baixas para que a criança alcance as obras.

Lóide diz que os estudantes são orientados sobre como usar a biblioteca antes de sair à procura de informação. “Eles foram atrás de dicionários e enciclopédias em que pudessem constar informações sobre as girafas, além de livros e revistas” (leia atividade permanente).

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As obras são selecionadas. O papel da professora é investigar junto com a turma se os livros trazidos podem ou não servir para aprimorar o conhecimento sobre o tema. “Se um aluno trazia um livro porque tinha visto uma figura de mamíferos, por exemplo, eu lia o sumário com ele para saber se ali há elementos sobre a girafa”, relata Lóide. “Esse procedimento ensina a buscar informações de maneira cada vez mais autônoma e a compreender que só o desenho não esclarece tudo: é preciso ler.”

Alunos e professora escolheram quatro livros. Lóide formou uma roda e leu os textos para responder às dúvidas sobre a girafa. Depois, cada um escolheu um animal para pesquisar individualmente, seguindo os mesmos procedimentos. “Mesmo que as crianças não saibam ler de forma convencional, quando há um contexto gerador de informações, elas conseguem realizar a leitura e, assim, aprendem a ler”, conclui a professora.

Alfabetização inicial - Prática pedagógica - Leitura pelo aluno

Edição Especial | 03/2009

Na ponta do lápis

Desde as primeiras aulas, escrever leva a turma a refletir a respeito do sistema

alfabético, além de formular, testar e avançar nas próprias hipóteses

MUITO ESFORÇO  Na atividade de redigir uma lista, o aluno escreve as palavras dentro de sua hipótese alfabética. Foto Marcos Rosa

No dia-a-dia da sala de aula, a escrita aparece em listas de presença, calendários, livros, revistas, cartazes... Fora da escola, não é diferente: está em cada carta, e-mail, placa, receita e bilhete. Nessas entrelinhas, o alfabetizador tem um aliado: a escrita pelo aluno – uma das quatro situações didáticas básicas da alfabetização, segundo pesquisas na área – como um instrumento com razão de

existir, e não apenas como sílabas, palavras e frases soltas, que não fazem sentido para as crianças.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer falam sobre a importância com esse cuidado: “Apesar de a criança aprender graças à interação com diferentes materiais gráficos, para ‘apropriar-se da linguagem escrita’ é necessário que

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ela participe de situações em que a escrita adquira significação.” Assim, contempla-se o preceito colocado pela psicolinguista argentina Emilia Ferreiro de que qualquer escrita é um conjunto de marcas gráficas intencionais, mas são as práticas culturais de interpretação que as transformam em objetos simbólicos e linguísticos.

Parlendas e cantigas

Neste trabalho, o professor:

• Foca a atenção do aluno apenas para o ato de escrever, sem a preocupação de criar o texto.

• Oferece espaço de troca de opiniões entre as crianças.

 Diário da professora Cecília Pinheiro - Levei os garotos para o pátio da escola e eles memorizaram a cantiga enquanto brincavam. Dividi a turma em duplas para permitir que um complementasse as idéias do outro. Fiz intervenções para incentivar a reflexão e a discussão dentro de cada parceria. Fotos: Ricardo Beliel

Em 2008, a professora Cecilia Pinheiro, da EM Robert Kennedy, em Petrópolis, a 65 quilômetros do Rio de Janeiro, investiu em parlendas e cantigas para alavancar o processo de alfabetização. Ciente da importância de propor à turma de 1º ano a escrita de textos conhecidos, Cecilia decidiu fazer disso uma atividade permanente. “Assim, as crianças tiveram mais oportunidades de se voltar apenas para o próprio ato de escrever, sem prender o pensamento à criação”, conta a professora (leia o projeto didático).

Um desses momentos foi a produção escrita de Atirei o Pau no Gato. Antes de começar, a classe foi ao pátio da escola para cantar e brincar com a letra da cantiga. Já em sala, a professora propôs a produção de um cartaz que ficasse no corredor da escola para que outras turmas também apreciassem os versos da canção. Depois, separou o grupo em duplas para que um complementasse as ideias do outro. “É comum que, entre os silábicos com valor sonoro, existam os que queiram colocar apenas vogais e outros que optem por usar somente consoantes. No começo, ambos ficam relutantes e não querem abrir mão de suas opiniões. Mas, juntos, percebem que faltam elementos nos dois casos e passam a negociar”, diz Cecilia.

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A escrita começou com lápis e papel, mas, ao ver que uma dupla se deparou com o dilema de escrever “dona” como “oa” ou “dn”, a professora ofereceu letras móveis para permitir a reflexão da dupla e fez uma intervenção:

- O “d” sozinho não consegue formar o “do”. Que letra está faltando?

- A letra “o”, responderam.

- E como se escreve o “na”? Com o “n” sozinho? Não falta alguma coisa aqui?

- Falta o “a”, berraram os dois.

Cecilia também conta que a cobrança da ortografia não foi uma preocupação nessa atividade. Isso só ganhou destaque ao longo do ano, conforme as crianças avançavam na alfabetização.

De acordo com Denise Maria Milan Tonello, pedagoga e orientadora do Colégio Miguel de Cervantes, em São Paulo, “não adianta mesmo falar em ‘s’ ou ‘ç’ para crianças que ainda não estão plenamente alfabetizadas. As dúvidas aparecerão naturalmente e renderão boas chances de pesquisa. Por exemplo, ao surgir a questão de o ‘qu’ nao escrever a palavra ‘queijo’, os alunos podem fazer um levantamento de outras em que o ‘q apareça e perceber que ele está sempre acompanhado do ‘u’”.

Ainda em relacão às dúvidas ortográficas, o Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do Programa Ler e Escrever sugere não só o uso do dicionário como também consultas a uma lista de palavras organizadas coletivamente. A cada nova dúvida solucionada, a turma pode escrever as grafias corretas e, depois, voltar a elas quando necessário.

Álbum de legendas

Neste trabalho, o professor: • Mostra a importância do destinatário na construção do texto. • Permite às crianças a discussão de critérios de seleção.

 Diário da professora Sandra Santos da Silva Jacques - Pedi que os alunos explicassem as fotos de viagens que trouxeram de casa. Em duplas, eles escreveram quem estava na imagem e qual era o local. O trabalho com as letras 

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móveis propiciou a reflexão sobre o que escreviam e permitiu revisões. Fotos: Fernando Vivas

Um aspecto que deve ser abordado nas primeiras atividades com a linguagem escrita é o destinatário. É preciso que as crianças tenham a chance de se questionar para quem escrevem e o que é preciso garantir no texto para que o leitor compreenda as informações registradas. Ao mesmo tempo, elas se comprometem com a tarefa porque preveem um propósito de leitura claro e ganham possibilidades de discutir critérios de seleção dos textos.

Com sua turma de 5 anos, a professora Sandra Santos da Silva Jacques, do Colégio Miró, em Salvador, optou por legendar um álbum de fotos dirigido à família da garotada. Para isso, solicitou fotografias tiradas nas férias, em um passeio, viagem ou brincadeira. Com as imagens em mãos, cada um relatou o que fazia no momento da foto, onde estava, quem o acompanhava (leia o projeto didático).

Depois a turma iniciou a seleção das fotografias que entrariam no álbum e a escrita de legendas. “Textos curtos e em que apareça o nome do colega favorecem a realização da atividade. As crianças se apropriam da estrutura das legendas e percebem, por exemplo, que não são extensas e não começam com ‘era uma vez’”, relata Sandra.

Ela também considera que o trabalho em duplas colabora com a construção dos textos e permite que, juntos, os pequenos levantem ideias do que escrever de acordo com o que veem nas imagens. Além disso, sabendo que o álbum se destina aos pais e parentes, as crianças são motivadas a explicar as informações de forma que possam ser compreendidas de maneira clara por qualquer leitor.

Quando um aluno escreveu a legenda de sua própria foto, a posição do enunciador se mostrou um problema. A professora explicou a ele que o texto não poderia ser “Eu na fazenda” porque seria lido em outro lugar por pessoas que não o conheciam. “Escreva Marcelo no lugar do ‘eu’, assim você informa qual é o seu nome.” Outra questão recorrente nas discussões foi a temporalidade. Alguns alunos escreviam nas legendas indicadores como “no mês passado” ou “no fim de semana”. A docente levou a turma a refletir sobre isso.

Lista de personagens

Neste trabalho, o professor: • Propõe a reflexão sobre o sistema de escrita. • Desenvolve na turma comportamento leitor e escritor.

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 Diário da professora Adriana de Oliveira Rocha - Utilizei as letras móveis para a atividade de listar personagens de contos infantis porque elas permitem revisar e mudar o texto facilmente. Cada dupla de alunos teve de observar uma ilustração e, então, escrever o nome do personagem que aparecia nela. Depois da fase de discussões em duplas, cada criança escreveu os nomes individualmente com lápis e papel. Fotos: Marcos Rosa

A professora Adriana de Oliveira Rocha, do Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo, lançou mão das listagens com crianças de 5 a 6 anos no ano passado. A seleção para a escrita por parte dos alunos incluía elementos como ingredientes de receitas, brinquedos que os pequenos levavam de casa e nomes de fantasias. Uma das listas foi a que compôs uma galeria de personagens conhecidos como Cinderela e Chapeuzinho Vermelho (leia a sequência didática).

A atividade começou com uma conversa sobre quais histórias faziam parte do repertório da turma e quais eram mais apreciadas. Com base nessa checagem inicial, Adriana montou uma lista de personagens a serem nomeados por escrito pelos pequenos. Então, a cada etapa do trabalho, ela distribuía uma ficha de atividade individual, com uma gravura ou ilustração de um dos personagens previamente listados. Depois de identificarem coletivamente quem era ele e de qual história fazia parte, escreviam seu nome com letras móveis.

Como a reflexão sobre o sistema de escrita é permanente e requer que a produção seja avaliada e revista pelas crianças, as letras móveis funcionam como boas aliadas. “Elas permitem mudar o que foi escrito”, diz Denise Tonello. Para evitar que as crianças se percam em problemas como “cadê o L?”, ela sugere não misturar uma quantidade grande de letras e, se possível, guardá-las em caixas com divisões, na ordem do abecedário. Após as intervenções da professora e da troca de experiências dentro de grupos de trabalho, os alunos redigiam os nomes individualmente e com lápis e papel.

Com a ajuda de peças móveis ou no papel, é indispensável confirmar o que foi produzido. Ao ler o que escreveram, os alunos realizam o ajuste entre o que se fala e o que se escreve e, desse modo, tornam as falhas mais aparentes. Tal habilidade é tão importante que figura nas expectativas de aprendizagem do Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do programa Ler e Escrever, das secretarias estadual e municipal de Educação de São Paulo. Entre as demais expectativas estão compreender o funcionamento alfabético do sistema de escrita, escrever textos que

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conhece de memória, reescrever histórias conhecidas e produzir textos de autoria, como bilhetes, cartas e instrucionais.

Segundo Adriana, o projeto dessa galeria ajudou a desenvolver comportamentos leitores e escritores ao longo do ano, como explorar livros da biblioteca de sala, identificar a história com base no seu título e escrever a lista dos personagens. A cada proposta, surgiam novos desafios, que, de acordo com Denise, colaboraram muito na evolução da escrita das crianças.

Alfabetização inicialPrática pedagógicaLeitura pelo professor

Edição Especial | 03/2009

Pequenos leitores

Ouvir permite às crianças ampliar o repertório cultural, aumentar a familiaridade com a

língua, desenvolver o comportamento leitor e iniciar o processo formal de alfabetização

, reportagem sugerida pela leitora Josélia de Castro Silva, Petrópolis, RJ

COMPORTAMENTO LEITOR  É fundamental que toda a turma participe da atividade, expondo suas ideias sobre o que foi lido. Foto: Tatiana Cardeal

Sempre que o professor lê para a turma, revela as múltiplas possibilidades que os textos oferecem. Essa é uma das quatro situações didáticas básicas no processo de alfabetização. "As crianças conhecem narrativas, lugares, personagens e autores e têm a oportunidade de se encantar com a leitura. O desejo de aprender a ler para decifrar os livros preferidos com autonomia e descobrir novas histórias aumenta de intensidade", diz Ana Flavia Alonço, pedagoga e formadora de professores do Projeto Entorno, da Fundação Victor Civita.

A leitura, como prática social, pode ser ensinada em situações em que a turma toda participe, comentando o que foi lido, levantando e explicitando hipóteses, debatendo

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ideias. Atitudes como essas compõem o chamado comportamento leitor, capaz de ser desenvolvido desde muito cedo com a ajuda dos mais experientes. A figura de pais e professores é fundamental, pois eles assumem o papel de condutores de seus ouvintes para um mundo fantástico. Nas palavras da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, "a leitura é um momento mágico, pois o interpretante informa à criança, ao efetuar essa ação aparentemente banal, que chamamos de 'um ato de leitura', que essas marcas têm poderes especiais: basta olhá-las para produzir linguagem".

Conteúdo relacionadoSequência Didática

← Comparar histórias

Projeto Didático← Leituras simultâneas de contos

Atividade Permanente← Leitura compartilhada e debate

É preciso, porém, ter em mente a intenção da leitura. Não basta simplesmente fazer uma sessão por dia sem propósito comunicativo. "Quando o professor lê, tem de considerar sua ação como prática social que entretém, emociona, informa e diverte. Mas também deve estar ciente dos objetivos didáticos a que ela se destina - por exemplo, diferenciar a linguagem escrita da falada ou conhecer o estilo de um autor", afirma Célia Prudêncio, formadora do Programa Ler e Escrever, do governo do estado de São Paulo. Segundo ela, se os objetivos não estiverem claros, a leitura, por si só, não dá conta de alavancar o processo de alfabetização, pois faltam os procedimentos necessários à mediação entre o professor, os alunos e a linguagem escrita.

Indicação literária

Neste trabalho, o professor: • Apresenta à turma autores em obras de reconhecida qualidade. • Comunica os motivos pelos quais selecionou o livro. • Lê o texto tal qual está escrito.

"Professora, bem que você disse que eu ia adorar aprender a ler." Sirley Aparecida Mastini da Costa, da EMEF Padre Gregório Westrupp, em São Paulo, guardou a frase na lembrança. Dita por um aluno de 1º ano em 2008, ela mostra o resultado de um investimento feito desde o primeiro dia letivo – incluir a leitura na rotina da classe. Os alunos não tinham o hábito de ouvir e comentar histórias. De 33 crianças, apenas duas eram alfabéticas no início do ano letivo. Em dezembro esse número saltou para 29 e todos passaram a participar de discussões sobre as obras lidas, diferenciar versões da mesma história e conhecer o trabalho de autores como Ziraldo e Monteiro Lobato. "Atuar como leitores competentes é também um aprendizado. Por isso, seleciono obras clássicas e atuais para ler diariamente", conta Sirley.

A atenção dos pequenos ouvintes ficou cada vez maior e cresceu também a vontade

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de conhecer outros livros. Eles passaram a levar exemplares de casa para a escola, cobrar os momentos de leitura, participar de atividades de contação de histórias organizadas pelos mais velhos e, já alfabetizados, montar as próprias rodas literárias. "Depois que uma atividade acaba, vão por conta própria para o fundo da sala, retiram livros das estantes e leem para os colegas", diz Sirley.

Diário da Professora Sirley Aparecida Mastini da Costa - Antes de iniciar a leitura, eu destaco a capa dos livros, apresento seus autores e falo de outras obras deles. Após a sessão, é comum as crianças formarem grupos e retirarem outros livros das estantes. Fotos: Tatiana Cardeal

Com tais objetivos em vista, a professora investiu na organização dos momentos de leitura: "Para entrar no clima, converso com as crianças sobre o autor e sobre o que o título da história parece sugerir". Aspectos como esses devem ser levados em consideração durante o planejamento da aula. Ou seja, uma boa preparação requer uma pesquisa detalhada sobre o autor, o ilustrador e, se houver, a coleção elementos que não apenas enriqueçam o repertório da turma como também sirvam de base para as escolhas que todos farão como leitores. Além disso, é importante definir previamente possíveis intervenções que auxiliem na compreensão do texto e, sempre que possível, treinar a história em voz alta, com ritmo e gestos, todos a serviço da produção de sentido por parte dos pequenos. Resta, então, definir qual o melhor momento da rotina para a leitura em voz alta, lembrando sempre que a quantidade de vezes em que ela é realizada é menos relevante do que a qualidade da situação didática.

A escolha dos textos requer cuidados especiais. “Devem ser obras bem escritas, que encantem as crianças. E é importante que o professor também conheça e aprecie a história”, orienta Ana Flavia. A qualidade se faz ainda mais necessária, pois a leitura em voz alta é uma porta fundamental para que os pequenos entrem no mundo letrado (leia a sequência didática). “Além da história, as crianças assimilam aspectos da estrutura do texto. Percebem que, para escrever, é preciso ter muitas letras e colocadas em lugares certos”, afirma Maria Peregrina de Fátima Rotta Furlanetti, do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente, a 565 quilômetros de São Paulo. Entre os textos literários, é recomendável evitar aqueles em que a transmissão de uma moral supere a qualidade literária.

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Outro cuidado de Sirley é em relação ao vocabulário. Ela não troca nem simplifica palavras. "Ao contrário, procuro mostrar que, para descobrir o significado de termos desconhecidos, basta procurá-las no dicionário", diz. De acordo com Ana Flavia, a medida é importante "porque cada palavra contribui para a beleza do texto literário e também porque, ao ouvir histórias, as crianças estabelecem relações acerca dos termos que não conhecem e ampliam seu repertório". 

Escolha de obras

Neste trabalho, o professor: • Apresenta a variedade de gêneros literários. • Aponta estratégias para buscar informações em títulos, subtítulos e legendas. • Desperta nos alunos a vontade de cuidar dos livros.

Diário da professora Maria Aparecida de Araújo Silva - Eu ajudo os alunos na escolha do livros e na leitura, sentindo a necessidade de cada um. Aí os meninos passam a escolher livremente o que ler e se espalham pela sala. Consegui, depois dessa atividade, despertar neles a preocupação de cuidar dos volumes. Fotos: Fernando Vivas

Todos os dias, a professora Maria Aparecida de Araújo Silva, responsável pela sala de leitura da EM Teresa Cristina, em Salvador, passa pelas salas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental levando uma mala de rodinhas que esconde um verdadeiro tesouro. É a biblioteca circulante, que tem até uma boneca de pano como mascote. Abastecida com frequência pela biblioteca da escola, ela contém mais de 40 livros, entre obras literárias, poesia, dicionários e publicações sobre arte e animais.

"Antes de começar abrir a mala, leio um livro ou texto avulso, que levo do lado de fora para criar um clima gostoso. A intervenção inicial dura cinco minutos. Depois disso, as crianças exploram as obras para escolher a história que lerei a seguir", diz Maria Aparecida. Ela também investiu na decoração da sala de leitura com almofadas e tapetes doados, que lotam na hora do recreio, e na instalação de sapateiras, que servem de estantes em todas as salas até o 2º ano.

Em cada momento de leitura, as crianças se organizam ao redor da professora, de modo que todas possam escutá-la claramente e enxergar as páginas da publicação.

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Maria Aparecida comenta, então, algum aspecto da história, como quem é o personagem principal ou onde a trama se passa. Assim, fornece elementos que ajudam os pequenos a formular suas primeiras hipóteses. E vale lembrar que esse é um ótimo momento para combinar com as crianças que elas devem evitar interrupções. "Explique que muitas dúvidas são respondidas no desenrolar da história e que, no fim da leitura, poderão perguntar o que não entenderam, pedir a releitura de trechos e até folhear o exemplar", diz Ana Flavia Alonço.

Esse momento posterior à leitura é bastante flexível - só não deve cair na rotina de, por exemplo, sempre terminar com um desenho sobre a história que foi apresentada. "É preciso ter sensibilidade para perceber as necessidades da turma, que podem ser um reconto, uma dramatização, um debate de ideias ou até mesmo o silêncio", sugere Maria Peregrina Furlanetti, da Unesp.

Desse modo, os resultados não demoram a aparecer. As turmas, que antes do início do projeto de biblioteca circulante chegaram a estragar 45 livros em uma semana, têm hoje só leitores interessados e responsáveis. "Independentemente da idade, todos querem cuidar dos volumes, escolher as obras preferidas e até inventar as próprias histórias", conta a professora.

É importante garantir a diversidade textual, realizando a leitura de obras literárias, contos, poemas e notícias, entre outros (leia o projeto didático). Esse contato permite à criança apreender as características específicas de cada gênero, bem como os propósitos com que são escritos e lidos. De acordo com Célia Prudêncio, "a variedade de gêneros deve ser um eixo do trabalho do professor, ou seja, ler diferentes textos com diferentes objetivos". Por exemplo: buscar informações em títulos, selecionar dados e reler para retomar dúvidas ou apenas voltar a trechos apreciados.

Juntos, então, professor e alunos exploram essa imensa gama de possibilidades, num processo ativo de construção de significados, que coordena informações de diversas procedências - conhecimentos do leitor, dados do texto e informações fornecidas pelo contexto. 

Livros variados

Neste trabalho, o professor: • Aproxima os alunos de diferentes gêneros literários. • Cria situações em que eles possam atuar como leitores. • Abre espaço para que elas demonstrem livremente suas impressões.

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Diário da professora Daniela Ribeiro - Antes de começar a leitura em roda com os alunos, eu explico porque escolhi o livro do dia. Eles buscam as ilustrações e as relacionam com trechos da história que eu narrei. Eu complemento a atividade oferecendo exemplares que eles podem levar para casa. Fotos Kriz Knack

Daniela Ribeiro deu aulas em 2008 para a turma de 1º ano da EMEF Rosalvito Cobra, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Quando alguém pergunta qual é o segredo para terminar o ano com todos os alunos alfabetizados, ela não pensa duas vezes: a leitura. Antes de entrar em sala, ela treina a entonação. Já com os alunos, lê o título, comenta o tema e abre o livro, sem trocar palavras para simplificar o vocabulário.

O cardápio de textos oferecidos é bem variado. Nesse caso, é importante explicar por que determinada leitura foi escolhida, o que faz dela algo especial - tem frases engraçadas, ilustrações interessantes, um tema atual ou um personagem curioso - e deixar claro qual será o gênero. Revelar esses elementos ajuda as crianças a selecionar as próprias leituras e justificar tais escolhas.

Na sala de Daniela, as obras vão de clássicos, como O Mágico de Oz, que ela lê em capítulos, a textos informativos. Todas as sessões de leitura são seguidas de conversas para a exposição de ideias (leia a atividade permanente). "Depois de ouvir a leitura de um texto sobre um animal, por exemplo, as crianças se divertem falando sobre o lugar onde ele mora e outras curiosidades. É nesse espaço que podem demonstrar livremente suas impressões. Para tanto, é importante não interromper e não induzir a opiniões. Quando mais de uma criança falar ao mesmo tempo, basta pedir que esperem a vez. É enriquecedor voltar aos trechos comentados pela turma e ajudar a identificar pontos em que as imagens são fundamentais para o desenrolar da história. Ensinar a ler não é transmitir conteúdos, mas criar situações em que as crianças possam atuar como leitoras. Foi assim que os alunos de Daniela passaram a agir. “Percebi que, ao longo do ano, eles se sentiram cada vez mais motivados a ler, em especial porque queriam muito encontrar as informações", conta.

A roda de biblioteca complementa a leitura diária. Toda sexta-feira, cada aluno escolhe um livro para levar para casa. Na segunda, fazem roda para comentar o que gostaram, o que não agradou, se leram com ajuda ou não, se as expectativas foram correspondidas - hábitos que podem ser construídos antes mesmo de a turma dominar a escrita. 

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Alfabetização inicialPrática pedagógicaEscrita pelo aluno

Edição 220 | Março 2009

O alfabeto não pode faltar

Ferramenta indispensável nas salas de séries iniciais, o alfabeto ajuda as crianças a

tirar dúvidas sobre a grafia das letras com autonomia

Rodrigo Ratier ([email protected])

É ASSIM QUE SE FAZ Na EM Atenas, a turma consulta o alfabeto na parede para conferir a grafia correta das letras. Foto: Gilvan Barreto

Pendurado na parede desde o primeiro dia de aula, ele ocupa uma posição central na classe - de preferência, acima do quadro, no campo de visão de todos os alunos. Material de apoio precioso para um ambiente alfabetizador na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, é a ele que os pequenos recorrem quando querem encontrar uma letra e saber como grafá-la. Se sabem que "gato" se escreve com G, mas esqueceram o jeitão dele, é só caminhar pela sequência de letras até encontrá-lo. Se na hora de escrever "mar" bater a dúvida de quantas perninhas tem o M, a resposta também está lá. O alfabeto da classe é um companheiro permanente para quem ensaia os primeiros passos no universo da escrita.

Conteúdo relacionadoReportagens

← Pequenos leitores ← Alfabetizar é todo dia ← Tudo sobre alfabetização

Atividades← Nomes próprios ← Legendas para fotos

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Page 53: TUDO SOBRE ALFABETIZAÇÃO

← Hora da chamada ← Criar agendas telefônicas

Não espanta o consenso de que um alfabeto, organizado em cartazes ou painéis de tamanho razoável, deve estar presente em toda - sim, em toda - sala de alfabetização inicial. Afinal, ele é um precioso instrumento de consulta para as situações de escrita, uma das quatro situações didáticas mais importantes nesse processo (as outras três são a leitura pelo professor, a leitura pelo aluno e a produção oral com destino escrito, quando o professor atua como escriba). Se você leciona para pré-escola, 1º ou 2º ano, precisa dominar essas práticas. Uma excelente chance para conhecer esses e outros procedimentos essenciais para o letramento é a edição especial NOVA ESCOLA Alfabetização (leia o quadro "Um raio X da alfabetização").

Para que o alfabeto realmente ajude na compreensão do funcionamento da escrita, é preciso saber usá-lo. Isoladamente, ele não é nada além de uma lista de letras. Apenas mandar a garotada ler a sequência de A a Z não faz ninguém avançar na alfabetização. "Memorizar a ordem das letras é importante, mas esse saber deve ser acionado pelas crianças durante atividades de reflexão sobre a escrita", afirma Clélia Cortez, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.

Responder aos dois principais problemas da alfabetização 

SABER NECESSÁRIO Agendas telefônicas mostram a importância da ordem alfabética numa situação real. Foto: Gilvan Barreto

Uma oportunidade de fazer isso é trabalhar com a construção de agendas telefônicas (leia o projeto didático). Nessa tarefa, a utilidade da ordem das letras fica clara: ela serve para tornar a busca de nomes mais rápida e precisa. A proposta foi adotada pela professora Janine Caldeira Veiga, da EM Atenas, no Rio de Janeiro. No caso de Janine, a confecção das agendas fez parte de um projeto amplo, que teve o alfabeto como aliado em todas as etapas. "Ele ajudou a turma do 2º ano a conferir a grafia e a pronunciar o nome das letras ou como apoio à memória para saber qual a posição de uma delas na sequência", diz.

De fato, o instrumento é útil durante todo o início da alfabetização, ajudando a responder aos dois principais problemas de quem está entrando no processo. O primeiro - o que, exatamente, a escrita representa? - mobiliza sobretudo as crianças na

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fase pré-silábica, em que elas ainda não entendem que a escrita é uma representação da fala. Nessa fase, enfatizar a diferença entre desenhar e escrever é fundamental. Você pode usar o alfabeto para apresentar as letras que compõem a escrita, colaborando para distingui-las dos números e de outros símbolos.

O segundo desafio - como se organiza a escrita? - pode ser enfrentado quando alguma palavra apresentar falta de letras. Por exemplo, se um aluno escreve "AO" para representar "pato", provoque uma reflexão e questione:

- Me indique no alfabeto com que letra começa "pato".

- Está ali. É o P, de Paula.

- Isso mesmo. Agora olhe o que você escreveu: "AO". Onde a gente pode colocar o P na sua escrita?

Outra dúvida comum diz respeito à grafia das letras. A forma do G é uma das mais problemáticas. Para desenvolver a autonomia, incentive a criança a procurar a letra pela recitação do alfabeto.

O alfabeto deve ter letras de imprensa, sem decorações 

PASSOS SEGUINTES Alfabetos mais sofisticados, com letras de imprensa e cursivas, aprimoram a escrita. Foto: Gilvan Barreto

Atenção, porém, antes de produzir o alfabeto da classe. Ainda são muito comuns os modelos que trazem as letras de A a Z decoradas, com figuras cuja inicial é a letra em questão. Assim, o B, por exemplo, vem adornado por uma asa de borboleta, com um contorno que se mistura ao da letra. Não é o ideal, pois a associação com desenhos confunde a criança. "Nessa fase inicial de aprendizado, ela imita a escrita e ainda não consegue determinar com clareza o que é central e o que é periférico, o que realmente faz parte da letra e o que é somente um enfeite. Por isso, qualquer elemento supérfluo acaba sendo reproduzido", argumenta Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA. O melhor é que o alfabeto seja composto de letras de imprensa maiúsculas, de contornos mais limpos e claramente identificáveis quando reunidos em palavras.

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Depois que os pequenos já entenderam o que a escrita representa e como ela se organiza, aí, sim, você deve mostrar outros tipos de letra, como a de imprensa minúscula (o que vai ampliar a compreensão de livros, jornais, revistas e outros materiais impressos) e a cursiva maiúscula e minúscula (facilitando o contato com notas e bilhetes manuscritos e produções escolares). Novamente, essa etapa também pode se beneficiar da colaboração de um alfabeto pendurado na parede - dessa vez, um modelo um pouco mais sofisticado, com a letra maiúscula em destaque e os outros quatro tipos correspondentes logo abaixo.

Um raio X da alfabetização

 

A edição especial que a equipe de NOVA ESCOLA preparou traz mais de 50 páginas de material inédito sobre a alfabetização inicial. Totalmente voltadas para a prática de sala - são, ao todo, 12 projetos e sequências didáticas -, as reportagens mergulham no passo-a-passo do processo e respondem às principais questões que interessam a todo alfabetizador: como identificar o que as crianças sabem sobre a escrita? Quais as melhores estratégias para ensinar? O que os alunos precisam ter aprendido ao fim de cada série? Como acompanhar o avanço da sala - e como ajudar os pequenos com mais dificuldades? O especial chega às bancas no dia 16 de março.

Quer saber mais?

CONTATOS Clélia CortezEM Atenas, R. Gentil de Ouro, s/nº, 23063-340, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2413-3809

BIBLIOGRAFIA Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer, 192 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 49 reais NOVA ESCOLA Alfabetização, edição especial, 4,80 reais, nas bancas a partir de 16 de março Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, 300 págs., Ed. Artmed, 52 reais Reflexões sobre Alfabetização, Emilia Ferreiro, 104 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 15 reais  

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Edição 213 | 06/2008

Mais do que letras

Até dominar a leitura e a escrita, a garotada passa por experiências enriquecedoras,

como ler sem saber ler e escrever sem saber escrever

 Cada criança chega à escola em uma fase da alfabetização – o nível de compreensão depende das possibilidades prévias de contato com o mundo da escrita. Apesar de uma classe ter alunos em estágios diferentes de conhecimento, todos podem aprender. “O ambiente escolar deve ser pensado para propiciar inúmeras interações com a língua escrita”, afirma Telma Weisz, especialista em Psicologia Escolar e uma das maiores autoridades em alfabetização no Brasil. O papel do professor é mediar interações.

Conteúdo relacionadoPlano de aula

← Seqüência didática Contos do mundo todo

← Seqüência didática Prática de leitura

← Procure no Ponto de Encontro por comunidades sobre alfabetização ← Plano de aula para a situação didática 20

Comparando diferentes versões de Chapeuzinho Vermelho←   Plano de aula para a situação didática 20

Comparando diferentes versões de Pinóquio← Plano de aula para a situação didática 21

Lendo o livro ... antes de ler a história do livro← Plano de aula para a situação didática 22

Nomes próprios← Plano de aula para a situação didática 22

Trabalhando uma questão ortográfica com ditado interativo← Plano de aula para a situação didática 23

Projeto Biografias e autobiografias← Plano de aula para a situação didática 23

Regras de brincadeira← Plano de aula para a situação didática 24

Estudando seminários

Para auxiliá-lo na tarefa de facilitar o ingresso da meninada no universo da linguagem escrita, o docente tem à disposição algumas atividades consagradas. “Aprendi que a leitura para a classe é uma delas e faço isso diariamente. Sento-me em roda com a turma, mostro um livro, falo sobre o autor e leio por cerca de 15 minutos”, afirma Cintia

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Dante de Queiroz Minelli, da EMEB Professor Bráulio José Valentim, na zona rural de Mogi Mirim, a 160 quilômetros de São Paulo. A educadora incentiva a escrita utilizando letras móveis ou lápis: “É para que as crianças descubram que tudo o que falam pode ser escrito”.

A conclusão da alfabetização inicial ocorre após os dois primeiros anos de escolaridade. Nas séries seguintes, a garotada aprofunda conhecimentos sobre diferentes gêneros de texto e ganha maior autonomia na produção e na leitura. Maria Ussifati, da EM Tempo Integral, de Umuarama, a 600 quilômetros de Curitiba, vê o progresso de seus alunos da 4ª série. Eles lêem uns para os outros e indicam títulos a amigos. “Percebo que mesmo os que não têm o hábito de ler ficam interessados quando vêem o colega com um livro ou contando uma história curiosa”, ela explica. As cinco situações didáticas de Língua Portuguesa estão descritas em duas fases, alfabetização inicial e continuidade (veja a seguir). Como o nível de leitura e escrita varia dentro de uma classe, é importante identificar em que fase cada aluno está e escolher atividades adequadas para a turma.

20 Leitura para a classe (na alfabetização inicial)

O que éA turma forma uma roda, e o professor lê em voz alta textos literários, jornalísticos, regras de jogos etc. Os gêneros devem variar para que o repertório se amplie. Além de contos de fadas, valem notícias que tratem de algum assunto de interesse de crianças. Também é imprescindível garantir a qualidade do material à disposição da meninada.

Quando propor Diariamente.

O que a criança aprende Os usos e as funções da escrita, as características que distinguem os gêneros e as diferenças entre o oral e o escrito. Ela se familiariza com a linguagem e os elementos dos livros (que contam histórias), dos jornais (que trazem notícias) e dos textos instrucionais (que incluem regras de jogos ou receitas culinárias).

Leitura para a classe (na continuidade)O que é Leitura de livros literários mais longos (podem ser selecionados capítulos inteiros, por exemplo) e textos informativos mais complexos. O objetivo é que a turma construa uma compreensão coletiva de cada obra.

Quando propor Diariamente.

O que a criança aprende Características de textos mais difíceis e de diferentes gêneros (leia o quadro).

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21 Leitura para aprender a ler (na alfabetização inicial)

O que é A tentativa de ler listas ou textos conhecidos de memória (poemas, canções e trava-línguas). Sabendo o que es tá escrito (nomes de frutas, por exemplo), é possível antecipar o que pode estar escrito e confirmar por meio do conhecimento das letras iniciais ou finais, entre outras formas (leia o quadro abaixo).

Quando propor Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende O funcionamento do sistema de escrita. Além disso, ela compreende como acionar as primeiras estratégias de leitura.

Leitura para aprender a ler (na continuidade) O que é O crescimento da autonomia. O estudante pode entrar em contato com diferentes gêneros para saber quando e como usá-los e, assim, aprender a buscar informações e a ler para estudar.

Quando propor Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende A compreender textos mais desafiadores. Durante a leitura, ela pode localizar e selecionar informações apoiandose em títulos, subtítulos ou imagens e apontando o que é interessante.

23 Produção textual (na alfabetização inicial)

O que é Os pequenos ditam um texto, e o professor escreve no quadro. Eles ficam com o controle do que se escreve e acompanham como isso é feito. Podem ser feitas perguntas para provocar participações e estruturar a escrita. Ao fim da atividade, a produção deve ser revisada.

Quando propor Várias vezes por semana, sempre que houver uso da escrita.

O que a criança aprende A organizar as idéias principais de um texto conhecido e a modificar a linguagem, passando da forma oral para a escrita.

Produção textual (na continuidade)

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O que é A reescrita e a produção de textos com autonomia crescente. O aluno define o leitor, o propósito e o gênero, revisa e cuida da apresentação final.

Quando propor Diariamente.

O que a criança aprende A usar procedimentos de escritor: planejar o que escrever, fazer rascunhos, reler e revisar.

24 Comunicação oral (na alfabetização inicial)

O que éAtividades em que a garotada narra histórias, declama poemas, apresenta seminários e realiza entrevistas. Podem ser feitos saraus e apresentações para expor um tema usando roteiros ou cartazes para apoiar a fala.

Quando proporAlgumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprende A utilizar a linguagem oral com eficiência, defendendo pontos de vista, relatando acontecimentos, formulando perguntas e adequando sua fala a diferentes situações formais.

Comunicação oral (na continuidade)O que éPreparação e realização de atividades e projetos que incluam a exposição oral, articulando conteúdos de linguagem verbal e escrita. É interessante incentivar a turma a falar com base em um roteiro e a fazer entrevistas e seminários.

Quando proporAlgumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprendeA participar de situações que requeiram ouvir com atenção, intervir sem sair do assunto tratado, formular perguntas, responder a elas justificando suas respostas e fazer exposições sobre temas estudados.

Alfabetização inicial

Edição 204 | 08/2007

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''Vou alfabetizar todos eles até o fim do ano''

Com um planejamento que inclui atividades diversificadas e muito estudo e dedicação,

Mariluci Kamisaka garante que seus alunos, moradores da maior favela de São Paulo,

saiam da 1ª série lendo e escrevendo

Thais Gurgel ([email protected])

Todo dia é dia de ler: Mariluci forma a roda de crianças e lê para elas, sempre caprichando na intonação para aumentar o interesse. Foto: Tatiana Cardeal

Todo ano, um de cada seis alunos que entram na 1ª série é reprovado. Outros 18% chegam à 4a série sem terem sido alfabetizados. Essas crianças, condenadas ao fracasso no início da escolaridade, vêm de famílias que não têm acesso à leitura e à escrita e, mal atendidas pelo sistema de ensino, acabam permanecendo nessa situação de exclusão. Em várias escolas brasileiras, porém, há professores dedicados que não aceitam desculpas extraclasse para não ensinar. NOVA ESCOLA encontrou três profissionais que acreditam, de fato, que todos podem aprender. As histórias de Janice Cunha, de Porto Alegre, e Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), você encontra no nosso site.Nestas páginas, você vai conhecer Mariluci Falco Fernandes Kamisaka e sua turma de 1ª série da EE Maria Odila Guimarães Bueno, em São Paulo.

Alfabetizar na 1a série...

- Garante que os alunos avancem no aprendizado da leitura, da escrita e das demais matérias escolares. - Evita que o fracasso seja uma marca na vida das crianças já no início da escolaridade.

Conteúdo relacionado← Assista a quatro vídeos mostrando a professora Mariluci promovendo em classe

as atividades de leitura e escrita descritas na reportagem.← Confira, até o fim do ano, quatro outros vídeos mensais mostrando o avanço dos

alunos de Mariluci

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← Leia como trabalham as professoras Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), e Janice Cunha, de Porto Alegre

Neste ano, ela tem uma turma com 32 crianças, quase todas moradoras da favela de Heliópolis, a maior da cidade. Elas são filhas de pais com baixa escolaridade e têm pouco acesso a materiais escritos – o que as diferencia das nascidas em ambientes em que livros, revistas e jornais circulam naturalmente e em que a leitura é valorizada e a escrita utilizada no dia-a-dia. Ensinar para essa clientela, que muitos consideram condenada ao fracasso, não assusta Mariluci. Ao contrário.Com conhecimento teórico, uma prática bem planejada e muita dedicação, ela tem evitado que seus alunos sigam na escola e na vida enfrentando dificuldades para fazer da leitura um meio de aprender, se informar, trabalhar e participar da sociedade em pé de igualdade.

Mariluci não inventou nenhum método revolucionário. Muito do que essa professora de 39 anos faz está descrito nos Indicadores de Qualidade na Educação – Ensino e Aprendizagem da Leitura e da Escrita, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), pela Ação Educativa e por outras entidades ligadas à alfabetização. O documento defende que os estudantes tenham contato com diferentes tipos de texto, ouçam histórias todos os dias e observem adultos lendo e escrevendo. Além disso, recomenda que a escola ofereça uma rotina de trabalho variada e que os professores os incentivem o tempo todo. No que depender de Mariluci, todos os itens estão contemplados: “Meus alunos podem e vão aprender. Eu trabalho para que isso aconteça”.

Da prática de Mariluci fazem parte ao menos quatro situações essenciais – de acordo com pesquisas da área de didática da alfabetização –, que você acompanha nos quadros de atividades desta reportagem: a leitura em voz alta feita pela professora para a turma (leia abaixo), a leitura de textos reais feita pelos que ainda estão tentando ler, a escrita feita pelos que ainda estão aprendendo o sistema alfabético e a produção de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam e ela escreve no quadro.

Atividade

Leitura para a classe O que é: o professor organiza a turma em uma roda e faz a leitura em voz alta de diferentes tipos de texto (contos, poemas, notícias, receitas, cartas etc.).

Quando propor: diariamente, tomando o cuidado de trabalhar cada tipo de texto várias vezes, para que a turma se familiarize com ele, e de variar os gêneros, para que o repertório se amplie.

O que a criança aprende: esse é o principal canal de acesso ao mundo da escrita, essencial para os filhos de pais analfabetos ou que têm pouco contato em casa com livros, revistas e outros materiais. Na atividade, a criança se familiariza com a linguagem dos livros (onde há histórias que divertem), dos jornais (que trazem notícias), dos manuais (que ensinam a usar um aparelho) etc.Assim, ela aprende que cada um é produzido e apresentado de uma forma diferente e, assim, começa a

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perceber a diferença entre a língua falada e a escrita.

COMO MARILUCI TRABALHA Escolha do material: nesse momento diário de contato com materiais impressos, Mariluci familiariza os alunos com vários tipos de texto. Reportagens de jornal, por exemplo, têm a função de informar sobre as notícias da cidade, do Brasil e do mundo. Os folhetos informativos, por sua vez, trazem listas de produtos em oferta nos supermercados. A escolha do texto é coerente com o objetivo de trabalho que ela estabelece para cada dia. Os livros infantis, no entanto, têm lugar de destaque na rotina de Mariluci. Na hora da determinar o que será lido, ela se pauta pela qualidade literária da obra e não por seu tamanho – livro para crianças pequenas não precisa ser curto. A professora lê os tradicionais contos de fadas,mas também leva para a sala histórias de autores atuais.

Organização da turma e apresentação do material: ao propor a formação de uma roda, ela já sinaliza à turma que a atividade tem uma dinâmica diferente, que pressupõe interação e diálogo. Mais próximos uns dos outros, porém, os pequenos podem desviar a atenção com facilidade. Por isso, é essencial garantir que todos se interessem pela leitura antes de iniciá-la. Quando vai ler um livro de histórias, Mariluci sempre mostra a ilustração da capa e pergunta quem saberia dizer qual é o título.Alguns se arriscam baseados na ilustração.Depois que todos já sabem o nome da obra, ela pede que todos falem de que imaginam tratar o enredo.

Leitura do texto: a professora capricha na entonação – principalmente na fala dos personagens – para criar dramaticidade e dar ritmo à leitura. A cada trecho importante, mostra as ilustrações da página para toda a roda. As etapas da trama ganham também comentários pessoais – “que complicação!” –, num momento de dificuldade vivido pelo protagonista, e rápidas recapitulações para chamar a atenção no decorrer da atividade. Mesmo que haja palavras difíceis, ela não faz nenhuma simplificação, pois é só dessa forma que o vocabulário das crianças se amplia.

Discussão final: a atividade termina com Mariluci abrindo espaço para que todos se manifestem sobre o que foi lido. No caso do livro de histórias, quais foram os trechos preferidos? Que partes cada um achou mais engraçadas? Ela sempre pergunta, nesse momento, se alguém tem alguma dúvida sobre o texto e gostaria de apresentá-la aos colegas. Assim, vão aparecendo diferentes impressões sobre a trama. A atividade reproduz o que acontece com os adultos. Quando lemos um livro por prazer, não respondemos a nenhum questionário, mas sempre fazemos comentários com parentes e amigos, seja para indicar a leitura, seja para discutir algo polêmico ou marcante da narrativa.

Em seu planejamento diário – são quatro horas e meia de aula –, ela dedica a maior parte do tempo à alfabetização. No entanto, garante que haja espaço para Matemática ou História e Geografia. “Já tive dificuldade de balancear a rotina porque muitas atividades têm de ser realizadas com freqüência quase diária”, conta Mariluci.“Hoje sei dosar melhor o tempo e se não consigo dar conta de alguma delas num dia compenso

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no outro. O importante é a continuidade.”

Nem sempre, no entanto, suas aulas foram tão organizadas e focadas na aprendizagem do aluno. Quando Mariluci começou a lecionar, recém-formada em Pedagogia, em meados dos anos 1980, havia uma linha didática predominante na alfabetização, a mesma pela qual ela havia sido ensinada quando criança.

O lançamento de A Psicogênese da Língua Escrita, livro de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, inspirava os primeiros trabalhos feitos por pesquisadores brasileiros. A novidade conceitual ainda estava distante das salas de aula e poucos sabiam explicar como de fato as crianças aprendem os degraus pelos quais elas passam durante esse processo (leia o quadro abaixo). A obra revolucionou a percepção sobre a alfabetização ao considerar que o ponto de partida da aprendizagem é a própria criança e permitiu compreender por que a escola conseguia alfabetizar alguns e não outros.

Teoria

HIPÓTESES DE ESCRITA De acordo com as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, já replicadas no mundo inteiro, as crianças elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do sistema de escrita – com quantas letras se escreve uma palavra, quais são elas e em que ordem elas aparecem. Na fase em que o aluno adota simplesmente o critério de que, para escrever, é preciso uma quantidade de letras (no mínimo três) diferentes entre si, a hipótese é considerada pré-silábica. Quando passa a registrar uma letra para cada emissão sonora, ela está no nível silábico – inicialmente sem valor sonoro e depois com a correspondência sonora nas vogais e/ou nas consoantes. Na hipótese silábico-alfabética, as escritas incluem sílabas representadas com uma única letra e outras com mais de uma letra. E, finalmente, quando começa a representar cada fonema com uma letra, considera-se que ele compreende o princípio alfabético de nossa escrita. No entanto, mesmo nessa fase, os alunos ainda apresentam erros de ortografia.

Veja como poderia ser a escrita da palavra camiseta de acordo com cada hipótese: ■ Pré-silábica: P B V A Y O ■ Silábica sem valor sonoro: E R F E ■ Silábica com valor sonoro: K I Z T ■ Silábico-alfabética: K A I Z T A ■ Alfabética: C A M I Z E T A

Nesse último exemplo, temos o que já seria considerada uma escrita alfabética, mas ainda com um erro ortográfico, que precisa ser trabalhado pela professora.

Hoje é amplamente sabido que o que mais pesava era o contato com a escrita no cotidiano. E, se o aluno tem pouco contato, a aprendizagem fica prejudicada. Os reflexos dessa situação são sentidos no país. Dados do 5º Indicador de Alfabetismo

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Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em 2005, mostram que 74% dos brasileiros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações e comparar diferentes materiais escritos. Mesmo entre os que concluíram o Ensino Médio, 43% não possuem essas habilidades. É a prova de que a escola apenas perpetua essa exclusão, pois não está ensinando a utilizar a leitura e a escrita para dar conta das demandas sociais e para continuar aprendendo ao longo da vida – como o Inaf define o que seja uma pessoa alfabetizada.

Nos anos 1980, para Mariluci – assim como para a massa de professores brasileiros –, o conhecimento sobre a escrita deveria se dar em etapas: primeiro aprendiam- se as letras, depois as sílabas e as palavras e só então vinha o trabalho com textos. “Hoje sabe-se que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre o sistema de escrita e sobre a linguagem que se escreve, seus usos e funções”, afirma Telma Weisz, supervisora do programa Letra e Vida, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

As pesquisas iniciadas por Emilia Ferreiro e comprovadas por diversos outros estudiosos transformaram a compreensão do que é a escrita: em vez de um código a ser assimilado, é um sistema de representação que cada um reconstrói até estar plenamente alfabetizado.

Dentro dessa concepção, cabe ao professor diagnosticar em que nível está cada aluno (leia o quadro) para planejar as aulas e ajudar todos a avançar sempre mais. “O que me incomodava naquela época era insistir com os alunos no ponto que eles não compreendiam e não saber contornar a situação com outra abordagem”, lembra Mariluci. Ainda hoje, muitos professores sofrem ao perceber que alguns estudantes vão ficando para trás e se sentem impotentes para ajudá-los ou, em alguns casos extremos, simplesmente desistem dessas crianças como se elas fossem incapazes de aprender.

Teoria

O VALOR DO DIAGNÓSTICO Conhecer o nível em que está a turma é essencial durante a alfabetização – e no decorrer de toda a escolaridade. Percebendo os avanços e as dificuldades dos pequenos, você consegue planejar uma boa aula e propor atividades adequadas para levar cada um a se desenvolver ainda mais e chegar ao fim do ano lendo e escrevendo. Essa avaliação deve ser feita logo no início do ano e repetida no mínimo uma vez por bimestre.

Para realizá-la adequadamente, é preciso escolher como atividade algo que seja feito regularmente, como as listas – de frutas, cores, animais etc. “O professor deve, primeiro, avisar a turma sobre o tema da lista e depois ditar as palavras, sem marcar as sílabas”, explica a formadora Beatriz Gouveia. Como os alunos já conhecem o tema que deve ser posto no papel, os alunos podem pensar mais em como escrever (quantas e quais letras usar, por exemplo).

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O Módulo 1 do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do MEC, traz uma sugestão: ditar uma lista de quatro palavras (uma polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba). É preciso tomar o cuidado para que as sílabas próximas contenham vogais diferentes. Isso porque a maioria das crianças que começa a se familiarizar com o sistema de escrita inicia os registros apenas com vogais e acredita que é necessário usar letras diferentes para escrever. Portanto, se você ditar “arara”, muitos poderiam querer escrever A A A e achar que isso não faz sentido.

Como elas acham ainda que as palavras devem ter um número mínimo de letras – por volta de três –, se você ditar só monossílabos elas também podem se recusar a escrever. Veja aqui dois exemplos possíveis: itens para um lanche coletivo (refrigerante, manteiga, queijo, pão) e bichos vistos no zoológico (rinoceronte, camelo, zebra, boi). Com essas palavras, você provoca o estudante a refletir sobre a forma de representação.

Terminado o ditado, peça que cada um leia o que escreveu. “Essa leitura é tão ou mais importante do que a própria escrita, pois é ela que permite ao professor verificar se o aluno estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes do escrito”, aponta o Profa. Para finalizar, registre tudo. Com esse material, fica mais fácil planejar atividades que façam os alunos avançar, acompanhar a evolução de cada um e montar os agrupamentos produtivos. É preciso lembrar também que, no dia-a-dia, mesmo sem essa sondagem, é possível verificar como a turma está se saindo individual e coletivamente.

Desde que teve a oportunidade de fazer uma formação em alfabetização, em 2003, a professora mudou a forma de ensinar. Além de aprenderem o sistema de escrita, seus alunos participam de diversas atividades de leitura e produção de texto mesmo sem terem aprendido isso formalmente. Como? Eles “leem” a letra de uma música que sabem de cor, ajustando a fala ao que está escrito (leia o quadro). Ao propor atividades como essa, Mariluci introduz a garotada no universo da escrita.

Atividade

Ler para aprender a ler O que é: a confrontação da criança com listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) e textos que ela conhece de cor – como cantigas, parlendas e trava-línguas –, propondo que neles ela encontre palavras ou “leia” trechos (antes mesmo de estar alfabetizada).

Quando propor: em dias alternados com as atividades de escrita (leia o quadro na página 41). A atividade deve ser realizada só com alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor outras tarefas de leitura, já que eles conseguem ler com autonomia.

O que a criança aprende: acompanhando o texto com o dedo enquanto recita os

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versos, o aluno busca meios de “descobrir” as palavras fazendo o ajuste do falado para o escrito. Isso acontece porque ele já sabe “o que” está escrito (condição para a realização da atividade) e precisa pensar somente no “onde”. Ele reconhece as primeiras letras e partes de palavras conhecidas ou identifica as que se repetem. Para isso, ele se vale de estratégias de leitura, como a antecipação. No caso das listas, ele prevê qual será determinada palavra por já conhecer o tema em questão – frutas, cores – e, no caso dos textos memorizados, por já saber o que está escrito. Outra estratégia é a verificação, que consiste na identificação de uma letra conhecida que esteja no começo ou no fim da palavra e que confirme a antecipação feita.

COMO MARILUCI TRABALHA Escolha do texto: Mariluci utiliza listas conhecidas pelos pequenos – como a de nomes da turma, que fica exposta na parede – e textos memorizados, como parlendas e canções. É condição didática dessa atividade saber o que está escrito para descobrir onde está escrito.

Proposta de leitura: individualmente ou em duplas, a professora pede que os alunos encontrem certas palavras em uma lista. Quando trabalha com a letra de uma canção, por exemplo, ela pede que todos leiam um verso para achar determinada palavra.

Intervenção da professora: durante a tarefa, ela roda pela classe para acompanhar como cada um ou cada dupla está se saindo e pede que uma criança encontre determinado termo no texto. “Onde está escrito ‘nariz’?”, questiona sobre o poema A Foca,de Vinicius de Moraes. A criança mostra a palavra correta, mas Mariluci pede uma justificativa. “Começa com N”, é a resposta.As perguntas são feitas a diversos alunos. Depois, ela convida um a um a ler o cartaz com o poema. Novamente, intervém em dificuldades específicas. Dessa forma, a professora provoca a reflexão e faz a turma avançar.

Ela compartilha sua rotina com os colegas nas duas semanais de trabalho pedagógico coletivo, em que a equipe aproveita para estudar o tema. Trocar idéias sobre a prática é extremamente rico para qualquer professor. A mesma oportunidade Mariluci proporciona aos estudantes, que podem contar com a ajuda dos colegas de classe, trabalhando muitas vezes em duplas. A professora se vale com freqüência da estratégia, que só é produtiva porque ela aprendeu a diagnosticar as hipóteses sobre a escrita que cada um tem e junta alunos que estão em níveis próximos, fazendo dessa interação um importante instrumento de aprendizagem (leia mais no quadro).

Teoria

AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS Para toda criança, confrontar suas idéias com as dos colegas e oferecer e receber informações é essencial. Essa troca, que leva ao avanço na aprendizagem, precisa ser bem planejada. É essencial conhecer quanto os alunos já sabem sobre o desafio que será proposto, já que a organização da turma não pode ser aleatória. “Se o objetivo é que eles decidam conjuntamente sobre a escrita de um texto, é importante juntar os

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que apresentam níveis diferentes, mas próximos entre si, para que haja uma verdadeira troca”, afirma Beatriz Gouveia. Quando se reúnem crianças de níveis muito diferentes, acaba-se reproduzindo a situação escolar de “alguém que ‘sabe’ mais que os demais, obrigando os outros a uma atitude passiva de recepção”, como explica Ana Teberosky no livro Os Processos de Leitura e Escrita. Assim, numa situação de escrita, é possível organizar duplas com crianças de níveis diferentes, porém próximos, como as mostradas a seguir:

■ As de hipótese pré-silábica com as de hipótese silábica sem valor sonoro. ■ As de hipótese silábica sem valor com as de hipótese silábica com valor. ■ As de hipótese silábica com valor com as de hipótese silábico-alfabética. ■ Os já alfabéticos trabalham entre si.

Há os casos em que toda a turma pode atuar na mesma atividade, como a produção de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam para o professor ou a leitura pelo professor e posterior discussão pela classe.

O sucesso no trabalho com agrupamentos produtivos depende do tipo de tarefa: ela deve ser sempre desafiadora para que a turma use tudo o que sabe na sua resolução e, assim, possa evoluir. Atuar em duplas pressupõe também que as crianças já conheçam o conteúdo para fazer alguns progressos sem a intervenção direta e constante do professor (mesmo porque é impossível acompanhar todos, o tempo todo, em suas carteiras). Lembre: se os grupos têm níveis diferentes, você deve levar isso em conta também na hora de fazer suas intervenções para que eles estabeleçam novas relações. Isso vale para as perguntas que você fizer e também para as informações que der.

“É importante que o professor atue nessas tarefas como um mediador, observando e intervindo de acordo com as necessidades de cada aluno”, afirma Francisca Izabel Pereira Maciel, diretora do Centro de Alfabetização. Leitura e Escrita (Ceale), da Universidade Federal de Minas Gerais. Quando a garotada vai escrever uma cantiga já memorizada (como a da atividade mostrada no quadro), por exemplo, o ideal é fazer intervenções específicas para que haja reflexão sobre as letras e palavras a usar.

Atividade

Escrever para aprender a escreverO que é: a escrita de textos memorizados – como cantigas, parlendas, trava -línguas e quadrinhas – ou de listas (de nomes, frutas, brinquedos etc.) que podem ser escritos com lápis e papel ou com letras móveis.

Quando propor: em dias alternados com as atividades de leitura para reflexão sobre o sistema de escrita (leia o quadro na página 38). A atividade deve ser realizada com alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor um trabalho sobre ortografia ou pontuação, uma vez que eles já sabem escrever.

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O que a criança aprende: concentrada apenas no sistema de escrita – pois o conteúdo ela já sabe de cor –, a criança pode se voltar apenas ao “como escrever”, pensando em quantas e quais letras usar. Ela se esforça para encontrar formas de representar graficamente o que necessita redigir, avançando no processo de alfabetização.

COMO MARILUCI TRABALHAOrganização da turma: a produção escrita é uma atividade em que a formação de agrupamentos produtivos tem ótimo resultado. Mariluci junta crianças com níveis próximos.Argumentando com o colega e trocando idéias, a criança não só consegue organizar sua concepção sobre a escrita como também repensá-la.

Desenvolvimento da atividade: em uma das aulas do mês de junho, a professora sugeriu que a turma escrevesse a letra da música Cai, Cai, Balão, já memorizada por todos. O desafio era escolher letras e formar as palavras necessárias para compor o texto com a ajuda do parceiro. Ao ver o colega começar o primeiro verso com A – quando deveria ser escrita a palavra “cai” –, uma menina sinalizou que não era essa a letra.“Coloca o C de cai!”, disse ela, encontrando certa desconfiança do parceiro. Mariluci interveio, pedindo que o aluno comparasse a palavra “cai” com um dos nomes da turma – Carina. “O começo das duas palavras não é parecido?”, perguntou. Dessa forma, os dois concordaram, escreveram a palavra e passaram adiante na tarefa.

Confirmar o que está escrito: uma última etapa é fundamental nessa atividade: a professora pede que os alunos leiam o que acabaram de produzir. Assim, há espaço para problematizar a diferença entre o que se lê e o que se escreve. Ela passa ao menos uma vez pelas carteiras no decorrer do trabalho. Ao perguntar a uma dupla o que já tinha escrito, soube que os três primeiros versos estavam ali representados.“E onde está escrito mão?”, indagou. Os dois se entreolharam. Um deles mostrou: “NU”. “Com que letra começa ‘mão’?”, perguntou Mariluci. “Com M!”, respondeu o outro aluno. “Não está faltando letra nesse verso, então?”, questionou ela, liberando os dois para discutir os próximos passos. Permitindo que os alunos trabalhem em dupla, ela deixa de ser a única informante válida na classe e ganha mobilidade para dar atenção a quem precisa de mais ajuda.

Para os alfabéticos – que vão se tornando mais numerosos com o passar do ano –, essa atividade tem outro objetivo, já que eles sabem escrever. Trabalhando entre si, eles devem melhorar a ortografia e a segmentação – é comum escreverem as palavras corretamente, mas juntando umas às outras. Quando passa nesses grupos para acompanhar o andamento da tarefa e vê que há erros ortográficos, Mariluci convida os estudantes a consultar o dicionário.Assim, ela não corrige, mas ensina a buscar a grafia correta.

Momentos de leitura e escrita individuais também fazem parte do planejamento porque é necessário que cada aluno tenha espaço para desenvolver as próprias idéias. Isso acontece, por exemplo, no cantinho de leitura, que a turma freqüenta diariamente, nos intervalos entre as atividades ou nos momentos especialmente destinados a isso.

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É nesse espaço que ficam reunidos materiais como livros, jornais, folhetos de propaganda e enciclopédias. “Ofereço uma diversidade de textos à qual eles dificilmente teriam acesso”, diz a professora (leia mais no quadro). Toda semana, as crianças podem escolher uma obra e levá-la para casa com a recomendação de ler com os familiares. A importância desse momento é enfatizada nas reuniões de pais, em que Mariluci os incentiva também a acompanhar o progresso dos filhos pelos cadernos. “Digo que as crianças vão sentir que o empenho em aprender está sendo reconhecido.”

Teoria

ACESSO À DIVERSIDADE DE TEXTOSPara grande parte das crianças brasileiras, a escola representa o único meio de contato com o universo da escrita. Assim, cabe a você garantir a elas o acesso à maior diversidade possível de textos – literatura, reportagens, manuais de instruções, anúncios publicitários etc. Mais do que isso, é necessário apresentá-los no contexto em que são utilizados. Só assim os estudantes saberão como lidar de maneira adequada com cada um deles no dia-a-dia. “A criança deve saber que, socialmente, textos literários costumam ser lidos por prazer, diferentemente de um manual de montagem de um produto, que tem o objetivo prático de fazê-lo funcionar corretamente”, afirma Beatriz Gouveia.

Nas aulas, é necessário mostrar que um livro de literatura se lê passando página por página e olhando as ilustrações até chegar ao fim e que um dicionário – que também tem a forma de um livro – é útil para verificar a grafia das palavras. Já o jornal pode ser consultado, por exemplo, quando se quer ler uma notícia. Até mesmo o rótulo de um produto pressupõe comportamentos leitores específicos: ali podem ser buscados os ingredientes e o valor nutricional.

Sua tarefa é formar pessoas que tenham familiaridade com a leitura e seus propósitos, ou seja, que compreendam o que lêem e enxerguem nela uma maneira de se informar e se desenvolver pessoalmente

No dia em que a garotada traz os livros de volta para a classe, ela organiza uma roda de conversa e até quem ainda não está alfabetizado conta a história para os colegas, como se estivesse lendo. “A criança que lê sem estar alfabética não está brincando de faz-deconta. Ela está se apoiando na experiência do professor e no conhecimento da postura de quem lê”, explica Francisca Maciel. Ou seja, imita um gesto porque já sabe que ele faz sentido e é parte do aprendizado.

Desenvolver esse comportamento leitor só é possível com atividades diárias.Ninguém vai saber como são escritas (e como se leem) uma notícia de jornal ou uma receita de bolo se nunca tiver ouvido uma antes. Por isso, mesmo quem não sabe escrever convencionalmente é capaz de ditar um conto de fadas (leia o quadro). A prática de tantas atividades, aliada à atenção constante ao desempenho de cada um, tem feito os

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alunos de Mariluci avançar. Ela iniciou o trabalho, em março, com o seguinte quadro: seis dos 32 estavam no nível pré-silábico, 14 eram silábicos sem valor sonoro, oito silábicos com valor sonoro e só quatro silábico-alfabéticos.

Atividade

Ditado para escribaO que é: a turma cria oralmente um texto num gênero específico – conto, carta, bilhete, receita, notícia etc. –, mesmo sem estar alfabetizada, e a professora escreve no quadro. É condição didática para a atividade as crianças conhecerem o gênero. Dessa forma, mesmo sem saber definir o que são uma carta ou um conto de fadas, a criança sabe diferenciá-los.

Quando propor: várias vezes por semana. Sempre que o uso da escrita se fizer necessário no dia-a-dia da sala de aula (escrita de bilhetes, convites etc.) e no desenvolvimento de projetos de leitura e escrita.

O que a criança aprende: ela se aprimora na linguagem escrita ao adaptar a linguagem oral (mais coloquial) às exigências de um texto no que se refere às suas características. Há ainda o trabalho de revisão dessa produção, eliminando palavras repetidas.

COMO MARILUCI TRABALHAProposta da atividade: antes de convidar a turma a produzir coletivamente um conto de fadas já conhecido, Mariluci faz um aquecimento, pedindo que todos relembrem as características do gênero. O conto geralmente se passa num tempo distante e num local indefinido e traz adjetivos como “belo” e “terrível”.

A escrita de Chapeuzinho: na hora em que Mariluci pediu para a garotada ditar Chapeuzinho Vermelho, logo apareceram exemplos de expressões e vocabulário adquiridos com as leituras feitas por ela em classe. O começo, como era de esperar, foi “era uma vez”. Como a garotada já conhecia o enredo, o desafio era organizar as sugestões, fazendo perguntas para que a turma recontasse a história ditando na forma de texto. Enquanto escrevia no quadro, ela garantia que todos articipassem.

Revisão e conclusão: durante a escrita, Mariluci propõe diversas discussões com os alunos. Expressões típicas da linguagem oral, como “e daí”, são substituídas por “depois” ou simplesmente retiradas. Esse tipo de atividade é importante para que a garotada, mesmo sem dominar ainda o sistema de escrita, aprenda a compor um texto escrito, seja ele de que gênero for. No fim, ela propõe a releitura e a revisão do que se escreveu para identificar possíveis erros e também formas de melhorar o texto.

No fim do primeiro semestre, eram 31 crianças – uma foi transferida – na seguinte situação: uma pré-silábica, 13 silábicas com valor sonoro, três silábico-alfabéticas e 14 alfabéticas. Seu compromisso é chegar em dezembro com todos os alunos alfabetizados, como tem ocorrido nos últimos anos, aliás. Inspirar-se no exemplo de

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Mariluci (e das outras professoras que aparecem no site) é fundamental para o Brasil superar o atraso educacional– e passar a acreditar que há esperança para nossas crianças.

Quer saber mais?

CONTATOEE Maria Odila Guimarães Bueno, R Américo Samarone, 350, São Paulo, SP, tel. (11) 6215-5339

BIBLIOGRAFIA Contextos de Alfabetização Inicial, Ana Teberosky e Marta Soler Gallart, 175 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 34 reais Ler e Escrever na Escola, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed, 32 reais Os Processos de Leitura e Escrita, Emilia Ferreiro e Margarida Gomes Palácio, 274 págs., Ed. Artmed, 52 reais Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, 300 págs., Ed. Artmed, 46 reais

INTERNET Faça o download dos Indicadores de Qualidade na Educação: Ensino e Aprendizagem da Leitura e da Escrita em www.acao educativa.org.br 

Língua Portuguesa

Alfabetização inicial

Outubro 2007

Interação com a linguagem escrita

Em contato com a escrita

As crianças pequenas não vão mais à escola apenas para receber cuidados e brincar. Hoje se sabe que na Educação Infantil é possível pesquisar, fazer contas e trabalhar com livros. Os especialistas afirmam que quanto antes elas conhecerem a linguagem escrita mais possibilidades de inclusão terão numa sociedade letrada. O objetivo nesta fase não é, necessariamente, ensinar a ler e escrever, mas proporcionar a interação com a língua escrita. Para isso, é fundamental selecionar bons livros e evitar os textos simplificados e infantilizados. Não há necessidade de escolher um livro para ensinar algo além da linguagem, como uma moral, ou associá-lo a um questionário ou a um desenho. A leitura tem valor em si.

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Os nomes estão em jogo

IDADE: 5 anos. TEMPO: 30 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Pedaços de papel cartão com 20 por 12 centímetros, caneta hidrocor, régua, tesoura, saco plástico e botões. OBJETIVO: Ler e escrever usando os nomes próprios por meio de jogos.

Quadricule os pedaços de papel cartão. Os espaços devem ter 5 por 2 centímetros. Escreva os nomes das crianças aleatoriamente nas cartelas e distribua. Lembre-se de que elas devem ser diferentes umas das outras para que todas as crianças não ganhem juntas. Escreva o nome de cada uma em pedacinhos de papel e coloque-os dentro do saco. Sempre utilize letra bastão maiúscula. Sobre as mesas, coloque punhados de botões que serão usados como marcadores. Comece o jogo sorteando um nome. Dê um tempo para que todos procurem nas cartelas. Se você tiver crianças não-leitoras, escreva o nome sorteado no quadro para que elas possam procurar. Ganha quem conseguir preencher a cartela primeiro.

Este é o meu material

IDADE: A partir de 4 anos. TEMPO: De 20 a 30 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Pedaços de papel cartão com 20 por 7 centímetros, lápis ou canetas hidrocor, etiquetas ou tiras de papel e fita adesiva. OBJETIVO: Ler e escrever os nomes próprios para identificar o material pessoal. PREPARAÇÃO: No começo do ano letivo, quando a turma tem novos materiais, como cadernos e pastas, escreva nos pedaços de papel cartão o primeiro nome de cada criança com letra bastão maiúscula.

Entregue a cada criança o cartão com o nome dela, etiquetas e lápis ou canetas hidrocor. Cada uma escreve o próprio nome com base no modelo fornecido por você e, depois, etiqueta o material. Ensine à turma onde e como colar. Caso utilize tiras de papel, oriente a turma a fixá-las com a fita adesiva. 

A turma dita, você escreve

IDADE: 5 anos. TEMPO: De 15 a 30 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Retroprojetor, folhas de transparência, canetas de duas cores para retroprojetor, lápis e papel. OBJETIVOS: Criar uma nova versão para um enredo conhecido; produzir textos orais com destino escrito; revisar; e apropriar-se da linguagem escrita.

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Peça às crianças que elejam uma história de que gostem e que seja conhecida de todas. Quando chegarem a um consenso, elas a recontam e depois ditam o texto para você escrevê-lo no quadro-negro. Após essa etapa, você passa essa história para a folha de transparência exatamente com os termos que elas usaram. No dia seguinte, coloque o texto no retroprojetor e leia. As crianças apontam quais revisões devem ser feitas. Marque as alterações com caneta de outra cor. A pontuação ainda não é corrigida por elas, pois é um conteúdo de que ainda não têm domínio. É possível que a turma não perceba alguns erros. Nesse caso, chame a atenção do grupo perguntando se há algo para ser modificado. No último dia, coloque de novo o texto já corrigido no retroprojetor. É importante voltar ao trabalho inicial (o texto que elas ditaram para você) para que a turma compare com o produto final e perceba a importância da revisão e que aspectos do texto foram modificados. Repita esse procedimento com mais três ou quatro contos. Depois, você pode montar um livro para ser doado à biblioteca ou ser dado de presente para os pais. 

Letras móveis

IDADE: 5 anos. TEMPO: De 40 a 50 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Figuras do mesmo campo semântico (não misture objetos com animais, por exemplo) e letras bastão maiúsculas móveis. Providencie uma quantidade maior de alfabetos do que os grupos da sala. OBJETIVO: Escrever com a ajuda de letras móveis.

Divida a turma em grupos de quatro. Se não for possível, trabalhe em duplas. Cuide para que as crianças do mesmo grupo tenham níveis de aprendizagem parecidos (assim, evita-se que uma faça toda a tarefa). Entregue algumas ilustrações para cada grupo e peça às crianças que escrevam o nome da figura. Seu papel, enquanto elas escrevem, é fazer pequenas intervenções quando necessário e anotar como elas estão escrevendo para saber o quanto cada uma ainda pode avançar. A lista de nomes, os cartazes e os textos que ficam na sala de aula servem de apoio nessa hora. Se puder, mantenha as letras organizadas em uma caixa para as crianças as visualizarem melhor. 

Bons livros são exemplos

IDADE: A partir de 4 anos. TEMPO: De 20 a 30 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Acervo de livros, tapete e almofadas. OBJETIVO: Familiarizar-se com a linguagem escrita por meio de livros

Um requisito importante é ter um bom acervo de livros, com histórias interessantes do ponto de vista da linguagem. Veja a diferença entre duas versões de Branca de Neve. A primeira: "Certo dia, em um reino distante, nasceu uma linda princesinha, com os

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cabelos negros como ébano, a pele branca como a neve e os lábios vermelhos como sangue". A segunda: "Nasceu Branca de Neve, uma menininha muito bonita..." Na primeira, você encontra uma história cheia de detalhes. Na outra, a linguagem é pobre. Escolha uma história e leia. É importante conhecer o texto previamente para saber que ritmo será empregado na hora da leitura. Prepare o melhor clima para o momento da atividade. Isso inclui uma sala com boa acústica e uma apresentação envolvente. Você deve mostrar às crianças o que está lendo. Eventualmente, faça esta atividade fora da sala, mas lembre-se de que, se houver muita poluição sonora a atenção das crianças tende a se dispersar.

Quem está presente?

IDADE: A partir de 4 anos. TEMPO: Cerca de 15 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Folhas de cartolina, fita crepe e giz de cera ou canetas hidrocor. OBJETIVOS: Aprender a ler e escrever usando os nomes próprios e identificar o nome dos colegas. PREPARAÇÃO: Confeccione uma lista de chamada grande utilizando as cartolinas. Escreva nelas os nomes de todas as crianças em uma coluna, à esquerda. Risque outras linhas verticais, à direita. Cada coluna será destinada a um dia do mês. Cole os cartazes na parede numa altura ideal para a turma.

Logo no início do dia, reúna a turma sentada em um semicírculo próximo aos cartazes. Proponha que um voluntário vá até a parede para ler o nome de cada um em voz alta e verificar a presença ou a ausência dos colegas. Os demais acompanham a leitura, pois o escolhido pode não saber algum nome ou se confundir. É comum isso acontecer quando os nomes têm a mesma inicial. É importante combinar com as crianças a forma de marcar as faltas e as presenças. Ícones, como estrelinhas ou bolinhas, podem ser usados. No final, converse sobre quem faltou e faça com a turma a contagem de quantos foram. Você pode variar a atividade fazendo sozinha a chamada ou pedindo que cada um marque o próprio nome.

Livros 5 Estrelas

IDADE: 5 anos. TEMPO: Variável. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Um mural, lápis, papéis e um acervo de bons livros. OBJETIVOS: Desenvolver o comportamento leitor; fazer um intercâmbio cultural; e criar uma comunidade de leitores.

Peça às crianças que pensem num livro de que gostem muito e que desejem recomendar aos colegas de outra classe. Elas farão isso por meio de recados que serão colocados num mural, que deve estar num local comum às turmas de toda a escola. Se a garotada ainda não souber escrever, todos ditam o texto e você escreve.

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Funciona assim: o Jardim A, por exemplo, indica um livro para o Pré B. Este, por sua vez, pode dizer se gostou ou não e também recomendar outro livro. A atividade deve ser feita com grupos que já tenham certa familiaridade em ouvir histórias. Reserve um dia na semana, durante um semestre, para este trabalho.

 Agenda da Turma

IDADE: 5 anos. TEMPO: 30 minutos. ESPAÇO: Sala de atividades. MATERIAL: Papel, grampeador e canetas ou lápis. OBJETIVOS: Ler e escrever usando os nomes próprios; fazer cópia; usar uma agenda; familiarizar-se com a escrita e obter informações sobre os colegas.

Liste em um papel o lugar onde vai ficar cada informação da agenda: nomes, números de telefone ou endereços e datas de aniversário. Risque todos os outros papéis da mesma forma ou tire cópias. É importante que os espaços já estejam delimitados para facilitar a organização na hora que as crianças forem completar. Peça à turma que traga anotado o próprio número de telefone e o dia do nascimento. Se precisar, envie um bilhete aos pais pedindo essas informações. Se houver crianças que não tenham telefone, elabore uma agenda com os endereços. Mostre às crianças o lugar de cada informação escrevendo os dados de uma delas no quadro. Cada uma deve copiar essas informações no seu papel. No início, você deve determinar a ordem na qual os nomes vão aparecer, mas, à medida que o trabalho avançar, é possível convidar a turma a pensar quem será o próximo da sequência. Para começar, será apenas um nome a cada dia, mas esse ritmo deve aumentar conforme a atividade se tornar familiar. Por fim, organize as folhas de cada um em ordem alfabética e grampeie. Agora cada um tem sua agenda.

CONSULTORIA: Bia Gouveia, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo; Paula Stella, do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária, em São Paulo; e Rosemeire Brait, da Escola Municipal de Educação Infantil Inês dos Ramos, em São Caetano do Sul (SP)

''Eu já sei ler gibi!''

Esse gênero literário colorido, ilustrado e cheio de recursos gráficos estimula as turmas

de pré-escola a tomar gosto pela leitura

Adriana Toledo ([email protected])

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Foi-se o tempo em que os gibis eram proibidos na sala de aula e as crianças tinham de escondê-los sob a carteira. Os quadrinhos são uma excelente opção para incentivar a leitura em quem está entrando no mundo das letras. A começar pelos personagens, que, por si só, são atraentes para a garotada. "Eles despertam interesse por serem bem conhecidos", explica o psicólogo José Moysés Alves, da Universidade Federal do Pará.

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"Afinal, estão presentes em brinquedos, jogos, roupas, embalagens, peças de teatro e desenhos na televisão. Sem contar que os protagonistas passam por situações parecidas com as de seus leitores: vão à escola e ao parque, têm pesadelos e medo de dentista. Isso promove a identidade e a familiaridade entre eles."

Mas o grande trunfo são os recursos gráficos. As imagens aparecem associadas a textos coloquiais e permitem que a criança antecipe o enredo e atribua sentido à história, mesmo sem saber ler. Para Beatriz Gouveia, coordenadora do programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo, as onomatopéias, como "ploft" e "grrr", também são importantes para facilitar a compreesão de diversas situações e emoções.

O mesmo vale para os balões. Só de olhar é possível saber se um personagem está pensando, gritando ou conversando. "Com essas informações, fica fácil entender a trama", afirma Silvana Augusto, selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Ela lembra que as publicações são baratas e acessíveis, o que permite a compra de vários exemplares da mesma edição para distribuir na sala. Com isso, as crianças podem acompanhar a leitura em voz alta pelo professor.

Quadrinhos e fantoches

Para explorar essas características, o professor Marcelo Campos, da EMEI Sonho de Criança, em Pompéia, no interior de São Paulo, criou o projeto Semeando o Prazer de Ler com as Histórias em Quadrinhos – vencedor do Prêmio Professores do Brasil (dado pelas fundações Orsa e Bunge, com o apoio do Ministério da Educação). Ele fez uma pesquisa e descobriu que 70% das crianças não vivenciavam situações de leitura em casa. Por isso, apostou nas histórias em quadrinhos para iniciar o trabalho com classes de crianças com 4 e 5 anos (veja no quadro ao lado uma seqüência didática para desenvolver um projeto nessa área).

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Marcelo começou perguntando quais eram as histórias e os personagens mais conhecidos. Com esses dados, confeccionou fantoches dos mais populares e, nas encenações, falava um pouco das características físicas e psicológicas de cada um. Ao apresentar a Mônica, por exemplo, ele chamou a atenção para o fato de ela só usar roupas vermelhas e sempre se irritar com o Cebolinha. Foi a forma que ele encontrou de antecipar informações e facilitar a compreensão do enredo.

Como a escola não tinha as revistinhas, Marcelo mobilizou a comunidade para montar a gibiteca, espalhando cartazes pela vizinhança e pedindo ajuda aos pais. Em pouco tempo, cerca de 300 gibis já estavam catalogados na escola.

As crianças podiam levá-los para casa duas vezes por semana e tinham de devolver no dia combinado e cuidar do material. Isso permitiu que todas manuseassem as histórias, criando as noções de como se comporta um leitor de quadrinhos. Na etapa seguinte, Marcelo organizou uma leitura coletiva. Com a ajuda de um retroprojetor, ele reproduziu algumas histórias em transparências para a turma perceber detalhes da paisagem e dos personagens. No fim de cada projeção, Marcelo lia o texto na íntegra para todos entenderem a ordem seqüencial.

Compartilhar os gibis

Para encerrar o trabalho, o professor organizou uma verdadeira gibiteca itinerante. Uma carroceria de caminhão cedida pela prefeitura foi adaptada para transportar as crianças e o acervo e virou o Trenzinho da Leitura. Seu objetivo? Disseminar o prazer de ler. Uma vez por semana, a turma visita outras unidades educacionais do bairro para apresentar os personagens e falar sobre as histórias, formar rodas de leitura com crianças de todas as idades e emprestar as revistinhas. O saldo do projeto foi animador: todos se tornaram loucos por gibis, procurando- os espontaneamente. E tudo isso antes mesmo de estarem alfabetizados.

Atividades  Seqüência didática

Conteúdos

• Leitura e manuseio de histórias em quadrinhos.

• Valorização da leitura como fonte de prazer e cultura na escola e na comunidade.

• Envolvimento de crianças, pais e comunidade em situações de leitura. ANO Pré-escola. Tempo estimado Dois meses. objetivos

• Estimular nas crianças o prazer de ler antes da alfabetização.

• Aproximar a escola e a comunidade por meio da leitura.

• Formar leitores competentes. Material necessário Gibis variados, com o máximo

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possível de exemplares repetidos, cartolina, tesoura, transparências e retroprojetor.

Desenvolvimento

1ª etapa  Reúna as crianças e pergunte quais personagens elas conhecem. Discuta as principais características de cada um e apresente algumas informações comportamentais e físicas. Depois dessa conversa inicial, mande um bilhete aos pais ou fale com eles sobre a importância do projeto. Aproveite para convidá-los a participar. Uma das maneiras é pedir a doação de gibis. Outra é perguntar sobre a possibilidade de eles comparecerem durante uma hora na escola, no decorrer do projeto, para ler para a turma ou participar como ouvintes das rodas de leitura. Ao receber as doações, catalogue e organize-as por título para ficar mais fácil encontrar o desejado. Assim estará montada a gibiteca. Para animar a garotada e controlar os mpréstimos, faça carteirinhas de sócios para todos (que tal colocar uma foto também?).

Anote as datas de retirada e de devolução. Aproveite os momentos de organização do acervo para ensinar a manusear o material corretamente: as páginas devem ser viradas com cuidado e com as mãos limpas para não rasgar nem amassar. Explique que é preciso se comprometer a devolver o gibi na data estipulada para que outros colegas possam ler depois.

2ª etapa  Prepare transparências com algumas seqüências e apresente as histórias com a ajuda de um retroprojetor. Faça uma máscara de cartolina para cobrir os quadrinhos, pois o ideal é mostrá-los um a um. Dessa maneira, todos vão fazer uma observação minuciosa das expressões fisionômicas dos personagens e dos detalhes das cenas. Chame a atenção para o formato dos balões e as onomatopéias. Depois de analisar cada um, pergunte: "O que será que vem no próximo?", para estimular as crianças a antecipar o enredo. Depois, leia o texto completo para a turma entender a seqüência.

3ª etapa  Para a leitura compartilhada, distribua exemplares do mesmo gibi para que todos possam acompanhar a história individualmente, em duplas ou trios. Depois que a turma tiver um bom repertório, escolha uma das histórias, recorte os quadrinhos e embaralhe-os. Organize a sala em grupos e distribua um montinho com uma seqüência completa para cada um. O desafio é remontar na ordem correta.

4ª etapa  Repita os momentos de leitura várias vezes durante a semana – o ideal é fazer disso uma atividade permanente durante o ano. É hora de chamar os pais que se dispuseram no início a participar do projeto para comparecer à sala. Eles podem ser leitores ou simplesmente ouvir as histórias na roda. Cuide para que esses momentos sejam bem descontraídos. Uma idéia é levar os pequenos para ler no parque. Outra, espalhar colchonetes e deixá-los curtir os quadrinhos à vontade. Avaliação Para saber se os objetivos foram alcançados, observe se depois dessas atividades as crianças buscam espontaneamente a leitura de gibis e com que freqüência, se comentam as histórias preferidas e se adquiriram o hábito de levá-los emprestados para casa.

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Page 79: TUDO SOBRE ALFABETIZAÇÃO

Consultoria Marcelo Campos Pereira, professor da EMEI Sonho de Criança, em Pompéia, SP.

Quer saber mais?

CONTATOEMEI Sonho de Criança, R. José de Moura Resende, 650, 17580-000, Pompéia, SP, tel. (14) 3405-1503

BIBLIOGRAFIAComo Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula, Angela Rama e outros, 160 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 25 reais

Aulas que estão no gibi

Ao criar histórias em quadrinhos, turma de alfabetização aprende a transmitir suas

ideias utilizando o desenho e a palavra

Denise Pellegrini ([email protected])

As crianças desenharam seus personagens preferidos, como o Cascão, e pesquisaram os diferentes tipos de balão: trabalho para entender as variações da língua

Houve tempo em que levar revista em quadrinhos para a classe valia repreensão e castigo e o aluno ainda se arriscava a perder o gibi. Pois a professora Cynthia Nagy, do Colégio Mopyatã, na capital paulista, fez exatamente o contrário: usou o material preferido de seus alunos da pré-escola para animar suas aulas de Português e Educação Artística. "Enquanto eram alfabetizadas, as crianças aprenderam as características desse tipo de linguagem e, no final do ano, estavam desenhando e

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escrevendo histórias", relata Cynthia. "As revistas têm a particularidade de unir duas formas de expressão cultural: a literatura e as artes plásticas", analisa a professora.

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Waldomiro Vergueiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas em História em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), endossa as palavras de Cynthia. "Cada vez mais os produtos culturais se entrelaçam", afirma. No caso dos quadrinhos, o resultado é um veículo extremamente atraente para as crianças. "Por isso, considero bastante oportuna sua utilização em sala de aula", completa Waldomiro.

Além disso, a experiência se enquadra tanto nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil quanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Ambos falam da importância do trabalho com diferentes tipos de texto, entre eles os quadrinhos. De acordo com a consultora de Português Maria José Nóbrega, uma das elaboradoras dos PCN de 5ª a 8ª séries, entre as vantagens de utilizar esse recurso na alfabetização está a possibilidade de a turma ler textos só em letras maiúsculas. "Isso permite exercitar a autonomia da leitura recém-conquistada", justifica.

Investigando os balões

A experiência de Cynthia começou com o material de que ela dispunha em sala. Colocados num canto, os gibis estavam sempre ao alcance de seus 22 alunos. Quem não sabia ler escutava as histórias contadas por ela e pelos sete colegas já alfabetizados. As primeiras historinhas começaram a ser feitas depois de a classe conversar sobre as revistas preferidas.

No princípio, os pequenos copiavam os desenhos das revistas com papel vegetal e mudavam apenas o texto. "Expliquei que essa foi a técnica utilizada pelos primeiros desenhistas no Brasil", conta Cynthia. Para Maria José, informações históricas como essa são importantes para que a criança conheça bem o gênero de linguagem com que está trabalhando. "Também é interessante mostrar à classe personagens desconhecidos", recomenda. Esse exercício fez parte da rotina das aulas de Cynthia. "Eu e as crianças procurávamos tiras nos jornais e colávamos as melhores num cartaz."

A pesquisa foi uma constante no projeto. Um dos primeiros itens investigados pelos

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alunos foram os balões. As crianças recortaram das revistas vários tipos, como os de fala, pensamento, sonho, amor, grito, cochicho e uníssono. Em seguida, estudaram o que eles continham. Viram que, além de palavras comuns, traziam onomatopéias ou mesmo um simples desenho. "Tudo o que as crianças descobriam era socializado com os colegas nas discussões em roda", diz Cynthia.

Nesta fábrica, a matéria-prima é a ideia

Artistas mostram aos alunos como se faz um gibi

Ao trabalhar com revistas na sala de aula deixe claro para seus alunos o seguinte: não é necessário fazer desenhos e textos maravilhosos.

"Os quadrinhos têm uma linguagem própria e o mais importante é entender seus códigos", afirma Marcelo Campos, um dos quatro profissionais que cuidam da Fábrica de Quadrinhos, núcleo de produção e ensino dessa técnica localizado em São Paulo.

Marcelo e seus companheiros visitam escolas e, em palestras de 30 minutos, descrevem as etapas envolvidas na confecção de um gibi. A base de qualquer tira, eles avisam, é a idéia. "O desafio é passá-la para o desenho, distribuindo a informação pelo espaço disponível."

Os artistas dão uma aula prática sobre o processo de produção de uma revista. Primeiro, instigam a turma a criar os personagens. Depois, lançam um mote. Enquanto os alunos inventam a história coletivamente, os profissionais esboçam o desenho. "Sempre alertamos a turma para a necessidade de respeitar o perfil que eles mesmos deram aos personagens", diz Marcelo. As palestras, gratuitas na Grande São Paulo, são agendadas de acordo com a disponibilidade da equipe. Confira no quadro ao final da reportagem o telefone para informações.

De frente, de costas e de perfil

Na hora de escolher personagens para suas histórias, a turma ficou com os de Mauricio de Sousa. Em grupo, eles descreveram os principais integrantes da Turma da Mônica. Cynthia passou o que as crianças tinham escrito para cartazes, que eram consultados por todos na hora de criar as tiras. As técnicas de arte vieram em seguida. "Primeiro, eles desenharam os personagens de frente, de costas e de perfil, de acordo com a descrição feita anteriormente. Depois deram movimento às figuras, mostrando o andar, a corrida ou um pulo."

Para estimular o processo de criação, vários exercícios se seguiram. A professora tirava cópias das histórias e apagava balões ou quadros inteiros, que eram refeitos pela turma. Outras vezes, ela distribuía uma história recortada para ser colocada em ordem. Após essa fase, Cynthia ensinou como transformar uma ideia em quadrinhos. "Eu lia um texto curto e repetia, trecho por trecho, para que as alunos fizessem um esboço",

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lembra.

No quadro-negro, eles tentavam dividir a narrativa em quadros e criar os diálogos. Quando todos se familiarizaram com a tarefa, cada criança criou sua história e fez um esboço, em quatro quadros. "Todas as atividades propostas pela professora deram às crianças competência para produzir seus roteiros", avalia Maria José.

O projeto, apesar de não ter sido o único em Português, teve grande influência na alfabetização da turma. "No final do ano, apenas dois alunos não estavam alfabetizados", festeja Cynthia. Os erros dos textos, ainda freqüentes, não foram corrigidos por ela. "A escrita só era melhorada até o ponto em que a criança tinha condições de chegar", explica Regina Scarpa, coordenadora pedagógica do Colégio Mopyatã. 

As melhores tiras, escolhidas em votação, foram publicadas no jornal bimestral da escola. As demais formaram um almanaque. Essa foi uma ótima forma de concluir o trabalho, na opinião de Maria José. "É importante que as crianças vejam suas criações publicadas em veículos típicos do gênero."

Três jeitos de contar uma história

Alunos conferem diferenças entre os quadrinhos, o livro e o teatro

Assim que terminavam suas tarefas, os alunos da professora Silvana Vívolo, do Colégio Montessori Santa Terezinha, em São Paulo, tiravam um gibi da mochila e se divertiam com a leitura. Atenta a esse detalhe, Silvana resolveu incorporar o gosto da turma de 5a série a suas aulas de Português. Ela pediu que a classe lesse o livro Cuidado: Garoto Apaixonado (Toni Brandão, Melhoramentos, 11,40 reais, tel. 0_ _11-3874-0884). O trabalho que veio a seguir fascinou a turma.

A narrativa foi transformada em quadrinhos, com a ajuda do programa Oficina do Livro (Iona, 47,20 reais na Dudes Shop) "Recomendei que evitassem as falas de narrador e tornassem os diálogos curtos como os dos gibis", explica Silvana.

Antes que fosse ao laboratório de informática, porém, a professora levou a classe para ver uma peça de teatro baseada no mesmo livro. De acordo com Waldomiro Vergueiro, da USP, é importante oferecer aos alunos o contato com várias linguagens. "Eles percebem que uma mesma mensagem pode ser transmitida de diferentes maneiras e que não há uma mais nobre que a outra", conclui.

Quer saber mais?

CONTATOSColégio Mopyatã - Av. Giovanni Gronchi, 4000, São Paulo, SP, CEP 05724-020, tel. (0-11) 3744-2571 Colégio Montessori Santa Terezinha - R. Farjalla Koraicho, 51, São Paulo, SP, CEP 04321-130, tel. (0-11) 5011-1022

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Page 83: TUDO SOBRE ALFABETIZAÇÃO

Waldomiro Vergueiro - Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, São Paulo, SP, CEP 05508-990, tel. (0-11) 818-4324 Maria José Nóbrega - R. Ribeiro do Vale, 183, São Paulo, SP, CEP 04568-000 Fábrica de Quadrinhos - Av.9 de Julho, 3265, São Paulo, SP, CEP 01407-000, tel. (0-11) 884-8867 

BIBLIOGRAFIAO Mundo das Histórias em Quadrinhos, Leila Rentroia Lannone e Roberto Antônio LAnnone, Modema, tel. (0-11) 6090-1500, 13 reais

Era uma vez... O maravilhoso mundo dos contos de fadas e seu poder de formar

leitores

O bicentenário do escritor infantil Hans Christian Andersen é uma boa oportunidade

para explorar a fantasia das crianças com histórias clássicas como O Patinho Feio e O

Soldadinho de Chumbo

Medo, susto e raiva: a professora Maristela, do Instituto Educacional Stagium, em Diadema (SP), viaja com a turma para o mundo da imaginação. Foto: Karine Basílio

Era uma vez um garoto pobre e feio que queria ser ator. Uma de suas poucas alegrias era assistir histórias populares encenadas pelo pai, que era sapateiro, em um teatrinho feito de papelão. Quando o pai morreu, o sonho do menino ficou mais distante, já que ele teria que sustentar a família. Um dia, o garoto partiu para bem longe e passou fome e frio até conhecer um homem que pagou seus estudos e viagens pelo mundo. O menino não se tornou ator, mas ficou rico e famoso escrevendo histórias infantis.

A vida do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875) daria um conto de fadas. E rendeu muitos, pois em cada narrativa escrita por ele há um pouco de suas tristezas e alegrias, como em O Patinho Feio. Ele é autor de cerca de 160 contos e seis

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romances, além de poesias e de uma autobiografia. Sua obra foi traduzida para mais de 100 línguas.

Mais sobre alfabetizaçãoReportagens

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A genialidade de Andersen está na leveza, na poesia e na melancolia com que trata o sofrimento infantil. Os escritores que o antecederam, como o francês Charles Perrault (1628-1703) e os irmãos alemães Jakob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), apenas registravam no papel as histórias já contadas oralmente pelo povo, como Chapeuzinho Vermelho. Andersen é definitivamente o primeiro escritor infantil. O aniversário de 200 anos do autor é uma oportunidade de desenvolver um projeto de leitura na escola e de explorar as características dos contos de fadas — gênero literário que dá ao leitor oportunidade de encontrar significado para a vida.

É fácil reconhecer um conto de fadas. Animais que falam, fadas madrinhas, reis e rainhas não podem faltar, assim como a introdução "era uma vez". As narrativas se passam em um lugar distante — "muito longe daqui" — e têm personagens com nomes comuns ou apelidos, como João e Chapeuzinho Vermelho. Esses elementos facilitam a memorização e tornam a narrativa apropriada à oralidade. "No conto maravilhoso, o leitor é transportado para um mundo onde tudo é possível: tapetes voam e galinhas põem ovos de ouro. Essa é a magia da fantasia", explica Lilian Mangerona Corneta Rotta, mestre em literatura pela Universidade Estadual Paulista.

Fantasia ajuda a formar a personalidade

A literatura infantil surgiu somente no século 17, com a descoberta da prensa. As histórias infantis e os contos populares, no entanto, existem desde que o ser humano adquiriu a fala. Há notícias de histórias antigas na África, na Índia, na China, no Japão e no Oriente Médio — como a coleção de contos árabes As Mil e Uma Noites. "A fantasia é um mecanismo inventado pelo homem na era medieval para superar as dificuldades da vida real", conta Katia Canton, especialista em contos de fadas pela Universidade de Nova York.

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Algumas histórias tratam de temas que fazem parte da tradição de muitos povos e apresentam soluções para problemas universais. "É o caso de O Pequeno Polegar. O personagem representa o desejo de vingança do mais fraco contra o mais forte", afirma Lilian. Os pequenos se identificam com os heróis e experimentam diversas emoções. Que criança não fica com medo ao imaginar o Lobo Mau devorando a Vovozinha? Ou odeia a bruxa quando ela prende Rapunzel na torre?

Para a escritora Ana Maria Machado, os contos de fadas pertencem ao gênero literário mais rico do imaginário popular. "Essas histórias funcionam como válvula de escape e permitem que a criança vivencie seus problemas psicológicos de modo simbólico, saindo mais feliz dessa experiência."

A idéia foi difundida após a divulgação dos estudos do psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990). Para ele, nenhum tipo de leitura é tão enriquecedor e satisfatório do que os contos de fadas, pois eles ensinam sobre os problemas interiores dos seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. Ou seja, a fantasia ajuda a formar a personalidade e por isso não pode faltar na educação. "A criança aumenta seu repertório de conhecimentos sobre o mundo e transfere para os personagens seus principais dramas", diz a terapeuta Mariúza Pregnolato Tanouye, de São Paulo.

Uma obra é clássica e referência em qualquer época quando desperta as principais emoções humanas. O que os pequenos mais temem na infância? A separação dos pais; e esse drama existencial aparece logo no começo de muitas histórias consideradas referências na literatura. Para Bettelheim, a agressividade e o descontentamento com irmãos, mães e pais são vivenciados na fantasia dos contos: o medo da rejeição é trabalhado em João e Maria, a rivalidade entre irmãos em Cinderela e a separação entre as crianças e os pais em Rapunzel e O Patinho Feio.

A leitura das histórias no passado tinha mais um propósito muito claro: apontar padrões sociais para as crianças. O objetivo das moças ingênuas era encontrar um príncipe, como mostrado em A Bela Adormecida e Cinderela. Em A Polegarzinha, de Andersen, a recompensa final da protagonista, Dedolina, também era o casamento. Já garotas desobedientes, como Chapeuzinho Vermelho, deparavam com situações dramáticas, como enfrentar o Lobo Mau. Essa história tinha forte caráter moral na sociedade rural do século 17: camponesas não deviam andar sozinhas. "Isso mostra como os contos serviam para instruir mais que divertir", afirma Mariúza.

Medo e morte devem fazer parte dos contos

Por que histórias de reis e rainhas e de moçoilas à espera de um príncipe ainda fazem sentido hoje em dia? "Os contos são um patrimônio da humanidade. Eles foram escritos em outra época e a criança consegue compreender isso. Clássicos são clássicos porque se perpetuam, e as obras infantis devem ser respeitadas como a literatura para adultos", diz Katia Canton. Ela explica, no entanto, que as histórias mudam de acordo com a cultura e a época. Canibalismo e incesto, por exemplo, foram

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retirados de histórias antigas. Na versão original de Chapeuzinho Vermelho, o Lobo devora a Vovó e a própria Chapeuzinho, e o Caçador não existe. A vida da menina foi poupada na versão dos irmãos Grimm.

Especialistas afirmam que a tendência de retirar o mal, o medo e o castigo das narrativas é forte atualmente. "As mudanças de enredo apaziguam as emoções que precisam ser vividas. Não é saudável evitar que as crianças enfrentem os conflitos", lembra Katia. Assim, é possível usar e abusar de filmes que recontam A Bela e a Fera e O Patinho Feio, por exemplo, mas é preciso apresentar primeiro as obras que mais se aproximam dos originais. Um critério é escolher livros traduzidos por um escritor conhecido. Fazer paródias, promover uma visão crítica dos temas tratados e indicar a época em que as novas versões foram escritas ajudam a garotada a refletir.

Para Marisa Lajolo, professora da Universidade de Campinas, o mais importante é que pais e professores se sintam confortáveis ao contar uma história. "Todos os estudiosos do assunto afirmam que as crianças gostam de violência. Aliás, um dos prazeres da arte, para crianças e adultos, parece ser exatamente a sensação de viver por empréstimo grandes aventuras, grandes amores e... grandes crueldades também!"

Leitura também para adolescentes

No Instituto Educacional Stagium, em Diadema (SP), os contos de fadas fazem parte das atividades diárias na Educação Infantil e são explorados com criatividade pelos professores. Um tapete mágico, confeccionado com retalhos pelos próprios alunos, sinaliza que é hora de a professora Maristela Aparecida Martins de Paiva contar histórias. Assim que ela coloca o tapete no chão, a turma senta ansiosa ao seu redor. "É importante criar esse universo de magia e curiosidade para facilitar o mergulho das crianças nas histórias." A atividade é completada com a moldura mágica. Toda semana, um livro é apresentado aos pequenos aos poucos, com muito suspense. A cada dia, a professora mostra uma página e pede para as crianças adivinharem a história pela ilustração. Só na sexta-feira Maristela lê a obra inteira. Os pais também participam do projeto: oficinas de leitura de histórias acontecem nas reuniões para que eles aprendam a proporcionar aos filhos esses momentos de magia.

Os contos de fadas não devem ficar restritos às séries iniciais. Na adolescência, esse tipo de leitura contribui para a formação de alunos leitores e críticos. Na Escola Novos Caminhos, em Santos (SP), alunos de 5ª a 8ª série também lêem os contos durante as aulas. Ada Priscila da Silva, professora de Língua Portuguesa, pede para cada aluno levar um livro de casa e relembrar momentos de leitura com os pais. "Eles se emocionam e contam fatos significativos vividos em família e proporcionados pela leitura. É um estímulo para os estudos de literatura." Quais personagens mais marcaram a vida dos jovens? Os alunos respondem e justificam as escolhas com uma redação. Os campeões são o Lobo Mau, o Soldadinho de Chumbo, Branca de Neve e Cinderela — os adolescentes traçam um paralelo com os políticos atuais e com as cobranças dos padrões sociais.

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Obras que não podem faltar na escola

CONTOS DE PERRAULT, tradução de Fernanda Lopes de Almeida, 88 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3990-2100, 15,90 reais

HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DE ANDERSEN, tradução de Heloisa Jahn, 120 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 38 reais

OS CONTOS DE GRIMM, tradução de Tatiana Belinky, 288 págs., Ed. Paulus, tel. (11) 3789-4000, 54 reais

OS TRÊS PORQUINHOS, tradução de Ana Maria Machado, 32 págs., Ed. Melhoramentos, tel. (11) 3874-0644 , 16 reais

RAPUNZEL, tradução de Maria Heloisa Penteado, 16 págs., Ed. Ática, 15,90 reais

Os mais famosos contos de Andersen

O Isqueiro Mágico (1835) Um soldado encontra um isqueiro mágico que realiza todos os seus desejos. Depois de perder tudo o que ganhou, ele faz um novo pedido e, rico, passa a ajudar os pobres. É o primeiro livro escrito pelo autor dinamarquês.

O Soldadinho de Chumbo (1838) O protagonista é um boneco de uma perna só. Após passar por muitas aventuras nas mãos de crianças, ele se apaixona por uma boneca bailarina. Mas é jogado em uma lareira junto com sua amada. Trata-se do primeiro conto totalmente criado por Andersen. A história não tem um final feliz.

O Patinho Feio (1843) Um pato feio e desengonçado é rejeitado pela família por ser diferente. Ele foge e descobre que é na verdade um belo cisne. É a história que representa de maneira mais explícita a vida do autor. A ilustração ao lado foi feita em 1847 por Vilhelm Pedersen, que ilustrou diversos contos de Andersen.

A Pequena Vendedora de Fósforos (1846) No último dia do ano, uma menina perambula pelas ruas frias de uma cidade. Ela tenta vender fósforos para se sustentar, mas acaba acendendo todos, um a um, para se aquecer. É considerado um dos contos mais tristes da literatura infantil. Andersen se inspirou na infância da mãe para escrevê-lo.

Quer saber mais?

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INSTITUTO EDUCACIONAL STAGIUM, R. Japão, 29, 09910-200, Diadema, SP, tel. (11) 4056-8063

ESCOLA NOVOS CAMINHOS, Av. Senador Pinheiro Machado, 495, 11075-000, Santos, SP, tel. (13) 3251-5174

Bibliografia

A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS, Bruno Bettelheim, 366 págs., Ed. Paz e Terra, tel. (11) 3337-8399, 49,50 reais

COMO E POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO, Ana Maria Machado, 146 págs., Ed. Objetiva, tel. (21) 2556-7824, 29,90 reais

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