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PRINCÍPIOS E PERSPECTIVAS DA AGROECOLOGIA FRANCISCO ROBERTO CAPORAL EDISIO OLIVEIRA DE AZEVEDO (Orgs.)

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!"#$%&!#'( * !*"(!*%+#,-( .- -/"'*%'0'/#-FRANCISCO ROBERTO CAPORAL EDISIO OLIVEIRA DE AZEVEDO(Orgs.) 2011 -|NST|TUTO FLDLRAL DL LDUCAO, C|LNC|A L TLCNOLOG|A DOPARANA LDUCAO A D|STNC|A|rlneu Marlo Colombo!"#$%& [os Carlos Clccarlno(#&"$%& )"&*+ ," -,./*01% * (#2$34/#*Rlcaroo Herrera(#&"$%& ," 5+*4"6*7"4$% " 8,7#4#2$&*01% -*( 9 :;5!Mrcla Frelre Rocba Coroelro Macbaoo(#&"$%&* ," -42#4%< 5"2=.#2* " ->$"421% -*( 9 :;5!Marcelo Camllo PeoraNllton Menoncln?%%&,"4*,%&"2 ,% )%@"&4% ;","&*+9 5ETEC/MECOtavlo 8ezerra Sampalo Sllvana oos Santos Morelra Crlstlna Marla Ayroza Sanora Terezlnba Urbanetz?%%&,"4*,%&"2 ,% :42$#$.$% ;","&*+ ,% 5*&*4AB-*(Lster oos Santos OllvelraFlavla Terezlnba vlanna oa SllvaTelma Lobo Dlas[alme Macbaoo valente oos Santos!"@#21% -,#$%*+ " (#*C&*7*01%Opresentelivroumacoletneadequatroartigosjdisponveis na literatura, elaborados por Francisco Roberto Caporal, Jos Antnio Costabeber, Gervsio Paulus e Joo Carlos Costa Gomes e um artigo indito do Professor Edisio Oliveira de Azevedo. Os autores vm, ao longodemuitosanos,defendendoaAgroecologiacomoreferencial terico para a sustentabilidade da agricultura e como cincia norteadora de suas intervenes no campo profssional.OprimeirocaptulotratasobreEpistemologiaemAgroecologia. Paraospraticantesdestanovacinciafundamentalentenderas basesepistemolgicasquedosustentaoaestenovoparadigma, atmesmoparaevitarosreducionismosouoequivocadousoda palavraAgroecologia,muitasvezescomosefossemaisumtipode agricultura.OtextodeJooCarlosCostaGomesiniciacomuma abordagemhistricasobreaconstruodaepistemologiadacincia, destacandoalgunsdeseusprincipaisautores,chegandoaosdebates contemporneos sobre cincia, para propor, fnalmente, o pluralismo epistemolgiconaAgroecologia,ondedestacaapluralidadede contextosesoluesparaaproduoecirculaodoconhecimento agrrio; os saberes tradicionais como fonte de conhecimentos e prticas vlidas, assim como a implicao do contexto social e suas demandas com respeito produo e circulao deste conhecimento agrrio.ApresentaoNosegundocaptulo,oleitorencontrarumtextodeautoriade Caporal,CostabeberePaulus,ondeosautoresprocuramampliara dimensodosdebatesemtornodaAgroecologia,mostrandoquese trata de uma cincia do campo da complexidade. Partindo da perspectiva daticaquerequerestenovoparadigma,osautoresmostramquea Agroecologiaumamatrizdisciplinarouumparadigmaquebusca superaroslimitesdacinciaconvencionalnamedidaemque,ao contrriodoreducionismoparadigmticoquecaracterizaacincia normal,aAgroecologiaumacinciaintegradoradediferentes conhecimentos.Nestesentido,osautoresdoalgunsexemplosda contribuiodediferentesdisciplinasconstruodoconhecimento em Agroecologia, sem perder de vista que suas bases epistemolgicas destacam a importncia dos conhecimentos e saberes dos agricultores e camponeses acumulados ao longo dos processos de coevoluo dos homens com seus agroecossistemas.OterceirocaptulotratasobreaAgroecologiacomoumenfoque cientfconecessrioparaapoiaratransioparaagriculturasmais sustentveis. Neste texto o autor recupera elementos da epistemologia quesofundamentaisparaoredesenhodeagroecossistemasmais sustentveis, destacando, ainda alguns elementos de uma Agroecologia aplicada, assim como sua importncia para a segurana alimentar.Oquartocaptuloumapropostaparaodebateacercada construodeumPlanoNacionaldeTransioAgroecolgica.O autor argumenta que o avano da transio Agroecolgica ou seja, a adoo dos princpios e bases epistemolgicas da Agroecologia - o nico caminho para reduzir os impactos ambientais hoje presentes em nossa sociedade e afrma que isto requer um plano e um conjunto de polticas pblicas, sem as quais a transio continuar em sua marcha lenta,enquantooavanodosdanosambientaiseimpactossociais seguir em marcha acelerada. Ademais, apresenta alguns dados sobre adependnciaagroqumicadaagriculturaditamoderna,falasobre problemasnacionaiscomoareduodabiodiversidadeeaumento dascontaminaes,alertandoparaosriscosqueoatualmodelode agricultura pode gerar inclusive para a nossa soberania alimentar. Por fm, o texto apresenta algumas ideias para iniciar o debate acerca de um plano nacional de transio agroecolgica.No quinto captulo apresentado um texto para discutir os desafos queaAgroecologiatemparaenfrentareasperspectivasparasua consolidaoenquantopropostaalternativaaomodeloagroqumico exportador,destacandoanecessidadedeseampliarosespaosde formaotcnicadosprofssionaisdaAgroecologia.Otextolevanta questionamentossobreopapeldopoderpblico,dasInstituiesde ensino, pesquisa e extenso e das organizaes sociais na defesa de um novo paradigma para a agricultura brasileira.O Professor Francisco Roberto Caporal, graduado em Agronomia comMestradoemExtensoRuraleDoutoradoemAgroecologia, CampesinatoeHistria.Foidiretorsubstitutoecoordenadorgeral deATEReeducaodoDepartamentodeAssistnciaTcnicae ExtensoRural(DATER),daSecretariadaAgriculturaFamiliar, doMinistriodoDesenvolvimentoAgrrio,noperodode2003a 2010.AtualmenteProfessordeExtensoRuralnaUFRPE.Tem livros e artigos publicados sobre Agroecologia, desenvolvimento rural sustentvel, meio ambiente e agricultura familiar. o atual Presidente da Associao Brasileira de Agroecologia.OProfessorJoseAntonioCostabeber,EngenheiroAgrnomo comMestradoemExtensoRuraleDoutoradoemAgroecologia, CampesinatoeHistria.FoiextensionistaruraldaEMATER/RS-ASCARde1978a2009.AtualmenteProfessorno Departamento de Educao Agrcola e Extenso Rural, Coordenador doCursodeAgronomiadaUFSM.Publicouartigosemperidicos especializados, captulos de livros e livro Agroecologia, Extenso Rural eDesenvolvimentoRural.vice-presidente(gesto2010-2011)da Associao Brasileira de Agroecologia.O Engenheiro Agrnomo Gervasio Paulus graduado pela UFSM comMestradoemAgroecossistemaspelaUFSC.Atualmente coordenador de projetos da Associao Sulina de Crdito e Assistncia Rural.TemexperincianareadeAgronomia,comnfaseem Agroecologia e Agriculturas de Base Ecolgica.Os autoresJoo Carlos Costa Gomes graduado em Engenharia Agronmica pelaUFPELcomMestradoemExtensoRuraleDoutoradoem AgroecologiaeDesenvolvimentoSustentvel.pesquisadorda EmpresaBrasileiradePesquisaAgropecuriaEMBRAPA,com atuao em Agroecologia, agricultura familiar, desenvolvimento rural, transfernciadetecnologiaegestodepesquisa,desenvolvimentoe inovao.O Professor Edisio Oliveira de Azevedo graduado em Medicina VeterinriacomMestradoeDoutoradoemMedicinaVeterinria Preventiva.responsvelpeladisciplinadeExtensoRuralda Universidade Federal de Campina Grande e Professor colaborador do curso de Tecnlogo em Agroecologia do Instituto Federal do Paran. coordenadordoNcleodeExtensoePesquisaemAgroecologia dePatosNEPAetemexperinciacomdifusodetecnologias, Agroecologia, agricultura familiar, extenso rural e reforma agrria.Tenham todos uma boa leitura.SumarloCaptulo 1 As bases epistemolgicas da Agroecologia . . . . . . . . . . . . . 131.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131.2Da Filosofa da Cincia TradicionaI Nova Filosofa da Cincia Tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .141.3 Neopositivismo: Crculo de Viena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .191.4 Racionalismo Crtico: Karl Popper (1902-1994) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .211.5 A Nova Filosofa da Cincia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .221.6 Debates contemporneos sobre a Cincia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261.7 Pertinncia de um paradigma mais fexvel na Cincia . . . . . . . . . . . . . . .281.8 A articulao entre conhecimento cientfco e cotidiano . . . . . . . . . . . . . .311.9 Participao dos atores sociais implicados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .331.10 O Pluralismo Epistemolgico na Agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .351.11 Como concluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39Captulo 2 Agroecologia: matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .452.2 A tica na Agroecologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .472.3 Agroecologia como matriz disciplinar integradora: um novo paradigma . .502.4 Consideraes fnais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74Captulo 3 Agroecologia: uma nova cincia para apoiar atransio a agriculturas mais sustentveis . . . . . . . . . . . . . . 833.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .833.2 O que no Agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .863.3 O que Agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .883.4Agriculturas alternativas de base ecolgica eagriculturas mais sustentveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .953.5 Alguns elementos de uma Agroecologia Aplicada . . . . . . . . . . . . . . . . . . .993.6 Segurana alimentar e nutricional: com agricultura qumica?. . . . . . . . . .1053.7 Consideraes fnais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .109Captulo 4 Em defesa de um plano nacional de transioagroecolgica: compromisso com as atuais enosso legado para as futuras geraes . . . . . . . . . . . . . . . . .1234.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1234.2 Alguns dos problemas da Revoluo Verde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1254.3 O problema dos venenos agrcolas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1274.4 A questo dos fertilizantes qumicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1314.5 A perda de biodiversidade e o desmatamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1344.6 Degradao, contaminao e perdas de solo e gua. . . . . . . . . . . . . . . 1374.7A Agroecologia como enfoque cientfco orientadorda transio agroecolgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1404.8Elementos para um Plano Nacional deTransio Agroecolgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1414.9 Consideraes fnais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150Captulo 5 Desafos e perspectivas da Agroecologia . . . . . . . . . . . . . . .1675.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1675.2Surgimento das organizaes no governamentais,o xodo rural e a agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1685.3 As redes de articulao e a comunicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1715.4 A formao de agroeclogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1725.5 A extenso rural como instrumento transformador . . . . . . . . . . . . . . . . . .1755.6 A nova lei de ater . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1775.7 Crdito agrcola e o discurso do agronegcio . . . . . . . . . . . . . . . . 1785.8 Perspectivas da agroecologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181Referncias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185Consideraes gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187Bibliografa comentada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaAs bases eplstemologlcas oa Agroecologla1!!"#" %&'(") %")*& +",-)1.1 |ntroouoAntes de tentar mapear as bases epistemolgicas da Agroecologia, consideroimportanteexplicitaroqueseentendeporepistemologia. Dependendo da corrente de pensamento, o conceito de epistemologia podeassumirdiferentessignifcados.Aquioconceitoepistemologia utilizadocomosentidodeteoriadoconhecimento,englobando tanto o conhecimento cientfco como os saberes cotidianos, no caso, expressadosnasabedoriadosagricultores,tambmdenominado conhecimento tradicional, local ou autctone. Este esclarecimento indica que a anlise exclusiva dos conhecimentos cientfcos deve fcar no campo da flosofa da cincia.A necessidade de estudar as bases epistemolgicas da Agroecologia decorrnciadoquenormalmentesedenominacrisedoparadigma ocidental,naagriculturaexpressadacomoacrisedomodelo 1Estetextorecuperaalgunstpicosdiscutidoscommaisprofundidadenatesededoutorado doautor Pluralismometodolgicoenlaproduccinycirculacindelconocimientoagrario. FundamentacinepistemolgicayaproximacinempiricaacasosdelsurdeBrasil(Gomes, 1999)epodeserencontradoem:GOMES,J.C.C.BasesepistemolgicasdaAgroecologia. In:AQUINO,A.M.de;ASSIS,R.L.de.(Org.).Agrecologia:Princpiosetcnicaspara umaagriculturaorgnicasustentvel.Braslia-DF:EmbrapaInformao Tecnolgica,2005, p.71-99.Fonte:http://www.coptec.org.br/biblioteca/Agroecologia/Artigos/bases%20epistemol%F3gicas%20da%20Agroecologia%20-%20Costa%20Gomes.pdfCapltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana14produtivista,baseadonospreceitosdarevoluoverde.Muitos estudiososconsideramaAgroecologiacomoonovoparadigma.Para evitar que se busque a sada para a crise usando as mesmas ferramentas responsveis por ela, ou seja, para que a base epistemolgica na busca desoluesparaosproblemascontemporneos,daagriculturaem particular e da cincia em geral, no seja a mesma epistemologia que sustenta o paradigma responsvel pelo surgimento de seus problemas, importantefazer-seummapa,aindaquebreve,dascaractersticas do paradigma em crise, feito atravs de breve reconstruo crtica das concepestericasdoconhecimentocientfcotcnico,permitindo uma refexo sobre o progresso da moderna cincia ocidental, evitando queabuscadasbasesepistemolgicasdaAgroecologiavenhaseguirpor um caminho equivocado.1.2 Da Fllosoa oa Clncla Traolclona| a Nova Fllosoa oa Clncla TraolclonalComo Filosofa da Cincia Tradicional caracteriza-se o surgimento dodiscursoepistemolgicomoderno,identifcandoostraosque defniram a fase pioneira do Modelo Empirista de Cincia: empirismo britnico, racionalismo e positivismo moderno, a partir dos autores mais importantes desses movimentos, respectivamente Francis Bacon, Ren DescarteseAugusteComte.Deformasinttica,duranteossculos XVI, XVII e XVIII sucederam-se tanto o desenvolvimento da cincia como os intentos de teoriz-la. Aos esforos pioneiros de Coprnico, Kepler e Galileu para instaurar um mtodo experimental e de Bacon parateoriz-lo,foiacrescentadaaflosofamecanicistadeDescartes, consideradaaprimeiradascorrentesflosfcasdamodernidade.A afrmaodaautonomiadarazonoexclusivadoracionalismo, mas a partir deste, de todo o pensamento moderno. Mais tarde Hume maturaoempirismoeIsaacNewtonconjugaosdescobrimentos dospioneirosparadarumdecisivogironaflosofanatural,ondea matemticadeixadeserofundamentoparaconverter-seemmeio auxiliar.NosculoXIX,AugusteComterenovaoempirismosobo Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla15nome de positivismo e, ao mesmo tempo, estabelece os fundamentos da sociologia positivista.Umaanlisehistricasobreestaevoluoimportantepordois motivos: a.Nemtudosignifcaomesmo.Ascrticasaoprocessode consolidao da cincia moderna e ao modo de apropriao deseusresultados,sodirigidasaomodelocientfco emprico,baconiano,aoparadigmacartesiano,ao positivismoouaoreducionismo,desconhecendoque existem diferenas conceituais e vrias reformulaes nessas propostas, ainda que no seu conjunto representem decisivo papel na consolidao do que se reconhece como cincia, metodologia cientfca, paradigma ocidental.b.Carter progressista das propostas para o que era domi-nantenaspocasemquesurgiram.Ascrticascontem-porneas associam autores e conceitos com a manuteno do status quo e com prticas cientfcas conservadoras, no obstanteacontextualizaohistrica.Aconsolidaoda cincia(edoconhecimentocientfco)erapercebida, poca, como a melhor estratgia e talvez a nica, para no campodasideiasenfrentarodogmatismoedominao da igreja, os governos autocrticos e a ordem estabelecida. No se trata de uma defesa crticas que so verdadeiras, mas de resgatar o quadro geral de ento e o papel crtico desses autores, para o rompimento do que era dominante na poca.1.2.1 Lmplrlsmo brltnlco: Francls 8acon (1561-1626)Em Bacon central a ideia de domnio sobre a natureza a partir da experincia e dos sentidos. Seu modelo de cincia tinha como objetivo oconhecimentoparaocontrolesobrearealidadeeapropriaoda natureza.Baconeraconscientedopapelfundamentalreservado cincia no progresso futuro da humanidade. Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana16Bacon parte dos fatos empricos do mundo natural para promover advidacrticacomrespeitoaosabertradicional;dainvestigao metdica e da classifcao sistemtica da informao, baseada em dados objetivos;darigorosaexperimentaoedaaplicaoessencialmente prticadetodooconhecimento.Omtodocientfcorepresentaum conjunto de regras para observar fenmenos e inferir concluses a partir da observao. O mtodo de Bacon era o indutivo, baseado em regras to simples, que qualquer que no fosse um defciente mental poderia aprend-las e aplic-las, e tambm infalveis bastava aplic-las para fazer avanar a cincia. A crena acrtica da existncia de tal mtodo e de que sua aplicao no requer talento nem preparao, representa uma espcie de metodolatria, hoje objeto de pesadas crticas.2Sete so os princpios defnidores da concepo empirista clssica de cincia, presentes a partir de Bacon:1.Aracionalidadecientfcavistacomoauto-subsistente elacradaemsimesma(autosufcienteefechadatrocas simblicas com outras reas de investigao);2.Na tica empirista no existe teoria prpriamente dita, do plano da observao se passa generalizao, a partir de um nmero signifcativo de casos;3.Adesconsideraoporhipteses,nolevandoemcontao papeldasantecipaesnoprocessodedefniodoque observar,ignorandoquesoelasquetransformamum campo observacional em campo problemtico;4.Omodeloindutivistadeexplicao,queconsiderado como o nico capaz de abordar questes empricas;5.As unidades de conhecimento (os dados dos sentidos), tem valor epistmico prprio (tesis do atomismo metodolgico);6.Omodelocumulativodeprogresso,ondeaevoluoda cincia consiste no crescente desvelar ou gradual retifcao de erros;2 Ver: Bunge (1985) e Oliva (1990), entre outros.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla177.A tese do poder baseado no saber (que torna o exerccio da autoridade intelectual sempre legtimo).Almdestes,aonegaraexistnciadesujeitoepistmico(o investigadorconsideradoummerocatalogadordefenmenos),o empirismocolocouexageradaimportncianasregrasmetodolgicas, aopontodechegaraumaespciedeabsolutizaonormativa (OLIVA, 1990).Aconcepobaconianadecinciadesconheceuimportantes conquistascientfcasemetodolgicosdesuapoca,assim comoaimportnciadamatemticaparaaformulaodeleise teoriascientfcas.Supondoqueaproduocientfcanecessite daparticipaodeelementoscomocinciaanterior,observao, hipteses,matemticaeexperimentoplanejado,pode-se concluirqueBacondesconsideroutrsprincpiosdecisivos:1. Formaodehiptesesorientadorasnumcontextoproblemtico; 2. Expresso matemtica dos contedos interpretativos; e 3. Proposio de teorias unifcadoras no campo experimental.NosepodenegarqueBacon,comoumprofeta,vislumbrou queodomniodohomemsobreanaturezadependiadacincia,e queestadeveriasedesenvolveratravsdotrabalhoemequipeeda pesquisaplanifcada.OempirismoinauguradoporBaconacabou transformando-se numa espcie de epistemologia natural, sendo seus principaisdefeitosatentativadeabsolutizaroconjunturaleadaptar a racionalidade cientfca a rgidos esquemas flosfcos. Tais defeitos se devem ao pioneirismo no enfrentamento aos canones da poca e a dogmatizao de certos princpios flosfcos.1.2.2 Raclonallsmo: Ren Descartes (1596-1650)Oracionalismo,correnteflosfcaquepertenceDescartes surgiuemoposioaflosofaempiristabritnica,representadapor Bacon. Sua contribuio associada s bases flosfcas do paradigma quedominouamplamenteaproduocientfcacontempornea,o paradigmanewtoniano-cartesiano(aNewtonatribudaabase mecanicista do paradigma).Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana18Noracionalismo,osconhecimentosvlidoseverdadeirossobrea realidade so procedentes da razo e no dos sentidos e da experincia. A oposio se refere a fonte do conhecimento e no aos objetos. Como Bacon,Descartestemclarooobjetivodedomniosobreanatureza, pelo qual era possvel chegar a conhecimentos muito teis para a vida, encontrando uma flosofa prtica pela qual o conhecimento da fora e aes do fogo, da gua, do ar, dos astros, dos cus e dos demais corpos quenosrodeiam,permitiriamaproveit-lasparatodososusospara os quais so prprias, nos tornando donos e possuidores da natureza, disfrutando sem nenhuma pena dos frutos da terra.Descartespartedeprincpiosgeraisparaposteriormenteutilizar a deduo. Em seu Discurso do mtodo, de 1637, faz uma anlise do mtodo,paraoqualdefnequatroregrasuniversais:1.Noadmitir como verdade nada que no seja evidente; 2. Cada difculdade deve ser dividida em tantas partes quanto seja possvel e necessrio para poder resolv-las; 3. Ir sempre do simples ao complexo; 4. Fazer descries to completas e contagens to gerais, para que se tenha a segurana de no esquecer nada.A opo pela dvida metdica, como ponto de partida, foi levada aradicalidade,chegandoprximoaoceticismo.Descartestambm confavanosabercomoverdadeabsoluta,expressadocomoclebre cogito ergo sun, penso, logo existo, admitido como o primeiro princpio da flosofa que buscava. A dvida cartesiana a pura expresso de uma atitude de desconfana e de cautela, exigindo evidncia indestrutvel, mas principalmente um mtodo de pesquisa positiva, pois a afrmao quesobrevivaaosataquesdadvidametdica,levadaaosextremos dorigor,averdadebuscadaeservirdeslidofundamentoparao descobrimento de outras verdades.1.2.3 Posltlvlsmo: Auguste Comte (1798-1857)Dopontodevistaepistemolgico,oconceitodepositivismoest muito relacionado com o modo de entender a natureza do saber e do conhecimento. O conhecimento positivo proveniente dos sentidos e Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla19defne que os fatos so os nicos objetos possveis de conhecimento. O positivismo de Comte, nascido na atmosfera cultural da burguesia industrial, estabelece uma srie de afrmaes com pretenso de verdade e uma teoria da realidade que trata da ruptura da antiga unidade social e do desajuste e crise da sociedade, como consequncias da revoluo francesa e da situao criada pela industrializao.Frenteasociedadedoantigoregime,baseadaemprincpios teolgicoseregidapelossacerdotesoutelogosepelosmilitares,a sociedade industrial se funda sobre a cincia. So os sbios e os cientistas os responsveis pela sua direo espiritual. O desaparecimento de um tipo de sociedade e o surgimento de outra o que constitui o estado de crise da poca de Comte. O processo industrial, com sua ideologia, estavadestinadoaseromarcodanovaordemsocial.Oprocessode industrializaoimplicaqueohomemnospodemastemque transformaranatureza,oquesignifcaapotenciaodeumarazo prtica dominadora, atitude assinalada por Bacon e prosseguida pelo lema cartesiano: conhecer para dominar, dominar para apropiar-se.O positivismo assume a f no progresso da cincia como nica forma deconhecimentovlido.Acinciaproporcionaumconhecimento puramentedescritivo,quedeveestender-seatodososcamposdo saber,incluindoohomem.Todoconhecimentoparaserautntico deveserfundadonaexperinciaetodaproposionoverifcvel empricamente deve ser erradicada da cincia. O positivismo foi uma espcie de purifcao da atividade intelectual (pelo menos para seus defensores). O rigor, a honestidade, a assptica prudncia dos cientistas o que o positivismo pretendeu levar a toda atividade intelectual. Mas, inegvel, que essa inteno derivou para o reducionismo e exageros cientfcos, hoje objeto de crticas.1.3 Neoposltlvlsmo: Clrculo oe vlenaHistoricamente,aconstituiodeumateoriadacinciacomo disciplinaflosfcaautnomadevidaaumgrupodeflsofose cientistas que na dcada de 20 reuniu-se em Viena. O grupo, conhecido Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana20como Crculo de Viena, fundou uma das mais infuentes e poderosas correntesflosfcaseepistemolgicas:oneopositivismo,tambm conhecido como empirismo lgico ou positivismo lgico. A autocrtica e a honestidade intelectual, caractersticas do grupo, impuseram uma srie de revises e modifcaes em suas posies ao longo dos anos.Duranteadcadade1930a1940,quandooneopositivismo ganhavamaiorfora,oCrculodeVienajestavaemprocessode dissoluo. Alguns aceitaram ctedras no exterior, dois faleceram (um assassinadoporumdiscpulofantico),eosoutros,apesardepouca atividade poltica, por seu temperamento crtico e cientfco, tornaram-se suspeitos ante os governos clericais de direita e ainda mais ante os nazistas, obrigando a maioria a ir ao exlio.Entreascaractersticasmaisimportantesdoneopositivismoest aintenodeuniroempirismocomalgicaformalsimblica;a tendnciaantimetafsica,expressadanaquestodaverifcabilidade dosenunciadoscomocritriodesignifcncia;eodesenvolvimento datesedaverifcao.AintenodoCrculodeVienafoidotara flosofa com os instrumentos da lgica matemtica. Na verdade, um mtodorigorosodecontroledeseusresultados,damesmamaneira que o desenvolvimento das cincias naturais, na poca, estava ligado matemtica. A completa eliminao da metafsica era a razo para que o Crculo de Viena estivesse vinculado ao positivismo.Esteidealdecincia,utilizadocomxitonafsica,foiproposto tambm para as cincias sociais. Era a tese do fsicalismo, um programa de unifcao da cincia que negava a existncia de diferena entre as cinciasnaturaiseascinciassociais.Osneopositivistas,seguindoa tradioempirista,erampartidriosdomtodoindutivo:observao de grande nmero de casos favorveis, diretamente na realidade, atravs da experincia e da verifcao de hipteses. Entretanto, enfrentaram um problema lgico: a acumulao de casos favorveis no sufciente paraaverifcaodemodoconclusivodeenunciadosouhipteses, poissempreestarabertaapossibilidadedequeumnicoexemplo negativo os refute. O exemplo clssico desta impossibilidade lgica o Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla21do cisne negro; ainda que todos os cisnes conhecidos sejam brancos, sempre existe a possibilidade de que surja um diferente. Isso quer dizer que a busca do conhecimento verdadeiro, objetivo, algo impossvel de ser alcanado do ponto de vista lgico.1.4 Raclonallsmo Crltlco: Karl Popper (1902-1994)Popper assinala dois problemas epistemologia: o do conhecimento do sentido comum e o do conhecimento cientfco. Como alguns flsofos, aceitaqueoconhecimentocientfcospodeserumaampliaodo conhecimento do senso comum, mas que a coincidncia acaba a. Popper centrasuaspreocupaesepistemolgicasnodesenvolvimentoeno aumento do conhecimento cientfco e desenvolve o racionalismo crtico em oposio aos critrios neopositivistas de busca da verdade na cincia.Emlugardaimpossibilidadelgicadechegaraoconhecimento verdadeiro pela verifcao de hipteses, Popper prope a falsabilidade comoopo.Comoasincoernciasdoprincpiodainduoeas diversas difculdades da lgica indutiva, o que denominou problema dainduo,eraminsuperveis,propsacontrataodedutivade teoriasoumtododedutivodecontratao.Omtododecontrastar criticamenteashiptesesedeescolherumaentreelasparteda apresentaodehiptesesprovisrias.Umavezapresentadaattulo provisrioumanovaideiaouhipteseacontrataopermitequese extraiamconclusesprovisriassobreelas.Ouseja,oconhecimento sersempreprovisrio,nuncadefnitivonemverdadeiro.Ditode outramaneira,Poppernoexigequeumsistemacientfcopossaser selecionadodeumavezportodas,parasempre,emsentidopositivo; massimquesejasuscetveldeseleoemumsentidonegativopor meiodecontrastesouprovasempricasprovisrias.Ouainda,pela experincia sempre ser possvel refutar um sistema cientfco emprico, nunca afrm-lo em sentido positivo.Para Popper a cincia nunca persegue a ilusria meta de que suas respostas sejam defnitivas. Seu avano o de descobrir incessantemente problemasnovos,maisprofundosemaisgerais,edesubmeteras Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana22respostas (sempre provisrias) a contrataes constantemente renovadas e cada vez mais rigorosas. E para alcanar este ideal necessrio fugir da especializao estreita e da f obscurantista na destreza singular dosespecialistas,seusconhecimentoseautoridadespessoais,tode acordo com a destruio da prpria racionalidade.A proposta de Popper tem importantes implicaes na produo do conhecimento agrrio baseado no mtodo indutivo e na experimentao repetitivacomofontedeconhecimentovlido(emmuitoscasos, athojeaexperimentaocontinuasendooprincipalinstrumento metodolgiconaproduodoconhecimento).Pesquisadores, formadosdentrodestatradiometodolgica,tmdifculdadesem entenderaprovisoriedadedoconhecimento,poisforamtreinados nosentidodequeoconhecimentoobtidoexperimentalmentee submetido ao rigor dos testes estatsticos representa a nica fonte de conhecimento vlido. Ou seja, resultados assim obtidos constituem a verdade. A difculdade em adotar posturas epistemolgicas como a do falseamento de hipteses permite afrmar que em muitos casos a produodoconhecimentoagrrioaindaencontra-seemumaetapa pr-popperiana: s consegue trabalhar com a certeza, sendo incapaz de conviver com a dvida ou com o provisrio.1.5 A Nova Fllosoa oa ClnclaANovaFilosofadaCinciaincorporaelementoshistricos, contextuaisoucompreensivosnaexplicaodaatividadecientfca, rechaandoastesesfundamentaisdopositivismoouempirismo lgico:existnciadeumabaseempricateoricamenteneutra; aimportnciaexclusivadocontextodajustifcao,ondeso manejados as tcnicas e mtodos de pesquisa; e o carter acumulativo do desenvolvimento cientfco. Os principais autores desta concepo compartem,maisoumenos,algumastesesquecaracterizamoque sepodechamarcinciaps-empricaoups-positivista:1.A histria da cincia a principal fonte de informao para construir ecolocarprovaosmodelossobreacincia:frenteanlise Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla23lgica,adquireimportnciaodesenvolvimentohistricoparaa compreensodoconhecimentocientfco;2.Noexisteumanica maneira de organizar conceitualmente a experincia. Todos os fatos esto carregados de teoria; 3. As teorias cientfcas so construdas e avaliadas sempre em marcos conceituais mais amplos.Pressupostos e interesses defnem os espaos para a ao. Os paradigmas, programas depesquisa,tradiesdeinvestigao,domniosouteoriasglobais, segundodiferentesautores,operamcomsignifcadossimilares; 4.Osmarcosconceituaismudame,porisso,buscam-semarcos sufcientementeprofundoseduradouros;5.Odesenvolvimentoda cincia no linear nem acumulativo. A cincia no uma atividade totalmente autnoma; 6. Os modelos de desenvolvimento cientfco no tm base neutra de contratao e a racionalidade cientfca no pode ser determinada a priori.ANovaFilosofadaCinciaestudaaspropriedadesdos paradigmas,programas,tradies,domnios,etc.,unidadesdeanlise superiores s teorias cientfcas, com a fnalidade de explicar a evoluo doconhecimentocientfco,cujaocorrnciastemsentidoem contextos determinados; defnidos exatamente por, e no mbito, de tais unidades estveis de ordem superior, e que proporcionem a perspectiva conceitualnecessriaparadeterminarasquestesquedevemser pesquisadas,equaloconjuntoderespostasaceitveis.Aindaque possam ser mencionados autores como Imre Lakatos, Paul Feyerabend e Larry Laudan, o autor da nova flosofa da cincia que causou maior impacto e comoo foi, sem dvidas, Tomas Kuhn.Kuhnapresentaumavisodaatividadecientfca,noquese refereprincipalmenteasuaevoluohistrica,bastantediferente dasconcepesempiristaseracionalistas.Desmontaaideia deneutralidadenacinciaeocarterfctciodosprocessos verifcacionistasoufalsacionistas,assimcomooconjuntoderegras sobre o qual estava assentada a racionalidade cientfca e a concepo de progresso da cincia como atividade essencialmente acumulativa (acinciavariadeumapocaparaoutra).Oconsensonecessrio Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana24paraqueaatividadecientfcatenhaxitoestbaseadoemtrs tiposdeelementos:oproblemaaserresolvido,otipoderesposta vlida e o mtodo admitido como efetivo. A existncia desse acordo, assim como a prtica e o pensamento dele derivados so o que Kuhn denomina paradigma. Quando apreende um paradigma, o cientista adquire ao mesmo tempo teoria, mtodos e normas, quase sempre em uma mescla inseparvel.A pesquisa tendo por base as frmes convices e os fundamentos adquiridosereconhecidospelacomunidadecientfca,emum determinadoparadigma,denominadacincianormal.Nelaos cientistas utilizam a maior parte de seu tempo em atividades sob a suposio de que a comunidade cientfca sabe como o mundo, defendendo suas suposies a altos custos, inclusive com a supresso de inovaes fundamentais, para no colocar em risco o status quo e os compromissos bsicos da categoria. Em perodos de cincia normal ocorreacumulaodeconhecimentos,masnograndesinovaes cientfcas ou descobrimento de novos fenmenos. produzida uma ampliaodeconhecimentossobrefatosreveladoresnombito doprprioparadigma.Esteajusteparadigmtico,comfrequncia, ocupa os melhores talentos cientfcos de toda uma gerao.Quandoanatureza,dealgumamaneira,violaoquadrode expectativas induzidas pelo paradigma surge o que Kuhn denomina anomalia.Aidentifcaodeumaanomaliaocorreporqueos cientistas conhecem, com preciso, o que se pode esperar dentro do paradigma, ou seja, quanto mais preciso um paradigma, tanto mais sensvel ser como indicador da anomalia e, por conseguinte, de uma ocasioparamudanadeparadigma.Quandoasituaoanmala persiste,transforma-seemcrisecientfca,primeiropassoparao surgimentodeumarevoluocientfca.Ditodeoutramaneira, aprpriacincianormalpreparaocaminhoparasuamudana, ou, uma crise no paradigma a indicao de que chegou a hora de redesenhar as ferramentas ou mudar o rumo na atividade.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla25Kuhnconsideracomorevoluescientfcasosperodosem quenoocorreacmulodenovosconhecimentosequelevamaque oantigoparadigmasejasubstitudocompletamenteouemparte, poroutronovoeincompatvel.Nosperodosrevolucionriosocorre mudananoscompromissosprofssionais,provocadapelapressode anomaliasquesubvertematradiodeprticascientfcas,dando incioapesquisasextraordinriasqueconduzemaadoodeum novo marco referencial para a atividade cientfca, com reestruturao nos acordosdegrupodaparceladacomunidadequesegueonovo caminho. O incio da revoluo cientfca ocorre partir da dissidncia deumsegmentodacomunidadecientfca,svezespequeno,que compreende que o paradigma j no sufciente para a elucidao de todosostemasqueoprprioparadigmahaviaindicado.Asituao revolucionria no consensual. S percebida como tal por aqueles quesentemseusparadigmasafetadosporela.Paraosobservadores externospodeparecerapenasqueoprocessodedesenvolvimento cientfco segue, normalmente, seu curso.Ataquitratamosderealizarumaespciededesconstruo epistemolgicadacinciaconvencional,preparandoocaminho paraapontarasbasesepistemolgicasdaAgroecologia.Comoesta umatarefanoacabada,nestetextoapresenta-seumrecortedo discursodeautorescontemporneosquetemtratadodoassunto, algunscommaisespecifcidade.Naconstruodaepistemologia daAgroecologiatemlugar,inclusivealgunsaportesisolados, provenientes da epistemologia e da cincia convencional. Isso signifca que a Agroecologia ainda no pode ser considerada como um novo paradigma, como algo puro e acabado, que represente uma ruptura e que oriente a produo e circulao do conhecimento na agricultura. O que sem dvida est acontecendo e pode ser notado facilmente, aexplosodeanomaliasnointeriordoparadigmaconvencional.A consolidaodaAgroecologiacomonovoparadigmapodervira ocorrer,masdependedeesforointelectual,prticapoltica,ajustes institucionais,entreoutrascoisas.Assimmesmo,espera-sequeeste texto possa contribuir na tarefa dessa construo.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana261.6 Debates contemporneos sobre a ClnclaOsdebatescontemporneossobreacinciarepresentamum esforodemuitoscientistasnacrticadacinciaconvencional;na construodealternativasparaaprpriacincia;eparaumanova formadeorientarsuarelaocomasociedade,tornando-amais democrtica e, portanto, menos excludente. Como estas so propostas queestonafontedeinspiraodaAgroecologia,aquisopostasa favor da construo da base epistemolgica da Agroecologia.1.6.1 Os Contetos oa pesqulsa e a pluralloaoe na ClnclaAanlisedacincianodevepermanecerrestritaaocampodas ideias e interesses, externos cincia (contexto da descoberta) ou aos fatoresinternoscincia(contextodajustifcaoepistemolgica). Acinciatambmumaatividadeprticaedeintervenoe transformaodomundo.Porisso,necessrioconsiderarpelo menosquatrocontextosparaaprticacientfca.Oprimeirodeles oContextodoEnsinodaCincia:aindaquenoparticipeda atividadecientfcatodooserhumanoemsuafasedeformao confrontadoaumarepresentaopr-constitudasobreacincia. Neste contexto ocorrem duas aes bsicas: ensino e aprendizagem, com domnio absoluto da cincia normal. Neste contexto, importam acomunicabilidade,apublicidade,ocosmopolitismo.Outroo Contexto da Inovao, onde tem lugar a produo do conhecimento terico, emprico e tcnico, mas tambm a construo de artefatos de uso prtico, como resultado da aplicao da cincia.Neste contexto diluda a separao entre cincia bsica e aplicada. Oscritriosqueimportamnainovaosogeneralidade,coerncia, consistncia e validez. O terceiro o Contexto da Avaliao Cientfca, ondeocorreaaplicaodosmtodosedoinstrumentalanalticoea contrataocomoutrosmembrosdacomunidadecientfca.neste contextoqueocorreotrnsitoentreoexperimentoeocongresso. Socritrios:aevoluodoprocessocientfco,masnos,tambm importacomopoderiatersido,oquepodesuscitarumacrisetica Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla27edevaloresnoscientistas.OltimooContextodaAplicaoda Cincia,ondeaparecemautilidadesocialeaefcinciaeconmica, geridas pelas polticas pblicas de C&T e os juzos da sociedade em geral.Acontradioentreconceitosefnalidadescontrapostosdeve remetertambmparaaanlisedacontradioentreaequidadee ajustiasocialeaprodutividadeeolucro,porexemplo.Esteum problema que a cincia convencional eliminava atravs de pressupostos falsos, como os da neutralidade e da objetividade da cincia.1.6.2 Nova Allana entre bomem e naturezaA Nova Aliana entre homem e natureza proposta por Prigogine & Stengers (1994) para a construo de um Novo Dilogo Experimental que substitua o cientifcismo triunfante, a busca da verdade absoluta, permitindooressurgimentodadvidaedaincerteza.Paraissoseria necessrioumanovainterrogaocientfcacomare-descobertada complexidade,quepermitapassardodeterminismoaopluralismo cientfco, da cultura cientfca clssica ao humanismo como referente. SoconsideradostraosdessaNovaAlianaare-habilitaoda desordemedoacaso;afugadobvioparaarefexosobreoque dado como certo e natural, mas que na verdade pode ocultar coisas que ignoramos ou desconhecemos (ou seja, preciso ir alm da aparncia para penetrar na essncia das coisas e dos fenmenos).Almdisso,acincianopodeservlidasomentedentroda comunidadequecomparteoscritriosdevalidez,assimcomoa objetividade da cincia no independente do observador que a produz. Qualquercoisaquedestruaoulimiteaaceitaoeacompreenso dadiversidade,desdeapresunodapossedaverdadeata certeza ideolgica, destri ou limita o fenmeno social, inclusive o cientfco, quenoocorresemaaceitaodialgicaedialticadooutroeda diferena.Portanto,estanecessidadederepensartodosostiposde relaes, inclusive no campo da produo do conhecimento cientfco, acaba levando introduo de novos valores, como a tica e a histria no cotidiano dos cientistas. A este novo quadro referencial, Maturana eVarela(1996)denominamoconhecimentodoconhecimento.O Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana28conhecimentosobreoconhecimentooquenosobrigaamanter uma atitude de viglia contra a tentao da certeza, pois ao saber que sabemos no podemos ignorar nem negar o que sabemos.1.7 Pertlnncla oe um paraolgma malsNelvel na ClnclaEsteumtemaquetemmerecidoaatenodemuitosautores. Neste texto esto referenciados os que tm trabalhado o tema de forma maisaproximadaoumaistangvelaoqueinteressaparaocampoda Agroecologia,entreelesMiguelMartnezMiguelez,Boaventurade Sousa Santos, Fritjof Capra e Francisco Garrido.1.7.1 As Caracterlstlcas oo novo paraolgmaPara Martnez Miguelez (1988; 1993) o central no novo paradigma asuperaodascincoantinomiasfundamentais(contradies inerentes a um conceito) dominantes na cincia ocidental: 1. Sujeito-Objeto:noprocessocientfconosepodeisolaroprocessoda observaodoobservadoredoobservado.2.Linguagem-Realidade: muitodifcilexpressarnovasideiasapartirdevelhosesquemas ousistemasconceituais.3.Partes-Todo:acinciaconvencionalest fundadaprincipalmentenoestudodaspartes,ignorandoqueotodo sempremaiorqueasomadelas.4.Filosofa-Cincia:oscientistas convencionaissoavessosaoexerccioflosfco,masquandoum cientistanoflosofaexplicitamente,ofazimplicitamenteeao fazmal.5.Liberdade-Necessidade:maiscmodoalojar-seem compartimentosconceituasaceitos,fugindodaincertezacognitiva ou da dvida sistemtica.Quatrosoospostuladosfundamentaisparamudaraestruturae o processo cientfco tradicional. 1. Tendncia ordem nos sistemas abertos: modelo de compreenso da realidade que explica a tenso na transformao. As teorias da bifurcao e das estruturas dissipativas hoje so utilizadas em vrios campos, como no estudo do caos do trnsito. Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla292.Metacomunicaodalinguagem:impossvelcaptararealidade apartirdeumaabordagemnica.Aexpressono-verbal,svezes, consegue explicar o inexplicvel. 3. Princpio da complementariedade: noexplicarnadaapartirdepreconceitosoudeumanicavisode mundo.Osujeitodeveassumirprotagonismoemsuadimenso histrica. 4. A superao do sentido restrito da comprovao emprica: oprocedimentorigoroso,sistemticoecrticopermitecompreender ummundoemtransio.ParaMartinezMiguelezacademia competeindicarcomovivernaincertezasemcairnaparalizaoou no imobilismo da dvida. Os ambientes acadmicos no podem fcar entre a confuso epistemolgica e a feliz ingenuidade.1.7.2 Translo para uma Clncla pos-mooernaSousaSantos(1995a;1995b)criticaaseparaoentresujeito epistmicoesujeitoemprico,propondoasegundaruptura epistemolgica.Paraelequatrosoascaractersticasdestaruptura, que por seus efeitos, representaria tambm uma transio na cincia. 1.Deixoudetersentidoadistinoentrecinciassociaisecincias naturais,todooconhecimentocientfconaturalcientfcosocial. 2. Todo o conhecimento local e total; constitui-se a partir da pluralidade metodolgica; e sua pauta temtica em lugar de disciplinar. 3. Todo o conhecimento tambm auto-conhecimento. necessrio conhecer parasaberviverenosparasobreviver.4.Todooconhecimento cientfcodeveconstituir-seemconhecimentocomum,dialogando comoutrasformasdesaberedeixando-seinterpenetrarporelas.A dupla ruptura epistemolgica proposta por Sousa Santos pretende uma cincia prudente e um sentido comum esclarecido, dando lugar a outra forma de conhecimento e a uma nova confgurao para o saber, que sendo prtico no deixa de ser esclarecido e que sendo sbio no deixa deserdemocraticamentedistribudo.Ouseja:incluiarelaoentre a cincia e a sociedade como um componente da atividade cientfca, ainda que complexa33Vale lembrar que para Tomas Khun a verdade na cincia deveria dizer respeito somente comunidade cientfca.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana301.7.3 Paraolgma ecologlcoO conceito de paradigma ecolgico, proposto por Capra (1992) vai alm dos conceitos sistmico ou holista, que podem ser aplicados, por exemplo,aumabicicleta.Oparadigmaecolgicoenfatizaavida,o mundoemquevivemoseasrelaesqueneleexistem.Implicauma visoalmdomeroambientalismo,transcendeaestruturacientfca erequernovabaseflosfcaetica.Capraampliaoconceitode paradigma de Khun, da cincia para o mbito da sociedade, passando arepresentarumconjuntodevalores,conceitos,percepese prticascompartidossocialmenteedeterminandoaprpriaforma deorganizaodasociedade.Paraesteautor,seacinciafossemais democrtica, refetiria melhor a necessidade e a vontade da sociedade, implicando,porexemplo,emmaisrecursosparaaecologiaemenos para a biologia molecular e a engenharia gentica.Oscritriosdonovoparadigma,segundoCapradevem contemplar:1.Daparteaotodo:aspropriedadesdaspartes spodemsercompreendidasapartirdadinmicadoconjunto. 2.Daestruturaaoprocesso:cadaestruturaconsideradacomo manifestao de um processo subjacente, no sendo a interao entre as estruturas o que gera os processos. 3. Da cincia objetiva cincia epistemolgica: a observao dependente do observador, portanto as descries cientfcas no so objetivas, independentes do processo deconhecimento.4.Dopontualrede:oconhecimentodeveser representado como uma rede de relaes sem hierarquia, e no como construodeleiseprincpiosexplicadosindividualmente.5.Da verdadeaoconhecimentoaproximado:oscientistasdevemsubstituir abuscadaverdadeabsolutaedacertezapordescriesaproximadas elimitadasdarealidade(nesteponto,Caprarevelaaproximao epistemologia proposta por Popper).Para Garrido Pea (1996), o novo paradigma anti-totalitrio, ao abdicardoexclusivismoedahegemonia,pluralista;dialgico,ao pretenderrecuperarodilogocomoreconhecimentodadiferena; termodinmico, ao aceitar as relaes entre ordem e desordem, entre Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla31o caos e o erro. Tambm fractal, o que supe cosmoviso pluralista, difusa, dinmica, gradualista e no-linear da natureza e do real. Alm disso, ps-tecnolgico, onde o essencial no modo tcnico o modo enoatcnicaemsi.Issosignifcarecuperaraessnciadatcnica, liberando o modo da servido tecnocrtica. Longe de ser anti-tcnico, oparadigmaecolgicoummodoemancipatriodaevoluoda racionalidade tcnico-instrumental para uma racionalidade baseada no ser humano (o que representa a prpria humanizao da tcnica, tema tambm abordado por Habermas, 1994).1.8 A artlculao entre conbeclmento clentlco e cotlolano1.8.1 Lplstemologla NaturalNa discusso sobre a pertinncia de um paradigma mais fexvel na cincia, um tema que tem merecido ateno crescente a articulao dos conhecimentos cientfcos com os saberes cotidianos. Neste campo, a importncia da estrutura dos conhecimentos tradicionais, levando em conta a relao do homem com a natureza sem promover degradao ambiental,eavalidezdestesconhecimentosnaconstruode programas de desenvolvimento sustentvel so vistas como alternativas importantes e inclusive como base de sustentao para a pesquisa em Agroecologia. Entretanto, a articulao de conhecimentos oriundos de bases epistemolgicas diferentes no assim uma coisa to fcil, ainda que s vezes parea demasiadamente bvia. Emprimeirolugarnecessriocaracterizaradiferenaentreo conhecimento letrado e o conhecimento cotidiano, lembrando que oconhecimentoletradoumprodutodoquesecaracterizacomo atividade cientfca, obtido geralmente atravs do experimento e que circula atravs de um texto. J o conhecimento cotidiano produto tanto da acumulao pessoal como do acmulo das sucessivas geraes, esuacirculaodependediretamentedamemriaedasabedoria. Iturra (1993) denomina a esta forma de produo e de circulao de Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana32conhecimentos como epistemologia natural, o que signifca que estes conhecimentos ou saberes cotidianos so dotados de valor epistmico edegrandeimportnciaparaaprpriaproduodeconhecimento cientfco. Grosso modo, se poderia dizer que na cincia predomina o saber; na sabedoria o conhecer.Oconhecimentotradicional,naagriculturafamiliar,dependede reproduoemdoissentidos:dosurgimentodenovaspessoasedo aprendizado sobre o modo de reproduo que as caracteriza. Ou seja, sua circulao depende do contato direto entre os atores sociais, num contextohistricoecultural.Fenmenoscomoxodooudispora, quandoocorrem,provocamtambmumaruptura,aointerromper ociclo.Issotambmoquetemocorridopeloprocessodeinvaso culturalelavagemcerebral,impostaspelaideologiadacivilizao urbanaindustrial,baseadaemduaspremissasfalsas:superioridade dos tcnicos e pesquisadores sobre a cultura rural (atrasada) e a ideia dequeacinciarepresentaanicaformadeconhecimentovlido, transformada em ideologia e mecanismo de dominao.A utilizao do conhecimento proveniente da epistemologia natural explicada por Toledo (1992, 1993) atravs dos conceitos de corpus, ourepertriodesmbolos,conceitosepercepessobreanatureza, eprxis,conjuntodeoperaesprticasutilizadasnaapropriao material da natureza. Assim o corpus est contido tanto na memria de um agricultor individualmente como de uma gerao e circula por acmulo histrico. J a prxis a prtica cotidiana que tem permitido aosagricultores,comogruposocial,sobreviveratravsdotempo. Portanto, a epistemologia natural constituda de corpus e de prxis (da sabedoria dos agricultores).1.8.2 Lplstemologla LvoluclonlstaO conceito de coevoluo indica que os sistemas naturais evoluem em resposta s presses culturais e tendendo a refetir valores, viso de mundo e organizao social das populaes de um determinado local. Poroutrolado,osistemasocialevoluinaseleodepossibilidades, Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla33respeitandooecossistemaerefetindoestabilidadenomanejodas opes oferecidas pelo sistema natural. Este conceito foi formulado por RichardNorgaard(1995),quetambmprops,talvezpelaprimeira vez, as premissas epistemolgicas para a Agroecologia.Para ele so seis essas premissas: 1. Os sistemas sociais e ecolgicos tem potencial agrcola. 2. Este potencial foi captado pelos agricultores tradicionaisatravsdeumprocessodeprovaeerro,seleonatural eaprendizagemcultural.3.Ossistemassociaiseecolgicos coevolucionaramcadaummantendodependnciaefeedback comrelaoaooutro,oquegeraumadependnciaestrutural.O conhecimentoincorporadonasculturastradicionaisestimulae regula o feedback do sistema social para o ecossistema. 4. A natureza dopotencialdossistemassociaisebiolgicospodemsermelhor compreendidas usando o atual estoque de conhecimentos cientfcos, oquepermitecompreendercomoasculturasagrcolastradicionais captarameutilizaramestepotencial.5.Oconhecimentocientfco objetivo,oconhecimentodesenvolvidonossistemastradicionais,o conhecimentoealgunsinputsdesenvolvidospelacinciaagrcola modernaeasexperinciasetecnologiasgeradasporinstituies agrcolasconvencionaispodemsercombinadosparamelhorar signifcativamenteambosecossistemas,otradicionaleomoderno.6. OdesenvolvimentoagrcolaatravsdaAgroecologiamantermais opesecolgicaseculturaisparaofuturoetrarmenoresefeitos perniciososparaaculturaeomeioambientedoqueatecnologia agrcola moderna por si s.1.9 Partlclpao oos atores soclals lmpllcaoos1.9.1 Lplstemologla PolltlcaAconstataodequeacincianormal,nosentidodeTomas Khun,noresolveuosproblemasdamodernidade(aocontrrio, emalgunscasos,justamenteestemodelodecinciaqueestna basedosproblemas),levouFuntowiczeRavetz(1993;1996)a Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana34desenvolveremoconceitodecinciaps-normal.Acinciaps-normal no pretende neutralidade tica nem ignora as consequncias polticasdousodacincianasociedademoderna,comodefendem empiristas,racionalistasepositivistas.Simplesmentepretendeum tipo de cincia com la gente. Naresoluodeproblemascomplexos,nobastasuperaras incertezascognitivas.Aelassomam-sesincertezasticasderivadas dos valores confitivos da sociedade. O manejo da incerteza pode tomar o caminho da Incerteza Tcnica, que pode ser resolvida pela cincia normal,oucinciaaplicada,daIncertezaMetodolgica,quandose introduzem aspectos de valor e depois se trabalha tecnicamente,como, por exemplo, nas consultorias de profssionais experts; e da Incerteza Epistemolgica,quandoaincertezaessencialmenteignorncia: pensamosqueascoisassoassim,ouaceitamosacriticamenteque sejam assim, embora possam ser completamente diferentes.Este o campo da cincia ps-normal. Nele, necessrio, sobretudo, evitar a Falsa Certeza, como no caso dos agrotxicos, onde se supunha queseguirasindicaestcnicasdofabricanteerasufcienteparao uso seguro. Agora, muito tempo depois, foram descobertos os efeitos colaterais, lentos mas letais. A cincia ps-normal recomendada para se sair do reducionismo dominante nas comunidades restringidas de pares, levando a tomada de deciso para o mbito das comunidades estendidas de pares, atravs do debate mais amplo com toda a sociedade. Ouseja,promovendodemocratizaonaproduoecirculaodo conhecimento, exatamente como pretendido na Agroecologia.1.9.2 Lplstemologla oa PartlclpaoUm dos temas defendidos no mbito da transio paradigmtica e que pode ser includo no espectro da base epistemolgica da Agroecologia, aparticipaodosatoressociaisimplicados.Sinteticamente,a partirdeCampos(1990),pode-seafrmarque:1.Aoposioentre conhecimentoscientfcoetradicionaleparticipaofalaciosa.O problema reside em esclarecer as condies epistmico-metodolgicas, Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla35quepermitamaintegraodesaberesdeformano-subordinada.2. A incorporao de modos de conhecimento baseados na experincia, noconsideradosdeformapassiva,permitesuperarproblemas metodolgicos, tericos e tcnicos, provocados pela mediao racional cientfca,quenormalmentetendeafltrarouadaptarosoutros conhecimentos a seus esquemas, empobrecendo-os. 3. A participao nosomenteummtodo,aindaquesejaverdadequeseusmais srios problemas ocorram no plano epistemolgico. Teorizar e ir para a prtica so coisas inseparveis. 4. Os diversos tipos de conhecimentos notmatributosespecfcosqueostornemsuperioresouinferiores unsaosoutros. Todososconhecimentosestoinseridosnarealidade complexa,contraditriaediversa,constantementesobinterveno doserhumano.5.Atomadadeposiofrenterealidadeestudada inseparvel da prtica cientfca, portanto, a neutralidade axiolgica uma falcia. O desafo na cincia no negar ou eliminar posies comprometidas,masmantervigilnciaparaevitarqueasposies individuais interfram impropriamente no processo do conhecimento. 6.Aarticulaocrticaentreoconhecimentocientfcoeossaberes populares, historicamente cindidos e s vezes antagnicos, implica em enfrentar a alienao e a ignorncia que se alojam na cultura popular easdistoresereducionismodoconhecimentocientfco.Nose podeadmitirnemoconhecimentocientfcocomoinstrumentode dominao nem a valorizao condescendente e paternalista do saber popular.7.Aarticulaoentreteoriaeprticadeveocorrersemque a primeira conduz a retilnea e mecanicamente segunda nem que a segunda represente um critrio mecanicista de verdade. Toda a teoria deve ser o aspecto consciente da prtica e toda prtica deve ser objeto de elaborao crtica.1.10 O Plurallsmo Lplstemologlco na AgroecologlaApartirdareconstruocrticadealgumasconcepestericas sobreoconhecimento,resgatam-sealgunselementosquepermitem fundamentarapropostadeumpluralismometodolgicoparaa produo do conhecimento agrrio, como parte da base epistemolgica Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana36daAgroecologia.Arefernciaaomtodo,pelousodoadjetivo metodolgico,temumsentidoamplo,nosrelativostcnicasde pesquisa, ainda que tambm se refra a elas. O pluralismo que se prope para o mtodo tambm aponta em vrias direes e no s a uma. Com a expresso pluralismo metodolgico nos estamos referindo aos seguintes aspectos: pluralidade de contextos e solues para a produo e circulao doconhecimentoagrrio;aberturaaosconhecimentosetcnicas agrcolastradicionaiscomofontedeconhecimentoseprticasvlidas; implicao do contexto social e suas demandas na produo e circulao do conhecimento agrrio; e combinao de tcnicas de pesquisa variadas, quantitativas e qualitativas, numa perspectiva interdisciplinar.Para a tentativa de construo de um marco geral para o pluralismo metodolgicoeepistemolgicosedestacamalgunselementose concepes tericas. Algumas delas esto diretamente relacionadas com as questes sociais, ambientais, econmicas, tcnicas ou metodolgicas queenvolvemaproduoecirculaodoconhecimentoagrrioou aconvivnciaerelaoentreoserhumanoeanatureza.Outrasso decontedomaisterico.Semdvida,paraaquelesqueexercem suas atividades no campo da Cincia e da Tecnologia, no ser difcil estabelecer a conexo com suas prprias prticas, ainda que alguns se situem, pela prpria infuncia do paradigma dominante, distanciados da refexo terica.Heisenberg e Bachelard j haviam apontado a ao especfca que oobservadorexercesobreoobjetodesuaobservao.Nacincia contempornea,estaposioganhacorpo.Habermas(1994),prope sairdapretendidarelaoasspticaentreosujeitodaobservao(o pesquisador)eoobjetoinvestigado,paraumarelaointersubjetiva, entre sujeitos que dialogam no processo da produo do conhecimento, trazendoacinciaparaestemundoemqueascoisasacontecem:o mundodavidadoshomens,ondearelaoentreiguaisdeveriaser fundamentada pela ao comunicativa entre os sujeitos. E, como no existe o conhecimento desinteressado, necessrio situar o observador-pesquisador dentro e em relao com a sociedade, explicitando qual o seu papel como ator social.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla37Nestesentido,ascontribuiesdeKuhn,aindaquedegrande interesseparaacompreensodaorganizaodaprticacientfcae paraaexplicaododesenvolvimentodacincia,solimitadas,por noteremmencionadoopapeldoscientistasnaorganizaoda sociedade.Diversosautoresenfatizamaatividadedoscientistaseo papelquedesempenhamcomoatoresempapisrelevantesparaas mudanassociaisouparaamanutenodaordemdominante.Hoje em dia, impossvel desconsiderar que saber poder e que a cincia uma categoria que tanto pode estar a servio da construo de sujeitos sociais como da sua excluso.Noparadigmaemconstruo,necessrioesquecerabuscada objetividadeedaneutralidadecomopretenderamospositivistas,em seus diferentes matizes. Sob a infuncia do positivismo, os socilogos eostericosdacinciatemdebatidoaquestodaobjetividadedo conhecimentoapartirdomodelodascinciasnaturais,queexige observaoquantitativadosfenmenoseprivilegiaainduona construo das teorias.Nessa perspectiva, o momento da investigao no problematizado emsuadimensosocial,sendoconsideradocomosimplesregistro dosdadosegarantiadaneutraobjetividade.Contraessailuso, necessriodestacarqueosmtodosetcnicasdeinvestigao,junto comosconceitoseteorias,soosinstrumentosdeproduodo conhecimentoconcreto,eaeleiodeumdeterminadoconjunto deinstrumentosoumtodosasseguradeantemoosresultadosa seremobtidos.Ouseja,nomesmomarcogeraldacrisedacincia (edasociedade)moderna,estinseridaacrisedosfundamentosda moderna cincia. No s objetividade, coerncia lgica e neutralidade socriticadasepistemologicamente.Arelaodacinciacomoutras formas de conhecimento e a seletividade na apropriao dos resultados cientfcosetecnolgicossotemasquetemmerecidoaatenode muitos cientistas.Cada dia est mais difcil o acesso aos resultados de pesquisa, com maisconsequnciasprticas,deformademocrtica,dadoointeresse Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana38econmico trs das demandas, por um lado, e a vigncia de uma ordem poltico-institucional,queredundounoencapsulamentoburocrtico dasinstituies,poroutro.Entoamudanadeparadigmadeve caminharnadireodaaberturaparaademocraciaparticipativa como forma de superar a assimetria social entre includos e excludos, ensejandooportunidadeparaareconstruodesujeitossociais, ondetenseseconfitospodemcoexistircomaparticipaoecom adiversidade.Entretanto,comoapontaBachelard(1977;1996),se nohperguntanohconhecimento,ouseja,perguntasnofeitas podempermanecerparasempresemresposta.Portanto,seunstm aprerrogativadeperguntareoutrosno,asrespostasproduzidasno processodegeraodeconhecimentoparaelesestarodirigidas. SousaSantosafrma:assumirepistemologicamenteaverdadesocial da cincia signifca submet-la a crtica dentro e fora da comunidade cientfca, evitando que os resultados sejam apropriados somente pelos detentores do poder.Portanto,aconsideraodosocialedohumanonacinciaena produodoconhecimentonopodefcarcomomeraabstrao. Signifca falar de pessoas que vivem e sofrem todas as consequncias dos processos que tem sido motivo de crtica por diferentes autores ao longo deste texto. Todavia no s falar de relaes sociais e ambientais excludentes,masprecisotentarmudarasituaodemaneiraa produzircincianomundodavidacomeparaacomunidade estendida de pares (viabilizando a participao da sociedade, de forma ampla), o que tambm requer introduzir a questo da tica nas pautas das instituies para que seu comportamento no permanea como o das torres de marfm, comandadas por comunidades restringidas de pares (o reduzido grupo que decide o que e o como, uns validando o que fazer dos outros), impregnadas de discursos do tipo a tecnologia que serve para o grande tambm serve para o pequeno, ou tcnica e poltica so coisas independentes.Feitasestasconsideraes,possvelcaracterizaraslinhasgerais para o pluralismo na cincia, na metodologia ou na epistemologia, que ajudam a indicar o caminho para a construo das bases epistemolgicas Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla39naproduoecirculaodoconhecimentonaAgroecologia.A pluralidadedeperspectivasepistemolgicasemetodolgicasno pretende a supremacia de categorias sociais ou formas de conhecimento, no pretende abolir os especialistas e a cincia rigorosa; nem idealiza o popular como fonte de toda a bondade e sabedoria.Umapropostapluraldevercaminharparapautastemticas emlugardasdisciplinares,reconhecendoqueexistemalternativas tericasnaproduodoconhecimentoeaopoporumadelasno determinao de critrios internos prpria cincia, mas opo dos pesquisadores. O pluralismo no representa anarquismo ou ecletismo metodolgico. Sua inteno a de introduzir objetivos sociais na refexo epistemolgica e metodolgica, e objetivos tericos na refexo social e poltica. O pluralismo na cincia compatvel com uma perspectiva maishumanistaedemocrtica,contemplandoapossibilidadeda coexistnciadematrizesepistmicasdentrodemesmascoordenadas sociais e histricas.1.11 Como conclusoEm resumo, os caminhos tericos at agora traados indicam que o pluralismo na produo do conhecimento, como base epistemolgica para a Agroecologia, deve contribuir para superar a ideia de supremacia das cincias naturais sobre as cincias sociais proposta no fsicalismo e o caminho da especializao, como nica forma capaz de promover o desenvolvimento na cincia. necessrio adotar no s aes de tipo interdisciplinar ou transdisciplinares como tambm promover o dialgo desaberes,articulandoosconhecimentoscientfcoetradicional. Ouseja,precisosuperaraconcepodecinciacomofontenica doconhecimentovlido,poisosconhecimentosproduzidospela epistemologia natural tambm representam importante alternativa na recuperao e manuteno dos recursos naturais ou na construo da sustentabilidade, em suas vrias dimenses. Em lugar do conhecimento que permita o domnio da natureza, deve ser introduzida a cooperao (ou, de novo, o dilogo), entre cientistas, cidados e natureza.Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa Agroecologla|nstltuto Feoeral oo Parana40Aproduodoconhecimentodeveserconsideradamais comodomnioderefexodoquedeprtica,ajudandoasuperaro reducionismoaindadominante,aideiadaassptica,masinexistente, da neutralidade dos pesquisadores e a falsa concepo de objetividade na cincia. Alm disso, a ideia de que a aplicao rigorosa do mtodo, porsis,garanteoxitodaatividadecientfcafalsa.Noexiste estetalconjuntoderegrasinfalveis:obompesquisadorqualifca omtodoenocontrrio.Tambmprecisoiralmdaprticada cincianormal,naqualenergiaetemposogastosnapesquisado quejsabemos.necessriopesquisarodesconhecido,aindaque isso implique mudanas paradigmticas (no sentido de Kuhn).Asconcepesdominantesnacinciatradicionaltambmdevem ser superadas coma adoo e consolidao de novas posturas terico-conceituais-metodolgicas,relacionadascomasmudanasqueesto ocorrendonacinciaenasociedade.Atendnciacaptaoviciada eseletivadarealidade,condicionadaporverdadesquetrazemos comnossastradiessociais,culturais,ideolgicas,institucionais oucientfcas,incompatvelcomaprticapluralistaecoma democratizao de conhecimentos.necessrioevitartantoootimismotecnolgicocomoo catastrofsmoeproporalternativasquecontemplemaequidadeea justiasocial,almdasustentabilidade.necessrioadmitirque todoconhecimento,comoconstruosocial,interessadoeest impregnado por questes ticas e ideolgicas. Em lugar de consenso cientfco excludente necessrio abrir-se e conviver com o confito e com a diversidade como fatores que contribuem para a consolidao de processos participativos e democrticos.A base epistemolgica da Agroecologia no dever estar apoiada nem no simples rechao nem na ingnua adorao da cincia: rechao do cientifcismo e instrumento para promover uma cincia comprometida com a sociedade e com suas necessidades. Esta base, construda a partir dopluralismometodolgicoeepistemolgico,nosignifcaaboliro procedimento rigoroso, sistemtico e crtico, nem muito menos levar a Capltulo 1 As bases eplstemologlcas oa AgroecologlaPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla41uma produo de conhecimento de segunda categoria. As mudanas na cincia, como desenhadas neste texto, so dependentes de especialistas e de instrumentos de pesquisa sofsticados. Isso, entretanto, no supe a liberdade absoluta do pesquisador. A cincia, como outras atividades, deve ser submetida a algum tipo de controle pela sociedade.RefernciasBACHELARD, G. (1977): Epistemologia; trechos escolhidos. Rio de Janeiro, Zahar. 196 p. BACHELARD, G. (1996): O novo esprito cientfco. Lisboa, Edies 70. 125 p. BUNGE, M. (1985): Epistemologa, curso de actualizacin. Barcelona, Ariel. 275 p. CAMPOS, A. (1990): Investigacin participativa: refexiones acerca de sus fundamentos me-todolgicos y de sus aportes al desarrollo social.Cuadernos de agroindustria y economa rural. n.24, p.129-146. CAPRA, F. (1992): O ponto de mutao. So Paulo, Cultrix. 447 p. FUNTOWICZ, S. & RAVETZ, J. (1993):Epistemologa poltica; ciencia con la gente. Bue-nos Aires, Centro Editor de Amrica Latina. 94 p.FUNTOWICZ, S. & RAVETZ, J. (1996): La ciencia postnormal: la ciencia en el contexto de la complejidad. Ecologa Poltica, n. 12,p.7-8. GARRIDO Pea, F. (1996):La ecologa poltica como poltica del tiempo. Granada, Coma-res. 367 p. GOMES, J. C. C. 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Etnoecolgica, v.1, n. 1, p. 5-21.A construo oo conbeclmento, asslm como o oesenvolvlmento oe tecnologlas para apolar uma translo agroecologla, elge uma compreenso aoequaoa oa eplstemologla oa Agroecologla. Trata-se oa construo oe um novo paraolgma capaz oe superar a clncla normal. Asslm,apluralloaoeeplstemologlcaoa Agroecologla,queaolterencla oa clncla convenclonal, sltua-se numa nova vlso oas relaes bomem-natureza e busca sua concretuoe numa artlculao que contemple no so a questo ecologlca, seno que tambm as bases oe uma eplstemologla natural e evoluclonlsta. Do mesmo mooo, se amplla e se tortalece no campooacompleloaoenameoloaemquelnclulumaeplstemologla polltlcaeoapartlclpaoolstlntosatoresnoprocessooeconstruo oo conbeclmento. Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelAgroecologia: matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentvel4!!"#$%&'%( *(+,"-( .#/("#01('2 3$-4$&( .('-#+,+,"5,"67'&( 8#909'2.1 |ntroouoA Agroecologia vem se constituindo na cincia basilar de um novo paradigmadedesenvolvimentorural,quetemsidoconstrudoao longodasltimasdcadas.Istoocorre,entreoutrasrazes,porquea Agroecologia se apresenta como uma matriz disciplinar5 integradora, totalizante,holstica,capazdeapreendereaplicarconhecimentos geradosemdiferentesdisciplinascientfcas,comoveremosmais adiante, de maneira que passou a ser o principal enfoque cientfco da nossapoca,quandooobjetivoatransiodosatuaismodelosde4Estetextofoipublicadoem2006epodeseracessadoem:http://www.agroeco.org/socla/archivospdf/Agroecologia%20%20Novo%20Paradigma%2002052006-ltima%20Verso1.pdf5 Ver Sevilla Guzmn y Woodgate (2002).Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma parao oesenvolvlmento rural sustentavel|nstltuto Feoeral oo Parana46desenvolvimentoruraledeagriculturainsustentveisparaestilosde desenvolvimento rural e de agricultura sustentveis6.Ademais, como cincia integradora a Agroecologia reconhece e se nutredossaberes,conhecimentoseexperinciasdosagricultores(as), dospovosindgenas,dospovosdaforesta,dospescadores(as),das comunidadesquilombolas,bemcomodosdemaisatoressociais envolvidosemprocessosdedesenvolvimentorural,incorporandoo potencial endgeno, isto , presente no local. No enfoque agroecolgico o potencial endgeno constitui um elemento fundamental e ponto de partidadequalquerprojetodetransioagroecolgica,namedida emqueauxilianaaprendizagemsobreosfatoressocioculturaise agroecossistmicosqueconstituemasbasesestratgicasdequalquer iniciativa de desenvolvimento rural ou de desenho de agroecossistemas que visem alcanar patamares crescentes de sustentabilidade.Nesta perspectiva, pode-se afrmar que a Agroecologia se constitui numparadigmacapazdecontribuirparaoenfrentamentodacrise socioambiental da nossa poca. Uma crise que, para alguns autores, , no fundo, a prpria crise do processo civilizatrio. Diante dessa crise, os problemas ambientais assumiram um status que ultrapassa o estgio dacontestaocontraaextinodeespciesouafavordaproteo ambiental,paratransformar-senumacrticaradicaldotipode civilizaoqueconstrumos.Elealtamenteenergvoroedevorador de todos os ecossistemas (...). Na atitude de estar por sobre as coisas e 6VerCaporaleCostabeber(2000a;2000b;2001;2002;2004a;2004b).ParaPretty(1995), importante clarifcar o que est sendo sustentado, por quanto tempo, em benefcio e s custas de quem. Este autor lembra que responder a estas questes difcil, pois implica avaliar a troca de valores e crenas. Muito embora no explicitados, esses valores e crenas jogam um papel muito importante na produo do conhecimento cientfco, no apenas na defnio das linhas deinvestigaocomotambmnainterpretaoderesultados(PAULUS,1999).Apostura dominadora do ser humano em relao ao meio circundante refete-se na abordagem positivista dascinciasagronmicas.Lembramosque,mesmoempasescomumsistemadecontrole biolgico bastante efcaz e descentralizado, o conceito de praga entendida como um inimigo a ser destrudo por exemplo, continua sendo preponderante nas diretrizes das investigaes agronmicas.ComojafrmavaSchumacher(1983)emOnegcioserpequeno,ohomem moderno no se experiencia como parte da natureza, mas como uma fora exterior destinada a domin-la e a conquist-la. Ele fala mesmo de uma batalha contra a natureza, esquecendo que, se ganhar a batalha, estar do lado perdedor.Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla47por sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crisecivilizacional(BOFF,1995),razopelaqualnecessitamosde novas bases epistemolgicas, novas perguntas e novos conhecimentos, comonosproporcionaaAgroecologia,paraoenfrentamentoe superao desta crise.Portanto, a Agroecologia, mais do que simplesmente tratar sobre o manejoecologicamenteresponsveldosrecursosnaturais,constitui-seemumcampodoconhecimentocientfcoque,partindodeum enfoque holstico e de uma abordagem sistmica, pretende contribuir paraqueassociedadespossamredirecionarocursoalteradoda coevoluo social e ecolgica, nas suas mltiplas inter-relaes e mtua infuncia7. Como defendemos neste texto, este novo campo de estudo busca a integrao e a articulao de conhecimentos e saberes relativos a diferentes disciplinas e a distintas cincias, que aqui exemplifcamos comcontribuiesvindasdaFsica,daEconomiaEcolgicae EcologiaPoltica,daEcologiaeAgronomia,daBiologia,da EducaoedaComunicaoedaHistria,daAntropologiae daSociologia.ConcordandocomGuzmnCasadoetal(2000, p.159),esnecesariollevaracabounaorquestacindelasciencias dondelosdistintoshallazgosseancoordinadosylascontradicciones eincompatibilidadesseanabordadasparaencararsuresolucin.No setratadecaerenningnreduccionismo,nidebuscarunautpica unifcacin de la ciencia, sino de aceptar un pluralismo metodolgico, donde los lmites de los juicios de autoridad de cualquier experto sean aceptados.Noobstante,antestambmprecisodemarcarquea perspectiva agroecolgica possui em seus princpios a preocupao e a defesa de uma nova tica ambiental.2.2 A tlca na AgroecologlaAindaquepossaparecerdemasiadoflosfco,nuncademais enfatizarqueaAgroecologiatemcomoumdeseusprincpiosa questo da tica, tanto no sentido estrito, de uma nova relao com 7Ver Sevilla Guzmn y Gonzlez de Molina (1993). Sobre a coevoluo sociedade-natureza, ver Norgaard (1989, 2002).Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma parao oesenvolvlmento rural sustentavel|nstltuto Feoeral oo Parana48o outro, isto , entre os seres humanos, como no sentido mais amplo daintervenohumananomeioambiente.Ouseja,comonossa ao ou omisso podem afetar positiva e/ou negativamente a outras pessoas,aosanimaisounatureza.ComoassinalaRiechmann (2003a, p. 516), ao estabelecer quem o outro, estaremos tratando de uma moral que envolve sujeitos e objetos, do mesmo modo que quando falamos de aes e omisses estamos avanando no campo da ao moral. Os "outros", neste caso, incIuen, necessarianente, as futuras geraes hunanas, signicando que a tica anbientaI ten que ter una soIidariedade inter e intrageracionaI.Asescolhasquefazemospodemestardeterminadasapenas etosomenteporumdesejodeconsumooulucroindividual caractersticasdassociedadescapitalistas,assimcomopodemser balizadas por princpios de tica ou valores. Logo, poderamos dizer queaticaarefexosobreasatitudeseaesapropriadascom respeito aos seres e processos com relevncia, onde a relevncia tem quevercomofatodequeestessereseprocessostmimportncia emsimesmos(HEYD,2003).Naprtica,aquestoticase manifesta atravs de certo sentido da responsabilidade que nasce de nossarelaocomoutraspessoas.Estaresponsabilidadedlugara relaes normativas, isto , um conjunto de obrigaes que passam asersocialmentesancionadas,adquirindoostatusdenormasou valoresemumadadasociedadeougruposocial.Nestesentido,a ticaambientalestcentradanarefexosobrecomportamentose atitudes adequadas em vistas a processos e seres de relevncia, em um determinadocontexto,nocasooambienteondevivemosenoqual intervimos para realizar nossas atividades agrcolas.Como no contexto de qualquer atividade, onde determinadas formas de agir ou determinadas prticas podem ser consideradas corretas ou incorretas, tambm nossas aes no marco do meio ambiente podem Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla49ser positivas ou merecer censura moral. Por exemplo, no caso do meio ambientesetemcomoincorretooumoralmenteproblemtico jogarlixotxiconomar,ouformarumgrandelixoquevaipoluir guas superfciais ou subterrneas de uma determinada zona. Isto , a tica ambiental procura orientar como deveria ser nossa ao quando elapodeviraafetaroutrosseres.Nestaperspectiva,valeressaltar queestaremosdiantedecertoscompromissoseresponsabilidades que assumimos pessoalmente como indivduos, para atender nossos desejos, ou que passamos a adotar como atitudes normais em razo deimposiesdeumapartedasociedade.Logo,aticaambiental, alm de ser um compromisso pessoal, pode passar a ser um requisito de uma dada sociedade que tenha a busca da sustentabilidade entre seus objetivos.Destemodo,seanalisarmosocomportamentoindividuale/oucoletivoluzdaticaambiental,poderemosirestabelecendoe avaliandoaspectoscrticosdocomportamentohumanoquepodem estarafetandooupossamviraafetarnofuturoascondies ambientais desejveis para a manuteno da vida sobre o Planeta.Dopontodevistaprtico,porexemplo,aemissodegasesque podemcausartantooaquecimentoglobal,atravsdoaumentodo efeitoestufa,comconsequnciasclimticascatastrfcasamdioe longoprazos,quantoproblemasespecfcosnocurtoprazo(doenas pulmonaresempopulaesurbanas,decorrentesdapoluiodoar, porexemplo),adifusodeorganismostransgnicossemumestudo prvio de seus possveis efeitos no ambiente e sobre a sade humana, acontaminaodosoloedaguacomresduosqumicosdelonga persistncia, entre outros, so procedimentos condenveis luz da tica ambiental. Por isto mesmo, a tica ambiental tem estreita ligao com o princpio da precauo, cuja aplicao busca evitar o aumento dos riscosalmdosjexistentesemrazododesenvolvimentoeda aplicao de novas tecnologias e/ou processos.Como lembra Tomas Heyd (2003, p. 249), A aplicao da tica ambiental,naprtica,signifcanosomentequetemosqueterem Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma parao oesenvolvlmento rural sustentavel|nstltuto Feoeral oo Parana50contaosefeitossobreomeioambientemaisprximo,senoque tambm os impactos que as atividades podem ter a alguma distncia no espao ou no tempo. Por exemplo, as emisses de gases provenientes de usina termoeltrica do Rio Grande do Sul so acusadas de causar chuva cida e prejudicar os campos do vizinho pas Uruguai, afetando a produo agropecuria e a sade de populaes, o que se constitui numa atitude no tica com respeito quele pas e seu povo. Como impactos que se observam no decorrer do tempo, vale mencionar que osefeitosdasaplicaesdeagroqumicosorganoclorados,usadosa partir do ps-segunda guerra at o incio dos anos 1980, so sentidos aindahoje,sendocausadevriasdoenas(aexemplodocncerde mama), conforme indicam vrios estudos e pesquisas8.Outro aspecto que deve ser tomado em conta quando tratamos dadimensoticaorespeitoatodasasmanifestaeseformas de vida, o que signifca a necessidade de desenvolver estratgias de manutenodabiodiversidadenaturaldosdistintosecossistemas terrestreseaquticos.Orespeitovidanosremetetambm necessidade de desenvolver uma tica do cuidado, no sentido que tudoaquiloquensrealmentejulgamosterimportncia,isto, quequeremosquepermaneavivo,merecesercuidado,comonos lembraLeonardoBof,paraquemafaltadecuidadoogrande estigmadonossotempo.Assim,adimensoticanasnossas relaes com outros seres e coisas exige a concretizao do cuidado (comoPlaneta,comoprprionichoecolgico,comasociedade sustentvel, com o outro, etc.)9.2.3 Agroecologla como matrlz olsclpllnar lntegraoora: um novo paraolgmaComo escrevemos em outro lugar (CAPORAL e COSTABEBER, 2004b),a Agroecologiaumacinciaparaofuturosustentvel. Istoporque,aocontrriodasformascompartimentadasdever 8 Ver, por exemplo, Costabeber (1999).9 Ver Bof. Saber cuidar: tica do humano compaixo pela Terra (1999).Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla51eestudararealidade,oudosmodosisolacionistasdascincias convencionais, baseadas no paradigma cartesiano10, a Agroecologia integra e articula conhecimentos de diferentes cincias, assim como osaberpopular,permitindotantoacompreenso,anliseecrtica doatualmodelododesenvolvimentoedeagriculturaindustrial, como o desenho de novas estratgias para o desenvolvimento rural edeestilosdeagriculturassustentveis,desdeumaabordagem transdisciplinar e holstica11.Ainda que este texto no permita o aprofundamento desta questo emtodaasuaamplitude,sepretendemostrar,emboracombreves exemplos,comoseprocessa,desdeaAgroecologia,aapreensoea aplicaodosensinamentosdediferentesdisciplinascientfcas paraseentenderocarterdeinsustentabilidadedosatuaismodelos deagriculturaededesenvolvimentoruralecomosepodepensar, dialeticamente,estratgiasdiferentesqueviabilizemoalcance depatamarescrescentesdesustentabilidadenaagriculturaeno desenvolvimento rural.10Segundo Viglizzo, Lainvestigacinagropecuariaconvencionalresponde,engeneral,auna visin tradicional de la ciencia. Predominan los enfoques reduccionistas y cartesianos (derivan delmtodocientfcodesarrolladoporDescartes),enloscualeselnfasisseponesobrelas relaciones causa-efecto que surgen cuando dos factores se infuencian entre s. O autor ainda afrma que este mtodo leva ao estudo das partes e a um esquecimento das relaes que elas estabelecem dentro do todo. El modelo tecnolgico impuesto por la Revolucin Verde es un producto tpico de esta concepcin reduccionista debido a que administra unos pocos insumos de alto impacto productivo individual (VIGLIZZO, 2001, p. 88).11La investigacin medio ambiental (de que trata o enfoque agroecolgico N.A.) responde aunavisinopuesta.Enlugardeestudiarcomponentesaislados,procuraestudiareltodo consusparcialidadesincorporadas.Pierdenocindealgunasrelacionescausa-efectoque pueden ser vitales, pero gana en una visin global de los sistemas. Es el enfoque que defne a las ciencias holsticas (derivacin del ingls Whole = todo) o sistmicas. Su foco cientfco sonlossistemascompletos,contodossuscomponentes,interaccionesycomplejidades.Es transdisciplinariopornecesidadygeneranuevoscamposdeconocimiento,quesurgendel crucededosomsdisciplinas(VIGLIZZO,2001,p.88).Etimologicamente,apalavra holstico deriva do grego holos (todo, completo, viso do conjunto). Na abordagem holstica o todo no signifca a soma das partes, mas maior que esta. A maneira como as partes se relacionam faz com que emerjam novas propriedades, da mesma forma que um amontoado de materiais necessrios e sufcientes para construir um avio, por exemplo, por si s no lhes confere a capacidade de voar.Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma parao oesenvolvlmento rural sustentavel|nstltuto Feoeral oo Parana52Partindo-sedanoodesustentabilidadeemperspectiva multidimensional(CAPORALeCOSTABEBER,2004a),autores como Guzmn Casado et al (2000) agrupam os elementos centrais da Agroecologia em trs dimenses: a) ecolgica e tcnico-agronmica; b)socioeconmicaecultural;ec)scio-poltica.Estasdimenses no so isoladas. Na realidade concreta elas se infuem uma outra einteragemotempotodo,demodoqueestud-las,entend-las eproporalternativasmaissustentveissupe,necessariamente, umaabordageminter,multietransdisciplinar,razopelaqualos agroeclogoslanammodeensinamentospresentesnosaber popular,mastambmdeconhecimentosgeradosnombitoda Fsica,daEconomiaEcolgicaeEcologiaPoltica,daAgronomia, da Ecologia, da Biologia, da Educao e Comunicao, da Histria, daAntropologiaedaSociologia,parafcarmosapenasemalguns exemplos que orientam esta refexo.Como matriz disciplinar a Agroecologia se encontra no campo do que Morin (1999, p. 33) identifca como sendo do pensar complexo, emquecomplexussignifcaoquetecidojunto.Opensamento complexoopensamentoqueseesforaparaunir,nonaconfuso, mas operando diferenciaes. Logo, a Agroecologia no se enquadra noparadigmaconvencional,cartesianoereducionista,conhecido como o paradigma da simplifcao (disjuno ou reduo), pois, como ensinaomesmoautor,essenoconseguereconheceraexistnciado problema da complexidade. E disto que se trata, reconhecer-se que, nasrelaesdohomemcomoutroshomensedestescomosoutros seres vivos e com o meio ambiente, estamos tratando de algo que requer umnovoenfoqueparadigmtico,capazdeunirossaberespopulares com os conhecimentos criados por diferentes disciplinas cientfcas, de modo que possamos dar conta da totalidade dos problemas e no do tratamento isolado de suas partes.Questesdessanaturezavmsendotratadaspelostericosdo MetabolismoSocial,quandonosensinamque,aorealizarsuas atividadesprodutivas,lossereshumanosconsumandosactos:por unladosocializanfraccionesopartesdelanaturaleza,yporelotro, Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla53naturalizanalasociedadalproduciryreproducirsusvnculoscom eluniversonatural.Istolevaaumadeterminaorecprocaentre naturezaesociedade.Logo,esta dobleconceptualizacin(ecolgica delasociedadysocialdelanaturaleza)(...)levaaumaabordagem quesuperaelconocimientoparceladoylahabitualseparacin entrelascienciasnaturalesylascienciassocialesyhumanasalque nostienecondenadolaprcticadominantedelquehacercientfco, esdecir,permiteadoptarunpensamientocomplejo(TOLEDOy GONZLEZ DE MOLINA, 2004).Destemodo,aAgroecologiacomomatrizdisciplinarvem aportandoasbasesparaumnovoparadigmacientfco,que,ao contrriodoparadigmaconvencionaldacincia,procuraser integrador,rompendocomoisolacionismodascinciasedas disciplinasgeradopeloparadigmacartesiano.Narealidade,apartir doinciodaconstruodoenfoqueagroecolgico,nosltimosanos, vem ocorrendo uma revoluo paradigmtica que, associada a outros movimentos de mudana deste incio de sculo, comea a modifcar os ncleos organizadores da sociedade, da civilizao, da cultura (...). Neste sentido, observa-se que um dos eixos importantes o processo deecologizaoqueestemcurso,diantedanecessidadedebuscar estratgiasdedesenvolvimentosustentvel,quesejamcapazesde reorientar o curso alterado da coevoluo sociedade-natureza. Assim, a Agroecologia, como cincia do campo da complexidade, se enquadra, noqueMorin(1998,p.290)qualifcacomo umatransformaono mododepensar,domundodopensamentoedomundopensado. Setrata,pois,deuma revoluoparadigmticaqueameaanoapenas conceitos,ideiaseteorias,mastambmoestatuto,oprestgio,acarreira detodososquevivemmaterialepsiquicamentedacrenaestabelecida, aderidosaoparadigmaconvencional.Poristo,existeumaenorme resistncia no meio acadmico e tcnico-cientfco para aceitar o novo paradigma.Aomesmotempo,ospioneirosdestenovoparadigma tm que enfrentar no somente censuras e interpretaes, mas o dio (daquelesquenoqueremveraperdadeseustatus).Porestarazo, primeiro desviante e rejeitada, a ideia nova precisa constituir-se num Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma parao oesenvolvlmento rural sustentavel|nstltuto Feoeral oo Parana54primeiro nicho, antes de poder fortalecer-se, tornar-se uma tendncia reconhecidae,fnalmente,triunfarcomoortodoxiaintocvel(grifo nosso MORIN, 1998, p. 293)12.Istoposto,cabedestacarapenasalgunsexemplosilustrativos decomoaAgroecologiavembuscandoaarticulaodediferentes conhecimentos,dedistintasdisciplinasecamposdacincia,para conformarestenovoparadigmadoreinodacomplexidade,da integraodoconhecimentotcnico-cientfcoedestecomosaber popular. A Figura 1, que apresentamos a seguir, tambm ilustrativa dasinmeraspossibilidadesdeintegraodedistintasreasdo conhecimentonaconsolidaodoenfoqueagroecolgicocomo matrizdisciplinar.Maisdoquedarumaideiaacabadaouesgotar possibilidades de interdependncias ou mtuas infuncias no campo dascincias,nossopropsitoapenasenfatizaracomplexidade inerenteaosprocessosdegeraodesabereseconhecimentoscom a potencialidade para orientar a construo de estilos de agricultura sustentvel e de estratgias de desenvolvimento rural sustentvel, em perspectiva multidimensional.12Observe-se,porexemplo,oquevemocorrendo,apartirde2003,comrespeitosPolticas PblicasnoBrasil.Em2004,foilanada,peloMinistriodoDesenvolvimentoAgrrio,a Poltica Nacional de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, que tem como um dos seus eixos aadoodosprincpiosdaAgroecologianasprticasdosextensionistasrurais.Nomesmo caminho, em 2006, a EMBRAPA disponibiliza seu Marco de Referncia em Agroecologia, orientandoaspesquisasnestecampodoconhecimento(verwww.pronaf.gov.br/dater).Na mesmalinha,pode-secitaracriao,em2004,daAssociaoBrasileiradeAgroecologia, deformapioneiranomundo,secundadapelacriaodaSociedadeLatino-Americanade Agroecologia - SOCLA, em 2006. A experincia da EMATER/RS-ASCAR, no estado do Rio Grande do Sul, assim como a proliferao de cursos de Agroecologia em todo o pas, nos ltimos anos, inclusive com cursos de Mestrado aprovados pelo Ministrio de Educao, so exemplos claros e evidentes deste processo de cambio de paradigma. No exterior, o exemplo mais recente vem da Universidade de Murcia, Espanha, que acaba de lanar a sua revista de Agroecologia.Capltulo 2 Agroecologla: matrlz olsclpllnar ou novo paraolgma para o oesenvolvlmento rural sustentavelPrlnclplos e Perspectlvas oa Agroecologla55Flgura 1. Lemplos oe contrlbules oe outras clnclas a Agroecologla2.3.1. Contrlbules buscaoas na FlslcaOcaminhoparaagriculturassustentveiseaavaliaoda insustentabilidadedoatualmodelodeagriculturaindustrial(da RevoluoVerde,doagronegcioempresarial)podemser,emparte, entendidos desde a Fsica, ao estudarmos as Leis da Termodinmica, em especial a Segunda Lei ou Lei da Entropia. Vejamos: a agricultura industrial, para viabilizar os nveis de produtividade que vem obtendo, foi desenhada como um sistema dependente do seu entorno de modo que ela s funciona mediante a introduo massiva de insumos externos. Seu funcionamento altamente dependente de energias e materiais deforadoseuagroecossistema,eestadependncia