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Título: Lembranças de Professores Afro-descendentes de Apucarana: Cotidiano Escolar

Autor:

Roseli Sanches Espejo

Escola de Atuação:

Colégio Estadual Nilo Cairo Ensino Fundamental, Médio e Normal

Município da escola:

Apucarana

Núcleo Regional de Educação:

Núcleo Regional de Apucarana

Orientador:

Dr. ª Regina Célia Alegro

Instituição de Ensino Superior:

Universidade Estadual de Londrina

Disciplina/Área (entrada no PDE):

História

Produção Didático-pedagógica:

Caderno Temático

Público Alvo:

Professores Afro-descendentes

Localização:

Colégio Estadual Nilo Cairo, Ensino Fundamental, Médio e Normal. Rua Ozório Ribas de Paula, n°970 – Centro – Apucarana/PR CEP: 86800-140

Apresentação:

Justificativa:

A motivação para analisar as experiências do cotidiano escolar e das práticas sociais dos professores afro-descendentes de Apucarana nasceu do silêncio em torno da presença de afro-descendentes na cidade. De modo geral se destaca a presença de imigrantes de diferentes etnias e seus descendentes, porém, alguns grupos como indígenas, nordestinos e de origem afro são ignorados.Sabemos que a memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua identidade. E a identidade é a referência pela qual um indivíduo se constitui. Nesse sentido, num contexto de clara hegemonia de memórias e práticas de “padrão branco”, destacar as lembranças de professores afro-descendentes pode contribuir não apenas para o registro, mas para a reflexão da comunidade escolar acerca da sua própria cultura e das suas práticas. Como já afirmou Fortuna (2008), a “identidade docente é fruto de um processo complexo e ambíguo, que mistura momentos de continuidade e ruptura, igualdade e diversidade, singularidade e plurabilidade, pois aqui se articulam a identidade do indivíduo e sua relação com a coletividade”. Sendo a escola um espaço formador e gerador de cultura que atua sobre as novas gerações, justifica-se essa proposta de trabalho.

Objetivo:O objetivo desse material é apresentar uma reflexão inicial para subsidiar a atividade de coleta e análise de experiências cotidianas dos professores afro-descendentes no Colégio Estadual Nilo Cairo de Apucarana (Pr).

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Metodologia:Serão realizadas oficinas com os professores do Colégio para reflexão dos temas propostos nesse material em vista da coleta de entrevistas com professores afro-descendentes que atuaram e atuam no Colégio Estadual Nilo Cairo de Apucarana (Pr) dando voz aos professores. Implementação do projeto terá início no mês de agosto de 2011.

Palavras-chave:

Professores Afro-descendentes; Cotidiano Escolar; Trajetória Educacional; Ambiente Escolar.

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CADERNO TEMÁTICO

LEMBRANÇAS DE PROFESSORES

AFRO-DESCENDENTES DE APUCARANA

Roseli Sanches Espejo

Apucarana – PR2011

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

UNIDADE I SOBRE A HISTÓRIA ORAL

UNIDADE II A LEI 10.639/2003 E O MOVIMENTO SOCIAL NEGRO NO BRASIL

UNIDADE III IDENTIDADE DOCENTE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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INTRODUÇÃO

A motivação para analisar as experiências do cotidiano escolar e das práticas

sociais dos professores afro-descendentes de Apucarana nasceu do silêncio em

torno da presença de afro-descendentes na cidade. De modo geral se destaca a

presença de imigrantes de diferentes etnias e seus descendentes, porém, alguns

grupos como indígenas, nordestinos e de origem afro são ignorados.

Por outro lado, também é fato que no Colégio Estadual Nilo Cairo, atuaram e

atuam professores de ascendência afro. Pretende-se considerar as lembranças

destes professores relativas à sua inserção como afro-descendentes no colégio: a

origem étnica se revelou um fator importante na sua trajetória? Que experiências

marcaram as lembranças desses professores? Segundo estas mesmas lembranças,

como os entrevistados lidaram com as situações cotidianas associadas à sua

condição de afro-descendentes? Esses professores precisaram desenvolver

estratégias de convivência para lidar com problemas étnico-raciais no cotidiano de

trabalho?

Desse ponto de vista é que se propõe a investigação de lembranças dos

professores afro-descendentes que já atuaram ou ainda atuam no Colégio Estadual

Nilo Cairo de Apucarana (PR).

Acompanhando Ciamp (2009) sobre as memórias e práticas no ensino e

pesquisa de história, uma das questões que a pesquisadora considera fundamental

nesse contexto:

É saber como os professores, têm enfrentado permanência e mudanças no seu cotidiano a partir da releitura de suas experiências passadas, obviamente mediados por suas memórias e como tais rememorações são ativados em seus saberes e práticas docentes no presente. (CIAMP, 2009, p. 51-52).

Refletir sobre as experiências docentes com a mediação da lembrança se

faz necessário quando se trata de refletir sobre o professor como sujeito do

processo de ensino e da dinâmica escolar. Ele pratica uma mediação efetiva na

construção do conhecimento pelo aluno, manifestando aí o jogo de relações sociais

no qual ambos, professor e aluno se inserem.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e

Africana (2005), aprender história na perspectiva da formação da consciência

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histórica deve levar em conta as relações culturais, os conflitos, as resistências, para

compreensão dos contextos ligados a história local.

Do ponto de vista das diretrizes curriculares para o ensino de história no

Paraná, os conteúdos estruturantes que abrangem as relações de trabalho, de poder

e as relações de culturais, visam os estudos das ações humanas que constituem o

processo histórico, o qual é dinâmico. Nessas diretrizes, as relações culturais de

trabalho e poder são considerados recortes do processo de ensino de história. Por

meio dos conteúdos estruturantes, o professor deve discorrer acerca de problemas

contemporâneos que representam carências sociais concretas. Dentre elas,

destacam-se no Brasil, as temáticas da História local, História cultura Afro-brasileira,

da História do Paraná e da História da Cultura Indígena, constituintes da história

desse país, mas, até bem pouco tempo, negadas como conteúdos de ensino. É a

partir dessa abordagem que pretendo refletir e investigar os conflitos, as resistência,

os confrontos para compreendermos os diversos contextos ligados a história local do

cotidiano dos professores afro-descendentes do magistério de Apucarana.

Uma das justificativas fundamentais para estudar as estratégias de

convivência dos professores afro-descendentes numa comunidade escolar pode ser

buscado na Lei nº 10.639/03 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a

obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, seguidos das

Diretrizes Curriculares nacionais para a Educação das relações étnicos raciais e

para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiro e Africana.

No cotidiano escolar é possível fazer uma releitura e construir a identidade

profissional docente por meio da construção de novas práticas pedagógicas e novas

identidades pessoais e profissionais.

Relativamente à cultura escolar percebe-se a ausência de memórias

escritas que podem ter importância para a compreensão do cotidiano dos sujeitos

inseridos na escola.

Retratar a realidade do cotidiano escolar é um convite a todos docentes a

compreender os diferentes cotidianos escolares e diferentes práticas sociais através

da memória, recuperar práticas docentes que revelam o dia-a-dia da própria vida

profissional, a trajetória histórica de cada docente.

Refletindo sobre os estudos já elaborados por Capelo (2000), as

representações, memórias e narrativas sobre a convivência étnica-racial no

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cotidiano e as práticas pedagógicas percebe-se que existe uma carência relativa aos

docentes e seus fazeres, suas memórias.

D´Adesky afirma:

A aspiração de ser reconhecido como ser humano corresponde ao valor que chamamos de auto-estima. Ela leva os negros a desejarem libertar-se do estado de inferioridade a que foram relegados e desembaraçar-se das imagens depreciativas de si mesmos. Particularmente, leva-os a lutar contra o racismo, que representa, acima de tudo, uma negação de identidade configurada pela negação radical do valor das heranças histórica e cultural de onde advém a discriminação e a segregação (D´ADESKY, 1997 apud SILVA ; ALEGRO, 2010, p. 8).

Analisando as afirmações de D´Adesky (1997) no contexto desse projeto,

infere-se que as relações raciais e culturais no cotidiano escolar ainda reforçam a

superioridade da cultura hegemônica, ou seja, da classe social dominante e existe

uma ausência de discussões sobre o racismo, a negação da identidade, a

discriminação, preconceitos, desigualdade social entre professores refletindo as

questões relacionadas com as diferenças e o cotidiano escolar atual.

Para a realização desse trabalho as fontes orais apresentam-se como um

dos meios mais espontâneos que favorecem o encontro entre os sujeitos, pois a

recuperação do vivido ocorre conforme é concebido por quem o viveu. (ALBERTI,

2005, 2007). Pretende-se entrevistar e registrar as lembranças de professores afro-

descendentes tendo em vista o alerta de Thompson:

Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar a subjetividade, deslocar as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. (THOMPSON, 1992, p. 197).

Reconhecendo a afirmação de Thompson sobre fontes históricas, pode-se

considerar a memória pessoal dos professores afro-descendentes como uma

memória social e cultural. A pretensão deste projeto é propor um trabalho com

história oral para concretizar o respeito pelo outro, por suas opiniões, atitudes, visão

de mundo que estará presente no seu depoimento dando significado aos fatos

narrados.

Thompson aponta que:

Uma entrevista não é um diálogo, ou uma conversa. Tudo o que interessa é fazer o informante falar. Você deve manter-se o mais possível em segundo plano, apenas fazendo algum gesto de apoio, mas não introduzindo seus próprios comentários ou histórias. Essa não é a ocasião para você demonstrar seus conhecimentos ou seu charme. E não se deixe perturbar com as pausas. Ficar em silêncio pode ser um modo precioso de permitir quer um informante pense um pouco mais e de obter um comentário adicional. (THOMPSON, 1992, p. 241).

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Concordando com as orientações de Thompson (1992), as entrevistas

deverão ter por base questões significativas e flexíveis para dar aos entrevistados ar

liberdade de expressão e estimulá-los ao exercício de rever o passado-presente.

Segundo Severino:

Coleta informações da vida pessoal de um ou de vários informantes. Pode assumir formas variadas: Auto-Biografia, Memorial, Crônicas, em que se possa expressar as trajetórias pessoais dos sujeitos. (SEVERINO, 2007, p. 125).

Refletindo as idéias do Severino (2007) busca-se compreender as

trajetórias e convivências da jornada de trabalho do sujeito investigado e traçar com

ele lembranças do cotidiano profissional que descreva sua trajetória até o momento

atual. A pesquisa participante tem como fonte de partida abandonar a pesquisa

tradicional que não atinge relevância social para os profissionais em educação.

Enfim, o estudo sobre lembranças de professores Afro-descendentes do

Colégio Estadual Nilo Cairo de Apucarana tem como preocupação fundamental

refletir sobre as práticas sociais do cotidiano desses professores, tendo como fonte

primária do estudo da História oral (entrevista) que segundo Alberti:

História oral é uma metodologia de pesquisas e de constituição de fontes para o estudo de História Contemporânea surgidos em meados do século XX, após a invenção do gravador em meados do século XX, após a invenção do gravador à fita. Ela consiste na realização, com indivíduos que participaram de ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e presente. Tais entrevistas são produzidas no contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas entrevistadas, o que e como perguntar bem como que destino será dado ao material produzido. (ALBERTI, 2005, p. 155).

A estratégia de ação do trabalho proposto nesse caderno pode ser assim

resumida:

• O procedimento metodológico privilegiará entrevistas com a perspectiva de

dar voz aos professores, respeitando seus saberes e individualidades.

• O processo pedagógico da investigação, além de empírico, se constitui

também em um estudo teórico de diversos autores e abordagens no campo de

ensino de história.

• Essas ações aqui propostas serão realizadas como abaixo descrito:

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o 1º Estabelecer o grupo de professores afro-descendentes de Apucarana a

serem entrevistados.

o 2º Planejamento do local e das condições das entrevistas de treze

profissionais na Rede Educacional de Apucarana com o intuito de coletar as

Informações selecionadas.

o 3º Explicação do projeto do porquê a pessoa convidada e, para compor o

conjunto de pessoas a serem entrevistadas, bem como o destino das gravações

serão apresentados antes do começo da operação.

o 4º Transcrição dos textos: O processo da passagem oral para o escrito

terá cuidados éticos e como garantia deixará claro que nada será divulgado sem

a prévia autorização dos mesmos.

o 5º Será realizada análise e interpretação comparativa das respostas dos

professores entrevistados.

o 8º Produção de um Artigo referente aos assuntos pesquisados para em

vista da conservação da memória e do ensino de história.

Esperamos que esse material possa ser, de algum modo, útil aos colegas

professores.

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UNIDADE I

SOBRE A HISTÓRIA ORAL

A história oral permite o registro de testemunhos e o acesso a “histórias

dentro da história” e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do

passado (ALBERTI, 2007).

Acompanharemos Verena Alberti quando afirma que a história oral é uma

metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história

contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador a

fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que

participaram de, ou testemunham, acontecimentos e conjunturas do passado e do

presente (ALBERTI, 2007).

A estratégia de ouvir atores ou testemunhas de determinados

acontecimentos ou conjunturas para melhor compreendê-los não é novidade.

Heródoto, Tucídes e Políbio, historiadores da Antiguidade, já utilizaram esse

procedimento para escrever sobre acontecimentos de sua época (ALBERTI, 2007).

Entre 1918 e 1920, William Thomas e Florian Znanieck, pesquisadores

poloneses radicados nos Estados Unidos, publicaram histórias de vida de imigrantes

poloneses, na obra em cinco volumes. Estavam afinados com as novas tendências

de pesquisa empírica do departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, a

conhecida Escola de Chicago, segundo a qual caberia ao pesquisador sair da

biblioteca e ir para o campo, no caso, a cidade, transformada em laboratório.

Essas experiências em geral são apontadas como “precursoras” da história

oral “moderna”, que delas distingue principalmente por exigir a gravação do relato,

em áudio e/ou em vídeo, e também por pressupor situações de entrevistas com

objetivo bastante específico (ALBERTI, 2007).

Na década de 1960, paralelamente ao aperfeiçoamento do gravador portátil,

tornaram-se freqüentes também as “entrevistas de história de vida” com membros

de grupos sociais que, em geral, não deixavam registros escritos de suas

experiências e formas de ver o mundo. Foi a fase conhecida como da história oral

“militante”, praticada por pesquisadores que identificavam na nova metodologia uma

solução parta “dar voz” às minorias e possibilitar a existência de uma história “vinda

de baixo”. (ALBERTI, 2007).

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As pesquisas já realizadas que permeiam na história oral local para se

chegar à verdade, foi de grande importância dar voz aos entrevistados para falarem

sobre a situação em que realmente se encontravam.

Esse boom da história oral na década de 1960 acabou marcando bastante a

própria metodologia: suas práticas e a forma como passou a ser vista por

historiadores e outros cientistas sociais (ALBERTI, 2007).

A partir da década de 1960 com o positivismo no século XIX veio dar

abertura a história oral de “vivências” e experiências por meio de coleta de dados e

registrando a história local relacionadas à história dos “sem identidade”.

Não há dúvida de que a possibilidade de registrar a vivência de grupos cujas

histórias dificilmente eram estudadas representou um avanço para as disciplinas das

Ciências Humanas, entre elas a História. (ALBERTI, 2007).

É um equívoco considerar que a entrevista publicada já é “história” e não

apenas uma fonte que, como todas as outras fontes, necessita de interpretação e

análise. Com efeito, algumas das práticas e crenças da chamada história oral

“militante” levaram a equívocos que convêm evitar. O primeiro deles consiste em

considerar que o relato que resulta da entrevista de história oral já é a própria

“história”, levando à ilusão de se chegar à verdade do povo, graças ao levantamento

do testemunho oral. Ou seja, a entrevista, em vez de fonte para o estudo do

passado e do presente, torna-se a revelação do real. Essa confusão aparece

algumas vezes ainda hoje em trabalhos ditos acadêmicos; por exemplo, em

dissertações ou teses que se limitam a apresentar o texto transcrito de uma ou mais

entrevistas realizadas como se esse fosse um resultado legítimo e final da pesquisa.

(ALBERTI, 2007).

O equívoco está em considerar que a entrevista publicada já é “história” e

não apenas uma fonte que, como todas as fontes, necessita de interpretação e

análise. Em nome do próprio pluralismo não se pode querer que uma única

entrevista ou um grupo de entrevistas dêem conta de forma definitiva e completa do

que aconteceu no passado.

Outro equívoco decorrente da história oral “militante” diz respeito aos usos

da noção de história “democrática”, ou história “vista de baixo” (ALBERTI, 2007).

Polarizações do tipo história “de baixo” versus história “de cima” contribuem para diluir a própria especificidades e relevância da história oral, ou seja, a de permitir o registro e o estudo da experiência de um número cada vez maior de grupos, e não apenas dos que – se situam em uma posição ou outra na escala social. É certo que se situam “acima” costumam deixar mais

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registros pessoais – como cartas, autobiografias, diários etc. de suas práticas. (ALBERTI, 2007, p. 163).

Fazendo referência aos estudos do método de pesquisa história oral de

Michel Trebusch, pesquisador do Institut d’Histoire du Temps Présent, a autora

observa observa que:

Opondo-se à história oral positivista do século XIX, a história oral, tornou-se a contra-história, a história do local e do comunitário (em oposição a história da nação). Por trás desse movimento, estava a crença de que era possível reconciliar o saber com o povo e se voltar para a história dos humildes, dos primitivos, dos “sem história” (em oposição à história da civilização e do progresso que, na verdade, acabava sendo a história das elites e dos vencedores) (ALBERTI, 2007, p. 164).

Quando a história oral chegou ao Brasil?

Segundo Alberti (2007) sobre a história oral no Brasil em meados da década

de 1970, precisamente em 1975, a história oral chegou ao Brasil de 7 de julho a 1º

de agosto daquele ano, foi realizado o curso nacional de história oral pelo subgrupo

de história oral do grupo de documentação em Ciências Sociais desdobraram nas

formas de realizar entrevistas: como desdobramento do curso começaram a ser

realizadas, ainda em 1975, as primeiras entrevistas do Programa de história oral do

Centro de Pesquisa e Documentação de história Contemporânea do Brasil (CPDOC)

da Fundação Getúlio Vargas. A proposta fundadora do programa era estudar a

trajetória e o desempenho das elites brasileiras desde a década de 1930. A idéia era

examinar o processo de montagem do Estado brasileiro como forma, inclusive de

compreender como se chegou ao regime militar (1964-1985).

Para alcançar esse objetivo foi considerado mais apropriado realizar

entrevistas de história de vida, que se estende por várias sessões e acompanham a

vida do entrevistado desde a infância aprofundando-se em temos específicos

relacionado aos objetivos da pesquisa. Esta linha de acervo continua até hoje no

CPDOC, ao lado de outras (ALBERTI, 2007).

No Brasil, ao longo da década de 1980, formaram-se núcleos de pesquisa e

programas de história oral, voltados para diferentes objetos e temas de estudo. Em

1984, foi criada a Associação Brasileira de história Oral (ABHO). Nela inscreveram-

se 250 pesquisadores de diferentes estados do país e foram apresentados sessenta

trabalhos.

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A Consolidação e a disseminação da história oral no Brasil e no mundo

atualmente são inegáveis.

As possibilidades de pesquisa e a especificidade da fonte oral

Uma das principais riquezas da história oral está em permitir o estudo das

formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências, incluindo

situações de aprendizado e decisões estratégicas. Mas um projeto de pesquisa em

história oral pressupõe a realização de várias entrevistas, o tempo e os recursos

necessários são bastante expressivos. Por essa razão, é bom ter claro que a opção

pela história oral responde apenas a determinadas questões e não é solução para

todos os problemas (ALBERTI, 2007).

Para a autora, os métodos da oralidade e entrevistas requerem respostas

seguras com originalidade das experiências vividas. O que se vê, em geral, é uma

combinação de entendimentos individuais e coletivos para entender como pessoas e

grupos experimentaram o passado tornando possível compreender o presente e

questionar interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e

conjunturas. A capacidade do entrevistado contradizer generalizações sobre o

passado amplia a percepção histórica – e nesse sentido permite a “mudança de

perspectiva” (ALBERTI, 2007).

Essa riqueza da história oral está evidentemente relacionada ao fato dos

resultados da entrevista permitir o conhecimento de experiências e modos de vida

de diferentes grupos sociais (ALBERTI).

Outro campo de pesquisa na concepção de Alberti (2007, p.166)

Outros campos nos quais a história oral pode ser útil são a história do cotidiano (a entrevista de história de vida pode conter descrições bastante fidedignas das ações cotidianas). O estudo de padrões de socialização e de trajetórias de indivíduos e grupos pertencentes a diferentes camadas sociais, geração, sexo, profissão, religião etc. histórias de instituições tanto públicas como privadas; registro de tradições culturais, ai incluídas as tradições orais e história da memória.

Segundo a autora a história oral pode trazer contribuições mais

interessantes, pois a entrevista sobre a história de vida pode demonstrar fatos

“verdadeiros” em relação às ações cotidianas. Ao mesmo tempo o trabalho com a

história oral pode mostrar como a constituição da memória é objeto de contínua

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negociação. A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção

de sua identidade. “A memória é mutante, é possível falar de uma história das

memórias de pessoas ou grupos, possível de ser estudada por meio de entrevistas

de história oral” (ALBERTI, 2007, p. 167).

Hoje, já há um consenso de que é preciso ter em mente a consciência da

multiplicidade de memórias em disputa. Segundo a autora existe a memória

“subordinada” ou “dominada”, isto é a memória “subordinada ou dominada” faz parte

do indivíduos que acreditam e são passivos em relação a história oficial vigente.

A entrevista documenta resíduo de ação interativa: a comunicação entre

entrevistado e entrevistador. Tanto um como outro têm determinadas ideias sobre

seu interlocutor e tentam desencadear determinadas ações: fazer que o outro

entenda o relato de tal forma que modifique suas próprias convicções na qualidade

de pesquisador (ALBERTI, 2007).

Em geral o entrevistado, assim como os leitores ou os ouvintes de uma

entrevista, partilha a crença na vida como trajetória progressiva que faz sentido.

“Cabe ao pesquisador estar atento ao fato de significados atribuídos a ações e

escolhas do passado serem determinados por uma visão retrospectiva, que confere

sentido às experiências no momento em que são narradas”. (ALBERTI, 2007, 169).

Outra especificidade da entrevista de história oral é o fato de um de seus

principais alicerces é conhecer a multiplicidade das memórias e compreender as

narrativas.

Como usar fontes orais na pesquisa histórica:

Segundo Alberti (2010) deve-se ter clareza na metodologia para a realização

da pesquisa. O trabalho de produção de fontes orais pode ser dividido em três

momentos: a preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento.

No projeto, o primeiro passo é verificar se a escolha da metodologia e

história oral é adequada à questão que o pesquisador se coloca.

O projeto deve também discutir e tentar definir que perfil de pessoa será

entrevistada, quantos serão entrevistados e qual o tipo de entrevista será realizada.

Os entrevistados serão tomados como unidades qualitativas. Para selecioná-

los é necessário um conhecimento prévio básico do universo estudado, é preciso

conhecer o papel dos que participaram ou participam do tema investigado. Saber

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quais seriam os mais representativos e quais são reconhecidos pelo grupo, além de

conhecer os que são considerados “desviantes”.

Uma pesquisa de história oral produz entrevistas diferentes em qualidade e

densidade, e muitas vezes isso depende dos entrevistados. Nem todas as

entrevistas “rendem” o que se poderia esperar do que nem todos os documentos de

um arquivo textual são suficientemente “prolixos” em relação ao passado. Pode

acontecer de só descobrirmos a riqueza de um depoimento após algum tempo

(ALBERTI, 2007).

É difícil definir exatamente quantos entrevistados serão necessários para

garantir o valor dos resultados da pesquisa. É somente durante o trabalho de

produção das entrevistas quer o número de entrevistados necessários começa a se

descortinar com maior clareza. Também a decisão sobre quando encerrar a

realização de entrevista só se configura à medida que a investigação avança (2007,

p. 174).

Na análise de vários tipos de entrevistas temos a entrevista temática que

segundo a autora:

As entrevistas temáticas são as que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido, enquanto os de história, incluindo sua trajetória desde a infância até o momento em que fala, passando pelos diversos acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de que se inteirou (ALBERTI, 2007, p. 175).

Decidir entre um ou outro tipo de entrevista a ser adotado ao longo da

pesquisa depende dos objetivos do trabalho. Em geral a escolha de entrevistas

temáticas é adequada para o caso de temas que tem estatuto relativamente definido

na trajetória de vida dos depoentes. Nesses casos, o tema pode ser de alguma

forma, “extraído” a da trajetória de vida mais ampla e tornar-se centro e objeto das

entrevistas. (ALBERTI, 2005; 2007).

A preparação de entrevistas de história oral inclui, pois, uma pesquisa

exaustiva sobre o tema e sobre a vida dos entrevistados, a sistematização dos

dados levantados e a definição clara dos problemas que se está buscando

responder com a pesquisa. Essa preparação dá ao entrevistador segurança no

momento de realização da entrevista, pois ele saberá bem o que e como perguntar e

poderá reconhecer respostas insatisfatórias e identificar “ganchos” relevantes parta

a formação de novas perguntas (ALBERTI, 2005, 2007).

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A realização da entrevista

A entrevista oral é antes de tudo, uma relação entre pessoas diferentes. E

por isso que convém reservar um tempo relativamente longo para realização da

entrevista. Em geral considera-se que a duração de uma sessão deve ser de

aproximadamente duas horas, mas há sessões que se estendem por mais tempo.

(ALBERTI, 2007, p. 178-179).

De preferência, devem ser usadas perguntas abertas, que levem o

entrevistado a discorrer a respeito do tema e não passam ser respondidas

simplesmente com “sim” ou “não” (ALBERTI, 2007, p. 179).

Analisando os termos de pesquisa da autora é todo um processo a ser

respeitado para que a pesquisa possa ser organizada e realizada através de escolha

do tipo de pesquisa, forma e número de pessoas a participarem do projeto de

implementação e objetivo que se quer buscar nas fontes de pesquisa chamadas

entrevistas temáticas no qual segue este caderno temático.

Assim, se pode dar voz aos afro-descendentes do magistério também na

pesquisa inserida no cotidiano escolar.

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UNIDADE II

A Lei 10.639/2003 e o Movimento Social Negro no Brasil

Tendo como amparo a Lei 10.639/2003 é fundamental para que as lutas e

movimentos sociais negros tenham buscado espaço nos variados campos de direito

dos cidadãos brasileiros, inclusive no cotidiano escolar, lutando para que toda

população tenha interesse no tratamento humano que não coloque a “cor” como

empecilho.

Segundo Verena e Pereira:

Hoje em dia, esse quadro apresenta algumas mudanças importantes, em grande parte motivada pela ação militante do movimento negro, que muitas vezes atuam em órgãos do poder público, sejam eles municipais, estaduais ou federal, como é o caso da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada com status de Ministério em 21 de março de 2003. Institucionalizado pela Organização das Nações Unidas – “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial”. Marcou o início de uma nova luta, dessa vez por sua efetiva implementação. Em 2003 eram pouquíssimos os professores habilitados para ensinar o novo conteúdo; eram raros os cursos superiores que ofereciam a disciplina “história da África”. (VERENA; PEREIRA, 2007, p. 3).

Para as autoras, sabe-se que em relação a formação continuada dos

professores em educação, desde a promulgação da Lei 10.693/2003, pouco tem

sido feito para sua efetivação. Tal situação requer reflexões e providências,

convencendo os professores deixar antigas práticas, pois, a realidade atual exige

investimento na proposição de novas fontes de conhecimentos, pesquisas

bibliográficas e documentais que difundam a cultura afro-descendente e africana que

poderão contribuir para combater as distorções sofridas pelos negros dentro e fora

das salas de aula.

No estudo de Alves (2007) sobre a construção de inferioridade a autora dá

ênfase nos objetivos que demonstram a Lei 10.639/2003, lei que segue as Diretrizes

e Bases da Educação no Estado do Paraná, que abre um precedente ao ensino de

história e cultura da África e dos afro-descendentes, favorecendo a clarear essa

linguagem usada na construção sobre o afro-descendente no Brasil.

Nos estudos de Alves (2007), na lógica das “teorias raciais”, Joseph

Gobineau acreditava na degeneração das raças quando miscigenadas, dando

origem a três subgrupos. Segundo ele:

O que caracterizava o seu ensaio era a divisão que fazia da raça branca. Esta, segundo Gobineau, tinha três subgrupos: os arianos, que são os verdadeiros brancos e criadores da civilização; os albinos de origem

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mongólica; e os mediterrâneos, de origem africana. Sustentava que se o poder permanecesse nas mãos dos albinos e mediterrâneos, a humanidade voltaria à barbárie. Gobineau desejava provar com o seu ensaio que a nobreza europeia era ariana, descendente dos nórdicos. Ele via diferenças qualitativas entre os brancos, que justificam o domínio da nobreza ariana sobre os demais brancos, que ele julgava pertencerem a setores inferiores. Portanto, racismo de classe, que justifica a posição de privilégio de uns sobre outros. (ALVES, 2007, p. 56)

Santos (2002, p. 53) frisava em seu estudo que o sangue negro deteriora o

branco. O negro seria marcado pela imaginação, sensibilidade e o branco, pela

inteligência, praticidade, ética e moral. De acordo com Santos alicerçado nos

estudos de Gabineau:

Talvez não se dera conta, provavelmente que por mais inteligente que fosse, era negro. Jamais teria magnificência de um europeu, ou mesmo, de um branco brasileiro. Não passava de repetidor das teorias dos racistas europeus. Para este autor, o negro puro era incapaz de produzir algo, idéia esta que foi muito conveniente aos países ricos em seus processos exploratórios.

Sobre o cotidiano no contexto educacional no magistério, o afro-

descendente no campo da educação foi amparado na Lei 10.639/2003:

Em dezembro de 1979 durante o 1º Congresso realizado no Rio de Janeiro passou a se chamar Movimento Negro Unificado (MNU) nome que conserva até hoje. Com essa característica autônoma, o MNU tem obtido uma série de conquistas no campo da educação e, conseqüentemente o combate as disparidades existentes nas relações inter-raciais de conquistas no campo da educação e no combate as disparidades existentes nas relações inter-raciais de nossa sociedade (NEVES, 2006 apud ALVES, 2007, p. 39-41).

Historicamente os movimentos negros, sobretudo os das décadas de 20 e 30, foram preocupados com a educação. Essa preocupação é expressa nos apelos educativos de jornais do passado, como o Clarim da Alvorada e a Voz da Raça (...). Pena que nossos registros históricos sejam poucos sistemáticos e não demonstrem a riqueza dos esforços realizados (CUNHA JR. apud CLAUDIA, 1996, p. 37).

A Constituição Federal, de 1988, trouxe o amparo que confere às minorias

direito à diversidade. Constitui um de seus objetivos fundamentais promover o bem

de todos, sem preconceitos de origem e raça, sexo e cor, idade, e quaisquer outras

formas de discriminação (BRASIL, 1996, p. 3). Em seguimento a essa determinação,

no ano de 1996, foi compilada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

(LDB), nº 9.394/96. Consonante à Constituição, a LDB ratifica a importância das

ações transdisciplinares, no tocante ao resgate da cultura popular e à valorização da

pluralidade cultural. A lei, sobre a questão da diversidade destaca em seu artigo 26,

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o qual regula os currículos escolares a possuírem uma base nacional comum, a ser

complementada por uma base diversificada que atenda às exigências das

características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da

clientela. O parágrafo expressa bem a questão:

§ 4º - O ensino de história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africanas e européia (BRASIL, 1996, apud SILVA, 2007, p. 39).

As intervenções do Movimento Negro, seu empenho em trazer o tema a mesa da discussão da Educação do país e suas incansáveis iniciativas no que diz respeito à pesquisa e a divulgação do assunto (NASCIMENTO, 2001, p. 123, apud SILVA, 2007, p. 40).

Segundo o documento oficial, a Lei 10.639/03:

(...) altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “história e Cultura Afro-brasileira” e dá outras providências (BRASIL, 2006).

Dentre suas providências, o documento ratifica mudanças na LDB (que

passa a vigorar acrescida dos artigos 26-A, 79-A e 79-B). Visa também abranger

estabelecimentos de ensino fundamental, médio, oficiais e particulares, a fim de

implantar no currículo dessas instituições conteúdos sobre o estudo da história da

África e dos africanos, da luta dos negros em terras brasileiras, da cultura negra

brasileira, e do negro na formação da sociedade nacional. Além disso, insere, no

calendário letivo, o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Desde a fomentação da Lei 10.639/03, constatou-se uma intensificação na

reivindicação de direitos que se perderam diacronicamente, bem como de

capacitação de profissionais do magistério para desfazer por meio da educação

formal.

Lecionar neste ensejo exige clareza de objetivos, metas as quais se quer

chegar em qualquer processo de ensino-aprendizagem. Entretanto não se observa

que, no decorrer desse período, houve uma grande troca de experiências, situações

reais de vivência entre diferenças. Diferenças essas que, se não forem mediadas

num contexto de equidade motivam uma atmosfera de desigualdade.

A reformulação do conteúdo das Leis promulgadas – 9.394/96 e 10.639/03 –

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veio acrescentar no cotidiano escolar as trajetórias de afro-descendentes no

currículo escolar, um relacionamento que enfrenta as formas preconceituosas que

oprimem os professores afro-descendentes:

Na educação, nem sempre os agentes estão conscientes de que a manutenção dos preconceitos seja um problema: dessa forma interiorizamos atitudes e comportamentos discriminatórios que passam a fazer parte do nosso cotidiano, mantendo e/ou disseminando as desigualdades sociais (CAVALLEIRO, 2001, p. 153 apud ALVES, 2007, p. 49).

Estão sendo realizadas experiências didáticas para análise de sentimentos

racistas entre negros, pardos e brancos, em que o domínio do grupo é afro-

descendente. Veja o exemplo:

A sala de 37 alunos, não dispunha de grande variedade étnica. A maioria dos alunos era parda e negra. Eram poucos os brancos. A classificação por autodefinição foi muito complicada, já que os pardos se diziam brancos e os negros “moreninhos”. Já foi possível perceber, de antemão, quão arraigada são as práticas discriminatórias na vida dessas crianças. Este fato é fortalecido pelo dado obtido por Silva (1998, p. 22) o qual revela que diante de uma questão aberta do IBGE foram constatadas em senso 136 variações de cores. Isto nos faz refletir sobre os escapes que as pessoas encontram para não serem identificadas como negras. Tentam de todas as maneiras fugir de serem identificadas com essa raça. Que histórias foram contadas, capazes de levar essa imensa massa populacional, pesquisada pelo IBGE, a omitir sua identidade negra? Que histórias nos foram contadas na infância e adolescência levando-nos ao medo de dizer “eu sou negro” ou “sou negra”. Como se o ser negro ou negra não correspondesse a uma raça mais sim uma marca negativa, que precisa ser apagada, superada ou esquecida (ALVES, 2007, p. 51).

A construção da inferioridade

Na educação é direito de todos os cidadãos brasileiros o acesso a

escolarização oficializada, a permanência das crianças sem constrangimento para

com os afro-descendentes brasileiros.

Não é nada fácil para uma criança negra ver sua identidade se esvair diante das terríveis afirmações que surgem nas aulas de história com relação ao advento de seu povo. O trabalho dos negros no Brasil não é visto como um ato de terror, no qual, seres humanos são conduzidos criminosamente ao trabalho escravo. Essa situação se estreita quando tratamos do ensino superior. Logo conhecendo tal processo histórico, podemos inferir que os processos de violência e de exclusão pelo qual o negro passa, desde a definição de sua “raça” enquanto inferior e a conseqüente suspensão de seus direitos o torna cidadão de segunda classe e ratifica perante a sociedade essa circunstância (ALVES, 2007, p. 27).

Dá-se a impressão que o africano nunca lutou pela própria liberdade, e frequentemente reforça-se esse estereótipo com a alegação de que o negro veio aqui para suprir a necessidade de mão-de-obra provocada pelo amor à

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liberdade e conseqüentemente inadaptabilidade do índio ao regime escravista (NASCIMENTO, 2001, p. 119 apud Alves, 2007, p. 27).

Santos traz o seguinte argumento:

Faz-se necessário corromper a ordem dos currículos escolares, que insistem em apresentar a produção cultural e eurocêntrica como único conhecimento científico válido. O restante vem dos diferentes grupos que constituíram esse país: os brancos, negros, índios. Quais culturas, quais saberes e fazeres se produziram das relações entre as diferentes culturas elaboradas por índios, negros e brancos? (SANTOS, 2001, p. 106 apud ROBERTA, 2007, p. 28).

Em todo o conjunto de ações para conduzir o afro-descendente no meio

social e no complexo escolar e profissional, segundo Silva (2007),

No intuito de reparar os danos causados a população afro-descendente está em voga um período de estudo e pesquisas acerca dos atos políticos e governamentais que se fazem necessários para a equiparação da qualidade de vida, acesso a bens e serviços para a população negra no país. Surge na vida dos afro-brasileiros o conceito de “ação afirmativa”. A expressão “ação afirmativa” foi criada pelo presidente dos Estados Unidos J. F. Kennedy, em 1963, significando: um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado (GOMES; DOMINGUES apud SILVA, 2007, p. 35).

Todas as conquistas afro-brasileiras foram firmadas desde o princípio pelos

movimentos negros para a estabilidade de seus direitos e firmação e legitimação

filhos do Brasil, portanto cidadãos com todos os direitos humanos cabíveis que lhes

são retidos.

Sendo assim, grupos remanescentes se organizaram, de modo a consolidar,

durante todo o século XX, o Movimento Negro. Pinho e Figueiredo (2006) resgatam

a origem do movimento destacando que existiram duas frentes históricas: de

organização tradicional do meio negro que remonta ao período colonial de trajetória

por mito independente e identidade própria; e outra com caráter de movimento

moderno, voltado à emancipação e afirmação, com consciência política, que

emergiu no declínio do regime militar, a partir dos anos 70.

Segundo Neves (2006) “o movimento negro passa a reivindicar uma

identidade negra pautada na origem comuns dos escravos”.

Da clandestinidade à organização social, a princípio se alicerçou no conceito

de resistência e luta dos ancestrais do período colonial, trazendo destes a

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conjuntura histórica para a compreensão da situação contemporânea. Logo, numa

perspectiva de visitar o passado em busca de melhorias para o futuro, os ativistas se

puseram a enfrentar a opressão pela superação das desigualdades. O grande

desafio do movimento era ser uno (NEVES, 2006), já que o país de proporções

continentais, nem sempre permitia a comunicação, bem como o contato direto entre

as organizações que formavam. No Sul do Brasil existia o movimento dos Palmares

o qual propôs o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Também cobrou-se unidade das organizações situadas no estado paulista

considerado, por muitos segregador. Também havia grupos no Rio de Janeiro, no

Instituto de Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) e a Sociedade de Estudo de Cultura

Negra no Brasil (SECNEB), a Sociedade de Intercâmbio Brasil África (SINBA), o

Grupo de Estudos André Rebouças, entre outros. Na Bahia o Núcleo Cultural Afro-

Brasileiro; o Grupo de Teatro Palmares etc. (NEVES, 2006). A União dos grupos

fortaleceria o movimento, depois de alguns dos grupos supracitados e outros se

reunirem foi fundado, em 18 de julho de 1978, o Movimento Unificado contra a

Discriminação Racial (MUCDR). Este foi renomeado no dia 23 de julho como

Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR) (NEVES,

2006 apud SILVA, 2007, p. 38).

Mesmo com todas as Leis que foram implantadas no Brasil até o presente

momento, não foram capazes de extinguira as discriminações raciais e deixar de ter

controle e dominação de uma classe menos favorecida, por conta deste descontrole

de capacidade de consciência humana.

Dessa maneira, para não ter o compromisso de elaborar estratégias políticas capazes de reparar o sofrimento e a exploração causados aos negros no período do trabalho exaustivo do negro no Brasil estabelece o que, até os dias de hoje nos soa familiar: o conceito de democracia racial. (SILVA, 2007, p. 21).

O africano em seus tempos primórdios no Brasil com trabalhos exaustivos e

que não deixou de realizar toda uma construção do Brasil com seus saberes por

sobrevivência, dignidade e resistência a todos os tipos estupendos.

A cultura e as histórias que se perpetuavam pela tradição oral foram se

perdendo pelo tempão. “Mantê-los em silêncio seria uma forma de evitar que os

cativos se rebelassem quanto a permanecer naquelas condições ou mesmo que

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arquitetassem planos de fuga para os quilombos, esconderijos distantes da Casa

Grande, onde se refugiavam” (SILVA, 2007, p. 24).

Os negros perceberam rapidamente a necessidade de criar modos para

melhorar a sua posição social e mobilizar-se pela educação formal foi uma das

várias técnicas sociais empregadas pelos negros para ascender. (SILVA, 2007, p.

21).

O conjunto dos direitos na formação humana vem a degradar no decorrer

dos anos de movimentos sociais para legitimação dos afro-descendentes e que por

outro lado desde o princípio buscou a atender as ideologias políticas arrastadas

pelos interesses capitalistas, hoje e que foi passando de sistemas para sistema.

De acordo com Silva (2007) a instrução no ensino formal foi a principal

vertente da luta pela equidade de direitos e justiça social dos negros na sociedade

brasileira.

Da abolição à exclusão, enfatiza que a realidade vivenciada pelo negro brasileiro é de incertezas quanto à sua aceitação na sociedade. Embora a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) denote a liberdade do indivíduo em participar de sua cultura, bem como de ser respeitado enquanto parte dessa dimensão particular, afro-descendentes, por motivo, não têm como recorrer às suas origens, em razão de terem sido destruídos os meios documentais que registravam e atestavam a existência desses povos em terras brasileiras. Após o fim do regime escravista. (ALVES, 2007, p. 19).

Não é fácil o resgate da história dos africanos e descendentes no Brasil, a

destruição da documentação relativa à escravidão apagou tanto elementos da vida

pessoal, mas também origens que registravam sua presença no Brasil. Esse resgate

vem sendo realizado, sobretudo, por meio do registro e estudo de lembranças e

práticas cotidianas.

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UNIDADE III

IDENTIDADE DOCENTE

Na perspectiva de entender a construção da Identidade Docente e seus

anseios históricos-sociais e no cotidiano dos professores afro-descendentes em que

os valores se perdem pelo fato de que a hegemonia (domínio de uma sociedade

sobrepondo-se a outra) ainda está presente na construção da sua história ancestral

cultural e de sua identidade.

Segundo Ferreira (2000):

A identidade não se reduz somente a uma representação do indivíduo a distingui-lo de outros e, ao mesmo tempo, indicando uma semelhança sua em relação a determinados grupos de referência, porém, mais do que isso e o que é decisivo para o desenvolvimento da identidade do afro-descendente em uma comunidade hegemônica de valores “brancos” – a identidade é uma referência em torno da qual a pessoa se constitui.

Segundo Fortuna (2008, p. 36):

A identidade afro-descendente se constrói, portanto em meio aos apelos da mídia e da sociedade como todo, do padrão branco, embora a população negra brasileira seja de 46%, segundo dados do último senso do IBGE. A hegemonia branca ainda prevalece e se mantém como ideal a ser atingido. Como o preconceito racial no Brasil está baseado em traços fenotípico, aqueles que não conseguem escapar dessas “marcas”, visíveis como: cabelo, nariz, lábios e tom de pele, podem experimentar o conflito, a não aceitação do corpo.

A Identidade de professores afro-descendentes aparece em meio a

experiências vividas em sua complexa realidade. Segundo Fortuna:

A identidade docente é fruto de um processo complexo e ambíguo, que mistura momentos de continuidade e ruptura, igualdade e diversidade, singularidade e plurabilidade, pois aqui se articulam a identidade do indivíduo e sua relação com a coletividade. E socialmente, o professor tem sobre si paradigmas constituídos que se relacionam com a expectativa de que sua ação se traduza em um acréscimo de humanidade (atitudes, valores e conhecimentos) sobre os educandos. Porém, a decadência da carreira, a proletarização, a alienação e a perda de prestígio profissional, frutos do sistema capitalista, contribuíram para desfigurar a identidade do professor. (FORTUNA, 2008, p. 37).

Neste sentido a identidade do professor vem se deparando com barreiras

constrangedoras em seus cotidianos no ambiente de trabalho, mas ao mesmo

tempo, acreditando na sua força interior para a superação.

Nóvoa (1992) destaca alguns valores identitários das atividades docentes:

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(...) adesão, ação e autoconsciência. Adesão a princípios e valores, ação que se traduz na prática, nas escolhas, na maneira de ser e autoconsciência porque tudo deriva de um processo contínuo de reflexão sobre a ação.

Compreender esse processo identitário, que se constrói numa dinâmica de lutas e conflitos é fundamental para perceber a dimensão da própria atividade docente.

As lembranças da infância, da vida em família; a idade para a escola, as expectativas, os temores, as primeiras impressões, o apoio familiar, as relações com a escola, amigos e professores, os professores que marcaram positiva ou negativamente e porquê; as perspectivas profissionais iniciais, seriam as mesmas ao longo da vida? Em que momento escolheu o magistério e que influências merecem destaque: momentos importantes da formação, os hábitos de estudo, as primeiras experiências docentes [...] São muitos os aspectos a serem lembrados, relatos e estudos. A esses juntam outros, pois cada ser guarda sua singularidade, suas próprias experiências e assim promovem o seu fazer. Por isso, para perceber em que momento meus entrevistados se tornaram professores, com determinadas características, hábitos e atitudes e principal influência nessa escolha, procuro analisar as múltiplas dimensões desse sujeito. Tornar-se professor é um desafio constante. Um processo histórico e inacabado. Os relatos de experiências, autobiografias e as histórias de vida de professores dão conta de uma construção singular, permeada pela representação que a sociedade faz do ofício de mestre. As leituras de mundo, as interações com o outro, são parte desse processo de constituir-se, pois esse sujeito é produto da herança cultural, da história. Está presente nas diversas falas de professores um eterno aprender a ser; “aprendermos a ser professor com a prática” dizem atribuem importância fundamental ao processo de interação social na atividade docente (NÓVOA, apud FORTUNA, 2008, p. 37-38).

Ao refletir sobre o exercício da profissão, em qualquer atividade, o indivíduo está se permitindo rever suas atitudes, promovendo uma autocrítica, sempre bem vinda. Essas são questões pertinentes ao cotidiano do professor. São de natureza profissional e pessoal e estão envoltas, exercendo mútua influência sobre o sujeito (NÓVOA apud FORTUNA, 2008, p. 38-39).

O cotidiano escolar muitas vezes deixa a desejar o convívio que acrescenta

humanização na vida do educador que já tem uma carga de responsabilidade para a

formação dos jovens e dos próprios docentes.

Os relatos orais são de grande importância, tanto para o indivíduo como um

aprendizado de vida para outros. Em alguns relatos foram expressos:

Eu cresci ouvindo que a gente deveria casar com branca pra embranquecer a raça [...] coisa falada lá em casa, normalmente [...] minha mãe falava isso, meu pai, mas não tinha esse sentido [...] ele nunca falava que nós éramos inferiores, sempre apontava para o cabelo liso, para as feições “finas” do branco [...] aquilo também me inquietava, mas também não tinha como responder [...] isso na infância.

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Sua ex-mulher não foi imediatamente aceita por seus familiares. Quando a conheceu numa festa, seu irmão foi quem chamou sua atenção (negativamente) para ela, chamando-a de “negra feia”. Também seu pai disse não ter gostado dela no início. A despeito de tudo, João reconhece que seus relacionamentos foram em sua maioria com mulheres negras, assim como seus irmãos (FORTUNA, 2008, p. 60).

Para João, a escola ao silenciar as questões relativas ao negro, à história da África e sua cultura, favorece ações discriminatórias. Nesse sentido, é exatamente esse silêncio e os estereótipos negativos acerca do negro que lhe causam a angústia da discriminação. A religião afro-brasileira tratada como demoníaca, a imagem subserviente do negro nos livros didáticos e o padrão da família brasileira lhe incomodam, porque excluem inúmeros outros modelos de família comum no mundo contemporâneo (FORTUNA, 2008, p. 63).

Segundo Cunha (2003):

A democracia prevê a representação de todos os grupos sociais em todas as instâncias de decisão. No estágio atual do capitalismo, a pesquisa científica e os grupos de pesquisadores constituem um grupo privilegiado de exercício do poder, quer pela ação direta na participação nos órgãos de decisão do Estado, quer pela indireta por meio da difusão dos conhecimentos que justificam as ações dos pobres públicos. A ausência de pesquisadores negros tem reflexão nas decisões dos círculos de poder (CUNHA JR 2003 apud FORTUNA, 2008, p. 64).

Conforme Fortuna (2008) é relevante perceber que o sistema educacional

brasileiro desempenha um papel preponderante no quadro de desigualdades raciais

e comparando-se a pequena quantidade de negros que conclui o segundo grau com

o segmento branco da população, pode-se perceber que é mínima a quantidade de

mulheres negras que chegam ao Magistério.

No sentido do aqui exposto é que se pretende estudar lembranças de

professores do Colégio Nilo Cairo, de Apucarana (PR). Refazer trajetórias,

reconstruir laços, relembrar o passo é condição para humanização para todos nós.

Christian Laville, analisando a importância das narrativas no ensino de

História o autor afirma:

Em quase todas as partes do mundo, os programas escolares exigem que o ensino da História desenvolva nos alunos a autonomia intelectual e o pensamento crítico. Há muito tempo não se vê mais a missão de incutir nas consciências uma narrativa única glorificando a noção ou a comunidade. No entanto, quando o ensino da história é questionado nos debates públicos, é sempre com referencia a esse tipo de narrativa: embora não fazendo mais parte dos programas, esse continua sendo o único objetivo dos debates” (LAVILLE, 1999, p. 125-138).

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Refletindo a análise desse autor observa-se que nas convivências do

cotidiano escolar também não se abre um espaço para questionar sobre a falta de

debate no uso das narrativas nas práticas pedagógicas dos professores e do ensino

de História.

Trata-se de buscar novos caminhos e refletir diversas leituras já

elaboradas para que possamos ter melhor compreensão e interpretação dos fatos

históricos com maior clareza e tendo por base fontes diversificadas.

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