Trotsky Sobre o Anarquismo

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COMO A TROPA DE MAKHNO É ORGANIZADA? Traduzido por Marcelo Souza Como já se sabe, os makhnovistas não reconhecem os regulamentos do Exército Vermelho e criaram a sua própria organização, supostamente baseada em “livres” princípios anarquistas. É de enorme importância e interesse, não só para todo soldado do Exército Vermelho mas também para todo operário e camponês consciente, conhecer estes “livres” princípios anarquistas na prática. Agora é possível conhecê-los de perto. O Conselho de Guerra Revolucionário da Frente Sul despachou alguns trabalhadores responsáveis ao quartel-general das tropas de Makhno, e, quando eles se familiarizaram com a situação do lugar, enviaram um informe detalhado à Frente de Comando [1]. Extraímos as partes mais importantes deste informe. Em princípio, ou seja, “em palavras”, a organização das tropas de Makhno é baseada na elegibilidade dos comandantes, na mobilização voluntária de seus combatentes, e na mais rigorosa autodisciplina. Vamos examinar estes princípios, um por um. (1) O princípio de eleição só existe em palavras, ou seja, como um ritual externo. Comandantes são selecionados por Makhno e os seus colaboradores mais íntimos. Na verdade, comandantes (de pelotão para nível regimental) são apresentados para aprovação de suas unidades. Mas isto é uma formalidade vazia. Se houver qualquer discordância, a última palavra fica com o comandante superior, que de fato designa quem quer que ele considere necessário. A isto

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Artigo de Leon Trotsky criticando o anarquismo

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COMO A TROPA DE MAKHNO É ORGANIZADA?

Traduzido por Marcelo Souza

Como já se sabe, os makhnovistas não reconhecem os regulamentos do Exército Vermelho e criaram a sua própria organização, supostamente baseada em “livres” princípios anarquistas. É de enorme importância e interesse, não só para todo soldado do Exército Vermelho mas também para todo operário e camponês consciente, conhecer estes “livres” princípios anarquistas na prática.

Agora é possível conhecê-los de perto. O Conselho de Guerra Revolucionário da Frente Sul despachou alguns trabalhadores responsáveis ao quartel-general das tropas de Makhno, e, quando eles se familiarizaram com a situação do lugar, enviaram um informe detalhado à Frente de Comando [1]. Extraímos as partes mais importantes deste informe.

Em princípio, ou seja, “em palavras”, a organização das tropas de Makhno é baseada na elegibilidade dos comandantes, na mobilização voluntária de seus combatentes, e na mais rigorosa autodisciplina. Vamos examinar estes princípios, um por um.

(1) O princípio de eleição só existe em palavras, ou seja, como um ritual externo. Comandantes são selecionados por Makhno e os seus colaboradores mais íntimos. Na verdade, comandantes (de pelotão para nível regimental) são apresentados para aprovação de suas unidades. Mas isto é uma formalidade vazia. Se houver qualquer discordância, a última palavra fica com o comandante superior, que de fato designa quem quer que ele considere necessário. A isto devemos acrescentar que comandantes treinados são muito poucos numericamente, e assim é natural que os combatentes tenham que aceitar os comandantes designados por Makhno.

(2) O princípio voluntário. Makhno não leva a cabo nenhuma mobilização geral, nem ele poderia fazer isto, dado a sua completa carência de equipamentos. Mas os guerrilheiros que entram em suas tropas não são “livres” para deixá-las. Qualquer um que deixa voluntariamente a tropa é considerado como um traidor e é ameaçado com um sangrento ajuste de contas, especialmente se entrar em uma unidade do Exército Vermelho. Conseqüentemente, os “voluntários” sentem que estão sendo mantidos sob um domínio férreo, e não pode deixar a tropa.

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Devemos acrescentar ainda que a tropa inclui alguns não-voluntários, por exemplo, um coro de músicos estonianos, a guarnição médica e outros, que foram pegos prisioneiros e executam seus deveres sob coerção.

(3) Quanto à “autodisciplina” anarquista, encontra-se no mesmo fundamento da “elegibilidade” e “voluntariedade”, e talvez até mesmo os exceda nas formas brutais que leva. De acordo com a teoria anarquista, a autodisciplina deve ser mantida pelos seus rebeldes, sem qualquer coerção vinda de cima. Mas é impossível que isto se encaixe na tropa. Os comandantes, especialmente os de alta patente, na verdade desfrutam poderes ilimitados. Basta mencionar que o costume de lançar homens ao “assalto” (como é descrito na linguagem de liberdade e fraternidade) é bastante praticado. Fuzilamentos sem julgamentos, “imediatos”, também são muito praticados, não só durante a batalha, mas também em situações de paz. Os métodos de “assalto” e fuzilamentos “imediatos” são empregados pelo próprio “Papai Makhno”. [2]

Os comandantes têm bagageiros e motoristas, que são responsáveis pelo cuidado e manutenção dos cavalos e equipamentos dos comandantes. Os comandantes têm cinco ou seis cavalos cada, os melhores disponíveis, e também carruagens e tachanki. [3]

Para a sua própria proteção Makhno tem um “Esquadrão Negro” na qual, como dizem os próprios makhnovistas, a disciplina é “diabólica”. Os alojamentos de Makhno são guardados por um forte pelotão de entre cinco a sete sentinelas. Não são permitidos que estranhos se aproximem de Makhno sem que sejam desarmados.

Ele tem a sua própria Tcheka, chamada de “contra-espionagem”.

O exército possui ouro, diamantes e outras jóias, peles valiosas e outras roupas, sendo tudo isso, em grande escala, guardados sobretudo pelos comandantes.

Estes são os princípios anarquistas na prática. Um exército não pode, naturalmente, ser construído em princípios de liberdade e independência, para todos, como, por exemplo, um clube literário. Mas é bastante óbvio que em nosso Exército Vermelho regular há incomparavelmente mais liberdade e mais respeito para a personalidade do homem do Exército Vermelho do que o prevalece na tropa “anarquista” de Makhno.

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Quando, não faz muito tempo, num de nossos exércitos um responsável e merecido camarada, durante um estado de extremo excitamento nervoso, golpeou um homem do Exército Vermelho, este honrado camarada, que ocupava um posto de responsabilidade, foi substituído imediatamente, foi afastado e punido. Enquanto isso, na tropa de Makhno socos na face são considerados um meio de “autodisciplina”.

Todo homem do Exército Vermelho deve ser alertado sobre os métodos atuais utilizados na organização makhnovista: pois assim apreciará ainda mais o regime de nosso Exército Vermelho, que está cada vez mais cheio de consciência e espírito comunista, e na qual o dever da devoção livre está substituindo cada vez mais a compulsão e a coerção.

15 de outubro de 1920.

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Nota do tradutor:

[1] Em setembro de 1920, Ivanov V. (representante do Soviete Revolucionário da Frente Sul) visitou Makhno na cidade de Ekaterinoslav. Espantado com o que viu, Ivanov escreveu um informe à Frente de Comando, descrevendo a situação em que se encontrava o acampamento de Makhno. Nas suas palavras: “O regime é brutal, a disciplina é dura como aço, os rebeldes são surrados no rosto por qualquer pequena infração, não há eleições para o comando do estado-maior, todos os comandantes até o comandante de companhia são designados por Makhno e o Conselho de Guerra Revolucionário Anarquista, o Soviete Militar Revolucionário (Revvoensovet) tornou-se uma instituição não-eleita, insubstituível e incontrolável. Sob o conselho militar revolucionário há uma ‘seção especial’ que trata de desobediências secretamente e sem perdão”. (Jakovlev J., Machnovshina I Anarchizm).

Um dos maiores algozes da tropa de Makhno era, sem sombra de dúvidas, Leo Zadov (Zinkovsky), chefe da polícia secreta de Makhno, um ex-operário anarquista notório por sua brutalidade. Por ironia do destino, Leo Zadov retornou à URSS em meados dos anos 20, desta vez não para lutar pela “bandeira negra de Makhno”, mas simplesmente para unir-se à polícia política de Josef Stálin, a desprezível GPU... Zadov adotou os mesmos métodos que havia posto em prática em Ekaterinoslav contra a oposição bolchevique, só

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que desta vez estava a serviço de um outro caudilho: Josef Stálin. É claro que Leo Zadov seria recompensado posteriormente por seus “generosos” serviços: foi executado em 1937 durante os expurgos stalinistas. Um “triste” fim para um dos homens mais confiáveis de Nestor Makhno...

[2] Trotsky aqui faz uma ironia com o endeusamento da figura de Makhno (culto à personalidade), na qual era comumente chamado de “BATKO” (em ucraniano: “PAIZINHO”) pelos seus guerrilheiros fanáticos e fundamentalistas. Segundo Victor Serge: “Os anarquistas, nas regiões ocupadas pelo Exército Negro de Nestor Makhno, exerciam uma autêntica ditadura, acompanhada de confiscos, requerimentos, prisões e execuções. E Makhno era chamado de “batko”, paizinho, chefe... (Victor Serge, “Trinta anos após a Revolução Russa”).

[1] o tachanka era uma carroça puxada por dois cavalos munida de uma metralhadora, com dois homens manejando-a, mais o motorista.

Fontes:

Original:: http://www.marxists.org/archive/trotsky/works/1920-mil/ch73.htm

Tradução: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2006/01/341774.shtml