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Texto sobre as relações entre religião e dinheiro.

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  • WALTER BARBIERI JUNIOR

    A TROCA RACIONAL COM DEUS

    A Teologia da Prosperidade praticada pela Igreja Universal do Reino de Deus analisada pela perspectiva da Teoria da Escolha Racional

    MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    SO PAULO 2007

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    WALTER BARBIERI JUNIOR

    A TROCA RACIONAL COM DEUS

    A Teologia da Prosperidade praticada pela Igreja Universal do Reino de Deus analisada pela perspectiva da Teoria da Escolha Racional

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Religio sob a orientao do Prof. Doutor Frank Usarski.

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    SO PAULO 2007

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    BANCA EXAMINADORA

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    RESUMO

    BARBIERI JUNIOR, Walter (2007): A TROCA RACIONAL COM DEUS - A Teologia da Prosperidade praticada pela Igreja Universal do Reino de Deus analisada pela perspectiva da Teoria da Escolha Racional. Dissertao (Mestrado em Cincias da Religio) PUC-SP

    Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus, Neopentecostalismo, Teologia da Prosperidade, Religio no Brasil, Teoria da Escolha Racional.

    Analisando o campo religioso brasileiro contemporneo, notam-se grandes transformaes no mapa religioso do pas, numa tendncia de queda de fiis das religies tradicionais como a catlica e a protestante histrica e a ascenso das igrejas evanglicas, particularmente as neopentecostais. Um dos fatores responsveis por essa transformao a adoo da Teologia da Prosperidade praticada pelos pastores das igrejas neopentecostais.

    Este trabalho prope construir um estudo da Teologia da Prosperidade, apontando-a como um instrumento de sucesso utilizado pela igreja Universal do Reino de Deus para aumentar o seu quadro de fiis. A anlise do fenmeno religioso vai se dar sob a perspectiva terica da Sociologia da Religio, conhecida por Teoria da Escolha Racional de Rodney Stark.

    Essa Teoria prope a aplicao de teorias econmicas e da escolha racional para os fenmenos religiosos, levando em conta o pluralismo religioso presente no Brasil, onde a presena de um Estado laico garante a livre concorrncia entre as firmas que oferecem servios religiosos. Assim, criam-se condies para a exploso religiosa no pas, e os especialistas devem oferecer um servio que atenda necessidade daquele que busca esse tipo de oferta, para sobreviverem concorrncia. A anlise leva em considerao no apenas a demanda religiosa no campo religioso brasileiro, mas principalmente a oferta de bens religiosos dos especialistas da IURD.

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    ABSTRACT

    BARBIERI JUNIOR, WALTER (2007): THE RATIONAL CHANGE WITH GOD The Prosperity Theology practiced by Universal Church of the Kingdom of God (or Igreja Universal do Reino de Deus) through the perspective Rational Choice Theory. Dissertation (Master Degree in Sciencies of Religion)

    Keywords: Universal Church of the Kingdom of God, Neopentecostalism, Prosperity Theology, Religion in Brazil, Rational Choice Theory.

    When we analyze the contemporaneous Brazilian religious camp we can notice great changes in the religious map of the country. At the same time that there is a tendency of reducing the number of affiliations to traditional religions such as catholic and historical protestant, the evangelical churches are spreading around, specially the neopentecostal. One of the main reasons for this change is the use of the Prosperity Theology by the priests of the neopentecostal churches.

    In this work we propose to build a study of the Prosperity Theology as a success tool used by Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) in order to increase the affiliation number. The religious phenomena analyses will be made under a theoretical perspective of Religion Sociology, known as Rational Choice, by Rodney Stark.

    This theory proposes to apply economical theories and the one of Rational Choice to the religious phenomena, taking into account the existing religious pluralism in Brazil where the presence of a State with freedom of religion guarantees a free market for the companies that offer religious service. In this context, the conditions for a religious exploitation in the country are established and the specialists have to offer a service that meets the customers needs in order to survive the market competition. The analysis takes into account not only the religious demand in the Brazilian religious camp but mainly the offer of religious assets made by IURD specialists.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao estimado orientador Prof. Dr. Frank Usarski, que me apresentou a Teoria da Escolha Racional e me apoiou ao longo desta jornada.

    Aos professores do Programa de Estudos Ps-Graduados em Cincias da Religio da PUC-SP, pelas oportunidades de discusses e aprendizados no decorrer do curso.

    Aos membros da banca de qualificao, Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos e Prof. Dr. Edin Sued Abumanssur, pelas observaes e sugestes que contriburam com a articulao deste trabalho.

    minha esposa e filhos, pelo apoio incondicional e incentivo constantes para a realizao e concluso deste trabalho.

    Aos meus pais, pelo carinho sempre presente e pelo apoio a minhas escolhas.

    A todos familiares e amigos, que deram estmulo e de alguma forma contriburam com a realizao deste trabalho.

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    NDICE

    Banca Examinadora................................................................................................... iii Resumo....................................................................................................................... iv Abstract....................................................................................................................... v Agradecimentos......................................................................................................... vi ndice........................................................................................................................... vii

    INTRODUO............................................................................................................. 10

    I. A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE.........................................................................................................

    13 I.1 A Igreja Universal Do Reino De Deus.................................................................. 13 I.1.1 O aspecto histrico do campo religioso brasileiro: o crescimento dos evanglicos..................................................................................................................

    13 I.1.1.1 O quadro pentecostal brasileiro........................................................................ 15 I.1.2 Perfil scio-econmico pentecostal...................................................................... 18 I.1.3 A composio da IURD........................................................................................ 23 I.1.3.1 Os fundadores da igreja.................................................................................... 23 I.1.3.2 O desenvolvimento histrico da IURD............................................................. 25 I.1.3.3 O crescimento internacional.............................................................................. 25 I.1.3.4 As grandes mobilizaes.................................................................................. 27 I.1.3.5 A organizao administrativa............................................................................ 28 I.1.4 Prticas da IURD.................................................................................................. 31 I.1.4.1 O uso da mdia.................................................................................................. 31 I.1.4.2 A padronizao das ofertas.............................................................................. 35 I.1.4.3 As implicaes mgicas.................................................................................... 37 I.1.4.4 A guerra contra o diabo..................................................................................... 38 I.1.5 Nvel de religiosidade do fiel da IURD................................................................. 40 I.2 A Teologia Da Prosperidade................................................................................ 42 I.2.1 O protagonista inicial............................................................................................ 42 I.2.2 Origem ................................................................................................................. 43 I.2.2.1 A influncia de seitas metafsicas .................................................................. 45 I.2.2.2 A raiz pentecostal.............................................................................................. 46 I.2.3 Caractersticas .................................................................................................... 46 I.2.3.1 Autoridade Proftica.......................................................................................... 46

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    I.2.3.2 Confisso Positiva............................................................................................. 47 I.2.3.3 Sade e Prosperidade...................................................................................... 49 I.2.3.3.1 A questo do trabalho.................................................................................... 52 I.2.4 A Teologia da Prosperidade aplicada pela IURD................................................. 54 I.2.4.1 A adoo da Teologia da Prosperidade pelo seu fundador.............................. 54 I.2.4.2 O caminho para a prosperidade para a IURD................................................... 57 I.2.4.2.1 - A F Sobrenatural........................................................................................ 58 I.2.4.2.2 O sacrifcio: dzimos e ofertas........................................................................ 60 I.2.4.3 Reflexos da Teologia da Prosperidade na ao da IURD................................ 63 I.2.4.3.1 A ao dos pastores...................................................................................... 63 I.2.4.3.2 A ao dos fiis.............................................................................................. 65

    II. A TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL................................................................... 67 II.1 Introduo ao Captulo........................................................................................ 67 II.2 Os Fundamentos Tericos.................................................................................. 67 II.3 Ao Racionalizada.............................................................................................. 68 II.3.1 Religio e ao racionalizada............................................................................. 70 II.4 O Uso da Economia na Teoria da Escolha Racional........................................ 72 II.5 O Especialista Religioso...................................................................................... 74 II.6 A Natureza Pluralista do Campo Religioso........................................................ 76 II.7 O Processo de Secularizao............................................................................. 78 II.8 A Evoluo da Religio....................................................................................... 80 II.9 O Valor dos Bens Religiosos.............................................................................. 83 II.10 A Escolha de Uma Afiliao Religiosa............................................................. 85

    III. ANLISE DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ADOTADA PELA IURD COMO RESPOSTA COMPENSADORA BASEADA NA TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL..................................................................................................................

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    III.1 Introduo ao captulo........................................................................................ 89 III.2 O Estado secularizado brasileiro....................................................................... 89 III.2.1 A concorrncia religiosa no mercado plural brasileiro....................................... 90 III.3 A continuidade cultural...................................................................................... 91 III.4 A consolidao da Igreja Universal no campo religioso .............................. 94 III.4.1 A construo de catedrais................................................................................. 95 III.5 A racionalidade da IURD na troca com Deus................................................... 96 III.6 O especialista religioso da IURD....................................................................... 98

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    III.7 Por que as pessoas buscam a IURD................................................................. 100 III.8 O valor dos bens religiosos iurdianos............................................................. 102 III.9 O individualismo na Teologia da Prosperidade............................................... 104 III.10 Os procuradores crnicos no mercado religioso brasileiro......................... 105 III.11 O fiel que procura o compensador da IURD................................................... 108

    CONCLUSO.............................................................................................................. 110

    BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 112

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    INTRODUO

    O Brasil caracterizado pelo pluralismo religioso. Esse processo resultado da sua histria que foi constituda por uma heterogeneidade tnica que, em conseqncia, trouxe diversas culturas que passaram a compor o espao. Apesar da supremacia da Igreja Catlica ao longo dos sculos, nas ltimas dcadas o campo religioso tem passado por mudanas significativas, a principal delas a expanso das igrejas evanglicas.

    Nessa mudana no campo religioso, a igreja Universal do Reino de Deus (IURD) representa o maior fenmeno de crescimento.

    O discurso da Teologia da Prosperidade foi a ferramenta essencial para a expanso da IURD. Na medida em que a oferta religiosa adaptou-se aos valores do mundo contemporneo, grande parte dos fiis na modernidade busca a felicidade na terra e no na ps-morte, o que tradicionalmente pregado pelo Cristianismo.

    A Teologia da Prosperidade aplicada pela IURD caracterizada por forte sincretismo, na qual misturam princpios do Pentecostalismo, prticas de cultos afros at o discurso de auto-ajuda. O discurso iurdiano constitudo por elementos da religiosidade popular que atravs de prticas mgicas, o objetivo imediato do fiel pode ser alcanado.

    Esse sincretismo encontra uma grande aceitao no mercado religioso brasileiro, j que uma caracterstica fundamental da religio no pas o trnsito dos fiis nas diversas igrejas. Logo, o discurso pregado na Universal consegue atingir uma grande massa de clientes religiosos, j que a igreja consegue reunir dentro de uma nica instituio vrios elementos que configuram as religies concorrentes, o que facilita a absoro e quebra a dificuldade de comunicao entre os especialistas religiosos e os fiis.

    O discurso da Teologia de Prosperidade vai ao encontro da necessidade da populao que vem sendo duramente afetada pela crise social vivida pelo pas nas ltimas dcadas. O perfil do fiel da IURD aquele que est marginalizado pela sociedade. E o discurso do especialista religioso que prega que o fiel tem o

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    direito de usufruir de riquezas materiais e sade, acaba aumentando a auto-estima, a grande frase de divulgao da IURD no mercado religioso : Pare de sofrer. A Teologia da Prosperidade adotada pela igreja Universal do Reino de Deus representa uma resposta compensadora que est sintonizada com os valores da modernidade como a vontade de consumo, cura e a busca de auto-ajuda.

    Problemas como o desemprego, conflitos familiares, vcios e doenas so comumente encontrados nos setores sociais mais pobres. Com isso, a igreja oferece compensadores especficos, que so objetos consagrados pelos especialistas religiosos. A partir da consagrao, esses objetos passam a possuir um poder mgico, com os quais o fiel procura resolver os seus problemas imediatos adaptados s dificuldades da sociedade moderna (econmico, afetivo, psicolgico e teraputico). Essa prtica arregimenta os recm-chegados, tornando a IURD competitiva na concorrncia do mercado religioso. O objeto consagrado assume um fim utilitrio para o fiel atingir seu objetivo.

    Para o fiel da IURD aquele objeto possui poderes sobrenaturais que vo solucionar os problemas que afetam sua vida, e a auto-estima do fiel melhora, o que aumenta consideravelmente a chance do indivduo conseguir um novo emprego, uma cura ou abandonar um vcio. Segundo Freston,

    (...) no contexto do capitalismo selvagem, a IURD proclama a sobrevivncia dos mais fiis. Quem tiver f, progredir; os outros sero empregados a vida toda... o ideal da IURD tornar-se empregador. As revistas da IURD contm sugestes prticas de ramos de atividades e o capital inicial necessrio. O fato de que este modelo s poderia ser vivido por uma minoria da populao no prejudica a plausibilidade da mensagem. H mltiplas explicaes pelo fracasso, as quais legitimariam a continuao de uma classe de empregados.1

    O fracasso do milagre esperado justificado pela culpa da falta de conhecimento da existncia da f sobrenatural, com isso a responsabilidade do fracasso transferida para o fiel. Dessa forma, a verificao da eficcia que poderia desgastar a igreja evitada.

    1 FRESTON, P., Breve histrico do pentecostalismo brasileiro, in: ANTONIAZZI, A., et al., Nem anjos

    nem demnios, Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p. 149.

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    Alm da prtica da Teologia da Prosperidade, a expanso da Igreja Universal est associada a vrios outros fatores como: o uso ostensivo dos meios de comunicao, a estrutura administrativa, e a grande participao poltica de seus membros.

    Neste trabalho, a Teologia da Prosperidade e a ao da IURD so analisadas sob a tica da Teoria da Escolha Racional de Rodney Stark, que trouxe para a sociologia da religio conceitos de economia, e enfatiza que, quando da necessidade de um servio religioso e de sua escolha por parte do fiel, existe uma intencionalidade racionalizada na forma de uma atitude que busca maximizar seus benefcios.

    O objetivo relacionar o crescimento do nmero de fiis da IURD e sua prtica da Teologia da Prosperidade, como fruto de uma viso estratgica no mercado religioso brasileiro pelos especialistas religiosos da IURD, que oferecem servios que atendem com maior eficincia que os concorrentes, vontade daqueles que procuram o servio do mercado religioso.

    O uso de termos mercadolgicos como empresas religiosas, concorrncia, cliente, custo, benefcio, demanda e procura no tem a inteno de ofender o campo religioso e nem a igreja que serve como objeto de estudo, mas sim estabelecer um novo olhar para o estudo das Cincias da Religio, e dessa forma enriquecer a anlise do fenmeno religioso.

    A Teoria da Escolha Racional baseia-se no princpio de que a tomada de deciso de um indivduo no ato de escolha fruto de uma anlise que leva em conta os benefcios e custos. Os indivduos procuram maximizar seus lucros de acordo com o seu prprio interesse. Desde a escolha de pessoas para estabelecer relacionamentos sociais at a compra de bens materiais. Nesse sentido, a escolha da religio passa pelo mesmo mtodo de anlise.

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    I. A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

    I.1 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

    I.1.1 O aspecto histrico do campo religioso brasileiro: o crescimento dos evanglicos

    Nas ltimas dcadas, o cenrio religioso no Brasil vem sofrendo um grande processo de transformao. De acordo com o ltimo Censo, divulgado em 2000 pelo IBGE (Tabela1), 2 aponta-se para a decadncia do Catolicismo e para o crescimento pentecostal.

    Na dcada de 70 os catlicos representavam quase 92% da populao brasileira e os evanglicos apenas 5%. O Censo realizado em 2000 apontou a queda de 18% na presena de catlicos e um aumento de 300% na populao de evanglicos, que passaram a representar mais de 15% da populao brasileira.

    O Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) realizou uma pesquisa em todas em regies do pas entre 31 de outubro a 28 de dezembro de 2002 aps as eleies presidenciais, com o intuito de apontar as tendncias do comportamento da

    2 In JACOB, C., Atlas da filiao religiosa e indicadores sociais no Brasil, So Paulo: Loyola, 2003, p. 34.

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    sociedade brasileira. Os dados obtidos ratificam aqueles obtidos pelo Censo, e refora a tendncia de queda da populao catlica, alm de indicar o aumento dos evanglicos pentecostais em relao aos no-pentecostais (Tabela2).3

    Esse resultado fruto de uma srie de fatores que transformaram substancialmente as estruturas do pas, assim como o campo econmico e poltico sofreram modificaes profundas, o campo religioso no passou ileso desse processo. Nesse contexto, a expanso da Igreja Universal do Reino de Deus o grande fenmeno religioso brasileiro das ltimas dcadas.

    Desde a implantao de um Estado republicano, em 1889, ficou estabelecida a separao entre o Estado e a Igreja. No entanto, at a dcada de 50 do sculo XX a Igreja Catlica possua praticamente o monoplio religioso. Esse fato fruto de um pas que naquele momento ainda era predominantemente agrrio, e a existncia de um Estado laico muitas vezes no garantia a imparcialidade na questo religiosa.

    3 BOHN, S., Evanglicos no Brasil: Perfil scio-econmico, afinidades ideolgicas e determinantes do

    comportamento eleitoral, in Opinio Pblica, vol. X, n. 2, outubro 2004, p. 295, art. disp. em (c. 03.03.06).

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    Do ponto de vista scio-econmico, a segunda metade do sculo XX foi caracterizada por grandes transformaes, o que criou condies de mudanas no campo religioso. O crescimento da urbanizao, fruto do processo de industrializao, acarretou num fluxo intenso de xodo rural, e aquela populao migrante, que anteriormente possua um enraizamento em uma comunidade religiosa e um vnculo com uma rede de pessoas, torna-se uma clientela potencial, que busca e necessita de uma nova configurao de relaes. Dessa forma, cria-se um amplo campo de demanda de novos laos sociais, abrindo assim um espao para a mudana religiosa.

    Nesse perodo, o Estado passou a intervir cada vez menos no campo religioso, tornando-o cada vez mais permevel introduo de novas correntes religiosas, formando-se assim no Brasil um verdadeiro pluralismo.

    Alm disso, nas duas ltimas dcadas, o enfraquecimento dos sistemas pblicos de sade e educao, que, aliado aos baixos ndices de crescimento econmico que o pas tem apresentado, tem contribudo com o aumento do ndice de desemprego, da violncia e o processo de favelizao, aumentando sensivelmente a quantidade de excludos.

    Paradoxalmente, h uma grande evoluo no sistema de meios de comunicao e maior facilidade de posse de rdios e TVs e, recentemente, a internet. Esse quadro de maior disseminao da informao e de um modelo de vida, idealizado pela grande mdia, no qual o sucesso est estreitamente ligado posse de bens materiais, parece ampliar a sensao de inadequao da vida real da maior parte dos brasileiros.

    Essa situao favorece a abertura para a transformao do campo religioso, tornando-se um terreno frtil para a disseminao de religies que se propem a atender aos anseios da populao.

    I.1.1.1 O quadro pentecostal brasileiro

    O pluralismo religioso presente no Brasil cria um campo atraente para o pesquisador. O Cristianismo representa a base da religiosidade do pas, mas essa

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    hegemonia crist relaciona-se com a forte presena de crenas afro e indgenas. Desse processo resulta a formao de diversas correntes teolgicas que se ramificam, a partir da influncia do meio, compondo uma ampla colcha de retalhos, na qual a construo da religio passa constantemente pela absoro e adaptao de contedos e ritos das concorrentes do mercado religioso.

    A diversidade religiosa fruto do processo histrico que foi marcado pelo encontro de trs etnias (branco, negro e ndio), ao longo do processo colonizador e a forte presena de imigrantes, o que gerou uma cultura religiosa mltipla, marcada por grande trnsito.

    De acordo com Freston4, o Pentecostalismo brasileiro pode ser dividido em trs ondas. A primeira onda consiste na introduo do Pentecostalismo no Brasil, vindo dos Estados Unidos e trazido por pastores que fundaram a Congregao Crist (Luigi Franceson), em 1910, e a Assemblia de Deus, em 1911 (Daniel Berg e Gunnar Vinger). Caracteriza-se pela nfase na glossolalia e tem como ponto doutrinal bsico o batismo no Esprito Santo.

    A segunda onda se inicia com a fragmentao do campo pentecostal onde desponta a Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada em 1951, e as igrejas Brasil para Cristo (fundada em So Paulo, em 1955, por Manuel de Mello) e Deus Amor (fundada em So Paulo, em 1962, por David Martins Miranda). Caracteriza-se, sobretudo, pela nfase nos rituais de cura e na organizao institucional empreendimentista-empresarial (inicia o ingresso na mdia, na poltica, renovao dos rituais numa relao de aproximao e de combate com a religiosidade popular presente no catolicismo e nas religies medicnicas).

    A terceira onda comea no final dos anos de 1970 e ganha fora nos anos de 1980 com o surgimento das igrejas Sara Nossa Terra (fundada em 1980 por Robson Rodovalho), Universal do Reino de Deus (fundada no Rio de Janeiro em 1977 por Edir Macedo), Renascer em Cristo (fundada em 1986 pelo casal Estevam e Sonia Hernandes), Internacional da Graa de Deus (fundada no Rio de Janeiro em 1980 por Romildo R. Soares), entre outras. Caracterizam-se pelo

    4 FRESTON, P., Breve histrico..., op. cit., p. 70.

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    exclusivismo frente s demais expresses pentecostais e evanglicas, como a nfase nas teologias da prosperidade e na guerra espiritual, investimento forte na mdia (impressa, radiofnica, televisiva e informatizada) e na poltica, e expanso de sua presena para alm das fronteiras nacionais.

    A Igreja Universal a grande representante da terceira onda do Pentecostalismo, conhecida por neopentecostalismo. Ela possui como marca a pregao da Teologia da Prosperidade, que estabelece o direito de sade e de posse de bens materiais aos fiis. Para os defensores da Teologia da Prosperidade, Deus o Senhor de todas as riquezas do mundo, sendo um direito divino dos homens compartilharem as riquezas materiais, j que o homem filho de Deus. Diferentemente do perfil asctico do Pentecostalismo tradicional, o fiel do neopentecostalismo abraou os valores da sociedade de consumo sem ter medo da punio divina, ao contrrio, a ostentao de riquezas materiais um sinal da sua escolha por Deus.

    As igrejas neopentecostais possuem uma racionalizao na sua organizao que no era um trao comum nas suas antecessoras. Sua estrutura administrativa centralizada potencializa a sua expanso no campo religioso. Alm disso, h um uso intenso de recursos miditicos, por meio de jornal, revista, rdio, TV e internet para sua expanso no mercado religioso.

    A Igreja Universal do Reino de Deus tem se utilizado fortemente do poder miditico para o seu proselitismo religioso. Segundo dados levantados por Jacob, a IURD passou de 269 mil fiis, em 1991, para 2,1 milhes, em 2000, o que representava 12% dos pentecostais (Tabela3),5 indicando o sucesso da estratgia miditica adotada. A taxa de crescimento anual de fiis da IURD de 25,7%, quase trs vezes superior a do conjunto dos pentecostais6. Para Leonildo Silveira Campos

    A IURD um movimento neopentecostal, que se propaga numa sociedade pluralista cujo campo religioso concorrencial e turbulento facilita o surgimento de entidades geis, sintonizadas com as necessidades e desejos de um pblico devidamente segmentado, formando assim seu prprio mercado,

    5 JACOB, C., Atlas da filiao..., op. cit., p. 44.

    6 Idem, p. 42.

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    empregando para isso estratgias de marketing e de propaganda, que tomam corpo em uma retrica e teologia adaptveis aos interesses de uma sociedade capitalista em processo de globalizao7.

    I.1.2 Perfil scio-econmico pentecostal

    De acordo com o Atlas da filiao religiosa e indicadores sociais no Brasil8, do ponto de vista demogrfico h maior concentrao de pentecostais nas zonas urbanas do que nas zonas rurais. Verificamos na Figura 19 que os pentecostais de fazem mais presentes nas capitais brasileiras e na regio urbana dos Estados de So Paulo e Rio de Janeiro.

    7 CAMPOS, L. A Igreja Universal do Reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de

    expanso, in Lusotopie 1999, pp. 355-367, p.357. Art. disp. em (c. 06.06.05). 8 JACOB, C., Atlas da filiao..., op.cit., p.40.

    9 Idem, p. 60.

  • 19

    Em relao aos aspectos sociais, no que diz respeito educao, se caracterizam por um nvel muito elementar, uma vez que seus fiis possuem, sobretudo, cursos de alfabetizao de adultos, antigos primrio e primeiro grau, acompanhando a distribuio percebida nas demais religies, exceo dos kardecistas (Grfico 1)10.

    10 BOHN, S., Evanglicos no Brasil, op. cit., p. 300.

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    Entretanto, notamos uma diferena acentuada no nvel educacional no interior do segmento evanglico entre o pentecostal e no-pentecostal. A camada dos pentecostais apresenta um ndice de escolaridade muito menor em comparao aos no-pentecostais (Tabela4).11

    Quanto ao nvel educacional dentre os evanglicos, notamos uma maior escolaridade entre os fiis da Igreja Universal quando comparado aos demais pentecostais, e uma distribuio prxima aos evanglicos batistas (Grfico 2)12.

    11 BOHN, S., Evanglicos no Brasil, op.cit., p. 301.

    12 Idem, p. 302.

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    Quanto ao costume de freqncia de leitura de jornais, notamos baixa freqncia entre os evanglicos e catlicos comparativamente s outras religies, sendo que mais de 50% afirmam no ler jornais (Grfico 3).13

    O nvel de remunerao dos fiis evanglicos muito baixo similarmente ao encontrado dentre os catlicos e de maneiro mais geral aos fiis de religies afro-brasileiras. Cerca de 70% dos fiis recebem at dois salrios mnimos e menos de 9% recebem mais de seis salrios mnimos, conforme aponta a Tabela 5.14

    13 BOHN, S., Evanglicos no Brasil, op. cit., p. 306.

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    Em relao s atividades econmicas, os pentecostais se concentram em servios pessoais e, nesse setor, ocupam, frequentemente, o emprego domstico, com ou sem carteira de trabalho. Consequentemente, a distribuio de renda entre os evanglicos se diferencia, observando-se um nvel de pobreza maior entre os pentecostais comparado aos no-pentecostais, conforme demonstra o Grfico 4.15

    As igrejas evanglicas brasileiras arrebanharam mais fiis nos ltimos anos nos grupos mais desprotegidos da populao. o que mostra o estudo "Retrato das Religies do Brasil", divulgado pela FGV. Dados do Censo 2000 revelam que a presena evanglica maior do que a mdia (16,22%) em favelas (20,61%), periferias de regies metropolitanas (20,72%), entre pessoas com at um ano de estudo (15,07%), desempregados (16,52%) e migrantes recentes (19,17%).16

    14 BOHN, S., Evanglicos no Brasil, op. cit., p. 298.

    15 Idem, p. 299.

    16 SOARES, P., Igrejas evanglicas atraem fiis excludos, Folha de S.Paulo, Caderno Brasil, ed. de

    21.04.05, art. disp. em (c. 30.04.05).

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    Logo podemos concluir que o perfil tpico do fiel pentecostal provm dos setores sociais mais pobres, com menor grau de escolaridade e habita principalmente o espao urbano.

    I.1.3 A composio da IURD

    I.1.3.1 Os fundadores da igreja

    O grande lder da Igreja Universal seu fundador Edir Bezerra Macedo, nascido em fevereiro de 1945 na cidade fluminense de Rio das Flores, Rio de Janeiro, descendente de uma famlia pobre. Trabalhou na Loterj at a fundao da IURD e, ao contrrio de outros lderes pentecostais, freqentou bancos universitrios. Estudou Matemtica na Universidade Federal Fluminense e Estatstica na Escola Nacional de Cincia e Estatstica, porm no concluiu os cursos. Em suas obras, afirma ter ttulos acadmicos relacionados Teologia.

    Converteu-se ao Pentecostalismo em 1963, aos 18 anos de idade, na Igreja da Nova Vida, depois da cura de sua irm de bronquite asmtica. Antes disso, freqentava a Igreja Catlica.17

    A Igreja da Nova Vida foi a grande fonte de inspirao para Edir Macedo e seu cunhado R.R.Soares, ao criarem juntos a IURD anos mais tarde.

    Fundada em 1960 no Rio de Janeiro pelo missionrio canadense Walter Robert McAlister, a Igreja da Nova Vida foi a precursora na pregao da Teologia da Prosperidade no Brasil. Experiente em atuaes em vrios pases, McAlister utilizava freqentemente os meios de comunicao para o seu proselitismo, nesse intento criou um programa radiofnico chamado A voz da Nova Vida e promoveu aparies na TV Tupi entre 1965-67.18

    A forma embrionria do neopentecostalismo era identificada na dcada de 60 em McAlister no constante combate ao diabo, nos ataques s religies afro-brasileiras e na valorizao da prosperidade material. Dessa forma, abria-se uma

    17 MARIANO, R., Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, So Paulo: Loyola,

    1999, p. 54. 18

    Idem, p. 51.

  • 24

    ruptura no seio pentecostal, criando condies para o surgimento da terceira onda marcada pela Teologia da Prosperidade.

    A igreja da Nova Vida acabou no deslanchando, e vrios fatores so citados para o baixo crescimento como: um discurso elitista focado principalmente para membros da classe mdia, e aps a morte do lder da igreja, seu filho pouco carismtico e diplomtico no soube manter a unidade da igreja, com isso a estrutura ficou descentralizada (congregacional). Alm disso, pelo prprio perfil do fiel de classe privilegiada, os fenmenos extticos e carismticos foram diminuindo, o que limitava o campo de expanso.

    Acredita-se que a pouca emoo dos cultos e o elitismo da Igreja da Nova Vida levaram Edir Macedo, Romildo Ribeiro Soares e Roberto Augusto Lopes a fundarem a Cruzada do Caminho Eterno em 1975, e dois anos depois a IURD. Macedo pregou de casa em casa, nas ruas, em praa pblica e em cinemas alugados.19

    R. R. Soares era o lder da Universal, mas o estilo carismtico, centralizador, pragmtico e dinmico de Edir Macedo levou ciso em 1980, por meio de uma votao do prebistrio. Macedo venceu. Soares recebeu uma compensao financeira e fundou a Igreja Internacional da Graa de Deus.20

    A IURD adotou um governo eclesistico episcopal, na qual Macedo concedeu o ttulo de bispo a Roberto Augusto Lopes, que retribuiu consagrando Macedo ao bispado. Roberto Lopes foi escolhido para implantar a igreja em So Paulo. Em 1987, desligou-se da Universal e retornou Nova Vida. Desde outubro de 1986, Macedo periodicamente visita os EUA, pois entende que estando mais presente facilita a difuso da Universal pelo mundo. Macedo acreditava que Nova Iorque poderia ser a nova Roma, como na Antigidade, porm anos depois se percebe uma grande dificuldade na expanso da igreja no hemisfrio norte. Macedo obteve o green card por meio do pastor norte-americano Forrrest Higgibothom, da East Side Church of Christ.21

    19 MARIANO, R., Neopentecostais: sociologia..., op.cit., p.55.

    20 Idem, p. 56.

    21 MARIANO, R., A igreja Universal no Brasil, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P., Igreja

    Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da f, So Paulo: Paulinas, 2003, p. 55.

  • 25

    I.1.3.2 O desenvolvimento histrico da IURD

    Nascida em uma sala de uma ex-funerria do bairro da Abolio, no subrbio da zona norte do Rio de Janeiro, certamente poucos apostariam no sucesso da IURD. No entanto o que se v hoje a representao de um grande fenmeno religioso no Brasil, alcanando uma enorme visibilidade, com a construo de grandes catedrais nas principais cidades do Brasil.

    O seu poder ultrapassa os limites do campo religioso, sendo detentora de um grande imprio miditico, um conglomerado de empresas que atua em vrios ramos da economia e com uma crescente atuao nas decises da poltica nacional.

    Conforme aponta Mariano, a igreja Universal representa o maior fenmeno religioso do pas das ltimas dcadas. Seu crescimento extrapolou o campo religioso, tambm teve reflexos no campo miditico e na poltica. Em 1985, possua 195 locais de culto. No ano de 1989, contava com 571 templos e, nesse ano, adquiriu TV Record. Ao todo nessa dcada cresceu 2600%, suas igrejas concentravam-se nas regies metropolitanas do Rio de Janeiro, So Paulo e Salvador. Na dcada de 1990 estabeleceu igrejas por todo o pas, na qual detinha uma taxa de crescimento anual de 25,7%. O nmero de fiis era de 269 mil, passando, no final da dcada, para 2.101.887 adeptos no Brasil .22

    I.1.3.3 O crescimento internacional

    A igreja Universal detm uma extraordinria expanso internacional. Seu crescimento deveu-se principalmente ao imprio financeiro e miditico que possui, alm de sua grande capacidade de adaptao s diversidades locais. Instalada em vrios pases e uma quantidade de fiis de um pouco mais de meio milho, evitou em grande escala as cises incessantes no meio pentecostal, graas a uma

    22 MARIANO, R., Neopentecostais: sociologia..., p. 65.

  • 26

    mquina narrativa de sucesso, e a manuteno de brasileiros nos postos de comando na maioria dos pases.23

    A expanso internacional da igreja comeou em 1985 no Paraguai. O ritmo comeou a se acelerar a partir da dcada de 1990. O nmero de igrejas instaladas no Exterior estimado em 221, em 1995, e 500, em 1998. Contabilizando o total das cifras parciais, pode-se estimar um nmero aproximado de mil para 2001, embora o crescimento continue at hoje. Pode-se encontr-la em quase todos os pases da Amrica Latina. encontrada na metade dos pases da frica e tambm no Canad e nos EUA. Na Europa est em uma dezena de pases. Desenvolve-se nos pases do Leste europeu e em alguns pases da sia 24 . Segundo Ari Pedro Oro

    A expanso internacional da igreja Universal resulta de uma deciso da prpria igreja segundo seus clculos e interesses, e ela se relaciona com as instncias estatais somente naquilo que for exigido legalmente: passaporte, visto, registro, impostos. O procedimento usual sempre o mesmo. A cpula dirigente efetua um levantamento de pases e cidades em que pensa instalar a igreja. Nesta escolha levada em considerao a possvel clientela, e, sobretudo, a presena de brasileiros ou hispnicos. Decidido o pas e a cidade, so enviados para l um ou mais pastores que alugam um espao, de preferncia cinemas ou outros de tamanho razovel desativados, situados em lugar de grande circulao de pessoas, para dar incio ao trabalho religioso.25

    No entanto, deve-se ressaltar a dificuldade de expanso que est sofrendo no seu processo de mundializao. O sucesso da expanso internacional da Igreja Universal ocorre principalmente nas reas mais pobres do mundo, como a frica e a Amrica Latina. Outra caracterstica que o seu crescimento se d em pases que tm o mesmo idioma de sua origem, tanto nas ex-colnias portuguesas na frica e Portugal na Europa. Nos pases ricos sua pregao encontra como ouvintes principalmente setores excludos da sociedade, como imigrantes hispnicos nos Estados Unidos e africanos na Europa.

    23 In Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da f, op. cit., p. 23.

    24 Idem, p. 30.

    25 ORO, A., A presena religiosa brasileira no exterior: o caso da igreja Universal do Reino de Deus, in

    Estudos Avanados, (18) 52, pp. 139 a 155, 2004, p. 140. Art. disp. em (c. 06.05.06).

  • 27

    Na Amrica Latina, a presena da IURD ocorre principalmente na Argentina e na Venezuela. Na Argentina, adotou uma estratgia nas suas cerimnias de retirar rituais que envolvam a satanizao das entidades afro-brasileiras para valorizar os males psicolgicos, enquanto na Venezuela, por ser um pas marcado por uma cosmologia com entidades africanas e com freqente trnsito religioso, a retrica da igreja encontrou um meio facilitado de penetrao na sociedade. A resistncia foi grande em outros pases da Amrica Latina, principalmente o Mxico, um fator consistente a fora religiosa do culto Virgem.26

    Quanto frica, apesar de toda cerimnia religiosa da IURD conter um alto grau de dramatizao presente no combate s foras malignas, a igreja vem expandindo principalmente em Angola e Moambique, a explicao para esse fato remete a duas causas: a facilidade de intercmbio cultural devido mesma origem de colonizao e a presena de uma propaganda na televiso nesses dois pases.27

    Nos Estados Unidos, o pblico da IURD formado principalmente da IURD por imigrantes. J na Europa, Portugal o pas que possui a maior penetrao da IURD, inclusive nos meio de comunicao.

    H uma resistncia dinmica pentecostal pelos europeus. Em alguns pases a presena da igreja est ameaada legalmente, como na Gr-Bretanha. Na Blgica e a Frana foram produzidos relatrios parlamentares que classificaram a IURD como uma seita, com isso aumentando o preconceito da opinio pblica.28

    I.1.3.4 As grandes mobilizaes

    A Universal promove grandes mobilizaes como forma de proselitismo, inclusive em seu site29 h um link chamando a ateno para essas reunies. As realizaes desses eventos provocam dois efeitos: primeiro, um sentimento de

    26 In Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da f, op. cit., p.50.

    27 Idem, p.102.

    28 Ibid., p.149.

    29 Site da Igreja Universal do Reino de Deus, (c. 15.09.05).

  • 28

    grandiosidade ou reforo da f individual; segundo, um aumento de possibilidade de contato da rede social da comunidade, fortalecendo os laos sociais dos membros da igreja.

    Como forma de fortalecer a imagem de expanso da igreja, o texto do site da Universal cita as primeiras pregaes de Edir Macedo que reuniam poucas pessoas no coreto do bairro do Mier no Rio de Janeiro na dcada de 70. E hoje exaltado o fato de a igreja conseguir reunir milhares de pessoas nos maiores estdios do pas.

    A primeira grande manifestao da Universal que chamou a ateno da mdia ocorreu em 1987, quando os fiis da IURD na chamada reunio do duelo dos Deuses lotaram simultaneamente o estdio do Maracan e o ginsio do Maracanzinho. No dia 29.12.2000 os dois lugares no foram suficientes para abrigar todos os participantes, e do lado externo foram colocados teles.30

    Essas grandes mobilizaes desempenham uma srie de funes: a legitimao da igreja como fora religiosa, consolidando o seu espao no campo religioso; o fortalecimento de laos entre os fiis, sendo uma caracterstica fundamental para o processo de institucionalizao; um grande marketing da igreja, j que mobiliza milhares de pessoas tornando-se visvel para o grande pblico; uma renovao dos votos de f na igreja, fortalecendo o seu papel como instrumento de salvao.

    I.1.3.5 A organizao administrativa

    A estrutura administrativa da IURD est organizada de forma vertical e fortemente centralizada em torno da figura de Edir Macedo. O rgo mximo de poder o Conselho Mundial de Bispos, acima do Conselho de Bispos do Brasil, por sua vez acima do Conselho de Pastores. Entretanto, Edir Macedo quem decide e comanda, a partir da crena em seu direito divino. No concedida autonomia aos pastores e congregaes, assim como os fiis no tm o poder de

    30 MARIANO, R., Neopentecostais: sociologia..., op. cit., p. 65.

  • 29

    escolha sobre os lderes locais, que ficam subordinados a um esquema de rodzio imposto pela igreja.31 Segundo Campos,

    Para os seus seguidores, Edir Macedo o pastor modelar, um homem que mantm intimidade com Deus, empresrio de sucesso, mas perseguido, preso e humilhado, como tambm o foi Jesus Cristo. Para eles, a biografia de Macedo resume a trajetria de vida de milhares de seus adeptos, pois ele foi catlico, passou pela umbanda e finalmente se tornou pentecostal. O bispo Macedo algum que saiu do nada, conseguiu muita coisa na vida e hoje, humildemente, se dedica pregao do evangelho. Por isso, de nada valem os argumentos divulgados pela mdia, atribuindo a Macedo uma vida milionria, graas ao dinheiro dos fiis. A lgica dos enredados pelo heri sempre se repete diante de afirmaes do homem comum que garantem: O bispo Macedo um escolhido de Deus, portanto merece viver bem. Por sua vez, o heri iurdiano responde reafirmando sempre a sua humildade: sou o estrume do cavalo do bandido; um monte de nada.32

    Aos pastores da Universal no incentivada uma formao ou estudo teolgico, a sua aprendizagem ocorre durante o trabalho do cotidiano. E o seu recrutamento se d a partir de membros da comunidade, principalmente obreiros.

    Todas as atividades do templo so de responsabilidade do pastor, desde a ao nas cerimnias religiosas, a coordenao dos pastores auxiliares e obreiros, relaes pblicas com os fiis, at o gerenciamento administrativo da igreja, embora, no tenham qualquer autonomia sobre o gerenciamento dos recursos arrecadados. Como menciona Campos,

    (...) o pastor possui na igreja Universal o status de homem de Deus ... o pastor deve atuar no palco-altar como ator, pregar, curar, atender pessoas no local de culto, estar disposio do setor de publicidade da igreja, administrar o templo... 33

    31 MARIANO, R., Neopentecostais: sociologia..., op. cit., p. 63.

    32 Excerto do jornal Folha Universal, edio de 31.12.95, in CAMPOS, L., Cultura, liderana e

    recrutamento numa organizao religiosa o caso da igreja Universal do Reino de Deus, trab. apres. XXXI Asamblea Anual CLADEA - Reunio do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administrao (Santiago, Chile, set. 1996), 18 p., p.5. Art. disp. em (c. 10.08.05). 33

    Idem, p. 10.

  • 30

    Ainda segundo Campos:

    A fora de Edir Macedo tem sido suficiente para abafar descontentamentos individuais. A proibio de pastores pregarem em outros templos, a absoro de todo o tempo disponvel deles no templo local, o isolamento de cada um em suas respectivas reas de trabalho, o rodzio permanente, tudo impede a formao de grupos de descontentes, neutraliza possveis atos de rebeldia e permite a individualizao do conflito. Nesse sentido, a igreja Universal se tornou uma "associao hierocrtica compulsria", graas sua "organizao contnua", sob a autoridade de um homem s ou de um pequeno grupo, que mantm autoritariamente, o monoplio dessa coero. por isso que, a obedincia, conseguida por coero ou persuaso, o alicerce sobre o qual repousa a igreja Universal como instituio religiosa.34

    Devido a sua estrutura administrativa basear-se na centralizao e na figura de um lder carismtico, a Igreja Universal tem um desafio no seu processo de expanso, invariavelmente o seu crescimento desembocar na formao de regras e burocratizao dos quadros eclesisticos. Esse fenmeno poder levar a uma mudana de mentalidade da igreja, j que a sua cultura organizacional original caracterizada pela figura carismtica de seu lder. O processo de amadurecimento institucional da igreja tende a estabelecer uma acomodao e uma sintonia maior com o meio, o que resultar em uma diminuio no grau de tenso de seus membros com a sociedade.

    Nos ltimos anos, a trajetria da igreja Universal est delineada no processo de institucionalizao. So caractersticas desse movimento: a ocupao do espao urbano de forma suntuosa com a construo de catedrais que resulta em uma demarcao territorial de difcil retrocesso; a participao poltica cada vez mais consistente; a exposio de crticas a igreja na mdia cada vez menor se comparado dcada de 90.

    34 CAMPOS, L., Cultura, liderana e recrutamento..., op. cit., p. 9.

  • 31

    I.1.4 Prticas da IURD

    I.1.4.1 O uso da mdia

    De acordo com o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicao,35 a Universal adquiriu diversas emissoras de rdio, formando a rede Aleluia (21 AM e 31 FM), alm da Rede Record de televiso, da qual proprietria de 21 das 63 emissoras. Dez anos aps sua aquisio, a Rede Record, que se encontrava deficitria, j alcanava todo o Pas e passou a ter um faturamento de US$ 300 milhes. A aquisio da Rede Mulher (UHF) ampliou ainda mais a presena da IURD na televiso.36

    No campo da internet, a Universal detm um site que apresenta a igreja, os seus cultos dirios, endereos de templos, notcias de viglias e aes de doaes.37 H um link, evangelizao na mdia, que justifica e vangloria o poder da igreja. Ele afirma:

    A principal misso da igreja Universal do Reino de Deus pregar a Palavra de Deus pelos quatro cantos da Terra, levando cura das enfermidades, libertao dos espritos malignos, prosperidade, restituio de famlias e santificao de vidas para todos os que buscam a Deus com sinceridade no corao.

    Desde cedo, a igreja Universal tem demonstrando uma grande preocupao em evangelizar atravs de livros, revistas, peridicos, rdios, programas de televiso e internet, pois sabe que pelos meios de comunicao possvel alcanar milhares de pessoas que esto sofrendo e carentes de uma palavra de f e esperana.38

    A IURD tambm possui um portal na rede, o Arca Universal, lanado em 30.04.2001,39 que apresenta diversos servios. Nos assuntos religiosos h Bblia on line, mensagens, testemunhos, a campanha da Fogueira Santa e endereos das igrejas no mundo. Noticirios diversos na economia, poltica, cotidiano e

    35 Informao publicada na edio de 06.03.02 da revista Carta Capital.

    36 FONSECA, A., Igreja Universal: um imprio miditico, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P.,

    Igreja Universal..., op. cit., p. 259. 37

    Site: (c. 15.09.05). 38

    Idem. 39

    Site: (c. 23.03.07).

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    esporte. A loja virtual Arca Center permite a compra de material da igreja como Bblias, CDs, livros e DVDs. Links para as revistas e o jornal Folha Universal. H tambm uma rea para fazer doaes para igreja, links de mensagens do cotidiano para homens que enfatizam assuntos econmicos e futebol, enquanto para as mulheres o foco sade e a beleza.

    A novidade em termos de mdia digital da Universal em 2006 o fornecimento de contedo mvel para os fiis, pelo qual seus membros recebero os chamados torpedos em celulares, conforme notcia veiculada no jornal O Estado de So Paulo:

    A igreja Universal do Reino de Deus, junto com a empresa de contedos mveis Hanzo, vai mandar versculos bblicos e mensagens de pastores para o celular de seus fiis, alm de notcias e outros contedos. Os torpedos evanglicos sero destinados aos leitores do site arcauniversal.com, site da igreja Universal, cuja equipe de comunicao produzir o contedo para a telefonia mvel. O pblico do servio tambm poder interagir com programas ligados IURD como o Fala que eu te escuto, programa veiculado na madrugada da TV Record, participando de enquetes. O preo varia entre R$ 0,10 e R$ 0,31 por mensagem recebida.40

    A origem da Universal est ligada ao rdio. Quando da sua formao, a igreja possua programas de 15 minutos antes ou depois de programas de pai ou me-de-santo. De acordo com Rodrigues:

    Se tivermos construindo uma igreja, uma catedral, interrompemos tudo em funo da compra ou arrendamento de uma rdio, de uma televiso (...) Descobrimos que o rdio um meio de comunicao sem igual; no h nada como o rdio. A televiso tem o poder da imagem, mas no tem a fora do rdio. (Folha Universal, 04/05/1997)41

    Apesar da fora proselitista do rdio destacada por Rodrigues, observamos na Figuras 2 e 3 42 um dado significativo: se sobrepusermos os dois mapas,

    40 BARBOSA, A., Empresa mandar torpedos evanglicos da igreja Universal, in O Estado de So Paulo,

    ed. de 02.03.2006, caderno Vida Digital. Inf. disp. em (c. 10.03.06). 41

    Excerto do jornal Folha Universal, edio de 04.05.97, in FONSECA, A., Igreja Universal: um imprio miditico, op. cit., p. 265. 42

    JACOB, C., Atlas da filiao..., op. cit., p. 62.

  • 33

    verificaremos que a expanso de fiis da IURD tem sido elevada nas regies em que h retransmissora da Rede de TV Record. De maneira geral, nas regies sem retransmissoras de TV h baixa concentrao de fiis da IURD.

  • 34

    A rede de TV Record desenvolve programas religiosos no comeo do dia e no incio da madrugada. Basicamente trs formatos so utilizados: primeiro, aos domingos pela manh, o programa o Santo culto em seu lar, no qual ocorre a pregao de Edir Macedo geralmente gravado na Catedral da F em So Paulo.43

    Segundo, o programa de maior audincia comandado por pastores, chamado Fala, que eu te escuto, onde abordado um assunto do cotidiano que envolve polmica, e o pastor comanda uma espcie de mesa de debates sobre o assunto, opinies por telefone ao vivo e tambm entrevistas coletadas nas ruas. 44 Alcanando at 7% no Ibope, o programa chegou a ser considerado cult pela imprensa, destacando-se pela forte audincia conquistada por um programa religioso entre classes A e B (40% de sua audincia). Fonseca analisa que o formato distante do televangelismo e sua proposta participativa representam importantes elementos para o seu sucesso.45

    Terceiro, os programas o Despertar da F, Nosso tempo e Casos reais, apresentados em um estdio comandado por um pastor que fica em uma mesa abordando assuntos pautados pelas reunies dirias da Universal.46 Este convida constantemente os telespectadores a comparecerem na unidade mais prxima da Universal, sendo que na tela so informados os endereos das igrejas. O pastor comanda entrevistas com pessoas que freqentam a Universal e contam histrias de aflies que viviam antes de entrar para a IURD. Frases como: Quer prosperar?, Seu lar est desmoronando?, Tem problemas?, Pode vir que a gente resolve, so citadas pelos pastores. Nota-se que a decorao do estdio e a vestimenta do pastor dependem do assunto a ser abordado naquele dia, ou seja, o cenrio para o dia da prosperidade diferente do dia do tema famlia.

    A Universal publica um peridico semanal que atinge uma tiragem de mais de dois milhes e meio de exemplares, a Folha Universal, que serve como material evangelizador. Esse jornal distribudo nas portas das igrejas diariamente, inclusive por membros trajados com uma roupa formal da igreja com gravata, o

    43 Programa assistido na Rede Record no perodo de 20.08.05 a 25.08.06.

    44 Programa assistido na Rede Record no perodo de 12.01.04 a 30.01.07.

    45 FONSECA, A., Igreja Universal: um imprio miditico, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P.,

    Igreja Universal..., op. cit., p. 266. 46

    Programas assistidos na Rede Record no perodo de 17.01.06 a 30.09.06.

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    que aumenta a sensao de ordem e prestgio do exemplar pela pessoa que o recebe. No Brasil, alm da Folha Universal, A IURD tambm publica as revistas Ester e Plenitude e o jornal dirio Hoje em dia na cidade de Belo Horizonte .

    Segundo pesquisa conduzida por Fonseca, 32% dos evanglicos entrevistados da Universal atribuem mdia o papel de destaque em sua converso. Porm, diferentemente dos televangelistas norte-americanos, para os quais a televiso a responsvel pela manuteno financeira da igreja, a Universal no entra na mdia com o objetivo de arrecadar fundos, mas sim para divulgar seus produtos e atrair novos seguidores. Estes pagaro pelos servios que utilizaro e podero engrossar seu rol de dizimistas.47

    I.1.4.2 A padronizao das ofertas

    O culto da Universal caracterizado por grande simbolismo, baseado na ao do sobrenatural, e direcionado por pastores que comandam todos os momentos da cerimnia: o momento de orar, cantar, pregar e pedidos de oferta de dzimos. Esses so auxiliados por obreiros dedicados, dos quais exigida a posse de dons de lnguas, que circulam o ambiente para ajudar no culto.

    Os pastores representam mediadores dos poderes divinos, a resolver os problemas terrenos dos fiis. O discurso iurdiano caracterizado pela Teologia da Prosperidade diz: Jesus quer libert-los do mal e conceder-lhes vida em abundncia, sade perfeita, prosperidade material e felicidade. O Reino dos Cus aqui na Terra, e est ao alcance de todos. Todos so acolhidos pela igreja, viciados, drogados, desempregados, doentes. O caminho para a libertao passa pela f, orao, exorcismo e o pagamento de dzimos.

    Existe uma racionalizao na oferta de servios religiosos, um calendrio fixo de cultos e rituais para prestar atendimento especializado a problemas especficos.

    47 FONSECA, A., Igreja Universal: um imprio miditico, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P.,

    Igreja Universal..., op. cit., p.278.

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    As reunies semanais so: s segundas dedicadas prosperidade, chamada de corrente dos 318 homens de Deus; s teras ocorre a sesso do descarrego e a reunio da cura; s quintas dedicado harmonia da famlia; s sextas corrente da libertao; aos sbados a chamada terapia do amor; s quartas e aos domingos, respectivamente, sem carter utilitrio propriamente dito, dedica-se corrente dos filhos de Deus e Santa Ceia, esses cerimoniais so enunciados como capazes de estabelecer maior intimidade entre o fiel e Deus. Segundo Campos,

    A igreja Universal possui uma refinada perspectiva de marketing, pois procura conhecer o seu pblico, padronizar os produtos, transformar as pessoas em participantes do processo de produo, segmentar a audincia, oferecendo-lhes exatamente o que se pensa precisar e desejar naquele momento. Isto , ela no se contenta em oferecer um produto genrico, que o principal benefcio esperado pelo consumidor. Muito pelo contrrio, ela oferece um produto ampliado, o qual desdobrado em outros produtos como cura, prosperidade, comunidade de apoio e outros mais... nos templos da IURD os consumidores religiosos escolhem aqueles produtos que mais se relacionam com suas necessidades e arquiteturaram em sua prpria cabea o produto desejado, conforme as suas aspiraes. Isto , a igreja Universal oferece um kit contendo os ingredientes de um produto retrabalhado no imaginrio do consumidor. O preo a ser pago para a satisfao dos desejos na IURD monetarizado48.

    Para Freston:

    A IURD combinao de igreja pentecostal e agncia de cura divina, pois une a preocupao com as demandas particulares e com a demanda espiritual de salvao. Existe um relativo no-sectarismo. Assim como uma igreja territorial, a IURD une a prestao de servios religiosos a todos os interessados e os conceitos cristos de compromisso e comunidade. De acordo com o modelo de igreja, a IURD trabalha com um conceito de camadas. No nvel mais baixo, oferecem-se servios para uma clientela flutuante. No prximo nvel, h os membros, mas destes ainda no se fazem muitas exigncias comportamentais. Depois, vem o nvel dos obreiros voluntrios, para quem as exigncias so maiores. Finalmente, vem o nvel dos pastores pagos49.

    48 CAMPOS, L., A Igreja Universal do Reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de

    expanso (Brasil, frica e Europa), in Lusotopie, pp. 355-367, p. 362, art. disp. em (c. 06.06.05). 49

    FRESTON, P., Breve histrico..., op. cit., p.142.

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    Assim, podemos considerar que a IURD representa um pronto-socorro espiritual, uma vez que seus membros ficam de planto espera de pessoas em busca de cura ou de soluo para problemas prticos da vida, individual ou familiar. Alm disso, promovem a distribuio de jornais e panfletos na porta das igrejas, cuja manchete diz: Pare de sofrer.

    I.1.4.3 As implicaes mgicas

    A magia elemento crucial da Universal. Haja vista sua estratgia de oferta de objetos como gua, leo, sal, sabonete, leno, xampu, chaves, canetas, que uma vez abenoados pelos pastores passam a ser considerados portadores de eficcia simblica em termos de cura, proteo e prosperidade. Os bens sagrados no so diretamente vendidos, mas distribudos aos fiis, no entanto os pastores sugerem que sejam realizadas doaes espontneas, voluntrias, em retribuio ao bem sagrado. Esses objetos so chamados de ponto de contato.

    Para Edir Macedo, os objetos que so distribudos pelos pastores na igreja no tm poderes em si mesmo, eles representam apenas um ponto de contato que serve para despertar as pessoas para as realizaes e demonstrar que Deus est presente.

    Apesar de Edir Macedo desqualificar a posse de poder pelo objeto, nos cultos os pastores enfatizam o poder sagrado dos objetos a partir da consagrao.

    O perfil comum do fiel da IURD o indivduo pobre e com baixa escolaridade, no entanto, nas correntes da prosperidade na chamada viglia dos empresrios com 318 pastores que ocorrem s segundas-feiras, o pblico alvo passa ser o da classe mdia, e so distribudos objetos mgicos como um mezuz (objeto judaico utilizado no batente da porta), pastas plsticas para conter papis da abertura de empresas e contratos e canetas, que devem ser utilizadas na assinatura de papis de negcio.

    Essa prtica mgica observada na IURD est fortemente presente no campo religioso brasileiro, como as feitiarias afro-brasileiras, crenas populares de objeto que expulsam mau-olhado como o sal, o galho de arruda, um copo de gua

  • 38

    no momento de orao, a bala de Cosme e Damio e uma infinidade de simpatias. Alm de magias de classes mais abastadas como o Feng Shui e gnomos.

    De acordo com Silas Guerreiro, podemos entender a magia como o controle exercido por parte do mago com o objetivo de intervir na ordem geral da natureza. O mago aquele que possui um determinado poder e que atravs de tcnicas especficas controla foras sobrenaturais, e direciona para fins especficos como problemas do cotidiano, por exemplo, curar doenas, desemprego e conflitos familiares e amorosos.50

    Logo, conclui-se que os pastores da IURD fazem o papel de magos na medida em que consagram os objetos.

    I.1.4.4 A guerra contra o diabo

    O trnsito religioso no Brasil muito grande, as crenas se apropriam de ritos e mitos presentes nas concorrentes. A crena em possesses que marcam as religies afro-brasileiras e o espiritismo um elemento central da teologia iurdiana, a construo do universo simblico alimentado pela concorrncia. Todos os problemas de vcio, desemprego, mau relacionamento amoroso e familiar so justificados pela ao do diabo.

    O ritual de exorcismo realizado com freqncia nos cultos de cura e de libertao, a Universal destaca sinais da presena do diabo como o nervosismo, dores de cabea, insnia, medo, desmaios, desejo de suicdio, doenas que a medicina possui dificuldade em resolver, vcios e depresso. Esses sintomas foram publicados no Estatuto e regimento interno da IURD de 1994.51

    Esse quadro para diagnosticar a presena de encostos freqente em pessoas que vivem em constante estresse nas cidades brasileiras, que so marcadas por uma srie de problemas como a violncia, trnsito e dificuldade de sobrevivncia financeira. Associado a esse quadro real urbano est a religiosidade popular brasileira, que enraizada por crenas em espritos e feitios.

    50 GUERRIERO, S., A magia existe?, So Paulo: Paulus, 2003, p.12.

    51 ALMEIDA, R., A guerra das possesses, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P., Igreja

    Universal, op. cit., p. 323.

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    A relao entre a Universal e as religies afro-brasileiras se torna bastante conflituosa, pois mitos presentes no panteo das religies afro-brasileiras recebem uma nova leitura por parte da Igreja Universal, ficando evidente um carter concorrencial. Edir Macedo escreveu o livro Orixs, caboclos e guias: deuses ou demnios?. Para os iurdianos as entidades da Umbanda e do Candombl so espritos demonacos, e a Universal encontrou nelas a personificao do diabo e sua ao malfica sobre o ser humano, da qual ele precisa ser libertado.52

    De acordo com Almeida h diferenas fundamentais entre os exorcismos praticados pela Universal e o Candombl. Se nos cultos afros a possesso o ponto alto da sacralizao, na qual o ritual adquire um momento de festa, na Universal, a possesso o plo negativo extremo da manifestao do sagrado, por representar o encosto, o causador de todos os males. Alm disso, se para os afro-religiosos as entidades retornam ao seu panteo, para a Universal os espritos so extirpados dos corpos e enviados ao inferno.53

    A rivalidade com o tema diabo extrapola a luta entre Universal e religies afro-brasileiras. Conforme aponta Almeida, as comemoraes no dia de So Cosme e So Damio expressam de forma exemplar essa disputa-mistura religiosa. Por se tratar de uma data comemorada tanto pela Igreja Catlica quanto pelas religies afro-brasileiras, com forte apelo para o pblico infantil, a igreja Universal realiza a distribuio de balas e doces aos filhos de fiis, evitando que sejam contaminados pelo diabo, presente no que oferecido por outras religies. Tambm nesse dia o pastor ordena aos espritos alojados nas crianas pequenas que se manifestem em seus pais, para que possam depois ser exorcizados, pois a IURD considera So Cosme e So Damio os demnios causadores dos males nas crianas.54

    A manifestao de espritos no corpo de fiis da IURD no representa simplesmente uma influncia das religies afro-brasileiras. A Universal, sendo

    52 ALMEIDA, R., A guerra das possesses, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P., Igreja

    Universal, op. cit., p. 323. 53

    Idem, p. 331. 54

    Ibid, p. 326.

  • 40

    uma religio pentecostal, aceita a manifestao do Esprito Santo, o que torna seus participantes abertos a outras representaes sobrenaturais.

    Segundo Ronaldo Almeida, a Universal estabelece uma relao de fagocitose religiosa, atravs da negao de crenas no seu contedo original e, paralelamente, assimilar sua forma de apresentao e funcionamento. Esse contato com o universo religioso afro-brasileiro provocou um movimento de abrasileiramento de um segmento do Pentecostalismo. Ao mesmo tempo, a influncia de crenas afro no ritual estabeleceu uma relao de dependncia da IURD com s religies afro-brasileiras 55.

    Em suma, a prtica do exorcismo pela Igreja Universal representa um elemento do trnsito do campo religioso brasileiro, no entanto diferentemente das religies afro-brasileiras, a IURD associa os espritos a smbolos carregados de poder que desestruturam a vida do indivduo. Essa construo acirra a disputa por fiis no mercado religioso brasileiro.

    I.1.5 Nvel de religiosidade do fiel da IURD

    Analisando o campo religioso brasileiro, percebemos um alto grau de religiosidade do fiel da igreja Universal. Segundo Simone Bohn:

    Por nvel de religiosidade entendemos no a intensidade da f do fiel, mas seu grau de exposio s autoridades religiosas medido pela freqncia com a qual ele participa das cerimnias religiosas. Desse modo, um baixo grau de religiosidade indica que o fiel raramente vai a missas e cultos ou s participa deles algumas vezes por ano. Fiis que possuem um nvel mdio de religiosidade vo igreja uma ou duas vezes por ms. J o nvel alto composto por pessoas que vo missa ou ao culto uma ou mais vezes por semana.56

    55 ALMEIDA, R., A guerra das possesses, in: ORO, A.P.; CORTEN, A.; DOZON, J.P., Igreja

    Universal, op. cit., p. 341. 56

    BOHN, S., Evanglicos no Brasil..., op.cit., p. 303.

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    De acordo com pesquisa divulgada pela ESEB (Grfico 6),57 os evanglicos so aqueles que possuem a maior freqncia nas cerimnias religiosas, inclusive em grande vantagem comparativamente com as outras religies concorrentes.

    Dentre os evanglicos, a igreja que atingiu o maior grau de exposio s autoridades religiosas ou a maior freqncia foi a igreja Universal, conforme aponta a Tabela 6.58

    57 BOHN, S., Evanglicos no Brasil..., op.cit., p. 303.

    58 Idem, p. 304.

  • 42

    Embora a forma de mensurao do nvel de religiosidade possa ser discutida, esses dados so um indicativo da capacidade de atrao e mobilizao de fiis que a IURD vem alcanando. Conforme anlise que faremos a seguir, parte desse sucesso pode ser explicada pela aplicao da Teologia da Prosperidade.

    I.2 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

    A Teologia da Prosperidade representa um fenmeno religioso recente no interior da igreja pentecostal, que defende a crena de que o fiel est libertado dos pecados e por isso tem o direito de usufruir de sade e prosperidade material.

    I.2.1 O protagonista inicial

    O maior representante do evangelho da prosperidade, Kenneth Hagin, nasceu no Texas em 1917. De origem pobre, passou por grandes dificuldades emocionais, fsicas e financeiras, sendo criado pelos avs. Aos 15 anos de idade ficou gravemente doente e passou a relatar que possua vises de Cristo e passagens pelo Cu e o Inferno. As viagens para o Cu o levaram a converso, e diz receber a verdadeira revelao de Marcos 11: 23, 24 e da natureza crist. Para obter as benes diante de Deus, o fiel deve confessar em voz alta e nunca duvidar da sua crena. Evanglico batista, aps a cura decidiu comear a pregar o evangelho associando-o Confisso Positiva.59

    Ainda na dcada de 30, Hagin passou a ter o dom da cura, o que o levou a fazer parte do movimento pentecostal, ingressando na Assemblia de Deus. Depois de alguns anos tornou-se um pastor itinerante promovendo a cura.

    Hagin sofreu influncias marcantes de Essek William Kenyon, de quem aprendeu ensinos sobre cura divina e Confisso Positiva, e do televangelista Oral Roberts, quem adotou pela primeira vez o conceito de Vida Abundante.

    Em 1974 Hagin fundou em Oklahoma o Rhema Bible Training Center, formando novos discpulos da Teologia da Prosperidade, e deixou vrios escritos

    59 PIERATT, A., O evangelho da prosperidade, So Paulo: Vida Nova, 1996, p. 24.

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    sobre a Teologia da Prosperidade que so utilizados como base tanto por lderes evanglicos dos Estados Unidos como do Brasil.

    I.2.2 Origem

    Chamamos de Teologia da Prosperidade a doutrina que surgiu na dcada de 40 nos EUA. Tambm conhecida por Health and Wealth Gospel, Faith Movement, Faith Prosperity Doctrines, Positive Confession. Rene crenas sobre cura, prosperidade e poder da f, mas s se constituiu como movimento doutrinrio no decorrer dos anos 70, quando encontrou abrigo nos evanglicos carismticos dos EUA.60

    O evangelho da prosperidade um fenmeno religioso que se cristalizou a partir da dcada de 70, influenciado por telogos norte-americanos, principalmente Kenneth Hagin. A doutrina da prosperidade, vinculando a crena religiosa a um retorno financeiro, foi iniciada pelo televangelista Oral Roberts, na dcada de 1950, quando criou a noo de Vida Abundante, prometendo retorno financeiro sete vezes maior do que o valor ofertado. Nos anos 70, essa doutrina ganharia maior projeo por meio do ministrio de Kenneth e Gloria Copeland.61

    Vrias igrejas evanglicas ligadas onda neopentecostal vm praticando o discurso do evangelho da prosperidade, resultando em um grande aumento do nmero de fiis, e constitui-se hoje em um grande movimento de massa que vem enfraquecendo a quantidade de crentes de religies tradicionais.

    Nesse sentido, podemos afirmar que a Teologia da Prosperidade vem se configurando mais como uma filosofia do que propriamente uma teologia, uma vez que o ideal de prosperidade serve de base para diversos grupos religiosos, como por exemplo, a igreja Seicho-no-ie e o movimento da Nova Era.

    Isso se d em funo dos elementos sincrticos ocidentais e orientais que compem a Teologia da Prosperidade. A crena em Cristo e a legitimidade da Bblia compem o imaginrio religioso do Ocidente, enquanto a idia da posse de

    60 MARIANO, R., Neopentecostais..., op. cit., p. 151.

    61 Idem, p. 152.

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    uma mente humana capaz de modificar a realidade, prticas esotricas e paramdicas revelam a influncia do Oriente para a formao do corpo doutrinrio.

    A Teologia da Prosperidade reinterpreta valores do Cristianismo. Ao contrrio do tradicionalismo que prega a busca do paraso para alm do ps-morte, a crena da prosperidade defende a idia de que o homem foi liberto do pecado original por meio do sacrifcio de Cristo, assim pode no s usufruir dos bens terrenos, como tambm exigir de Deus como um direito adquirido, a sade fsica e a abundncia material.

    No Brasil, a prtica adotada pelas igrejas neopentecostais diferencia-se da originalmente estabelecida na cultura norte-americana, uma vez que ritos da religiosidade popular foram incorporados doutrina, como forma de estabelecer maior proximidade com a cultura local e garantir com isso maior expanso de fiis. Porm, a essncia teolgica inovadora, que a condio do direito do cristo de usufruir a prosperidade fsica e material por meio da f e sacrifcios, representados por dzimos e ofertas, foi mantida.

    O discurso baseado na Teologia da Prosperidade representa uma acomodao aos valores e interesses da sociedade contempornea - alimenta a vontade de consumo como uma busca de satisfao e fortalece o comportamento individualista e liberal de costumes.

    As razes histricas e filosficas do evangelho da prosperidade remontam ao Pentecostalismo e a vrias seitas metafsicas do incio do sculo XX, provenientes da regio de Boston, EUA. Dessas duas fontes, os pressupostos filosficos propriamente ditos foram fornecidos pelas seitas metafsicas, e o Pentecostalismo forneceu a base ou o grupo onde a teologia encontrou a maior parte de seus adeptos62.

    62 PIERATT, A., O evangelho da prosperidade, op.cit., p. 19.

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    I.2.2.1 A influncia de seitas metafsicas

    Segundo Mariano,

    Em sua carreira de pregador da Confisso Positiva (...), Hagin inspirou-se em Essek William Kenyon (1867-1948) e chegou mesmo a plagiar vrios escritos dele. No Emerson College of Oratory, em Boston, Kenyon escritor, pregador batista, metodista, pentecostal e itinerante sem vnculos denominacionais, radialista de sucesso no final dos anos 30 e comeo dos 40 inclinou-se aos ensaios das seitas metafsicas derivados da filosofia do Novo Pensamento, formulada originalmente por Phineas Quimby (1802-66). Quimby, que estudara espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia para produzir sua filosofia, inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora da Cincia Crist. E os escritos de Mary Baker, por sua vez, teriam influenciado as doutrinas de Kenyon, autor original da Confisso Positiva.63

    Kenyon declarava-se um agnstico, a sua converso a igreja batista foi influenciada pelo pastor Adoniram Judson Gordon na ltima dcada do sculo XIX. Em 1898 Kenyon abriu o instituto Bible do Bethel, que funcionou at 1923.

    As seitas metafsicas foram fortes nas dcadas de 20 e 30, principalmente durante o perodo da Grande Depresso, frutos da quebra da Bolsa de Nova York. Diversas sociedades surgiram como a Escola da Unidade do Cristianismo, Cincia Divina, igreja da Cincia Religiosa, Lar da Verdade, igreja da Verdade, Liga da igreja de Cristo, Sociedade do Cristo que Cura e Assemblia Crist, que influenciadas por elementos orientais ensinavam que a verdadeira realidade est alm da realidade fsica. Com isso, o esprito no s est acima no planto fsico como tambm o controla. Basta ao fiel o conhecimento desse poder, associando fora da palavra, constituindo-se a chamada Confisso Positiva. Para Hagin, os ensinamentos transcendentais serviam para aperfeioar a espiritualidade crist tradicional64.

    Kenyon desenvolveu estudos sobre o poder da mente, mas nunca pregou nem escreveu sobre prosperidade.

    63 MARIANO, R., Neopentecostais sociologia..., op. cit., p. 151.

    64 PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op. cit., p. 20.

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    I.2.2.2 A raiz pentecostal

    Pentecoste uma palavra de origem grega que literalmente significa "dia da cinqentena. Corresponde ao dia em que o Esprito Santo desceu sobre os Apstolos e sobre cerca de 120 cristos em Jerusalm, fazendo-os falar em lnguas estranhas. Esse fato ocorreu 50 dias aps a ressurreio de Cristo.

    A abertura do campo pentecostal para a Teologia da Prosperidade est vinculada ao fato de que as denominaes pentecostais possuem a disposio de aceitar dons de profecias ou revelaes transcendentais. Como diz Pieratt:

    A resposta parece estar na tendncia do Pentecostalismo aceitar dons de profecia e profetas dos dias atuais que afirmam exercer esses dons. Por causa da abertura para vises, revelaes e orientaes espirituais contnuas fora da Bblia, cria-se espao para que os profetas da prosperidade entrem com a alegao de ter sido ensinados pelo prprio Cristo.65

    Hagin foi quem adotou os princpios da Teologia da Prosperidade no seio pentecostal.

    I.2.3 Caractersticas

    Para Pieratt, a Teologia da Prosperidade composta por trs divises: Autoridade Proftica, Confisso Positiva e Sade e Prosperidade. Juntas perfazem um sistema coeso.66

    I.2.3.1 Autoridade Proftica

    Conforme descrito por Pieratt:

    A Autoridade Proftica representada como a capacidade atribuda aos lderes de realizar milagres. Textos que incluem vises, profecias, conversas com Jesus, curas, palavras de conhecimento, falar em lnguas, ser abatido

    65 PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op. cit., p. 20.

    66 Idem, p. 40.

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    no Esprito, nuvens de glria, rostos que brilham com luz sobrenatural, conhecimento do futuro, rejeio de dores de cabea e gripes por meio de uma palavra de ordem so elementos que tornam emocionante a doutrina da prosperidade.67

    O relato da ocorrncia desses sinais, para os seus seguidores, qualifica os lderes religiosos a transformar a realidade atravs da ao do sobrenatural. O lder torna-se o agente transformador, ou seja, propriamente o intermedirio legtimo entre o homem e Deus. Dentre as passagens escritas por Hagin podemos retirar vrios elementos da Teologia da Prosperidade. O poder da autoridade proftica:

    Ento, Jesus me disse que me ajoelhasse diante dEle. Quando eu fiz isso, Ele pousou as mos sobre minha cabea dizendo que Ele havia-me chamado e tinha me dado uma uno especial para ministrar aos doentes.68

    Hagin afirma que morreu e junto a Jesus foi ao inferno e voltou:

    Fomos ao inferno e, assim que entramos naquele lugar, vi seres humanos envolvidos em chamas. Eu disse: Senhor, isso se parece exatamente com aquilo que vi quando morri e vim a esse lugar, em 22 de abril de 1933. Voc falou, e eu retornei daqui. Eu me arrependi e orei, buscando Seu perdo, e o Senhor me salvou. (...) Jesus me disse: Avise os homens e as mulheres sobre esse lugar.69

    I.2.3.2 Confisso Positiva

    Segundo Mariano, o termo Confisso Positiva refere-se crena de que os cristos detm poder, obtido aps o sacrifico de Jesus de transformar em realidade, para o bem ou para o mal, o que declaram, decretam, confessam ou determinam com a boca em voz alta. Para os seguidores da Teologia da Prosperidade, o que falado com f torna-se divinamente inspirado.70

    67 PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op. cit., p. 49.

    68 HAGIN, K., O Toque de Midas, Rio de Janeiro: Graa, 2000, p. 121.

    69 Idem, p. 115.

    70 MARIANO, R., Neopentecostais sociologia..., op. cit., p. 154.

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    O termo confessar no significa pedir ou suplicar a Deus, como na viso tradicional crist, pois o homem deve exigir, reivindicar em nome de Jesus, as bnos a que tem direito. A splica uma demonstrao de pouca f, sinal de ignorncia do modo correto de como se relacionar com Deus. Os cristos devem crer a priori que j receberam as graas apesar de elas ainda no terem se concretizado.71

    Na anlise das obras de Hagin, Pieratt estabeleceu que a Confisso Positiva pode ser dividida em cinco categorias:

    a) - o conhecimento dos direitos do fiel: quando o cristo sofre a falta de alguma coisa, est obrigatoriamente na ausncia de conhecimento. O maior impedimento para a f a falta de conhecimento da Palavra de Deus. Porque a f vem pelo ouvir da Palavra do Senhor, todos os adversrios dela estaro conectados, de alguma maneira, com a nossa falta de conhecimento da Escritura Sagrada.72

    b) - a firmeza de f do fiel: Hagin diz que Jesus, ao ensinar seus discpulos a orar e fazer pedidos a Deus, instruiu-os a exigir aquilo que desejavam. Descobri que o modo mais eficaz de se orar aquele pelo qual voc requer os seus direitos. assim que eu oro: exijo meus direitos! 73

    c) - o uso adequado do nome de Jesus: Hagin compara o direito ao uso do nome de Jesus a um tipo de procurao.

    A orao deve ser dirigida ao Pai em nome de Jesus. Essa a chave para recebermos a resposta s nossa oraes (...) Jesus nos deu a procurao, ou o direito de usar o Seu nome. Usamos o Seu Nome, quando oramos em favor das nossas necessidades individuais e quando lidamos com o diabo.74

    d) - a ausncia de dvida: a f precisa ser totalmente segura que, ainda que parea que o pedido no foi atendido, o fiel continue a fazer um quadro mental daquilo que quer e no pare de crer que obter o que deseja. Muitas pessoas

    71 MARIANO, R., Neopentecostais sociologia..., op. cit., p.154.

    72 HAGIN, K., A F Real, Rio de Janeiro: Graa, 2006, p. 35.

    73 HAGIN, K., apud PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op. cit., p.72.

    74 PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op. cit., p.74.

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    desejam obter algo, para ento crer que o receberam, mas precisamos crer que recebemos algo, e ento recebemos.75

    e) - a confisso sem indcios: para que o fiel receba sade e prosperidade como direitos necessrio confessar em voz alta que obteve aquilo que desejava. necessrio proclamar em voz alta... que a minha f funciona.76

    O pregador T. L. Osborn destaca a fora da palavra: Sua linguagem passa a ser como a de um super-homem. Voc fala como algum de outra raa ou de outro reino, como de fato somos gerao eleita, sacerdcio real.77

    A palavra deve ser confessada positivamente, mesmo que a situao real seja outra. Como prega T. L. Osborn: Confessar dores e doenas como abonar uma encomenda entregue nossa porta. Desse modo, Satans tem seu recibo sua confisso provando que aceitou sua encomenda.78

    I.2.3.3 Sade e Prosperidade

    Segundo a doutrina da Prosperidade, o cristo deve viver com sade plena com ausncia de doenas, vindo a adormecer aos 70 ou 80 anos, sem dor ou sofrimento. Os indivduos que no atingiram esse caminho, seus pessoas ignorantes quanto ao conhecimento do seu direito ou no reivindicaram com f suficiente. Osborn afirma: Os cristos no precisam ficar doentes nunca, assim como no precisam viver em pecado. Sempre da vontade de Deus cur-los.79

    A doena considerada uma manifestao de Satans no homem. Segundo Osborn: Enfrente Satans, dizendo: Est escrito, e toda enfermidade, toda doena e todos os sintomas tero de desaparecer.80

    A expiao de Cristo garantiu a supremacia da Palavra sobre as maldades de Satans. Segundo Hagin: Em nossa batalha contra o inimigo e suas foras, precisamos ter em mente que estamos acima deles e que temos autoridade sobre

    75 HAGIN, K., apud PIERATT, A.,O evangelho da prosperidade, op.cit., p. 77.

    76 Idem, p. 80.

    77 OSBORN, T., F e confisso, Rio de Janeiro: Graa, 2004, p. 38.

    78 OSBORN, T., Exercitando a F, Rio de Janeiro: Graa, 2004, p. 19.

    79 OSBORN, T., Receba sua cura, Rio de Janeiro: Graa, 2004, p. 14.

    80 OSBORN, T., A Palavra que liberta, Rio de Janeiro: Graa, 2004, p. 15.

  • 50

    eles. A Palavra nos diz que, porque Jesus as conquistou, somos conquistadores tambm. Sua vitria tambm pertence a ns.81

    Tambm no campo das finanas, Hagin considera a prosperidade financeira um direito do cristo, pois faz parte da expiao efetuada por Cristo. Assim como o cristo tem direito sade, ele tambm tem direito de ser prspero. Assim como as enfermidades nunca representam a vontade de Deus para o fiel, da mesma forma a pobreza e as dificuldades financeiras de qualquer espcie.

    Algumas pessoas parecem ter a idia de que ser crente em Deus, um cristo, uma marca de humildade de espiritualidade -, de viver em pobreza e no possuir coisa alguma. Acham que devem passar pela vida com chapu furado, com as solas dos sapatos furadas, com o assento da cala totalmente gasto, sobrevivendo a duras penas. Mas no foi assim que falou Jesus. Ele disse: Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justia, e todas essas coisas vos sero acrescentadas.82

    Hagin justifica o direito riqueza interpretando algumas passagens bblicas:

    A idia de Deus quer Seus filhos pobres sem bem material algum totalmente antibblica. A Bblia tem muito a dizer sobre dinheiro sobre ganha-lo para suprir as necessidades pessoais e do-lo para manter a obra de Deus, abenoando os outros. notvel que, em toda Bblia, muitos servos de Deus fossem prsperos. No estou falando apenas de prosperidade espiritual; falo de riqueza material! A Bblia diz: E ia Abro muito rico em gado, em prata e em ouro (Gn 13.2).83

    Sobre a passagem bblica Joo 3:2, Amado, acima de tudo fao votos por tua prosperidade e sade, assim como prspero a tua alma, Hagin afirma que, nesse versculo, Joo no est simplesmente fazendo uma saudao ou expressando um desejo pessoal, mas revelando a vontade de Deus no sentido de que todos os cristos gozem de prosperidade financeira. 84

    3.13 - Cristo nos redimiu da maldio da lei, fazendo-se maldio por ns, porque est escrito: seja amaldioado todo aquele que levantado no madeiro.

    81 HAGIN, K., A autoridade do crente, Rio de Janeiro: Graa, n.d., p. 36.

    82 HAGIN, K., Redimidos, Rio de Janeiro: Graa, 2004, p. 08.

    83 HAGIN, K., O Toque de Midas, op. cit., p. 19.

    84 PIERATT, A., O Evangelho da Prosperidade, op.cit., p. 59.

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    3.14 A fim de que a bno de Abrao aos gentios viesse em Cristo Jesus, para que ns recebssemos pela f a promessa do Esprito (Glatas 3.13,14)85

    Essa uma citao bblica comum utilizada pelos pregadores da Teologia da Prosperidade para justificar o enriquecimento material. Segundo David Harris,

    Esta passagem afirma que Jesus se fez maldio por ns. Jesus se pendurou em uma rvore e se fez maldio por ns. Por que Ele agiu assim? Para nos resgatar da maldio da lei! Deus no quer que sejamos pobres ou que empobreamos. Ele se fez pobre para que pudssemos ser ricos.86

    No entanto, Hagin em seus textos defende a idia de que Cristo no era pobre, como forma de legitimar a posse de bens materiais.

    Durante uma visita casa de Lzaro, Marta e Maria, em Betnia, Jesus falou aos convidados ceia: Pois os pobres vocs sempre tero consigo, mas a mim vocs nem sempre tero (Jo 12:8 NVI). Repare que Jesus no chamou a Si mesmo de pobre. Ele fez uma clara distino entre os pobres e Ele.87

    Sobre a necessidade do pagamento de dzimos e ofertas, Hagin coloca como condio para o sucesso da beno divina:

    V em frente e obedea Bblia na rea das finanas. D os dzimos e as ofertas. Aja com f na Palavra de Deus e Deus o abenoar, porque Ele fiel sua Palavra. Alm de cooperar com as leis de Deus no que diz respeito aos dzimos e ofertas, esteja aberto para receber direo de Deus no tocante s ofertas extras. Seja sensvel ao Esprito Santo que sempre lhe mostrar como e quando ofertar.88

    Harris justifica o papel dos sacerdotes em receber os dzimos: Quando damos o dzimo igreja local ou obra de Deus, estamos dando-o a homens mortais. Trata-se de homens chamados por Deus, que O

    85 BBLIA SAGRADA, Estocolmo: Editora Alfalit Brasil, 2001, Novo Testamento, p. 200 e 201.

    86 HARRIS, D., O Plano de Deus para a sua prosperidade, Rio de Janeiro: Graa Artes Grficas Editora,

    2002, p. 14. 87

    HAGIN, K., O Toque de Midas, op. cit., p. 64. 88

    HAGIN, K., Chaves bblicas para a prosperidade financeira, Rio de Janeiro: Graa, 2001, p. 127.

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    representam e realizam a Sua obra. Quando damos nossos dzimos aqui, homens mortais os recebem, mas l no cu, Ele os recebe.89

    Harris releva a necessidade de doao de uma grande oferta:

    Quando semeamos ou damos uma oferta, a quantia no necessariamente estipulada na palavra de Deus assim como o dzimo dez por cento. Uma oferta o que propomos dar de todo o corao. Deveramos propor de acordo com a maneira que queremos ser abenoados. Se dermos apenas