TRIBUTOS COMO FORMA DE CONTROLE DA POLUIÇÃO E … · Àqueles que acreditam no Direito como...
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LELIANA MARIA ROLIM DE PONTES VIEIRA
TRIBUTOS COMO FORMA DE CONTROLE DA POLUIO
E INSTRUMENTO DE PRESERVAO AMBIENTAL
APLICAO AO SISTEMA JURDICO BRASILEIRO
BRASLIA
2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
TRIBUTOS COMO FORMA DE CONTROLE DA POLUIO
E INSTRUMENTO DE PRESERVAO AMBIENTAL
APLICAO AO SISTEMA JURDICO BRASILEIRO
Leliana Maria Rolim de Pontes Vieira
BRASLIA
2003
LELIANA MARIA ROLIM DE PONTES VIEIRA
TRIBUTOS COMO FORMA DE CONTROLE DA POLUIO
E INSTRUMENTO DE PRESERVAO AMBIENTAL
APLICAO AO SISTEMA JURDICO BRASILEIRO
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Universidade Federal de Pernambuco, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito Pblico, sob a orientao do Professor Doutor Raymundo Juliano Rego Feitosa.
BRASLIA
2003
Dedico este trabalho, em especial, minha querida me, Anita, cujos exemplos dirios de fora, determinao e luta contriburam decisivamente para a minha formao.
A meu muito amado pai, Zequinha, pelas palavras certas nos momentos precisos e por sua franqueza habitual.
A meu marido, Joo Luiz, amor da minha vida e companheiro de todas as horas, por sua presena, apoio e incentivo.
A meus filhos, Paulo Marcelo, Eduardo, Ceclia e Joo Victor, estrelas-guias que me fortalecem e iluminam o meu caminho.
Ao Prof. Dr. Thadeu Andrade da Cunha, amigo leal nos momentos difceis, que muito me encorajou a concluir esta jornada.
queles que acreditam no Direito como receptor e catalisador de mudanas sociais.
Agradeo ainda ao meu orientador, o eminente Professor Doutor Raymundo Juliano Rego Feitosa, que alia vvida inteligncia e conhecimento profundo a um corao generoso, e cujas crticas e palavras de apoio foram fundamentais para a concretizao deste trabalho.
II
"Ns no herdamos a Terra de nossos pais, ns a tomamos de emprstimo de nossos filhos".
Lester R. Brown
"A Terra no simples litosfera coberta, em parte, pela hidrosfera e envolta pela atmosfera. Ela um gigantesco organismo vivo, de uma vida sui generis, em que a biosfera somente parte representativa. O maravilhoso fenmeno da vida planetria algo transcendente. Por isso requer os cuidados de uma tica apropriada: a tica da Vida, que no se limite considerao da biosfera mas busque alcanar dimenses planetrias e csmicas."
dis Milar
III
SUMRIO
IV
INTRODUO ........................................................................................................... 1
Relevncia da problemtica relativa ao meio ambiente .......................................... 1 O tema escolhido ..................................................................................................... 3 Objetivos deste trabalho................... ....................................................................... 4 Estrutura da obra....................................................................................................... 5 Aspectos metodolgicos .......................................................................................... 6
1. CONSCINCIA ECOLGICA COMO FATO SOCIAL E SUAS CONSEQNCIAS NO CAMPO DO DIREITO ..............................................
8
1.1. Conceito de fato social .................................................................................... 8 1.2. Caractersticas do fato social............................................................................. 9 1.3. Classificao dos fatos sociais.......................................................................... 11 1.4. O interessse pela preservao do meio ambiente ou conscincia ecolgica
como fato social .............................................................................................
11 1.5. As repercusses da questo ambiental no campo do direito ............................ 16
1.5.1. O direito como fato social ...................................................................... 16 1.5.1.1. A norma jurdica enquanto reflexo da realidade 16 1.5.1.2. Sobre os condicionamentos scio-culturais da normatividade
jurdica .............................................................................................
17 1.5.2. A conscincia ecolgica fonte material do direito ................................ 18
2. POLTICAS INTERNACIONAIS DE PRESERVAO DO MEIO AMBIENTE E SUAS BASES JURDICAS NO BRASIL .................................
21 2.1. Conferncias internacionais sobre meio ambiente .......................................... 21
2.1.1. Conferncias das Naes Unidas ............................................................ 22 2.1.1.1. Conferncia sobre o meio ambiente humano e documentos
resultantes Estocolmo, Sucia, 1972 ............................................
22 2.1.1.2. Conferncia sobre o meio ambiente humano e documentos
resultantes Rio de Janeiro, Brasil, 1992 .......................................
24 2.1.1.3. Rio + 10 - Conferncia sobre desenvolvimento sustentvel,
Johannerburgo, frica do Sul...........................................................
26 2.1.2. Outros eventos internacionais .................................................................. 27
2.2. Direito ambiental - definio ........................................................................ 27 2.3. Direito e poltica ambiental no Brasil ............................................................... 29
2.3.1. Evoluo e marcos legislativos ................................................................ 30 2.3.2. A Constituio de 1988 e o objeto da tutela ambiental .......................... 30 2.3.3. Os bens ambientais................................................................................... 31
2.4. Princpios relativos proteo do meio ambiente ............................................ 32 2.4.1. Princpio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental da pessoa ..............................................................................
32 2.4.2. Princpio da natureza pblica da proteo ambiental ............................ 33
2.4.3. Princpio do controle do poluidor pelo poder pblico ............................. 33 2.4.4. Princpio da considerao da varivel ambiental no processo decisrio
de polticas de desenvolvimento ...............................................................
34 2.4.5. Princpio da participao comunitria ..................................................... 34 2.4.6. Princpio do poluidor- pagador (polluter-pays principle)........................ 35 2.4.7. Princpios da preveno e da precauo .................................................. 35 2.4.8. Princpio da funo scio-ambiental da propriedade ............................... 36 2.4.9. Princpio do direito ao desenvolvimento sustentvel .............................. 36 2.4.10. Princpio da cooperao entre os povos......................... ....................... 37 2.4.11. Sntese dos princpios do Direito Ambiental, segundo Antunes ........... 38
3. OS TRIBUTOS E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE ...................................... 39
3.1. Fundamentos das relaes entre a poltica de preservao do meio ambiente, o direito ambiental e a norma tributria ..........................................................
39
3.2. Questes econmicas ........................................................................................ 43 3.2.1. Critrios e diretrizes para a aplicao de instrumentos econmicos e
financeiros preservao ambiental a posio da OCDE .................
44 3.2.2. Crticas utilizao dos tributos como instrumentos de preservao do
meio ambiente ........................................................................................
50 3.3. Questes jurdicas ............................................................................................. 52
3.3.1. A questo da finalidade dos tributos ............................. 53 3.3.2. A referncia capacidade contributiva ....................... 55
4. TRIBUTAO AMBIENTAL NO PLANO INTERNACIONAL.............. 59
4.1. Comunidade europria ...................................................................................... 59 4.1.1. Pases escandinavos a reforma fiscal na Sucia e experincias na
Noruega e na Dinamarca .........................................................................
59 4.1.2. A Legislao na Espanha......................................................................... 61 4.1.3. O Caso francs ......................................................................................... 63
4.2. A experincia nos Estados Unidos ................................................................... 65 4.3. Outras experincias ........................................................................................... 67 4.4. A avaliao da OCDE problemas e estratgias quanto aos tributos
ambientais ........................................................................................................
68
5. FIGURAS INTEGRANTES DO SISTEMA TRIBUTRIO BRASILEIRO E SEU RESPECTIVO PAPEL NA PROTEO DO MEIO AMBIENTE ........
72 5.1. Impostos ............................................................................................................ 72 5.2. Taxas ................................................................................................................. 78 5.3. Contribuies .................................................................................................... 81
5.3.1. Contribuio de melhoria......................................................................... 81 5.3.2. Contribuio de interveno no domnio econmico............................... 83
5.4. Emprstimos compulsrios ............................................................................... 85
6. ANLISE DE CASOS CONCRETOS NO DIREITO BRASILEIRO ............... 87
6.1. Taxa de fiscalizao ambiental ......................................................................... 87 6.1.1. Descrio do modelo impositivo: fato gerador, sujeito passivo, valor do
tributo ......................................................................................................
88 6.1.2. Questionamentos ...................................................................................... 89 6.1.3. A nova taxa de controle e fiscalizao ambiental Lei n. 10.165/2000 93
6.2. A contribuio de interveno no domnio econmico incidente sobre a importao e a comercializao de petrleo e seus derivados, gs natural e
V
seus derivados e lcool etlico combustvel ....................................................... 99 6.2.1. Descrio do modelo impositivo: fato gerador, base de clculo,
alquota ....................................................................................................
100 6.2.2. Questionamentos...................................................................................... 104
7. ALTERNATIVAS PARA A INSTITUIO DE TRIBUTOS AMBIENTAIS . 112
7.1. Propostas da OCDE .......................................................................................... 112 7.2. Propostas orientadas realidade brasileira ....................................................... 114
7.2.1.Tributao dos resduos e da emisso de poluentes .................................. 114 7.2.2. Tributao para a conservao dos espaos naturais................................ 117
CONCLUSO............................................................................................................... 120
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 123
ANEXOS........................................................................................................................ 131
VI
RESUMO
Esta dissertao visa a examinar, por meio de pesquisa realizada em obras
de doutrinadores nacionais e estrangeiros, bem assim em normas que compem o
ordenamento jurdico de nosso Pas e nas Cartas e Declaraes produzidas por conferncias
internacionais, a possibilidade de aplicao dos tributos como instrumentos de preservao do
meio ambiente e de controle da poluio. Partindo da noo de conscincia ecolgica -
enquanto fenmeno social emergente na segunda metade do sculo XX - para chegar ao plano
jurdico, sero analisadas questes envolvendo a conservao dos recursos naturais do
planeta, no apenas sob o enfoque do Direito Ambiental puro e simples, mas sim concernente
identificao de um ponto de convergncia entre este e o Direito Tributrio, no mbito do
sistema jurdico brasileiro. Nesse cenrio, as figuras tributrias ambientais podero
desempenhar novos e mltiplos papis, tanto para promover a arrecadao de recursos
destinados implementao de aes governamentais voltadas para o chamado
desenvolvimento sustentvel, como tambm para desestimular atividades poluentes e
degradantes da qualidade ambiental. Pretende-se demonstrar, portanto, a compatibilizao do
sistema tributrio, posto na ordem jurdica vigente, com o Direito Ambiental, para aplicao
prtica como mecanismo de interveno estatal, no sentido de uma atuao reguladora,
fiscalizadora e estimuladora de atividades econmicas, especificamente no intuito de
preservar a natureza e atenuar os efeitos da poluio.
Palavras-chave : desenvolvimento sustentvel controle da poluio preservao do meio
ambiente figuras tributrias ambientais - tributao ambiental ecotaxas - impostos verdes.
VII
RESUM
Cette dissertation a pour but dexaminer, laide des recherches efectues
au sein doeuvres denseignants brsiliens et trangers, au sein des normes particulires
lordre juridique de notre pays et au sein des Chartes et Dclarations produites par les
confrences internationales, la possibilit de lever des tributs en guise daction favorable a la
prservation de lenvironnement et au contrle de la pollution. En partant de la notion de
conscience cologique - en tant que phnomne mis en relief la deuxime moiti du
XXme sicle pour aboutir au plan juridique en rfrence, on entreprend lanalyse des
questions touchant la conservation des ressources naturelles de la plante, non simplement
sous loptique isole du Droit de lEnvironnement, mais surtout cherchant un point de
convergence entre celui-ci et le Droit des Finances, prcisement le domaine des tributs, au
niveau du systme juridique Brsilien. Dans ce scnario, les impts pourront jouer des rles
nouveaux et multiples, capables dencourager le dveloppement soutenable, moyennant la
perception de recettes de provenances spcifiques qui seront diriges des programmes
gouvernementaux tourns vers la protection de la nature. Dautre part, ils pourront empcher
limplantation des activits polluantes et qui dlabrent lenvironnement. On prtent, donc,
dmontrer que le systme brsilien des tributs en vigueur est compatible avec le Droit de
lEnvironnement et pourra servir comme support des interventions de ltat au niveaux des
actions rgulatrices, surveillantes et stimulantes des activits conomiques, afin de prserver
la nature, minimiser la pollution et en rduire ses effets.
Mots-cls: conscience cologique - prservation de lenvironnement - droit de
lEnvironnement - dveloppement soutenable - cotaxes activits polluantes.
VIII
INTRODUO
Sumrio: Relevncia da problemtica relativa ao meio ambiente. O tema escolhido. Objetivo deste trabalho. Estrutura da obra. Aspectos metodolgicos.
Relevncia da problemtica relativa ao meio ambiente
A preservao do meio ambiente constitui, nos dias de hoje, tema da mais
absoluta relevncia no s para a sociedade brasileira, como para a comunidade internacional.
Na origem da referida questo encontra-se um fenmeno de natureza scio-
econmica, segundo o qual os homens, na busca da satisfao de suas mltiplas necessidades,
que so ilimitadas, disputam os bens da natureza, que so limitados. To simples quanto
importante, este fenmeno est na raiz de grande parte dos conflitos que se formam no meio
social.
De outra parte, o processo de desenvolvimento dos pases se concretiza s
custas da explorao dos recursos naturais vitais, provocando a deteriorao das condies
ambientais em ritmo e escala crescentes. A paisagem natural do nosso planeta e o equilbrio
ecolgico esto cada vez mais ameaados pelas usinas nucleares, indstrias poluentes, pelo
lixo atmico e qumico, dejetos no-degradveis, "chuva cida" e desmatamentos
descontrolados. Por conseguinte, em todo o mundo o lenol fretico se contamina, a gua
escasseia, o ar se torna irrespirvel, a rea florestal diminui, o solo se saliniza, o clima sofre
profundas alteraes, enfim, o patrimnio natural se degrada, abreviando os anos que o
homem tem para viver na Terra.
Durante a Conferncia RIO/92, o Secretrio-Geral do referido encontro,
Maurice Frederick Strong, chegou a afirmar que, do ponto de vista ambiental, o planeta
2
estaria quase no ponto de no-retorno e que, se fosse uma empresa, estaria beira da
falncia.1
Da no pairar dvida, pois, de que a questo ambiental, vista sob esse
ngulo, uma questo de vida ou morte, morte ou vida estas no apenas de animais e
plantas, mas do prprio homem e do planeta que o abriga.2
A outra face visvel dessa crise, alm das j apontadas em termos de
agresses ao meio ambiente, est presente na dificuldade expanso da base econmica dos
pases pobres e na fragilidade das instituies polticas, em todos os nveis - locais, regionais,
nacionais e mundiais, para enfrentar os obstculos que se colocam soluo do problema.
Ao comentar o estilo de desenvolvimento adotado ao longo das ltimas
dcadas por pases em desenvolvimento, o governo brasileiro destacou que os padres de
desigualdade social - caractersticos do citado estilo - com suas seqelas de marginalizao e
desintegrao social, produziram um vnculo indissocivel entre degradao ambiental,
estado de pobreza e mau uso da riqueza, em que os pobres so compelidos a destruir, no curto
prazo, precisamente os recursos nos quais se baseiam as suas perspectivas de subsistncia a
longo prazo, enquanto a minoria rica provoca demandas base de recursos que em ltima
instncia so insustentveis, transferindo os custos uma vez mais aos pobres3.
Os pases pobres se debatem, ento, perante o dilema de crescer a qualquer
custo - encarando a poluio e a degradao do meio ambiente como um mal menor - e sofrer
as conseqncias das impiedosas agresses natureza - como, por exemplo, desertificao,
eroso acentuada , proliferao de doenas decorrentes do uso desmedido de agrotxicos e de
mercrio - ou de compatibilizar o ritmo de desenvolvimento econmico com aes
visando adoo de padres adequados de utilizao dos recursos naturais.
Os pases ricos, por sua vez, tambm enfrentam o desafio de repensar as
suas vocaes imperialistas, intensamente postas em prtica contra os menos desenvolvidos
at o sculo XIX, e que hoje se camufla sob o manto da globalizao econmica, bem como
1 STRONG, Maurice Frederick. Entrevista concedida Revista VEJA, 29.5.91, p. 9. 2 MILAR, dis. Direito do Ambiente. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Ed. RT, 2001, p. 40.
3 BRASIL. Presidncia da Repblica.O Desafio do Desenvolvimento Sustentvel. Braslia: Imprensa Nacional, 1991, p.22.
3
de refrear as tendncias altamente consumistas de suas populaes acostumadas ao
desperdcio, em nome da garantia da prpria sobrevivncia da espcie humana.
Tudo isto levou ao desenvolvimento de um ramo especfico da cincia
jurdica, o Direito Ambiental, que se prope a disciplinar a interveno do homem sobre o
meio ambiente que o cerca, com o intuito de restabelecer o equilbrio entre as necessidades
humanas e a preservao da natureza, at mesmo como nica forma de assegurar o futuro da
prpria humanidade sobre a face da Terra.
Esta interveno humana, cuja iniciativa se encontra sob a esfera de atuao
do Poder Pblico, requer o emprego de todo um leque de medidas, bem como a interao do
Direito Ambiental com outros campos do Direito, a compreendido o Direito Tributrio.
O tema escolhido
A escolha do tema em foco resulta de duas constataes. A primeira, o fato
de que as questes ambientais, a princpio tratadas no plano individual, como resultado da
inteleco ou do sentimento de cada um frente realidade natural circundante e s
conseqncias da ao humana sobre o meio ambiente, pouco a pouco se transformaram em
conscincia coletiva que motivou a instituio de movimentos sociais organizados, os quais
no s passaram a influenciar padres de conduta social como tambm repercutiram na
Poltica e no Direito.
Na esteira do movimento ambientalista, os governos foram, ento,
praticamente obrigados a adotar estratgias de otimizao dos recursos naturais escassos, a
conceber e implantar planos de preservao e a ativar controles de poluio cada vez mais
rigorosos.
O Direito Ambiental, reflexo positivado dessas mudanas sociais, hoje
representa um dos mais promissores campos da cincia jurdica. Muito se discute sobre
preservao do meio ambiente, polticas de desenvolvimento sustentvel e administrao dos
recursos naturais escassos, o que vem a requerer todo um disciplinamento jurdico dessa
matria to crucial para garantir a prpria sobrevivncia da espcie humana sobre a face da
Terra, tanto sob a tica da atribuio de responsabilidades s pessoas fsicas e jurdicas, na
4
explorao de recursos e na destinao de dejetos, quanto definio e represso dos
chamados crimes ambientais.
A segunda constatao a de que a colocao em prtica de aes voltadas
preservao ambiental exigir um grande volume de recursos e, por conseguinte,
considervel esforo financeiro da parte do Poder Pblico, seja no tocante recuperao de
reas degradadas, seja mediante a concesso de incentivos e financiamentos a empresas, seja
por intermdio de mecanismos de renncia de receitas. Com efeito, no basta apenas impor
sanes aos que causam danos e agresses ao meio ambiente, preciso tambm estimular
aqueles que investem em tecnologia no-poluente.
Dado que a interveno estatal nessa questo impe custos elevados, a
onerar sobremaneira os cofres pblicos, faz-se premente conceber mecanismos financeiros
que viabilizem a implementao de polticas governamentais na rea ambiental, e que tanto
podem atuar como reguladores da explorao de determinadas atividades como tambm
estimular o uso racional dos recursos naturais.
Da, revela-se oportuno buscar estabelecer uma conexo entre o Direito
Ambiental e o Direito Tributrio, na medida em que podem os tributos contribuir, merc de
suas caractersticas peculiares e das normas jurdicas componentes do ordenamento jurdico
nacional, criao de novas fontes de recursos para o Estado, cujas receitas ficariam
vinculadas a aes governamentais direcionadas proteo do meio ambiente.
Objetivo deste trabalho
Este trabalho tem por objetivo examinar as figuras tributrias componentes
do sistema jurdico brasileiro sob uma nova tica, qual seja, o interesse que possam revelar
para o campo do Direito Ambiental. Pretende-se, desse modo, avaliar a aplicabilidade dos
tributos integrantes do quadro definido pela Constituio Federal, como forma de atuao do
Poder Pblico com vistas preservao do meio ambiente e ao controle da poluio.
Consiste o problema, ento, em estabelecer um ponto de convergncia entre
o Direito Ambiental e o Direito Tributrio, especificamente dentro do ordenamento jurdico
brasileiro, visando a examinar se - e de que forma - os tributos podem atuar como
instrumentos de efetivao de aes do Estado junto sociedade, na esfera ambiental, tanto
5
com finalidades extrafiscais como tambm com o fim de carrear novas receitas aos cofres
pblicos.
Buscar-se-, assim, construir um nexo entre a questo da exigncia de
tributos e as aes pblicas de proteo ao meio ambiente, tomando-se como ponto de partida
a indagao sobre o papel que os tributos teriam a desempenhar em prol da causa ambiental,
influenciando condutas com o fim de proteger o meio ambiente.4 Nesse sentido, far-se- uma
anlise pormenorizada da aplicao das figuras tributrias como forma de interveno estatal
no meio ambiente, seja em face da explorao de recursos naturais escassos, seja como forma
de preservar reas de interesse ambiental.
Releva destacar, no tocante a estes objetivos gerais, que o enfoque do
assunto dar-se- luz dos princpios constitucionais em vigor no ordenamento jurdico
brasileiro, segundo os quais o direito a um ambiente saudvel, ecologicamente equilibrado,
vem garantir a vida em toda a sua plenitude.
Conseqncia desta posio ser refletir sobre a necessidade, ou no, de se
alterar o texto da Constituio Federal, por meio de emendas, a fim de, se for o caso, delinear
a moldura constitucional adequada a novas exaes tributrias.
Ao final, sero debatidas propostas para a utilizao de tributos destinados
ao custeio de aes governamentais, tanto na preservao do meio ambiente como no controle
da poluio, tendo como pano de fundo a realidade social brasileira e o ordenamento jurdico
atual.
Estrutura da obra
Inicialmente, ser abordada a questo ambiental sob o enfoque sociolgico,
porquanto a fenomenologia da conscincia ecolgica de h muito transbordou o plano
individual para constituir-se um autntico fato social a se refletir no campo do Direito,
revelando-se como condicionamento scio-cultural da normatividade jurdica quanto a essa
matria.
4 AMARAL, Paulo Henrique: Tributao Ambiental. In: 4 Congresso Internacional de Direito Ambiental -
Anais. So Paulo: 1999, p. 377.
6
Por absolutamente indispensvel melhor compreenso do assunto, ser
feita uma retrospectiva histrica dos primeiros movimentos conservacionistas e das
Conferncias j realizadas no plano internacional, de onde partiram as diretrizes fundamentais
concepo de polticas de preservao do meio ambiente, bem como de suas bases jurdicas,
inclusive no Brasil, sobretudo em nvel constitucional.
J no tema especfico da dissertao, abordar-se- os fundamentos tericos
das relaes entre a poltica de preservao do meio ambiente, o Direito Ambiental e a norma
tributria, seja no tocante a questes puramente econmicas, seja no que diz respeito a
questes jurdicas, notadamente aquelas que tratam do objeto e da finalidade dos tributos no
campo ambiental e da referncia capacidade contributiva.
Em seguida, visando a ilustrar a exposio, se ir discorrer sobre algumas
experincias adotadas em outros pases, notadamente na Europa e na Amrica do Norte, e que
podem ser teis ao exame do tema sob o prisma do ordenamento jurdico brasileiro.
Comentar-se-, ainda, experincias concretizadas no Direito Brasileiro, a
exemplo da Taxa de Fiscalizao Ambiental do IBAMA e da Contribuio de Interveno no
Domnio Econmico sobre a importao e a comercializao de combustveis no mercado
interno, exaes institudas para canalizar recursos financeiros destinados a subsidiar
atividades governamentais e de pesquisa, mas que foram objeto de saraivada de crticas dos
tributaristas nacionais, findando a primeira por ter sua cobrana suspensa em face de deciso
judicial.
Enquanto alternativas para a instituio de tributos ambientais, sero
expostas algumas possveis linhas de atuao do poder pblico na matria, seja estabelecendo
tributao de resduos como inibidora de atividades poluentes, seja fixando tributao com a
finalidade expressa de conservao dos espaos naturais. Tais idias tm o escopo de ampliar
o debate sobre o assunto, sugerir caminhos, levar reflexo.
Aspectos Metodolgicos
Adotar-se- como ponto de partida do trabalho a pesquisa bibliogrfica,
desenvolvida em torno de material j elaborado, notadamente livros e artigos cientficos,
nacionais e estrangeiros.
7
Cabe assinalar que, no assunto, predomina a literatura tcnica estrangeira,
porquanto dos pases da Europa que provm o mais farto material bibliogrfico
correlacionado ao tema escolhido. Isto ocorre at mesmo em funo de ser naquele continente
que se encontram os pases com maior grau de conscientizao da ameaa a rondar o nosso
planeta, a qual tem por causa os danos e agresses ao meio ambiente.
Documentos elaborados por organismos internacionais, a exemplo da ONU,
e relatrios de Conferncias e Simpsios tambm sero analisados, por constiturem valiosa
fonte de pesquisa, no tocante a identificar diretrizes mundiais que interessem realidade
brasileira.
No intuito de enriquecer a pesquisa bibliogrfica, pretende-se tambm abrir
espao, no decorrer da dissertao, para apresentar exemplos concretos de tentativas, j
efetuadas no Brasil, do uso de tributos no campo do meio ambiente, buscando-se apontar
mritos e vcios dos instrumentos utilizados.
Como se trata de um campo novo de estudo, a fonte jurisprudencial ainda
incipiente. Mesmo assim, em caso concreto ocorrido recentemente, j houve pronunciamento
do Supremo Tribunal Federal a respeito, o qual ser comentado.
8
1. "CONSCINCIA ECOLGICA" COMO FATO SOCIAL E SUAS CONSEQNCIAS NO CAMPO DO DIREITO
Sumrio: 1.1. Conceito de fato social. 1.2. Caractersticas do fato social. 1.3. Classificao dos fatos sociais. 1.4. O interesse pela preservao do meio ambiente - ou conscincia ecolgica - como fato social. 1.5. - As repercusses da questo ambiental no campo do Direito. 1.5.1. O Direito como fato social: 1.5.1.1. A norma jurdica enquanto reflexo da realidade. 1.5.1.2. Sobre os condicionamentos scio-culturais da normatividade jurdica. 1.5.2. A "conscincia ecolgica - fonte material do Direito.
1.1. Conceito de fato social
Encontrada praticamente em todos os manuais de Sociologia, a definio
clssica de fato social a do pensador francs David mile Durkheim formulada nos
seguintes termos: " fato social toda maneira de pensar, agir e sentir, fixada ou no,
susceptvel de exercer sobre o indivduo uma coao exterior"5. Acrescentou, ainda,
Durkheim, que o fato social " geral na extenso de uma dada sociedade, conservando uma
existncia prpria, independente das manifestaes individuais que possa ter "6 .
Analisando essas idias, Albuquerque7 explica que fato social e fato
individual representariam, ento, as duas dimenses que o homem vive dentro do espao
social: como indivduo e como socius. Como indivduo, o homem tem vida prpria e
autntica, comporta-se como quer, toma as decises que lhe aprazem, tem sua maneira
pessoal de pensar, agir e sentir. Mas como socius tem que pensar, agir e sentir de
conformidade com os padres fixados pelo grupo. Ao praticar um fato social, o homem
produz um fenmeno de grupo, isto , faz o que o grupo faz. A conduta do socius no
autntica, no brota de uma deciso pessoal; vem de fora, impe-se-lhe como presso
exterior.
5 DURKHEIM, E. O que fato social?. In As regras do mtodo sociolgico. Trad. Maria Isaura P. de
Queiroz. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1972, p. 1. 6 Idem, ibidem, p. 8.
7 ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de Albuquerque. Introduo ao estudo do direito. Fortaleza: Imprensa Universitria da Universidade Federal do Cear, 1973, p. 131.
9
Pode-se dizer, ento, que a sociedade fixa os modelos de agir, pensar e
sentir e exige que cada um atue, na vida social, em consonncia com tais padres. Quem
praticar atos que no estejam de acordo com o figurino social se expe a sanes, j
organizadas ou ainda difusas no grupo.
Albuquerque8 descreve de forma mais pormenorizada cada um desses
modelos:
Maneira de pensar - Cada sociedade tem suas idias prprias, sua tbua
particular de valores. As nossas idias sobre controle da natalidade, proteo velhice, a
importncia de ser honesto, o papel do intelectual na sociedade, etc., so influenciadas pela
maneira coletiva de pensar nesses problemas, que pode, inclusive, ser bem diferente do modo
como outros povos pensam.
Maneira de sentir - De incio, cumpre ressaltar que a maneira de sentir
varia de indivduo para indivduo. Uma mesma causa pode produzir sensaes distintas em
diferentes sujeitos. Contudo, essas reaes individuais se processam dentro de certos
contextos, obedecendo a padres fixados pelo grupo. Cada grupo tem um modelo de vida
afetiva que serve de matriz das faculdades que tm os indivduos de gozar e de sofrer, de se
comover, de desejar e de amar.
Maneira de agir - Os modos de agir de cada sociedade esto fixados nos
respectivos usos, costumes e leis. A maneira como devemos saudar os amigos, como nos
comportar em determinados locais, como cultuar a memria dos mortos, como deve ser
respeitada a vida e a propriedade dos demais, etc., esto estabelecidas em normas escritas e
no-escritas, que so do conhecimento dos membros do grupo.
1.2. Caractersticas do fato social
As caractersticas que identificam o fato social so, segundo Durkheim9, a
generalidade, a exterioridade ou objetividade e a coercitividade.
8 ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de. Introduo ao estudo do direito. Fortaleza: Imprensa Universitria da
Universidade Federal do Cear, 1973, p. 132-133.
9 DURKHEIM, E. O que fato social? in As regras do mtodo sociolgico. Trad. Maria Isaura P. de Queiroz. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1972, p. 8
10
Quanto generalidade, pode-se afirmar que o fato social se manifesta na
totalidade ou na maioria dos indivduos componentes de um determinado grupo social, em um
certo perodo de sua existncia. Ter as mesmas preferncias e repugnncias, falar a mesma
lngua, usar as mesmas roupas, ter a mesma maneira de pensar, etc., indicam que o fato social
dotado de generalidade.
No tocante exterioridade, ou objetividade, cabe destacar que o fato
social existe fora das conscincias individuais. verdade que uma idia com dimenso social,
por exemplo, penetra na conscincia de cada indivduo e s atravs da conscincia individual
ela representada. Mas assim como referida idia est na conscincia do indivduo A, est
tambm na conscincia de B, de C etc., e nenhuma delas a gerou. O fato social anterior a
todos esses indivduos. Cada gerao que nasce j encontra as crenas, os usos, a tcnica, a
cincia, as tradies, as supersties, etc., construdas pelas geraes que a precederam. Esse
carter de exterioridade dos fatos sociais levou Durkheim10 a recomendar que fossem tratados
como coisas, pois que so anteriores, posteriores e independentes s pessoas.
A coercitividade representa a presso que o social exerce sobre as
conscincias, no sentido de impor a aceitao do fato. Essa presso pode no se fazer sentir
quando o indivduo a ela se conforma de bom grado, mas no deixa de constituir carter
intrnseco de tais fatos, pois funciona como uma ameaa - que penetra na conscincia dos
indivduos - de virem a sofrer conseqncias desagradveis se no conformarem sua ao ao
fato social. Por exemplo, no tocante s normas de conduta moral, Durkheim11 afirma que "a
conscincia pblica, pela vigilncia que exerce sobre a conduta dos cidados e pelas penas
especiais que tem a seu dispor, reprime todo ato que a ofende" . Se o indivduo no se
submete a determinadas convenes mundanas, se no leva em conta os usos do seu pas e de
sua classe, o afastamento em que os outros o conservaro produz, embora de maneira
atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Acrescenta ento o mestre
francs: "A presso de todos os instantes que sofre a criana a prpria presso do meio
social tendendo a mold-la sua imagem, presso de que tanto os pais quanto os mestres
no so seno representantes e intermedirios".
10 Idem, ibidem, p. 9
11 Idem, ibidem, p. 11.
11
1.3. Classificao dos fatos sociais
Tomando-se por base os dois modos de existir da sociedade - organizao e
dinamismo Albuquerque12 classifica os fatos sociais em fatos morfolgicos, ou estticos, e
fatos fisiolgicos, ou dinmicos. Essa classificao, por sua pertinncia com o tema a ser
abordado, ser examinada a seguir.
Os fatos morfolgicos so aqueles que dizem respeito s formas pelas quais
os indivduos se associam e se dissociam. Abrangem os aspectos da estrutura da sociedade.
So fatos sociais morfolgicos: o contato, a interao, a relao, a cooperao, a competio,
a acomodao, a assimilao, a diviso do trabalho, a estratificao, a mobilidade social, o
grupo social, a casta, a classe, a dominao, a subordinao, etc.
Os fatos sociais fisiolgicos so aqueles que dizem respeito s atividades
sociais, isto , parte dinmica da vida social. Constituem o contedo da vida social. So
considerados fisiolgicos os fatos econmicos, religiosos, morais, estticos, intelectuais,
tcnico-cientficos, lingsticos, jurdicos, polticos, etc.
Nota-se, porm, a existncia de toda uma gama de nuances que liga os fatos
de estrutura mais tpicos s livres correntes da vida social que no esto presas a nenhum
molde definido. Isto significa dizer que entre eles no se apresentam, seno, diferenas no
respectivo grau de consolidao. Eis por que Durkheim arremata: "este parentesco estreito
entre a vida e a estrutura, entre o rgo e a funo, pode ser facilmente estabelecido em
Sociologia porque, entre os dois termos extremos, existe toda uma srie de intermedirios
imediatamente observveis, mostrando o lao que h entre eles." 13
1.4.. O interesse pela preservao do meio ambiente - ou "conscincia ecolgica" - como fato social
A partir das formulaes tericas anteriormente expostas, em que se
procurou estabelecer o conceito de fato social, suas caractersticas e classificao, surge uma
nova questo: dado que hoje em dia fato notrio, na realidade que nos cerca, a existncia de
movimentos populares espontneos para a preservao dos recursos naturais, a par da criao
12 ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de. Introduo ao estudo do direito. Fortaleza: Imprensa Universitria
da Universidade Federal do Cear, 1973, p. 134.
13 DURKHEIM, E. O que fato social? In As regras do mtodo sociolgico. Trad. Maria Isaura P. de Queiroz. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1972, p. 11
12
de entidades que visam a atuar concretamente na preservao do meio ambiente, bem como
da elaborao de polticas governamentais nesse sentido, nos mais diversos pases, o que
demonstra vir se consolidando uma verdadeira "conscincia comum" sobre a necessidade de
preservao do meio ambiente, isto poderia ser reconhecido como um fato social?
Para se chegar a uma concluso, torna-se necessrio recapitular as origens
histricas desse fenmeno a fim de ser verificado se, originado no plano da conscincia
individual, a este efetivamente transcende, vindo se colocar em um patamar exterior e
coletivo.
Desde que surgiu na face da Terra, o homem tem-se revelado um agente
poderoso de transformao do meio ambiente em que vive, sobretudo para adapt-lo s suas
necessidades. A partir da Revoluo Industrial, essas alteraes se aprofundaram com
velocidade espantosa e importncia crescentes, primeiro na Europa e depois nos demais
continentes, acarretando terrveis prejuzos ao meio ambiente. Em paralelo, populaes
inteiras dos pases africanos, asiticos e sul-americanos continuaram mergulhadas em
inaceitveis nveis de pobreza que, paradoxalmente, tambm se refletiram no problema da
degradao ambiental.
Silverstein14 afirma que, quando Londres e outras cidades europias
comearam a ser atingidas pela poluio atmosfrica, decorrente da queima de carvo, alguns
proprietrios de terras nas regies circunvizinhas aos plos urbanos expressaram seu
descontentamento com isto, no que seria uma incipiente manifestao ambientalista contrria
deteriorao da qualidade de vida naquelas regies. Segundo Ildia Juras15, essa viso
romntica, contudo, em nada sensibilizou os economistas de ento, pois o grau de poluio
ainda era pequeno diante do conjunto de recursos naturais disponveis, parecendo no
representar qualquer tipo de ameaa vida humana. Alm disso, havia enormes reas de terra
a serem exploradas na Amrica, na frica e na Oceania.
Neste primeiro perodo, portanto, as preocupaes com as relaes homem
versus meio ambiente no passavam de iniciativas inslitas de pessoas que, primeira vista,
pareciam at mesmo deslocadas de seus respectivos grupos sociais. A palavra de ordem era "o
14 SILVERSTEIN, M. A revoluo ambiental. Ed. Nrdica, 1993, p.11.
15 JURAS, Ildia da Asceno Garrido Martins. Desenvolvimento sustentvel: opo ou necessidade? In Cadernos Aslegis, v. 3, n. 8. Braslia: Cmara dos Deputados, 1997, p. 46.
13
progresso", assim entendido a evoluo positiva da economia, a industrializao, o avano
tecnolgico e a gerao de riquezas. O preo disso tudo, em face da degradao da natureza,
nem sequer foi considerado.
No sculo XX, a expanso da atividade econmica mundial, especialmente
para os pases do hemisfrio norte, que se seguiu Segunda Guerra Mundial, baseava-se na
crena de que os recursos naturais eram inesgotveis, assim como a capacidade de
recuperao da natureza frente s agresses sofridas e aos rejeitos resultantes do consumo. As
naes ditas "desenvolvidas" adotaram um discurso competitivo e ufanista, em que cada uma
procurava superar as demais em termos de desenvolvimento tecnolgico e militar. Exemplo
dessa fase foram os testes com artefatos nucleares realizados em ilhas do Pacfico, com
conseqncias ambientais desastrosas, muito mais por pura vaidade e demonstrao de fora
das grandes potncias do que por real necessidade cientfica.
O europeu ou o americano - enquanto cidados comuns - nesse perodo,
pouca sensibilidade tinham referente s iniciativas de preservao ambiental. A eventual
conscincia de alguns no encontrava qualquer ressonncia como expresso social. Dir-se-ia
que o indivduo, em geral, nem sequer suspeitava da gravidade dos danos causados natureza
pela interferncia predatria do homem.
Idntica postura individualista, mas com causas diferentes, assumiram as
populaes dos pases do chamado Terceiro Mundo. Nesses territrios, intensas migraes
campo-cidade geraram assentamentos populacionais desordenados em aglomeraes
gigantescas, totalmente desprovidas de infra-estrutura bsica de transporte e saneamento, em
que coexistem elevadas taxas de desemprego, forte competitividade e pssimas condies de
moradia, levando milhes de pessoas a transformar a luta pela simples sobrevivncia no fator
mais importante do seu respectivo cotidiano. O relatrio do governo do Brasil para a
Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento assinala "em
situaes de extrema pobreza, o indivduo marginalizado da sociedade e da economia
nacional no tem nenhum compromisso para evitar a degradao ambiental, uma vez que a
sociedade no impede sua prpria degradao como pessoa"16 . De fato, quanto mais pobre o
16 BRASIL, Governo do. O desafio do desenvolvimento sustentvel. Braslia: Presidncia da Repblica, 1991, p. 2.
14
indivduo, menor a sua percepo dos danos que pode causar ao meio ambiente. Para ele, s
vezes est em jogo a sua prpria sobrevivncia.
O final dos anos 60 e a dcada de 70 assinalam uma reviravolta nessa
conjuntura. Tragdias ambientais, como os acidentes nucleares de Three Mile Island (EUA)17,
de Chernobyl (Ucrnia)18 e de Goinia - o caso "Csio 137" (Brasil)19, diversos episdios de
derramamento de petrleo nos oceanos, causando a morte de milhares de aves e peixes, o
extermnio de baleias e focas, a devastao das florestas pela explorao desenfreada de
madeiras, etc. contriburam para sensibilizar um grande nmero de pessoas nos pases
desenvolvidos, de modo a transferir esse sentimento de um patamar de conscincia individual
para o coletivo.
Surge, assim, a conscincia coletiva como forma de presso sobre o
indivduo. As pessoas se organizam, os movimentos e grupos ambientalistas se
institucionalizam e passam a influenciar a sociedade e o prprio comportamento das pessoas.
Por exemplo, o uso de casacos de pele de animais, antes modismo indicativo de situao
abastada e sinnimo de luxo nos pases europeus, passou a ser criticado e malvisto, objeto at
mesmo de patrulhamento de entidades ambientalistas e de vergonha para quem os veste.
Do plano individual e social, essa conscincia galgou o plano poltico.
Assim, a Organizao das Naes Unidas promoveu, em 1972, uma Conferncia sobre o
Ambiente Humano, em Estocolmo. Nas reunies preparatrias dessa Conferncia destacou-se
o Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizado em Founex - na Sua,
em 1971, o qual identificou uma profunda divergncia no fenmeno de conscincia social do
problema do meio ambiente, entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos.
17 Em 28 de maro de 1979 registrou-se o vazamento em uma das vlvulas do sistema de resfriamento do reator
n 2 da central nuclear situada nesta localidade, obrigando a evacuao de 3.170 famlias da regio, acarretando a perda do emprego de 636 pessoas e a desativao do reator nuclear. Foi paga uma indenizao de trinta e trs milhes de dlares queles que foram prejudicados pelo vazamento.
18 Este acidente ocorreu em 26 de abril de 1986, em uma usina prxima cidade de Kiev, na Ucrnia, e foi o primeiro acidente causador de vtimas mortais numa central nuclear destinada produo de energia eltrica.
19 Em 13 de setembro de 1987 um aparelho de radioterapia abandonado foi recolhido por dois homens e vendido ao dono de um ferro-velho. Durante a desmontagem, 19,26 g de cloreto de csio-137 foram expostos ao ambiente. Quatro pessoas morreram e, segundo a Comisso Nacional de Energia Nuclear CNEN, 112.800 pessoas monitoradas apresentaram contaminao corporal interna e externa. Destas, 49 foram internadas e 21 exigiram tratamento mdico intensivo.
15
Enquanto nos primeiros generalizou-se o entendimento de que a riqueza e o
crescimento econmico, bem como o consumo excessivo seriam causadores de desequilbrios
ambientais, nos pases pobres problemas de degradao do meio ambiente teriam origem na
pobreza e na ignorncia das comunidades. Para estes ltimos, a melhoria da qualidade
ambiental dependeria de condies mais favorveis de sade, educao, nutrio e habitao,
apenas alcanveis mediante o desenvolvimento econmico.
No obstante essas dissonncias, o relatrio de Founex constituiu um marco
na questo preservacionista ao concluir que as consideraes ambientais deveriam ser
incorporadas aos processos de desenvolvimento, seja nos aspectos especficos aos pases ricos
- o mau uso da riqueza, o desperdcio, a poluio - seja nos ngulos particulares aos pases
pobres.
Em maro de 1980 o povo sueco, mediante um plebiscito, decidiu fechar
todos os doze reatores nucleares existentes na Sucia at o ano de 2010. importante
observar que os reatores suecos eram considerados os mais seguros do mundo. Aps essa
deciso, muitos outros pases decidiram reexaminar profundamente seus programas nucleares
e diversos deles resolveram encerr-los.
Logo depois, no ano de 1983, a ONU criou a Comisso Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, com a misso de propor "uma agenda global para mudanas."
Mudanas de estratgias de desenvolvimento, mudanas na maneira de as sociedades se
relacionarem o meio ambiente, mudanas para definir uma agenda de longo prazo visando
proteo e melhoria das condies ambientais. O relatrio concludo pela comisso em
1987, conhecido como Relatrio Bruntland (nome do Presidente da comisso), publicado
pela ONU20 formalizou o conceito de desenvolvimento sustentvel como sendo "aquele que
atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras
atenderem s suas prprias necessidades." Ainda conforme o relatrio citado, "o
desenvolvimento supe uma transformao progressiva da economia e da sociedade."
Posteriormente divulgao desse relatrio, foram desencadeados diversos
eventos no mundo inteiro, destacando-se como auge dessa discusso a Conferncia das
20 ONU - Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum, 2. ed. Rio de Janeiro: ed. FGV, 1991, p.20.
16
Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Entre os vrios
compromissos assumidos nesse conclave, figura uma agenda de trabalho assinada por mais de
170 pases, a Agenda 21, que consiste em um plano abrangente de ao destinado a promover,
de um lado, o desenvolvimento sustentvel, e de outro, a intensificar os programas de
preservao de recursos naturais e de combate poluio, sob as diversas formas que esta
apresenta.
Toda essa movimentao, a par da ao de grupos ambientalistas - a
exemplo do Greenpeace, constitui um resultado do processo de conscientizao coletiva da
questo ambiental, ao mesmo tempo em que a reveste da generalidade, exterioridade e
coercibilidade tpicas de fato social, como descrito na teoria sociolgica. Esse fenmeno
mais acentuado nas sociedades desenvolvidas, nas quais at mesmo os padres de
comportamento das pessoas j foram alterados de tal forma que, hoje em dia - e a ttulo de
exemplo - elegante usar bolsas, sapatos e acessrios sintticos, que apenas imitam peles de
animais, sem que esses sejam exterminados.
Referida presso exterior, como tendncia coletiva, tambm repercute no
campo das normas jurdicas, conforme passaremos a examinar.
1.5. As repercusses da questo ambiental no campo do Direito
1.5.1. O Direito como fato social
1.5.1.1. A norma jurdica enquanto reflexo da realidade
Direito o instrumento institucionalizado de maior importncia para o
controle social. Desde os primrdios das sociedades organizadas o fenmeno jurdico
manifestou-se como sistema de regras de conduta a que corresponde uma coao exercida
pela sociedade, segundo certos princpios aprovados e obedientes a formas predeterminadas.
A norma jurdica, portanto, um resultado da realidade social. Ela emana da
sociedade, por seus instrumentos e instituies destinados a formular o Direito, refletindo o
que essa sociedade tem como objetivos, bem como suas crenas e valoraes, o complexo de
seus conceitos ticos e finalsticos.
17
Tal fato pode ser esclarecido mediante simples referncia variedade de
sistemas e normas de Direito, em diferentes quadros culturais. O estudo histrico das
sociedades revela a existncia de estruturas jurdicas bem distintas no tempo e no espao. As
mltiplas realidades sociais condicionaram ordens jurdicas tambm diversas.
importante estabelecer a conexo entre a dinmica social e as
manifestaes do Direito. Nesse estudo, a relao entre a realidade do meio social e cada uma
das facetas de seu sistema cultural, nele includa a ordem jurdica, revela a existncia de uma
interao entre a conjuntura global e a normatividade jurdica
H uma realidade particular de cada processo histrico nacional ou grupal,
muito prpria e diferenciada, a que corresponde a produo de instituies tambm
particulares, entre elas as jurdicas. Assim, modelos jurdicos das sociedades ps-industriais
mais avanadas no podem, evidentemente, ser bons para as sociedades subdesenvolvidas, a
menos que sofram grandes transformaes no processo de aplicao, se isto for possvel.
A mudana social, que opera em escala planetria, repercute sempre na
transformao do Direito. Os estmulos sociais modificao da ordem jurdica assumem
formas variadas, seja pelo crescimento lento da presso dos padres e normas alterados da
vida social, criando uma distncia cada vez maior entre essa e o Direito, seja pela sbita e
imperiosa exigncia de certas momentos sociais, visando a uma redistribuio dos recursos
naturais ou novos paradigmas de justia social, ou ainda pelos novos descobrimentos e
pesquisas cientficos.
1.5.1.2. Sobre os condicionamentos scio-culturais da normatividade jurdica
Os condicionamentos scio-culturais da normatividade jurdica se mostram
claros e indiscutveis. s modificaes do complexo cultural de uma sociedade
correspondem, invariavelmente, alteraes subseqentes na ordem jurdica. Tais modificaes
so verificadas com maior ou menor celeridade, a depender de diversos fatores incidentes
sobre o processo social e atendendo circunstncia de que a norma jurdica geralmente
editada aps a constatao, pelos rgos sociais a isso destinados, de sua necessidade diante
de determinada realidade que se lhes apresenta.
18
Esta afirmativa vem a ser corroborada diante da observao do que ocorre
no campo do Direito, paralelamente evoluo das comunicaes e dos contatos entre as
diversas sociedades, em uma escala global. A expanso dos sistemas de comunicao, no
sculo XX, tem sido tamanha que qualquer fato social de alguma significao ganha
conhecimento quase imediato em todos os continentes. As modificaes do contexto social,
portanto, se verificam em dimenso mundial, acarretando uma influncia muito maior dos
grupos sociais entre si e tambm uma semelhana crescente entre os sistemas jurdicos de
sociedades que se aproximam, umas das outras, no modo de viver.
Alm das normas do Direito positivo, como produto das mudanas sociais,
sob o ponto de vista sociolgico se reconhece a existncia de um conjunto de regras que no
provm dos rgos estatais. Com efeito, h "Direito" que emana dos grupos e associaes
sociais, criando obrigaes e deveres intragrupais, a exemplo das organizaes sindicais e
seus estatutos e - at mesmo - das grandes corporaes e dos acordos industriais entre elas.
So "normas" que, embora no reconhecidas pelo Estado, so adotadas pelos membros dessas
instituies, e onde so previstas, s vezes, sanes sociais e contratuais.
Tais regras, de formao extra-legislativa, se revestem de uma importncia
que ainda est por receber exame e pesquisa adequados sua verdadeira atuao na
sociedade. Elas so bem a medida da afirmao de que o Direito reflexo da realidade social
e se ajusta, necessariamente, s demais formas de sociabilidade adotadas pelo grupo, a cujas
valoraes se adapta.
1.5.2. A "conscincia ecolgica" - fonte material do Direito
Foi constatado, em itens anteriores, que a preocupao com a preservao
do meio ambiente, antes fenmeno individual ou restrito a manifestaes esparsas,
ultrapassou esses limites da individualidade para transformar-se gradativamente num
movimento social, que popularmente se rotulou como "conscincia ecolgica" (embora o
termo no seja tecnicamente adequado) e que passou a atuar no plano do coletivo,
constituindo-se um autntico fato social. Mais intenso esse fenmeno nos pases
desenvolvidos e nas camadas sociais superiores dos pases em desenvolvimento, porquanto na
medida em que aumentam os nveis de pobreza, a necessidade de sobrevivncia se sobrepe
ao interesse pela preservao.
19
Examinar-se-, agora, como esse fato social evoluiu para o campo de
Direito, transformando-se em fonte material que vem provocando mudanas nos
ordenamentos jurdicos de inmeros pases, inclusive do Brasil. Dentre as aludidas fontes, no
campo da preservao do meio ambiente, Antunes21 cita os movimentos populares, as
descobertas cientficas e a doutrina.
Os movimentos populares em defesa da qualidade de vida e do meio
ambiente ganharam maior expresso social e poltica a partir dos anos 60, sobretudo na
Europa, Estados Unidos e Japo.
Na Frana, dado como marco inicial para o movimento ecologista o
clebre episdio da tentativa de construo do campo militar de Larzac. Em 1971, o governo
francs anunciou que iria comprar terras na regio do macio central, com a finalidade de
ampliar o campo de provas de Larzac. Nessa regio, habitavam cento e sete agricultores, dos
quais a metade se ops ao projeto e se recusou a vender suas terras ao governo. O movimento
de resistncia perdurou por dez anos, dando origem a diversos comits Larzac em toda a
Frana. Finalmente, em 1981, o Presidente Miterrand, cumprindo uma promessa de
campanha, desistiu da aquisio das terras.
No Japo, o movimento dos cidados em defesa da qualidade de vida
ganhou expresso com as reivindicaes das vtimas da doena de Minamata22 pela reparao
dos imensos danos que sofreram em suas sades, inclusive com mortes, em razo da poluio
industrial causada por diversas empresas na baa de Minamata.
O episdio de Three Mile Island (EUA) foi o maior em instalaes civis e
no submetidas ao regime de segredo at os acontecimentos de Chernobyl (Ucrnia), tendo
desencadeado expressivas reaes populares, contribuindo, assim, para fortalecer as entidades
militantes pela preservao do meio ambiente. Diga-se, a propsito, que os Estados Unidos
so dos pases mais avanados no mundo, no tocante a organizaes sociais de defesa do meio
21 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, 6. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002,
p. 42-45.
22 Na provncia de Kumamoto, ao sul do Japo, em uma pequena cidade denominada Minamata, surgiu em 1956 uma doena at ento desconhecida, resultante da intoxicao de pessoas com resduos de mercrio contido no lixo despejado na baa de Minamata pela fbrica de produtos qumicos Chisso. Pelo menos 2.252 pessoas foram afetadas, tendo ocorrido 1.043 mortes.
20
ambiente e de forte tradio quanto a reivindicaes de cidados nesta matria, especialmente
diante do Poder Judicirio.
No Brasil, o movimento ambientalista teve seu incio na dcada de 70, no
Rio Grande do Sul que, desde ento, vem se mantendo na vanguarda da proteo ambiental.
Em 1971, foi fundada a Associao Gacha de Proteo ao Ambiente Natural (AGAPAN). O
primeiro ato de impacto nacional promovido pela AGAPAN foi quando o estudante de
arquitetura Carlos Alberto Darriel subiu e instalou-se em um p de Tipuana, no centro de
Porto Alegre, para evitar fosse este derrubado pela Prefeitura, que ali pretendia fazer passar
um viaduto. A manifestao foi vitoriosa, pois a Prefeitura precisou alterar os planos para a
construo do viaduto e no derrubou a rvore.
As descobertas cientficas constituem das mais importantes fontes
materiais do Direito, no campo da preservao do meio ambiente. Um bom exemplo, nesse
sentido, o Protocolo de Montreal sobre a proteo da camada de Oznio. Com efeito, a
confirmao cientfica de existir na camada de Oznio envolvendo a Terra, especialmente
sobre o plo sul, um chamado "buraco" produzido pela ao dos cloro-fluorcarbonos (CFC),23
tornou-se o fato deflagrador de forte reao da sociedade em nvel mundial, sendo que muitos
pases firmaram um documento internacional voltado para regulamentar a substituio
progressiva dos CFCs.
A prpria doutrina vem se salientando como fonte material do Direito
Ambiental, merecendo destaque, nesse aspecto, a elaborao dos princpios gerais desse
campo do Direito que desempenham papel fundamental na elaborao de leis e na aplicao
judicial das normas de proteo ao meio ambiente.
23 Gases usados pela indstria em compressores de refrigeradores, aparelhos de ar condicionado e sprays.
21
2. POLTICAS INTERNACIONAIS DE PRESERVAO DO MEIO AMBIENTE E SUAS BASES JURDICAS NO BRASIL
Sumrio: 2.1. Conferncias Internacionais sobre Meio Ambiente: 2.1.1. Conferncias das Naes Unidas. 2.1.1.1. Conferncia sobre o meio ambiente humano e documentos resultantes Estocolmo, Sucia, 1972. 2.1.1.2. Conferncia sobre meio ambiente humano e documentos resultantes Rio de Janeiro, Brasil, 1992. 2.1.1.3. Rio + 10 - Conferncia sobre Desenvolvimento Sustentvel - Johannesburgo, frica do Sul. 2.1.2. Outros eventos internacionais. 2.2. Direito Ambiental definio. 2.3. Direito e Poltica Ambiental no Brasil: 2.3.1. Evoluo e marcos legislativos. 2.3.2. A Constituio de 1988 e o objeto da tutela ambiental. 2.3.3. Os bens ambientais. 2.4. Princpios relativos proteo do meio ambiente. 2.4.1. Princpio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa. 2.4.2. Princpio da natureza pblica da proteo ambiental. 2.4.3. Princpio do controle do poluidor pelo Poder Pblico. 2.4.4. Princpio da considerao da varivel ambiental no processo decisrio de polticas de desenvolvimento. 2.4.5. Princpio da participao comunitria. 2.4.6. Princpio do poluidor-pagador (polluter-pays principle). 2.4.7. Princpios da preveno e da precauo. 2.4.8. Princpio da funo scio-ambiental da propriedade. 2.4.9. Princpio do direito ao desenvolvimento sustentvel. 2.4.10. Princpio da cooperao entre os povos. 2.4.11. Sntese dos princpios do Direito Ambiental, segundo Antunes.
2.1. Conferncias Internacionais sobre Meio Ambiente
Desde o incio do sculo XX, em face da industrializao acelerada dos
pases europeus e da gradativa percepo da importncia das questes relativas ao meio
ambiente, foram realizados eventos internacionais para discutir os temas relevantes desse
assunto, tendo sido pioneiro o Congresso Internacional para a Proteo de Paisagens, em Paris
- Frana, 1909.24 Para Nascimento e Silva25, o I Congresso Internacional para a Proteo da
Natureza, tambm realizado em Paris, no ano de 1923, representa o primeiro passo importante
para a abordagem do problema no seu conjunto.
H que se reconhecer que os congressos, simpsios e reunies cientficas
envolvendo discusses ambientais desempenharam um relevante papel histrico na
formulao de uma poltica internacional sobre a matria, inclusive como forma de presso e
24 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, 4. edio. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 179.
25 NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eullio do. Direito ambiental internacional. Rio de Janeiro: Thex editora, 1995, p. 25.
22
de mobilizao social, projetando efeitos sob a forma de Declaraes, Princpios e Programas
que se irradiam e inspiram aes planejadas em inmeros pases, visando proteo
ambiental e definio de estratgias de controle de poluio.
2.1.1. Conferncias das Naes Unidas
As trs mais concorridas conferncias internacionais sobre a proteo ao
meio ambiente foram patrocinadas pela Organizao das Naes Unidas, com o objetivo de
debater os problemas ambientais que afligem o planeta e buscar solues no sentido de
viabilizar o chamado desenvolvimento sustentvel.
2.1.1.1. Conferncia sobre o Meio Ambiente Humano e Documentos Resultantes Estocolmo, Sucia, 1972
Esta primeira Conferncia, realizada de 5 a 16 de junho de 1972 na capital
sueca, foi produto da crescente preocupao, tanto de pases desenvolvidos da Europa, como
de pases em desenvolvimento, com os srios desequilbrios ambientais detectados pelo
mundo afora, que comeavam a ameaar o futuro da humanidade e a necessidade de
crescimento econmico e social para atender demanda populacional crescente.
Participaram do evento representantes de cento e treze pases, duzentos e
cinqenta organizaes no-governamentais e dos organismos da ONU. No encontro,
buscou-se chamar a ateno das naes para o fato de que a ao humana estava causando
sria degradao da natureza e criando severos riscos para o bem-estar e para a prpria
sobrevivncia da espcie. Os debates foram marcados por uma viso antropocntrica do
mundo, tendo o homem como o centro de toda a atividade realizada no planeta, em detrimento
de uma abordagem integrada em que se coloca o homem como parte da cadeia ecolgica
regente da vida na Terra.
A Conferncia de Estocolmo tambm se caracterizou pelo confronto entre as
perspectivas dos pases desenvolvidos e dos pases em desenvolvimento. Os pases
desenvolvidos focaram suas preocupaes nos efeitos da devastao ambiental sobre a Terra,
propondo um programa internacional voltado para a conservao dos recursos naturais e
genticos do planeta e pregando a adoo de medidas preventivas a serem imediatamente
definidas e aplicadas para que se evitasse um desastre ambiental irremedivel. Por outro
lado, pases em desenvolvimento argumentaram que, em face da misria da populao - a
23
padecer de agudos dficits de moradia, saneamento bsico, ataque de doenas infecciosas e
outras seqelas da pobreza necessitavam concentrar seus esforos no desenvolvimento
econmico rpido, sem tantas cautelas com as questes do meio ambiente. Da, questionaram
a legitimidade das recomendaes dos pases ricos que, segundo eles, tendo atingido o
poderio industrial com o uso predatrio de recursos naturais, pretendiam passar a impor-lhes
complexas exigncias de controle ambiental, encarecendo e retardando-lhes a
industrializao.
Inobstante as discusses resultantes dos conflitos de interesse entre pases
ricos e pobres, a Conferncia produziu a Declarao sobre o Meio Ambiente Humano, um
conjunto de vinte e seis princpios de comportamento e responsabilidade que deveria, a partir
de ento, nortear as decises nas esferas de governo dos pases participantes do evento, no
tocante s questes ambientais. Tambm foi elaborado um Plano de Ao que convocava
todos os pases, os rgos das Naes Unidas e as entidades internacionais no-
governamentais a cooperarem entre si, na pesquisa de solues para os desvios ambientais
detectados.
O Princpio 12 da Declarao recomendou expressamente a canalizao de
recursos para a preservao e melhoramento do meio ambiente tendo em conta as
circunstncias e as necessidades especiais dos pases em desenvolvimento26.
Como outra conseqncia da Conferncia de Estocolmo foi criado o
PNUMA - Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente.
Comenta Pereira Jr. que, a partir da Conferncia de Estocolmo, o meio
ambiente passa a fazer parte dos estudos de viabilidade de empreendimentos causadores de
poluio ou de degradao ambiental, como exigncia de organismos multilaterais de
financiamento, a exemplo do Banco Mundial e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento27.
26 USP Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Declarao de Estocolmo sobre o meio ambiente.
www.direitos humanos.usp.br. Acesso em: 19 jan. 2003.
27 PEREIRA JR. Jos de Sena. Cpula mundial sobre desenvolvimento sustentvel, realizada em Johannesburgo, frica do sul. Relatrio Especial. Braslia: Cmara dos Deputados, set. de 2002, p. 3.
http://www.direitos/
24
2.1.1.2. Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento e Documentos Resultantes Rio de Janeiro, Brasil, 1992
Em 1988, a Assemblia Geral das Naes Unidas aprovou uma resoluo
determinando a realizao de uma Conferncia sobre o meio ambiente e desenvolvimento que
pudesse avaliar como os pases haviam promovido a proteo ambiental desde a Conferncia
de Estocolmo.
Dando cumprimento resoluo, em 1989 a Assemblia Geral da ONU
convocou a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), que ficou conhecida como Cpula da Terra ou ECO 92, marcando sua
realizao para o ms de junho de 1992.
O novo encontro de pases integrantes da ONU, que ocorreu de 3 a 14 de
junho de 1992 no Rio de Janeiro, duas dcadas aps a Conferncia de Estocolmo, introduziu o
tema do desenvolvimento sustentvel como elemento fundamental da estratgia para
conservar a vida no planeta. Compareceram representantes de cento e setenta e dois pases
(apenas seis membros das Naes Unidas no se fizeram presentes), totalizando mais de dez
mil participantes, incluindo cento e dezesseis chefes de Estado.
Dentre os objetivos principais dessa conferncia destacaram-se os seguintes:
Examinar a situao ambiental mundial desde 1972 e suas relaes com o
estilo de desenvolvimento vigente;
Estabelecer mecanismos de transferncia de tecnologias no-poluentes aos
pases subdesenvolvidos;
Examinar estratgias nacionais e internacionais para incorporao de
critrios ambientais ao processo de desenvolvimento;
Estabelecer um sistema de cooperao internacional para prever ameaas
ambientais e prestar socorro em casos emergenciais; e
Reavaliar o sistema de organismos da ONU, criando eventualmente novas
instituies para implementar as decises da conferncia.
25
A Conferncia da ONU favoreceu o debate e a mobilizao da comunidade
internacional em torno da necessidade de urgentes mudanas de comportamento, visando
preservao da vida na Terra.
Como produto dessa Conferncia foram assinados cinco documentos: a
Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os Princpios para
a Administrao Sustentvel das Florestas, a Conveno da Biodiversidade e a Conveno
sobre Mudana do Clima.
Sem dvida o documento mais importante produzido pela Conferncia a
Agenda 21 ou Programa 21, um plano de ao para atingir o desenvolvimento sustentvel no
sculo XXI. O documento explica claramente os principais desafios relacionados a essa meta
e traa pautas de ao para atingi-la.
Na Seo IV, a Agenda 21 trata dos meios de implementao do plano de
ao ambiental, estabelecendo em seu captulo 33 os recursos e mecanismos de financiamento
a serem utilizados. O item 33.16 desse captulo assim dispe:
33.16. Novos mecanismos de financiamento. Devem-se explorar novas maneiras de gerar novos recursos financeiros pblicos e privados, a saber, em particular:
[...]
(b) o uso de incentivos e mecanismos econmicos e fiscais; [...]28 (Grifo nosso).
Em outras palavras, ficou previsto nessa Agenda que os pases membros das
Naes Unidas se valham de incentivos e de mecanismos fiscais, como instrumentos para a
gerao de recursos necessrios efetivao de aes governamentais com vistas a proteger o
meio ambiente, inclusive no que diz respeito ao controle da poluio.
Afirma Pereira Jr.29 que o grande consenso da ECO-92 foi o reconhecimento
da importncia, para a humanidade, de alcanar um desenvolvimento sustentvel, ou seja, de
compatibilizar as atividades econmicas e a sua prpria existncia com a capacidade da
natureza repor os recursos naturais dela retirados. Referindo-se a essa conferncia, acrescenta 28 CONFERNCIA DAS NAES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
1992, Rio de Janeiro. Braslia: Cmara dos Deputados, Centro de Documentao e informao Coordenao de Publicaes, 1995, p. 407.
29 PEREIRA JR., Jos de Sena. Cpula Mundial sobre desenvolvimento sustentvel, realizada em Johannesburgo, frica do sul. Relatrio Especial. Braslia, Cmara dos Deputados, setembro de 2002, p. 4.
26
o renomado especialista: mesmo que, na prtica, a maioria de suas recomendaes no
tenha sado do papel, ela teve um forte impacto na conscincia coletiva e seu clima de
otimismo serviu para difundir entre as pessoas comuns conceitos e necessidades relacionadas
com a preservao do meio ambiente e com o uso racional dos recursos naturais.30
2.1.1.3. Rio + 10 - Conferncia sobre Desenvolvimento Sustentvel - Johannesburgo, frica do Sul
Esta conferncia foi realizada de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002,
tendo como objetivos centrais: fortalecer o compromisso dos pases signatrios com os
acordos aprovados anteriormente (especialmente no que tange Agenda 21) e identificar as
novas prioridades que emergiram desde 1992.
Como produtos dessa assemblia, foram elaborados dois documentos, sendo
o primeiro uma declarao poltica, que expressa os compromissos e os rumos para
implementao do desenvolvimento sustentvel e o segundo um plano de ao, o qual
estabelece metas e programas de modo a guiar a concretizao dos compromissos assumidos
pelos pases participantes.
Em verdade, a Rio + 10 constituiu uma tentativa da ONU de reavaliar as
concluses e diretrizes obtidas na ECO 92, buscando avanar nas discusses e traar metas
mais ambiciosas, especficas e bem definidas para alguns dos principais problemas ambientais
de ordem global.
No bastasse a dimenso e a gravidade dos desafios a serem enfrentados nos
debates e reunies da Conferncia, esta foi realizada em um cenrio internacional de
instabilidade econmica e poltica. Apesar de contar com a presena de representantes de 189
pases, a Rio + 10 terminou com poucos avanos, tendo frustrado, em grande parte, as
expectativas que a cercavam. Na viso de Pereira Jr. o encontro de Johannesburgo foi
concludo com a sensao de que o chamado desenvolvimento sustentvel uma tarefa
grande e cara demais, pelo menos para o estgio atual do progresso humano.31
Comenta Ildia Juras que, inobstante essas dificuldades, o plano de ao
concebido como resultante da Conferncia reitera a necessidade de um quadro institucional 30 Idem, ibidem, p. 4.
31 Idem, ibidem, p. 6.
27
definido, no intuito de viabilizar a implementao integral da Agenda 21, recomendando o
fortalecimento da mobilizao de recursos financeiros e tecnolgicos no sentido de atingir os
objetivos ali delineados32.
2.1.2. Outros Eventos Internacionais
Entre as conferncias citadas por Mukai33, podem ser destacados outros
encontros e reunies internacionais que tambm ocuparam espao significativo na cronologia
dos eventos marcantes para a evoluo dos debates sobre os problemas quanto preservao
do meio ambiente:
Conferncias de Helsinque e de Munique, de 1984 reuniu representantes
de pases do Leste Europeu, tanto socialistas como capitalistas, que demonstraram uma
vontade comum de proteger o meio ambiente, para alm das divergncias ideolgicas.
Programa de Montevidu nesta reunio de altos funcionrias
governamentais, realizada de 28 de outubro a 6 de novembro de 1981, foram propostos temas
que deveriam ser objeto de estudos no campo do Direito Ambiental.
Declaraes de Haia e de Paris, 1989 A primeira conferncia congregou
vinte e quatro chefes de Estado e de Governo, onde os signatrios proclamaram que o nosso
pas o planeta, reclamando a elaborao de novos princpios do Direito Internacional em
matria de maio ambiente. Na segunda conferncia, o conjunto dos sete pases mais
industrializados consagrou a responsabilidade daqueles mais poluentes no tocante a aes
visando a reparar os danos ambientais causados pelo desenvolvimento.
2.2 . Direito Ambiental definio
A transposio das preocupaes com o meio ambiente para o plano
jurdico, sob a forma de normas disseminadas em diplomas legais os mais diversos, no um
fenmeno to recente quanto se possa imaginar, pois as primeiras formulaes disciplinadoras
32 JURAS, Ildia de A. G. Martins. Rio + 10 O plano de ao de Johannesburgo. Braslia: Cmara dos
Deputados, novembro de 2002, p. 13.
33 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, 4. edio. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 180-183.
28
da matria so encontradas na legislao portuguesa que aqui vigorou at o advento do
Cdigo Civil de 1916.34
O Direito Ambiental, porm, enquanto campo da cincia jurdica com objeto
prprio, mtodo, extenso e limites de atuao constitui um ramo relativamente novo do
Direito, eis que vem se desenvolvendo como tal h pouco mais de trs dcadas.
Doutrinadores estrangeiros e brasileiros propuseram definies de Direito
Ambiental, sobressaindo-se entre elas as seguintes, citadas por Mukai35:
- Srgio Ferraz, em trabalho pioneiro no Brasil, chamou o Direito Ambiental
de Direito Ecolgico, definindo-o como o conjunto de tcnicas, regras e instrumentos
jurdicos organicamente estruturados, para assegurar um comportamento que no atente
contra a sanidade mnima do meio ambiente.
- O Desembargador Tycho Brahe Fernandes Neto definiu o Direito
Ambiental como o conjunto de normas e princpios editados objetivando a manuteno de
um perfeito equilbrio nas relaes do homem com o meio ambiente.
- Carlos Gomes de Carvalho, por seu turno, define-o como conjunto de
princpios e regras destinados proteo do meio ambiente, compreendendo medidas
administrativas e judiciais, com a reparao econmica e financeira dos danos causados ao
ambiente e aos ecossistemas, de uma maneira geral.
Antunes36 elabora uma complexa conceituao, entendendo-o como
dividido em trs sub-ramos:
Para mim, o Direito Ambiental pode ser definido como um direito que se desdobra em trs vertentes fundamentais que so constitudas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental um direito humano fundamental que cumpre a funo de integrar os direitos saudvel qualidade de vida, ao desenvolvimento econmico e proteo dos recursos naturais.
34 MILAR, dis. Direito do ambiente, 2. edio revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 94. 35 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, 4. edio. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9 a 11.
36 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, 6. edio, revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 10.
29
Acrescenta, ainda, este autor que, na sua tica, mais do que um Direito
autnomo, o Direito Ambiental seria uma concepo de aplicao da ordem jurdica que
penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito.
J na viso de Silva,37 o Direito Ambiental deve ser considerado sob duplo
aspecto: o Direito Ambiental objetivo, que consistiria no conjunto de normas jurdicas
disciplinadoras da proteo da qualidade do meio ambiente; e o Direito Ambiental como
cincia que busca o conhecimento sistematizado das normas e princpios ordenadores da
qualidade do meio ambiente.
2.3. Direito e Poltica Ambiental no Brasil
2.3.1. Evoluo e marcos legislativos
Argumenta Milar38 que, inobstante a imensa gama de normas jurdicas,
identificada ao longo de cinco sculos no Brasil, contemplando itens ambientais, somente a
partir da dcada de 1980 passou a matria a desenvolver-se com maior consistncia e
celeridade. Em verdade, as leis, at ento publicadas, cuidavam de disciplinar questes
pontuais, sem ter em vista uma perspectiva global da proteo ao meio ambiente.
Embora apresente a evoluo legislativa desde a colonizao portuguesa,
pulverizada em dezenas de atos normativos que a tornam uma verdadeira colcha de retalho,
aponta este autor quatro marcos fundamentais da legislao brasileira, editados no interesse de
atender ao clamor social pela tutela jurdica do ambiente, quais sejam:
1) Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1982. Este diploma estabeleceu a
Poltica Nacional do Meio Ambiente PNMA, instituindo o Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA), como instrumento apto a propiciar o planejamento de uma ao
integrada entre os diversos rgos governamentais e determinando o papel dos diferentes
rgos do Poder Pblico Executivo, Legislativo e Judicirio nas definies da referida
poltica. Teve a mencionada lei, por outro lado, o mrito de definir o meio ambiente como
objeto especfico de proteo jurdica, em seus mltiplos aspectos.
37 SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional, 3. edio. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 41-42.
38 MILAR, dis. Direito do ambiente, 2. edio revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 96-99.
30
Saliente-se que o art. 14. 1 desta lei estabelece a obrigao do poluidor de
reparar os danos causados, de acordo com o princpio da responsabilidade objetiva, em ao
movida pelo Ministrio Pblico.
2) Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, a qual preceituou ser a ao civil
pblica o instrumento processual para a defesa do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.
3) Constituio Federal de 1988, que contemplou o meio ambiente com um
captulo prprio, considerado um dos textos mais avanados do mundo nesse assunto.
4) Lei n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispe sobre as sanes
administrativas e penais aplicveis a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,
representando significativo avano no sentido de incluir a pessoa jurdica como sujeito ativo
do crime ecolgico.
Contudo, vozes contundentes tm se levantado para tecer crticas quanto
eficcia da legislao ambiental no Brasil. Milar39 afirma, por exemplo, que no emaranhado
das normas existentes, difcil mesmo encontrar matrias onde no existam conflitos
normativos, onde os dispositivos, nos vrios nveis legislativos, falem a mesma lngua. Em
que pese as aludidas imperfeies, h que se destacar, neste conjunto complexo, as normas
constitucionais em vigor sobre a matria, bem como os princpios gerais que informam o
Direito Ambiental.
2.3.2. A Constituio de 1988 e o objeto da tutela ambiental
Em seu art. 225, a Carta Poltica de 1988 estabelece como objeto da tutela
jurdica a qualidade do meio ambiente, em funo da qualidade de vida. Segundo afirma
Silva40, poder-se-ia dizer que h dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que a
qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que a sade, o bem-estar e a segurana da
populao, que se vem sintetizando na expresso qualidade de vida.
39 MILAR, dis. Direito do ambiente, 2. edio revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 99.
40 SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional, 3. edio. So Paulo: Malheiros, 2000, p.79.
31
Consoante as palavras de Milar41, a Constituio erigiu o meio ambiente
categoria de um daqueles valores ideais da ordem social, dedicando-lhe, a par de uma
constelao de regras esparsas, um captulo prprio que, definitivamente, institucionalizou o
direito ao ambiente sadio como um direito fundamental do indivduo.
Para conferir efetividade a essa tutela, prope o texto constitucional a
proteo, tanto do ambiente globalmente considerado, como tambm das suas dimenses
setoriais, quais sejam, os seus elementos setoriais constitutivos, a exemplo do solo, do
patrimnio florestal, da fauna, do ar atmosfrico, da gua, do sossego auditivo e da paisagem
visual.
Declara, ainda, o art. 225, que todos tm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Observe-se que o objeto do direito de todos no se limita ao
meio ambiente em si mesmo, mas qualidade satisfatria dos elementos que o compem, ao
prprio equilibro ecolgico. isto que a Constituio conceitua como bem de uso comum do
povo. Como decorrncia dessa definio, os atributos do meio ambiente no podem ser de
apropriao privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertenam a particulares,
isto , o proprietrio no pode dispor dos recursos que integram o meio ambiente a seu bel
prazer porque eles no integram a sua disponibilidade absoluta. Alm disto, h elementos
fsicos do meio ambiente que sequer so suscetveis de apropriao privada, como o ar e a
gua, porquanto em sua essncia caracterizam-se como bens de interesse pblico, dotados de
um regime jurdico especial.
2.3.3. Os bens ambientais
Os bens ambientais foram definidos no art. 3, incisoV, da lei n. 6.938, de
1981, com a redao dada pela Lei n. 7.804, de 1989, entendendo-se como tal: a atmosfera,
as guas interiores, superficiais e subterrneas, os esturios, o mar territorial, o solo, o subsolo
e os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
A Constituio de 1988, por seu turno, cuidou em diversos dispositivos dos
bens ambientais como a gua, as cavidades naturais subterrneas, as florestas, a flora, a fauna,
as ilhas, o mar territorial e as praias, os recursos naturais da Plataforma Continental e da Zona
41 MILAR, dis. Direito do ambiente, 2. edio revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 233.
32
Econmica Exclusiva, os stios arqueolgicos, pr-histricos, paleontolgicos, paisagsticos,
artsticos e ecolgicos, bem como estabeleceu os espaos territoriais protegidos e as
competncias dos Entes Polticos para efetuar intervenes no sentido de proteo dos
referidos bens.42
2.4. Princpios relativos proteo do meio ambiente
Tanto do texto constitucional, como das Leis ambientais em vigor, podem
ser extrados os princpios vetores da tutela jurdica do meio ambiente. Na lio de Jos
Cretella Jr., princpios so as proposies bsicas, fundamentais, tpicas, que condicionam
todas as estruturas subseqentes.43
2.4.1. Princpio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana
O reconhecimento de que a pessoa tem direito a um meio ambiente sadio
configura-se como uma autntica extenso do direito vida, estampado no art. 5, caput, da
Constituio Federal, ostentando um status de verdadeira clusula ptrea, a teor do art. 60,
4, inciso IV, da nossa Carta. De acordo com Trindade44, o direito vida encerra, mais
precisamente, o direito de todo ser humano de no ser privado de sua vida e o direito de
todo ser humano de dispor dos meios apropriados de subsistncia e de um padro de vida
decente.
Ao analisar esse princpio, Almeida45 conclui que o meio ambiente
ecol