Tributação Governo dá empurrão ao negócio dos vales-refeição · jogo da negociação, muitas...
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Especial Tributação do subsídio de almoço
Governo dá empurrãoao negócio dosvales-refeiçãoEmpresas estão a trocar o subsídio de almoço em dinheiro
por vales ou cartões-refeição. Com o negócio potencialpela frente, há novos produtos e novos operadores a chegar
ELISABETE MIRANDA
O Governo deu uma ajuda preciosaao negócio dos cartões e vales-refei-
ção noúltimo Orçamento do Estado.
Ao ter agravado o IRS e a SegurançaSocial sobre o subsídio de almoçopago em dinheiro, incentivou as em-
presas a substituírem o pagamentoem numerário do subsídio pelos "ti-ckets" ou cartões electrónicos.
Com o potencial de expansão do
negócio em perspectiva, aEdenred,um dos dois grupos de relevo nomercado português e detentora do
"Euroticket", já está a preparar aemissão de um cartão electrónico,muito semelhante a um multiban-co, para substituir os velhinhos "ti-ckets" em papel. Os bancos também
começam a sentir-se atraídos peloproduto, com o BCP ajuntar-se aoBES na emissão de cartões-refeiçãopara os clientes empresariais.
Luís Leon, que na Deloitte traba-lha naoptimizaçãode pacotes remu-neratórios, diz que "há claramenteuma maior apetência pelos 'tickets'
por parte das empresas". Depois do
Orçamento do Estado, "as empresas
começaram a procurar a solução al-ternativa que proporcionamaior op-timização fiscal". A mudança de su-
porte, do papel para o electrónico,
acaba por funcionar como um incen-tivo adicional, uma vez que "reduz a
logística e aumenta a segurança" domeio de pagamento.
Rui Proença, director geral daEdenred Portugal, concorda que,embora o sector já viesse benefi-ciando de uma discriminação posi-tiva na frente fiscal, ganhou agorapoderes reforçados de argumenta-ção junto dos potenciais clientes. Ascontas são fáceis de fazer, e o res-
ponsável recita-as de cor: enquantofor pago em dinheiro, o subsídio de
refeição só está isento de IRS e Segu-
rança Social até aos 5,12 euros diá-rios, se for disponibilizado em vales
refeição, está isento até 6,83 euros
por dia São mais 1,71 euros diários(até ao ano passado a diferença jáexistia, mas era de apenas 85 cênti-
mos) que as empresas podiam apro-veitar.parareforçaroapoiosocialaosempregados.
Apesar de já desde 1995 haveruma discriminação fiscal positivapara os vales-refeição, embora mais
pequena (ver texto à direita), Rui
Proença diz que ela não foi de gran-de serventia. "A sociedade portu-guesa não estava receptiva à titula-
rização, porque não houve umaorientação clara para este efeito,facto que agora se vai inverter coma alteração do quadro legislativo". A
Edenred jáestáasentir um aumen-to da procura dos seus serviços, eestá confiante que o negócio vaicrescer. Embora hajaempresas quecortaram alguns cêntimos ao sub-sídio de refeição para se porem a si
e aos trabalhadores a salvo de tribu-
tação, Rui Proença considera quesão casos residuais. "Como os con-tratos colectivos estabelecem o di-reito ao subsídio, há sectores ondenão é possível recuar no valor". Porisso, "as empresas ou estão a assu-mir os encargos fiscais ou a fazer a
mudança para as ofertasde títulos".
Apróximabatalha é adagenera-lização do pagamento do subsídioem títulos. Para o responsável da
Edenred, não faz sentido que o Es-tado continue a permitir que o sub-sídio de almoço seja pago em di-nheiro. O subsídio não é uma remu-neração, é um benefício social peloque, aúnicaformaque o Estado temde garantir que ele é usado para ofim a que se destina, é apenas admi-tir que ele seja pago em vales-refei-
ção (ver debate nas páginas seguin-tes).
Lá por fora há países onde o sub-
sídio de refeição não é tradição - ca-
sos da Alemanha, Reino Unido e
Holanda, segundo um estudo de2010 da Deloitte - mas onde existe,é pago exclusivamente em "vou-
chers", com incentivo fiscal E o casoda Bélgica, França ou da Itália
A Ticket Restaurante de Portu-gal, que na sua página electrónicatem uma vistosa publicidade às no-vas vantagens fiscais, não esteve dis-
ponível para prestar declarações.
A sociedade
portuguesa nãoestava receptiva à
titularização,porque não houveuma orientaçãoclara nessesentido. Agora vaiinverter-se.
Há claramentemaior apetênciapelos "tickets".As empresascomeçaram a
procurar a soluçãoalternativa queproporciona maioroptimização fiscal.
Um benefício queCavaco Silva deue Passos CoelhoampliouDiscriminação positiva criada em 1995,no último ano da maioria PSD
ELISABETE MIRANDA
elisabetemiranda9negocios.pt
No ano passado,Diogo LeiteCampos,vice-presidentedo PSD, defendeu
que as prestaçõessociais fossem
pagas em cartão.
Cavaco Silva foi o primeiro a darum empurrão aos vales-refeição,ao conceder-lhes uma isenção fis-
cal maior do que ao subsídio de re-
feição em numerário. 16 anos de-
pois, Passos Coelho amplia a dife-
rença, e com ela vem mais umnovo fôlego para o negócio.
Foi na recta final do segundomandatodeCavacoSilvaqueos va-
les-refeição passaram a ter um tra-tamento mais favorável no IRS do
que o pagamento em numerário.Até ai, o Código do IRS, entra-
do em vigor em 1989, não discri-minava Dizia apenas que nãoeram tributados os subsídios de
refeição, na parte em que não ul-
trapassassem os limites legais es-tabelecidos. Aforma de pagamen-to do subsídio ficava ao critério de
cada empresa Em 1994, no Orça-mento do Estado para 1995, o sub-sídio de refeição passou a pagarIRS "na parte que exceder em50% o limite legal estabelecido,elevando-se para 70% sempre queo respectivo subsídio seja atribuí-do através de vales de refeição".
ALei dizia queobenefíciocare-ciadedespachodo Ministro das Fi-
nanças, mas as empresas nem es-
peraram pelas normas técnicas,tendo começado logo a aproveitaro incentivo, que se manteve comuma redacção análoga até ao finaldo ano passado.
Vasco Valdez, secretário de Es-
tado dos Assuntos Fiscais na altu-
ra, explicou ao Negódos que "as mo-
tivações do Governo de então fo-ram promover autilização do sub-sídio de almoço em comida ou no
supermercado, visto que, quandopagas em dinheiro, as importân-cias nem sempre tinham comodestino o almoço".
No ano passado, o PSD voltou
a cruzar-se com o negócio dos car-
tões, quando Diogo Leite de Cam-
pos, jávice-presidente do partido,defendeu, numa iniciativa promo-vida pela Edenred, que o Governodevia avançar com um "cartão so-cial de débito" para pagar algumasprestações sociais em género. Lei-te Campos, que não chegou a inte-
grar o Executivo, disse esperar que
um Governo do seu partido apli-casse esta medida
Este ano, o negócio dos cartões
volta a ter novo fôlego, por via dosubsídio de almoço (vertexto àes-
querda), justificando o Governo a
sua opção com o memorando da
troika, que prevê ".. .a revisão da tri-
butação de rendimentos em espé-cie..." em sede de IRS e, por outrolado, com o reforço do "combate àfraude e à evasão fiscais e à infor-malidade". Segundo explicou ao
NegódosoMinistériodas Finanças,"a utilização de vales de refeiçãoobriga ao registo das operações de
pagamento,quernaperspectivadaempresa que os concede aos seus
colaboradores, quer na perspecti-va dos estabelecimentos que os ar-recadam como meio de pagamen-to, pelo que a substituição do paga-mento do subsídio de refeição emdinheiro por senhas favorece o
combate à economia paralela".
Utilização de "tickets" I Promover o uso do subsídio de almoço na compra de
alimentos ou no supermercado foi o argumento de Cavaco para beneficiar fiscalmente os vales-refeição.
O subsídio de refeição não é obrigatório
Ao contrário do que se possa pensar,
o subsídio de refeição não é um
direito universal para os
trabalhadores do sector privado,
como o é o salário base ou os
subsídios de Natal e de férias. O
Código do Trabalho não lhe faz
referência, o que significa que as
empresas só são obrigadas a pagá-lo
se ele estiver previsto nos acordos
colectivos de trabalho ou no contrato
individual celebrado com o
trabalhador, explica Monteiro
Fernandes.
Este especialista em Direito do
Trabalho recorda que "são os
contratos colectivos, ainda antes do
25 de Abril, que começam a prever a
atribuição de um suplementoremuneratório aos trabalhadores,
com o objectivo de os ajudar a
financiar o almoço, e evitar que
percam muito tempo em deslocações
a casa". O incentivo beneficiava
ambas as partes, uma vez que
permitia também às empresas evitar
dispersões e atrasos dos
trabalhadores à hora de almoço,encurtando até o tempo de refeição".E é ou não uma retribuição (uma
questão relevante quando se discute
se o subsídio deve ser pago em
dinheiro ou apenas em senhas)? Se
nos ativermos apenas à letra da Lei,
não: "Os contratos colectivos não os
definem como retribuição". Mas, "no
jogo da negociação, muitas vezes o
subsídio de alimentação acaba por
adquirir um sentido retributivo", e a
confundir-se como mais uma parcelado salário, reconhece o jurista.Não estando legalmente definido, "o
valor do subsídio de refeição é o que
a contratação colectiva estabelecer".
Nada obriga as empresas a pagar 4,5 ou 10 euros - acaba por ser a
legislação fiscal, ao definir qual é o
valor do subsídio que está isento de
IRS, que acaba por condicionar o seu
valor.
O mesmo se aplica à forma de
atribuição: se a empresa quisersubstituir o subsídio em dinheiro porvales refeição ou outra forma de
pagamento, pode fazê-lo desde que o
contrato não diga o contrário.
O subsídio de refeição "pode até não
existir, não é obrigatório", se o
contrato colectivo não o previr.
Havendo contratos individuais, "no
limite, é a prática da empresa quedetermina se atribuiu ou não"
resume Monteiro Fernandes.