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Processo n° 295432-47.2016.8.09.0011
Recuperação Judicial de Fertilizantes Aliança Eireli
DECISÃO
Cuidam os presentes autos sobre pleito de recuperação
judicial formulado pela empresa Fertilizantes Aliança Eireli.
Verifico que o plano de recuperação judicial apresentadopela devedora foi aprovado pela Assembléia Geral de Credores - AGC,como noticiou o digno Administrador Judicial ãs fls. 2.226 a 2.258.
Os autos vieram a mim conclusos para homologação do
plano.
Sobreveio que a credora K + S Kali GmbH compareceu
aos autos (fls. 2.529 a 2.535) para suscitar a anulação do plano, pornele vislumbrar ilegalidades insanáveis, sobretudo na criação, semjusta causa, de subclasses de credores quirograféirios.
Também pleiteou a anulação do plano de recuperação
aprovado o insigne Administrador Judicial (fls. 2.539 a 2.547), por neleconstarem inúmeros vicios de legalidade.
Instada, a recuperanda contestou os pleitos de anulação
do plano (fls. 2.556 a 2.592).
Com vista dos autos, o Ministério Público expressou seu
desinteresse jurídico na questão posta (fls. 2.593 a 2.597).
Em epítome, eis o relatório.
DECIDO.
Embora constitua órgão soberano, a Assembléia Geral
não poderá violar a lei cogente. Sempre que o fizer, sofrerá revisão porparte do Poder Judiciário. É assim que se unificoi^a doutrina e ajurisprudência, senão vejeimos:
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Enunciado 44 da 1^ Jornada de Direito Comercial do
Conselho da Justiça Federal/STJ:
A homologação de plano de recuperação judicial aprovado peloscredores está sujeita ao controle judicial de legalidade.
[...] A assembléia de credores é soberana em suas decisões quantoaos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberaçõesdesse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atosjurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controlejudicial (REsp. 1.314.209/SP, rei. Min. Nancy Andrighi,22.05.1012).
Assim, compete a este juízo examinar a legalidade do
plano de recuperação judicial aprovado pela AGC; até porque foiprovocado para tanto, embora possa também faizê-lo de oficio.
Em proêmio, mister consignar a legitimidade da credoraK + S KALl GmbH para suscitar a anulação do plano. Primeiro, porquevotou vencida na Assembléia; segundo, porque o plano, comoaprovado, deveras, lhe traz grandes prejuízos, pois perderá 95% dosseus créditos, e o remginescente de 5% receberá no prazo de 24 meses.
Em números, perderá mais de sete milhões e meio de dólares.
Indubitável também a legitimidade do Administrador
Judicial para apontar vícios no plsino de recuperação. Na incumbênciade fiscalizar os atos da recuperação judicial e de auxiliar o juizpresidente, deve o administrador apontar quaisquer nulidades no feito.
Pois bem.
Na recuperação judicial os credores da recuperanda sãodivididos em 4 (quatro) classes, que votarão individualmente naAssembléia. É o que dispõe a Lei n° 11.101/2005:
Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classesde credores:
I - titulares de créditos derivados da legislação do trabalho oudecorrentes de acidentes de trabalho;
II - titulares de créditos com garantia real;
III - titulares de créditos quirografários, com privilégio especial,com privilégio geral ou subordinados.
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IV - titulares de créditos enquadrados como microempresa ouempresa de pequeno porte.
Questão muito debatida é sobre a possibilidade ou não de
tratamento diferenciado entre credores. Vale dizer, aplica-se também
na recuperação judicial o princípio par conditio creditorum?
No tocante ãs (quatro) classes de credores, dúvidas não
restam de que o plano pode prever regras distintas para cada uma
delas. Por exemplo, os trabalhistas receberão a totalidade dos seuscréditos, enquanto os quirografários receberão apenas 50%; os
credores com gsirantia real receberão em 12 meses, enquanto os
^ credores ME e EPP receberão em 36 meses. Enfim, entre classes de
credores não vigora o princípio da paridade.
A questão toma corpo quando se invoca, como no caso
dos autos, a distinção entre credores da mesma classe. Vale dizer,
determinados credores quirografários receberão vantagens que não
serão dadas aos demais. Aqui é o ponto crucial da controvérsia ora em
apreço.
A jurisprudência pátria, embora ainda vacilante, temadmitido a criação de subclasses; isto é: a possibilidade de tratamento
diverso entre credores da mesma classe. Mas nunca de forma
arbitrária, ou como manobra para a aprovação ilegítima do plano.
^ Para o discrímen, é preciso causa justa. Mister que hajaentre determinados credores um elo, características que os unam, e
que, ao mesmo tempo, os distingam dos demais. Melhor mesmo é a
redação da 1 Jornada de Direito Comercial do CJF/STJ:
Enunciado 57. O plano de recuperação judicial deve prevertratamento igualitário para os membros da mesma classe decredores que possuam interesses homogêneos, sejam estesdelineados em função da natureza do crédito, da importância docrédito ou de outro critério de similitude justificado peloproponente do plano e homologado pelo magistrado.
Na verdade, é a expressão do princípio maior da
igualdade substancial, isto é: igualar os iguais e desigualar osdesiguais na medida de sua desigualdade.
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O que não se permite é a distinção arbitrária, realizada
ao alvedrio da devedora, com vista a beneficiar determinado credor, ou
visando simplesmente o voto qualificado de determinada pessoa ougrupo. Aqui, na instituição de subclasses de credores, impõe-seafirmar que vigora moderadamente o princípio da par conditiocreditorum. Em regra, não se permite distinguir credores da mesma
classe. Mas, havendo justo motivo, poder-se-á fazê-lo.
Volvendo ao caso dos autos, vejo que no plano de
recuperação aprovado contam véirias subclasses de credores. Vejamosem suma:
- CLASSE I: CREDORES TRABALHISTAS
Subclasse: credores retardatários.
- CLASSE II: CREDORES COM GARANTIA REAL
Subclasse 1: Credores com Garantia Real - Fornecedores
Estratégicos e Parceiros: Fornecerão créditos
Subclasse 2: Credores com Garantia Real - Fornecedores Não
Parceiros: Não fornecerão créditos
Subclasse 3: Credores com Garantia Real - Banco Itaú S/A,
(sucedido pelo Invista I Fundo de Investimento em DireitosCreditórios Multissetorial não Padronizado) e Banco Santeinder
(Brasil) 8/A (sucedido pelo Fundo de Investimento em DireitosCreditórios Não Padronizado Invita CF)
Subclasse 4: Instituições Financeiras que sejsim Sociedade deEconomia Mista e/ou Empresa Pública ou que contam com aparticipação da União.
Subclasse sem número: credores retardatários
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- CLASSE III: CREDORES QUIROGRAFARIOS
Subclasse sem número: Credores Quirografários - Proposta
Geral
Subclasse 1: Credores Quirografários - Obrigação de Fazer
Adubo
Subclasse 2: Credores Quirografários - Originados de ComissãoSobre vendas:
Subclasse 3: Credores Quirografários - Fornecedores deinsumos que sejam Sociedades de Economia Mista, suascontroladoras ou subsidiárias.
Subclasse 4: Credores Quirografários - Obrigação de Fazer
Fazenda
Subclasse 5: Credores Quirografários - Instituições Financeiras
(Bancos) que sejam Sociedade de Economia Mista e/ou empresasPública e/ou que contam com a participação da União.
Subclasse 6: Credores Quirografários - Tradings Estrangeiras.
Subclasse sem número: credores retardatàrios
- CLASSE IV: CREDORES ME e EPP
Subclasse: credores com crédito de até R$ 250.000,00.
Subclasse: credores com crédito superior.
Subclasse: credores retardatàrios
Como se vê, são várias as distinções entre credores da
mesma classe. Na verdade, em todas elas se verifica o discrímen. Épreciso, pois, examinar se as subclasses se justificam ou não.
Depois de acurado estudo do plaino de recuperação
judicial apresentado pela devedora, bem assim das suas emendas e dotexto consolidado de íls. 2.299/2.363, restei convencido de que neleconsta distinção arbitrária entre credores de uma mesma classe, comopasso a demonstrar.
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1. Classe dos credores trabalhistas.
Aqui verificamos duas classes, quais sejam: a doscredores habilitados e a dos credores retardatários. Aqueles receberão100% dos seus créditos, enquanto estes terão direito a míseros 5% -perderão 95%, sem sequer terem participado da AGC.
Indubitável que a discriminação é arbitrária,desarrazoada, sem qualquer justificativa. Ora, se a lei permite ahabilitação retardatária, inclusive após a homologação do QuadroGeral de Credores, imperioso que tais credores recebam em igualdadede condições com aqueles que se habilitaram no prazo legal. A
^ distinção, aqui, não atende ao princípio da razoabilidade eproporcionalidade, por isso ilegal.
2. Credores com Garantia Real
Nessa classe, até então, constam habilitados apenas 5(cinco) credores.
O plano prevê, porém, quatro (4) subclasses, e os víciosme parecem mais graves.
Na primeira subclasse, sobre a rubrica "FornecedoresEstratégicos e Parceiros", a devedora, flagrantemente, beneficia umcredor sem justificativa plausível. A única credora que integra asubclasse é a COPEBRAS - Indústria Ltda. Receberá R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), equivalente a 56% do seu créditohabilitado, no prazo de 12 meses. Para tanto será vendido o imóvelsede da recuperanda e, se necessáirio, outro imóvel de suapropriedade.
O discrímen é arbitrário, sem justificativa, tratando-se demero beneficio a um credor em detrimento dos demais, quiçá paraconquistar seu voto, o que não se mostra permitido pela lei, consoantefundamentos supra. Certo que a credora oferecerá crédito de doismilhões à devedora. Mas isso se mostra insignificante diante dobeneficio que terá, em detrimento dos demais.
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Veja que a credora Vale Fertilizantes S/A, únicaintegrante da subclasse 2, receberá apenas 5% dos seus créditos, demodo que perderá 95%.
Náo se mostra ilegal a criação de subclasse de credoresinstituições bancárias. Deveras, há entre estas companhias diversospontos de convergências que diferem dos demais. O que náo sepermite é a distinção ente eles (bancos), como fizera a devedora.
A subclasse 3 consagra tão somente dois bancos: ItaúUnibanco S/A e Santander 8/A; este receberá 60% dos créditos eaquele 40%.
Já a subclasse 4 foi instituída para agraciar o Banco doBrasil 8/A com pagamento integral (100%) dos seus créditos.
Ora, a discriminação aqui visou tão somente o voto doBanco do Brasil 8/A. Não há qualquer razão para distingui-lo dosdemais. O fato de qualificar-se como de economia mista se mostrainsuficiente para o discrímen, pois a Constituição Federal determinaaplicação destas companhias o regime privado.
O que se realizou aqui foi uma manobra para conseguiros votos dos bancos e da credora Copebras Indústria Ltda, emdetrimento da credora Vale Fertilizante 8/A. Esta terá seu créditohabilitado de R$ 3.981.325,25, novado para R$ 199.066,00.
Veja que esta classe aprovou o plano porque angariouvotos dos credores beneficiados. Caso a proposta fosse de deságio de95% para todos da classe, certamente náo teria aprovação. Percebe-sea astúcia da recuperanda: favorece determinados eleitores e vence pormaioria. Isso não se permite. Isso fere o principio da boa-fé e dalealdade contratual.
Também não vejo aqui razão para distinção dos credoresretardatãrios, que receberão apenas 5% dos seus créditos. Ora, se a leipermite a habilitação retardatãria, inclusive após a homologação doQuadro Geral de Credores, imperioso que tais credores recebam emigualdade de condições com aqueles que se habilitaram no prazo legal.Discriminação indevida.
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Comarca de Aparecida de Goiânia -V Vara Cível
3. Credores Quirografários
Aqui a devedora instituiu 8 (oito) subclasses, conformedemonstrado.
Aqueles que integram a subclasse denominada "PropostaGerar receberão miseros 5% dos seus créditos no prazo de 24 meses.
Deságio de 95%. Demais disso, não ficou esclarecido se serão vinte equatro parcelas mensais ou apenas uma daqui a dois anos.
As subclasses 1 e 2 se justificam. Naquela estão os
consumidores que adquiriram o produto da recuperanda, efetuaram o^ respectivo pagamento, mas não o receberam. Há, sim, um elo que os
liga, inclusive considerando que poderão receber seus créditos deforma in natura, como consta do plano. Já na classe 2 estão os
representantes comerciais, que mads se equiparam a empregados, e, defato, possuem relação jurídica distinta.
Diversa é a situação da subclasse 4, denominada
"Obrigação de Fazer Fazenda". Ora, a criação desta subclasse tem porfito exclusivo beneficiar o credor Rubens Sobrinho Rodrigues Prudente,
que, segundo o plano, receberá 100% do seu crédito. Nada consta dosautos que justifique tal beneficio. Veja que a grande maioria doscredores receberá míseros 5% dos seus créditos, enquanto o escolhido
credor receberá a sua integralidade.
De igual modo, desarrazoada a subclasse 5, que foiinstituída para agraciar o Banco do Brasil 8/A, que receberá atotalidade do seu crédito (100%), inclusive com a venda de bem imóvelda devedora para pagamento.
Assim, feito o exame das subclasses de credores
instituídas, vejo que a devedora utilizou-se de artificio ilegal paraaprovação do plano de recuperação ora em apreço.
Urge consignar que a votação do plano de recuperação érealizada por classes de credores, isto é, cada classe votaseparadamente, de sorte que o benefício arbitrário a determinadoseleitores de uma mesma classe poderá acarretar na aprovação
ilegítima, em prejuízos dos demais credores. In casu, v.g., se todos oscredores quirografários fossem perder 95% dos seus créditos,certamente o plamo não teria sido aprovado. No entanto, a devedora
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agraciou determinados integrantes com o pagamento integral (100%),os quais, sem hesitar, votaram pela aprovação.
Vozes têm sido ecoadas em defesa da soberania da
Assembléia Geral, tanto na doutrina como na jurisprudência. Deveras,
as deliberações da Assembléia devem ser respeitadas, pelo Poder
Judiciário, inclusive. Mas ê preciso verificar os termos da votação. A
legalidade do ato. O Judiciário não pode funcionar como meroratificador de atos à margem da legalidade.
Uma coisa ê a classe de credores quirografários, por
exemplo, composta por 10 pessoas, aprovar um plano que reduza seus^ créditos a 5% do valor de origem, tendo a maioria, 6 credores, votado
pela aprovação. Certamente os 5 credores minoritários sofrerão odeságio sobre seus créditos; não há o que fazer; ê o sistema trazidopela norma.
Outra coisa é essa mesma classe aprovar o plano, mas
porque os 6 credores que votaram a favor receberão 100% dos seuscréditos (subclasse), enquanto os 5 vencidos receberão somente 5%.Isso constitui abuso de direito da recuperanda, indubitavelmente.
É por isso que a instituição de subclasses de credoresdeve ser a exceção, somente admitida quando devidamente justificada
pela homogeneidade de características entre os seus integrantes. Aliás,esta é a lição do enunciado 57 da 1 Jornada de Direito Comercial, queora repiso:
Enunciado 57. O plano de recuperação judicial deve prevertratamento igualitário para os membros da mesma classe decredores que possuam interesses homogêneos, sejam estesdelineados em função da natureza do crédito, da importância docrédito ou de outro critério de similitude justificado peloproponente do plano e homologado pelo magistrado.
Cumpre destacar que a assembléia de credores, emboraaprove o plano de recuperação, por maioria simples, não constituipropriamente uma transação, na medida em que os credoresefetivamente atingidos pelo tratamento desigual não se mostramconformados.
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O mero atendimento formal dos requisitos do artigo 45 da
Lei de Recuperação Judicial e Falências não pode, a toda evidência,chancelar tratamento desigual entre credores de mesma classe, o que
seria a imposição da vontade da maioria em detrimento de direitos
subjetivos da minoria, situação inadmissível no Estado Democrático deDireito^.
De igual modo, não vejo razão para distinção doscredores quirogrgifáirios retardatários, que receberão apenas 5% dosseus créditos. Ora, se a lei permite a habilitação retardatária, inclusive
após a homologação do Quadro Geral de Credores, imperioso que tais^ credores recebam em igualdade de condições com aqueles que se
habilitaram no prazo legal. Discriminação indevida.
De todo o já exposto, há de se concluir que o plano derecuperação judicial apresentado pela devedora, embora aprovado pormaioria pela Assembléia Geral, está eivado de nulidade insanável,impondo a este juízo a sua decretação.
Ressalto que as cláusulas nulas não se mostram
independentes, atingindo o plano por inteiro, de sorte que não hácomo simplesmente afastá-las e manter o remanescente. A únicasolução é a anulação integral do plano de recuperação.
No tocante ao deságio de 95%, vale dizer: credor que tem
crédito de R$ 1.000,00 receberá apenas R$ 50,00, no prazo de 24meses, parece-me ofensivo aos princípios da boa-fé e da razoabilidade.Fere também o princípio constitucional da propriedade.
Cediço que em direito empresarial vige com maior força o
princípio da autonomia da vontade. Assim, poder-se-ia afirmar quenão há impedimento legal para a renúncia parcial de créditos(deságio). Aliás, qualquer credor pode renunciar inteiramente a seucrédito, dada sua natureza de direito disponível.
Mas, em se tratando de recuperação judicial, a vontade écoletiva, e a maioria decide o futuro da minoria. Dessarte, nesse caso,
há que se perquirir se o negócio jurídico coletivo pautou-se pela
^ TJRS - Agravo de Instrumento n° 0126713-20.2017.8.21.7000, Rei. Des. Ney WiedemannNeto.
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legalidade e boa-fé. Eleição na qual a maioria vencedora foifinanceiramente beneficiada, em detrimento da minoria, não atende
aos ditames do estado democrático de direito.
Insta registrar que o princípio da preservação da empresa
não pode ser usado como panaceia; como meio de atender todos ospleitos da devedora.
Deve-se preservar a empresa, a atividade, e não os sócios.
Muitas das vezes a falência é o remédio aimargo, mas necessário à
manutenção do estabelecimento, nas mãos de novos gestores. Certo é
que nem toda empresa merece ou deve ser recuperada, como leciona ofestejado professor Fábio Ulhoa:
[...] Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas,descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária,devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um
todo, os recursos - materiais, financeiros e humanos - empregadosnessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizadaa capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação daempresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado aqualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir paraque as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal éutilizado para garantir a permanência de empresas insolventesinviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividadeempresarial transferir-se do empresário para os seus credores.
[...P
Não podemos olvidar, ainda, que o princípio dapreservação da empresa também se preocupa com os direitos einteresses dos credores. É o que se verifica do texto do art. 47 da lei deregência, in verbis:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabihzar asuperação da situação de crise econômico-financeira do devedor, afim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dostrabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo,
assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo àatividade econômica, (destaquei)
2 Coelho, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de reci^ empresas - 9.ed. - Sáo Paulo : Saraiva, 2013.
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Deságio de 95% dos créditos da minoria votante, ao meu
sentir, não atende ao dispositivo legal.
Outrossim, observo que o plano de recuperação ora em
exeime autoriza a alienação de bens imóveis pertencentes à
recuperanda, inclusive aquele em que está situada sua sede.
A Lei n° 11.101/2005 não veda a alienação de bens da
pessoa em recuperação judicial, sobretudo quando autorizado pela
Assembléia Geral. Vejamos:
Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolveralienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas dodevedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto noart. 142 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquerônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações dodevedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto
no § Io do art. 141 desta Lei.
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, odevedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seuativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz,depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamenterelacionados no plano de recuperação judicial.
O que não se permite é a venda da quase totalidade dosbens da devedora para pagamento de poucos e privilegiados credores -justamente aqueles que aprovaram o plano de recuperação -, emdetrimento dos demais. Isso, sim, viola o princípio da par conditio
creditorum.
Ademais, a venda de unidades produtivas isoladas se fazjudicialmente, na forma do art. 142 da lei de regência. Obviamente,será ela precedida de avaliação e publicação de éditos, abrindo-se aparticipação no certamente de qualquer do povo (exceto os impedidos).
No plano ora em exame, tais regras não ficaramevidentes, já que bens serão dados em pagamento a determinadoscredores (sem venda judicial). Outros serão levados a venda com preçomínimo definido pela devedora, regras que, indubit^elmente, violam anorma cogente acima transcrita.
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Reza o plano que as vendas se darão mediante parecer
favorável do Administrador Judicial e/ou do Juízo da Recuperação
Judicial Primeiro, insta registrar que o juízo não elabora parecer.
Segundo, a exigência é alternativa, isto é, "parecer" do AdministradorJudicial e/ou do juízo. Não estã claro se a venda dependerá deautorização judicial.
Registro, por fim, que no Brasil o sistema de recuperação
judicial de empresas não tem alcançado o sucesso que se tem
verificado além mar, sobretudo na Europa e na América do Norte.
Longe de ser o único problema, tenho observado que
nossos devedores soem oferecer planos abusivos, confusos e ilíquidos.
Mesmo assim, o Poder Judiciário pátrio, muitas vezes, tem
homologado, chancelado, tais negócios, sob o fundamento de queretratam as vontades dos credores.
A verdade, no entanto, não é essa. Os planos de
recuperação nem sempre representam a vontade livre da maioria.Como no caso dos autos, contam com os votos de credores
privilegiados, que receberão a integralidade ou grande parte dos seuscréditos em prazos relativamente curtos, enquanto os vencidossofrerão homéricos prejuízos. Isso, certamente, não atende o espírito
da lei.
Ao criar classes de credores, e um sistema de votação do
plano de recuperação por classe, o legislador previu a paridade entreos votantes. Todos receberão o mesmo tratamento, salvo exceções
justificadas. Assim, a deliberação da maioria será legítima e obrigará aminoria.
O que se vé, porém, é uma classe de credores em que amaioria, agraciada com inúmeros benefícios, vota pela aprovação doplano, enquanto a minoria vencida perderá quase a totalidade dosseus créditos. Ora, isso, insofismavelmente, viola o sistema do estado
democrático de direito, o princípio da paridade entre credores no juízo
concursal e a boa-fé objetiva. O Judiciário peca ao avalizar taisescusos negócios, sob o fundamento de atender a vo^ade das partes ede preservação da empresa.
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Pertinente consignar, ainda, que não realizo aqui
qualquer anéilise econômico-financeira do plano em questão. Nãoexamino se a devedora vai ou não soerguer-se com o plano
apresentado. Não. Apenas faço o exame da sua legalidade.
Posto isto, acolhendo os pleitos da credora K + S Kali
GmbH e do ínclito Administrador Judicial, anulo o plano de
recuperação apresentado pela devedora (com todos seus aditivos) eaprovado pela maioria dos credores.
No prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de convolação emfalência, a recuperanda fará juntar aos autos novo plano derecuperação, sem os vícios acima apontados e com a observância dasnormas vigentes, para posterior deliberação da Assembléia Geral deCredores.
Há noticia de que o credor Rubens Sobrinho RodriguesPrudente recebeu a propriedade de imóvel da recuperanda, depois dopedido de recuperação, o que pode constituir privilégio e até crime. OAdministrador Judicial deverá investigar e tomar as medidas legais.Compete à devedora informar nos autos todas as ações em trâmite emque figure como parte, de modo que o Administrador Judicial verificaráse aquela de n° 201603661900 foi informada a este juízo.
Também verificará o Administrador Judicial os termos do
acordo no processo n° 201003536713, inclusive se não há privilégioilegal a credores.
Fica revogada a ordem para suspensão das execuções
contra a devedora, porque exaurido o prazo previsto no § 4° do art. 6°da Lei n° 11.101/2005.3
3 Art. 6- A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicialsuspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusiveaquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ A- Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhumaexcederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento doprocessamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credoresde iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
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C.,
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Malgrado a redundância da lei ao impedir, nossossodalícios têm admitido a prorrogação desse prazo (stay periodjquando o atraso do feito não é imputãvel à devedora, o que não seaplica ao caso, jã que a necessidade de nova votação pela AssembléiaGeral se deu por culpa da recuperanda, ao apresentar plano derecuperação irrito. Suspender novamente o curso das execuções seriabeneficiar a recuperanda pela sua própria torpeza.
Intimem-se.
Aparecida de Goiânia, 15 de de 2018
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EXTRÂTADO