TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL SOCIAL – … · DIREITO CIVIL. CONTRATO DE...
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.005.00176 EMBARGANTE: FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS EMBARGADO: OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA. RELATOR: DES. ANDRÉ ANDRADE CLASSE REGIMENTAL Nº 1
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS, MEDIANTE MANDATO, COM OUTRAS AVENÇAS. PRAZO DETERMINADO. CLÁUSULA DE RESILIÇÃO UNILATERAL. AVISO-PRÉVIO DURANTE O DECURSO DO PRAZO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. DIREITO DA CONTRATADA À REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS DURANTE O PRAZO DE VIGÊNCIA DO AVISO-PRÉVIO. DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS APÓS A RESILIÇÃO. INDENIZAÇÃO, NESSE ÚLTIMO CASO, A SER CALCULADA COM BASE NAS TAXAS USUAIS DE MERCADO PARA OPERAÇÕES SEMELHANTES, COMO APURADO EM LIQUIDAÇÃO. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL). INEXISTÊNCIA DE DIREITO A LUCROS CESSANTES PELO RESTANTE DO PRAZO DO CONTRATO. DESCABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DA MULTA DO ART. 404, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. VERBA NÃO
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PLEITEADA NA INICIAL, NEM NA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO AUTOR. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 128, 460 E 515 DO CPC. PROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos
infringentes n° 2007.005.00176 em que é embargante FUNDAÇÃO
PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS e embargado
OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA.
ACORDAM os Desembargadores da Sétima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por
unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do
Relator.
ANDRÉ ANDRADE
DESEMBARGADOR RELATOR
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VOTO
1 – OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA.
propôs ação de procedimento ordinário em face de FUNDAÇÃO
PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS, alegando, em
síntese, como causa de pedir, que as partes celebraram contrato intitulado
de Acordo Operacional, pelo qual o autor ficou incumbido de gerenciar
parte da carteira de ações da ré, bem como promover o treinamento
especializado de empregados por essa credenciados (com o objetivo de
aprimorá-los na gestão do seu patrimônio) e franquear o acesso on line da
ré ao Banco de Dados do autor, com informações relativas a centenas de
empresas.
Expôs o autor que o contrato foi celebrado em 13.11.1996,
com prazo de 36 meses (ou seja, com termo final previsto para
13.11.1999), prorrogável automaticamente por prazo indeterminado
(cláusula 20.1 – fls. 53). Sucede que, em 17.9.1997, a ré enviou
correspondência ao autor (fls. 132), comunicando que lhe estava dando
aviso-prévio, para resilição do contrato, com base na cláusula 20.1.1 do
contrato, que estabeleceu a duração de noventa dias para o aviso-prévio. No
dia 16.12.1997 expirou o prazo do aviso. A despeito disso, o autor
continuou prestando serviços à ré até a data de 1º.3.1998, a partir de
quando foi impedida pela ré de continuar a executar os serviços
contratados.
Pediu o autor, em conseqüência, a condenação da ré a lhe
pagar a remuneração devida pelos serviços por ela efetivamente prestados
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no período de 13.11.1997 até 27.02.1998, com juros de mora, correção
monetária e multa moratória; e lucros cessantes correspondentes à
remuneração que o autor deixou de perceber no período de 02.3.1998
(conforme retificação feita a fls. 727/729), quando foi obstado de continuar
a prestar o serviço para o qual fora contratado, até 13.11.1999, data do
término do prazo de vigência do contrato.
2 – A sentença julgou totalmente improcedente a demanda
(fls. 1.062/1.071), ao fundamento de que o autor, com o contrato celebrado,
obteve lucros desproporcionalmente acima do obtido em contratações
normais, trazendo, por conseguinte, prejuízos à parte ré e ferindo o
princípio da função social do contrato.
3 – O autor interpôs apelação (fls. 1.085/1.183), buscando a
reforma integral da sentença, para que fossem julgados procedentes os dois
pedidos formulados na inicial.
4 – Apelou, também, a ré, na forma adesiva (fls.
1.244/1.251), apenas para buscar a majoração da verba honorária de
sucumbência.
5 – A 18ª Câmara Cível, por maioria de votos, deu
provimento ao recurso (fls. 1.287/1.299) para julgar procedentes os
pedidos, condenando a ré a pagar ao autor: a) a remuneração devida por
serviços prestados no período de 13.11.1997 a 28.02.1998, a ser apurado
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em liquidação, segundo os parâmetros contidos no contrato, com correção
monetária desde cada pagamento devido e acrescida de juros de mora e
multa moratória de 10% sobre o montante encontrado; b) os lucros
cessantes correspondentes à remuneração que deixou o réu de perceber no
período de 02.3.1998 a 13.11.1999, igualmente a serem apurados de acordo
com os parâmetros antes referidos, com correção monetária, juros de mora
e multa moratória de 10%. O recurso adesivo, da ré, foi, por unanimidade,
julgado prejudicado.
Considerou o acórdão que, durante o prazo de vigência do
contrato, não seria legítima a sua denúncia unilateral, cabível apenas para
impedir a prorrogação automática, por tempo indeterminado, da relação
contratual originária ou, então, para dar fim a ela após a aludida
prorrogação. Aduziu que, ainda que se quisesse conferir validade à
denúncia feita quando em curso o prazo de duração do contrato, forçoso
seria reconhecer que ela teria perdido sua eficácia, porquanto, mesmo após
expirado o prazo de noventa dias previsto na cláusula 20.1.1 para a
produção do efeito resilitório, as partes continuaram a dar cumprimento à
avença, manifestando o autor, com isso, conduta incompatível com a
vontade antes manifestada, inclusive mantendo tratativas para manter o
vínculo através de novo negócio jurídico a ser ajustado entre eles.
Acrescentou que a ré deve pagar pelos serviços efetivamente prestados e
não pagos desde 13.11.1997 até 28.02.1998, véspera da data
correspondente ao rompimento do vínculo contratual. Quanto ao pedido de
compensação pelos lucros cessantes, observou que o autor tinha direito de
cumprimento do compromisso contratual assumido até o término do prazo
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mínimo de duração do contrato, o que não ocorreu por iniciativa de
exclusiva conveniência da ré, que, assim, deve responder pelas perdas e
danos derivados de sua conduta interruptiva do vínculo negocial
estabelecido. Por fim, entendeu o acórdão aplicável, ao caso, a aplicação de
indenização suplementar, com base no art. 404, parágrafo único, do novo
Código Civil.
6 – Ficou vencida a Desembargadora Relatora, que dava
parcial provimento ao apelo do autor (fls. 1.299/1.305), para, reformando
em parte a sentença: a) condenar a ré ao pagamento da remuneração devida
ao autor pelos serviços por ele prestados de 13.11.1997 até o término do
prazo do aviso-prévio (16.12.1997), nos termos do contrato; b) condenar a
ré ao pagamento da remuneração devida ao autor pelos serviços prestados
após aquela data, até 02.3.1998, pelas taxas usuais de mercado em
operações semelhantes, como apurado em liquidação; c) julgar prejudicado
o segundo pedido, de condenação da ré ao pagamento de perdas e danos
(sob a forma de lucros cessantes), pelo rompimento antecipado do contrato.
Entendeu o voto vencido que a resilição unilateral, feita em
17.9.1997, após menos de um ano de vigência do contrato, foi válida.
Argumentou que, embora a resilição, geralmente, tenha lugar nos contratos
por tempo indeterminado, não há óbice em nossa legislação a que ela seja
prevista em contrato por prazo determinado. Além disso, no caso em
exame, três considerações levam à conclusão de que a cláusula contratual
que prevê a denúncia do contrato mediante aviso-prévio com antecedência
de 90 dias deve ser interpretada no sentido da possibilidade de denúncia na
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vigência do prazo contratual: primeiro, a aludida cláusula seria
inteiramente inócua após a prorrogação do contrato, considerando que é da
natureza dos contratos por tempo indeterminado a possibilidade de sua
cessação por iniciativa de qualquer das partes; segundo, o contrato tem por
objeto a administração de carteira de títulos, atividade dinâmica em que as
operações são realizadas diariamente, não sendo usual que as partes se
vinculem por um longo período sem a possibilidade de se desvincularem;
terceiro, a administração de carteira de ações envolve mandato, sendo a
revogabilidade característica essencial do mesmo. Do reconhecimento da
possibilidade de resilição unilateral do contrato no curso do prazo nele
previsto, resulta que fica prejudicado o segundo pedido formulado na
inicial, de condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes.
Quanto ao primeiro pedido, de condenação da ré ao
pagamento da remuneração devida pelo trabalho efetivamente prestado
pelo OPPORTUNITY de 13.11.1997 a 27.02.1998, observou que, embora
somente no final de fevereiro de 1998 tenham cessado as operações
relativas ao contrato, esse já estava extinto desde o término do prazo de
aviso-prévio. Em conseqüência, embora devida a remuneração pelos
serviços prestados pelo autor após o término do prazo de 90 dias do aviso-
prévio, deverá ela ser feita não nos termos do contrato, que não mais vigia
entre as partes, mas pelas taxas usuais de mercado.
7 – Ambas as partes interpuseram embargos de declaração
(fls. 1.307/1.309 e 1.310/1.327), os quais foram rejeitados (fls. 1.343/1.344
e 1.346/1.348).
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8 – A ré interpôs embargos infringentes (fls. 1.350/1.376),
para fazer prevalecer o voto vencido. De início, observa que o acórdão
acrescentou ao provimento condenatório uma verba indenizatória
suplementar com fundamento no parágrafo único do art. 404 do atual
Código Civil, que só passou a viger em 2003, embora os fatos e atos
jurídicos envolvidos nesta demanda tenham ocorrido na vigência do
Código Civil anterior, nos anos de 1997 e 1998. Violou o acórdão, assim, o
princípio constitucional da irretroatividade das leis, estabelecido no art. 5º,
XXXVI, da Constituição Federal. Não bastasse isso, o art. 404, parágrafo
único, do vigente Código Civil supõe que a parte tenha formulado pedido
nesse sentido, o que, no caso presente, não ocorreu. Violaram-se, dessa
forma, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art.
5º, LV, da CF), além do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV da
CF). Foram violados, também, os artigos 128, 293 e 460 do CPC. Além
disso, nem o próprio autor apelante imaginou receber tal benefício, tanto
que a apelação nenhuma menção fez à indenização suplementar. De sorte
que também o art. 515 do CPC foi vulnerado. Por fim, contrariada foi a
regra do art. 2.044 do Código Civil atual.
Argumenta que o contrato celebrado entre as partes era de
prestação de serviços, enquadrando-se perfeitamente na moldura do
art. 1.216 do Código Civil de 1916 (aplicável à espécie, por ter sido o
contrato celebrado durante sua vigência), e tinha por único objeto a
administração de uma carteira de ações no valor equivalente a US$500
milhões. Para o exercício dessa administração, o autor embargado recebeu
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poderes absolutos, praticamente uma “carta branca”, para movimentar os
ativos integrantes do portfolio da ré embargante, “vendendo ou comprando,
segundo seus critérios e avaliações de conveniência e oportunidade, de
forma discricionária” (fls. 1.356). As cláusulas contratuais não deixam
dúvida de que a avença tipificou verdadeiro contrato de “administração
com mandato”, constituindo esse mandato mero instrumento, embora
necessário, do contrato de prestação de serviços. A previsão contratual de
uma suposta transferência de tecnologia (know how) não desnatura o
contrato, e, na verdade, serviu apenas para justificar a desproporcional e
fora do mercado remuneração do autor embargado.
Sustenta, também, a ré embargante que o contrato em
referência, pela sua natureza, se insere na categoria dos contratos com
duração máxima, pelo qual as partes se reservam a faculdade de lhes pôr
termo ante tempus mediante aviso prévio. Argumenta que a cláusula 20.1.1
diz que as partes poderão “terminar o presente contrato, mediante aviso
prévio com antecedência de 90 (noventa) dias”, deixando claro que ela foi
estabelecida para vigorar desde o primeiro momento, não a partir da data
do vencimento do prazo contratual. Não se impôs nenhuma limitação
temporal à aplicação da cláusula em questão. Quisessem as partes tornar a
cláusula válida apenas para a hipótese de prorrogação por prazo
indeterminado, teriam usado uma forma condicional (se o contrato vier a
ser prorrogado...). Além disso, a possibilidade de resilição de contrato por
tempo indeterminado dispensa disposição expressa, como, aliás, foi
ressaltado pelo voto vencido. A justificativa alvitrada pelo voto vencedor
para a não aplicabilidade da cláusula antes de decorrido o prazo contratual
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(a garantia de um prazo mínimo, como forma de garantir o autor
embargado por seus riscos e investimentos) não se sustenta, pois, pela
própria natureza do contrato, os únicos riscos e investimentos foram da
própria ré embargante. Acrescenta que a possibilidade de resilição a
qualquer tempo de contratos como o ora examinado é inerente ao seu
objeto, pois ao contratante-investidor e à própria contratada tem de ser
assegurado o direito de suspender a realização de operações ruinosas
quando a seqüência delas indicar que a manutenção do contrato será
extremamente prejudicial para qualquer deles. Observou a embargante,
também, que a correspondência trocada entre as partes deixa claro que o
embargado não opôs qualquer dúvida quanto ao direito potestativo da
embargante de pôr fim, ante tempus, ao contrato.
Por fim, em caráter eventual, argumenta a embargante que,
se os lucros cessantes fossem devidos, teriam de observar a regra do
art. 1.228 do Código Civil de 1916 (reproduzida pelo art. 603 do novo
Código Civil).
9 – O autor apresentou contra-razões aos embargos
infringentes (fls. 1.387/1.454). Argumenta que, no que concerne ao direito
do autor à contraprestação pecuniária devida até o rompimento do contrato,
não é aceitável o entendimento, expresso no voto vencido, de que o valor
da contraprestação seja calculado não de conformidade com o contrato
(como estabelecido pela maioria), mas com base nas “taxas de mercado em
operações semelhantes, como apurado em liquidação”. Isso porque,
diferentemente do que afirma o voto vencido, o contrato não se extinguiu
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no dia em que o prazo do pré-aviso terminou, pois, no dia 17.02.1998,
depois do esgotamento do pré-aviso, a ré embargante dirigiu carta ao autor
embargado, demonstrando que considerava vigente o contrato. Já no dia
02.3.1998, a embargante dirigiu ao embargado outra carta, também
indicando, pelos seus termos, que até então considerava o contrato em
vigor. Pondera que, por qualquer ângulo que se encare a questão, a
conclusão inarredável é de que o contrato vigeu, sem alterações, até
28.02.1998, ou seja, mesmo após o término do aviso prévio, ocorrido em
16.12.1997, razão pela qual não há justificativa para subtrair ao autor
embargado os efeitos do contrato no que concerne às condições que devem
servir de base para o cálculo do pagamento de sua contraprestação
pecuniária relativa ao período subseqüente ao fim do prazo do pré-aviso.
Sustenta o cabimento de lucros cessantes, argumentando
que o esgotamento do aviso-prévio sem que a parte que o formulou se
tenha valido da faculdade de fazer cessar o cumprimento do contrato
importou em perda de sua eficácia. Aduz que a ré embargante, após o
término do prazo do aviso-prévio, manteve comportamento concludente do
qual se extrai a revogação tácita da anterior denúncia do contrato. Observa
que a embargante não poderia ter comportamento contraditório e ir contra
seus próprios atos, considerando o princípio da proibição de venire contra
factum proprium.
Argumenta que a cláusula 20.1.1, que prevê o término do
contrato mediante aviso-prévio de 90 dias, deve ser interpretada e
harmonizada com a cláusula 20.1. Desse modo, se a vontade das partes
fosse no sentido da denunciabilidade do contrato a qualquer tempo, não
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haveria como explicar ou justificar o fato de não haver ele sido celebrado
por tempo indeterminado, o que lhe facultaria a dita iniciativa. Conclui-se,
pois, que a disposição ínsita na cláusula 20.1.1 só pode ser entendida e
interpretada como faculdade exercitável apenas quando escoado o prazo de
36 meses e o contrato já estivesse vigorando por prazo indeterminado.
Trata-se, portanto, de contrato de duração mínima, em relação ao qual a
denúncia não é admitida. Observa que os contratos de duração máxima são
apenas aqueles cuja duração é limitada legalmente.
Pondera que é falho o argumento de que a cláusula 20.1.1
não teria razão de existir se somente fosse aplicável após a vigência do
prazo contratual. Isso porque a cláusula não se limita a reiterar o direito de
resilir o contrato imotivadamente quando ele estivesse vigorando por prazo
indeterminado. Ele, na realidade, institui disciplina para o exercício dessa
resilição, estabelecendo que ela deve ser precedida de aviso-prévio com
antecedência de 90 dias.
Refuta a idéia de que a conduta do autor embargado, na fase
de tratativas, tenha importado admissão da denunciabilidade, até porque, se
o contrato vedava a denúncia ante tempus, não vedava a sua renegociação.
Sustenta que o contrato celebrado entre as partes é do tipo
misto, com feição preponderante de contrato de know how ou de
transferência de tecnologia.
Por fim, argumenta que a indenização suplementar prevista
no parágrafo único do art. 404 do Código Civil atual é aplicável no
presente caso, por não envolver retroatividade de dispositivo do Código
Civil de 2002, já que se trata de regra atinente ao conteúdo da condenação
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em perdas e danos, incidindo no momento em que a sentença condenatória
é proferida e não no momento em que os fatos por ela examinados fizeram
surgir o direito à indenização.
É o relatório.
Os limites dos embargos infringentes
10. A controvérsia a ser dirimida nos presentes embargos
infringentes está limita às seguintes questões:
a) se a remuneração devida ao autor embargado por serviços
prestados no período que vai de 17.12.1997 a 28.02.1998 deve ser
calculada nos termos do contrato e acrescida de multa moratória de
10%, como decidido pela maioria, ou se essa mesma remuneração deve ser
calculada pelas taxas usuais de mercado em operações semelhantes,
como apurado em liquidação, sem multa moratória de 10%, como
entendeu o voto vencido (que indicou, como termo final do cálculo, a data
de 02.3.1998);
b) se são devidos lucros cessantes, correspondentes à
remuneração que deixou o autor de perceber no período de 02.3.1998
até 13.11.1999, com base nos parâmetros contratuais, acrescidos de
multa moratória de 10%, como decidido pela maioria, ou se nada é
devido a título de lucros cessantes, como entendeu o voto vencido;
A solução das questões anteriores indicará se o caso é de
sucumbência integral da ré embargante, como decidiu a maioria (que
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estabeleceu que a ré deve pagar ao autor honorários de 10% sobre o
montante condenatório), ou de sucumbência recíproca, com a
proporcional distribuição e compensação das despesas e dos
honorários advocatícios (estes no percentual de 10%), como entendeu o
voto vencido.
O aviso-prévio apresentado pela PETRUS para extinção do contrato
11. Toda a divergência parte da questão central referente à
validade ou invalidade do aviso-prévio apresentado pela ré ao autor, em
17.9.1997, para extinguir o contrato intitulado “Acordo Operacional”,
ainda durante o prazo determinado de vigência da avença (de trinta e seis
meses).
Sustenta a ré embargante a validade do aviso-prévio, com
base na cláusula 20.1.1 do contrato, que teria previsto a possibilidade de
resilição unilateral do pacto a qualquer tempo. Já o autor embargado
argumenta que o aviso é inválido, porque a referida cláusula só seria
aplicável para impedir a prorrogação da avença ou para dar fim a ela após a
prorrogação por tempo indeterminado.
Passe-se ao exame da questão.
A interpretação literal e lógico-sistemática da cláusula de aviso-prévio
12. Transcrevam-se as cláusulas 20.1 e 20.1.1 do contrato
(fls. 53). A primeira estabeleceu o prazo de vigência do contrato, a última
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dispôs sobre a faculdade de resilição unilateral da avença por qualquer das
partes:
20.1 Este contrato vigorará pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses contados da data de sua assinatura, sendo prorrogado automaticamente por prazo indeterminado após este período caso não haja comunicação expressa em contrário.
20.1.1 As partes poderão terminar o presente contrato, mediante aviso prévio com antecedência de 90 (noventa) dias, sem prejuízo do integral cumprimento de todas as obrigações, inclusive de pagamento de todas as verbas previstas e devidas de acordo com este Contrato, mesmo durante a vigência do período de aviso prévio.
O embargado, escorado no acórdão recorrido, sustenta que,
durante o prazo de vigência, não seria legítima a denúncia unilateral do
contrato, porque tal denúncia teria sido estabelecida pelo art. 20.1.1 apenas
para impedir a prorrogação automática da relação contratual ou, então, para
dar fim a ela após a prorrogação da avença por tempo indeterminado. Não é
essa, no entanto, data venia, a melhor interpretação da cláusula contratual
em referência. O exame da cláusula, isoladamente ou em conjunto com as
demais cláusulas contratuais, indica que foi ela estabelecida para ser
aplicável a qualquer tempo, inclusive durante o prazo determinado de
vigência do contrato.
A cláusula 20.1.1 não restringe a faculdade de denúncia do
contrato a período posterior ao término do prazo contratual. A redação da
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cláusula nem de longe sugere essa restrição. Ao contrário, ao indicar que as
“partes poderão terminar o presente contrato”, indica o texto que se está a
fazer referência à relação contratual então vigente por prazo determinado.
É até intuitivo que, se as partes pretendessem reservar a
possibilidade de denúncia unilateral do contrato apenas para impedir a
prorrogação automática da relação contratual ou, então, para dar fim a ela
após a aludida prorrogação, teriam deixado isso expresso, sem nenhuma
dificuldade. Bastaria o emprego de uma fórmula simples, tal como: “As
partes poderão impedir a prorrogação do contrato ou dar fim à relação
contratual vigente por tempo indeterminado mediante aviso prévio com
antecedência de 90 (noventa) dias...”. Contudo, do modo como redigida a
cláusula, sem nenhuma restrição expressa ao exercício da faculdade de
denunciar o contrato, não é aceitável a interpretação restritiva. Uma tal
interpretação não se coaduna com a expressão literal da cláusula.
Os contratos são leis entre as partes (como explicitado pelo
famoso art. 1.134 do Código Civil francês: “Les conventions légalement
formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites”) e, tais como as leis,
são interpretados com observância de princípios variados, dentre os quais o
princípio secular representado pela máxima Ubi lex non distinguere, neque
interpres distinguere potest (“Quando a lei não distingue, não pode o
intérprete distinguir”).
13. Mas não apenas a literalidade da cláusula aponta para
essa conclusão. Também sua interpretação lógico-sistemática. Com efeito,
a cláusula permissiva de aviso-prévio (cláusula 20.1.1) foi inserida logo em
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seguida à disposição que estabelece o prazo de 36 meses de vigência do
contrato (cláusula 20.1), como subitem dela, indicando que se cuida de
exceção ao ajuste que lhe é anterior.
É da técnica contratual que as cláusulas inseridas dentro da
mesma numeração se relacionem diretamente. Assim, a faculdade, prevista
na cláusula 20.1.1, de extinção do (“presente”) contrato, mediante aviso
prévio com antecedência de 90 dias, necessariamente se relaciona com a
cláusula 20.1, que lhe é imediatamente antecedente e prevê prazo de
vigência de 36 meses para o contrato. Aquela denúncia, de acordo com a
interpretação lógico-sistemática, constitui faculdade exercitável durante o
prazo de vigência do contrato.
14. Verifica-se, portanto, que tanto a forma como redigida a
cláusula 20.1.1 como a sua localização no instrumento contratual são
favoráveis à tese defendida pela embargante, no sentido da validade do
aviso-prévio apresentado e, conseqüentemente, da extinção do contrato
após expirado o prazo de 90 dias do aviso.
Possibilidade de previsão contratual de resilição unilateral nos
contratos por tempo determinado
15. Argumenta o embargado que, se as partes pretendessem
facultar a denúncia do contrato a qualquer tempo, não teriam estabelecido
prazo determinado de vigência. Ocorre que nenhuma incompatibilidade há
entre a resilição unilateral e os contratos de prazo determinado.
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Embora a possibilidade de resilição unilateral seja
característica dos contratos por tempo indeterminado – diante da presunção
de que as partes contratantes não pretenderam obrigar-se perpetuamente –,
não há vedação legal à previsão (legal ou contratual) de resilição unilateral
nos contratos por tempo determinado. A diferença reside exatamente na
circunstância de que, enquanto a possibilidade de resilição unilateral é da
essência dos contratos por tempo indeterminado, nos contratos por tempo
certo ou determinado a resilição unilateral e imotivada depende, em linha
de princípio, de expressa previsão, legal (como acontece, por exemplo, com
a devolução do imóvel locado pelo locatário, de acordo com art. 4º da Lei
nº 8.245/91) ou contratual (como se dá no caso aqui examinado).
Com efeito, nenhuma razão específica há, a priori, para
afastar a possibilidade de as partes, com base no princípio da autonomia da
vontade, pactuarem a possibilidade de extinção do contrato, por vontade
unilateral de uma delas, antes de alcançado o termo final da avença. O fato
de ser incomum as partes se reservarem tal direito nos contratos por tempo
determinado não significa que não seja possível às partes fazê-lo, em
atenção às peculiaridades do negócio ou aos interesses dos contratantes.
Orlando Gomes, em lição reproduzida pela embargante a
fls. 1.361, refere-se a uma categoria de contratos que denomina de
contratos com “duração máxima”, que seria, justamente, aquela nos quais,
a despeito da previsão de prazo determinado, as partes prevêem a
possibilidade de denúncia unilateral do contrato (Contratos. Forense. 12ª
edição. 1990, p. 142):
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“Além dos genuínos contratos por tempo indeterminado, assim se qualificam:
1º) os contratos com duração mínima; 2º) os contratos com duração máxima; 3º) os contratos que se prolongam mediante
recondução tácita. Os contratos de duração mínima são inicialmente por
tempo determinado, mas se transformam em contratos por tempo indeterminado se continuam eficazes depois de expirado o prazo previsto.
Os de duração máxima são por tempo determinado, mas se as partes se reservam a faculdade de lhe pôr termo ante tempus mediante aviso prévio, entende-se que passam a ser por tempo indeterminado, exercida a faculdade.
Finalmente a recondução tácita do contrato por tempo
determinado converte-o em contrato por tempo
indeterminado. Nas três hipóteses figuradas pode-se dizer que a
indeterminação não é de origem, mas resultante de convenção.”
Na parte final de sua lição, Orlando Gomes assinala que é a
convenção ou a vontade das partes contratantes que transmuda o contrato
por tempo determinado em indeterminado. Na espécie, foi a existência de
cláusula expressa, livremente pactuada entre as partes, que criou a
faculdade de extinção do contrato ante tempus, mediante denúncia
unilateral.
16. Por um lado, não se afigura exata a afirmação, constante
do voto vencido (fls. 1.303), de que a previsão de cláusula de resilição
unilateral “seria inteiramente inócua após a prorrogação do contrato,
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considerando que é da natureza dos contratos por tempo indeterminado a
possibilidade de sua cessação por iniciativa de qualquer das partes”. Afinal
de contas, a cláusula instituiu disciplina para essa resilição, indicando que
ela se daria mediante aviso-prévio, com prazo de noventa dias, o que teria
de ser observado no caso de o contrato estar a vigorar por prazo
indeterminado. Mas, por outro lado, diante da constatação de que a
resilição unilateral pode perfeitamente conviver com os contratos por prazo
determinado, a conclusão acertada é que a disciplina trazida pela cláusula
para a resilição do contrato era aplicável desde o início de sua vigência,
antes mesmo de expirado o prazo determinado.
A natureza do contrato celebrado entre as partes. Administração de
valores mobiliários por meio de mandato
17. O exame da natureza do negócio jurídico celebrado
pelas partes reforça a conclusão de que a cláusula de aviso-prévio era
exercitável dentro do prazo determinado de vigência. A leitura do
instrumento contratual de fls. 41/55 indica que se trata de contrato
complexo, que envolveu obrigações variadas a serem cumpridas pelo
OPPORTUNITY, dentre as quais “promover o treinamento especializado
de Empregados Credenciados da PETROS, com a finalidade de dotá-los da
capacitação nas modernas técnicas de avaliação de ativos de renda
variável” (cláusula 1.1, i – fls. 42); “disponibilizar acesso ao seu banco de
dados de pesquisa e análise de empresas” (cláusula 1.1, ii – fls. 42), e
21
outras obrigações correlatas. Mas, inequivocamente, o objeto principal, a
razão de ser do contrato, foi a administração de carteira de ações da
PETROS (cláusulas 1.1, vi, vii, viii; 5 e todos os seus subitens; e 7.1 – fls.
43, 46, 47 e 48).
18. Observe-se que a remuneração mensal do
OPPORTUNITY pelo cumprimento das diversas obrigações pactuadas foi
estabelecida com base em percentuais incidentes sobre o valor do portfolio
(carteira de títulos) da PETROS, valor esse calculado nos termos do
contrato (cláusula 9 e seus subitens – fls. 48), o que também é indicativo
que era a administração da carteira de títulos da PETRUS a obrigação
principal contratada.
19. É sintomático, também, que a cláusula 9.1 tenha aludido
a “remuneração por serviços prestados”, embora dentre as diversas
“obrigações” do OPPORTUNITY nem todas possam ser caracterizadas
como “serviço” (notadamente a disponibilização do acesso ao seu banco de
dados de pesquisa de análise de empresas). O emprego da expressão revela
menos uma impropriedade terminológica e mais um reconhecimento de
ambas as partes de que se estava a celebrar um contrato de prestação de
serviços, mais especificamente um contrato de administração de valores
mobiliários.
20. Desnecessário especular se as outras obrigações
pactuadas, dentre as quais a mencionada transferência de tecnologia (know
22
how), eram relevantes ou constituíram simples pretexto para justificar o
valor da remuneração do OPPORTUNITY, como afirmado pela
embargante (fls. 1.358). Seja como for, é induvidoso que a administração
da carteira de ações da PETRUS foi a motivação e a finalidade do contrato.
E, com relação a esse ponto, o voto vencido observou, com
propriedade, que a administração de carteira de títulos é “atividade
dinâmica em que as operações são realizadas diariamente, não sendo usual
que as partes se vinculem por um longo período sem a possibilidade de se
desvincularem” (fls. 1.303). A previsão de resilição unilateral, mediante
aviso-prévio, constituiu salvaguarda ou garantia para a PETRUS, para que
essa, a qualquer momento, concluindo que o serviço de administração de
sua carteira de títulos não atendia adequadamente aos seus interesses,
desconstituísse a relação entre as partes. Essa a razão evidente para a
previsão da cláusula de resilição unilateral, com aplicabilidade desde o
início da avença.
Nem seria razoável que a embargante tivesse que submeter
sua carteira de títulos a uma administração que considerasse inadequada,
desvantajosa ou onerosa durante 36 meses para, só então, poder exercitar
sua faculdade de resilição.
A disponibilização do “banco de dados de pesquisa e análise
de empresas” do embargado ou o “treinamento especializado de
empregados credenciados” da embargante não justificariam a permanência
do contrato, contra a vontade da empresa contratante, porque aquelas
obrigações eram meramente acessórias em relação à obrigação principal: a
rentável administração da vultosa carteira de títulos da PETRUS.
23
O mandato outorgado ao OPPORTUNITY
21. Observe-se que, para a administração do portfolio da
PETRUS, foi conferido mandato com amplíssimos poderes ao
OPPORTUNITY (cláusulas 5.5 e 5.6 – fls. 47). Também em relação a esse
aspecto, observou, com acerto, que a revogabilidade é da essência do
mandato, ainda mais em se tratando de mandato com poderes tão amplos,
que chegavam ao ponto de conferir ao mandatário a decisão final sobre a
política e a filosofia dos investimentos do portfolio da PETRUS. É o que se
extrai da cláusula 4.1 do contrato (fls. 45), que previu a criação de um
Comitê Executivo responsável pela decisão final acerca da filosofia e dos
investimentos do portfolio de renda variável da PETRUS, com a indicação
de três membros por cada um dos contratantes, mas conferindo ao
OPPORTUNITY o direito à indicação do Presidente, que teria direito a
voto de desempate.
22. O mandato, em linha de princípio, é contrato fundado na
fidúcia, na confiança depositada na figura do mandatário. Deixando de
haver essa confiança, deixa de existir a razão para o mandato. Nesse
sentido, o ensino de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito
Civil. Forense. 7ª ed. 1986. Vol. III, p. 287):
“O mandato não subsiste à cessação ou arrefecimento da confiança depositada no mandatário. Em qualquer tempo,
24
pois, e sem necessidade de justificar a sua atitude, o mandante tem a faculdade de revogar ad nutum os poderes, e unilateralmente pôr termo ao contrato. É uma peculiaridade deste, que vai assentar na razão mesma da formação fiduciária do vínculo (Espínola), como ainda na liberdade, reconhecida ao comitente, de assumir a direção do negócio, ou confiá-lo a outro procurador, a seu puro aprazimento.”
Do mesmo teor a lição de Silvio Rodrigues (Direito Civil.
Saraiva. 20ª ed. 1991. Vol. 3, p. 310):
“O mandato, negócio baseado na confiança, só deve durar enquanto esta persiste. De modo que, em princípio, cabe ao mandante, a qualquer tempo e sem que precise justificar seu ato, a prerrogativa de revogar a procuração.”
Maria Helena Diniz, na mesma linha, ensina que o mandato
se extingue pela: “Revogação ‘ad nutum’ pelo mandante, total ou parcial,
expressa ou tácita, se cessar a confiança depositada no mandatário, ou se
não tiver mais interesse no negócio.” (Tratado Teórico e Prático dos
Contratos. Saraiva. 1993, Vol. 3, p. 262)
Não discrepa a lição do mestre Pontes de Miranda (Tratado
de Direito Privado. Tomo XXV, § 3.076, 4., p. 275):
O mandato pode ser revogado, a qualquer momento, pelo mandante. Não há direito de revogação; há poder fáctico de revogar: o mandato foi negócio que entrou no mundo jurídico, fazendo-se negócio jurídico; o sistema jurídico permite que o mandatário retire a voz, revogue, o que é ir ao
25
suporte fáctico e, desde o momento da manifestação de vontade receptícia, destruir o negócio mesmo.
A previsão de irrevogabilidade do mandato
23. Não contraria tudo o que foi dito o fato de ter sido
previsto na cláusula 5.6, parte final, do “Contrato Operacional” que o
mandato outorgado ao OPPORTUNITY o era “em caráter irrevogável e
irretratável” (fls. 47). E por mais de uma razão. Em primeiro lugar, porque
a previsão de irrevogabilidade do mandato não interfere no direito de
resilição unilateral do “Contrato Operacional”, estabelecido na cláusula
distinta. Em segundo lugar, porque, se se entendesse que a previsão de
irrevogabilidade do mandato se refere ao “Contrato Operacional” como um
todo, a cláusula de irrevogabilidade teria de ser considerada ineficaz.
Desdobrem-se essas razões, para melhor compreensão da
questão.
O alcance da cláusula de irrevogabilidade do mandato
24. A cláusula de irrevogabilidade do mandato outorgado ao
OPPORTUNITY (prevista na cláusula 5.6 – fls. 47) em nada interfere com
a faculdade de resilição unilateral reservada às partes (prevista na cláusula
20.1.1 – fls. 53). A irrevogabilidade se refere apenas ao mandato, que é
contrato acessório ou instrumental em relação ao “Contrato Operacional”.
Já a resilição se refere ao próprio “Contrato Operacional”.
26
A previsão de irrevogabilidade, portanto, significa que o
mandato não poderia ser revogado se e enquanto o “Contrato Operacional”
estivesse em vigor, por se tratar de instrumento necessário e, por isso,
inafastável para a execução da administração da carteira de títulos da
PETRUS. Não se conceberia a execução do serviço de administração da
carteira de títulos da embargante – pelo menos não na extensão prevista no
contrato – se não através de um mandato, que conferisse ao
OPPORTUNITY poderes para adquirir e alienar valores mobiliários e
praticar outros atos correlatos.
Mas isso não interferiria na possibilidade de resilição
unilateral do próprio “Contrato Operacional” como um todo, que vem
prevista em cláusula distinta (a cláusula 20.1.1). A resilição levaria, como
conseqüência, à revogação do mandato, que é contrato acessório ao
“Contrato Operacional”, por força do princípio de que “acessio cedit
principali”.
Esse o verdadeiro alcance da cláusula de irrevogabilidade
do mandato.
A relatividade da irrevogabilização do mandato
25. Não fosse essa a correta interpretação a ser dada à
cláusula de irrevogabilidade do mandato, a conclusão a que forçosamente
se chegaria seria de ineficácia da aludida cláusula. Isso porque a
irrevogabilidade é admissível apenas nos casos em que o elemento
fiduciário não existe. Com efeito, as hipóteses indicadas no art. 1.317 do
27
Código Civil de 1916 são todas de mandatos outorgados para atender a
interesses diversos dos do mandante. Assim preleciona Silvio Rodrigues
(op. cit., p. 312):
“No contrato de mandato o interesse que habitualmente se procura proteger é o do mandante. Por isso é ele revogável ad nutum, ou seja, ao inteiro arbítrio do constituinte. Ora, se, ao contrário, se procura assegurar outro interesse que não o do mandante, desnaturando, dessa maneira, o contrato de mandato, é justo que se estipule a irrevogabilidade do mandato.”
Assim, também, o escólio de Arnoldo Wald (Obrigações e
Contratos. Revista dos Tribunais. 13ª ed. 1998, p. 458):
“Em síntese, podemos afirmar que a irrevogabilidade é absoluta, não permitindo a revogação, quando desapareceu o elemento fiduciário, e o direito na realidade foi transferido ao mandatário, sendo relativamente irrevogável, resolvendo-se a revogação eventualmente em perdas e danos, quando perdura o elemento fiduciário na relação do mandato.
Pontes de Miranda indica que a irrevogabilidade do
mandato é situação excepcional, que encontra sua razão de ser na proteção
do interesse do outorgado ou de terceiro (Tratado de Direito Privado.
Tomo XLIII, § 4.690, 2, p. 84):
Não há princípio absoluto de faculdade de irrevogabilização. Daí: a) haver poderes de
28
representação a respeito dos quais é ineficaz a cláusula ou pacto posterior de irrevogabilidade, e. g., poderes institórios, ou se a irrevogabilidade seria ilícita ou impossível; b) ter de haver razão para se fazer irrevogável poder de representação, como ser no interesse do outorgado, e. g., procuração em causa própria, inclusive simples causa donandi (sem razão, A. VON TUHR, Die unwiderrufliche Vollmacht, 54), ou em comum; e. g., para administração de bem ou bens em condomínio ou para executar contrato em que têm de receber quotas o outorgante e o outorgado; ou haver interesse do próprio outorgante, o que é raro, e. g., para tornar possível execução de acordo com os credores, para garantia de alguma conclusão de negócio, ou de solução de dívida, ou para algum pormenor relativo à dívida (L. ROSENBERG, Stellvertretung im Prozess, 910), ou para cumprimento de lei (e. g., para fazer alguma comunicação que a lei exige).
No caso dos autos, o mandato foi outorgado como
instrumento para a prestação do serviço de administração do portfolio da
PETRUS. Ou seja, foi para atender a interesse exclusivo da PETRUS que o
mandato foi outorgado. Assim, não haveria razão ou justificativa para a
previsão, no presente caso, de irrevogabilidade do mandato, que teria de ser
considerada ineficaz.
26. E nem se diga que o OPPORTUNITY tinha interesse na
permanência da avença e que, por isso, se justificaria a irrevogabilidade do
mandato. O OPPORTUNITY tinha – é evidente – interesse econômico na
manutenção do “Contrato Operacional”, pois em razão dele obtinha
vantajosa remuneração pelos serviços que prestava. Mas não tinha interesse
29
jurídico na manutenção do mandato, pois esse fora outorgado para a
administração da carteira de ações da PETRUS, no interesse exclusivo
dessa.
A antijuridicidade e imoralidade da renúncia ao direito de revogação
do mandato que envolva a administração de parte considerável do
patrimônio do outorgante
27. Na verdade, a idéia de que a embargante pudesse ter,
contra a sua vontade, parte considerável de seu patrimônio (representada
por sua carteira de títulos de renda variável) obrigatoriamente vinculada à
vontade do embargado (pelo prazo de 36 meses) não apenas é antijurídica,
mas refoge ao senso comum e se afigura imoral.
Na doutrina alemã – que também acolhe, em caráter
excepcional, a renúncia ao direito de revogação do mandato –, a situação
não escapou à reflexão de Ludwig Enneccerus (Tratado de Derecho Civil,
Tomo II, Derecho de Obligaciones, II, § 160 [§ 383], p. 333):
“A renúncia ao direito de revogação, quando se trata da administração de todo o patrimônio ou de uma parte considerável do mesmo, significa, com freqüência, uma submissão imoral à vontade do mandatário, havendo, então, de se considerar nula, mas é eficaz nos demais casos (se não media uma causa importante para a revogação).”
Não é aceitável que se impeça o titular dos bens do poder de
administrá-los pessoalmente, para possibilitar que terceiro o faça, com
30
poderes praticamente absolutos, recebendo remuneração para tanto. A tanto
levaria a interpretação que, a pretexto de irrevogabilidade do mandato,
concluísse pela manutenção dos efeitos do “Contrato Operacional”. A
renúncia ao direito de revogação do mandato equivaleria, numa tal
situação, a privar o titular do patrimônio do poder de disposição sobre ele.
Inexistência de revogação tácita da denúncia
28. É equivocada a tese de que teria havido reconsideração
ou revogação do aviso-prévio, em razão da continuação da execução do
contrato após o esgotamento do respectivo prazo de noventa dias. O
princípio da proibição do venire contra factum proprium não é
legitimamente invocável nessa situação.
Com efeito, o prazo do aviso-prévio esgotou-se em
16.12.1997, mas os serviços continuaram a ser prestados até a data de
02.3.1998, quando, finalmente, cessaram todas as atividades do embargado.
Não se extrai daí, contudo, que tenha havido reconsideração ou revogação
do aviso-prévio. Tampouco se pode pretender extrair tal conseqüência da
correspondência trocada entre as partes, antes e depois do aviso-prévio
(fls. 129/138).
A resilição operou os seus efeitos automaticamente assim
que expirou o prazo de noventa dias previsto na cláusula 20.1.1, por força
dessa mesma disposição contratual, independentemente de qualquer
comportamento das partes. A continuação, de fato, da execução dos
31
serviços e as manifestações epistolares das partes, não teriam o condão de
repristinar o contrato extinto.
A continuação dos serviços por parte do embargado, por
certo, lhe confere direito à remuneração correspondente, mas não porque
tenha sido mantido o contrato, mas porque, de fato, os serviços foram
prestados e, por força do imemorial princípio que veda o enriquecimento
sem causa (consagrado no art. 884 do novo Código Civil), não poderiam
deixar de ser remunerados.
As cartas trocadas pelas partes, antes e mesmo depois do
aviso-prévio, apenas denotam tratativas no sentido do não rompimento da
parceria entre as empresas. Nem de longe constituem reconhecimento,
ainda que tácito, de que o “Contrato Operacional” ainda estava em vigor.
Mesmo a manifestação constante da carta de fls. 136, que, enviada pela
embargante após o pré-aviso, fala, impropriamente, que “o contrato será
rescindido”, não tem o efeito que lhe pretende dar o embargado. Trata-se,
de mera impropriedade, nada mais do que isso. Afinal, conforme
estabelecia o art. 85 do Código Civil de 1916: “Nas declarações de vontade
se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.” Como
já mencionado, a resilição operou-se assim que esgotado o prazo do
pré-aviso, independentemente de qualquer ato ou manifestação. Assim, ad
argumentandum, o que poderia, quando muito, é ter surgido um novo
contrato de administração de valores imobiliários, de caráter verbal, sem
prazo determinado, mas não o prosseguimento do anterior contrato.
32
A remuneração devida ao embargado pela prestação dos serviços após
a resilição do contrato
29. O voto vencido, em raciocínio coerente e cartesiano,
entendeu que, pelos serviços efetivamente prestados após expirado o prazo
do aviso-prévio, o OPPORTUNITY teria direito de receber remuneração,
mas não nos termos do contrato, porque este já se encontrava extinto e, por
isso, não poderia ser invocado, mas pelas taxas usuais de mercado. E assim
deve ser.
O contrato deixou de produzir efeitos após o esgotamento
do prazo do prévio-aviso, de modo que, a partir de então, não poderia ele
ser invocado como fundamento para o pagamento pelos serviços prestados.
Faz jus o OPPORTUNITY ao recebimento de remuneração pelos serviços
prestados a partir do término do prazo do aviso-prévio, mas com base no
princípio que veda o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil).
Correto o voto vencido, pois, ao indicar que a remuneração
pelos serviços prestados pelo embargado em relação a tal período deve
observar as taxas usuais de mercado.
A multa do art. 404, parágrafo único, do novo Código Civil
30. O acórdão recorrido impôs à embargante multa de 10%
com fundamento no art. 404, parágrafo único, do Código Civil vigente.
Não poderia tê-lo feito. E por mais de uma razão.
33
Em primeiro lugar porque essa multa nem sequer foi pedida
pelo autor, ora embargado, na petição inicial. A única multa a que alude o
autor na inicial (fls. 20) é a que estaria prevista na cláusula 9º do contrato
(fls. 49). Violados, assim, estariam os princípios dispositivo e da adstrição
(ou congruência), insertos, respectivamente, nos artigos 128 e 460 do CPC.
Tampouco pediu o autor na apelação a condenação da ré ao
pagamento de verba dessa natureza. Afrontou o acórdão recorrido, então,
nesse ponto, o art. 515 do CPC.
Por fim, a verba em exame veio prevista no Código Civil
vigente, não aplicável ao caso, por ter sido o contrato celebrado na vigência
do Código Civil de 1916.
Mais não é necessário para que se constate a impropriedade
da condenação da ré, ora embargante, ao pagamento de verba com
fundamento no art. 404, parágrafo único, do Código Civil ora em vigor.
Conclusão
31. Pelas razões expostas, dá-se provimento aos embargos
infringentes e reforma-se o acórdão recorrido, para, nos limites do voto
vencido: a) estabelecer que, pelos serviços prestados pelo autor após o
término do prazo de aviso-prévio até 27.02.1998 (fls. 20, primeiro pedido),
a ré deverá pagar remuneração com base nas taxas usuais de mercado em
operações semelhantes, como apurado em liquidação; b) julgar
improcedente o pedido de lucros cessantes, correspondentes ao período de
02.3.1998 a 13.11.1999 (fls. 20, segundo pedido); c) excluir a condenação
da ré ao pagamento da multa de 10% (dez por cento) sobre o montante
34
apurado. Em conseqüência, reconhece-se a sucumbência recíproca, nos
termos do voto vencido (fls. 1.305).
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2007.
DES. ANDRÉ ANDRADE
RELATOR