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1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.005.00176 EMBARGANTE: FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS EMBARGADO: OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA. RELATOR: DES. ANDRÉ ANDRADE CLASSE REGIMENTAL Nº 1 DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS, MEDIANTE MANDATO, COM OUTRAS AVENÇAS. PRAZO DETERMINADO. CLÁUSULA DE RESILIÇÃO UNILATERAL. AVISO-PRÉVIO DURANTE O DECURSO DO PRAZO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. DIREITO DA CONTRATADA À REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS DURANTE O PRAZO DE VIGÊNCIA DO AVISO-PRÉVIO. DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS APÓS A RESILIÇÃO. INDENIZAÇÃO, NESSE ÚLTIMO CASO, A SER CALCULADA COM BASE NAS TAXAS USUAIS DE MERCADO PARA OPERAÇÕES SEMELHANTES, COMO APURADO EM LIQUIDAÇÃO. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL). INEXISTÊNCIA DE DIREITO A LUCROS CESSANTES PELO RESTANTE DO PRAZO DO CONTRATO. DESCABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DA MULTA DO ART. 404, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. VERBA NÃO

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.005.00176 EMBARGANTE: FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS EMBARGADO: OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA. RELATOR: DES. ANDRÉ ANDRADE CLASSE REGIMENTAL Nº 1

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ADMINISTRAÇÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS, MEDIANTE MANDATO, COM OUTRAS AVENÇAS. PRAZO DETERMINADO. CLÁUSULA DE RESILIÇÃO UNILATERAL. AVISO-PRÉVIO DURANTE O DECURSO DO PRAZO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. DIREITO DA CONTRATADA À REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS DURANTE O PRAZO DE VIGÊNCIA DO AVISO-PRÉVIO. DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS APÓS A RESILIÇÃO. INDENIZAÇÃO, NESSE ÚLTIMO CASO, A SER CALCULADA COM BASE NAS TAXAS USUAIS DE MERCADO PARA OPERAÇÕES SEMELHANTES, COMO APURADO EM LIQUIDAÇÃO. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL). INEXISTÊNCIA DE DIREITO A LUCROS CESSANTES PELO RESTANTE DO PRAZO DO CONTRATO. DESCABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DA MULTA DO ART. 404, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. VERBA NÃO

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PLEITEADA NA INICIAL, NEM NA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO AUTOR. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 128, 460 E 515 DO CPC. PROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos

infringentes n° 2007.005.00176 em que é embargante FUNDAÇÃO

PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS e embargado

OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA.

ACORDAM os Desembargadores da Sétima Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por

unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do

Relator.

ANDRÉ ANDRADE

DESEMBARGADOR RELATOR

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VOTO

1 – OPPORTUNITY ASSET MANAGEMENT LTDA.

propôs ação de procedimento ordinário em face de FUNDAÇÃO

PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS, alegando, em

síntese, como causa de pedir, que as partes celebraram contrato intitulado

de Acordo Operacional, pelo qual o autor ficou incumbido de gerenciar

parte da carteira de ações da ré, bem como promover o treinamento

especializado de empregados por essa credenciados (com o objetivo de

aprimorá-los na gestão do seu patrimônio) e franquear o acesso on line da

ré ao Banco de Dados do autor, com informações relativas a centenas de

empresas.

Expôs o autor que o contrato foi celebrado em 13.11.1996,

com prazo de 36 meses (ou seja, com termo final previsto para

13.11.1999), prorrogável automaticamente por prazo indeterminado

(cláusula 20.1 – fls. 53). Sucede que, em 17.9.1997, a ré enviou

correspondência ao autor (fls. 132), comunicando que lhe estava dando

aviso-prévio, para resilição do contrato, com base na cláusula 20.1.1 do

contrato, que estabeleceu a duração de noventa dias para o aviso-prévio. No

dia 16.12.1997 expirou o prazo do aviso. A despeito disso, o autor

continuou prestando serviços à ré até a data de 1º.3.1998, a partir de

quando foi impedida pela ré de continuar a executar os serviços

contratados.

Pediu o autor, em conseqüência, a condenação da ré a lhe

pagar a remuneração devida pelos serviços por ela efetivamente prestados

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no período de 13.11.1997 até 27.02.1998, com juros de mora, correção

monetária e multa moratória; e lucros cessantes correspondentes à

remuneração que o autor deixou de perceber no período de 02.3.1998

(conforme retificação feita a fls. 727/729), quando foi obstado de continuar

a prestar o serviço para o qual fora contratado, até 13.11.1999, data do

término do prazo de vigência do contrato.

2 – A sentença julgou totalmente improcedente a demanda

(fls. 1.062/1.071), ao fundamento de que o autor, com o contrato celebrado,

obteve lucros desproporcionalmente acima do obtido em contratações

normais, trazendo, por conseguinte, prejuízos à parte ré e ferindo o

princípio da função social do contrato.

3 – O autor interpôs apelação (fls. 1.085/1.183), buscando a

reforma integral da sentença, para que fossem julgados procedentes os dois

pedidos formulados na inicial.

4 – Apelou, também, a ré, na forma adesiva (fls.

1.244/1.251), apenas para buscar a majoração da verba honorária de

sucumbência.

5 – A 18ª Câmara Cível, por maioria de votos, deu

provimento ao recurso (fls. 1.287/1.299) para julgar procedentes os

pedidos, condenando a ré a pagar ao autor: a) a remuneração devida por

serviços prestados no período de 13.11.1997 a 28.02.1998, a ser apurado

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em liquidação, segundo os parâmetros contidos no contrato, com correção

monetária desde cada pagamento devido e acrescida de juros de mora e

multa moratória de 10% sobre o montante encontrado; b) os lucros

cessantes correspondentes à remuneração que deixou o réu de perceber no

período de 02.3.1998 a 13.11.1999, igualmente a serem apurados de acordo

com os parâmetros antes referidos, com correção monetária, juros de mora

e multa moratória de 10%. O recurso adesivo, da ré, foi, por unanimidade,

julgado prejudicado.

Considerou o acórdão que, durante o prazo de vigência do

contrato, não seria legítima a sua denúncia unilateral, cabível apenas para

impedir a prorrogação automática, por tempo indeterminado, da relação

contratual originária ou, então, para dar fim a ela após a aludida

prorrogação. Aduziu que, ainda que se quisesse conferir validade à

denúncia feita quando em curso o prazo de duração do contrato, forçoso

seria reconhecer que ela teria perdido sua eficácia, porquanto, mesmo após

expirado o prazo de noventa dias previsto na cláusula 20.1.1 para a

produção do efeito resilitório, as partes continuaram a dar cumprimento à

avença, manifestando o autor, com isso, conduta incompatível com a

vontade antes manifestada, inclusive mantendo tratativas para manter o

vínculo através de novo negócio jurídico a ser ajustado entre eles.

Acrescentou que a ré deve pagar pelos serviços efetivamente prestados e

não pagos desde 13.11.1997 até 28.02.1998, véspera da data

correspondente ao rompimento do vínculo contratual. Quanto ao pedido de

compensação pelos lucros cessantes, observou que o autor tinha direito de

cumprimento do compromisso contratual assumido até o término do prazo

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mínimo de duração do contrato, o que não ocorreu por iniciativa de

exclusiva conveniência da ré, que, assim, deve responder pelas perdas e

danos derivados de sua conduta interruptiva do vínculo negocial

estabelecido. Por fim, entendeu o acórdão aplicável, ao caso, a aplicação de

indenização suplementar, com base no art. 404, parágrafo único, do novo

Código Civil.

6 – Ficou vencida a Desembargadora Relatora, que dava

parcial provimento ao apelo do autor (fls. 1.299/1.305), para, reformando

em parte a sentença: a) condenar a ré ao pagamento da remuneração devida

ao autor pelos serviços por ele prestados de 13.11.1997 até o término do

prazo do aviso-prévio (16.12.1997), nos termos do contrato; b) condenar a

ré ao pagamento da remuneração devida ao autor pelos serviços prestados

após aquela data, até 02.3.1998, pelas taxas usuais de mercado em

operações semelhantes, como apurado em liquidação; c) julgar prejudicado

o segundo pedido, de condenação da ré ao pagamento de perdas e danos

(sob a forma de lucros cessantes), pelo rompimento antecipado do contrato.

Entendeu o voto vencido que a resilição unilateral, feita em

17.9.1997, após menos de um ano de vigência do contrato, foi válida.

Argumentou que, embora a resilição, geralmente, tenha lugar nos contratos

por tempo indeterminado, não há óbice em nossa legislação a que ela seja

prevista em contrato por prazo determinado. Além disso, no caso em

exame, três considerações levam à conclusão de que a cláusula contratual

que prevê a denúncia do contrato mediante aviso-prévio com antecedência

de 90 dias deve ser interpretada no sentido da possibilidade de denúncia na

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vigência do prazo contratual: primeiro, a aludida cláusula seria

inteiramente inócua após a prorrogação do contrato, considerando que é da

natureza dos contratos por tempo indeterminado a possibilidade de sua

cessação por iniciativa de qualquer das partes; segundo, o contrato tem por

objeto a administração de carteira de títulos, atividade dinâmica em que as

operações são realizadas diariamente, não sendo usual que as partes se

vinculem por um longo período sem a possibilidade de se desvincularem;

terceiro, a administração de carteira de ações envolve mandato, sendo a

revogabilidade característica essencial do mesmo. Do reconhecimento da

possibilidade de resilição unilateral do contrato no curso do prazo nele

previsto, resulta que fica prejudicado o segundo pedido formulado na

inicial, de condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes.

Quanto ao primeiro pedido, de condenação da ré ao

pagamento da remuneração devida pelo trabalho efetivamente prestado

pelo OPPORTUNITY de 13.11.1997 a 27.02.1998, observou que, embora

somente no final de fevereiro de 1998 tenham cessado as operações

relativas ao contrato, esse já estava extinto desde o término do prazo de

aviso-prévio. Em conseqüência, embora devida a remuneração pelos

serviços prestados pelo autor após o término do prazo de 90 dias do aviso-

prévio, deverá ela ser feita não nos termos do contrato, que não mais vigia

entre as partes, mas pelas taxas usuais de mercado.

7 – Ambas as partes interpuseram embargos de declaração

(fls. 1.307/1.309 e 1.310/1.327), os quais foram rejeitados (fls. 1.343/1.344

e 1.346/1.348).

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8 – A ré interpôs embargos infringentes (fls. 1.350/1.376),

para fazer prevalecer o voto vencido. De início, observa que o acórdão

acrescentou ao provimento condenatório uma verba indenizatória

suplementar com fundamento no parágrafo único do art. 404 do atual

Código Civil, que só passou a viger em 2003, embora os fatos e atos

jurídicos envolvidos nesta demanda tenham ocorrido na vigência do

Código Civil anterior, nos anos de 1997 e 1998. Violou o acórdão, assim, o

princípio constitucional da irretroatividade das leis, estabelecido no art. 5º,

XXXVI, da Constituição Federal. Não bastasse isso, o art. 404, parágrafo

único, do vigente Código Civil supõe que a parte tenha formulado pedido

nesse sentido, o que, no caso presente, não ocorreu. Violaram-se, dessa

forma, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art.

5º, LV, da CF), além do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV da

CF). Foram violados, também, os artigos 128, 293 e 460 do CPC. Além

disso, nem o próprio autor apelante imaginou receber tal benefício, tanto

que a apelação nenhuma menção fez à indenização suplementar. De sorte

que também o art. 515 do CPC foi vulnerado. Por fim, contrariada foi a

regra do art. 2.044 do Código Civil atual.

Argumenta que o contrato celebrado entre as partes era de

prestação de serviços, enquadrando-se perfeitamente na moldura do

art. 1.216 do Código Civil de 1916 (aplicável à espécie, por ter sido o

contrato celebrado durante sua vigência), e tinha por único objeto a

administração de uma carteira de ações no valor equivalente a US$500

milhões. Para o exercício dessa administração, o autor embargado recebeu

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poderes absolutos, praticamente uma “carta branca”, para movimentar os

ativos integrantes do portfolio da ré embargante, “vendendo ou comprando,

segundo seus critérios e avaliações de conveniência e oportunidade, de

forma discricionária” (fls. 1.356). As cláusulas contratuais não deixam

dúvida de que a avença tipificou verdadeiro contrato de “administração

com mandato”, constituindo esse mandato mero instrumento, embora

necessário, do contrato de prestação de serviços. A previsão contratual de

uma suposta transferência de tecnologia (know how) não desnatura o

contrato, e, na verdade, serviu apenas para justificar a desproporcional e

fora do mercado remuneração do autor embargado.

Sustenta, também, a ré embargante que o contrato em

referência, pela sua natureza, se insere na categoria dos contratos com

duração máxima, pelo qual as partes se reservam a faculdade de lhes pôr

termo ante tempus mediante aviso prévio. Argumenta que a cláusula 20.1.1

diz que as partes poderão “terminar o presente contrato, mediante aviso

prévio com antecedência de 90 (noventa) dias”, deixando claro que ela foi

estabelecida para vigorar desde o primeiro momento, não a partir da data

do vencimento do prazo contratual. Não se impôs nenhuma limitação

temporal à aplicação da cláusula em questão. Quisessem as partes tornar a

cláusula válida apenas para a hipótese de prorrogação por prazo

indeterminado, teriam usado uma forma condicional (se o contrato vier a

ser prorrogado...). Além disso, a possibilidade de resilição de contrato por

tempo indeterminado dispensa disposição expressa, como, aliás, foi

ressaltado pelo voto vencido. A justificativa alvitrada pelo voto vencedor

para a não aplicabilidade da cláusula antes de decorrido o prazo contratual

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(a garantia de um prazo mínimo, como forma de garantir o autor

embargado por seus riscos e investimentos) não se sustenta, pois, pela

própria natureza do contrato, os únicos riscos e investimentos foram da

própria ré embargante. Acrescenta que a possibilidade de resilição a

qualquer tempo de contratos como o ora examinado é inerente ao seu

objeto, pois ao contratante-investidor e à própria contratada tem de ser

assegurado o direito de suspender a realização de operações ruinosas

quando a seqüência delas indicar que a manutenção do contrato será

extremamente prejudicial para qualquer deles. Observou a embargante,

também, que a correspondência trocada entre as partes deixa claro que o

embargado não opôs qualquer dúvida quanto ao direito potestativo da

embargante de pôr fim, ante tempus, ao contrato.

Por fim, em caráter eventual, argumenta a embargante que,

se os lucros cessantes fossem devidos, teriam de observar a regra do

art. 1.228 do Código Civil de 1916 (reproduzida pelo art. 603 do novo

Código Civil).

9 – O autor apresentou contra-razões aos embargos

infringentes (fls. 1.387/1.454). Argumenta que, no que concerne ao direito

do autor à contraprestação pecuniária devida até o rompimento do contrato,

não é aceitável o entendimento, expresso no voto vencido, de que o valor

da contraprestação seja calculado não de conformidade com o contrato

(como estabelecido pela maioria), mas com base nas “taxas de mercado em

operações semelhantes, como apurado em liquidação”. Isso porque,

diferentemente do que afirma o voto vencido, o contrato não se extinguiu

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no dia em que o prazo do pré-aviso terminou, pois, no dia 17.02.1998,

depois do esgotamento do pré-aviso, a ré embargante dirigiu carta ao autor

embargado, demonstrando que considerava vigente o contrato. Já no dia

02.3.1998, a embargante dirigiu ao embargado outra carta, também

indicando, pelos seus termos, que até então considerava o contrato em

vigor. Pondera que, por qualquer ângulo que se encare a questão, a

conclusão inarredável é de que o contrato vigeu, sem alterações, até

28.02.1998, ou seja, mesmo após o término do aviso prévio, ocorrido em

16.12.1997, razão pela qual não há justificativa para subtrair ao autor

embargado os efeitos do contrato no que concerne às condições que devem

servir de base para o cálculo do pagamento de sua contraprestação

pecuniária relativa ao período subseqüente ao fim do prazo do pré-aviso.

Sustenta o cabimento de lucros cessantes, argumentando

que o esgotamento do aviso-prévio sem que a parte que o formulou se

tenha valido da faculdade de fazer cessar o cumprimento do contrato

importou em perda de sua eficácia. Aduz que a ré embargante, após o

término do prazo do aviso-prévio, manteve comportamento concludente do

qual se extrai a revogação tácita da anterior denúncia do contrato. Observa

que a embargante não poderia ter comportamento contraditório e ir contra

seus próprios atos, considerando o princípio da proibição de venire contra

factum proprium.

Argumenta que a cláusula 20.1.1, que prevê o término do

contrato mediante aviso-prévio de 90 dias, deve ser interpretada e

harmonizada com a cláusula 20.1. Desse modo, se a vontade das partes

fosse no sentido da denunciabilidade do contrato a qualquer tempo, não

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haveria como explicar ou justificar o fato de não haver ele sido celebrado

por tempo indeterminado, o que lhe facultaria a dita iniciativa. Conclui-se,

pois, que a disposição ínsita na cláusula 20.1.1 só pode ser entendida e

interpretada como faculdade exercitável apenas quando escoado o prazo de

36 meses e o contrato já estivesse vigorando por prazo indeterminado.

Trata-se, portanto, de contrato de duração mínima, em relação ao qual a

denúncia não é admitida. Observa que os contratos de duração máxima são

apenas aqueles cuja duração é limitada legalmente.

Pondera que é falho o argumento de que a cláusula 20.1.1

não teria razão de existir se somente fosse aplicável após a vigência do

prazo contratual. Isso porque a cláusula não se limita a reiterar o direito de

resilir o contrato imotivadamente quando ele estivesse vigorando por prazo

indeterminado. Ele, na realidade, institui disciplina para o exercício dessa

resilição, estabelecendo que ela deve ser precedida de aviso-prévio com

antecedência de 90 dias.

Refuta a idéia de que a conduta do autor embargado, na fase

de tratativas, tenha importado admissão da denunciabilidade, até porque, se

o contrato vedava a denúncia ante tempus, não vedava a sua renegociação.

Sustenta que o contrato celebrado entre as partes é do tipo

misto, com feição preponderante de contrato de know how ou de

transferência de tecnologia.

Por fim, argumenta que a indenização suplementar prevista

no parágrafo único do art. 404 do Código Civil atual é aplicável no

presente caso, por não envolver retroatividade de dispositivo do Código

Civil de 2002, já que se trata de regra atinente ao conteúdo da condenação

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em perdas e danos, incidindo no momento em que a sentença condenatória

é proferida e não no momento em que os fatos por ela examinados fizeram

surgir o direito à indenização.

É o relatório.

Os limites dos embargos infringentes

10. A controvérsia a ser dirimida nos presentes embargos

infringentes está limita às seguintes questões:

a) se a remuneração devida ao autor embargado por serviços

prestados no período que vai de 17.12.1997 a 28.02.1998 deve ser

calculada nos termos do contrato e acrescida de multa moratória de

10%, como decidido pela maioria, ou se essa mesma remuneração deve ser

calculada pelas taxas usuais de mercado em operações semelhantes,

como apurado em liquidação, sem multa moratória de 10%, como

entendeu o voto vencido (que indicou, como termo final do cálculo, a data

de 02.3.1998);

b) se são devidos lucros cessantes, correspondentes à

remuneração que deixou o autor de perceber no período de 02.3.1998

até 13.11.1999, com base nos parâmetros contratuais, acrescidos de

multa moratória de 10%, como decidido pela maioria, ou se nada é

devido a título de lucros cessantes, como entendeu o voto vencido;

A solução das questões anteriores indicará se o caso é de

sucumbência integral da ré embargante, como decidiu a maioria (que

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estabeleceu que a ré deve pagar ao autor honorários de 10% sobre o

montante condenatório), ou de sucumbência recíproca, com a

proporcional distribuição e compensação das despesas e dos

honorários advocatícios (estes no percentual de 10%), como entendeu o

voto vencido.

O aviso-prévio apresentado pela PETRUS para extinção do contrato

11. Toda a divergência parte da questão central referente à

validade ou invalidade do aviso-prévio apresentado pela ré ao autor, em

17.9.1997, para extinguir o contrato intitulado “Acordo Operacional”,

ainda durante o prazo determinado de vigência da avença (de trinta e seis

meses).

Sustenta a ré embargante a validade do aviso-prévio, com

base na cláusula 20.1.1 do contrato, que teria previsto a possibilidade de

resilição unilateral do pacto a qualquer tempo. Já o autor embargado

argumenta que o aviso é inválido, porque a referida cláusula só seria

aplicável para impedir a prorrogação da avença ou para dar fim a ela após a

prorrogação por tempo indeterminado.

Passe-se ao exame da questão.

A interpretação literal e lógico-sistemática da cláusula de aviso-prévio

12. Transcrevam-se as cláusulas 20.1 e 20.1.1 do contrato

(fls. 53). A primeira estabeleceu o prazo de vigência do contrato, a última

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dispôs sobre a faculdade de resilição unilateral da avença por qualquer das

partes:

20.1 Este contrato vigorará pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses contados da data de sua assinatura, sendo prorrogado automaticamente por prazo indeterminado após este período caso não haja comunicação expressa em contrário.

20.1.1 As partes poderão terminar o presente contrato, mediante aviso prévio com antecedência de 90 (noventa) dias, sem prejuízo do integral cumprimento de todas as obrigações, inclusive de pagamento de todas as verbas previstas e devidas de acordo com este Contrato, mesmo durante a vigência do período de aviso prévio.

O embargado, escorado no acórdão recorrido, sustenta que,

durante o prazo de vigência, não seria legítima a denúncia unilateral do

contrato, porque tal denúncia teria sido estabelecida pelo art. 20.1.1 apenas

para impedir a prorrogação automática da relação contratual ou, então, para

dar fim a ela após a prorrogação da avença por tempo indeterminado. Não é

essa, no entanto, data venia, a melhor interpretação da cláusula contratual

em referência. O exame da cláusula, isoladamente ou em conjunto com as

demais cláusulas contratuais, indica que foi ela estabelecida para ser

aplicável a qualquer tempo, inclusive durante o prazo determinado de

vigência do contrato.

A cláusula 20.1.1 não restringe a faculdade de denúncia do

contrato a período posterior ao término do prazo contratual. A redação da

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cláusula nem de longe sugere essa restrição. Ao contrário, ao indicar que as

“partes poderão terminar o presente contrato”, indica o texto que se está a

fazer referência à relação contratual então vigente por prazo determinado.

É até intuitivo que, se as partes pretendessem reservar a

possibilidade de denúncia unilateral do contrato apenas para impedir a

prorrogação automática da relação contratual ou, então, para dar fim a ela

após a aludida prorrogação, teriam deixado isso expresso, sem nenhuma

dificuldade. Bastaria o emprego de uma fórmula simples, tal como: “As

partes poderão impedir a prorrogação do contrato ou dar fim à relação

contratual vigente por tempo indeterminado mediante aviso prévio com

antecedência de 90 (noventa) dias...”. Contudo, do modo como redigida a

cláusula, sem nenhuma restrição expressa ao exercício da faculdade de

denunciar o contrato, não é aceitável a interpretação restritiva. Uma tal

interpretação não se coaduna com a expressão literal da cláusula.

Os contratos são leis entre as partes (como explicitado pelo

famoso art. 1.134 do Código Civil francês: “Les conventions légalement

formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites”) e, tais como as leis,

são interpretados com observância de princípios variados, dentre os quais o

princípio secular representado pela máxima Ubi lex non distinguere, neque

interpres distinguere potest (“Quando a lei não distingue, não pode o

intérprete distinguir”).

13. Mas não apenas a literalidade da cláusula aponta para

essa conclusão. Também sua interpretação lógico-sistemática. Com efeito,

a cláusula permissiva de aviso-prévio (cláusula 20.1.1) foi inserida logo em

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seguida à disposição que estabelece o prazo de 36 meses de vigência do

contrato (cláusula 20.1), como subitem dela, indicando que se cuida de

exceção ao ajuste que lhe é anterior.

É da técnica contratual que as cláusulas inseridas dentro da

mesma numeração se relacionem diretamente. Assim, a faculdade, prevista

na cláusula 20.1.1, de extinção do (“presente”) contrato, mediante aviso

prévio com antecedência de 90 dias, necessariamente se relaciona com a

cláusula 20.1, que lhe é imediatamente antecedente e prevê prazo de

vigência de 36 meses para o contrato. Aquela denúncia, de acordo com a

interpretação lógico-sistemática, constitui faculdade exercitável durante o

prazo de vigência do contrato.

14. Verifica-se, portanto, que tanto a forma como redigida a

cláusula 20.1.1 como a sua localização no instrumento contratual são

favoráveis à tese defendida pela embargante, no sentido da validade do

aviso-prévio apresentado e, conseqüentemente, da extinção do contrato

após expirado o prazo de 90 dias do aviso.

Possibilidade de previsão contratual de resilição unilateral nos

contratos por tempo determinado

15. Argumenta o embargado que, se as partes pretendessem

facultar a denúncia do contrato a qualquer tempo, não teriam estabelecido

prazo determinado de vigência. Ocorre que nenhuma incompatibilidade há

entre a resilição unilateral e os contratos de prazo determinado.

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Embora a possibilidade de resilição unilateral seja

característica dos contratos por tempo indeterminado – diante da presunção

de que as partes contratantes não pretenderam obrigar-se perpetuamente –,

não há vedação legal à previsão (legal ou contratual) de resilição unilateral

nos contratos por tempo determinado. A diferença reside exatamente na

circunstância de que, enquanto a possibilidade de resilição unilateral é da

essência dos contratos por tempo indeterminado, nos contratos por tempo

certo ou determinado a resilição unilateral e imotivada depende, em linha

de princípio, de expressa previsão, legal (como acontece, por exemplo, com

a devolução do imóvel locado pelo locatário, de acordo com art. 4º da Lei

nº 8.245/91) ou contratual (como se dá no caso aqui examinado).

Com efeito, nenhuma razão específica há, a priori, para

afastar a possibilidade de as partes, com base no princípio da autonomia da

vontade, pactuarem a possibilidade de extinção do contrato, por vontade

unilateral de uma delas, antes de alcançado o termo final da avença. O fato

de ser incomum as partes se reservarem tal direito nos contratos por tempo

determinado não significa que não seja possível às partes fazê-lo, em

atenção às peculiaridades do negócio ou aos interesses dos contratantes.

Orlando Gomes, em lição reproduzida pela embargante a

fls. 1.361, refere-se a uma categoria de contratos que denomina de

contratos com “duração máxima”, que seria, justamente, aquela nos quais,

a despeito da previsão de prazo determinado, as partes prevêem a

possibilidade de denúncia unilateral do contrato (Contratos. Forense. 12ª

edição. 1990, p. 142):

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“Além dos genuínos contratos por tempo indeterminado, assim se qualificam:

1º) os contratos com duração mínima; 2º) os contratos com duração máxima; 3º) os contratos que se prolongam mediante

recondução tácita. Os contratos de duração mínima são inicialmente por

tempo determinado, mas se transformam em contratos por tempo indeterminado se continuam eficazes depois de expirado o prazo previsto.

Os de duração máxima são por tempo determinado, mas se as partes se reservam a faculdade de lhe pôr termo ante tempus mediante aviso prévio, entende-se que passam a ser por tempo indeterminado, exercida a faculdade.

Finalmente a recondução tácita do contrato por tempo

determinado converte-o em contrato por tempo

indeterminado. Nas três hipóteses figuradas pode-se dizer que a

indeterminação não é de origem, mas resultante de convenção.”

Na parte final de sua lição, Orlando Gomes assinala que é a

convenção ou a vontade das partes contratantes que transmuda o contrato

por tempo determinado em indeterminado. Na espécie, foi a existência de

cláusula expressa, livremente pactuada entre as partes, que criou a

faculdade de extinção do contrato ante tempus, mediante denúncia

unilateral.

16. Por um lado, não se afigura exata a afirmação, constante

do voto vencido (fls. 1.303), de que a previsão de cláusula de resilição

unilateral “seria inteiramente inócua após a prorrogação do contrato,

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considerando que é da natureza dos contratos por tempo indeterminado a

possibilidade de sua cessação por iniciativa de qualquer das partes”. Afinal

de contas, a cláusula instituiu disciplina para essa resilição, indicando que

ela se daria mediante aviso-prévio, com prazo de noventa dias, o que teria

de ser observado no caso de o contrato estar a vigorar por prazo

indeterminado. Mas, por outro lado, diante da constatação de que a

resilição unilateral pode perfeitamente conviver com os contratos por prazo

determinado, a conclusão acertada é que a disciplina trazida pela cláusula

para a resilição do contrato era aplicável desde o início de sua vigência,

antes mesmo de expirado o prazo determinado.

A natureza do contrato celebrado entre as partes. Administração de

valores mobiliários por meio de mandato

17. O exame da natureza do negócio jurídico celebrado

pelas partes reforça a conclusão de que a cláusula de aviso-prévio era

exercitável dentro do prazo determinado de vigência. A leitura do

instrumento contratual de fls. 41/55 indica que se trata de contrato

complexo, que envolveu obrigações variadas a serem cumpridas pelo

OPPORTUNITY, dentre as quais “promover o treinamento especializado

de Empregados Credenciados da PETROS, com a finalidade de dotá-los da

capacitação nas modernas técnicas de avaliação de ativos de renda

variável” (cláusula 1.1, i – fls. 42); “disponibilizar acesso ao seu banco de

dados de pesquisa e análise de empresas” (cláusula 1.1, ii – fls. 42), e

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outras obrigações correlatas. Mas, inequivocamente, o objeto principal, a

razão de ser do contrato, foi a administração de carteira de ações da

PETROS (cláusulas 1.1, vi, vii, viii; 5 e todos os seus subitens; e 7.1 – fls.

43, 46, 47 e 48).

18. Observe-se que a remuneração mensal do

OPPORTUNITY pelo cumprimento das diversas obrigações pactuadas foi

estabelecida com base em percentuais incidentes sobre o valor do portfolio

(carteira de títulos) da PETROS, valor esse calculado nos termos do

contrato (cláusula 9 e seus subitens – fls. 48), o que também é indicativo

que era a administração da carteira de títulos da PETRUS a obrigação

principal contratada.

19. É sintomático, também, que a cláusula 9.1 tenha aludido

a “remuneração por serviços prestados”, embora dentre as diversas

“obrigações” do OPPORTUNITY nem todas possam ser caracterizadas

como “serviço” (notadamente a disponibilização do acesso ao seu banco de

dados de pesquisa de análise de empresas). O emprego da expressão revela

menos uma impropriedade terminológica e mais um reconhecimento de

ambas as partes de que se estava a celebrar um contrato de prestação de

serviços, mais especificamente um contrato de administração de valores

mobiliários.

20. Desnecessário especular se as outras obrigações

pactuadas, dentre as quais a mencionada transferência de tecnologia (know

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how), eram relevantes ou constituíram simples pretexto para justificar o

valor da remuneração do OPPORTUNITY, como afirmado pela

embargante (fls. 1.358). Seja como for, é induvidoso que a administração

da carteira de ações da PETRUS foi a motivação e a finalidade do contrato.

E, com relação a esse ponto, o voto vencido observou, com

propriedade, que a administração de carteira de títulos é “atividade

dinâmica em que as operações são realizadas diariamente, não sendo usual

que as partes se vinculem por um longo período sem a possibilidade de se

desvincularem” (fls. 1.303). A previsão de resilição unilateral, mediante

aviso-prévio, constituiu salvaguarda ou garantia para a PETRUS, para que

essa, a qualquer momento, concluindo que o serviço de administração de

sua carteira de títulos não atendia adequadamente aos seus interesses,

desconstituísse a relação entre as partes. Essa a razão evidente para a

previsão da cláusula de resilição unilateral, com aplicabilidade desde o

início da avença.

Nem seria razoável que a embargante tivesse que submeter

sua carteira de títulos a uma administração que considerasse inadequada,

desvantajosa ou onerosa durante 36 meses para, só então, poder exercitar

sua faculdade de resilição.

A disponibilização do “banco de dados de pesquisa e análise

de empresas” do embargado ou o “treinamento especializado de

empregados credenciados” da embargante não justificariam a permanência

do contrato, contra a vontade da empresa contratante, porque aquelas

obrigações eram meramente acessórias em relação à obrigação principal: a

rentável administração da vultosa carteira de títulos da PETRUS.

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O mandato outorgado ao OPPORTUNITY

21. Observe-se que, para a administração do portfolio da

PETRUS, foi conferido mandato com amplíssimos poderes ao

OPPORTUNITY (cláusulas 5.5 e 5.6 – fls. 47). Também em relação a esse

aspecto, observou, com acerto, que a revogabilidade é da essência do

mandato, ainda mais em se tratando de mandato com poderes tão amplos,

que chegavam ao ponto de conferir ao mandatário a decisão final sobre a

política e a filosofia dos investimentos do portfolio da PETRUS. É o que se

extrai da cláusula 4.1 do contrato (fls. 45), que previu a criação de um

Comitê Executivo responsável pela decisão final acerca da filosofia e dos

investimentos do portfolio de renda variável da PETRUS, com a indicação

de três membros por cada um dos contratantes, mas conferindo ao

OPPORTUNITY o direito à indicação do Presidente, que teria direito a

voto de desempate.

22. O mandato, em linha de princípio, é contrato fundado na

fidúcia, na confiança depositada na figura do mandatário. Deixando de

haver essa confiança, deixa de existir a razão para o mandato. Nesse

sentido, o ensino de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito

Civil. Forense. 7ª ed. 1986. Vol. III, p. 287):

“O mandato não subsiste à cessação ou arrefecimento da confiança depositada no mandatário. Em qualquer tempo,

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pois, e sem necessidade de justificar a sua atitude, o mandante tem a faculdade de revogar ad nutum os poderes, e unilateralmente pôr termo ao contrato. É uma peculiaridade deste, que vai assentar na razão mesma da formação fiduciária do vínculo (Espínola), como ainda na liberdade, reconhecida ao comitente, de assumir a direção do negócio, ou confiá-lo a outro procurador, a seu puro aprazimento.”

Do mesmo teor a lição de Silvio Rodrigues (Direito Civil.

Saraiva. 20ª ed. 1991. Vol. 3, p. 310):

“O mandato, negócio baseado na confiança, só deve durar enquanto esta persiste. De modo que, em princípio, cabe ao mandante, a qualquer tempo e sem que precise justificar seu ato, a prerrogativa de revogar a procuração.”

Maria Helena Diniz, na mesma linha, ensina que o mandato

se extingue pela: “Revogação ‘ad nutum’ pelo mandante, total ou parcial,

expressa ou tácita, se cessar a confiança depositada no mandatário, ou se

não tiver mais interesse no negócio.” (Tratado Teórico e Prático dos

Contratos. Saraiva. 1993, Vol. 3, p. 262)

Não discrepa a lição do mestre Pontes de Miranda (Tratado

de Direito Privado. Tomo XXV, § 3.076, 4., p. 275):

O mandato pode ser revogado, a qualquer momento, pelo mandante. Não há direito de revogação; há poder fáctico de revogar: o mandato foi negócio que entrou no mundo jurídico, fazendo-se negócio jurídico; o sistema jurídico permite que o mandatário retire a voz, revogue, o que é ir ao

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suporte fáctico e, desde o momento da manifestação de vontade receptícia, destruir o negócio mesmo.

A previsão de irrevogabilidade do mandato

23. Não contraria tudo o que foi dito o fato de ter sido

previsto na cláusula 5.6, parte final, do “Contrato Operacional” que o

mandato outorgado ao OPPORTUNITY o era “em caráter irrevogável e

irretratável” (fls. 47). E por mais de uma razão. Em primeiro lugar, porque

a previsão de irrevogabilidade do mandato não interfere no direito de

resilição unilateral do “Contrato Operacional”, estabelecido na cláusula

distinta. Em segundo lugar, porque, se se entendesse que a previsão de

irrevogabilidade do mandato se refere ao “Contrato Operacional” como um

todo, a cláusula de irrevogabilidade teria de ser considerada ineficaz.

Desdobrem-se essas razões, para melhor compreensão da

questão.

O alcance da cláusula de irrevogabilidade do mandato

24. A cláusula de irrevogabilidade do mandato outorgado ao

OPPORTUNITY (prevista na cláusula 5.6 – fls. 47) em nada interfere com

a faculdade de resilição unilateral reservada às partes (prevista na cláusula

20.1.1 – fls. 53). A irrevogabilidade se refere apenas ao mandato, que é

contrato acessório ou instrumental em relação ao “Contrato Operacional”.

Já a resilição se refere ao próprio “Contrato Operacional”.

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A previsão de irrevogabilidade, portanto, significa que o

mandato não poderia ser revogado se e enquanto o “Contrato Operacional”

estivesse em vigor, por se tratar de instrumento necessário e, por isso,

inafastável para a execução da administração da carteira de títulos da

PETRUS. Não se conceberia a execução do serviço de administração da

carteira de títulos da embargante – pelo menos não na extensão prevista no

contrato – se não através de um mandato, que conferisse ao

OPPORTUNITY poderes para adquirir e alienar valores mobiliários e

praticar outros atos correlatos.

Mas isso não interferiria na possibilidade de resilição

unilateral do próprio “Contrato Operacional” como um todo, que vem

prevista em cláusula distinta (a cláusula 20.1.1). A resilição levaria, como

conseqüência, à revogação do mandato, que é contrato acessório ao

“Contrato Operacional”, por força do princípio de que “acessio cedit

principali”.

Esse o verdadeiro alcance da cláusula de irrevogabilidade

do mandato.

A relatividade da irrevogabilização do mandato

25. Não fosse essa a correta interpretação a ser dada à

cláusula de irrevogabilidade do mandato, a conclusão a que forçosamente

se chegaria seria de ineficácia da aludida cláusula. Isso porque a

irrevogabilidade é admissível apenas nos casos em que o elemento

fiduciário não existe. Com efeito, as hipóteses indicadas no art. 1.317 do

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Código Civil de 1916 são todas de mandatos outorgados para atender a

interesses diversos dos do mandante. Assim preleciona Silvio Rodrigues

(op. cit., p. 312):

“No contrato de mandato o interesse que habitualmente se procura proteger é o do mandante. Por isso é ele revogável ad nutum, ou seja, ao inteiro arbítrio do constituinte. Ora, se, ao contrário, se procura assegurar outro interesse que não o do mandante, desnaturando, dessa maneira, o contrato de mandato, é justo que se estipule a irrevogabilidade do mandato.”

Assim, também, o escólio de Arnoldo Wald (Obrigações e

Contratos. Revista dos Tribunais. 13ª ed. 1998, p. 458):

“Em síntese, podemos afirmar que a irrevogabilidade é absoluta, não permitindo a revogação, quando desapareceu o elemento fiduciário, e o direito na realidade foi transferido ao mandatário, sendo relativamente irrevogável, resolvendo-se a revogação eventualmente em perdas e danos, quando perdura o elemento fiduciário na relação do mandato.

Pontes de Miranda indica que a irrevogabilidade do

mandato é situação excepcional, que encontra sua razão de ser na proteção

do interesse do outorgado ou de terceiro (Tratado de Direito Privado.

Tomo XLIII, § 4.690, 2, p. 84):

Não há princípio absoluto de faculdade de irrevogabilização. Daí: a) haver poderes de

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representação a respeito dos quais é ineficaz a cláusula ou pacto posterior de irrevogabilidade, e. g., poderes institórios, ou se a irrevogabilidade seria ilícita ou impossível; b) ter de haver razão para se fazer irrevogável poder de representação, como ser no interesse do outorgado, e. g., procuração em causa própria, inclusive simples causa donandi (sem razão, A. VON TUHR, Die unwiderrufliche Vollmacht, 54), ou em comum; e. g., para administração de bem ou bens em condomínio ou para executar contrato em que têm de receber quotas o outorgante e o outorgado; ou haver interesse do próprio outorgante, o que é raro, e. g., para tornar possível execução de acordo com os credores, para garantia de alguma conclusão de negócio, ou de solução de dívida, ou para algum pormenor relativo à dívida (L. ROSENBERG, Stellvertretung im Prozess, 910), ou para cumprimento de lei (e. g., para fazer alguma comunicação que a lei exige).

No caso dos autos, o mandato foi outorgado como

instrumento para a prestação do serviço de administração do portfolio da

PETRUS. Ou seja, foi para atender a interesse exclusivo da PETRUS que o

mandato foi outorgado. Assim, não haveria razão ou justificativa para a

previsão, no presente caso, de irrevogabilidade do mandato, que teria de ser

considerada ineficaz.

26. E nem se diga que o OPPORTUNITY tinha interesse na

permanência da avença e que, por isso, se justificaria a irrevogabilidade do

mandato. O OPPORTUNITY tinha – é evidente – interesse econômico na

manutenção do “Contrato Operacional”, pois em razão dele obtinha

vantajosa remuneração pelos serviços que prestava. Mas não tinha interesse

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jurídico na manutenção do mandato, pois esse fora outorgado para a

administração da carteira de ações da PETRUS, no interesse exclusivo

dessa.

A antijuridicidade e imoralidade da renúncia ao direito de revogação

do mandato que envolva a administração de parte considerável do

patrimônio do outorgante

27. Na verdade, a idéia de que a embargante pudesse ter,

contra a sua vontade, parte considerável de seu patrimônio (representada

por sua carteira de títulos de renda variável) obrigatoriamente vinculada à

vontade do embargado (pelo prazo de 36 meses) não apenas é antijurídica,

mas refoge ao senso comum e se afigura imoral.

Na doutrina alemã – que também acolhe, em caráter

excepcional, a renúncia ao direito de revogação do mandato –, a situação

não escapou à reflexão de Ludwig Enneccerus (Tratado de Derecho Civil,

Tomo II, Derecho de Obligaciones, II, § 160 [§ 383], p. 333):

“A renúncia ao direito de revogação, quando se trata da administração de todo o patrimônio ou de uma parte considerável do mesmo, significa, com freqüência, uma submissão imoral à vontade do mandatário, havendo, então, de se considerar nula, mas é eficaz nos demais casos (se não media uma causa importante para a revogação).”

Não é aceitável que se impeça o titular dos bens do poder de

administrá-los pessoalmente, para possibilitar que terceiro o faça, com

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poderes praticamente absolutos, recebendo remuneração para tanto. A tanto

levaria a interpretação que, a pretexto de irrevogabilidade do mandato,

concluísse pela manutenção dos efeitos do “Contrato Operacional”. A

renúncia ao direito de revogação do mandato equivaleria, numa tal

situação, a privar o titular do patrimônio do poder de disposição sobre ele.

Inexistência de revogação tácita da denúncia

28. É equivocada a tese de que teria havido reconsideração

ou revogação do aviso-prévio, em razão da continuação da execução do

contrato após o esgotamento do respectivo prazo de noventa dias. O

princípio da proibição do venire contra factum proprium não é

legitimamente invocável nessa situação.

Com efeito, o prazo do aviso-prévio esgotou-se em

16.12.1997, mas os serviços continuaram a ser prestados até a data de

02.3.1998, quando, finalmente, cessaram todas as atividades do embargado.

Não se extrai daí, contudo, que tenha havido reconsideração ou revogação

do aviso-prévio. Tampouco se pode pretender extrair tal conseqüência da

correspondência trocada entre as partes, antes e depois do aviso-prévio

(fls. 129/138).

A resilição operou os seus efeitos automaticamente assim

que expirou o prazo de noventa dias previsto na cláusula 20.1.1, por força

dessa mesma disposição contratual, independentemente de qualquer

comportamento das partes. A continuação, de fato, da execução dos

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serviços e as manifestações epistolares das partes, não teriam o condão de

repristinar o contrato extinto.

A continuação dos serviços por parte do embargado, por

certo, lhe confere direito à remuneração correspondente, mas não porque

tenha sido mantido o contrato, mas porque, de fato, os serviços foram

prestados e, por força do imemorial princípio que veda o enriquecimento

sem causa (consagrado no art. 884 do novo Código Civil), não poderiam

deixar de ser remunerados.

As cartas trocadas pelas partes, antes e mesmo depois do

aviso-prévio, apenas denotam tratativas no sentido do não rompimento da

parceria entre as empresas. Nem de longe constituem reconhecimento,

ainda que tácito, de que o “Contrato Operacional” ainda estava em vigor.

Mesmo a manifestação constante da carta de fls. 136, que, enviada pela

embargante após o pré-aviso, fala, impropriamente, que “o contrato será

rescindido”, não tem o efeito que lhe pretende dar o embargado. Trata-se,

de mera impropriedade, nada mais do que isso. Afinal, conforme

estabelecia o art. 85 do Código Civil de 1916: “Nas declarações de vontade

se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.” Como

já mencionado, a resilição operou-se assim que esgotado o prazo do

pré-aviso, independentemente de qualquer ato ou manifestação. Assim, ad

argumentandum, o que poderia, quando muito, é ter surgido um novo

contrato de administração de valores imobiliários, de caráter verbal, sem

prazo determinado, mas não o prosseguimento do anterior contrato.

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A remuneração devida ao embargado pela prestação dos serviços após

a resilição do contrato

29. O voto vencido, em raciocínio coerente e cartesiano,

entendeu que, pelos serviços efetivamente prestados após expirado o prazo

do aviso-prévio, o OPPORTUNITY teria direito de receber remuneração,

mas não nos termos do contrato, porque este já se encontrava extinto e, por

isso, não poderia ser invocado, mas pelas taxas usuais de mercado. E assim

deve ser.

O contrato deixou de produzir efeitos após o esgotamento

do prazo do prévio-aviso, de modo que, a partir de então, não poderia ele

ser invocado como fundamento para o pagamento pelos serviços prestados.

Faz jus o OPPORTUNITY ao recebimento de remuneração pelos serviços

prestados a partir do término do prazo do aviso-prévio, mas com base no

princípio que veda o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil).

Correto o voto vencido, pois, ao indicar que a remuneração

pelos serviços prestados pelo embargado em relação a tal período deve

observar as taxas usuais de mercado.

A multa do art. 404, parágrafo único, do novo Código Civil

30. O acórdão recorrido impôs à embargante multa de 10%

com fundamento no art. 404, parágrafo único, do Código Civil vigente.

Não poderia tê-lo feito. E por mais de uma razão.

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Em primeiro lugar porque essa multa nem sequer foi pedida

pelo autor, ora embargado, na petição inicial. A única multa a que alude o

autor na inicial (fls. 20) é a que estaria prevista na cláusula 9º do contrato

(fls. 49). Violados, assim, estariam os princípios dispositivo e da adstrição

(ou congruência), insertos, respectivamente, nos artigos 128 e 460 do CPC.

Tampouco pediu o autor na apelação a condenação da ré ao

pagamento de verba dessa natureza. Afrontou o acórdão recorrido, então,

nesse ponto, o art. 515 do CPC.

Por fim, a verba em exame veio prevista no Código Civil

vigente, não aplicável ao caso, por ter sido o contrato celebrado na vigência

do Código Civil de 1916.

Mais não é necessário para que se constate a impropriedade

da condenação da ré, ora embargante, ao pagamento de verba com

fundamento no art. 404, parágrafo único, do Código Civil ora em vigor.

Conclusão

31. Pelas razões expostas, dá-se provimento aos embargos

infringentes e reforma-se o acórdão recorrido, para, nos limites do voto

vencido: a) estabelecer que, pelos serviços prestados pelo autor após o

término do prazo de aviso-prévio até 27.02.1998 (fls. 20, primeiro pedido),

a ré deverá pagar remuneração com base nas taxas usuais de mercado em

operações semelhantes, como apurado em liquidação; b) julgar

improcedente o pedido de lucros cessantes, correspondentes ao período de

02.3.1998 a 13.11.1999 (fls. 20, segundo pedido); c) excluir a condenação

da ré ao pagamento da multa de 10% (dez por cento) sobre o montante

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apurado. Em conseqüência, reconhece-se a sucumbência recíproca, nos

termos do voto vencido (fls. 1.305).

Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2007.

DES. ANDRÉ ANDRADE

RELATOR