Tribo Fu #1

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TRIBO FU

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editorial Um cineasta, uma estudante da história e outra das artes são os atores que recortam este filme. Filme de Festival, Cine PE. Tessituras construídas sobre o que nos atravessou, a partir de certas negociações, mediações e escolhas do que iríamos dixavar. Sem tantas pretensões megalomaníacas como as chuvas, buscamos mesmo foram os ventos. Os redemoinhos que nos prendesse ou repelisse. E tal como os movimentos do ar, escoamos esta edição piloto da Revista Tribo Fu. Tribo o quê? Fu. Para além do significante, o fonema do sopro: fffu. Dos ares do Festival pulsaram artérias e onde o oxigênio bateu mais forte fez sair o enxerto dessa revista. Até que nem tão esotérica assim, Jucélio Matos, Lorena Taulla e Paula Frassinetti l autores edição #1 recife, maio de 2011

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TRIBO

FU

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editorial Um cineasta, uma estudante da história e outra das

artes são os atores que recortam este filme. Filme de Festival, Cine PE.

Tessituras construídas sobre o que nos atravessou, a partir de certas negociações, mediações e escolhas do que

iríamos dixavar.

Sem tantas pretensões megalomaníacas como as chuvas, buscamos mesmo foram os ventos. Os redemoinhos que nos prendesse ou repelisse. E tal como os movimentos

do ar, escoamos esta edição piloto da Revista Tribo Fu. Tribo o quê? Fu. Para além do significante, o fonema do sopro:

fffu.

Dos ares do Festival pulsaram artérias e onde o oxigênio bateu mais forte fez sair o enxerto dessa revista.

Até que nem tão esotérica assim,

Jucélio Matos, Lorena Taulla e Paula Frassinetti l autores

edição #1 recife, maio de 2011

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QUESTÃO DE LÓGICA

A crítica é chata e o público ingênuo. A obra é a verdade e a crítica ingênua. O público é a verdade e a crítica chata. A

crítica é ingênua e a obra é chata.

Assinale a alternativa que julgar correta:

a) a crítica é ingênua e o público é chato

b) o público é a verdade e a crítica é chata

c) a obra é chata e o público é ingênuo

d) a crítica é a verdade e o público chato

e) a obra é a verdade e o público ingênuo

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DIÁRIO DE UM ATOR, Direção: Cadu Pereira Por Paula Frassinetti

Atuar? É a tua!

Oh vida, oh céus, oh azar Oito minutos e trinta segundos

Pra que danado foi atuar? Quem sabe até domina o mundo

Com essa graça no falar Nunca vi mais imundo

Oito palavrões parei de contar Então esse poema vagabundo

Pra não ter que esculachar.

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DIÁRIO DE UM ATOR, Direção: Cadu Pereira Por Jucélio Matos

- Página preta com letras brancas.

WTF? o.O

- - Que público eu quero ter? – Pergunta-se o constrangido festival.

* What that fuck?

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TEMPO DE CRIANÇA, Direção: Wagner Novais CAFÉ AURORA, Direção: Pablo Polo Por Jucélio Matos

É certo o que se tem falado sobre onde está locado, na produção brasileira, as principais discussões acerca das fronteiras do cinema contemporâneo – nos documentários. Porém, há de se observar que a grande massa documental, ainda com seus tradicionalismos e soluções genéricas, domina a programação da maioria dos festivais nacionais. O público parece ainda não ter dissociado o filme sobre um personagem marcante, que geralmente o faz rir, do documentário que avança limites e empurra o cinema para novos horizontes. Não que estes sejam fatores indissociáveis.

Já no campo das ficções, o panorama parece ser outro. Mesmo com resistentes exibições de filmes de baixa qualidade e apelo popular, podemos acompanhar uma abertura para obras de maior impacto visual, sensorial e de maior vigor narrativo. O chamado cinema pós-industrial, termo cunhado pelo pesquisador Cezar Migliorin. Filmes onde o tempo se torna abrangente, o pensamento vigente, e o sensorial exubera. A tamanha presença destas obras em festivais como o Cine PE seria impensável há alguns anos. Nesta direção, dois

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curtas-metragem exibidos no mesmo dia: Tempo de criança e Café Aurora.

O curta-metragem carioca Tempo de criança nos fornece de maneira poética a vida de uma menina que se vê responsável pela casa e pela irmã mais nova quando a mãe não está presente. Wagner Novais, roteirista e diretor, realiza um bom trabalho. As atrizes mirins estão excelentes com seus naturais gestos e maneirismos. Vale ressaltar também a cuidadosa direção de arte de Manaíra Carneiro. O filme é lindo e bem cuidado em todos os aspectos.

Por sua vez, Café Aurora, curta-metragem pernambucano dirigido por Pablo Polo, é mais uma obra com uma grande direção. E com um roteiro de embelezamento gradativo, nos revela dois personagens que vivenciam diferenciadas sensações e se encontram. Sensações estas que se refletem na percepção temporal do filme e que transmitem uma sensorialidade descomunal. A sinopse do filme traz: “... Um mundo em que as palavras valem menos do que a percepção”, e que pode ser a resolução de toda essa discussão, o parâmetro para as ficções de um novo tempo.

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Não julgar falso testemunho

Por Paula Frassinetti

Verbete Capital social: poder simbólico relativo a rede social do indivíduo, sendo elemento contribuinte para o seu acesso a certos espaços culturais, por exemplo.

Vamos fazer uma ação

28 de abril, quinta-feira, 19h e uns quebrados.

Finalmente chega a hora de entrar naquele bendito cinema. Festival do audiovisual e nosso caminho de escrever algumas percepções sobre o que se põe a mostra.

Oa, eu só sei que na hora de pegar o ingresso, mal botei a mão no buraco e a moça da bilheteria foi colocando para fora uma placa grande, preta e pontiaguda. Depois do susto medonho pude ouvir quando a fofa falou pela

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segunda vez, vendo minha transfiguração incrédula diante do objeto: ESGOTADO!

Não, pensei. Vai ter um jeito. Na fila de entrada, que corria escadaria abaixo, me pus a esperar. Perto de entrar concluí que mesmo que ficasse de fora escreveria algo sobre o ocorrido. Drama dos barrados no baile.

Entrada: ops, cadê meu bilhete? Ai... é que perdi meu bilhete... sério, confundi os ‘papeizinhux’.

- olha, é que... Pode faltar lugar e...

- Tudo bem, fico quieta num canto lá dentro.

Mas não é que mesmo com meu pecado tenebroso consumado ainda sobraram lugares vazios no cinema?

Entre especulações sobre os fulanos ausentes e suas poltronas presentes nem senti o peso da mea culpa 1.

1 Termo latino de recorrente uso cristão. Por exemplo, o ato

de contrição: “Por minha culpa, minha tão grande culpa!”.

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CÉU, INFERNO E OUTRAS PARTES DO CORPO, Direção: Rodrigo John.

Por Jucélio Matos

A animação de Rodrigo John (oi? Rodrigo João?) conta a estória de um cão tentando lidar com o fim de um relacionamento.

Realizado em 2D, com um traçado mais rústico (voltando a ser tendência), o filme põe em foco um personagem em seu “mundo cão”. Bombardeado pela sociedade facínora na qual vive, com o seu terno, gravata e maleta executiva, se sente necessitado a abandonar seu coração e cérebro para enfrentá-lo, na batalha do dia-a-dia (vulgo labuta do pobre).

Esta análise diáfana que o filme faz do homem e da sociedade contemporânea pode ser comparada a do mestre tcheco da animação Jan Svankmajer, com a natural desfragmentação de si e pelo capitalismo antropofágico que é sempre sublinhado na ação dos personagens (uia, que inteligente). Contudo, “Céu, inferno e outras partes do corpo” segue uma linha de leveza e comicidade, bem mais atrativa ao público da maioria dos festivais brasileiros. Svankmajer diria: “Non non non, borbinho, quiero mas melancohia”.

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AEROPORTO, Direção: Marcelo Pedroso.

Por Jucélio Matos

Percorri alguns rios até alcançar o vale dos Jilderads 2. Seres pequeninos e exuberantes. Me fascinei ao conhecê-

los há alguns anos em uma conferência antropológica. São o espelho tribal-futurista da nossa civilização. É deslumbrante como Ferdinand Solé

3 conseguiu encontrar o grande desejo

sapiensiano, de união dos sucessos do pretérito com os desejos para o futuro – sem imperativos, em uma civilização que só se permitiu ser descoberta no século XXI.

Logo nos dias iniciais, fui arrematado por um interesse atroz pelo outro. No entanto, a inquietação não me surgia pela descoberta do novo, pelo fascínio que seus exotismos sociais pudessem oferecer. O eldorado que resplandeceu em meu olhar se delineou nas similaridades que aqueles seres, de não mais que 20 cm de altura, tinham comigo. Assim passei a perceber como estive sempre em busca do outro para achar a mim mesmo. E nos poucos dias que acompanhei aquela tribo, teci grandes laços afetivos. Hoje recordo com carinho e reconhecimento, mesmo aqueles com quem não obtive um estreitamento de relações. É estranho, mas me parecem seres com os quais não se faz necessário o compartilhamento de inúmeros momentos juntos para afirmar que os conhece – Partindo do

2 Jilderads: civilização que gosta de comer farofa. 3 Ferdinand Solé: historiador que descobriu os Jilderads.

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pressuposto que sejas uma pessoa que convivas sinceramente consigo mesmo.

O registro se tornou um dos focos do meu trabalho exploratório, mesmo com a velha civilização já tendo bastante acesso a imagens dos nossos novos amigos. Fiz fotografias, coletei sons do ambiente e depoimentos de alguns dos Jilds (como passei a chamá-los). Cavina, com o seu tom despojado, Rimely e o seu pronome possessivo e Trotin com a sua espiritualidade latente me despertaram o desejo por registrá-los a meu modo e apresentá-los ao mundo através da minha grande angular retiniana. E se me for necessário utilizar de meios narrativos subjugados para lançar a emoção do encontro com eles – comigo mesmo – a todos vocês, utilizarei. Música também faz bem aos olhos.

Nos últimos dias de minha estadia, tive a oportunidade única de conhecer o ancião dos Jilds. Aquele que nunca sai da cabana, o mestre dos magos, líder espiritual da tribo. Ele me contou algumas lendas, me preveniu de alguns problemas de saúde do corpo físico e, por fim, com um sábio sorriso jovial me disse: “Os homens do outro mundo são iguais aos homens deste mundo, filho. E esse reconhecimento de emoções é o que fará a lágrima estar eternamente ligada ao sorriso”.

Assim, pude partir.

*Jucélio Matos nunca esteve no vale dos Jilderads. Não foi além do Aeroporto. E sonhou através dos que lá estiveram.

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PALAVRA PLÁSTICA, Direção: Léo Falcão

Por Lorena Taulla

O documentário “Palavra Plástica” foi produzido a partir da exposição Carlos Pena Filho – 50 Anos de Memória realizada no Santander Cultural. Em meio a um acervo que apresentou aspectos da vida particular do poeta e sua relação com a cidade do Recife, 20 artistas foram convidados para participar da mostra. Cada artista recebeu um poema de Pena Filho que pudesse inspirar a criação de 20 trabalhos exclusivos. Para registrar os bastidores da criação das obras, foi convidado o cineasta Léo Falcão.

O resultado não é apenas um registro audiovisual do processo de releituras e apropriações feitas pelos artistas dos poemas do poeta. O olhar do cineasta culmina em uma narrativa poética e híbrida: que põe em diálogo o cinema com outras artes, neste caso as artes plásticas.

“(...) para descrever o trabalho de um poeta é preciso fazer poesia”.

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Como afirma Rogério Luz “Há muitas maneiras de contar histórias e muitas e diferentes histórias a serem contadas, justamente porque o modo de contar afeta o sentido mesmo da história contada” 4. O documentário de Léo Falcão não se pretende a narração de uma longa trajetória biográfica ou um relato exaustivo sobre a produção poética de Carlos Pena Filho.

Na primeira cena um personagem entra em uma sala de cinema e liga um antigo projetor. O som do aparelho e a projeção de imagens antigas e desgastadas simbolizam o esforço de emergir histórias passadas, registros e lembranças.

Contudo, embora carregue aspectos de uma narrativa historiográfica, em seu início, “Palavra Plástica” toma outro rumo e pequenas obras visuais são apresentadas em seqüência e envolvidas em uma profusão de sentimentos e releituras da poesia de Carlos Pena Filho.

O documentário é tecido a partir de um fluxo de memória e uma tentativa de empregar novos sentidos a obra do poeta em um exercício coletivo de subjetividade, entre Léo Falcão e os artistas participantes da mostra.

Léo Falcão compõe pequenas histórias, imprime novos sentidos ao trabalho não só de Carlos Pena Filho, mas, também, dos artistas convidados da mostra. Uma multiplicidade de pontos de vista constitui o curta “Palavra Plástica”.

4 LUZ, Rogerio. A construção da narrativa. In: BENTES, Ivana (Org.). Ecos do Cinema: de Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007, p. 34.

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PALAVRA PLÁSTICA, Direção: Leo Falcão

Por Paula Frassinetti

Gostasse? Gostei. Me diz quanto foi

Se todo vídeo fosse poesia

Fizesse palavra dançar Ai de mim que não saberia

Como surge o encantar É na escolha da fantasia

Que reside o transformar Se não, era tela vazia Sem nada pra rimar Tudo seria maestria A arte em seu lugar

Sabe quando algo não sacia É aí que ela está

Não na resposta macia Mas no atrito do olhar

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VOU ESTRAÇAIÁ, Direção: Tiago Leitão. O CONTADOR DE FILMES, Direção: Elinaldo Rodrigues. BRAXÍLIA, Direção: Danyella Proença. AS AVENTURAS DE PAULO BRUSCKY, Direção: Gabriel Mascaro

O Documentário da pessoalidade

Por Jucélio Matos

Filmes sobre alguém. Diretriz comum entre os documentaristas. Construir uma narrativa acerca de um indivíduo, seja ele “extraordinário” ou “ordinário”. Mas quais os reais significados destas adjetivações? O que move a vontade de um cineasta em retratar o viver de uma pessoa?

Vou estraçaiá (curta-metragem - PE) é um filme que mostra a trajetória de vida do boxeador “Todo duro”. Dirigido por Tiago Leitão, utiliza o humor advindo da irreverência natural do personagem. Com uma montagem dinâmica, que acompanha o dinamismo de todo duro, o filme se abstém de ressaltar a decadência do protagonista. Revela ao público, em curta passagem, de maneira quase reconfortante pela presença e auxílio de sua filha, que estuda e o ajuda nos fazeres diários.

Já O contador de filmes (curta-metragem - PB), dirigido por Elinaldo Rodrigues, escolhe por trazer um homem “ordinário” à tela: Ivan Cineminha, cinéfilo que anota e memoriza informações sobre todos os filmes que

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assistiu. Não é incomum curtas-metragem documentais sobre tipos pitorescos de culturas cinematográficas regionais. O que faz com que o filme também se torne “ordinário”.

Braxília(curta-metragem - DF), dirigido por Danyella Proença, documenta o poeta Nicolas Behr. É um filme que escolhe um personagem instruído, de bom falar e charmoso, e que se sobressai dentro da fórmula do documentário de personagem. Isto, através de imagens soltas, que intercalam com as entrevistas. Estas imagens são inventivas e intervencionais, realizadas em parceria com o poeta.

Atentando-se às possibilidades de explorações experimentais dentro de um paradigma, observa-se As aventuras de Paulo Brusky (curta-metragem - PE). O filme utiliza o padrão dos documentários sobre artistas plásticos o modificando em uma exploração virtual. O diretor Gabriel Mascaro acolhe a característica do seu personagem e a transfere para o filme. Paulo Brusky é um artista plástico consagrado pela criação artística em suportes tecnológicos. Assim, Mascaro o leva ao seconde life, ficcionalizando o seu encontro, que resulta no acordo da feitura do documentário que vemos a seguir. Exímia escolha de direção.

Talvez o que leve alguém a querer contar a estória de um outro alguém seja o interesse que as personalidades possam despertar no público, em conseqüência do interesse já despertado no artista. Outros, escolhem o sabor pela linguagem, ampliando a gama de possibilidades e de sucessos.

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A CASA DA VÓ NEYDE, Direção por Caio Cavechini CASA 9, Direção: Luiz Carlos Lacerda

O pessoal documentário

Por Jucélio Matos

Uma afirmativa que geralmente é acompanhada com tom de gratificação é a de que alguns documentários estão intrinsecamente ligados aos seus autores. Que apenas eles seriam capazes de realizar. Exemplos destes são o paulista “A casa da vó Neyde” e o carioca “Casa 9”.

O curta-metragem “A casa da vó Neyde”, documentário dirigido por Caio Cavechini, nos mostra a presença do crack na família do autor. Este, escolhe delinear o filme através da relação entre o dependente da droga e o seu possível processo de cura, com a sua mãe (a vó Neyde). Tio e avó de Caio, eles se desnudam diante da câmera de uma maneira que certamente só foi possível pelas pessoas que estão atrás da retiniana maquinal. A narrativa é conduzida pela narração do autor que nos apresenta os personagens, e o ambiente no qual acompanhou a família ao passar dos anos (a casa da vó Neyde), até alcançar a visceralidade de seu íntimo. A exposição máxima do autor se faz em sua ausência, quando ele escolhe deixar a câmera com outra pessoa por não querer presenciar o tio se drogando. A única carência do filme é em seu ponto final, onde com um melhor

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apuro de montagem, ou mesmo com uma escolha diferenciada, poderia ser majestoso. De qualquer forma, é de se esperar que o filme tenha uma boa carreira pelos festivais depois desta primeira exibição pública.

Outra obra que transmuta o âmbito pessoal do autor é o longa-metragem “Casa 9”, documentário dirigido por Luiz Carlos Lacerda. Apesar de não alcançar uma intimidade pungente como no filme descrito anteriormente, o longa é focado nas estórias que se passavam na casa 9, nos anos 70, onde à época morou o autor do filme. Uma casa de vila que era ponto de encontro e de vivências de inúmeros artistas que hoje estão no panteão da cultura brasileira. Com uma temática atrativa, carregada de toda a áurea da década de 1970, e erguido pelo dispositivo da memória, o filme explora também belas imagens de arquivo. Acompanhamos grandes estórias vivenciadas com grandes personagens. E todos apreciamos ouvir boas estórias.

Em contrapartida, observamos uma fotografia e uma direção que deixam a desejar. Por vezes acompanhamos uma câmera descuidada, por vezes vemos a insistência da direção por movimentos ensaiados (mal ensaiados). Luiz Carlos Lacerda escolhe contar essa estória – a sua estória, através de um didatismo, situado entre falas e imagens, que segue constante durante os 71 minutos de filme. Uma escolha não satisfatória em um filme mal lapidado. Infelizmente.

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SOLAR DOS PRÍNCIPES, Direção: Bruno Mendes e Henrique Eduardo

Por Paula Frassinetti

Arte pedagógica ilustrando o jogo de poder relativo à produção

artística audiovisual. Crítica ao olhar pseudo artístico perseguidor do exotismo estético: o negro na

favela, o quarto sem janela, a parede de papel, a panela

amassada. Então a juventude da Aurora Filmes pergunta: quem vai contemplar e se emocionar com a

mesa farta dos príncipes de condomínios? Ninguém, porque não é permitido mostrá-los, eles

não são exóticos o suficiente.

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Por Jucélio Matos

De: [email protected]

Para: [email protected]

Assunto: Bob Lester, ...

Bob,

Estou me aventurando nesta coisa de internet. Mandando o meu primeiro e-mail. A Dalva está me ajudando... Assisti ao filme sobre você ontem, no festival do Cine PE. Me deu saudade da nossa jogatina mulherenga. A Dalva está rindo aqui e me chamando de safado. Mas olha, estou escrevendo para parabenizar sobre o filme.

A Hanna Godoy o apresentou antes da exibição. Nunca tentou nada com ela? (Risos) e disse que o filme esteve no festival internacional de curtas metragens do Rio. Rapaz... estás internacional, é? Oxi. (Risos).

E o homem que faz você?* Ele está bem bom. Nem parece com aqueles atores ruins de televisão. Cinema deve fazer bem para a alma dos atores, não é? A Hanna Utilizou coisas de arquivo para dar verdade... Reparei. Já a Dalva adorou os desenhos que passaram... Achou bacana.

E o que falar da parte no fim? Da dança. Foi o destaque, rapaz. Essa menina devia fazer um desses musicais que fazem. Tu dançando, com aquele super som, com a super luz, com a super mudança de imagens. Foi lindo. Morri de saudade. Estou gostando mais de cinema, eu acho.

Abraço, meu velho.

Ton

*Stenio Garcia

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CACHOEIRA, Direção: Sérgio José Andrade Por Jucélio Matos Recebido às 09:20 horas. Manuela Matos

Desconhecido Preâmbulo pbst stg 55432 55 4072 São Paulo - SP Oi, linda. Filme sobre nosso espanto com a geração que vem vindo. Nossa rebeldia era tão diferente. Não havia essa adoração negra, tanta bebida, melancolia, morte ritualística. Ah, quase esqueci: o filme põe isso como proposição indígena. Aconteceu, de fato. E alguns achariam mais atrativo “emos” tupiniquins, não é, querida? A mim não. Nos vemos em breve nos portões celestes. João

MATINTA, Direção: Fernando Segtowick Por Jucélio Matos Recebido às 17:00 horas. João Matos

São Paulo – SP Preâmbulo sbtd pbo 55486 67 8136 Não identificado Oi nêgo. Aqui tá calmo. Paz. Paciência com as crianças, homem. Observei antes de vir o paraense “matinta”, de Fernando Segtowick. Sobre lenda amazônica. A direção não satisfaz, assim como as atuações, salvo a Dira Paz. Exotismos parecem obscurecer a visão crítica dos seres. Obatalá!

Manu.

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As Aventuras de Paulo Bruscky Por Lorena Taulla “O que parece estar em jogo pelas poéticas tecnológicas da contemporaneidade não é somente o processo dialógico, interativo, co-autoral e coletivo possibilitado pelas mídias digitais, mas também essa dimensão ontológica que repensa a natureza do ser humano, do corpo humano e da própria vida” (Priscila Arantes) 5

Paulo Bruscky é um artista pernambucano que na década de 1960 e 1970, construiu sua trajetória de trabalho guiado por uma concepção de arte conceitual – que genericamente, prioriza o conceito ou a atividade mental em detrimento do resultado formal da obra. Esta concepção de arte coloca em segundo plano as questões técnicas e de habilidade do artista. Na construção física do projeto idealizado, o artista poderá delegar às mãos mais habilidosas a tarefa de materialização trabalho.

A arte conceitual por está ligada a operações mentais e a linguagem, relaciona-se intrinsecamente a comunicação. Partindo destes pressupostos, Bruscky se apropria de meios de comunicação de massa, impressos ou tecnológicos, para a realização de seus trabalhos. O artista desloca a mensagem para o plano central da obra visto que a idéia recebe lugar de destaque.

5 ARANTES, Priscila. @arte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Editora SESC São Paulo, 2005, p. 134.

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Em seus trabalhos com Fax Arte, por exemplo, “O artista acredita que o fax seja o ápice do processo de desmaterialização. Por esse meio, apenas a mensagem viaja e se materializa no aparelho do receptor” 6. Sua obra caminha lado a lado com um movimento que pensa a arte enquanto processo e experimentação em diversas linguagens e suportes.

As Aventuras de Paulo Bruscky segue esta mesma verve conceitual. O curta são as experiências do artista em uma plataforma virtual e tridimensional chamada Second Life 7 – um simulador da realidade e de situações em sociedade. Em co-autoria com o diretor Gabriel Mascaro surge este documentário que expande as possibilidades formais e tradicionais do cinema.

No início do século XX, artistas iniciaram um diálogo mais sistemático entre arte e tecnologia 8, os avanços da industrialização e as novas descobertas da ciência se tornaram um espaço fértil para o campo da arte.

A narrativa e as imagens do curta são extraídas da participação de Bruscky no próprio jogo. Ele seleciona as situações e lugares que deseja interagir vivenciando de fato uma aventura virtual. É um trabalho híbrido que confronta o cinema com novas mídias e torna-se fugidio caso se deseje classificá-lo.

6 TEJO, Cristiana. Paulo Bruscky: arte em todos os sentidos = Paulo Bruscky: El arte en todos los sentidos. Recife: Zoludesign, 2009, p. 12. 7 Website do jogo pode ser acessado através do endereço: http://www.secondlife.com. 8 ARANTES, Priscila. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: SENAC São Paulo, 2005, p. 37.

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1:21; Vodka Por Paula Frassinetti

Como numa fita de moebius9, não se conhecem o início ou o

fim. Roteiros não lineares que estruturam o descaminho, como em looping.

Em 1:21 aparece o ‘olho que tudo vê’, a imagem percorre o olho do personagem, conta uma história e volta, depois é de um buraco de fechadura que a câmera enxerga, o tempo todo rumando via um olhar onisciente.

Surpresa de Vodka, doce enjoativo. Há a sensação de que o roteiro foi mesmo feito para confundir. Quem dirige quem?

Sonhar que está sonhando é um fenômeno inconsciente que faz questionar onde e quando se está consciente, presente na realidade, mas qual? Os dois curtas colocam o espectador nessa espécie de vertigem.

9 Uma fita de Moebius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta numa delas. Deve o seu nome a August Ferdinand Möbius, que a estudou em 1858.

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Passo a passo: construa sua própria Fita de Moebius!

1. Corte uma tira de papel 2. Torça a fita e cole as pontas 3. Reflita

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Revisão do tempo Recife rio, o filme Por Paula Frassinetti

O festival recebeu uma intervenção performática do clima. Justamente na semana do Cine PE, o céu do Recife deságua sobre nós. Trovões tremendos, raios holofotes que clareavam as noites e ela, a água. Toda ela.

Era na madrugada que o pingo piava nas ruas alagadas e desérticas. Bolos de gente se amassavam nos ônibus e outros lutavam por táxis para retornar ao lar.

No final das noites, saíamos da sala de exibição para ver uma cena que mais parecia devaneio fictício: uma surra violenta de água no concreto. Silêncio de automóveis, apenas o som particular da água caindo na lama, nas coloridas sombrinhas e em nós.

Mas os boatos que correram não foram silenciosos... alardes e temores alertaram sobre a maior chuva do ano (isso, vamos bater o recorde com essa chuva, assim como já temos o maior shopping, a maior avenida em linha reta, o maior bloco de rua, a mais antiga sinagoga); quem sabe a maior chuva da América Latina!

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Contrariando as expectativas, tivemos um dia de sol. Um desconfiado, úmido e ensolarado dia. Tão úmido que interferiu na cabine de projeção do Festival. O filme “estamos juntos” do diretor Toni Venturi foi transferido para ser exibido no dia seguinte, a quinta-feira. Iria assisti-lo não fosse o clímax da tensão com a chuva, ocorrido a partir do final da tarde deste dia: “A BARRAGEM VAI ESTOURAR!”.

As universidades mandaram todos para casa, as empresas, o comércio e o trânsito, este engessou. Das 17h às 21h os automóveis brincaram de estátua nas pistas. BA-ta-ti-nha fri-ta umdoistrês!!! O sinal abria e fechava e nada acontecia. Gostaria muito de saber dos heróicos que conseguiram chegar ao Cine PE nesta tal quinta-feira. Chegado leitor, se você atuou nesse outro filme, me conta:

[email protected].

Parcial da história: A Grande Chuva foi prevista para acontecer por volta da meia noite. Às 00:03 começou o que é possível identificar como mini prévia flash: um chuvisco.

00:30, estiou.

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