Trecho do livro "Almanaque das drogas 2ª edição"

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ApresentaçãoPor que este livro?

Fumar maconha causa impulsos assassinos. Crack na gravidez de-forma os bebês. O ecstasy mata neurônios. O óxi existe. Maconha nunca faz mal. Você já deve ter ouvido pelo menos alguma dessas afirmações. É tudo mentira.

Falar sobre drogas é um tabu. Debates e opiniões sobre o assunto, quando aparecem, vêm cheios de paixão, de fanatismo – a favor ou contra. Então não é de se admirar que o terreno seja tão fértil para essas histórias mal contadas, lendas e mitos. Raramente, as informa-ções vão além do óbvio: usar drogas pode ser perigoso. Isso é verda-de, mas ignorar o resto só aumenta esse risco. E somos muito, muito ignorantes sobre drogas, apesar de elas estarem em todo lugar.

Pare para pensar: quantas pessoas você conhece que não con-somem nenhum tipo de droga, nem sequer um cafezinho? Poucas, provavelmente. Afinal, usar substâncias para mudar o comporta-mento e a percepção é um traço cultural provavelmente tão antigo quanto o próprio ser humano. Não adianta fingir que não é assim.

As drogas estão aí há milênios – e parece que vão continuar. O que nos resta, então, é conhecê-las melhor e, quem sabe, lidar me-lhor com a questão. Para isso, é preciso falar de frente sobre o assun-to, sem moralismo, sem sensacionalismo, sem demagogia e outros “vícios” que dificultam a compreensão das coisas.

Esse é o objetivo deste livro. Ele não quer incentivar nem demo-nizar o uso de substâncias psicoativas, não quer defender a legaliza-ção nem a proibição de nada. Quer apenas desmistificar as drogas, oferecer informações sobre elas e ajudar o leitor a tirar suas próprias conclusões sobre o assunto. Quem sabe assim as mentiras não se espalhem tanto.

Tarso Araujo

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O básico• O que são as drogas

• De onde elas vêm

• Que efeitos podem ter

• Como são usadas e controladas

Droga psicoativa, natural, lícita, estimulante. Para começar, você saberia o que é e como classificar um cafezinho?

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Em busca de uma definiçãoSe você perguntar por aí “o que é droga?”, as pessoas provavelmente

vão lhe responder com exemplos, em vez de critérios. E as substâncias

citadas vão mudar bastante a cada resposta. A maioria liga o termo

à maconha, ao crack, à cocaína, ao lança-perfume. Ou seja, enten-

de que drogas são coisas proibidas. Uma parte menor das pessoas

também usa a palavra para o álcool e o tabaco, porque considera que

droga é “aquilo que faz mal” ou que mexe com nosso cérebro. Apenas

médicos e farmacêuticos, geralmente, vão chamar a Aspirina® de dro-

ga. Não é à toa que cada um pensa de um jeito: o conceito realmente

é vago e admite todas essas interpretações. Mas, como essa palavra vai

aparecer ao longo de todo o livro, vamos explorar melhor e logo de

início seus possíveis significados.

A definição mais ampla, fornecida por farmacologistas, considera

droga “qualquer substância capaz de alterar o funcionamento nor-

mal de um organismo”. É a interpretação mais semelhante à dos gre-

gos antigos, que usavam a palavra phármakon tanto para remédio

como para veneno. Eles entendiam que nenhuma substância é boa

ou má em si. O uso que se faz dela é que ditará suas consequências.

Essa interpretação considera que maconha e cocaína são drogas, da

mesma forma que Aspirina® e até aquele chá de camomila que você

bebe para dormir melhor.

As pessoas que não chamam de droga os remédios convencio-

nais de farmácia, mas incluem a cafeína, entendem que droga é

“qualquer substância que dá barato”. Essa definição corresponde,

tecnicamente, a um grupo mais específico de drogas, chamadas

de psicotrópicas ou psicoativas. A Organização Mundial da Saúde

(OMS) as define como substâncias “que afetam a mente e os pro-

cessos mentais” em seu Glossário de Álcool e Drogas. Repare que,

apesar de ser uma autoridade no assunto, a própria organização se

contradiz: segundo a definição do verbete no documento, o álcool

é uma droga psicotrópica; no título, porém, ela emprega um “e”, su-

gerindo que o álcool pertence à outra classe de substâncias, e não

à das drogas. Como você pode ver, a ambiguidade no uso dessa

palavra não é exclusividade dos leigos.

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O grupo de pessoas que não considera o álcool como droga adota

a interpretação mais restritiva da palavra, ou seja, de que drogas são

substâncias psicotrópicas e proibidas. Esse é o significado da palavra

no contexto internacional de controle de drogas. Ele ganhou força a

partir de tratados da ONU de 1961 e 1971, os quais visavam controlar a

distribuição e a produção de mais de cem substâncias e proibir cerca

de metade delas. Apesar de o acordo de 1971 ter recebido o título Con-

venção sobre Substâncias Psicotrópicas, álcool, tabaco e cafeína não

são sequer citados no documento, o que fortaleceu o uso da palavra

droga apenas para aquelas que são proibidas. O estigma criado em

torno de tudo que é ilícito também explica por que algumas pesso-

as consideramos que, conforme valores culturais e morais foram se

aderindo ao vocábulo, em português ele chegou a tornar-se mesmo

sinônimo de “coisa ruim ou sem valor”, como está no dicionário.

A palavra “narcótico” seguiu o mesmo caminho. Ela vem do grego,

narkotikos, aquilo que adormece. Pelo menos desde o século 14, ela

era usada por médicos para se referir apenas às substâncias opioides,

conhecidas há milênios pela capacidade de anestesiar seus usuários.

Como essas substâncias eram o foco das primeiras leis nacionais e

internacionais sobre controle de drogas, no início do século 20, o

termo narcótico passou a ser usado pouco a pouco para qualquer

substância proibida, bem como seus sinônimos “entorpecente” e

“estupefaciente”. Até a cocaína, que não deixa ninguém dormir, mas

constava naquelas leis, passou a ser chamada de narcótico. Em 1961,

o primeiro tratado da ONU sobre psicotrópicos foi batizado de Con-

venção Única sobre Drogas Narcóticas. Vivas, as línguas continuam

evoluindo, e hoje, em toda a América de língua espanhola, “narco” é

a palavra corrente para traficante.

Neste livro, vamos usar a palavra “droga” como sinônimo de dro-

ga psicoativa, isto é, aquela capaz de causar alterações de compor-

tamento e/ou percepção, independentemente de seu status legal.

E essas serão as drogas que vamos abordar. Logo, não vamos falar

de aspirinas e de anabolizantes esteroides, porque, apesar de serem

drogas no sentido mais amplo do termo e de algumas pessoas con-

sumirem essas substâncias de forma inadequada, elas não produ-

zem alterações de comportamento ou de percepção. Mas vamos fa-

lar de álcool, de tabaco e de cafeína. Primeiro, porque são as drogas

mais consumidas do mundo, e seria um desperdício não falarmos do

impacto disso para a saúde. Depois, porque o fato de essas drogas

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serem vendidas legalmente na maioria dos países não tem a ver com

suas propriedades em si. Elas são proibidas ou não por causa de cir-

cunstâncias históricas e geográficas, e as leis que determinam esse

status têm critérios de classificação inconsistentes e pouco claros,

como veremos a seguir.

Agora que temos uma definição de droga, vamos ver algumas

classificações possíveis para essas substâncias e definir alguns outros

termos que vão ser importantes para a leitura do livro.

Naturais, sintéticas, semissintéticasNa Antiguidade, todas as drogas conhecidas eram naturais: plan-

tas, fungos, animais ou qualquer tipo de organismo vivo. Às vezes,

consome-se o organismo inteiro, como no caso do cogumelo alu-

cinógeno Amanita muscaria. Em outros casos, prefere-se usar ape-

nas a parte em que a substância psicoativa está presente em maior

concentração, como acontece com as flores e as folhas do topo da

planta fêmea de Cannabis sativa.

Com o desenvolvimento da química moderna, no início do século

19, tornou-se possível extrair e purificar as moléculas desses produ-

tos naturais responsáveis por seus efeitos psicoativos. Drogas obtidas

dessa maneira também são consideradas naturais. O exemplo mais

antigo é a morfina, extraída em 1804 do ópio, resina do botão da flor

da papoula (Papaver somniferum). A cocaína, presente nas folhas de

coca (Erythroxylum coca), é outro caso popular.

Na outra ponta dessa classificação estão as drogas sintéticas, to-

talmente feitas em laboratório, como as anfetaminas, o ecstasy e os

benzodiazepínicos. Apesar de criadas artificialmente, essas drogas

têm efeito graças à sua semelhança com substâncias produzidas em

nosso corpo. Por exemplo, a única diferença da molécula de anfe-

tamina para a de dopamina, importante mensageiro dos neurônios,

são dois átomos de oxigênio a menos em sua estrutura molecular.

A maioria das drogas sintéticas é feita exatamente para imitar as

naturais e obter métodos de fabricação mais baratos. A metadona e

o fentanil estão entre dezenas de drogas opioides – que têm efeito

semelhante ao do ópio– criadas para imitar as opiáceas, drogas na-

turais derivadas da flor da papoula.

Como essa classificação leva em conta o método de fabricação,

ela pode variar se a substância tiver mais de uma maneira de ser

preparada. A cocaína, por exemplo, pode ser feita sinteticamente –

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apesar de o processo ser caríssimo. O álcool (etanol) também pode

ser feito em laboratório. Só que, além de ser mais barato, o processo

de fermentação de açúcares por leveduras rende subprodutos que

fazem toda a diferença entre uma cerveja e um saquê, por exemplo.

Existe ainda uma terceira classificação, intermediária, válida para

drogas feitas em laboratório a partir de produtos naturais. Quando

Albert Hoffman sintetizou o LSD pela primeira vez, em 1938, estava

na verdade adicionando “penduricalhos” ao princípio psicoativo do

ergot, cogumelo famoso por seu poderoso efeito alucinógeno. Drogas

como essa, criadas pela modificação de uma molécula obtida natu-

ralmente, são chamadas semissintéticas. Esse também é o caso da

heroína, produzida por meio de uma modificação da morfina, natural.

Uma coisa curiosa sobre o desenvolvimento das drogas é que,

até o começo do século 20, todas eram criadas ou pelo menos tes-

tadas para uso medicinal. Quando a maioria começou a ser proibi-

da por leis internacionais, especialmente a partir dos anos 1960, la-

boratórios clandestinos começaram a pesquisar a síntese de novas

moléculas com efeitos psicológicos semelhantes aos das drogas

existentes. O objetivo dos traficantes das “designer drugs”, como

ficaram conhecidas, é evitar problemas legais ao criar um tipo de

substância que parece, mas não é, proibida por leis internacionais.

Hoje, isso não funciona em alguns países, como nos EUA, onde

existe uma legislação que considera qualquer nova droga proibida,

até segunda ordem.

Como a fabricação dessas novas drogas pelo mercado negro é

sempre clandestina, esse processo não inclui os caros e valiosos tes-

tes com animais e humanos, obrigatórios para qualquer novo remé-

dio. E os resultados podem ser desastrosos. Em 1988, uma variante

do opioide fentanil matou pelo menos 18 usuários/cobaias antes de

os traficantes desistirem de fabricá-lo. Apesar dos riscos para usuá-

rios e das mudanças na lei, as designer drugs são vistas pela comu-

nidade internacional de controle de drogas como o futuro do tráfico

de entorpecentes.

Estimulantes, depressoras, perturbadorasAs drogas também podem ser classificadas segundo seus efeitos so-

bre o comportamento e a percepção. A classificação mais simples e

popular é a que as dividem entre estimulantes, depressoras e pertur-

badoras do sistema nervoso central.

MACONHA SINTÉTICAFeito em laboratório, produto simula efeito da droga natural de uso milenar

A partir de 2008, surgiu nos mercados europeu e americano uma droga chamada maconha sintética. Vendidas como ervas aromáticas, no mercado legal, com marcas como Spice e K2, elas podem ser fumadas e provocam efeito semelhante ao da maconha. Na verdade, esses “incensos” são misturas de ervas sem nenhum efeito psicoativo, tratadas com canabinoides sintéticos. Essas substâncias, por sua vez, são diversos tipos de moléculas feitas em laboratório capazes de se ligar aos mesmos lugares do cérebro que o THC, princípio ativo da maconha natural. Ainda se sabe pouco sobre essas maconhas sintéticas, mas alguns estudos mostram que elas podem ser mais fortes e perigosas que a normal. Esses produtos já são ilegais em diversos países da Europa e nos EUA.

Spice: uma das mais popularesmarcas demaconhasintética

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As estimulantes são as que aceleram o seu funcionamento. Os

efeitos mais comuns são a diminuição do sono e do apetite e o

aumento do estado de alerta, da pressão sanguínea e da ansieda-

de. Algumas chegam a aumentar a temperatura corporal ou têm

efeitos específicos, como deixar as pessoas mais falantes – caso da

cocaína. Anfetaminas, nicotina e cafeína são outros exemplos de

drogas desse tipo.

As depressoras, como o nome sugere, reduzem a atividade ce-

rebral e deixam, em geral, as pessoas sonolentas. Algumas dessas

substâncias também têm efeito analgésico, porque diminuem mais

intensamente o trabalho de neurônios envolvidos com o processa-

mento da dor. Álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, substâncias

inalantes e todas as drogas opioides são depressoras. Um detalhe

importante: depressor não é a mesma coisa que depressivo, isto é,

aquilo que causa depressão.

As drogas perturbadoras são aquelas que, mais do que aumen-

tar ou diminuir a atividade do sistema nervoso central, mudam a

maneira de ele trabalhar. Ou seja, seu efeito é menos quantitativo

e mais qualitativo. Ao mudar a maneira como nosso cérebro traba-

lha, elas causam delírios, ilusões ou alucinações. Maconha, LSD e

diversas plantas alucinógenas são incluídos nessa categoria.

Entre os diversos efeitos que cada droga provoca, algumas podem

contradizer esse sistema de classificação. A maconha, por exemplo,

causa sonolência, como as drogas depressoras. Já o ecstasy, classi-

ficado por alguns livros e médicos como estimulante, também pode

causar uma espécie de alucinação tátil e visual. O álcool, por sua vez,

é depressor, mas no início da ação causa euforia e agitação – justa-

mente o contrário.

Lícitas, ilícitas, controladasA classificação de drogas com maior efeito prático sobre a vida de

seus consumidores – e da economia global – é a jurídica. O status

legal de uma substância tem influência fundamental sobre sua for-

ma de produção, distribuição e consumo, além de consequências

indiretas sobre o impacto dela para a saúde de seus usuários.

As drogas ilegais são aquelas cuja distribuição e venda para uso

recreativo são proibidas, na prática, por tratados internacionais so-

bre o assunto, assinados por mais de 180 países. Essas convenções

dividem as substâncias em quatro classes e proíbem as que se en-

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quadram nas classes I e II (veja a lista ao lado). Qualquer produto

que contenha qualquer quantidade dessas substâncias é conside-

rado proibido – o que faz do Amanita muscaria, cogumelo rico em

psilocibina, um fora da lei assim que nasce na floresta.

O álcool e o tabaco, que ao lado da cafeína são os psicoativos

mais consumidos do mundo, são as chamadas “drogas legais”. Ape-

sar de não serem alvo de controle internacional, praticamente todos

os países têm leis que restringem sua venda, seu consumo e sua

publicidade. A proibição da venda para menores de idade – conceito

que muda de país para país – é a mais comum.

A única droga sobre a qual não existe nenhum nível de controle

é a cafeína. Café, chás e outras bebidas e alimentos que possuem a

substância em sua composição (como os refrigerantes de cola e os

chocolates) são vendidos, anunciados e consumidos sem nenhum

tipo de restrição em todo o mundo.

As drogas das outras classes costumam ser chamadas de “subs-

tâncias controladas” e incluem, principalmente, remédios importan-

tes. Normalmente, toda a sua cadeia produtiva é controlada, a fim de

evitar desvios para o mercado negro. No varejo, elas costumam ser

vendidas com receitas especiais, por exemplo.

Os textos das convenções internacionais alegam que a classi-

ficação jurídica das drogas leva em conta dados científicos sobre

o potencial de abuso e de danos para a saúde de cada droga, mas

isso não é verdade. O fato de esses documentos sequer citarem ál-

cool e tabaco e de haver evidências incontestáveis de que algumas

drogas proibidas causam menos dependência e/ou problemas de

saúde do que as lícitas deixa claro que os critérios de classificação

usados nessas convenções são principalmente políticos e econô-

micos, e não farmacológicos ou médicos.

Uso medicinal, recreativo, religiosoA droga é uma coisa diferente do uso que se faz dela. Mas a distin-

ção entre uso recreativo, medicinal e religioso é algo recente, exis-

te há pouco mais de cem anos. Na Pré-História, o uso de plantas

psicoativas com finalidade de cura era geralmente uma experiência

espiritual, e a consequência inebriante desses remédios não era

desprezada – ao contrário, ela ajudava mesmo a dar um significado

místico ao processo. Mesmo hoje, muitas pessoas usam drogas em

busca, simultaneamente, de prazer e de alívio para algum descon-

AS PROIBIDASAs principais substâncias de uso controlado* ou proibido**

• Anfetamina*• Cationa• Cocaína

(e folhas de coca)• Codeína*• Ecstasy• Heroína• Hidrocodona• LSD• Maconha• Mescalina• Metadona• Metanfetamina*• Morfina• Ópio• Oxicodona• Psilocibina

(“cogumelos mágicos”)

* Classificadas como classe II na Convenção de Substâncias Psicotrópicas de 1971, podem ser usadas com algumas finalidades médicas** Todas as demais são de classe I, e seu uso, mesmo médico, requer autorizações especiais de órgãos competentes

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forto psíquico ou físico. Sabe-se, por exemplo, que alguns usuá-

rios de maconha usam a droga para aliviar sintomas de depressão.

Embora isso possa ter consequências negativas em longo prazo, é

algo bastante comum.

Essa classificação nasceu e ganhou força no início do século 20,

quando foram criadas as primeiras leis de controle de drogas. Hoje,

ela é importante do ponto de vista jurídico, porque muitas drogas

consideradas ilegais podem ser usadas licitamente em determina-

dos contextos.

O chamado uso recreativo – alvo dos controles internacionais

– refere-se a qualquer forma de consumo que não seja parte de

tratamento médico, pesquisa científica ou ritual religioso. O uso

medicinal e científico geralmente precisa ser atestado e autori-

zado por autoridades competentes, como a Agência Nacional

de Vigilância Sanitária, no caso brasileiro. Muitos opioides, por

exemplo, são proibidos para uso recreativo, mas estão disponí-

veis em qualquer hospital de emergência para o tratamento de

dores. Alguns deles podem até ser comprados na farmácia, com

receita especial.

O uso religioso também pode tornar lícito o uso de uma droga. No

Brasil, os seguidores do Santo Daime têm direito de usar a ayahuasca

em seu ritual, elaborado a partir da tradição de índios da Amazônia.

Seguidores da religião rastafári, além de igrejas fundadas no Canadá

e nos Estados Unidos, têm entre seus rituais o uso da maconha, o

que lhes permite produzir e consumir a droga.

Uma não classificação: leves e pesadasUma classificação informal relativamente popular divide as drogas

entre leves e pesadas. O “peso” implícito se refere aos danos cau-

sados pela substância à saúde. Normalmente, essa divisão é usada

para comparar a maconha, nesses casos denominada “leve”, com a

cocaína ou a heroína, as “pesadas”.

Apesar de ser bastante usada pela imprensa e por autoridades

policiais, jurídicas e até mesmo por cientistas, essa classificação

não tem base científica nem é usada por nenhuma organização

internacional. Um dos únicos países a usar o termo numa lei é a

Holanda, que, no entanto, especifica no mesmo texto a que drogas

se refere cada caso (maconha e haxixe são as leves, cocaína e he-

roína, as pesadas).

ABUSO DE DROGAS E DROGAS DE ABUSOPara médicos, abusar é algo perigoso,para advogados, violar a lei

A expressão “abuso de drogas” é usada pela Associação Psiquiátrica Americana e por muitos médicos para definir um estágio do uso de drogas que se situa entre o ocasional e o compulsivo, típico de uma dependência química. O termo usado pela OMS como correspondente a “abuso de drogas” é “uso problemático ou de risco”. Já a expressão “drogas de abuso” é usada para se referir às drogas proibidas pelas convenções internacionais. É um termo mais usado no meio jurídico e inconsistente do ponto de vista médico ou semântico, já que as drogas lícitas são frequentemente usadas de maneira “abusiva”, ou seja, exageradamente. Essa expressão não será usada neste livro.

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