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    ! Art ig o Origi nal

    de Azevedo, A.P.; dos Santos, C.C.; da Fonseca, D.C. Rev. Psiq. Clin. 31 (4); 170-172, 2004

    Transtorno da compulso alimentar

    peridicaBinge Eat ing Disorder

    ALEXANDRE PINTOD E AZEVEDO1

    CIMNI CRISTINADOS SANTOS2

    D ULCINEIA CARDOSOD A FONSECA2

    1 Mdico psiquiatra. Coordenador do Grupo de Estudo, Assistncia e Pesquisa em Comer

    Compulsivo e Obesidade GRECCO/Ambula trio de Bulimia e Tra nst ornos Aliment ar es do Ipq

    AMBULIM Institut o de Psiquiatria do Hospital das Clnicas da F aculdade de Medicina da

    Universidade de S o Paulo HC-FMUSP.

    2 Nut ricionista clnica do GRECCO-AMBULIM/ IPq/ HC/ FMUSP

    Ender eo para correspondncia: AMBULIM Rua Dr. Ovideo Pires de Ca mpos, 785 2 andar

    05403-010 So Pau lo SP e-mail: ambu lim@hcnet .usp.br Fone: (11) 3069-6975.

    Recebido: 02/09/2004 - Aceito: 15/09/2004

    Resumo

    O transto rno da compulso a l imentar per id ica (TCAP) fo i descr i to pe la

    pr im eira vez nos anos 1950 . Cont udo , sua e levao ca tegor ia d iagnst ica

    ap ena s ocorr eu em 1994, qua nd o foi includo no apnd ice B do DSM IV, com

    c r i t r i o s p r o v i s r i o s p a r a s e u d i a g n s t i c o . T r a t a - s e d e u m a s n d r o m e

    carac ter izada por ep isd ios recor ren tes de compulso a l imentar , sem qual -

    quer compor t am ento de compensao para ev i ta r u m possve l ganh o de peso .

    I n ce r t eza s q u a n to a seu s p a r m e t r o s d i ag n s t i co s co m o ca r a c t e r i zao d a

    q u a n t i d a d e d e a l i m e n t o s i n g e r i d o s , d u r a o d e u m e p i s d i o d e c o m e r

    compu lsivo, ou mes mo o valor da perda de cont role sobre a ingest o aliment ar ,

    to rn am d i f ceis uma homogein izao de um grupo s indr mico . Desta form a,

    es tu dos ep idemiolg icos podem revelar d i fe ren t es da dos de cara c ter izao da

    p o p u l a o p o r t a d o r a d e s t e t r a n s t o r n o . I s t o r e f o r a a n e c e s s i d a d e d a

    man uten o de es tudos para a va l iao desta pa to log ia .

    Pa l av r a s - ch av e : T r an s to r n o d a com p u so a l im en ta r p e r id ica , b in g e ea t in g

    disorder, obesidade.

    Abstract

    Binge ea t in g d isorder wa s f i r s t descr ibed in 1955 . However , i t s up grade t o a

    diagnostic category only occur red in 1994, when i t wa s included in a ppendix B

    of DSM IV, with pr ovisory cr i t er ia. I t is chara cter ized by recurr ent episodes of

    binge eatin g, with out any compen sat ory beha vior to prevent a possible weight

    g a in . Un ce r t a in t i e s ab o u t t h e d i ag n o s t i c cr i t e r i a l i k e t h e a m o u n t o f f oo d

    ingested , the dura t ion o r the va lue o f the loss o f con t ro l dur ing a b inge ea t ing

    episode make i ts cha ra cter izat ion difficult . Then, epidemiological st udies ma y

    reveal the chara c ter iza t ion o f th is d isorder . Th is means t ha t more s tud ies a r e

    needed for a n ap propr ia t e eva lua t ion o f th is pa t ho logy.

    Keywords: Binge eat ing disorder , obesity.

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    Introduo

    Dur an te mu ito tempo, indivduos obesos fora m consi-

    dera dos como pert encentes a u m gru po homogneo

    baseado apenas em u ma cara cterstica comum o

    peso. Ignora vam-se desta form a as possveis diferenas

    comport am ent ais que podem, em alguns casos, ter

    sido as desencadeadoras da obesidade (Friedma n,1995).Obesos comedores compu lsivos podem constituir

    um a su bcat egoria en tr e a populao obesa, apresen-

    ta ndo n veis m ais elevados de psicopatologia, especial-

    mente a depresso e tra nstorno de personalidade, uma

    gravidade ma ior e incio mais precoce da obesidade,

    um percentua l maior de sua vida gasto com dietas e

    prejuzo no funcionamento social e ocupacional

    (Napolitan o, 2001).

    O tr anst orn o da compulso alimenta r peridica

    (TCAP) foi descrito pela pr imeira vez nos an os 1950

    por Stu nkard (1959). Cont udo, sua elevao categoria

    diagnstica apena s ocorreu em 1994, quando foi includono ap nd ice B do DSM IV (Apa,1994), sob a forma de

    transtorno que necessita de maiores estudos para

    melhor caracterizao. Assim, desde en to, ocorr eu um

    maior interesse em pesquisas nesta rea, diferenciando

    um subgru po de pacient es obesos com cara cter sticas

    alimentares especficas (Zwaan,1997). Alm disso,

    pa rece que os n veis de psicopa tologia exibidos pelos

    pacientes com TCAP est o associados ao nm ero de

    episdios de compu lso alimen ta r (Hay, 1998).

    Caracterizao clnica do TCAP

    incer teza diagnstica

    O comportam ento alimenta r no TCAP car acterizado

    pela ingesto de grande qu ant idade de alimentos em

    um perodo de tempo delimitado (at duas horas),

    acompa nh ado da sensa o de perda de cont role sobre o

    qu ou o quant o se come. Para car acterizar o diagns-

    tico, esses episdios devem ocorr er pelo menos dois dias

    por semana nos ltimos seis meses, associados a

    algumas cara ctersticas de per da de contr ole e no

    acompanhados de comportamentos compensatrios

    dirigidos pa ra a perda de peso (Spitzer ,1993; Apa,1994).

    Est udos demonstr ar am variabilidades conside-

    rveis no comportamento alimentar de comedores

    compu lsivos tan to dur an te os episdios de compulso

    alimenta r como nos intervalos. Est e comport am ento

    foi descrito como catico diferindo dos indivduos

    porta dores de bulimia nervosa (BN) e obesos sem TCAP

    (Grilo, 2002). Os porta dores de TCAP apr esenta ra m

    baixos relat os de dietas r estrit ivas quan do compa rados

    a pa cientes com BN, que a ltern am entr e compulses

    e r estr ies a limenta res. Os episdios compulsivos

    variavam qua nto h ora em que costum am ocorr er

    com per da de cont role, a h ora sem est a per da e/ou

    perda de controle sem o consumo de uma grande

    qua nt idade de a limentos (Grilo, 2002).

    Alm disso, a compulso alimentar tambm

    acompa nha da por sent imentos de angst ia subjetiva,

    incluindo vergonha, nojo e/ou culpa. Alguns autores

    afirmam que um comedor compulsivo abrange no

    mnimo dois elementos: o subjetivo (a sensa o de perda

    de controle) e o objetivo (a quantidade do consumo

    aliment ar ). H um consenso gera l no aspecto subjetivo

    da compulso para seu diagnstico, contudo, hcont rovrsia s em relao ao aspecto objetivo, quan to ao

    tam anh o e dur ao de uma compulso. Esta incerteza

    refletida numa definio impr ecisa da grandeza de um

    episdio de compulso alimentar, sobre um a qua nt idade

    que definitivamente maior do que a maioria das pessoas

    comeria e, alm disso, seu critrio de dura o tam bm

    polmico. Diferentemente da bulimia nervosa, onde uma

    compu lso clara mente concluda por comport amento

    purgativo, no TCAP, no h uma terminao lgica;

    conseqentemente, a dur ao tem sido designada nu m

    perodo de duas horas, uma soluo claramente

    insat isfatria (Stun kar d, 2003).

    O TCAP pode ser distin guido da BN em a lguns

    pont os. Os port adores de TCAP costu mam apr esentar

    ndice de ma ssa corporal (IMC) superior aos porta dores

    de bu limia n ervosa (Geliebter, 2002). Alm disso, a

    histria nat ura l da BN geralment e revela a ocorr ncia

    de dietas e per da de peso, enquan to que os compor-

    tamen tos prvios do TCAP so ma is variveis (Striegel,

    2001). Assim, pacientes com BN m ostra m ma iores

    nveis de res t r io a l imentar comparados aos

    port adores de TCAP (Grilo, 2000).

    H evidncias de que pacientes com TCAP

    ingerem significat ivament e mais alimen tos do que as

    pessoas obesas sem compu lso aliment ar (Goldfein,1993). O TCAP pode ocorrer em ind ivduos com pes o

    norma l e indivduos obesos. A ma ioria tem um a longa

    histria de repetidas t entat ivas de fazer dietas e sentem-

    se desespera dos acerca de sua dificuldade de cont role

    da ingesto de alimentos. Algun s cont inua m t enta ndo

    restringir o consumo de calorias, enquanto outros

    aban donam quaisquer esforos de fazer dieta , em ra zo

    de fracassos repet idos. Em clnicas p ar a o cont role de

    peso, os indivduos so, em m dia, ma is obesos e tm

    um a histria de flut ua es de peso ma is acentu ada do

    que os indivduos sem este pa dro (Spitzer ; 1993).

    O estresse um fator que pode levar ao aum entodas compulses alimentares . Durante s i tuaes

    estr essan tes, o cort isol liberado estimu lando a inges-

    t o de aliment os e o aum ent o do peso (Gluck, 2001).

    Est udo realizado por Geliebter et al. demonstrou que

    pessoas obesas tm um a capacidade gstrica maior do

    que as pessoas com peso norma l, o que poderia limitar

    a quan tidade de a liment os ingeridos e de sa ciedade.

    Segundo o mesm o aut or, desconhece-se a existncia de

    um t ran storno alimenta r que tenh a sido predisposto

    por uma gra nde capacidade gst rica (Geliebter, 2002).

    Est ima-se a prevalcia em TCAP nu ma dim en-

    so variada, em pa rt e devido variao das definies

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    de Azevedo, A.P.; dos Santos, C.C.; da Fonseca, D.C. Rev. Psiq. Clin. 31 (4); 170-172, 2004

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    de compulso (Stu nka rd, 2003). Estima tivas recentes

    de prevalncia do TCAP na populao americana

    indicam que 2% a 3% dos adultos em amostras

    comunit r ias s o port adoras do comer compu lsivo.

    En tr e os pacientes obesos que procur am t ra ta ment o

    clnico par a per da d e peso, os nd ices de prevaln cia

    var iam de 5% a 30% (Grilo, 2002; Sptizer,1993). No

    Bra sil, Appolin rio (1995) , Cout inh o (2000) e Borges(1998), encont ra ra m u ma prevalncia entr e 15% e 22%

    em pacientes que procura vam tra tam ento para em a-

    grecer. En tr e os pacient es que realizara m a cirur gia

    barit rica, esta pr evalncia pode variar de 27% a 47%

    (Waldden , 2001; Smith ,1998). Aproximada men te 20%

    das pessoas que se iden tificam como possuidoras de

    compulso aliment ar possuem diagn stico de TCAP

    (Stun ka rd, 2003; Nap olitan o, 2001)

    Referncias bibliogrficas

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    Em termos dos componentes psicolgicos do

    transtorno, os pacientes com TCAP possuem a uto-estima

    ma is baixa e preocupam -se mais com o peso e a form a

    fsica do que outros indivduos que tambm possuem

    sobrepeso sem terem o tr anstorno (Zwaan ;1997)

    Concluso

    De fat o, o tr anstorn o da compu lso alimentar per idica,

    como conhecido atualmente, uma sndrome do

    comportamento alimentar com caractersticas ainda

    incerta s e s vezes conflitant es. Diferent es estudos j

    demonstr am alguns sina is e critr ios sugestivos de um

    diagnstico sindrmico, contudo faltam diretr izes m ais

    apuradas para organizar um grupo razoavelmente

    homogneo e caracteriz-lo como categoria diagnstica.