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1577 TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: ANÁLISE DE OPORTUNIDADE DO PROJETO César Nunes de Castro

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TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: ANÁLISE DE OPORTUNIDADE DO PROJETO

César Nunes de Castro

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ISSN 1415-4765

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TEXTO PARA DISCUSSÃO

TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: ANÁLISE DE OPORTUNIDADE DO PROJETO

César Nunes de Castro*

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* Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) cedido para a Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea.

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Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Wellington Moreira Franco

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Texto paraDiscussão

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ISSN 1415-4765

JEL: Q2, Q25

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SUMÁRIO

SINOPSE

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 HISTÓRICO DA TRANSPOSIÇÃO E DESCRIÇÃO DO PROJETO ATUAL .........................9

3 TRANSPOSIÇÃO: ANÁLISE DA OPORTUNIDADE DO PROJETO ................................13

4 ALTERNATIVAS PARA AUMENTAR A DISPONIBILIDADE HÍDRICA NO NORDESTE SETENTRIONAL ...................................................................................45

5 CONCLUSÕES .......................................................................................................51

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................54

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ...............................................................................55

ANEXO .....................................................................................................................56

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SINOPSE

O objetivo deste estudo é avaliar os potenciais impactos do Projeto de Transposição do rio São Francisco e verificar se tal projeto é ou não uma alternativa adequada para aumentar a disponibilidade hídrica e, consequentemente, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da região beneficiada por ele. Além disso, foram estudadas algumas alternativas para aumentar a disponibilidade hídrica no Nordeste Setentrional. Por meio das informações coletadas, constatou-se, entre outras coisas, que: não existe comprovação da escassez de água nos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte; no médio prazo, os recursos hídricos da bacia do rio São Francisco são suficientes para se atender à demanda da transposição; e os benefícios da transposição mencionados pelo governo federal estão superestimados. Quanto a esses benefícios, os indícios existentes indicam que: i) a população atendida será menor do que a prevista pelo Ministério da Integração Nacional; ii) a área irrigada também será menor do que a prevista; e iii) a redução dos gastos emergenciais com as secas (benefício potencial frequentemente mencionado pelos defensores do Projeto de Transposição) não será na proporção propugnada.

ABSTRACTi

The objective of this study is to evaluate the potential impacts of the water transfer Project of the Sao Francisco River, located in the Northeastern region of Brazil. Besides this evaluation, the study aims to identify if the Sao Francisco River Project is or is not an adequate alternative to increase the water availability in the region benefited by it and, consequently, contributes to the social-economic development of that region. By the analysis of the gathered information, it was observed that, among other things: it doesn´t exist satisfactory evidence of water deficit in the benefited states of Ceará and Rio Grande do Norte; in the medium term, the water resources of the São Francisco basin are sufficient to attend the demand of the water transfer project and that the benefits of this project as demonstrated by the Brazilian Federal Government are overstated. About the benefits of the project, the existing evidences indicate that the

i. The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipea’s editorial department.As versões em língua inglesa das sinopses (abstracts) desta coleção não são objeto de revisão pelo Editorial do Ipea.

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attended population will be smaller than that affirmed by the Government, as well as the irrigated area, and that the reduction of the Federal Government´s emergency expenditures to help the population suffering from the effects of the droughts, that frequently occur in the Brazilian Northeast, won’t be as significant as predicted by Government´s officials.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

1 INTRODUÇÃO

Parte considerável da região Nordeste brasileira convive historicamente com o problema da seca, em especial a região conhecida como Semiárido, que abrange a maior parte do Sertão e do Agreste. Traduzindo-se em números o tamanho do Semiárido, essa região cobre 57% da área total do Nordeste e, aproximadamente, 40% de sua população. No Semiárido, a precipitação média anual é inferior a 800 milímetros (SUASSUNA, 2005).

Essa convivência forçada com a adversidade climática foi e é uma das maiores preocupações da população do Semiárido nordestino. Grande parte dela vive da agricultura e da pecuária em pequenas propriedades familiares e, por causa dos baixos índices pluviométricos durante anos seguidos, não consegue produzir alimentos sequer para garantir a segurança alimentar de suas famílias. Nos três últimos séculos, registros acerca dos eventos climáticos ocorridos na região se tornaram mais confiáveis. Nesse período, por cerca de 85 anos as chuvas foram escassas, inexistentes ou mal distribuídas no Semiárido nordestino (GOMES, 2001).

À escassez ou à má distribuição das chuvas soma-se o fato de que aproximadamente 10 milhões de habitantes do Semiárido obtêm o seu sustento da agricultura e da pecuária tradicionais, atividades muito vulneráveis às secas.

Em razão dessa adversidade climática, a região foi alvo da atenção governamental ao longo da história, desde a Independência. A intenção oficial sempre gravitou em torno da missão de melhorar a vida do homem sertanejo na sua difícil lide com as vicissitudes climáticas.

Ao longo do século XX foram criados órgãos para lidar com a questão da seca, programas foram elaborados e obras executadas. Entretanto, regra geral, os resultados ficaram aquém das expectativas e a vida pouco mudou no Semiárido.

O quadro resultante da combinação da incapacidade do poder público de alterar substancialmente a situação do Semiárido, de um um lado, e do outro os interesses clientelistas de grupos políticos locais que se beneficiavam dos programas e obras do governo para minorar os efeitos da seca foi bem descrito por Celso Furtado e por ele batizado de “indústria da seca”.

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Em tempos recentes, novos programas têm sido elaborados, como o Programa Cisternas, por exemplo, e ideias antigas são resgatadas, com a promessa de contribuir para melhorar a vida da população.

Com relação às ideias antigas, uma das mais conhecidas, e atualmente em execução, é a da transposição do rio São Francisco. O caminho para se chegar ao atual projeto, cujo nome oficial é Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, foi longo e tortuoso. Ele foi proposto em vários momentos, abandonado, reformulado e novamente proposto, em contextos diferentes e com, às vezes, grandes intervalos de tempo entre uma apresentação e outra.

Apesar da grande polêmica gerada pelo Projeto de Transposição, o que resultou, inclusive, na propositura de um elevado número de ações no Poder Judiciário contra sua execução, o Batalhão de Construção e Engenharia do Exército Brasileiro iniciou, em 2007, a execução da parte das obras sob responsabilidade militar.

O benefício esperado da transposição é o atendimento das demandas hídricas da população da região, que receberá parte da água do rio São Francisco. As demandas hídricas referem-se a áreas urbanas dos municípios beneficiados, distritos industriais, perímetros de irrigação e usos difusos ao longo dos canais e rios perenizados por açudes existentes que receberão águas do rio São Francisco.

As obras se iniciaram há mais de um ano e é provável que num futuro próximo estejam concluídas. Necessário, no momento, é aumentar o conhecimento existente sobre os impactos que sobrevirão ao projeto e exigir do poder público ações e programas que potencializem os efeitos da água recebida na região beneficiada, em termos de geração de emprego, renda e, em sentido mais amplo, crescente qualidade de vida para a população do Semiárido.

Nesse sentido é que este estudo foi concebido. Seu intuito é avaliar os potenciais impactos do Projeto de Transposição, verificar se ele é ou não uma alternativa adequada a amenizar os efeitos da baixa disponibilidade hídrica e, consequentemente, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da região beneficiada.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

2 HISTÓRICO DA TRANSPOSIÇÃO E DESCRIÇÃO DO PROJETO ATUAL

A primeira vez que a transposição do São Francisco foi aventada ocorreu em 1847, quando o engenheiro cearense Marcos de Macedo, deputado pelo Estado de Ceará, apresentou a ideia ao imperador Dom Pedro II, com o propósito de amenizar os problemas gerados pela seca nordestina. Nada foi realizado. Antes de 1847, D. João VI já havia mandado estudar a possibilidade da transposição, mas não há registro de proposta efetiva de realização do projeto.

A ideia da transposição seria novamente debatida no decorrer do Segundo Reinado (1840-1889), quando em 1856 uma comissão científica, chefiada pelo Barão de Capanema, foi encarregada de estudar o problema da seca e recomendou a abertura de um canal que ligasse o rio São Francisco ao rio Jaguaribe. Esse estudo foi concluído em 1859 e depois arquivado. O tema da transposição voltou à baila em 1886, quando outro engenheiro cearense, Tristão Franklin Alencar, reativou a ideia, que foi logo abandonada.

A partir de 1889, já no período republicano, o Projeto de Transposição seria relembrado por diversas vezes. Em 1909, técnicos da Inspetoria de Obras contra as Secas (IOCS) elaboraram um esquema do canal que interligaria os rios São Francisco e Jaguaribe. Em 1919, esse projeto seria reconsiderado pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS). Em ambos os casos, o projeto foi logo arquivado.

No governo Getúlio Vargas, com a criação do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), a transposição voltaria a ser estudada. O projeto reapareceria em 1981, quando técnicos do próprio DNOCS elaboraram um novo plano, cujo destino foi o mesmo dos anteriores: arquivado.

Em 1993, durante o governo Itamar Franco, o ministro da Integração Nacional, Aluísio Alves, propôs a construção de um canal em Cabrobó (Pernambuco) com o objetivo de retirar até 150 metros cúbicos de água do rio São Francisco para beneficiar os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Em 1994, anunciada a intenção de dar início à execução desse projeto, um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) , contrário à ideia, resultou mais uma vez no seu arquivamento.

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A partir de 1995, no decorrer dos dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, novas versões do projeto foram apresentadas, entre elas uma da equipe da Secretaria Especial de Políticas Regionais, uma do Ministério da Integração Nacional (MI) e outra da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). Por motivos diferentes, nenhum desses projetos foi levado adiante.

Chega-se então à fase atual de debates sobre a ideia de transposição de parte das águas do rio São Francisco como solução para amenizar os efeitos da seca em parte do Semiárido nordestino. Logo no primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2006, a ideia da transposição ressurgiu quando o presidente Lula incumbiu o então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, de executar a obra.

O projeto atualmente em execução é um empreendimento do governo federal, sob a responsabilidade do MI, destinado a, de acordo com esse ministério, assegurar a oferta de água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semiárida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Seu nome oficial, conforme já mencionado, é Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, doravante referido como Projeto de Transposição, como é conhecido.

A justificativa apresentada pelo MI para a necessidade de realização do projeto consiste em dois motivos principais. O primeiro é que a região Nordeste, que possui apenas 3% da disponibilidade de água do país e abriga 28% da população brasileira, apresenta internamente uma grande irregularidade na distribuição dos seus recursos hídricos, uma vez que o rio São Francisco representa 70% de toda a oferta regional. O segundo é que a discrepância nas densidades demográficas no Semiárido nordestino (cerca de 10 hab/km2 na maior parte da bacia do rio São Francisco e aproximadamente 50 hab/km2 no Nordeste Setentrional) faz com que, do ponto de vista da sua oferta hídrica, o Semiárido brasileiro seja dividido em dois: o Semiárido da bacia do São Francisco, com 2 mil a 10 mil m3/hab/ano de água disponível em rio permanente, e o Semiárido do Nordeste Setentrional, compreendendo parte do Estado de Pernambuco e os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, com pouco mais de 400m3/hab/ano disponibilizados através de açudes construídos em rios intermitentes e em aquíferos com limitações quanto à qualidade e/ou à quantidade de suas águas.

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Dessa forma, devido a esses dois motivos, o Projeto de Transposição estabelece a interligação entre a bacia hidrográfica do rio São Francisco, que apresenta relativa abundância de água (1.850 m³/s de vazão garantida pelo reservatório de Sobradinho), e as bacias inseridas no Nordeste Setentrional, com quantidade de água disponível que constitui uma das limitações ao desenvolvimento socioeconômico da região.

De acordo com o projeto apresentado pelo MI, a integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do Semiárido será possível com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1.850 m³/s) no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico beneficiaria 391 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, o volume captado poderá ser ampliado para até 127 m³/s, contribuindo para o aumento da garantia da oferta de água para múltiplos usos.

O Projeto de Transposição prevê a construção de dois canais: o Eixo Norte que levará água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e o Eixo Leste, que beneficiará parte do Sertão e a região Agreste de Pernambuco e da Paraíba.

O Eixo Norte, a partir da captação no rio São Francisco próximo à cidade de Cabrobó – PE, percorrerá cerca de 400 quilômetros, conduzindo água aos rios Salgado e Jaguaribe, no Ceará; Apodi, no Rio Grande do Norte; e Piranhas-Açu, na Paraíba e Rio Grande do Norte. Projetado para uma capacidade máxima de 99 m³/s, o Eixo Norte operará com uma vazão contínua de 16,4 m³/s, destinados ao consumo humano.

O Eixo Leste, que terá sua captação no lago da barragem de Itaparica, no município de Floresta – PE, se desenvolverá por um caminhamento de 220 quilômetros até o rio Paraíba – PB, após deixar parte da vazão transferida nas bacias do Pajeú, do Moxotó e da região Agreste de Pernambuco. Para o atendimento das demandas da região Agreste de Pernambuco, o projeto prevê a construção de um ramal de 70 quilômetros que interligará o Eixo Leste à bacia do rio Ipojuca. Previsto para uma capacidade máxima de 28 m³/s, o Eixo Leste funcionará com uma vazão contínua de 10 m³/s, disponibilizados para consumo humano.

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A figura 1 mostra uma representação esquemática espacializada dos eixos do Projeto de Transposição nos estados receptores (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte).

FIGURA 1Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional

Fonte: Ministério da Integração Nacional, acessado em 18/03/2009 em: http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/info_ampliado.asp.

Obs.: A imagem está reproduzida conforme o original fornecido pelos autores, cuja característica não permite melhor ajuste para fim de impressão (nota do Editorial).

A figura 2 apresenta a localização do vale do São Francisco no mapa do Brasil e a nova delimitação do polígono das secas.

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3 TRANSPOSIÇÃO: ANÁLISE DA OPORTUNIDADE DO PROJETO

A história registra, desde a antiguidade, muitos empreendimentos em grande escala para a transferência de águas entre bacias, com as experiências mais remotas tendo sido registradas em regiões do Egito Antigo, Assíria, China e no Império Romano, entre outras.

Nos tempos modernos, a principal motivação para a transferência de água entre as bacias nas regiões áridas e semiáridas é a chamada segurança hídrica, cujo objetivo básico é aumentar o nível de garantia de suprimento de água para as atividades a que se destina. Tais ações são sustentadas no princípio geral de equidade no direito do acesso à água, principalmente no que se refere ao abastecimento humano e animal,

FIGURA 2O vale do São Francisco e a delimitação do polígono das secas no Nordeste do Brasil

Fonte: Lerner (2006).

Obs.: A imagem está reproduzida conforme o original fornecido pelos autores, cuja característica não permite melhor ajuste para fim de impressão (nota do Editorial).

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assegurado como princípio moral e incorporado na legislação das nações (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2004).

A justificativa para o Projeto de Transposição ora proposto pelo governo federal assenta-se justamente sobre a garantia hídrica referente ao abastecimento humano e animal na região receptora. Entretanto, apesar da relevância e do valor desse objetivo, muita polêmica existe em torno do projeto entre aqueles que o defendem como solução para o problema hídrico do Semiárido, e aqueles que o criticam.

Em outros países, onde também se verificou o mesmo debate sobre projetos de transferência de água entre bacias hidrográficas, alguns preceitos foram aceitos como essenciais para assegurar a justiça nesse tipo de empreendimento (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2004):

(1) A região receptora deve ter comprovada a escassez de água para o atendimento de suas necessidades;

(2) Os recursos hídricos da região de origem devem ser suficientes para satisfazer a demanda da transferência sem acarretar impedimento ao desenvolvimento futuro dessa região;

(3) Os impactos ambientais ocasionados pela transferência de água devem ser míni-mos para ambas as regiões, de destino e de origem;

(4) Os benefícios sociais para a região de destino devem ser compatíveis com o porte do empreendimento;

(5) Os impactos positivos gerados devem ser compartilhados, razoavelmente, entre as regiões de origem e destino.

Esses cinco princípios constituem indicadores para auxiliar na decisão sobre a necessidade ou não de realização de um projeto de transferência de águas. No caso do projeto do rio São Francisco, a confirmação do atendimento a esses princípios coloca a questão da necessidade de realização desse projeto em perspectiva.

Nesse sentido, daqui em diante, as evidências existentes sobre o atendimento ou não desses cinco princípios serão apresentadas. Para isso, no decorrer do texto, cada um dos princípios será reapresentado na forma de uma pergunta e, na sequência, as evidências existentes serão apresentadas como resposta.

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3.1 ESTÁ COMPROVADO QUE A REGIÃO RECEPTORA DE ÁGUA APRESENTA ESCASSEZ DESSE ELEMENTO PARA O ATENDIMENTO DE SUAS NECESSIDADES?

A justificativa apresentada pelo MI para a realização do Projeto de Transposição é a de que existe na região Nordeste uma grande desigualdade na distribuição dos recursos hídricos, associada a uma discrepância nas densidades demográficas (cerca de 10 hab/km2 na maior parte da bacia do rio São Francisco e aproximadamente 50 hab/km2 no Nordeste Setentrional), resultando que, do ponto de vista da oferta hídrica, o Semiárido brasileiro seja dividido em dois: o da bacia do São Francisco, com 2 mil a 10 mil m3/hab/ano de água disponível em rio permanente, e o Semiárido do Nordeste Setentrional, compreendendo parte do Estado de Pernambuco e os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, com pouco mais de 400 m3/hab/ano disponibilizados através de açudes construídos em rios intermitentes e em aquíferos com limitações quanto à qualidade e/ou à quantidade de suas águas.

Essa disponibilidade de 400 m3/hab/ano, muito inferior ao recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) de 1.500 m3/hab/ano, constitui um indício claro, de acordo com o MI, da demanda hídrica existente nessa região.

Daí a proposta da transposição de águas da bacia do rio São Francisco para bacias do Nordeste Setentrional. As bacias receptoras são: Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e as do Agreste, em Pernambuco; Jaguaribe e bacias metropolitanas, no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte; e Paraíba e Piranhas, na Paraíba.

Cabe aqui uma análise mais detalhada da oferta e da demanda hídrica para múltiplos usos nessas bacias, para se constatar se existe (e, nesse caso, qual é sua magnitude) déficit hídrico na região a ser beneficiada pela transposição. Os valores da vazão disponível e da demanda total nos estados receptores são apresentados nas tabelas 1 a 4.

Os valores da vazão disponível e da demanda total em cada estado são apresentados para as várias Unidades de Planejamento (UP) que compõem cada estado. Uma UP é definida como uma região hidrográfica com características relativamente homogêneas, onde as disponibilidades e demandas hídricas são conhecidas e suficientes para efetuar o balanço hídrico. Pode ser parte ou o todo de uma bacia hidrográfica ou, eventualmente, de um conjunto de bacias.

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A tabela 1 mostra a vazão disponível e a demanda total no ano de 2005 e a demanda total tendencial nos anos de 2010 e 2025 para as 11 UPs do Ceará. Comparando a vazão disponível total no Estado do Ceará com a demanda total em 2005, 2010 e 2025, constata-se que, em termos agregados para o estado, não existe déficit hídrico no período considerado. Com relação às bacias receptoras no Ceará, a do rio Jaguaribe e as metropolitanas, verifica-se uma situação de déficit hídrico apenas na região do Baixo Jaguaribe. Nas bacias metropolitanas (tabela 1), apenas no cenário de demanda de 2025 é que existe a perspectiva de a vazão disponível endógena dessa região não atender à demanda.

TABELA 1Balanço hídrico do Estado do Ceará

UP Vazão disponível (m3/s) Demanda total (m3/s)

2005 2015 2025

Bacia do rio Coreaú 24,71 2,41 2,79 3,19

Bacia do rio Poti 24,33 2,21 2,51 2,82

Bacia do Alto Jaguaribe 16,55 4,90 5,55 6,25

Bacia do rio Salgado 41,56 9,76 11,13 12,56

Bacia do Médio Jaguaribe 7,7 5,12 5,85 6,66

Bacia do rio Banabuiú 15,56 5,70 6,49 7,36

Bacia do rio Acaraú 19,99 3,54 4,10 4,68

Bacias Litorâneas 13,39 1,74 2,02 2,29

Bacia do rio Curu 12,82 2,85 3,31 3,75

Bacias metropolitanas 24,37 19,03 21,70 24,13

Bacia do Baixo Jaguaribe 4,88 7,36 8,47 9,71

Total 205,90 64,71 73,97 83,45

Fonte: ANA (2005b).

No Estado da Paraíba também não existe, em termos agregados, situação de déficit hídrico nem no ano de 2005 e nem nos cenários tendenciais para os anos de 2010 e 2025 (tabela 2). Observando-se o balanço por UP, entretanto, existe déficit hídrico em algumas sub-bacias. Especificamente no caso das bacias receptoras das águas do rio São Francisco nesse estado, isto é, as bacias dos rios Piranhas e Paraíba, verifica-se um significativo déficit no caso de duas sub-bacias do rio Paraíba (tabela 2).

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

A mesma situação verificada nos casos dos estados do Ceará e da Paraíba – qual seja, a inexistência de déficit hídrico em nível estadual – se repete no caso de Pernambuco (tabela 3). As bacias receptoras do Projeto de Transposição em Pernambuco são: Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e as bacias do Agreste. Embora no somatório das UPs em Pernambuco não haja déficit, no caso das bacias que receberão água do rio São Francisco existe déficit nas bacias Brígida e Terra Nova (no Eixo Norte) e Moxotó, UP-22 e UP-7 (no Eixo Leste).

No Rio Grande do Norte é ainda mais evidente a inexistência de déficit hídrico, atual ou futuro, nas bacias receptoras, Apodi Mossoró e Piranhas-Açu. Justamente nessas duas bacias existe um grande excedente hídrico em relação às demandas atuais ou futuras (no horizonte até 2025) para os vários usos da água (tabela 4).

TABELA 2Balanço hídrico do Estado da Paraíba

UP Vazão disponível (m3/s) Demanda total (m3/s)

2005 2015 2025

Sub-bacia do rio do Peixe 4,74 2,71 3,06 3,45

Sub-bacia do rio Piancó 11,23 3,17 3,56 3,99

Sub-bacia do Médio Piranhas 7,72 2,34 2,65 3,00

Sub-bacia do rio Espinharas 3,71 1,53 1,73 1,93

Sub-bacia do rio Seridó 2,33 0,40 0,45 0,49

Sub-bacia do rio Taperoá 2,72 0,73 0,80 0,88

Sub-bacia do rio Alto Paraíba 3,42 0,93 1,04 1,16

Sub-bacia do rio Trairi 0,16 0,04 0,05 0,05

Sub-bacia do rio Jacu 0,28 0,11 0,12 0,13

Sub-bacia do rio Curimataú 0,9 0,39 0,43 0,47

Sub-bacia do rio Guajú1 0,02 - - -

Sub-bacia do rio Mamanguape 6,73 3,20 3,58 3,99

Sub-bacia do rio Camaratuba 1,15 0,24 0,27 0,31

Sub-bacia do rio Miriri 2,46 0,13 0,15 0,17

Sub-bacia do Baixo Paraíba 3,23 7,42 8,35 9,26

Sub-bacia do rio Gramame 3,32 1,27 1,46 1,67

Sub-bacia do rio Abiaí 3,80 2,77 3,18 3,65

Sub-bacia do rio Piranhas 5,02 0,49 0,56 0,62

Sub-bacia do Médio Paraíba 1,31 2,71 2,97 3,20

Total 64,32 30,66 34,48 38,47

Fonte: ANA (2005b).

Nota: 1 UP que não apresenta sede municipal.

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TABELA 3Balanço hídrico do Estado de Pernambuco

UP Vazão disponível (m3/s) Demanda total (m3/s)

2005 2015 2025

UP-1 Goiana 4,18 5,60 6,34 7,15

UP-10 Terra Nova 0,95 1,03 1,16 1,30

UP-11 Brígida 2,62 3,17 3,60 4,07

UP-12 Garças 0,76 0,07 0,08 0,09

UP-13 Pontal 0,32 0,14 0,18 0,21

UP-14 GL-11 10,47 9,99 10,69 11,24

UP-15 GL-2 7,25 4,70 5,25 5,75

UP-16 GL-32 1,57 - - -

UP-17 GL-4 3,41 0,53 0,61 0,70

UP-18 GL-5 0,86 0,20 0,24 0,27

UP-19 GL-62 0,37 - - -

UP-2 Capibaribe 12,31 4,67 5,27 5,84

UP-20 GI3-1 1,28 0,58 0,65 0,72

UP-21 GI-22 0,003 - - -

UP-22 GI-3 0,48 1,11 1,28 1,48

UP-23 GI-4 0,45 2,14 2,44 2,79

UP-24 GI-5 0,11 1,94 2,19 2,49

UP-25 GI-62 0,12 - - -

UP-26 GI-7 0,11 3,45 3,97 4,56

UP-27 GI-8 0,13 8,26 9,62 11,12

UP-28 GI-92 0,14 - - -

UP-3 Ipojuca 9,62 5,40 6,17 6,95

UP-4 Sirinhaém 12,16 2,34 2,69 3,12

UP-5 Uma 21,19 4,28 4,86 5,51

UP-6 Mundaú 2,45 1,48 1,70 1,93

UP-7 Ipanema 0,84 1,37 1,53 1,69

UP-8 Moxotó 1,87 2,02 2,27 2,54

UP-9 Pajeú 7,61 4,26 4,79 5,37

Total 103,78 68,82 77,68 87,02

Fonte: ANA (2005b).

Notas: 1 Grupos de bacias de pequenos rios litorâneos (GLs).

2 UPs que não apresentam sedes municipais.

3 Grupos de bacias de pequeno rios interiores (GIs).

Na bacia Apodi Mossoró a vazão disponível é cinco vezes maior do que a máxima demanda total (no cenário tendencial de 2025). Já na bacia Piranhas-Açu a vazão disponível é pouco mais de três vezes maior do que a máxima demanda total (também no cenário de 2025). Mais de 90% da vazão disponível no Rio Grande do Norte estão

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

concentrados justamente nas duas bacias (Apodi Mossoró e Piranhas-Açu) incluídas no trajeto do Eixo Norte do Projeto de Transposição. Portanto, para o Estado do Rio Grande do Norte, o Projeto de Transposição trará água às poucas regiões do estado que já possuem recursos hídricos com relativa abundância.

TABELA 4Balanço hídrico do Estado do Rio Grande do Norte

UP Vazão disponível (m3/s) Demanda total (m3/s)

2005 2015 2025

FLED1 norte-22 0,086 0,008 0,01 0,01

FLED norte-32 0,087 - - -

Boqueirão2 0,47 - - -

Punaú 1,10 - - -

Maxaranguape 2,06 0,12 0,14 0,16

Ceará-Mirim 0,95 1,91 2,18 2,47

Rio Doce 1,64 0,15 0,17 0,20

Potengi 0,91 4,25 4,78 5,21

Pirangi 2,1 0,70 0,90 1,09

Catu 1,05 0,05 0,06 0,07

Curimataú 0,88 0,56 0,64 0,72

Guajú2 1,41 - - -

FLED sul-7 0,09 1,00 1,14 1,31

FLED sul -62 0,19 - - -

FLED sul-52 0,07 - - -

FLED sul-42 0,02 - - -

FLED sul-32 0,08 - - -

FLED sul-2 0,11 0,33 0,38 0,43

FLED sul-1 0,10 0,17 0,19 0,22

FLED norte-1 0,11 0,31 0,36 0,41

FLED norte-4 0,68 0,14 0,15 0,17

Jacu 0,44 1,36 1,54 1,73

Trairí 0,93 1,67 1,91 2,16

Apodi Mossoró 39,47 6,30 7,10 7,95

Piranhas-Açu 31,43 7,71 8,74 9,87

Total 86,53 26,79 30,46 34,25

Fonte: ANA (2005b).

Notas: 1 Faixa litorânea de escoamento difuso (FLED).

2 UPs que não apresentam sedes municipais.

Em resumo, com relação à comprovação de escassez de água na região receptora dos estados de Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, constata-se déficit

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hídrico apenas em parte da bacia do rio Paraíba (com exceção da sub-bacia do Alto Paraíba), na Paraíba, e nas bacias Brígida e Terra Nova (no Eixo Norte) e Moxotó, UP-22 e UP-7 (no Eixo Leste), em Pernambuco.

No caso do Ceará e do Rio Grande do Norte, a questão do abastecimento humano pode ser resolvida com os recursos hídricos existentes nesses estados a partir de adutoras, e integração de bacias dos rios locais, por meio de obras executadas ou previstas. Aliás, essa autossuficiência é reconhecida pelos próprios órgãos gestores desses estados (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2004).

3.2 OS RECURSOS HÍDRICOS DA REGIÃO DE ORIGEM SÃO SUFICIENTES PARA SATISFAZER A DEMANDA DA TRANSFERÊNCIA SEM ACARRETAR IMPEDIMENTO AO DESENVOLVIMENTO FUTURO DESSA REGIÃO?

Para tentar esclarecer essa questão, primeiramente deve-se saber qual será a vazão retirada do rio São Francisco para atender ao Projeto de Transposição. O MI alega que o volume a ser retirado será igual a 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1.850 m³/s) no trecho do rio onde se dará a captação.

Entretanto, essa vazão de 26,4 m³/s poderá ser maior em determinadas circunstâncias. A Resolução no 29, de 24 de janeiro de 2005, da Agência Nacional de Águas (ANA), que reservou a vazão de 26,4 m³/s para o Projeto de Transposição (correspondente, de acordo com a ANA, à demanda projetada para o ano 2025 para consumo humano e dessedentação animal na região receptora beneficiada), estabelece em seu Artigo 1o, §1o que, além da vazão firme reservada de 26,4 m³/s:

Excepcionalmente, será permitida a captação da vazão máxima diária de 114,3 m³/s e instantânea de 127 m³/s quando o nível de água do reservatório de Sobradinho estiver acima do menor valor entre: a) nível correspondente ao armazenamento de 94,0% do volume útil; b) nível correspondente ao volume de espera para o controle de cheias.

O § 2o do Artigo 1o dessa Resolução estabelece que: “Enquanto a demanda real foi inferior à demanda projetada de que trata o caput, o empreendimento poderá atender o uso múltiplo dos recursos hídricos na região receptora”.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

Em outras palavras, quando ocorrer uma das duas situações descritas no Artigo 1o, §1o da Resolução no 29 de 2005 da ANA, a vazão retirada do rio São Francisco será maior do que os 26,4 m³/s.

A tabela 5 apresenta dados da vazão do Projeto de Transposição em várias situações, todas em função de Sobradinho verter ou não.

TABELA 5Volumes da transposição (Em m³/s)

Ramais Eixo Norte Eixo Leste Total

Pernambuco Paraíba São Francisco

Vazão para os anos em que Sobradinho verter (média intra-ano)

Vazão máxima (152,9 dias) 89,3 9,0 9,0 7,0 114,3

Vazão mínima (212,1 dias) 17,0 3,0 3,0 3,0 26,0

Vazão média 47,3 5,5 5,5 4,7 63,0

Vazão para os anos em que Sobradinho não puder verter (média intra-ano)

Vazão 17,0 3,0 3,0 3,0 26,0

Vazão média plurianual para sete anos

Média com vazão mínima em 3 anos 34,3 4,4 4,4 4,0 47,1

Média com vazão mínima em 4 anos 30,0 4,1 4,1 3,7 41,9

Média com vazão mínima em 5 anos 25,7 3,7 3,7 3,5 36,6

Média com vazão mínima em 6 anos 21,3 3,4 3,4 3,2 31,3

Fonte: Feijó e Torggler (2007) apud Suassuna (2005).

Pelos dados da tabela 5, verifica-se que a média anual da vazão retirada do São Francisco nos anos em que Sobradinho verter deverá ser de 63,0 m³/s (considerando que Sobradinho verta em 152,9 dias). A média plurianual será menor do que isso em função do número de anos que Sobradinho verter. Se, num período de sete anos, Sobradinho verte por dois anos, isso resulta numa relação de dois anos de maior vazão captada pelo projeto para cinco anos de vazão mínima, resultando numa média plurianual igual a 36,6 m³/s (tabela 5).

Resta responder a uma questão, isto é, se a retirada dessa vazão do rio São Francisco após a represa de Sobradinho prejudicará o desenvolvimento futuro da região doadora, qual seja, a região composta pela bacia do rio São Francisco.

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Para verificar se existe esse risco, é necessário saber qual é a vazão alocável determinada para o rio São Francisco. A determinação dessa vazão alocável ficou a cargo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF).1 O CBHSF através da Deliberação no 8, de 29 de julho de 2004, recomendou o valor de 360 m³/s como vazão máxima alocável de uso consuntivo médio anual na bacia. Portanto, o valor de 360 m³/s se refere a uma limitação de consumo dimensionada no Plano de Bacia para atender a todos os usos consuntivos da água previstos até o horizonte de 2025, inclusive todos os grandes projetos de irrigação previstos pela CODEVASF e o próprio Projeto de Transposição.

À época da determinação dessa vazão alocável, dos 360 m³/s alocáveis, 335 m³/s já tinham sido outorgados (isso não significa que esses 335 m³/s estavam sendo efetivamente consumidos, como se discutirá adiante), ou seja, já havia sido concedido o direito de uso da maior parte do volume alocável, restando apenas 25 m³/s residuais passíveis de outorga. A outorga para o Projeto de Transposição vai se somar aos 335 m³/s anteriormente outorgados. Esse valor de 25 m³/s é menor do que a vazão média calculada para o Projeto de Transposição em qualquer cenário de operação de Sobradinho, com ou sem vertimento (ver tabela 5).

Dessa maneira, com a concessão da outorga para o Projeto de Transposição de 26,4 m³/s, foi criado um déficit de 1,4 m³/s do volume alocável. Com isso, o rio São Francisco passou a não contar mais com saldo volumétrico alocável para outros fins, a não ser que seja realizado um processo de revisão negociada das outorgas já concedidas.

O Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica, doravante PBHSF (CBHSF, 2004) prevê a realização do processo de revisão das outorgas e enfatiza esse aspecto quando estabelece:

“As outorgas concedidas significam direitos assegurados até o presente momento. Portanto, os consumos outorgados e ainda não utilizados não podem ser considerados como disponíveis para uso imediato, até que a revisão das outorgas seja efetivada”.

1. A Lei Federal no 9.433/1997 (Artigo 13, parágrafo único) define que toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos planos de recursos hídricos. Essa mesma lei (Artigo 38, inciso III) define que a aprovação do plano de recursos hídricos de uma bacia (e consequentemente as prioridades de uso das águas) compete ao respectivo comitê instituído para essa bacia. No caso da bacia do Rio São Francisco, o CBHSF foi criado pelo decreto do presidente da Repú-blica em 5 de junho de 2001.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

Ainda nesse Plano lê-se:

Recomenda-se às autoridades outorgantes de recursos hídricos das unidades da federação integrantes da bacia e à ANA, o início, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias a partir da aprovação do Plano, do processo de revisão negociada das outorgas, como definido nos Arts. 14 e 24 da Resolução 16/2001 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Caso essa revisão não seja realizada, haverá impacto sobre o desenvolvimento de atividades econômicas, mormente a agricultura irrigada, na bacia do rio São Francisco, uma vez que novos projetos de agricultura irrigada não serão implantados pela impossibilidade de obtenção da outorga para uso da água.

Outro motivo a justificar a revisão das outorgas concedidas é que a maior parte da vazão correspondente aos usuários cadastrados referia-se ao cadastro da União (67%), que continha outorgas preventivas (que não conferem direito de uso), outorgas vencidas e pedidos de outorga ainda não analisados. Existem, também, grandes projetos que, embora já tivessem o consumo máximo autorizado há vários anos, ainda estavam consumindo vazões muito inferiores, não havendo previsões sobre quando atingiriam suas capacidades máximas.

Na prática, o consumo médio anual que realmente existe é bem inferior ao consumo autorizado (via outorgas). Por isso, com o intuito de melhorar a gestão dos recursos hídricos na bacia do rio São Francisco, a revisão das outorgas para aproximar os consumos autorizados dos consumos realmente efetivados é importante.2

Por fim, para encerrar esse tópico e tentar avaliar se os recursos hídricos da região de origem são suficientes para satisfazer à demanda da transferência sem comprometer o seu desenvolvimento futuro, apresenta-se a seguir uma descrição dos cenários de crescimento para utilização de água em toda a bacia do rio São Francisco.

Esses cenários foram apresentados no PBHSF (CBHSF, 2004). Na tabela 6, são apresentadas a taxa de crescimento e a projeção do consumo efetivo de água da bacia no ano de 2013 para os três cenários.

2. Para mais informações sobre os consumos autorizados e sobre os consumos realmente utilizados, ver a Nota Técnica no 390/2005/SOC da ANA.

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TABELA 6Descrição dos cenários e respectivas variações de consumos

Cenários Taxas de crescimento ao ano (a.a.) (%)

Consumo efetivo 2004 (m³/s)

Consumo efetivo 2013 (m³/s)

Cenário tendencial 1,9 90,9 107,9

Cenário normativo (sem transposição) 6,5 134,9

Cenário normativo (com transposição)1 6,5 160,4

Cenário otimista (sem transposição) 8,9 169,9

Cenário otimista (com transposição)1 8,9 195,4

Fonte: CBHSF (2004).

Nota: 1 O consumo total previsto pelo Projeto de Transposição para o ano de 2013 é de 25,5 m³/s.

Esses três cenários são: i) cenário tendencial – no qual a região da bacia do São Francisco cresce segundo taxas similares às atualmente observadas; ii) cenário normativo – no qual a região cresce segundo taxas similares às do Plano Plurianual; e iii) cenário otimista – no qual a região cresce segundo taxas superiores às do Plano Plurianual. Foram consideradas as alternativas com e sem transposição do rio São Francisco nos cenários normativo e otimista.

Nos estudos realizados previamente à elaboração do PBHSF, constatou-se que em 2004 havia na bacia (considerando-se apenas as demandas existentes nos rios perenes) um consumo de 90,9 m³/s, equivalente a uma vazão de captação de 151,59 m³/s. Esse valor é muito inferior aos 335 m³/s de consumo outorgado, o que indica um superdimensionamento das outorgas. De acordo com o PBHSF, essa diferença provavelmente se deve às dificuldades para a implantação ou a conclusão dos projetos existentes. Essa diferença constitui, além disso, mais uma evidência da necessidade de se realizar um processo de revisão das outorgas já concedidas.

Os dados da tabela 6 indicam que a curto e médio prazos o Projeto de Transposição não prejudicaria o desenvolvimento da região da bacia do rio São Francisco, visto que eles projetam para o ano de 2013 um saldo de vazão alocável de 199,6 m³/s e 164,6 m³/s, respectivamente, para os cenários normativo (com transposição) e otimista (com transposição). Esses saldos foram obtidos subtraindo-se os valores de consumo efetivo nos cenários, com transposição, normativo e otimista da vazão alocável de 360 m³/s definida pelo CBHSF.

No longo prazo, entretanto, há de se considerar os levantamentos da área potencialmente irrigável na bacia apresentados no Plano Diretor para o Desenvolvimento

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

do Vale do São Francisco (PLANVASF) (CODEVASF, 1989). De acordo com esse plano, o potencial de áreas irrigáveis na bacia é de 8 milhões de hectares. Considerando-se como fatores restritivos para o aproveitamento dessas áreas os limites de 60 metros de recalque e 120 quilômetros de distância do manancial, a área potencialmente irrigável se reduz para 3 milhões de hectares (CODEVASF, 1989).

Os projetos de irrigação implantados na bacia, até 2003, ocupavam uma área de 342.712 hectares, o que corresponde a apenas 11,4% dessa área, ou seja, restariam aproximadamente 2,7 milhões de hectares apropriados para a agricultura irrigada na bacia. Se no longo prazo uma parcela dessa área for utilizada para implantação de projetos de agricultura irrigada, 1 milhão de hectares, por exemplo, e considerando a vazão de retirada média de 0,5 l/s/ha,3 a demanda adicional de água para irrigação na bacia seria equivalente a 500 m³/s, vazão essa que o rio São Francisco e seus afluentes não seriam capazes de oferecer.

Ainda com relação ao longo prazo, se for considerado o possível crescimento da demanda por água na bacia que não para o uso na irrigação, a dificuldade do rio São Francisco e de seus afluentes de atenderem essa demanda crescente será ainda maior. Ademais, deve ser lembrado nesse ponto que, de acordo com determinação do CBHSF (conforme exposto no tópico anterior), a vazão alocável do rio São Francisco é de 360 m³/s. Em resumo, a possibilidade de ocorrerem conflitos futuros é evidente.

Convém ressaltar, entretanto, o que foi mencionado anteriormente: a curto e a médio prazos o Projeto de Transposição não prejudicará o desenvolvimento da região da bacia do rio São Francisco. No momento, o conflito pelo uso da água não é intenso na bacia do rio, mas com o crescimento da área irrigada no longo prazo (horizonte superior a dez anos), esse conflito será mais grave.

3. Para efeito de cálculo da quantidade de água utilizada para se irrigar uma lavoura, considera-se o valor médio de 1 l/s/ha para dimensionar o sistema de bombeamento. Como aproximadamente 50% desse valor retorna ao leito do rio, para análise do conflito de uso da água, considera-se então um dispêndio líquido pela irrigação de 0,5 l/s/ha.

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3.3 OS IMPACTOS AMBIENTAIS OCASIONADOS PELA TRANSFERÊNCIA DE ÁGUA SÃO REDUZIDOS PARA AMBAS AS REGIÕES, DE DESTINO E DE ORIGEM?

O terceiro preceito requerido para a legitimação de um projeto de transferência de águas entre bacias é a necessidade de que os impactos ambientais ocasionados por essa transferência sejam reduzidos para ambas as regiões envolvidas, a de origem e a de destino da água transposta.

Os impactos ambientais são potenciais alterações provocadas no meio ambiente e podem ocorrer em uma ou mais fases de um projeto (fases de planejamento, de construção e de operação).

Conforme a Resolução no 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1986, considera-se impacto ambiental:

Qualquer alteração das propriedades físicas ou químicas e/ou biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde, a segurança, o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota (flora e fauna), as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.

Para realizar a avaliação dos prováveis impactos ambientais do Projeto de Transposição e obter o licenciamento para a realização do mesmo, o MI contratou as empresas Ecology and Environment do Brasil, Agrar Consultoria e Estudos Técnicos e JP Meio.

Na delimitação da área que fez parte do estudo ambiental do Projeto de Transposição, houve a necessidade de escolher enfoques e graus de profundidade de análise que fossem ajustados à distribuição e à intensidade dos impactos previsíveis relacionados a este projeto.

Foram consideradas, inicialmente, as duas tradicionais unidades de análise: a Área de Influência Indireta (AII), onde ocorrem os efeitos indiretos da integração das águas, e a Área de Influência Direta (AID), onde se dão, principalmente, as transformações ambientais diretas (ou primárias) decorrentes do empreendimento, por exemplo, no entorno imediato de onde serão construídos os canais.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

Realizado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto, o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) (MI, 2004a) apresentou um resumo sobre quais são os possíveis impactos do projeto. Foram identificados 44 impactos (positivos ou negativos) decorrentes do Projeto de Transposição. Esses impactos são elencados no anexo.

Sobre esses impactos devem ser feitos alguns comentários, os quais, apresentados a seguir, foram extraídos em parte do Parecer no 31/2005, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Primeiramente são expostos os comentários sobre alguns impactos positivos elencados no Rima.

Com relação ao impacto de número 16 relacionado no Rima (ver anexo), aumento da oferta e da garantia hídrica, é importante ressaltar que, apesar de o Projeto de Transposição aumentar a oferta hídrica no Nordeste Setentrional, esse empreendimento só será efetivamente útil para a região receptora caso seja dada continuidade aos programas implantados, em implantação ou planejados, de construção de adutoras e canais que sirvam para conduzir a água dos açudes para os usuários finais. A questão dos benefícios sociais esperados do Projeto de Transposição será abordada no próximo tópico deste estudo. Além disso, caso esses investimentos em infraestrutura de distribuição de água não sejam realizados, é pouco provável que o impacto de número 19 (redução da exposição da população a situações emergenciais de seca) venha a ocorrer.

Ainda com relação ao aumento da oferta de água – os impactos de número 17 e 18, respectivamente: aumento da oferta de água para abastecimento urbano e abastecimento de água das populações rurais – deve-se ressaltar que, para que o potencial desses dois impactos positivos se realize, é necessário que o empreendedor (MI) garanta a melhoria da qualidade da água a ser entregue à população beneficiada, evitando assim que esta consuma água não tratada.

Essa é uma preocupação elementar ao se considerar que a região receptora da água do São Francisco apresenta um dos menores índices de saneamento básico do Brasil. Ademais, caso o Projeto de Transposição não seja acompanhado de uma melhoria do saneamento básico na região receptora, este será outro impacto positivo, mencionado no Rima (o número 22 no anexo), que também não terá elevada probabilidade de ocorrer.

Outro suposto impacto positivo do projeto, o aumento da recarga fluvial dos aquíferos (impacto 40), possivelmente não ocorrerá de acordo com a previsão da equipe

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que desenvolveu o EIA/Rima. Isso porque a infiltração se dará especificamente nos reservatórios que serão construídos e ao longo dos trechos de leito natural dos rios receptores das águas do São Francisco. Os açudes previstos no projeto serão construídos em terrenos de embasamento cristalino, constituído por rochas pouco permeáveis e que acumulam águas em fraturamentos, formando aquíferos limitados e pontuais.

O maior número de impactos identificados no estudo correspondente aos aspectos ambientais são impactos negativos. Dentre esses, alguns parecem ter sido subdimensionados, como é o caso do impacto 24 (ver anexo). É apresentada uma estimativa de que ocorrerão perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas de vegetação nativa e de habitats de fauna terrestre em função do desmatamento, que será realizado ao longo da faixa onde os canais serão instalados.

Essa estimativa parece ter sido subdimensionada, visto que uma faixa de 2,5 quilômetros ao longo dos canais foram, via decreto presidencial, declarados como de utilidade pública para fins de desapropriação, sendo que a maior parte da vegetação presente nesses locais corre um sério risco de ser suprimida, para fins de assentamentos agrários. Em termos de áreas efetivamente atingidas por construções, os canais e reservatórios afetam aproximadamente 200 quilômetros quadrados.

Na ocorrência de outros impactos negativos, as medidas recomendadas de mitigação são insuficientes. Esse é o caso, por exemplo, de dois impactos negativos com grande probabilidade de acontecer: depleção da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras (impacto 28 do anexo) e introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem (impacto 30), e de difícil reversibilidade.

A medida mitigadora do impacto 30 será a utilização de filtros nas tomadas d´água dos dois eixos, a fim de evitar a passagem de peixes. A malha do filtro, além de necessitar de manutenção frequente devido ao possível entupimento, exigirá maior potência da bomba para manter a vazão desejada.

Outro impacto ambiental negativo, a instabilização de encostas marginais dos corpos d´água (impacto 34 do anexo), teve sua magnitude avaliada erroneamente pela equipe que desenvolveu o EIA. Esse impacto foi avaliado como sendo de curto prazo, quando na realidade ele existirá durante todo o período de operação do empreendimento.

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Relacionado a esse impacto, a alteração do comportamento hidrossedimentológico dos corpos d´água (impacto 37) poderá ocorrer como resultado do desenvolvimento de processos erosivos e instabilização de taludes marginais dos rios que receberão as águas do São Francisco (impacto 34) e devido ao aumento dos focos erosivos, consequência do crescimento da agricultura irrigada e do respectivo manejo inadequado dos solos dos novos polos de agricultura irrigada que surgirão.

Um dos impactos negativos do Projeto de Transposição mais comentado é a redução da geração de energia elétrica no rio São Francisco (impacto 43 do anexo). De acordo com Lerner (2006) no pior cenário de perda de energia por causa da transposição (caso em que a demanda perene equivale ao valor máximo de vazão diária permitida na outorga da ANA) haverá um impacto de aproximadamente 7.508 megawatts em cinco anos de operação. Esta quantidade de energia equivale à usina de Xingó (potência instalada de 3 mil megawatts) operando com a plena potência instalada durante dois meses e meio.

No caso da vazão permitida pela ANA para o Projeto de Transposição em qualquer tempo (26,4 m³/s), resultaria em um impacto energético de aproximadamente 1.078 megawatts em cinco anos, equivalente à usina de Xingó operando à carga total durante 11 dias. Já a vazão média calculada pelo MI em ambos os eixos (63,5 m³/s) causaria um impacto energético de aproximadamente 2.900 megawatts em cinco anos, equivalente à usina de Xingó operando à carga total durante 29 dias (LERNER, 2006).

Em resumo, apesar de alguns impactos ambientais do projeto terem sido subestimados no EIA, considera-se que os impactos decorrentes desse empreendimento não são de proporção capaz de inviabilizar o projeto pelo critério ambiental.

3.4 OS BENEFÍCIOS SOCIAIS PARA A REGIÃO DE DESTINO SÃO COMPATÍVEIS COM O PORTE DO EMPREENDIMENTO?

Como várias questões relacionadas ao Projeto de Transposição do rio São Francisco, a pergunta sobre quais serão os benefícios sociais para a região de destino também constitui uma questão que desperta muita polêmica. Aliás, o cerne das justificativas para se realizar o projeto é justamente isso, os significativos impactos/benefícios sociais dele resultantes.

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De acordo com o MI, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional tem por objetivo garantir a oferta de água para o desenvolvimento socioeconômico dos estados mais vulneráveis às secas (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte).

Neste sentido, ainda de acordo com o MI, ao mesmo tempo em que garante o abastecimento no longo prazo de grandes centros urbanos da região (Fortaleza, Juazeiro do Norte, Crato, Mossoró, Campina Grande, Caruaru, João Pessoa) e de centenas de pequenas e médias cidades inseridas no Semiárido, o projeto beneficia áreas do interior do Nordeste com razoável potencial econômico, estratégicas no âmbito de uma política de desconcentração do desenvolvimento.

Por outro lado, os vários críticos do projeto argumentam que a transposição não trará os benefícios apontados pelo governo. As críticas são as mais variadas: desde a alegação de que a água não beneficiará a população rural dispersa, notadamente aquela mais afetada pela seca, até a de que o custo da água transposta será muito elevado para ser utilizada em projetos de irrigação.

Na sequência desse tópico, faz-se uma análise em torno dessa polêmica. Trata-se de uma tentativa de disponibilizar informação sobre o assunto com o objetivo de avaliar qual será, potencialmente, a contribuição do projeto para o desenvolvimento socioeconômico de sua região de influência.

Para direcionar essa análise, o estudo englobará três aspectos relacionados aos possíveis benefícios sociais do Projeto de Transposição:

• avaliar qual será a população potencialmente atendida;

• avaliar a possibilidade de redução de gastos emergenciais com as secas; e

• avaliar o seu potencial no sentido de impulsionar projetos de agricultura irrigada na região beneficiada.

A avaliação de qual será a população potencialmente atendida é um primeiro indicador importante para se mensurar os benefícios sociais da transposição. Obviamente, quanto maior o número de pessoas atendidas, maior será o impacto socioeconômico do projeto.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

Para se avaliar isso, deve-se inicialmente analisar os números da população a ser atendida. De acordo com informações obtidas no EIA do Projeto de Transposição (MI, 2004b), a população residente na sua área de influência será a constante nas tabelas 7 e 8. Optou-se por essa fonte de informação porque, entre as demais fontes fornecidas pelo MI em seu endereço eletrônico sobre a transposição, ela é a que oferece maior nível de detalhamento sobre a região beneficiada.

Na tabela 7, os números apresentados referem-se à AID do Projeto de Transposição. De acordo com os autores do EIA, a AID compreende uma superfície da ordem de 66.500 quilômetros quadrados, envolvendo uma extensão de aproximadamente 720 quilômetros ao longo dos canais artificiais, estações de bombeamento, aquedutos, túneis e reservatórios de pequeno porte projetados e 750 quilômetros ao longo dos leitos naturais por uma faixa de cerca de 50 quilômetros ao redor dos eixos hídricos do empreendimento.

TABELA 7Localização, número de municípios e população da AID do Projeto de Transposição do São FranciscoEstado Bacia Número de municípios População urbana População rural População total

Ceará Jaguaribe 21 281.538 261.314 542.852

Paraíba Paraíba 8 38.052 30.662 68.714

Paraíba Piranhas-Açu 22 209.770 124.120 333.890

Pernambuco São Francisco 16 210.245 183.220 393.465

Rio Grande do Norte Apodi 12 68.371 37.659 106.030

Rio Grande do Norte Piranhas-Açu 7 73.182 37.706 110.888

Total 86 881.158 674.681 1.555.839

Fonte: MI (2004b).

Já na tabela 8, os números são os da AII. A AII é definida como a área real ou potencialmente afetada pelos impactos indiretos da implantação e operação do empreendimento, abrangendo os ecossistemas e o sistema socioeconômico que podem ser impactados pelas alterações ocorridas na área de influência direta. A AII, referente aos temas físicos e bióticos, foi definida como o conjunto das bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Piranhas-Açu, Apodi, Jaguaribe e Paraíba.

Assim, de acordo com os números das tabelas 7 e 8, um total de aproximadamente 1.550.000 pessoas e de 7.260.000 pessoas serão beneficiadas, respectivamente na AID e na AII do Projeto de Transposição, totalizando pouco mais de 8.800.000 pessoas.

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Entretanto, há que se indagar se toda essa população será realmente beneficiada. Principalmente na AII, o número apresentado, de 397 municípios beneficiados, constitui apenas uma estimativa. Muitos desses municípios poderão não ser beneficiados, e para que o sejam, vão depender de outras obras de infraestrutura hídrica não previstas no Projeto de Transposição.

Além disso, confrontando-se os números das tabelas 7 e 8 com os das tabelas 1 a 4 (balanço hídrico das bacias hidrográficas dos estados receptores da água do São Francisco), verifica-se um significativo número de municípios na área de influência do projeto localizados em bacias nas quais a disponibilidade hídrica é superior às demandas atuais ou projetadas.

O caso do Rio Grande do Norte é emblemático. Na AID, 19 municípios desse estado localizados nas bacias dos rios Apodi e Piranhas-Açu serão beneficiados (tabela 7). Já na AII (tabela 8), 93 são os municípios potencialmente beneficiados, todos localizados nas mesmas duas bacias mencionadas no caso da AID. Entretanto, nessas duas bacias não existe atualmente, e nem há previsão futura (até o ano de 2025), de déficit hídrico (demanda maior do que disponibilidade) (tabela 4).

Ou seja, numa situação como esta, na qual a água será destinada a uma região que não apresenta déficit hídrico (bacias do Apodi e do Piranhas-Açu), acredita-se que os benefícios sociais não serão muito significativos.

TABELA 8Localização, número de municípios e população da AII do Projeto de Transposição do São Francisco

Estado Bacia Número de municípios População urbana População rural População total

Alagoas São Francisco 4 45.194 51.579 96.773

Ceará Jaguaribe 81 1.243.713 975.634 2.219.347

Paraíba Paraíba 66 1.482.722 334.355 1.817.077

Paraíba Piranhas-Açu 101 557.647 372.674 930.321

Pernambuco São Francisco 52 591.164 536.114 1.127.278

Rio Grande do Norte Apodi 52 444.619 168.590 613.209

Rio Grande do Norte Piranhas-Açu 41 325.637 139.082 464.719

Total 397 4.690.696 2.578.028 7.268.724

Fonte: MI (2004b).

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

Outro indício de que nem todos os municípios (tabelas 7 e 8) previstos como beneficiários pelo EIA o serão de fato é a divergência entre o número mencionado nesse estudo, 483 (86 na AID, tabela 7, e 397 na AII, tabela 8), e o número de municípios beneficiados de acordo com o MI, que é igual a 391.4

Considerando ser pouco provável que o MI apresente um número de municípios beneficiados menor do que o realmente previsto no projeto, infere-se que o número de 391 municípios esteja mais próximo do real do que o número 483.

Evidencia-se por essa divergência que a delimitação da região, e consequentemente da população, a ser beneficiada não é muito precisa, o que dificulta o estudo sobre os benefícios sociais do projeto. Ademais, deve-se ressaltar que mesmo o número de 391 municípios beneficiados propugnado pelo MI carece de comprovação.

O TCU realizou uma auditoria operacional no Projeto de Transposição e entre as observações feitas pela equipe de auditores, algumas se referem à delimitação da área de abrangência do projeto. As recomendações dos auditores foram aprovadas pelos ministros do TCU no Acórdão no 2017/2006.

Nessa auditoria, foram enviados questionários a esses 391 municípios que de acordo com o MI serão beneficiados pela transposição com o intuito de obter uma visão mais acurada das demandas hídricas na região. Desses municípios, 103 enviaram o questionário respondido para o TCU, o que foi considerado uma amostra representativa (26% do total).

Mais de 20% dos municípios que responderam ao questionário afirmaram que não terão nenhum benefício com o projeto. Em alguns casos, o representante do município que respondeu ao questionário declarou que seu município não pertence à área de abrangência do projeto (apesar de estar incluído na listagem do MI entre os 391 municípios beneficiados).

Outra constatação importante da auditoria foi a de que 56% dos municípios que responderam a questão relativa à existência de infraestrutura hídrica no município

4. Acesse: http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/beneficios.asp

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para aproveitamento da água transposta do rio São Francisco afirmaram que não detinham ainda infraestrutura suficiente para aproveitar essa água. Ou seja, além daqueles municípios que não consideram que serão beneficiados pela transposição, existe um número significativo daqueles que não possuem infraestrutura hídrica para obter benefício e somente com obras complementares ao projeto será possível atender a população desses municípios com a água do São Francisco.

Essa descoberta dos auditores foi corroborada pelo próprio MI. Ao responder à 3a diligência da ANA durante o processo de concessão da outorga (Ofício no 373/2005 – MI, Anexo II, fls 132 a 144), o MI informou que apenas 86 dos municípios a serem beneficiados detêm sistemas de adução para utilização da água proveniente do rio São Francisco.

Adicionalmente, não foi considerado no projeto o custo das obras dessa infraestrutura hídrica complementar. Assim, sem a realização dessas obras complementares, grande parte dos municípios potencialmente beneficiados não o serão e a população beneficiada será significativamente inferior àquela definida pelo MI.

Para finalizar a questão sobre o número de municípios beneficiados (e como consequência, o tamanho da população atendida), na realização da auditoria o TCU também enviou questionários aos órgãos estaduais responsáveis pela gestão de recursos hídricos.

Novamente, assim como ocorreu no caso das respostas dos municípios supostamente beneficiários, as respostas dos governos estaduais indicaram que apenas parte dos municípios listados pelo MI como beneficiários são classificados dessa maneira pelos estados receptores. Nesse caso, as respostas dos representantes dos estados de Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte indicaram um número menor de municípios beneficiados nesses estados do que o contido na listagem do MI. Apenas o representante da Paraíba indicou um número superior de beneficiados.

Em suma, a lista da população que será atendida pelo Projeto de Transposição apresentada pelo MI não está fundamentada em dados passíveis de comprovação e é, provavelmente, menor do que a declarada pelo MI, a não ser que sejam realizados investimentos na construção de uma infraestrutura de captação, tratamento e distribuição de água capaz de atender a todos os municípios enumerados pelo MI como potenciais beneficiários do projeto.

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Ainda no âmbito da análise sobre os benefícios sociais do projeto na região receptora, será avaliada a seguir qual é a perspectiva de redução de gastos emergenciais com as secas.

O potencial impacto de redução de gastos emergenciais com as secas tem sido utilizado com frequência pelos defensores da transposição como uma das justificativas para a realização do projeto. A versão desse argumento mais comumente utilizada é a de que o custo de fazer a integração é menor do que o de não fazer, pois os R$ 4,5 bilhões para a realização da obra equivalem aos gastos com medidas emergenciais durante duas secas.

Entretanto, não existem evidências de que a redução de dispêndios do governo federal com ações emergenciais de combate à seca no Nordeste guardará alguma proporção com os recursos gastos no Projeto de Transposição. Isso porque as ações emergenciais estão concentradas no auxílio a populações majoritariamente dispersas que, dificilmente, serão beneficiadas com a transposição.

Essa característica de dispersão da população atendida pelas ações emergenciais de combate às secas pode ser inferida dos resultados de duas pesquisas de campo feitas com trabalhadores nas frentes produtivas contra a seca de 1998-1999 (uma das piores secas do século XX). As informações sobre essas duas pesquisas foram extraídas de Gomes (2001).

Em dezembro de 1998, em uma das pesquisas – da Datamétrica/Fundação de Amparo ao Desenvolvimento da Educação (Fade) – foram aplicados 1.216 questionários junto aos alistados em sete estados nordestinos (apenas Alagoas e Maranhão foram excluídos da amostra) e no norte de Minas Gerais. Em fevereiro de 1999, em outra pesquisa sobre as frentes de trabalho – Rumo XXI/Fundação Joaquim Nabuco (FJN) – foram aplicados 650 questionários em cinco estados nordestinos. Ambas as pesquisas foram financiadas pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) (GOMES, 2001).

Uma das informações coletadas nessas pesquisas foi sobre a ocupação principal dos alistados nas frentes de trabalho (tabela 9), informação esta que constitui indício da dispersão dessa população.

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Constata-se que a grande maioria dos alistados tem como ocupação principal atividades relacionadas à produção agropecuária (proprietários de pequenos lotes de terra, parceiros, posseiros, arrendatários, assentados, assalariados permanentes ou temporários em atividades ligadas à produção agropecuária). Se bem que o fato de ter como ocupação principal uma dessas atividades não impeça o indivíduo de viver em áreas urbanas, considera-se que parte significativa dessas pessoas resida no meio rural e, por causa dessa característica, o acesso à água da transposição será mais difícil, devido ao custo elevado da infraestrutura hídrica de distribuição da água. Ou seja, retornamos para a assertiva original de que, dificilmente, a redução dos gastos emergenciais originados pelas secas será significativa.

Essa redução poderá ser maior se forem realizados investimentos em projetos de irrigação para atender essa população, mas, ainda assim, existiria outro obstáculo a ser superado: a reduzida extensão de terra trabalhada pelos agricultores enquadrados em qualquer uma das categorias de ocupação.

As duas pesquisas mencionadas identificaram a área média das propriedades cujos donos estavam na frente de trabalho na seca de 1998-1999. Essa média foi de 6,7 hectares, na pesquisa da Datamétrica/Fade, e de 8,9 hectares, no caso da Rumo

TABELA 9Ocupação principal dos alistados nas frentes de trabalho na seca de 1998-1999

Grupos Participação no número total pesquisado

Pesquisa Datamétrica/Fade (%) Pesquisa Rumo XXI/FJN (%)

Proprietários 32 34

Parceiro 7 26

Ocupante/posseiro1 17 2

Arrendatário 7 2

Tem lote de assentamento 1 2

Assalariado permanente na agricultura2 1 2

Assalariado temporário/diarista na agricultura3 20 15

Assalariado temporário/diarista na pecuária 1 -

Empreiteiro - 1

Morador - 6

Pescador 2 -

Outros tipos de ocupação 12 12

Total 100 100

Fonte: Gomes (2001).

Nota: Definições adotadas na pesquisa Rumo XXI/FNJ: 1 posseiro; 2 asslariado; 3 diarista.

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XXI/FJN. No caso dos parceiros, eles trabalhavam com 5,5 hectares (Datamétrica/Fade) e 9,1 hectares (Rumo XXI/FJN). Os arrendatários tinham em média 2,4 hectares (Datamétrica/Fade) e 4,1 hectares (Rumo XXI/FJN). Na média dessas médias, os trabalhadores alistados nessas frentes tinham entre 5,0 hectares (Datamétrica/Fade) e 8,0 hectares (Rumo XXI/FJN) para trabalhar (GOMES, 2001).

Dessa forma, mesmo se forem feitos investimentos em projetos de irrigação para esse público, ainda assim o tamanho das áreas a serem trabalhadas constituirá um empecilho para o desenvolvimento de uma agricultura que gere renda para essas pessoas em nível suficiente para eliminar a necessidade de alistamento nas frentes de trabalho em anos de seca.

Além disso, os eixos do Projeto de Transposição (figura 1) não cobrem toda a área do polígono das secas (figura 2). A população atendida pelas frentes emergenciais de combate às secas está dispersa por todo o Nordeste em uma área consideravelmente superior à área coberta pelos eixos Leste e Norte da transposição (tabela 10).

TABELA 10Dados do Programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca – 1998-1999

Ano Área de atuação do programa Número de municípios

Ações Alistados nas frentes

Despesas (R$)

1998 1. Todos os estados do Nordeste. 2. Norte de Minas Gerais.1

3. Vale do Jequitinhonha, MG. 4. Norte do Espírito Santo.1

1.418 1. Frentes produtivas (R$ 80/mês/trabalhador). 2. Cestas básicas (3 milhões/ mês). 3. Crédito emergencial. 4. Carros-pipa (máximo em dezembro de 1998: 464 municípios atendidos).

1.193.000 (máximo em dezembro de

1998).

1.200.000.000

1999 (outubro)

1. Rio Grande do Norte. 2. Paraíba. 3. Pernambuco. 4. Alagoas. 5. Sergipe. 6. Bahia. 7. Norte do Espírito Santo.

446 1. Frentes produtivas (R$ 60/mês/trabalhador). 2. Cestas básicas (1 milhão/ mês). 3. Carros-pipa (máximo em setembro de 1999: 338 municípios atendidos).

767.000 (máximo em dezembro de

1998).

600.000.000

Fonte: Gomes (2001).

Nota: 1 Regiões de atuação da Sudene.

Adicionalmente, mesmo aceitando que toda a população potencialmente beneficiária na AID (tabela 7) e na AII (tabela 8) venha a ser realmente beneficiada e tenha acesso à água transposta (o que conforme vimos é improvável) num total aproximado de 8,8 milhões de pessoas, ainda assim esse número seria muito menor do que a população habitante do polígono das secas, estimada em 27.675.908 pessoas (ver SUDENE, 1997), maior beneficiária dos programas e ações emergenciais de combate às secas do governo.

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Ou seja, na melhor das hipóteses, aproximadamente 80% da população do polígono das secas continuariam numa situação de vulnerabilidade aos efeitos das secas e, por isso, poderiam necessitar de auxílio governamental em anos críticos. Mais um indício de que a redução dos gastos emergenciais com as secas não ocorrerá na magnitude prevista pelo governo federal.

A análise da diminuição de custos relativos a medidas emergenciais de combate à seca só será possível após a identificação precisa de qual população será beneficiada pelo Projeto de Transposição, bem como quais serão as medidas emergenciais que ainda assim deverão ser mantidas para atender essa população. Essas informações não estão disponíveis. Dessa maneira, qualquer estipulação de valores a serem economizados em decorrência da transposição é mera especulação.

Para finalizar esse tópico sobre os potenciais benefícios da transposição, na sequência será avaliado o potencial dessa obra de garantir oferta hídrica para projetos de agricultura irrigada na região beneficiada. De acordo com o MI, as áreas irrigadas em 2005 e as áreas irrigadas estimadas em 2025 nas bacias receptoras da água do São Francisco são as constantes da tabela 11.

Em 2005, havia 73.577 hectares irrigados nas bacias receptoras. Para 2025, a estimativa do MI é de que essa área aumente para 265.270 hectares, ou seja, um crescimento de 191.693 hectares.

Um fato que merece menção ao analisarem-se os números da tabela 11 são os valores de vazão adotados para atender essas áreas irrigadas. Dividindo a área total irrigada em 2005 e 2025 pelas respectivas vazões apresentadas, obtém-se um consumo equivalente a 0,32 l/s/ha. Esse valor é bem inferior ao normalmente aceito para o consumo anual médio de um hectare de lavoura irrigada (esse valor varia para mais ou para menos de acordo com a espécie vegetal cultivada) de 0,5 l/s/ha.

Caso tivesse sido utilizada a estimativa de consumo mais realista de 0,5 l/s/ha, as vazões totais teriam sido, respectivamente, em 2005 e 2025 iguais a 36,8 m3/s e 132,6 m3/s. A vazão adicional requerida em 2025, em relação a 2005, para irrigar toda a área irrigável nas bacias receptoras seria, então, de 95,8 m3/s. Se for projetado que essa vazão seja fornecida pela transposição, mesmo que toda a vazão captada no rio São Francisco

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

fosse utilizada para o atendimento dessa demanda, na melhor das hipóteses essa vazão só seria parcialmente atendida em parte dos anos em que a represa de Sobradinho vertesse (ver tabela 5).

TABELA 11Áreas irrigadas em 2005 e estimadas para 2025 nas bacias receptoras do Projeto de Transposição

Sub-bacias Área 2005 (ha) Área 2025 (ha) Vazão 2005 (m3/s) Vazão 2025 (m3/s)

Baixo Piancó (jusante Curemas) 6.150 6.150 2,0 2,0

Alto Piranhas 2.991 22.417 1,0 7,4

Médio Piranhas – PB 500 6.500 0,2 2,1

Médio Piranhas – RN 0 800 0,0 0,3

Baixo Piranhas 9.129 46.629 3,0 15,4

Alto Paraíba 211 2.911 0,1 1,0

Médio/Baixo Paraíba 1.089 7.589 0,4 2,5

Alto Apodi 400 400 0,1 0,1

Baixo Apodi 6.000 32.400 2,0 10,7

Alto Salgado 2.775 12.993 0,9 4,3

Alto Jaguaribe 3.947 10.512 1,3 3,5

Médio Jaguaribe (Salgado – Castanhão) 2.529 7.029 0,8 2,3

Banabuú 5.170 5.170 1,7 1,7

Médio Jaguaribe (Castanhão – Salgado) 18.853 41.368 6,2 13,6

Baixo Jaguaribe 7.426 24.207 2,4 8,0

Baixo Moxotó 6.407 24.796 2,1 8,2

Médio Brígida (jusante Santo Antônio) 0 6.700 0,0 2,2

Médio São Pedro (jusante Entremontes) 0 6.700 0,0 2,2

Total 73.577 265.270 24,2 87,4

Fonte: ANA (2005a).

Como a represa de Sobradinho só verte, em média, dois de cada sete anos, tem-se um grave problema para atender à demanda hídrica para a área irrigada prevista pelo MI nas bacias receptoras no ano de 2025. Nos anos em que Sobradinho não verter, não se terá vazão alguma do Projeto de Transposição para atender aos projetos de irrigação nas bacias receptoras, pois o próprio MI estabelece que a vazão mínima de 26,4 m3/s será utilizada para consumo humano e dessedentação animal.

Essa inconstância no fornecimento de água para essas áreas impede o cultivo de culturas perenes. Essas culturas, que incluem, por exemplo, as frutíferas, são frequentemente as mais rentáveis e reconhecidamente as que geram mais empregos. O polo de agricultura irrigada de Petrolina–Juazeiro é um típico exemplo do sucesso de um

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grande projeto de agricultura irrigada baseado em culturas perenes no desenvolvimento de uma região.

Além de inviabilizar a implantação de áreas irrigadas com culturas perenes, como a transposição só disponibilizará água para esses projetos em determinados anos (estima-se, de acordo com o histórico recente, dois em cada sete) e ainda assim em apenas alguns meses desses anos, a rentabilidade dos projetos de irrigação que sejam implantados será prejudicada. Isso devido ao fato de que nessas áreas irrigadas só será possível obter uma ou no máximo duas safras em virtude da limitação do fornecimento de água no período do ano em que não ocorrer o bombeamento máximo nos dois eixos da transposição, quando, sem essa limitação, seria possível obter de duas a três safras (lavouras de ciclo anual).

No caso de se utilizar toda a vazão captada no rio São Francisco pelo Projeto de Transposição para irrigação agrícola, haveria, nos anos em que Sobradinho não vertesse, 26,4 m3/s a serem utilizados nos projetos de irrigação nas bacias receptoras. Ainda assim, com base no consumo médio de 0,5 l/s/ha, essa vazão seria suficiente para irrigar somente 52.800 hectares e não os 265.270 (tabela 11), ou melhor, os 191.693 hectares adicionais irrigados previstos pelo MI. Caso seja utilizado o consumo de 0,32 l/s/ha, também não seria possível irrigar os 191.693 hectares, mas somente 82.500 hectares. Ou seja, mesmo considerando uma hipótese irrealista, a transposição não será capaz de fornecer a água necessária para a expansão da área irrigada, conforme o proposto pelo MI.

Além disso, existem críticos do Projeto de Transposição que argumentam que o custo da água transposta será muito elevado e que, caso esse valor seja cobrado dos agricultores, praticamente inviabilizará a obtenção de lucro por parte dos que utilizem essa água em suas lavouras e, assim, o desenvolvimento da agricultura irrigada nessas condições não será viável. Feijó e Torggler (2007) afirmam que o custo do hectare irrigado com água do Projeto de Transposição poderá ultrapassar dez vezes o custo do hectare irrigado que se cria nas margens do São Francisco. Já Kelman e Ramos (2004) afirmam que o custo econômico de irrigação no eixo norte da região receptora poderá ser de 80% a 150% maior que o correspondente custo para irrigação na bacia do rio São Francisco, dependendo da regra operativa adotada.

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Por último, convém mencionar a questão das mudanças climáticas em relação à região Nordeste. De acordo com Marengo (2009), a região Nordeste caracteriza-se naturalmente como de alto potencial para evaporação da água em função da enorme disponibilidade de energia solar e altas temperaturas. Aumentos de temperatura associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global, independentemente do que possa vir a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior evaporação dos lagos, açudes e reservatórios e maior demanda evaporativa das plantas. Isto é, a menos que haja aumento de chuvas, a água se tornará um bem mais escasso, com sérias consequências para a sustentabilidade do desenvolvimento regional. Ou seja, apenas o Projeto de Transposição não resolveria nesse cenário o problema da escassez de água. Considerando a falta de investimento em redes de distribuição de água entre os canais dos eixos da transposição e muitos municípios supostamente beneficiados por essa obra, essa incapacidade da transposição de resolver o problema da escassez hídrica no Nordeste Setentrional será ainda mais acentuada.

Ademais, ainda de acordo com Marengo (2009), as projeções de clima, liberadas pelo Quarto Relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) (IPCC AR4), têm mostrado cenários de secas e eventos extremos de chuva em grandes áreas do planeta. No Brasil, a região mais vulnerável, do ponto de vista social, à mudança de clima, seria o interior de Nordeste, conhecida como Semiárido, ou simplesmente “sertão”. Reduções de chuva aparecem na maioria dos modelos globais do IPCC AR4, assim como um aquecimento que pode chegar até 3 ºC-4 ºC para a segunda metade do século XXI. Isso acarreta reduções de até 15%-20% nas vazões do rio São Francisco.

3.5 OS IMPACTOS POSITIVOS GERADOS SÃO COMPARTILHADOS, RAZOAVELMENTE, ENTRE AS REGIÕES DE ORIGEM E DESTINO?

Como todos os outros quatro pontos avaliados com relação à transposição do São Francisco, esse não é menos polêmico do que os demais. Grande parte da polêmica ocorreu entre os estados receptores e os doadores da água do rio São Francisco.

O desdobramento dessa polêmica torna indispensável levar-se em conta a seguinte advertência de Asit Biswas, renomado pesquisador-especialista na questão de transferência de água entre bacias. Enfatizando que o tema da transferência de águas entre bacias tem sido um assunto que desperta muita passionalidade, Biswas indicou que as controvérsias públicas sempre se tornam a regra, e não a exceção, quando projetos

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dessa natureza são propostos. Acentuou que os proponentes discutem a excelência técnica do projeto, apresentando os benefícios econômicos e contribuições globais para o desenvolvimento da sociedade. Mas, em contraponto, os oponentes procuram mostrar que os custos sociais e ambientais são muito altos e, consequentemente, inaceitáveis para a sociedade. Assim, tais conflitos são compreensíveis, pois os proponentes são com frequência os beneficiários, e os oponentes tendem a ser aqueles que pagam os custos (COELHO, 2005).

No caso da transposição do São Francisco, regra geral, representantes da sociedade civil e dos governos estaduais de Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte com deputados federais e senadores desses estados se declararam francamente favoráveis ao projeto. A oposição à obra de transposição agrupa organizações não governamentais (ONGs), representantes da sociedade civil, intelectuais, segmentos da igreja, artistas, além de senadores, deputados federais e representantes dos governos de Alagoas, da Bahia, de Minas Gerais e de Sergipe.

Essa polarização entre os estados doadores e os receptores da água é natural. Enquanto os receptores só têm a ganhar com o projeto, os doadores se preocupam com os impactos negativos que esse projeto poderá ter sobre o desenvolvimento futuro de seus estados, tanto com referência ao abastecimento de água para uso humano quanto ao empecilho para ampliação de áreas destinadas à agricultura irrigada devido à menor disponibilidade hídrica.

Além disso, os estados doadores se ressentem da falta de recursos para aplicar nos seus próprios projetos de desenvolvimento de infraestrutura hídrica, de saneamento básico, entre outros, e, por isso, questionam a magnitude dos gastos do governo federal no Projeto de Transposição. Em última análise, o que ocorre é uma disputa por recursos transferidos pelo governo federal.

Exemplos de discursos que insinuam essa disputa por recursos não faltam. No trabalho de Coelho (2005), pode-se ler um desses discursos:

Outra incongruência, absolutamente incompreensível, está relacionada a este objetivo do projeto, na medida em que a água do Eixo Norte será utilizada para fomentar pólos de irrigação no Nordeste Setentrional, enquanto, nesse exato momento, mais de 150.000 ha de perímetro irrigado

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estão inacabados dentro da bacia [do rio São Francisco], se arrastando há mais de 10 anos por falta de investimento, segundo dados da própria Codevasf.5

No decorrer do embate político em torno do projeto, surgiu uma proposta alternativa ao Projeto de Transposição, qual seja, a revitalização do São Francisco. A ideia de revitalização foi o eixo central da linha de argumentação de determinados deputados que se posicionaram contrariamente à realização do Projeto de Transposição. Logo, a revitalização passou a ser defendida praticamente como uma espécie de compensação para os estados doadores pela realização do Projeto de Transposição.

Emergiu, assim, uma estratégia política que desfez a contradição entre transpor e revitalizar e compôs uma terceira possibilidade de tomada de posição política, a saber, a defesa da transposição concomitante à revitalização. Essa estratégia operou por sobre a oposição de simples “estados doadores contra estados receptores”, gerando subdivisões em ambos os termos e, portanto, tornando mais complexo o quadro de combinações políticas possíveis. Como vimos, os deputados dos estados “doadores”, quando confrontados à transposição pura e simples, não acolheram a possibilidade de ela extrair benefícios sociais ou eleitorais. Porém, quando combinada à revitalização, a transposição torna-se aceitável ou até mesmo ativamente desejada (MELLO, 2008).

Apesar de ter sido aceita por alguns críticos do Projeto de Transposição como uma forma de compensação mínima, outros opositores não consideram a revitalização como constituindo uma forma de compensação justa para os estados doadores. Para eles, a revitalização independe da transposição: ela é uma imposição da realidade socioambiental da bacia.

Essa visão não está equivocada. O rio São Francisco e vários de seus principais afluentes, como o rio das Velhas, encontram-se atualmente degradados e poluídos. Os problemas são inúmeros, como a poluição das águas devido à falta de saneamento básico em muitos núcleos urbanos banhados por esses rios ou o assoreamento das margens. Por isso, caso se deseje que o rio São Francisco e seus afluentes continuem a desempenhar o papel que exercem hoje no fornecimento de água para usos múltiplos, na geração de

5. Pronunciamento de José Carlos de Carvalho, Secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, no dia 13 de junho de 2005, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, sobre o Projeto da Transpo-sição das águas do São Francisco.

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energia elétrica, na pesca, deve-se começar imediatamente a investir na recuperação ambiental de toda a bacia, independentemente da realização da transposição.

Mesmo considerando que a revitalização seja uma compensação válida para os estados doadores, ainda assim existem críticas. Entre estas, argumenta-se que os recursos destinados à revitalização são inferiores aos destinados à transposição e, possivelmente, não são suficientes para se recuperar a bacia do rio São Francisco.

Na tabela 12, é possível visualizar os gastos do governo federal com o Projeto de Transposição (na tabela 12 consta o nome oficial) e com ações relacionadas ao Programa de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco. De 2005 a 2009, principalmente a partir de 2008, os gastos no Projeto de Transposição cresceram significativamente. Com relação às ações do Programa de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, apenas uma ação (implantação, ampliação ou melhoria de sistemas públicos de esgotamento sanitário em municípios das bacias do São Francisco e Parnaíba) tem sido responsável por gastos mais significativos. Mesmo assim, nem todo o recurso alocado nessa ação foi direcionado para a bacia do rio São Francisco, visto que parte do recurso foi alocada para a bacia do rio Parnaíba.

TABELA 12Gastos diretos do governo federal com a transposição (integração) do rio São Francisco e com ações relacionadas ao Projeto de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco

Ação governamental 2005 2006 2007 2008 2009

Integração do rio São Francisco com as bacias do Nordeste Setentrional.

50.552.027,22 17.293.281,22 20.978.100,80 160.339.781,37 311.433.819,86

Revitalização

Recuperação e preservação da bacia do São Francisco.

145.956,06 859.493,27 1.059.008,18 1.031.566,57 207.232,66

Melhoria da hidrovia do são Francisco (trecho Ibotirama – Juazeiro).

- - 6.667,60 8.122.147,72 2.224.706,80

Obras de revitalização e recuperação do rio São Francisco.

6.148.119,53 5.649.464,91 2.236.522,07 537.974,40 -

Recuperação e controle de processos erosivos em municípios das bacias dos rios São Francisco e Parnaíba.

1.173.554,19 5.475.418,62 1.255.723,23 3.029.469,0 2.577.293,0

Implantação, ampliação ou melhoria de sistemas públicos de esgotamento sanitário em municípios das bacias do São Francisco e Parnaíba.

- - 6.488,64 115.552.314,38 106.327.864,84

Fonte: Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (www.portaltransparencia.gov.br).

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De qualquer modo, apesar de os recursos destinados ao Projeto de Transposição serem maiores do que aqueles para a revitalização, estes cresceram a partir de 2008, devido à contribuição da última ação apresentada na tabela 12. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, a revitalização deveria ser realizada independentemente do Projeto de Transposição e, por isso, não deve ser considerada como uma compensação aos estados doadores de água. Fora a revitalização, não se tem conhecimento de nenhum outro tipo de compensação previsto.

Ao redor do mundo, existem exemplos de projetos de transferência de água entre bacias hidrográficas dentro de um mesmo país ou entre países vizinhos que estabeleceram mecanismos de compensação da região da bacia doadora pela água fornecida. Um exemplo disso é o Projeto Hídrico das Montanhas de Lesotho.

Esse projeto foi desenvolvido a partir da assinatura de um tratado entre a África do Sul e Lesotho com o objetivo de exportar 70 m3/s de água, até 2020, do rio Senqu em Lesotho, para a bacia do rio Vaal, localizada na província industrial de Gauteng, na África do Sul.

De acordo com esse tratado, a África do Sul pagará a Lesotho royalties pela água exportada. Esse projeto foi inovador na criação de um fundo em que, inicialmente, toda a arrecadação proveniente dos royalties recebidos era destinada ao fundo que financiava projetos de desenvolvimento e combate à pobreza nas áreas doadoras.

4 ALTERNATIVAS PARA AUMENTAR A DISPONIBILIDADE HÍDRICA NO NORDESTE SETENTRIONAL

Existem outras medidas, além da transposição, com o potencial de aumentar a disponibilidade hídrica para a população do Nordeste Setentrional. Muitos críticos da transferência das águas do rio São Francisco para as bacias dessa região com frequência afirmam que essa ou aquela medida poderia aumentar a garantia hídrica para essa população de modo mais eficaz e/ou econômico do que através da transposição.

Entre essas medidas são constantemente mencionados o uso de cisternas para captação da água da chuva e o aproveitamento das águas subterrâneas. Além dessas,

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uma medida pouco comentada e que será descrita neste trabalho é a contenção evaporativa das águas represadas em açudes da região do Semiárido nordestino conforme apresentado no trabalho de Feijó e Torggler (2007). Assim, o objetivo desta seção é avaliar sinteticamente essas três medidas, a começar pela alternativa do uso de cisternas para captação da água da chuva.

Faz-se menção tão frequentemente à utilização de cisternas para aumentar a disponibilidade hídrica da população do Semiárido, em oposição ao Projeto de Transposição, porque as cisternas constituem um meio barato e eficaz de armazenamento de água para uso humano da população rural dispersa da região.

A vantagem das cisternas (ou complementaridade) em relação à transposição é que, no caso desta, o custo da infraestrutura de distribuição de água inviabiliza o fornecimento para boa parte da população rural difusa, diminuindo o alcance social do projeto. Já no caso das cisternas, com um baixo investimento se comparado à transposição, é possível construir um sistema para fornecer água para uso humano em cada pequena propriedade rural do Semiárido.

As cisternas, com capacidade de acumulação normalmente entre 7 metros cúbicos e 15 metros cúbicos, representam a oferta de 50 litros diários de água durante 140 a 300 dias, admitindo-a cheia no final da estação chuvosa e nenhuma recarga no período. Embora existam milhares de cisternas espalhadas pelo Nordeste, a quantidade ainda é ínfima quando comparada à necessidade da população rural. É importante ressaltar que essa capacidade acumulada de uma cisterna é suficiente para abastecer uma família (de 4 ou 5 pessoas) durante aproximadamente dez meses, caso a água seja utilizada apenas para se beber e cozinhar.

Em novembro de 1999, durante encontro paralelo à Terceira Convenção de Combate à Desertificação e à Seca da ONU, um conjunto de organizações da sociedade civil elaborou o documento intitulado Declaração do Semiárido, estabelecendo uma série de compromissos e ações pela sustentabilidade da vida no Semiárido. O processo culminou com a criação da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e a elaboração de uma proposta com vistas a garantir o acesso à água para consumo humano das famílias rurais do Semiárido por meio do armazenamento da água de chuva em cisternas familiares (D´ALVA; FARIAS, 2008).

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A experiência prévia de utilização de cisternas para captação de água de chuva por iniciativa familiar e comunitária, com apoio de organizações de base, criou uma referência que inspirou outras experiências semelhantes e embasou a ASA na concepção do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido – Um Milhão de Cisternas (P1MC). Em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) instituiu a ação construção de cisternas para armazenamento de água no âmbito do Programa de Construção de Cisternas e Capacitação para Convivência com o Semiárido. Por meio de termo de parceria com a ASA e convênios com governos estaduais e municipais, essa ação vem apoiando a construção de cisternas familiares, a mobilização e a capacitação de famílias rurais do Semiárido para a gestão de recursos hídricos (D´ALVA; FARIAS, 2008).

Essa parceria entre o MDS e a ASA logrou certo êxito em atender a população-alvo do Programa de Construção de Cisternas – famílias rurais do Semiárido com perfil de elegibilidade ao Programa Bolsa Família (PBF) – através da construção até agosto de 2009 de aproximadamente 300 mil cisternas (tabela 13). Esse número, entretanto, ainda é bem inferior à proposta inicial da ASA de construir 1 milhão de cisternas.

TABELA 13Número de beneficiários, de cisternas construídas e gastos do Programa Cisternas na região Nordeste

Estado Beneficiários Unidades construídas Gastos (R$)

Alagoas 44.700 11.200 16.500.000

Bahia 270.600 73.100 107.700.000

Ceará 188.400 46.000 67.700.000

Maranhão 4.800 1.100 1.600.000

Paraíba 177.000 45.200 66.700.000

Pernambuco 189.000 46.100 67.800.000

Piauí 125.000 32.900 48.400.000

Rio Grande do Norte 137.200 35.200 51.800.000

Sergipe 35.300 9.300 13.700.000

Total 1.172.000 300.100 441.900.000

Fonte: MDS (www.mds.gov.br/sites//mds-em-numeros).

D´Alva e Farias (2008) fizeram uma estimativa da demanda bruta por cisternas no Semiárido brasileiro. Esses autores definiram como sendo demanda bruta o número de famílias rurais do Semiárido sem acesso à rede pública de água. A estimativa foi de que a demanda bruta, em setembro de 2006, era igual a 1.186.601 cisternas.

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Considerando que até agosto de 2009 foram construídas 300.100 cisternas, a demanda líquida (demanda bruta menos cisternas construídas) é igual a 886.501 cisternas.

Como o custo aproximado de construção de uma cisterna é de aproximadamente R$ 1.500, com o mesmo valor previsto para construção do Projeto de Transposição do rio São Francisco (R$ 4,5 bilhões) seria possível se construir 3 milhões de cisternas. Ou então, com aproximadamente R$ 1,3 bilhão se atenderia a demanda líquida por cisternas (886.501 cisternas).

Além do uso de cisternas, também se defende o aproveitamento das águas subterrâneas para aumentar a disponibilidade hídrica para múltiplos usos no Nordeste Setentrional.

Em termos geológicos, a região Nordeste é constituída por duas estruturas básicas: i) o embasamento cristalino, representado por 70% da região semiárida, e ii) as bacias sedimentares. Essas estruturas têm importância fundamental na disponibilidade de água, principalmente as de subsolo (SUASSUNA, 2005).

No embasamento cristalino só há duas possibilidades da existência de água no subsolo: nas fraturas das rochas e nos aluviões próximos de rios e riachos. Em geral, a reserva hídrica localizada nesse embasamento é pequena e a água é de má qualidade, pois a água que tem contato com rochas cristalinas se mineraliza com facilidade, tornando-se salinizada (CIRILO, 2008).

Com relação às bacias sedimentares, essas são possuidoras de um significativo volume de água no subsolo, além de a água armazenada nessa estrutura ser de melhor qualidade. Entretanto, de acordo com Cirilo (2008), estima-se que apenas 10% do território nordestino são formados por rochas sedimentares que compõem essa estrutura (figura 3).

Observando a figura 3, constata-se que parte considerável do Nordeste Setentrional que receberá a água do rio São Francisco encontra-se sobre o embasamento cristalino, justamente a estrutura geológica com menor capacidade de armazenamento de água. Dessa forma, a evidência empírica indica ser improvável que o aproveitamento da água subterrânea possa aumentar significativamente a disponibilidade hídrica nos estados beneficiados pelo Projeto de Transposição do São Francisco.

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FIGURA 3Distribuição das rochas sedimentares e cristalinas na área de abrangência do polígono das secas da SUDENE

Fonte: Cirilo (2008).

Obs.: A imagem está reproduzida conforme o original fornecido pelos autores, cuja característica não permite melhor ajuste para fim de impressão (nota do Editorial).

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Estima-se que 70% do volume de água do subsolo nordestino estejam localizados na bacia sedimentar do Piauí/Maranhão (SUASSUNA, 2005, apud REBOUÇAS, 1997). Caso se desejasse aproveitar essa reserva subterrânea para atender a outras localidades no Nordeste, seria necessário também investir em projetos de transferência de água.

Uma outra alternativa para aumentar a disponibilidade hídrica no Semiárido, essa entretanto pouco mencionada, é a contenção evaporativa dos açudes. Essa possibilidade foi aventada por Feijó e Torggler (2007) num estudo sobre a transposição do rio São Francisco.

A ideia consiste em conter a evaporação nos açudes nordestinos através do revestimento da superfície desses açudes. Feijó e Torggler (2007) esclarecem que a evaporação é uma função linear entre outros fatores da área de exposição e a evaporação responde pela perda de um metro cúbico de água por cada metro quadrado da superfície de um açude ou de um lago. De acordo com esses autores, foram realizados estudos em 90 açudes do Nordeste os quais indicaram que boa parte da água armazenada é perdida devido à evaporação, restando apenas 25% para o abastecimento humano.

Se essa estimativa estiver correta, considerando-se que a soma global das reservas dos açudes do Nordeste é de 37 bilhões de metros cúbicos, o resultado seria de uma perda (por evaporação) da ordem de 27 bilhões de metros cúbicos por ano, o que equivale a uma vazão de 880 m3/s, muito superior à vazão do Projeto de Transposição (ver tabela 5).

Feijó e Torggler (2007) avaliaram a alternativa de contenção evaporativa mediante a utilização de quatro tipos diferentes de materiais impermeáveis: filme plástico, malha tipo ráfia, filme de reciclagem de PET ou uso de garrafas flutuantes (colocadas na vertical e na horizontal sobre a superfície de água do açude). Nessa avaliação, eles calcularam o valor de indicadores relacionados aos diversos métodos de contenção evaporativa como, por exemplo, o ganho de água anual de cada modalidade (em m3/m2 de espelho d´água coberto), o tamanho da superfície de água que deve ser coberta para se obter o ganho de um metro cúbico de água e uma comparação entre o custo de cada método de contenção eo custo da transposição para obtenção de uma mesma quantidade de água.

A conclusão de Feijó e Torggler (2007) é que os vários métodos de contenção evaporativa apresentam grande potencial em diminuir as perdas de água nos açudes

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nordestinos por causa da evaporação e, consequentemente, aumentar a disponibilidade hídrica efetiva para a população nordestina. Ademais, de acordo com os cálculos desses autores, o investimento nas medidas de contenção evaporativa pode chegar a ser 13 vezes menor6 que a transposição do São Francisco para uma mesma quantidade de água (tabela 14).

6. Para realizar esse cálculo, os autores consideraram que o custo total do Projeto de Transposição é de R$ 6 bilhões e então dividiram esse custo pela vazão de 26,4 m3/s para se obter como resultado o valor de R$ 231 milhões por cada 1 m3/s de vazão fornecida pela transposição.

TABELA 14Comparação de custos entre projetos de contenção evaporativa e a transposição do São Francisco

Filme Ráfia Reciclagem de PET PET vertical PET horizontal

Ganho real (m3/m2/ano) 1,94 1,90 1,88 1,54 1,50

Tamanho (em hectares) da contenção para ganho de 1 m3/s 1.626 1.660 1.677 2.048 2.102

Custo da unidade produtiva (R$ milhões/m3/s) 31 32 17 47 23

Comparação de custos (transposição1/contenção) 7,36 7,21 13,24 4,93 10,08

Fonte: Feijó e Torggler (2007).

Nota: 1 Custo da unidade para vazão útil de R$ 231 milhões.

5 CONCLUSÕES

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, mais conhecido como Projeto de Transposição do rio São Francisco, tem sido objeto de intensa polêmica entre governos (federal e estaduais) e sociedade civil. Desde a primeira vez que se cogitou da possibilidade de transferir água do rio São Francisco para o rio Jaguaribe no Ceará, no século XIX, até a atual proposta do MI, nunca houve consenso sobre a necessidade desse projeto e sobre os benefícios para a população.

Ao redor do mundo, onde quer que projetos de transferência de água entre bacias hidrográficas tenham sido propostos, a controvérsia foi a regra, e não a exceção. No Brasil, conforme descrito em várias partes deste estudo, a transposição gerou controvérsia em vários aspectos. Este trabalho teve como objetivo avaliar os potenciais impactos do projeto e, dessa forma, trazer alguma contribuição para o debate em torno dessa obra.

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Cinco perguntas orientaram este trabalho, apresentadas na seguinte ordem:

1. Está comprovado que a região receptora de água apresenta escassez desse elemento para o atendimento de suas necessidades?

2. Os recursos hídricos da região de origem são suficientes para satisfazer a demanda da transferência sem acarretar impedimento ao desenvolvimento futuro dessa região?

3. Os impactos ambientais ocasionados pela transferência de água são reduzidos para ambas as regiões, de destino e de origem?

4. Os benefícios sociais para a região de destino são compatíveis com o porte do empreendimento?

5. Os impactos positivos gerados são compartilhados, razoavelmente, entre as regiões de origem e destino?

A partir da coleta de informações e da análise destas para se responder a essas perguntas, concluiu-se que:

1. Com relação à comprovação da escassez de água na região receptora dos estados de Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, constata-se a existência de déficit hídrico apenas em parte da bacia do rio Paraíba (com exceção da sub-bacia do Alto Paraíba), na Paraíba, e nas bacias Brígida e Terra Nova (no Eixo Norte) e Moxotó, UP-22 e UP-7 (no Eixo Leste) em Pernambuco. Não foi evidenciada a existência de déficit hídrico nas bacias beneficiadas dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.

2. No médio prazo, os recursos hídricos da bacia do rio São Francisco são suficientes para se atender à demanda da transposição. Recomenda-se revisar as outorgas concedidas na bacia do rio São Francisco com a finalidade de aproximar o consumo efetivo ao outorgado.

3. Com relação aos impactos ambientais do empreendimento, pode-se afirmar que estes não são desprezíveis, caso se leve em conta que os potenciais benefícios do projeto, conforme apresentado pelo MI, estão possivelmente superestimados. O fato de tais benefícios serem superestimados resulta em uma pior relação de “custo-benefício” do projeto, entendendo-se o custo nesse caso como os impactos ambientais esperados. Além disso, o projeto de revitalização do rio São Francisco mereceria uma atenção maior por parte do governo. Sem essa maior atenção ao projeto de revitalização, os impactos ambientais em toda a

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bacia do São Francisco podem ser maiores do que os relacionados pelo MI (ver anexo).

4. Os benefícios do projeto, conforme apresentados pelo MI, estão, possivelmente, superestimados. Os indícios existentes indicam que a população atendida será menor do que a afirmada pelo MI, a área irrigada idem e a redução dos gastos emergenciais com as secas (benefício potencial frequentemente mencionado pelos defensores do Projeto de Transposição) não será na proporção propugnada.

5. A compensação existente para os estados “doadores” da água (Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe) se resume ao projeto de revitalização do rio São Francisco. As evidências encontradas indicam que a quantia gasta nas diversas ações do projeto de revitalização tem aumentado, mas a crítica de que essa quantia é consideravelmente inferior à quantia gasta no Projeto de Transposição é válida.

Um último tópico do estudo avaliou outras alternativas existentes para aumentar a disponibilidade hídrica do Nordeste Setentrional comparativamente à transposição. Das três alternativas avaliadas, duas – o uso de cisternas para captação de água das chuvas (a qual tem o potencial de trazer significativo benefício para a população rural dispersa) e a contenção evaporativa dos açudes – poderiam ser consideradas como alternativa à transposição. No caso da contenção evaporativa, essa proposta deve ser objeto de mais estudo para se conhecer em detalhes as vantagens e desvantagens dessa técnica, antes que tal proposta seja alvo de projetos governamentais específicos. Como as obras da transposição já estão sendo realizadas, essas duas propostas podem ser consideradas como medidas complementares ao Projeto de Transposição.

Convém enfatizar que a água sozinha não vai resolver os problemas do Nordeste. Um programa de transferência de águas ou outro qualquer (construção de cisternas, aproveitamento de água subterrânea...) com o intuito de aumentar a disponibilidade hídrica não resolve o problema da pobreza que grassa no Semiárido nordestino, em geral, e na região beneficiada pela transposição em particular. Se além da questão hídrica não forem criados mecanismos de geração de renda, a pobreza vai continuar a mesma de antes, e a solução encontrada por muitos sertanejos para ter uma vida melhor continuará sendo a migração para a cidade grande.

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REFERÊNCIAS

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COELHO, M. A. T. Os descaminhos do São Francisco. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 272 p.

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

MI. Ministério da Integração Nacional. Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Brasília, 2004a. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/rima.asp> Acessado em: 23 mar. 2009.

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SUASSUNA, J. Potencialidades hídricas do Nordeste brasileiro. Parcerias Estratégicas, n. 20, p. 131-156, 2005.

SUDENE. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Resolução nº 11.135, 1997 (Área Municipal, 1997 – FIBGE e Contagem da População, 1996 – FIBGE).

TCU. Tribunal de Contas da União. Acórdão n° 2.017, 3/11/2006. Diário Oficial da União, 6 nov. 2006.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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BANCO MUNDIAL. Transferência de água entre bacias hidrográficas. Brasília, 2005. 93p.

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GUIMARÃES JÚNIOR, R. J. A. Reforma hídrica do Nordeste como alternativa à transposição do São Francisco. Cadernos do Ceas, n. 227, p. 107-117, 2007.

NASCIMENTO, D. A. Os números contraditórios do projeto de transposição do rio São Francisco. [s./d.]. Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2007/05/16/os-numeros-contraditorios-do-projeto-de-transposicao-do-rio-sao-francisco-por-dilermando-alves-do-nascimento-geologo> Acessado em: 3 mar. 2009.

UFRGN. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A transposição do rio São Francisco e o Rio Grande do Norte. Natal, 2000. 33p.

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ANEXO

Impactos do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional

Impactos Fase de planejamento

Fase de construção

Fase de operação

Impacto positivo ou negativo

1. Introdução de tensões e riscos sociais durante a construção X X -

2. Ruptura de relações sociocomunitárias durante a fase de obra X -

3. Possibilidade de interferências com populações indígenas X X -

4. Risco de acidentes com a população X -

5. Aumento das emissões de poeira X X -

6. Aumento e/ou aparecimento de doenças X X -

7. Aumento da demanda por infraestrutura de saúde X -

8. Perda de terras potencialmente agricultáveis X -

9. Perda temporária de empregos e renda por efeito das desapropriações X -

10. Interferências com áreas de processos minerários X X -

11. Geração de emprego e renda durante a implantação X +

12. Dinamização da economia regional X X +

13. Pressão sobre a infraestrutura urbana X X -

14. Especulação imobiliária nas várzeas potencialmente irrigáveis no entorno dos canais X X -

15. Risco de interferência com o patrimônio cultural X X -

16. Aumento da oferta e da garantia hídrica X +

17. Aumento da oferta de água para abastecimento urbano X +

18. Abastecimento de água das populações rurais X +

19. Redução da exposição da população a situações emergenciais de secas X +

20. Dinamização da atividade agrícola e incorporação de novas áreas ao processo produtivo

X +

21. Diminuição do êxodo rural e da emigração da região X +

22. Redução da exposição da população a doenças e óbitos X +

23. Redução da pressão sobre a infraestrutura de saúde X +

24. Perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas de vegetação nativa e de habitats de fauna terrestre

X X -

25. Diminuição da diversidade de fauna terrestre X X -

26. Aumento das atividades de caça e diminuição das populações das espécies cinegéticas

X -

27. Modificação da composição das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras

X -

28. Risco de redução da biodieversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras

X -

29. Comprometimento do conhecimento da história biogeográfica dos grupos biológicos aquáticos nativos

X -

30. Risco de introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem nas bacias receptoras

X -

31. Interferência sobre a pesca nos açudes receptores X -

(continua)

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Transposição do rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto

(continuação)

Impactos Fase de planejamento

Fase de construção

Fase de operação

Impacto positivo ou negativo

32. Risco de proliferação de vetores X -

33. Ocorrência de acidentes com animais peçonhentos X -

34. Instabilização de encostas marginais dos corpos d`água X -

35. Início ou aceleração de processos erosivos e carreamento de sedimentos X -

36. Modificação do regime fluvial das drenagens receptoras X X -

37. Alteração do comportamento hidrossedimentológico dos corpos d`água X X -

38. Risco de eutrofização dos novos reservatórios X X -

39. Melhoria da qualidade da água nas bacias receptoras X +

40. Aumento da recarga fluvial dos aquíferos X X +

41. Início ou aceleração dos processos de desertificação X -

42. Modificação no regime fluvial do rio São Francisco X -

43. Redução da geração de energia elétrica no rio São Francisco X -

44. Diminuição de receitas municipais X -

Fonte: MI (2004a).

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© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2011

EDITORIAL

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

SupervisãoAndrea Bossle de Abreu

RevisãoEliezer MoreiraElisabete de Carvalho SoaresFabiana da Silva MatosGilson Baptista SoaresLucia Duarte MoreiraMíriam Nunes da Fonseca

EditoraçãoRoberto das Chagas CamposAeromilson MesquitaCamila Guimarães SimasCarlos Henrique Santos ViannaMaria Hosana Carneiro Cunha

CapaLuís Cláudio Cardoso da Silva

Projeto GráficoRenato Rodrigues Bueno

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TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: ANÁLISE DE OPORTUNIDADE DO PROJETO

César Nunes de Castro

9 771415 476001

ISSN 1415-4765

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