Transições Pós-extrativistas

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TRANSIÇÕES PÓS-EXTRATIVISTAS Superando o desenvolvimentismo e a exploração da natureza CLAES (Centro Latino Americano de Ecologia Social). Montevidéu, Uruguai Eduardo Gudynas

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Superando o desenvolvimentismo e a exploração da natureza

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Superando o desenvolvimentismo e a exploração da natureza

TRANSIÇÕES PÓS-EXTRATIVISTASSuperando o desenvolvimentismo e a exploração da natureza

CLAES (Centro Latino Americano de Ecologia Social). Montevidéu, Uruguai

Eduardo Gudynas

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TRANSIÇÕES PÓS-EXTRATIVISTASSuperando o desenvolvimentismo e a exploração da natureza

CLAES (Centro Latino Americano de Ecologia Social)Montevidéu, Uruguai

ApoioUma publicação do

Eduardo Gudynas

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O termo extrativismo vem sendo usado desde meados do século XX para se referir, sobretudo, às atividades de mineração e petróleo. Os organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, popularizaram o termo “indústrias extrativas”. Por sua vez, as organizações cidadãs de muitos países têm se mobilizado contra diferentes formas de extrativismo pelos seus sérios impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais. Frente a esta avalanche de usos, é necessário aclarar os sentidos atuais do conceito de extrativismo, as tendências em vários países sul-americanos, e o papel que desempenha a sociedade civil.

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ÍNDICEEXTRATIVISMOS: APRESENTANDO O CONCEITO

06O ATUAL EXTRATIVISMO DEPREDADOR

08EXTRATIVISMO PELA DIREITA E PELA ESQUERDA

13AS URGÊNCIAS

15PARA SAIR DO EXTRATIVISMODEPREDADOR

16TRANSIÇÕES

18DETER OS IMPACTOS

22INTERNALIZAR OS CUSTOS SOCIOAMBIENTAIS

26 OUTROS BALANÇOS COMERCIAIS E ECONÔMICOS

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REORDENAR OS GASTOS DE ESTADO

29JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL

31MAIS ALÉM DO CONSUMISMO

33MODIFICANDO A BASE PRODUTIVA

35UMA INTEGRAÇÃO QUE REALMENTE INTEGRE

37GLOBALIZAÇÃO

39DEPOIS DO DESENVOLVIMENTO, O BEM-VIVER

41CIDADÃOS: POSSIBILIDADES E RESPONSABILIDADES

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EXTRATIVISMOS: APRESENTANDO O CONCEITO

O que quer dizer extrativismo?

O extrativismo é um caso particular entre os diferentes tipos de extrações de recur-sos da natureza.

Existem várias formas pelas quais os seres humanos podem obter recursos da nature-za. Em alguns casos, são aproveitados na medida em que a natureza oferece, como por exemplo, os frutos de um bosque. Em outros casos, os humanos intervêm sobre o ambiente para extraí-los, como por exem-plo, no caso da agricultura.

O extrativismo é uma extração de grandes volumes ou de alta intensidade.

O conceito de extrativismo se refere à ex-tração de enormes volumes de recursos naturais (em muitos casos medidos em bi-lhões de toneladas ou milhões de barris de petróleo), ou mesmo sobre a utilização de práticas intensivas (é o caso da remoção de gramas de ouro da areia de rios utilizando mercúrio tóxico).

No extrativismo os recursos são ex-portados como matérias primas ou quase sem processamento.

O conceito se aplica às atividades onde os recursos naturais são exportados dire-tamente como matérias primas (também chamadas commodities). Nesses casos, não existe processamento industrial ou este é limitado, como é o caso da soja ou dos pelletes de minério de ferro.

Tendo em conta todos estes aspectos, a definição de extrativismo é a seguinte:

É um tipo de extração de recursos naturais, em grande volume ou alta intensidade, e que es-tão orientados especialmente a serem expor-tadas como matérias primas sem processar, ou com um processamento mínimo.

Portanto, a partir dessa definição deve- se ter presente que nem todas as prá-ticas de aproveitar os recursos naturais são extrativismos. Por exemplo, existem formas de mineração que não representam um extrativismo.

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As modalidades de extrativismoO extrativismo entendido desta maneira se expressa de diferentes formas:

MineraçãoEspecialmente a nova mega mineração a céu aberto.

Hidrocarbonetos (petróleo e gás)Tanto em terra como na plataforma marinha.

Monoculturas de exportaçãoÉ o caso da agricultura de monocultura, cujo exemplo mais recente é a soja.

Outros casosOutras formas de extração de grandes volumes de recursos naturais para exportá-los fi-cam sob a presente definição de extrativismo. Entre elas se podem citar a pesca em alto mar para exportar farinha de peixe ou a destruição de manguezais para criar camarões.

Os seres humanos frente à NaturezaUm resumo dos diferentes tipos de extração de recursos naturais e seus destinos.

Volume / Intensidade da extração

Baixo Médio Alto

Destino Comercial

LocalCultivo de alimentos para autoconsumo

Derrubada de mata nativa para obter lenha

Captura de água para irrigação ou uso doméstico

NacionalFibras vegetais para cestas, tetos, etc.

Frutas e verduras convencionais para mercados nacionais

Areias e cascalhos para a construção

Exportação Internacional

Alimentos orgânicos

Flores de estufa Extrativismo

Um caso diferente no Brasil: as reservas extrativistasDiferentemente do que acontece nos demais países da América Latina, no Brasil também existe outro uso muito difundido de extrativismo: as reservas extrativistas. São florestas e outras áreas naturais, onde se extraem recursos como frutas, fibras ou látex, de manei-ra social e ambientalmente sustentável. São fruto das lutas dos povos da floresta, onde destacou-se o seringueiro Chico Mendes, assassinado por defender seu território e o meio ambiente. Neste caso, a palavra se aplica num sentido muito diferente ao uso populariza-do na América Latina.

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O ATUAL EXTRATIVISMO DEPREDADOR

O extrativismo atual tem importantes im-pactos sobre o meio ambiente e, também, na população das comunidades.

Impactos sociaisA implantação dos mega empreendimen--tos de mineração, a extração petrolífera ou o avanço das monoculturas, causam sérios efeitos nas comunidades locais. É comum que se acentuem as diferenças econômicas, devido a um pequeno grupo de pessoas que passa a receber altos salários. Em alguns lugares, aumenta a violência e a criminalidade, retiram-se os agricultores de suas terras, e se destro-em as redes tradicionais de solidariedade. A saúde pública fica comprometida em al-gumas zonas, normalmente impactadas pelo rápido aumento demográfico ou pelo mal manejo dos contaminantes como, por exemplo, as fumigações pela soja. As comu-nidades camponesas e indígenas são as que enfrentam os maiores riscos com a chegada destes empreendimentos. Além do mais, os trabalhadores no extrativismo enfrentam riscos sanitários (por exemplo, a intoxicação com agroquímicos), mas também em segu-rança, e condições trabalhistas (horários, salários, etc.).

Efeitos econômicosEm nível local, as redes produtivas e econô-micas, como podem ser a pequena agricul-tura e pecuária, usualmente são drastica-mente alteradas, ou desaparecem por causa do extrativismo. Usos produtivos regionais podem escassear, como ocorre quando os

agricultores perdem o acesso a água. Para-lelamente, em nível nacional, ainda que se insista nos benefícios que gera a exportação extrativa, não se realiza uma contabilidade na qual se baseiem nos custos econômicos dos impactos gerados pelo extrativismo, e os tributos que pagam as empresas envolvi-das são muito baixos. Portanto, é muito dis-cutível qual é o balanço econômico do extra-tivismo para um país. Apenas as indústrias extrativas, em 2011, foram responsáveis por quase dois terços de todo o volume exporta-do do Brasil. Totalizando cerca de 327,4 mi-lhões de toneladas de um total de cerca de 544,2 milhões de toneladas, o que significa mais de 60% de todo o volume exportado.

Impactos ambientaisExiste uma preocupante evidência dos efei-tos ambientais negativos do extrativismo convencional. Entre os problemas mais graves, encontra-se a destruição de áreas naturais, com sua riqueza em fauna e flo-ra, a contaminação da água superficial e subterrânea, e a geração de contaminantes que se difundem no solo, nas correntes de água e no ar. Em alguns processos produti-vos, usam-se substâncias tóxicas perigosas. As medidas de mitigação ambiental são limitadas, muitas vezes as empresas não as aplicam e ocorrem acidentes. A extra-ção e o beneficiamento do urânio no Com-plexo Industrial de Poços de Caldas (MG), por exemplo, deixaram um enorme passi-vo ambiental na região que sofre até hoje com os efeitos da Drenagem Ácida que contamina o subsolo e o lençol freático com ácido sulfúrico e rejeitos radioativos.

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Desperdiça-se muito mais do que se obtêmMuitas formas de extrativismo envolvem desperdício: se extraem grandes volumes de materiais, entretanto somente uma fra-ção destes é aproveitada como recurso.

Por exemplo, para obter um quilograma de cobre se extraem e processam, em média, 349 kg de matéria; com o ouro a relação é ainda mais desigual: um quilograma de ouro requer remover e processar cerca de 540 mil kg de matéria. Esse material que não se utili-za é chamado “mochila ecológica”, e sua ex-pressão mais conhecida são os depósitos de escombros e produtos nos usos típicos das grandes minas. Da mesma maneira, há uma “mochila ecológica” no consumo de água, ar, e energia. Segundo dados parciais da Agência Nacional de Águas, a mineração consumiu quase 5.000.000.000.000.000 de litros de água em 2011.

Medidas mundiais; as cifras mudam de acordo com a qualidade dos reservatórios nos diferentes lugares. Fonte: Wuppertal Institute.

Impactos territoriaisO extrativismo avança por meio de uma nova delimitação da geografia dentro do continente. Concedem-se extensas áreas que se impõem sobre territórios ancestrais de povos indígenas, de áreas, tradicional-mente, nas mãos de redes de comunidades campesinas, ou de povos centenários. Este problema não reconhece fronteiras entre países e se expande em uma escala conti-nental. Subordina, portanto, às dinâmicas, os ritmos e os modos de vida territoriais lo-cais ao processo global de produção.

Alto nível de conflito A confluência de enormes investimen-tos em mãos de grandes corporações, os apoios explícitos ou implícitos dos gover-nos, percepções cidadãs céticas ou con-trárias, fazem que este seja um tema que em muitos casos desemboca no conflito. Em 2012, registraram-se conflitos entre cidadãos frente a diferentes formas de extrativismo em todos os países sul-ame-ricanos, desde a Patagônia às Guianas. A experiência de muitas comunidades locais que sofreram os impactos destes empreen-dimentos alimenta, ainda mais o protesto.

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O cONSUmO OPUlENTO AlImENTA O EXTRATIVISmONo século XX (de 1900 a 2000), a população mundial cresceu aproximadamente quatro vezes, no entanto, a extração de recursos naturais aumentou oito vezes, alcançando uma estimativa de 60 bilhões de toneladas. Nesse longo prazo, os preços em média desses recursos caíram 30%.

O comércio internacional desses recursos aumentou de 5.4 bilhões de toneladas em 1970, a quase 20 bilhões em 2005.

O crescimento no setor de luxo no Brasil em 2011 foi de 18%, fechando o ano com faturamento total projetado de R$ 18,54 bilhões. Estima-se que houve um aumento de 8% em 2012 (R$ 20, 1 bilhões).

Países asiáticos, em especial China, se converteram em compradores vorazes de recursos naturais. Por exemplo, o consumo chinês de cobre foi de menos de um milhão de toneladas em 1990, saltando a mais de 6 milhões em 2007, para o qual teve de importar mais de 4,5 milhões ton. (dados FMI).

O EXTRATIVISmO NãO é UmA INDúSTRIARepetidas vezes se fala das “indústrias” extrativas. Isto não é adequado, já que nessas atividades não existem processos industriais que utilizam matérias primas e bens intermediários para gerar mercadorias complexas. Não se pode comparar a exportação de minério de ferro ou grãos de soja com os reais processos industriais, como, por exemplo, ocorrem com automóveis ou eletrodomésticos. A insistência em se referir ao extrativismo como “indústria” não é menor, já que invoca os sonhos e imagens de desenvolvimento baseado em grandes fábricas com milhares de trabalhadores. Porém essas condições estão distantes da realidade.

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Por sua vez, as respostas governamentais ou empresariais, que ignoram os alertas ou tentam silenciar a cidadania, além de não oferecer solucões definitivas, agravam ain-da mais a situação.

Violação dos direitos humanos e da NaturezaEm muitos casos, o extrativismo implica a violação dos direitos das pessoas. Estes são os casos de contaminação pelos quais se li-mitam os direitos a um ambiente saudável, as restrições aos direitos de participação, ou inclusive a perseguição ou assassinato de líderes sociais. Por sua vez, a destruição ambiental é uma violação dos diretos da Natureza. Nos casos particulares, em que a extração de recursos naturais se faz violando os direitos, aplica-se o termo extrahección. A origem desta palavra, derivada do latim, sig-nifica arrancar pela força.

conclusãoEnfrentamos um extrativismo depreda-dor. É uma extração massiva de recursos naturais, de graves impactos sociais, eco-nômicos, ambientais e territoriais nos

âmbitos local e nacional. Enquanto os pro-dutos finais são exportados, nos nossos territórios ficam esses efeitos negativos.

O extrativismo na América do SulO extrativismo se expandiu na América do Sul. Devido a fatores internacionais, como os altos preços das matérias primas e a disponibili-dade de dinheiro para investimentos, foram lançados novos empreendimentos extrativos.

Países tradicionalmente mineradores ou petroleiros, como Bolívia e Venezuela, es-tão incrementando suas atividades. Nos países agrícolas do cone sul segue aumen-tando o cultivo de soja, convertido em um dos principais itens de exportação.

Países que não eram mineiros, como Equa-dor e Uruguai, estão planejando projetos de mineração a céu aberto. Em outros se tenta o extrativismo agrícola, como suce-de no Peru.

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Aumento da extração mineira na América do Sul

Soma da extração dos principais minerais, em milhões de toneladas, em 10 países sul-americanos.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

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Brasil: o maior país extrativista de América latinaO Brasil ocupa o primeiro lugar nos indicadores de extrativismo na América Latina e, além disso, o único que simultaneamente lidera a extração em minas e monoculturas.

quando se faz referência aos “países mineradores” se pensa, por exemplo, no Peru ou Chile. na realidade, o Brasil é o maior produtor de minérios do continente. A extração de ferro e bauxita explica essa tendência. Os volumes de recursos naturais extraídos são enormes e nos últimos anos o Brasil superou a produção de todos os demais países sul-americanos somados. Isso se deve em parte a grande extensão e diversidade geológica do país, mas principalmente ao eleva-do ritmo e intensidade do modelo extrativista.

COmPArAçãO dO vOlumE dE minErAiS ExtrAídOS dO brASil frEntE AOS dEmAiS PAíSES Sul-AmEriCAnOS. milhõES dE tOnElAdAS, dAdOS PArA 2010.

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EXTRATIVISMO PELA DIREITA E PELA ESQUERDA

O extrativismo é levado adiante na Amé-rica Latina por meio de duas estratégias principais:

Extrativismo convencionalÉ a situação clássica que prevaleceu na América Latina, especialmente desde as reformas neoliberais que se difundiram na década de 1980. Atualmente, este tipo de estratégia prevalece, por exemplo, na Colômbia. E por ela se entende que o ex-trativismo é um motor importante do crescimento econômico, em que o Estado desempenha um papel secundário, restrin-gindo-se a proteger os investimentos, as empresas e as correntes exportadoras. Este extrativismo é parte de uma visão que pri-vilegia o mercado, e seria esse crescimento econômico que desembocaria em novos postos de trabalho ou melhores salários.

Novo extrativismo progressistaOs governos da nova esquerda ou progres-sistas sul-americanos, não somente man-tiveram o extrativismo, mas também o aprofundaram. Porém, existem diferenças substanciais em relação às estratégias do extrativismo convencional.

O Estado se torna mais presente, em alguns casos com empresas próprias, em outros es-tabelecendo altas taxas de impostos e royal-ties para recolher mais dinheiro. Esta é a situa-ção, por exemplo, na Argentina, Brasil, Bolívia, Equador e Uruguai.

Entre os principais instrumentos do extrati-vismo progressista estão:

•Empresas com participação estatal

•Nacionais, como a petroleira da Venezue-la PdvSA ou YPfb de bolívia.

•Mistas, pelas quais o Estado controla parte da propriedade, por exemplo, por ações, como é o caso da Petrobras ou YPf de Argentina.

•Privadas, mas sob controle estatal ou sindical, em que o Estado financia os consórcios que investem nessas com-panhias, ou atuam desde os fundos de pensão de grandes sindicatos. Este é o caso da mineradora Vale.

•Maiores royalties e impostos. Esta é a estratégia que seguiu a Bolívia, Equador e Venezuela, em que passaram a controlar a extração de hidrocarbonetos, e aplicam tributos muito mais altos que no passado.

Finalmente, o novo extrativismo progres-sista possui a particularidade de defender esses empreendimentos sustentando que são necessários para financiar os programas sociais. Em países como Equador ou Bolívia, os governos afirmam que a mineração ou o petróleo são indispensáveis para manter ajudas mensais aos setores mais pobres, muito similares ao Bolsa Família do Brasil. Desta maneira, esses governos consideram que o extrativismo é necessário para a justi-ça social, e ao mesmo tempo, entendem que esta se expressa especialmente por uma re-distribuição econômica.

EXTRATIVISMO PELA DIREITA E PELA ESQUERDA

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A ARmADIlHA DAS DUAS ETAPASMuitos defensores do novo extrativismo progressista planejam uma estratégia em duas fases. A primeira é crescer economicamente, com um controle estatal sobre os recursos naturais e altos royalties, e uma vez que isto aconteça se passará a uma segunda fase, de maior conteúdo social e redução do extrativismo. Sacrifica-se assim, parte da qualidade de vida e da proteção ambiental esperando conquistar o crescimento econômico, e num futuro, retomam-se as estratégias para melhorar a qualidade de vida. Esta é, por exemplo, a estratégia do governo de Rafael Correa no Equador: acentuar o extrativismo para sair do extrativismo. Estratégia similar foi apresentada por Delfim Neto, durante a Ditadura no Brasil.

Ao contrário, as transições que aqui se planejam, sustentam que deve-se realizar simultaneamente um fortalecimento do Estado, a erradicação da pobreza e a proteção do ambiente. Não se aceita sacrificar atributos sociais ou ambientais para conquistar o crescimento econômico.

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São tão graves os impactos do extrativismo depredador que é necessário iniciar medidas imediatas para anulá-los ou evitá-los. São medidas de emergência e urgência. uma forma de entender a situação é imaginar um doente em estado muito grave, o que corresponde ao atual extrativismo depredador. Sobre essas condições é necessário deter o quanto an-tes os impactos negativos, e iniciar um processo de recuperação.

Exemplos• Terminar com as extrações em poços ou minas, onde se utilizam substâncias tóxicas,

ou que geram contaminação, que afetam diretamente a saúde humana.

• Suspender empreendimentos que destroem ambientes frágeis, de alta biodiversidade ou com espécies ameaçadas, ou processos ecológicos chaves, como a alimentação de bacias.

• Empresas que não cumprem as normas de controle e mitigação ambiental e sanitária devem ser fechadas, e só poderão retomar suas operações em caso de cumprir com essas exigências.

• Altos níveis de segurança e saúde com os trabalhadores e as comunidades próximas.

• Salvaguardas efetivas e garantidas para a fase de abandono de minas e poços.

• Aplicar tributos justos, utilizando o arrecadado de maneira inteligente, efetiva e equitativa.

EXTRATIVISMO PELA DIREITA E PELA ESQUERDAAS URGÊNCIAS

EXTRATIVISMODEPREDADOR

EmergênciasUrgências

EXTRATIVISMOSENSATO

EMERGÊNCIAS são os casos em que existem perigos iminentes para a saúde humana, as comunidades ou os ambientes naturais, e no qual uma falta de ação le-varia a impactos graves, em muitos casos irreversíveis. São os “primeiros auxílios” nos lugares que vivenciam os impactos mais agudos do extrativismo, e não se pode esperar mais tempo.

URGÊNCIAS são as situações nas quais o extrativismo gera efeitos negativos mais lentos, que desembocarão em impactos negativos nas comunidades e no meio am-biente. Porém, como são persistentes de-ve-se tomar medidas corretivas urgentes.busca-se evitar novas emergências, e fixar as bases para promover um extrativismo mais sensato de menores efeitos, ou pelo qual as suas consequências possam ser manejadas de melhor maneira.

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Frente ao atual extrativismo depredador são necessárias mudanças. Umas devem ser imediatas, para combater os efeitos mais negativos sobre as comunidades e o ambiente, enquanto outros são a médio e longo prazo, para poder modificar as estra-tégias de desenvolvimento.

Neste sentido, apresentamos uma pro-posta de mudança baseada em suces-sivos passos em diferentes frentes, e que englobamos sobre o nome de “transições”:

• O primeiro conjunto destas medidas tem por finalidade oferecer alternativas de sa-ída do extrativismo depredador o quanto antes. São portanto medidas de urgência e emergência que permitam solucionar os graves impactos atuais e focar na transi-ção para um extrativismo sensato.

• O segundo conjunto de medidas, busca superar esse “extrativismo sensato” para alcançar uma situação em que só se ex-traiam da Natureza os recursos realmen-te necessários para a qualidade de vida dos humanos; é, portanto, uma “extração indispensável”.

Extrativismo sensatoUma melhora indiscutível se conseguiria cumprindo realmente as normas e regula-ções que possui o país, em seus aspectos sociais, sanitários, trabalhistas, econômi-cos e ambientais. Este é um extrativismo sensato: respeitam-se as exigências am-bientais, utilizam-se as melhores tecnolo-

gias disponíveis, estabelecem-se mecanis-mos efetivos de comunicação e participação com a cidadania, e outras medidas desse tipo. Também se seguem convênios interna-cionais, tanto aqueles enfocados em temas ambientais, como de proteção dos direitos dos povos indígenas ou compromissos na transparência dos fundos que manejam as empresas extrativas.

Em todos esses casos, o Estado deixa sua atitude de amparar o extrativismo e entor-pecer as demandas cidadãs, para tornar-se um fiscalizador eficiente, e defender o bem comum. Em palavras mais simples, o extrati-vismo sensato apela à medidas de emergên-cia baseadas em grande parte na normativa atualmente existente em nossos países e em diferentes convênios internacionais.

Por sua vez, sob o extrativismo sensato é possível dar passos adicionais para outras reformas necessárias, tais como corrigir os preços das matérias primas, ajustar impos-tos e royalties, ou começar a completar os vazios que existem na normativa atual. Es-ses e outros elementos se apresentam nas páginas seguintes deste guia.

O extrativismo sensato é uma solução definitiva? não. representa uma reação frente aos graves impactos do extrativis-mo depredador, para solucionar problemas que não admitem mais demora. Porém, ao mesmo tempo são alternativas que iniciam o caminho em direção a transformações

PARA SAIR DO EXTRATIVISMO DEPREDADOR

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Pior

DEPENDÊNCIAECONÔMICA

EXPORTADORA

DEPREDADOR

SENSATO

INDISPENSÁVEL

Melhor

QUALIDADE SOCIOAMBIENTAL

mais profundas, orientadas para um desenvolvimento que não dependa do extrativismo.

No esquema abaixo, a transição até a extração indispensável busca reduzir a dependência exportadora e promover melhorias na qualidade social e ambiental.

O tamanho dos círculos é proporcional à importância do extrativismo para as exportações e a economia nacional.

Extração indispensávelAs tranformações apontam em direção a mudanças mais profundas em que se manterão apenas extrações de recursos naturais que sejam realmente necessárias para as ativida-des humanas e a qualidade de vida. Desta maneira, a extração voltada ao comércio exte-rior se reduz e, portanto, já não se relaciona ao termo extrativismo.

Portanto, na extração indispensável se utilizam os recursos minerais, ou de outro tipo, que são necessários para assegurar a qualidade de vida das pessoas. Fica claro que aqui não se quer proibir todo tipo de mineração ou outras extrações. Busca-se, em troca, regular e controlar esse tipo de explorações, para evitar que se destruam as riquezas naturais e sejam utilizadas onde estejam diretamente vinculadas a nossas necessidades e deman-das. É uma extração indispensável vinculada a cadeias produtivas menos globais, já que se tornam mais nacionais e continentais.

Esta extração indispensável implica profundas mudanças em nossas concepções sobre o de-senvolvimento. Busca abandonar a obsessão com o consumismo, é mais austero, e utiliza menos matéria e energia. Empenha-se em um uso mais cauteloso dos recursos naturais e que seja mais efetivo em erradicar a pobreza e assegurar a qualidade de vida. Isto não se pode conseguir de um dia para o outro, e requererá perseverança, estratégia e rigor.

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A saída do extrativismo depredador atual e o caminho para uma situação mais sensata, e em seguida, às extrações indispensáveis, requerem um processo de transições. Não se defende nem a imobilidade, nem uma mudança repentina, mas sim um processo.

como definimos as transições?As transições são um processo que agrupa diferentes ideias, ações e propostas para abandonar o estilo de desenvolvimento atual e avançar em direções alternativas que estejam enfocadas numa boa vida para as pessoas, e em proteger a Natureza. No caso de transições enfocadas no extrativis-mo, seu propósito é abandonar o estilo de-predador para passar rapidamente a condi-ciones mais sensatas, e em seguida a uma extração indispensável.

É um esforço para iniciar mudanças não só nas ações, tais como as políticas e estraté-gias dos governos, mas que apontam a um plano mais profundo, buscando transfor-mar as bases culturais sobre as quais nos-sas sociedades constroem suas ideias de bem-estar, desenvolvimento e progresso.

como se organizam as transições?A transição é um conceito plural, ou seja, agrupa um conjunto de diferentes ideias e propostas de ação. É também um processo, no sentido que se ensaiam e exploram pro-

postas, aprende-se com os erros e êxitos, e, em seguida, se lançam novas ideias.

Esta situação é compreensível, já que não se pode impor uma receita, gerada num escritório, e aplicá-la a todos os contextos sociais e ecológicos.

Desta maneira, as transições se organizam como um conjunto de medidas, que estão relacionadas umas com outras, coordenan-do-se para avançar em direção às alternati-vas ao desenvolvimento.

Por que se propoem transições?As transições buscam rejeitar a ideia de que existe um único estilo de desenvolvi-mento possível e que este deve ser extrati-vista. A partir daí, podemos pensar e sonhar outros futuros possíveis.

As transições não planejam uma transfor-mação repentina, já que se baseiam em um processo que requererá várias etapas. É possível que isto deixe insatisfeitos os que reclamam uma mudança imediata. Entre-tanto, a apelação a uma transição é inevi-tável não só porque é uma proposta que em sua própria lógica dispensa a ideia de uma receita que todos devam unanimemente aceitar, mas porque é indispensável somar novos setores sociais, identificar as melho-res alternativas, ensaiá-las, e aprender com elas para melhorá-las.

TRANSIÇÕES

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Quais são as relações entre extrativismo e transições?As transições não são uma plataforma contra o extrativismo, nem reclamam uma Nature-za intocada, nem é um regresso à pré-história. Mas são um conjunto de medidas, especial-mente de urgência e emergência, para deter os atuais impactos do extrativismo, e que isto simultaneamente sirva para avançar em direção a mudanças mais profundas nas ideias do desenvolvimento. Acredita-se que a atual intensidade e expansão do extrativismo depre-dador tornam impossível uma boa qualidade de vida e a proteção do ambiente. Portanto, qualquer alternativa substancial deve ser necessariamente pós-extrativista.

Qual é o quadro das transições?As transições pós-extrativistas estão enfocadas em duas metas muito precisas:

• zero pobreza em nossas sociedades

• zero extinções de espécies de fauna e flora.

Estas duas metas têm o mesmo nível de hierarquia, no qual os direitos das pessoas e da Natureza são igualmente importantes. Por sua vez, este compromisso permite delimitar o campo das transições, já que qualquer medida de mudança será aceitável. Cada uma das propostas e ensaios deve ser considerada em relação a sua capacidade e efetividade para erradicar a pobreza e assegurar a proteção da Natureza.

Quais são os seus conteúdos e suas escalas?As medidas propostas são de diferentes tipos, e cobrem todos os âmbitos, desde leis e direitos à ferramentas econômicas, dos impostos à reforma política. Essas medidas se si-tuam em várias escalas, desde aquelas dentro das fronteiras nacionais a outras expressa-das nos espaços internacionais. Em geral, podemos adiantar que são medidas tais como: mudar os processos produtivos, reduzindo o consumo de matéria e energia, reformar a economia, melhorar as avaliações sociais e ambientais, e coordenar estas medidas com os países vizinhos para recuperar autonomia frente às pressões globais.

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PARA REcORDAR Defendemos uma estratégia baseada nas transições porque:

• É necessário aplicar medidas de emergência e urgência em comunidades ou lugares que já não podem esperar um dia sequer mais frente aos severos impactos que sofrem.

• É indispensável seguir avançando com outras ações, cada vez mais complexas e profundas, num processo que deve ser profundamente democrático e, portanto será pausado e tomará tempo.

• As medidas de mudança nas transições devem se comple-mentar entre si, potencializando-se entre elas e alentando novas transformações. Apontam a uma mudança radical frente às ideias atuais de desenvolvimento.

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O olhar ambientalAs tarefas de emergência e urgência re-querem deter o quanto antes os mais graves impactos ambientais. Em nossos países, a deterioração ambiental se deve, em parte, ao não cumprimento de normas ambientais e à não aplicação de controles rigorosos por parte dos governos. Portan-to, se faz necessário:

• Aplicar rigorosamente todas as normas e regulações sobre qualidade ambien-tal, incluindo exigências sobre emissões, efluentes, contaminações, etc.

• Assegurar que o Estado efetue um con-trole rigoroso sobre o desempenho ambiental dos empreendimentos, veri-ficando regularmente os impactos am-bientais que produzem e a efetividade das medidas de remediação e mitigação.

• Os controles e a fiscalização não po-dem estar unicamente em mãos do Estado. Devem ser participativos, com ativo envolvimento da cidadania para assegurar que tanto as empresas como o próprio Estado cumpram com as nor-mas e a fiscalização.

• Os infratores deverão ser penalizados, para desmistificar a ideia de que a inob-servância dos controles ambientais não tem efeitos substantivos.

• As áreas naturais protegidas, como os par-ques nacionais, e as espécies de fauna e flora ameaçadas devem ser efetivamente resguardadas. Não se podem aceitar me-didas de redelimitação dessas áreas para atender às necessidades de empreendi-mentos extrativos.

Em vários casos já existem normas, leis ou regulamentos, nestes e outros aspectos ambientais. Sobre essas circunstâncias, as medidas de emergência se enfocarão em fazer cumprir essas exigências. Em se-guida, as medidas de urgência se aplicam tanto para melhorar aquelas normas que padecem de limitações, como para criar uma nova normativa ali onde se detectem vazios.

Novos sistemas de avaliação ambientalDepois, é necessário articular isto num qua-dro que clarifique as condições sob as quais um empreendimento extrativista é aceitável e naquelas que o convertem inaceitável.

Um quadro básico para as avaliações deve estar baseado em distinguir três situações: empreendimentos extrativos que são acei-táveis, dado que cumprem com as exigên-cias sociais e ambientais, e brindam bons retornos sociais e econômicos; aqueles que são discutíveis, já que oferecem benefícios numa dimensão, porém prejuízos em outra

DETER OS IMPACTOS

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(por exemplo, alta rentabilidade econômica, mas com alguns impactos ambientais); e fi-nalmente, os que são proibidos, dados seus altos impactos sociais e ambientais (indepen-dentemente dos benefícios econômicos que possam oferecer).

Sobre o extrativismo sensato devem ficar claro quais são os empreendimentos proibidos, e essas condições devem ser cumpridas com rigorosidade. Uma extração sensata resultará da aplicação destas exigências e, à medida que se avança nas transições, seja por melhores regulações, seja pela disponibilidade de outras alternativas, pode-se chegar ao extrativismo indispensável. A Serra do gandarela (mg), por sua alta relevância hídrica e ambiental, tem sido defendida como uma área livre de mineração pelo movimento socioambiental que a defende.

IMPA

CTO

S A

MB

IEN

TAIS

PROIBIDOS

DISCUTÍVEIS

ÓTIMOS

BENEFÍCIOS ECONÔMICOS / EMPREGOS

é necessário assegurar que o Estado efetue um controle rigoroso sobre o impacto ambiental dos empreendimentos.

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cASOS QUE NãO DEVEm REPETIR-SENo Chile, entre 2005 e 2012, o serviço de avaliação ambiental considerou 620 projetos mineradores, e só rejeitou 39.

No Peru, entre 1993 e junho de 2010 consideraram-se 3966 licenciamentos ambientais no setor minerador, dos quais foram aprovados 2259; quando o governo encarregou uma revisão independente dos projetos restantes, no primeiro caso (Tia Maria) surgiram 138 observações.

Estes e outros exemplos mostram que o licenciamento ambiental, em muitos casos, termina sendo um trâmite formal. As transições buscam reverter esta debilidade. Em Conceição do Mato Dentro (MG), mais de 70% das condicionantes ambientais do processo de licenciamento são descumpridas pela empresa Anglo American, que segue com o empreendimento.

O olhar territorialÉ urgente recuperar um controle social e ambiental sobre os territórios, detendo a onda das grandes concessões para as ex-plorações e aproveitamentos. Portanto, as transições apontam para a implementação de mecanismos efetivos de zoneamento e de ordenamento territorial, baseados em critérios sociais, produtivos e ambientais. isto permitirá identificar zonas nas quais não será possível levar adiante um extra-tivismo regulado, enquanto outras sirvam para empreendimentos sustentáveis.

O olhar socialNo campo social, as reformas mais urgentes para sair do estilo depredador estão todas relacionadas com uma recuperação da de-mocracia e o respeito dos direitos humanos e da Natureza frente ao setor extrativista. Entre elas podemos mencionar algumas das mais importantes:

• Os processos de transformação devem assegurar uma efetiva participação do cidadão, com o acesso a toda a informa-ção, repetidas ocorrências de consulta com os proponentes, e uma mudança de atitude do Estado, na qual em lugar de defender as empresas, recupere seu pa-pel de defensor do bem comum.

• Essa participação implica reconhecer os direitos dos povos indígenas e das mino-rias, tratando-os com respeito, assegu-rando-lhes suas condições de vida, e seu consentimento prévio no que seja neces-sário.

• Os cidadãos podem e devem participar nos controles e monitoramentos dos em-preendimentos extrativistas aprovados.

Mesmo assim, as novas condições sociais também incluem salvaguardar os direitos dos trabalhadores nesse setor, incluindo sua segurança e condições de saúde, e da mesma maneira, atender a situação sanitá-ria das comunidades próximas.

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Estes e outros espaços de participação do cidadão devem ter uma balanço adequado en-tre as demandas locais e as considerações nacionais. É, portanto, indispensável avançar em direção aos mecanismos de coordenações e compensações entre as regiões dentro de um país, e que estes sejam democraticamente acordados.

Finalmente, onde de todos os modos apareçam conflitos, deve-se apelar ao diálogo desde uma base de respeito e transparência.

cASOS QUE NãO DEVEm REPETIR-SENo Peru, o Ministério da saúde removeu em 2010 a La Oroya dos lugares de vigilância ambiental e sanitária pelos seus altíssimos níveis de contaminação.

No Peru, o Ministério do Trabalho admitiu em 2011 que não conseguiu implementar medidas de supervisão sobre a segurança na mineração.

Estes e outros exemplos mostram a debilidade em aplicar normas sociais e ambientais que já existem de onde se opta por não controlar nem vigiar. As transições buscam recuperar esse papel de controle e vigilância, tanto nas mãos do Estado como dos cidadãos.

é urgente recuperar um controle social e ambiental sobre os territórios, detendo a onda das grandes concessões para as explorações e aproveitamentos.

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Nos atuais preços dos produtos do extrati-vismo, como minerais ou petróleo, não se incorporam os custos econômicos gerados pelos impactos sociais ou ambientais. Es-ses custos incluem, por exemplo, o dinhei-ro que consome solucionar um derrame de contaminantes ou atender o dano na saúde de populações locais. É por isso que o preço atual das matérias primas que se exportam está distorcido.

INTERNALIZAR OS CUSTOS SOCIOAMBIENTAIS

Preço do ouro [abril 2013]

$ 1920 dólares cada onça

Custos econômicos por desperdícios,

remoções, contaminação, etc.

PREÇO VISÍVEL

CUSTOS INVISÍVEIS

Portanto, as transições postulam corrigir esses preços. A consequência será que cada unidade de recursos naturais será muito mais cara.

A correção ecológica dos preços não sig-nifica que se está determinando um valor econômico para a Natureza. Ao contrário, a proposta de transições sustenta que a na-tureza não se reduz a um valor monetário, a proposta é, no entanto, uma correção. uma modificação dos indicadores de preço para que não sigam transferindo esses cus-tos ao ambiente, às comunidades locais ou aos Estados.

Por sua vez, esta correção terá um impacto enorme nas análises custo / benefício. Essa análise é o procedimento habitual para avaliar projetos extrativistas, e como quase sempre os custos sociais e ambientais são ignorados, essas empresas aparecem sempre como um excelente negócio.

Sob as transições, os custos sociais e am-bientais se tornam visíveis e, portanto, a conta dos custos subirá substancialmente. Deve-se manter o controle para que essa subida de preços não tenha como resulta-do uma sobrevalorização das commodities e que em uma fase de expansão econômica signifique uma nova expansão extrativista, viabilizando inclusive jazidas com menor teor mineral. Ao contrário, essa proposta objetiva que empreendimentos extrativos devem deixar de ser bons negócios, sendo abandonados por simples razões comer-ciais e financeiras.

É, portanto, indispensável promover uma correção dos preços. Isto implica incor-porar os custos que hoje são “invisíveis”, como a perda de biodiversidade, a conta-minação e a deterioração da saúde pública. Essa carga econômica não pode ficar nas comunidades locais, nos governos locais ou nacionais. Tampouco esse processo de ajuste pode resultar em um repasse nos preços dos produtos finais industrializados para os consumidores.

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Entre algumas das consequências espera-das das medidas anteriores, o volume de produtos extraídos, como minerais ou pe-tróleo, se reduzirá. Apesar deste ser um dos objetivos das transições pós-extrativistas, esta nova situação é objeto de muitas críti-cas e temores. Denuncia-se que esse cami-nho implicaria severos danos à economia nacional, perderiam-se postos de trabalho e seria, todavia, mais difícil sair da pobreza. realmente acontecerá isso? Examinemos com atenção estas questões.

Exportar-se-á menos, mas o preço será muito mais alto A queda da receita por exportações será menor do que esperado, já que o preço dos recursos extrativos será muito mais alto. A tonelada de mineral ou o barril de petróleo será muito mais caro.

Extrai-se menos, mas háeconomia nos gastos por dano social e ambientalAo se reduzir o número de empreendimen-tos extrativos e ao manter em operação unicamente aqueles que cumprem com as exigências socioambientais, os gastos ocasionados pelos impactos sociais e am-bientais se reduzirão drasticamente. Na si-tuação atual, uma parte do dinheiro que o Estado captura do extrativismo depredador deve ser destinada a compensar impactos sociais, amortizar a contaminação ou lim-par empreendimentos abandonados. Ao

OUTROS BALANÇOS COMERCIAIS E ECONÔMICOS

iniciarem-se as transições para o extrativismo sensato, esta poupança por danos ambientais e sociais será outro elemento que compensará as quedas das receitas por exportações.

Abandonar os subsídios perversosNa atualidade, os Estados transferem impor-tantes recursos econômicos para sustentar o extrativismo depredador. Entre eles se en-contram, por exemplo, a construção de in-fraestruturas de transporte, a concessão de energia barata e subsídios para a isenção de impostos. Estes tipos de apoios econômicos são chamados subsídios perversos. Vários subsídios perversos se encontram, por exem-plo, dentro dos PAC (Programa Aceleração do Crescimento) ou do Plano Agrícola e Pecuário. Nas transições se desmontam os subsídios perversos, e com eles geram-se economias.

Uma necessária reforma tributáriaOs governos, em parte, promovem o extra-tivismo porque estão necessitados de re-cursos financeiros, mas ao mesmo tempo, os impostos e royalties que se cobram são quase sempre baixos, desfrutam de excep-cionalidades e há casos em que não são cumpridos. Essa baixa carga tributária gera condicões para seguir aumentando o nú-mero de empreendimentos extrativos. Nas transições, serão cortadas estas relações tortuosas. A alternativa é uma reforma tributária em um amplo sentido, incluindo

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uma justa imposição às atividades empresariais, royalties ao extrativismo por perda de patrimônio nacional, e finalmente, impostos graduais aos ganhos excessivos para evitar especulação e efeitos negativos nas economias nacionais.

lImPANDO O QUE OUTROS DEIXARAmNo Peru, registraram-se mais de 6800 passivos ambientais mineradores (pedreira, poços e outras instalações em minas abandonadas). Destes, quase cem são de muito alto risco. Não se conhecem seus donos ou responsáveis por mais de 4500 casos.

Sua limpeza custaria ao governo peruano um estimado de um bilhão de dólares, que é uma cifra aproximada ao que se recebe por royalties. Portanto, o Estado (e a sociedade) deve gastar nessa limpeza mais ou menos o mesmo dinheiro que se recebe pelo extrativismo.

As transições buscam evitar estas situações, obrigando a assumir a gestão ambiental, identificando donos e responsáveis, e aplicando medidas como seguros ambientais.

ESTIlO QUE NãO DEVE REPETIR-SENa Bolívia, 80% dos investimentos do Estado se enfocam em infraes-trutura e promoção da exploração de hidrocarbonetos e minerais; o resto se dedica a outros fins, entre eles os sociais, educativos e sani-tários. No Brasil mais de 70% da carteira de investimentos do BNDES está destinada ao setor extrativo e de energia.

Estes e outros casos mostram que, primeiro, os governos dis-põem de recursos, e segundo, que utilizam boa parte deles para sustentar o extrativismo depredador. As transições propõem reorientar esse dinheiro para fins sociais e ambientais.

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O extrativismo é defendido uma e outra vez como necessário para poder financiar o Estado. Portanto, se se reformam as finan-ças governamentais, se reduzirá o apetite extrativista.

Na atualidade, como vimos nas páginas an-teriores, o Estado e a sociedade devem pa-gar o custo dos impactos sociais e ambien-tais do extrativismo, os impostos e royalties são limitados, há muitas excepcionalidades (como é o caso da lei Kandir que isenta do tributo iCmS os produtos e serviços destina-dos à exportação) , e inclusive o apoiam por meio de subsídios perversos.

Portanto, sob as transições, tomam-se medi-das que significam, em certos casos, receitas maiores, e, em outros casos, reduzir gastos atuais. O que pode amortizar o impacto por menores exportações, enquanto que as eco-nomias geradas devem ser investidas em ou-tros setores e com outras prioridades.

Desta maneira, é possível reorganizar o gasto público. Alguns exemplos possíveis são os seguintes:

• Combater o clientelismo político e a cor-rupção na administração pública.

• Eficiência na gestão ambiental, com um número adequado de funcionários que cumpram as tarefas realmente necessá-rias, com bons salários, responsabilida-des precisas e com controles que inclu-am a participação do cidadão.

• Orientar os recursos econômicos direta-mente para a erradicação da pobreza e a qualidade de vida; a reconversão pro-dutiva para empreendimentos de menor impacto ambiental, maior mão de obra e eficiência; aos setores indispensáveis para o futuro imediato, como saúde, educação e moradia.

• reduzir o gasto estatal supérfluo ou desnecessário, como por exemplo, a im-portação de equipamentos militares, os subsídios aos agroquímicos, ou o paga-mento da dívida pública (no Brasil mais de 40% do orçamento federal é utliza-do para o pagamento e amortização da

REORDENAR OS GASTOS DO ESTADO

No Peru, registraram-se mais de 6800 passivos ambientais mineradores (pedreira, poços e outras instalações em minas abandonadas).

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IDEIAS PARA A REFORmA TRIBUTÁRIA• No Chile, o imposto progressivo minerador que se aplica ao

extrativismo, que é em média 7.83%, permite que as empresas mantenham rentabilidades na ordem de 50%. Se este mesmo imposto aumentar em 40%, as companhias teriam altíssimas rentabilidades (estimadas em 30%), e o Estado conseguiria 3 bilhões de dólares adicionais por ano. O mesmo estudo alerta que as corporações apelam a vários mecanismos para reduzir ou evadir tributos, uma fiscalização rigorosa também aumentaria a arrecadação.

• No Peru, um estudo promovido pela RedGE mostrou que em um cenário pós-extrativista, no qual se encerram todos os empreendimentos mineradores e petroleiros aprovados entre 2007 e 2011, mas se aplica um imposto maior aos lucros minerários (50% de lucros), não ocorreria uma contração nas contas públicas, mas se conseguiriam resultados positivos na balança de pagamentos e um aumento nas reservas internacionais líquidas.

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Em vários países se defende o extrativismo afirmando que brinda recursos econômicos necessários para financiar os programas de luta contra a pobreza. Isto é particular-mente delicado onde existe um imposto ou royaltie que é utilizado para financiar pagamentos mensais aos mais pobres ou assistir aos municípios. São mecanismos similares ao Bolsa Família, mas que depen-dem diretamente do extrativismo. Um dos exemplos mais claros se encontra na Bo-lívia com o chamado idh (imposto direto aos hidrocarbonetos).

Isto gera a ilusão de que o extrativismo é necessário para combater a pobreza.

Sem dúvida, a assistência financeira aos se-tores mais pobres e marginalizados é neces-sária para alcançar uma das metas das tran-sições: erradicar a pobreza. no entanto, não se comparte o fatalismo de considerar indis-pensável o extrativismo para poder acabar com a pobreza. Portanto, é necessário exa-minar com atenção as possibilidades da jus-tiça social no trânsito ao pós-extrativismo.

O bom e o mau da assistência em dinheiro O pagamento mensal de dinheiro é apro-priado para enfrentar situações agudas de pobreza. Porém, não podem se perpetuar para sempre. As pessoas e as famílias ne-cessitam de condições de vida digna, e não podem depender da vontade governamen-tal de lhes outorgar esses abonos, ou dos vaivéns das matérias primas nos mercados internacionais.

Recuperar a justiça social Uma verdadeira justiça social não pode se reduzir a uma compensação econômica. A justiça social é muito mais ampla, e na proposta das transições se recuperam em especial as dimensões não-econômicas:

• O reconhecimento de todos como pes-soas e cidadãos, com todos os direitos e obrigações que isso implica. Isto é indis-pensável para combater a discriminação, especialmente de povos indígenas e co-munidades camponesas, nas discussões sobre as estratégias de desenvolvimento.

• Uma justa representação social e polí-tica, com acesso igualitário às oportu-nidades que brinda a sociedade, igual cobertura do sistema judicial e dos serviços estatais. Os impactos sociais e ambientais não podem se concentrar entre os grupos mais pobres ou as mi-norias raciais.

• A justiça é múltipla. Sem dúvida a justiça econômica, em especial os mecanismos de redistribuição da riqueza, são funda-mentais. Porém, é importante lembrar que as diferenças econômicas sempre estão atadas às assimetrias sociais. há também uma justiça no plano ambiental, expressa para assegurar uma adequada qualidade de vida e um ambiente saudá-vel a todos. Justiça ecológica, para poder incorporar as visões mais recentes sobre os direitos da Natureza.

JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL

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Erradicar a fomeAs transições consideram que o continente conta com os recursos e as capacidades para erradicar rapidamente o componente alimentício da pobreza. Em vários países, os pro-blemas de acesso aos alimentos se devem à questões como a substituição da agricultura tradicional por projetos extrativos ou agroexportadores, ou aos desequilíbrios no comér-cio em que uma nação deve importar alimentos. A redução do extrativismo a uma práti-ca sensata favorece as condições para este processo e, além disso, permite potencializar a produção agroalimentícia em escala continental.

Políticas sociais amplas e diversasFinalmente, os programas sociais básicos das transições, mais do que ações de emergência, apontam em especial para assegurar empregos dignos e de qualidade, acesso a boa educa-ção, e cobertura sanitária.

As transições, portanto, buscam reduzir o consumismo e apontam para uma cultura mais austera. Priorizam produtos de maior duração que possam ser consertados, não incluem componentes tóxicos ou contaminantes, e que pelo contrário, possam ser reutilizáveis e recicláveis.

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A proposta de transições aponta uma passa-gem rápida a um extrativismo sensato para ir, a partir daí, a uma situação onde só se extrairão os recursos realmente necessários para assegurar a nossa qualidade de vida. Esse caminho em direção a uma extração indispensável requererá romper com vários aspectos do desenvolvimento convencional atual. Vejamos alguns casos destacados.

A voracidade pelo consumoO consumismo atual é um dos pilares do desenvolvimento convencional e um dos principais fatores para explicar a alta de-manda de produtos extrativos. É assim que uma estratégia pós-extrativista deve necessariamente reduzir o apetite do con-sumo material.

recordemos que o elevado consumo atual de bens materiais é quase sempre apresen-tado como um exemplo positivo do desen-volvimento. Entretanto, esse consumismo demanda enormes volumes de materiais e energia. Para manter as vendas, esses pro-dutos têm vidas úteis cada vez mais curtas e uma vez que são dispensados, convertem--se em lixo, gerando ainda mais problemas ambientais. Estamos rodeados por muitos exemplos: necessitam-se diferentes metais e outros produtos para confeccionar refrige-radores ou fogões, e estes cada vez duram menos anos, poucas vezes são consertados,

MAIS ALÉM DO CONSUMISMO

e terminam sendo dispensados para vol-tar a comprar novos eletrodomésticos. As transições, portanto, buscam reduzir o consumismo e apontam para uma cul-tura mais austera. Priorizam produtos de maior duração que possam ser conserta-dos, não incluem componentes tóxicos ou contaminantes, e que pelo contrário, possam ser reutilizáveis e recicláveis. Es-sas mudanças requerem medidas educa-tivas, mas também de regulações precisas (por exemplo, proibições sobre bens com elementos tóxicos), e instrumentos econô-micos (como as taxas sobre a geração de desperdícios). Estes e outros mecanismos apontam para a construção democrática de outra cultura do consumo.

Austeridade e qualidade de vidaA austeridade não significa renunciar à ciência e a tecnologia, mas sim colocá-la a serviço das pessoas e do ambiente; tampouco significa proibir o consumo, mas sim colocá-lo em novos quadros. Um exemplo permite ilustrar esta ideia: uma prioridade das políticas públicas não se-ria promover o automóvel pessoal, mas fortalecer redes de transporte público, eficientes e acessíveis. desta maneira, fica claro que as transições antes da valo-rização da aquisição de um bem, põe seu olhar no acesso e uso de serviços.

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PERGUNTAS PARA PENSAR ANTES DE cONSUmIRRealmente necessito disso? Há algo similar que já possuo e que pode substituí-lo? Quantos desses eu já tenho? Quanto vou usá-lo? Quanto vai durar? É de boa qualidade ou se quebrará rapidamente? Posso pedi-lo emprestado? Posso me virar sem ele? Vou poder mantê-lo em bom estado? Terei vontade ou tempo para fazê-lo? Se estragar, posso consertá-lo, ou deverei jogá-lo no lixo? Está feito de materiais recicláveis? É nacional ou importado?

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Desenvolvimento e crescimento não são sinônimosO extrativismo atual alimenta o mito de que o crescimento dos indicadores macro-econômicos significa desenvolvimento e bem-estar. Isto é sem duvida um equívo-co. Muitos países viram crescer suas cifras econômicas sem que isto significasse uma queda substancial da pobreza ou uma me-lhora na qualidade de vida.

Ao contrário, a perspectiva das transições sustenta que o desenvolvimento e o cres-cimento devem desacoplar-se: seus ob-jetivos não podem seguir obcecados pelo aumento das variáveis econômicas, mas devem focar nas pessoas e no ambiente.

Seguindo esse novo olhar, alguns setores da economia poderão decrescer (por exem-plo, o consumo suntuário), enquanto ou-tros deverão aumentar (é o caso, por exem-plo, da construção de escolas e hospitais).

Estabelecida esta condição, fica claro que sob as transições, a redução dos aportes econômicos do setor extrativo (tanto em dinheiro como em empregos), deverá ser compensada pelo aumento em outros se-tores. vejamos alguns exemplos:

MODIFICANDO A BASE PRODUTIVA

Potencializar outra produção ruralA promoção de uma agricultura, pecuária e de silvicultura, em sentido social e ambien-tal é um componente muito importante para superar todas as formas de extrativismo. Por exemplo, as práticas de policultivos, agri-cultura orgânica ou ecológica, permitirão superar a dependência das monoculturas. Enquanto oferecerão opções que demandam proporcionalmente mais emprego, as extra-ções podem se ajustar a renovação dos ciclos ecológicos e ao menor consumo de energia. No Brasil um objetivo fundamental para via-bilizar isso é um amplo processo de reforma agrária visando a desconcentração fundiária. Finalmente, seu aporte é indispensável para erradicar a desnutrição (uma tarefa urgente das transições).

Uma industrialização de outro tipoDa mesma maneira, a industrialização ne-cessária sob as transições é aquela orienta-da a produzir bens necessários e duráveis, em que se sigam balanços entre o consumo de matéria e energia, frente à demanda de emprego e seus benefícios econômicos. Tan-to no setor industrial como agroalimentar, as reconversões propostas pelas transições devem coordenar a escala continental, como se verá mais adiante.

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UmA PRODUÇãO mAIS INTElIGENTE, JUSTA E VERDE• Reduzir o consumo de materiais e energia. As estratégias

produtivas atuais necessitam do extrativismo porque consomem muitos materiais e energia. Portanto, as transições apostam em processos produtivos que consumam menos matéria, sejam mais eficientes em utilizar energia e água, e resultem em bens finais que tenham longa vida útil.

• Promover a reciclagem e a reutilização. Os materiais dos bens que finalizaram sua vida útil ou são rejeitados, tais como seus diferentes metais, devem ser reaproveitados por meio de intensos programas de reciclagem, recuperação e reutilização.

• Incentivar bens de longa vida. A produção atual aposta em bens de curta durabilidade (rápida obsolescência), para manter um consumo constante e com ele exigir os aportes do extrativismo. Portanto, as transições priorizarão a exigência de diferentes meios mudança na cultura do consumo.

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Nos últimos anos se repetem os chamados à integração entre os países sul-america-nos. Porém, se observamos o que realmen-te acontece, encontraremos que os blocos regionais como a Comunidade Andina ou o mErCOSul padecem de sérios problemas. O extrativismo atual tem muito que ver com esta situação.

Com efeito, vários países que exportam matérias primas similares terminam com-petindo entre si. Por exemplo, o Brasil com-pete em suas exportações de soja com a Argentina e outras nações do cone sul. Essa competição explica, em parte, que os países ofereçam vantajosas concessões a corpora-ções para atrair os investimentos, e que fle-xibilizem suas exigências sociais e ambien-tais, para manter esses empreendimentos operando. O extrativismo alimenta a com-petição e a desconfiança entre os países.

As transições, em troca, como buscam rom-per a dependência de exportar produtos ex-trativos aos mercados globais, consideram indispensável resgatar e fortalecer a inte-gração com os países vizinhos. Alguns dos componentes desta nova integração são os seguintes:

•Estratégias produtivas regionais

É indispensável coordenar a produção en-tre vários países do continente, de maneira a poder compartilhar recursos materiais e energia. Isto permitirá romper a dependên-cia em exportar matérias primas e importar

UMA INTEGRAÇÃO QUE REALMENTE INTEGRE

manufaturas desde outros continentes, para passar a uma industrialização própria. É im-portante que essa mudança seja coordenada com as nações vizinhas de maneira a impedir que se repitam situações em que os maio-res se aproveitem dos menores. Isto leva a cadeias produtivas compartilhadas entre vários países, em que todos participam com recursos para a industrialização.

•Complementações ecológicas

A produção e outros usos humanos estão ba-seados em recursos naturais que estão dis-tribuídos entre nossos países, sem reconhe-cer suas fronteiras políticas. São as grandes regionais ecológicas como a Amazônia, os Páramos ou o Chaco. Cada uma dessas eco-regiões oferece distintas opções produtivas. Desta maneira, as coordenações produtivas, e muito especialmente as agropecuárias, de-pendem de reconhecer as complementarida-des ecológicas dentro do continente.

•Um regionalismo para a autonomia

Este novo regionalismo aponta à autono-mia dos países sul-americanos frente à globalização. Para avançar nesse caminho, é necessária uma coordenação estreita, in-cluindo acordos supranacionais. A aposta nos Tratados de Livre Comércio impede es-ses avanços, e na realidade significam acei-tar relaciones comerciais desiguais com a globalização.

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PARA REcORDARAs transições pós-extrativistas não excluem o comércio internacional, mas sustentam que os recursos extraídos devem ser utilizados em primeiro lugar em nossos países e no nosso continente. Desta maneira, a dependência da globalização se reduz.

Esta nova integração é uma condição indispensável para as transições pós-extrativistas. As saídas ao extrativismo depredador não podem ser pensadas ou desenhadas somente desde o quadro local ou nacional, e necessariamente requerem coordenações e articulações com os países vizinhos. A conformação de redes cidadãs transnacionais segue sendo indispensável.

é um círculo vicioso: exporta-se, por exemplo, ferro e alumínio, que serão utilizados por outras nações em outros continentes, que logo nos venderão seus eletrodomésticos ou automóveis. No Brasil, em 2012, o aumento do consumo de bens industriais foi coberto pelas importações. Para poder importar esses produtos, o país teve que exportar enormes volumes de recursos naturais.

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Assimetrias e dependências Na atualidade, o extrativismo mantém e reproduz uma profunda assimetria comer-cial: os países sulamericanos exportam matérias primas, para poder assim comprar produtos manufaturados.

É um círculo vicioso: se exporta, por exem-plo, ferro e alumínio, que serão utilizados por outras nações em outros continentes, que logo nos venderão seus eletrodomés-ticos ou automóveis. No Brasil, durante 2012, o aumento do consumo de bens in-dustriais foi coberto pelas importações. Para poder importar esses produtos, ti-veram que exportar enormes volumes de recursos naturais.

Essas relações de compra e venda são assi-métricas, e essas transações representam uma proporção cada vez menor no total do comércio global; paralelamente, as manu-faturas e os serviços são proporcionalmen-te mais caros, e ocupam proporções cada vez maiores no comércio internacional.

Os preços dessas matérias primas não se decidem na América do Sul, mas nas bol-sas internacionais do hemisfério norte. O comércio internacional segue regulado por um punhado de corporações, a maior parte privada, mas também estatais (como ocorre com a China).

Estes e outros aspectos são agora menos evidentes devido à conjuntura dos altos

GLOBALIZAÇÃO

preços em alguns minerais e no petróleo. Entretanto, ao observar uma tendência his-tórica muito mais longa, que abarque todo o século xx, fica em evidência essa queda nos preços, que vai além de episódios de altas.

Em resumo• O desenvolvimento dependente do ex-

trativismo é muito perigoso e instável. Depende de fatores chaves que não se en-contram na América latina: a fixação dos preços, as redes de comercialização e o consumo de outras regiões.

• É também um desenvolvimento depen-dente, já que nossos países passam a de-sempenhar papéis subordinados na glo-balização.

Desvinculação seletiva da globalização e autonomiaAs transições propõem, por diferentes meios, uma desvinculação seletiva da glo-balização. Ao se reduzir a dependência ex-trativista, também se reduz nossa depen-dência das decisões dos mercados globais e dos fluxos de capital. isto permite recuperar maiores graus de autonomia frente à glo-balização, para poder decidir quais vínculos internacionais se desejam manter, e quais não. Portanto, as transições não postulam um isolacionismo do mundo, mas um rela-cionamento de igual a igual.

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Esquerda: a situação atualEsquema do volume e destino das extrações, sobre os estilos de desenvolvimento atuais. O nível de extração é muito alto e seu princi-pal destino são as exportações globais.

COMÉRCIO CONTINENTAL

USONACIONAL

USONACIONAL

EXPORTAÇÃOGLOBAL

EXPORTAÇÃOGLOBAL

COMÉRCIO CONTINENTAL

Direita: transições ao futuroSobre as alternativas pós-extrativistas, a extração se reduz substancialmente, e au-mentam proporcionalmente os usos nacio-nais e continentais enquanto se reduzem as exportações aos mercados globais.

Este olhar se aparta de uma postura paternalista, na qual desde a cultura ocidental se “toleram” outras culturas. Em troca, aposta-se num diálogo e intercâmbio de saberes com outras tradições.

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Políticas e culturasComo resulta claro das propostas anterio-res, a proposta de transições pós-extra-tivistas têm componentes políticos indu-bitáveis – entendendo a “política” como a discussão pública de cidadãos comprome-tidos com o bem comum.

Ao abordar questões como as exigências ambientais e sociais ao extrativismo ou re-clamar uma reforma tributária, nos aden-tramos em terrenos onde será necessário um debate democrático para ampliar a base social de apoio nestas tarefas, mas também para ajustá-las às condições particulares de cada espaço do país e do continente.

DEPOIS DO DESENVOLVIMENTO, O BEM-VIVER

Nos debates acerca do extrativismo, fica em evidência a pluralidade de for-mas de perceber e valorizar o bem-estar e a natureza, e em especial aquelas ori-ginárias dos saberes e sensibilidades dos povos indígenas. Portanto, as tran-sições necessariamente se desenvolvem num contexto intercultural. Este olhar se aparta de uma postura paternalista, na qual desde a cultura ocidental se “toleram” outras culturas. Em troca, aposta-se num diálogo e intercâmbio de saberes com ou-tras tradições.

Tampouco devemos esquecer que as ideias e aspirações do que atualmente se conhece como “desenvolvimento” têm

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profundas raízes na tradição ocidental. O apego pelo crescimento, a fascinação com a manipulação tecnológica ou o gozo do consumo se nutrem de ideias e sensi-bilidades muito arraigadas, e muito mais profundas que as simpatias ou antipatias políticas. Portanto, as transições não so-mente devem ocupar o espaço da políti-ca, mas devem também considerar esses fundamentos culturais. As transições são muito mais que uma mudança política, e representam uma transformação radical no plano cultural.

Isto faz com que estas propostas de mu-dança devam gestar-se democraticamente, o que nos leva a processos de diálogo, deli-berações, acordos e consensos, que se de-vem ir construindo. Estas condições expli-cam, uma vez mais, que se deve reconhecer que enfrentamos um processo paulatino, o que explica o uso do conceito de transições.

Alternativa ao desenvolvimento: Bem-Viver Se as transições buscam ir além do desen-volvimento convencional, estão em busca de um novo marco conceitual e vivencial que evite voltar a cair em uma forma de “desenvolvimento”. Nesse sentido, o atual debate sobre as transições considera que as ideias englobadas sobre o “Bem-Viver” ou “Viver Bem” têm uma enorme importân-cia. Estas são concepções de uma boa vida, entendendo-a em um plano pessoal, mas também comunitária, e expandida às vin-culações com a Natureza. Desta maneira, as transições pós-extrativistas podem ser entendidas como uma longa caminhada coletiva em direção ao Bem-Viver.

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As transições pós-extrativistas se constro-em entre todos. É uma responsabilidade e uma necessidade dos cidadãos. É uma tarefa entre vizinhas e vizinhos em todas as comunidades do país, de estudantes e professores, de técnicos do governo e das empresas, de militantes sociais ou líderes cidadãos.

É, portanto, nossa responsabilidade cons-truí-las, e contamos com muitas possibili-dades para poder fazê-lo.

vejamos alguns componentes:

Pensar As transições pós-extrativistas requerem seguir analisando e refletindo. não é uma proposta acabada, e é indispensável abordar novos temas e melhorar as atuais propostas.

SentirAs transições também respondem a sen-sibilidades, afetos e crenças sobre nossas relações com quem nos rodeiam e nosso ambiente. Assim, se nutre a paixão neces-sária para promover as transições.

Falar Discutir, compartilhar, convencer, enten-der... As transições se nutrem e se desen-volvem no diálogo. Fale sobre estas ideias e sua necessidade em todos os âmbitos pos-síveis, escute as reações, e volte a dialogar sobre elas.

Atuar Existem muitas opções possíveis de ação para promover as transições. Alguns pode-rão apostar no consumo responsável, outros divulgar práticas agroecológicas, alguns o fa-rão na denúncia dos impactos do extrativis-mo, e assim sucessivamente. As transições se nutrem da dinâmica das ações.

coordenarAs transições não chegarão das mãos de lí-deres iluminados, mas sim resultarão do es-forço compartilhado. Portanto, é importante se vincular com outras pessoas, integrar-se a movimentos e organizações entre cidadãos, e participar em espaços coletivos.

CIDADÃOS: POSSIBILIDADES E RESPONSABILIDADES

As transições para sair do extrativismo:• Não representa uma catástrofe econômica, já que contamos com

diferentes opções que permitem recuperar os efeitos econômicos de reduzir as exportações extrativas.

• Não ocasiona uma perda de emprego massivo, porque esse setor ocupa proporcionalmente pouca mão de obra.

• Não implica deixar de exportar, mas sim que se comercializarão outros produtos e em outros volumes.

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Ao contrário, as transições...• São urgentes, já que esse estilo gera graves impactos ambientais

e sociais, afetando inumeráveis comunidades e ecossistemas.

• São necessárias, já que devido a esses efeitos, se elevam demandas sociais e explodem protestos entre os cidadãos.

• São inevitáveis, porque os recursos extrativos se esgotarão e, inclusive, em alguns casos, estamos entrando em suas fases finais de disposição. Portanto, o futuro será inevitavelmente pós-extrativo.

mas, as transições…• Obrigam a ajustar o gasto do Estado, incluindo a transformação de

subsídios perversos em subsídios legítimos.

• Exigem começar uma transformação produtiva, cujas prioridades são a reconversão agropecuária e uma indústria compartilhada com os países vizinhos.

• Necessitam de mudanças nas políticas econômicas, como uma reforma tributária, erradicando benefícios empresariais, ampliando a base tributária, e com níveis que sejam justos e equitativos.

• requerem paciência, para ir somando apoios e trocas, e obrigam saber valorizar inclusive os pequenos avanços que se possam conquistar.

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