Transformação_v.36,_n3_2013

254
TRANS/FORM/AÇÃO Revista de Filosofia da UNESP

Transcript of Transformação_v.36,_n3_2013

  • TRANS/FORM/AORevista de Filosofia da UNESP

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAReitor

    Julio Cezar DuriganVice-Reitora

    Marilza Vieira Cunha Rudge

    Pr-Reitora de PesquisaMaria Jos Soares Mendes Giannini

    Conselho Editorial de Peridicos Cientficos da UNESPCoordenadora

    Tnia Regina de Luca

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIASDiretor

    Jos Carlos MiguelVice-Diretor

    Marcelo Tavella Navega

    Departamento de FilosofiaChefe

    Pedro Geraldo Aparecido NovelliVice-Chefe

    Ricardo Pereira Tassinari

    Programa de Ps-Graduao em FilosofiaCoordenador

    Reinaldo Sampaio PereiraVice-Coordenadora

    Mariana Cludia Broens

    Conselho de Curso do Curso de FilosofiaCoordenador

    Ricardo MonteagudoVice-Coordenador

    Kleber Cecon

    Revista financiada com recursos da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FA-PESP) e Pr-Reitoria de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista

  • ISSN 0101-3173TFACDH

    TRANS/FORM/AORevista de Filosofia da UNESP

    Trans/Form/Ao Marlia v. 36 n. 3 p. 1-254 Set./Dez. 2013

  • Correspondncia e artigos para publicao devero ser encaminhados :Correspondence and articles for publications should be addressed to:

    TRANS/FORM/AOhttp://www.unesp.br/prope/revcientifica/TransFormAcao/Historico.php

    [email protected] de Filosofia/Programa de Ps-Graduao em Filosofia da FFC-Unesp

    Av. Hygino Muzzi Filho, 73717525-900 Marlia SP

    Editor ResponsvelCllia Aparecida Martins

    Comisso EditorialAndrey Ivanov

    Antnio Trajano Menezes Arruda Lcio Loureno Prado

    Mrcio Benchimol Barros Reinaldo Sampaio Pereira

    Ubirajara Rancan de Azevedo Marques

    Conselho ConsultivoAlain Grosrichard; Universit de Genve; Genebra, Sua.

    Antnio Carlos dos Santos; Universidade Federal de Sergipe; So Cristvo/SE, Brasil.Bertrand Binoche; Universit de Sorbonne-Paris I; Paris, Frana.

    Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento; Unicamp; Campinas/SP, Brasil.Catherine Larrre; Universit de Sorbonne-Paris I; Paris, Frana.

    Elias Humberto Alves; Unicamp; Campinas/SP, Brasil.Gregorio Piaia, Universit di Padova, Pdua, Itlia.

    Hugh Lacey; Swarthmore College; Swarthmore, EUA.Itala M. Loffredo DOttaviano, Unicamp, Campinas/SP, Brasil.

    Marco Aurlio Werle, USP; So Paulo/SP, Brasil.Marcos Barbosa de Oliveira; USP; So Paulo/SP, Brasil.Maria das Graas de Souza; USP; So Paulo/SP, Brasil.Marilena de Souza Chau; USP; So Paulo/SP, Brasil.

    Michael Lwy; Centre National de Recherche Scientifique CNRS; Paris, Frana.Oswaldo Giacia Jnior; Unicamp; Campinas/SP, Brasil.

    Oswaldo Porchat de A. Pereira da Silva, Universidade de So Paulo USP, So Paulo, SP, Brasil.Paulo Eduardo Arantes; USP; So Paulo/SP, Brasil.

    Willem F.G. Haselager; University of Nijmegen; Nijmegen, HolandaWolfgang Leo Maar; UFSCar; So Carlos/SP, Brasil.

    Conselho Consultivo na UNESPAlfredo Pereira Jnior; Instituto de Biocincias da UNESP-Botucatu, Carlos Eduardo Jordo Machado;

    Faculdade de Cincias e Letras da UNESP-Assis, Hrcules de Arajo Feitosa; Faculdade de Cinciasda Unesp-Bauru, Isabel Maria Loureiro; Faculdade de Filosofia e Cincias da UNESP-Marlia,

    Jairo Jos da Silva; Instituto de Geocincias e Cincias Exatas da UNESP-Rio Claro,Jzio Hernani Gutierre; Editora da UNESP, Mrio Fernando Bolognesi; Instituto de Artes

    da UNESP-So Paulo.Publicao quadrimestral/Quarterly publication

    Solicita-se permuta/Exchange desired

    TRANS/FORM/AO : revista de filosofia / Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Assis. - Vol. 1 (1974) - Vol. 2 (1975) ; Vol. 3 (1980)- . -- Assis : Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, 1974 - 1975 ; 1980 - Quadrimestral : 2011 - Semestral : 2003 - 2010 Anual : 1974 - 2002 Publicao suspensa : 1976 - 1979 Publicada por : Vol. 3 (1980) Biblioteca Central da Unesp (Marlia) ; Vol. 4 (1981) - Vol. 8 (1985) Centro de Publicaes Culturais e Cientficas (So Paulo) ; Vol. 9/10 (1986) - Vol. 18 (1995) Fundao para o Desenvolvimento da Unesp (So Paulo) ; Vol. 19 (1996) - Vol. 26 no. 1 (2006) Fundao Editora da Unesp ; Vol. 26 no. 2 (2003)- Faculdade de Filosofia e Cincias (Marlia) ISSN : 0101-3173

    1. Filosofia - Peridicos. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Filosofia e Cincias - Campus de Marlia.CDD 105

    Os artigos publicados em TRANS/FORM/AO so indexados por:The articles published in TRANS/FORM/AO are indexed by:

    Bibliografia Teolgica Comentada; Bibliographie Latinoamericaine DArticles; Clase-Cich-Unam; Dare Databank; EBSCO; ISI Web of Science; MLA Internacional Bibliography, International Directory of Philosophy and Philosophers; The

    Philosophers Index; International Philosophical Bibliography (Repertoire Bibliographique de la Philoso-phie);Linguistic & Language Behavior Abstracts; Revista Interamericana de Bibliographia; Sociological

    Abstracts; Worldwide Political Science Abstracts; Scientific Eletronic Library on-line (www.scielo.br).

  • Sumrio / ContentS

    Palavras da Editora ........................................................................................ 7

    ArtigoS / ArtiCleSPoderia a Narrativa do Gyges de Plato Ser uma Fico Baseada em Herdoto?Could Platos Gyges narrative be a fiction based on Herodotus?Luiz Maurcio Bentim da Rocha Menezes ........................................................ 9

    El Ente en Cayetano: Aproximacin a su Significado e Implicancias MetafsicasEnte in Cajetan: understanding its meaning and metaphysical implicationsCeferino P. D. Muoz ..................................................................................... 23

    O Lugar da Experincia na Fenomenologia de E. Husserl: de Prolegmenos a Ideias IThe place of experience in Husserls phenomenology: from the Prolegomena to Ideas ICarlos Digenes C. Tourinho ........................................................................... 35

    Unicidade e Comunidade: a Recepo de M. Stirner em Lhomme Rvolt de Albert CamusUniqueness and community: On the reception of Max Stirner in Albert Camus The RebelJos Luis Prez ................................................................................................ 53

    O Trabalho do Negativo: Linguagem e Ontologiaem Saussure e Merleau-PontyThe work of the negative: ontology and language in Saussure and Merleau-PontyCristiano Perius .............................................................................................. 69

    Da Revoluo: Arendt, uma Moderna?On Revolution: Arendt as a modern?Daiane Eccel .................................................................................................. 109

    O Estatuto do Corpo em Esquisse Dune Thorie Des motions, de Jean-Paul SartreThe status of the body in Jean-Paul Sartres Esquisse dune thorie des motionsMarcelo Galletti Ferretti .................................................................................. 129

  • Os Diagramas de C.S. Peirce para as Dez Classes de SignosPeirces diagrams for the ten classes of signsPriscila Lena Farias ; Joo Queiroz .................................................................. 155

    Novas Direes na Filosofia da MenteNew directions in the philosophy of mindGabriel Juc de Hollanda ................................................................................ 173

    Dificultades de la Lgica Dentica: el Problema de las Tareas AbstractasDifficuties in deontic logic: the problem of abstract tasksMiguel Lpez Astorga ...................................................................................... 187

    Uma filosofia da histria tornada sbria. Sobre o papel da filosofia da histria na teoria crtica da sociedade de Jrgen HabermasGeorg Lohmann ............................................................................................. 203

    Pensar Contra a Desesperana Uma Obrigao - Resposta a Georg LohmannJrgen Habermas ............................................................................................ 228

    reSenhA / reviewDo Deserto de Gelo da Abstrao ao Filosofar Concreto: CorrespondnciaAdorno-Benjamin (1928-1940)From the icy wasteland of abstraction to the concrete philosophizing: Adorno and Benjamin correspondence (1928-1940)Por: Alxia Bretas ........................................................................................... 231

    Normas para apresentao de originais ......................................................... 251

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 7-8, Set./Dez., 2013 7

    Editorial

    PAlAvrAS dA editorA

    Este ltimo fascculo de 2013 pode ser considerado como dedicado filosofia contempornea, uma vez que nele, exceto um artigo sobre a antiga que analisa a narrativa de Plato sobre Gyges (Repblica, 359d-360b) e outro relativo filosofia renascentista, posto que tematiza a noo de ens a partir do seu uso por Caetano, ao interpretar Toms de Aquino, predominam textos da filosofia cotempornea, seja constituindo um leque variado de abordagens nas filosofias de Husserl, Albert Camus, Saussure e Merleau-Ponty, Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre, Peirce, seja analisando problemas da lgica dentica pragmtica ou tematizando a filosofia da mente. A esses artigos somam-se, um um texto de Georg Lohmann sobre a filosofia da histria na teoria crtica da sociedade de Jrgen Habermas, a resposta deste ao texto de seu ex-aluno, uma resenha crtica acerca da correspondncia entre Adorno e Benjamin. A resposta de Habermas, ainda que constitua um texto curto, indita at mesmo para o meio acadmico alemo e contou com a autorizao do prprio filsofo para ser publicada em TRANS/FORM/AO. A ele, ao professor Georg Lohmann, da Otto-von-Guericke-Universitt, de Magdeburg/Alemanha, bem como a Smail Rapic, organizador da coletnea Habermas und der Historische Materialismus, da qual ambos os textos constam e que dever ser lanada no prximo ano pela editora Alber, de Freiburg/Alemanha, pela autorizao concedida a ns para que o publicssemos com antecedncia em TRANS/FORM/AO, o nosso muito obrigado.

    No desempenho final de minha funo de editora da revista, registro meus agradecimentos equipe responsvel pelo trabalho de formatao e encaminhamento da revista: Maria Rosngela de Oliveira, Edevaldo Santos e Rafael Rubens (estagirio), do Laboratrio Editorial; Sylvia Horiguela de

  • 8 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 7-8, Set./Dez., 2013

    Moraes, Renato Geraldi, Aparecida de Moraes Sgorlon Trinca, do Escritrio de Pesquisa; Renata Alonge, estagiria da revista; Edna Lucia Bonini de Souza, secretria do Departamento de Filosofia; Lcio Felippe de Mello Neto, do Servio Tcnico de Informtica; Terezinha Cristina B. Vernaschi, bibliotecria da Biblioteca da FFC/UNESP-Marlia; a Roni Farto e William Pickerimg, pelo trabalho de reviso de portugus e ingls respectivamente. Devo ainda agradecer ao Departamento de Filosofia pela confiana e oportunidade concedidas; especialmente agradeo ao professor Ubirajara Rancan de Azevedo Marques, pela indicao de meu nome para substitu-lo em to relevante funo. Igualmente registro meus agradecimentos s fontes externas que apoiam a revista: ao SciELO, pela disponibilidade e competncia com que acata e veicula os fascculos de TRANS/FORM/AO; Prope Pr-Reitoria de Pesquisa, pelos subsdios concedidos revista, em 2012 e 2013; ao CNPq, pela aprovao da solicitao feita e decorrente verba liberada para o ano de 2012, e FAPESP, pela concesso de recursos para impresso dos fascculos publicados no decorrer de 2013.

    Por fim, meus agradecimentos a voc, leitor da revista, sujeito oculto, mltiplo e sempre presente, que nos acompanhou nesses dois anos de editorao e ao qual todo esse trabalho conjunto dedicado,

    Cllia Aparecida Martins

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 9

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    PoderiA A nArrAtivA do gygeS de PlAto Ser umA FiCo BASeAdA em herdoto?

    Luiz Maurcio Bentim da Rocha Menezes1

    RESUMO: Ao contrrio daqueles que afirmam que Plato teria se baseado numa antiga fonte para desenvolver sua narrativa sobre Gyges (Repblica, 359d-360b), este trabalho se prope examinar a hiptese de que esta , de fato, uma fico baseada na narrativa de Herdoto (Histrias, I.8-14). Assim, pretende-se investigar o mtodo utilizado por Plato para dar base ao seu argumento filosfico, analisando os pontos da narrativa platnica que divergem da de Herdoto e se esses pontos justificam tomarmos tal narrativa como uma fico platnica, mais propriamente, um mito criado por Plato com uma funo filosfica.

    PALAVRAS-CHAVE: Plato. Herdoto. Gyges (Giges). Mito platnico.

    No Livro II da Repblica de Plato, Glucon ir contar-nos a histria sobre Gyges e seu anel2. Tal histria faz parte do seu desafio a Scrates, em que este deve provar que a justia de qualquer maneira melhor do que a injustia para aqueles que a praticam. Em sua narrativa, um grande terremoto abre uma fenda no cho, onde o pastor ldio Gyges cuidava de seu rebanho. Descendo por esta, encontra, entre outras maravilhas [], um cavalo de bronze e, dentro deste, um cadver que possua unicamente um anel de ouro na mo. Ao subir, descobre que o anel concede a capacidade [] de tornar seu possuidor visvel e invisvel a sua vontade. Possuindo tal poder, e com a ajuda da Rainha, mata o Soberano da Ldia e assume o poder. Glucon ir utilizar essa histria para ilustrar que os homens s so justos pela fora da lei, mas, se puderem agir por sua prpria vontade, iro agir com injustia.

    1 PPGLM/UFRJ. [email protected] 2 PLATO. Repblica, 359b-360b. Utilizamos aqui a traduo de Maria Helena da Rocha Pereira, A Repblica (Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001). Tomaremos essa traduo como base para nosso artigo, indicando outras tradues, inclusive nossas, quando for o caso. Para as passagens da Repblica que pedem o original grego, utilizamos o texto estabelecido por S. R. Slings, Platonis Rempvblicam (Oxford: Oxford University Press, 2003). Demais referncias Repblica sero abreviadas por Rep., indicando-se em seguida a numerao.

  • 10 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    Herdoto nos conta a histria de Gyges da seguinte maneira3: Candaules, o soberano da Ldia, oferece a Gyges, seu guarda pessoal, a permisso para que este veja sua mulher nua e, assim, possa comprovar que ela a mais bela. Pois, segundo ressalta Candaules, [...] os homens confiam menos em seus ouvidos do que em seus olhos4. Mesmo dizendo-se persuadido [] pelas palavras de Candaules de que sua mulher a mais bela, Gyges obrigado a ver para comprovar tal fato. Escondido atrs da porta do quarto, Gyges v a rainha nua e, quando se preparava para se retirar do local, acabou sendo visto por ela sem que ele assim percebesse. Entendendo o ocorrido e percebendo que se tratava de obra de Candaules, a rainha nada fala e aguarda. No dia seguinte, a rainha chama Gyges em sua presena e apresenta a este dois caminhos [ ]: ou mata o soberano ou morre5. Ele, para evitar a morte, escolhe matar o soberano e assim toma para si a mulher e a soberania [ ]6.

    Apesar de existirem outras verses da chegada de Gyges ao poder, estas duas so as mais conhecidas e antigas verses. Mesmo possuindo diferenas, que abordaremos ao longo deste artigo, elas apresentam semelhanas, como a questo da visibilidade, da peculiaridade da usurpao do poder e da unio com a rainha. Esses fatores poderiam aparecer em qualquer histria de usurpao e, portanto, o que realmente aproxima as narrativas que ambas possuem os termos Ldia e Gyges, fazendo com que seus temas entrem em conexo.

    Kirby Flower Smith acredita que tanto Plato como Herdoto tiveram antes uma fonte comum da qual eles desenvolveram suas narrativas. Em seu trabalho, Smith tenta reconstruir aquela que seria a mais antiga lenda sobre Gyges7. No entanto, o prprio Smith admite, em nota, que [...] a lenda clssica de um anel da invisibilidade vem tona somente em conexo com

    3 HERDOTO. Histrias, I.8-15. Utilizamos a traduo de Jos Ribeiro Ferreira e Maria de Ftima Silva Histrias Livro I (Lisboa: Edies 70, 2002). Tomaremos esta traduo como base para nosso artigo, indicando outras tradues, inclusive nossas, quando for o caso. Para as passagens das Histrias que pedem o original grego, utilizamos o texto estabelecido por Carolus Hude, Herodoti Historiae, Tomus I, (Oxford: Oford University Press, 1927). Demais referncias s Histrias sero abreviadas por Hdt., indicando-se em seguida a numerao.4 Hdt. I.8.2.5 Hdt. I,11.2-3.6 Hdt. I,12.2.7 SMITH, K. F. The Tale of Gyges and the King of Lydia. AJPh, v. 23, n. 3 (p. 261-282) e n. 4 (361-387), 1902.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 11

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    Gyges e, pela primeira vez, na passagem de Plato em discusso8. Segundo o autor, o provrbio , que pode ser encontrado no Suidae Lexicon Graece e Latine como tendo por significado (de muitos ardis e habilidades), teria sido usado apenas pelos autores mais tardios, no havendo nenhum provrbio antes de Plato. Assim sendo, tentaremos neste trabalho seguir a hiptese de Andrew Laird9 de que Plato teria inventado sua verso da histria, inspirado primariamente pela leitura da verso de Herdoto, analisando os pontos da narrativa platnica que divergem da de Herdoto e se esses pontos justificam tomarmos tal narrativa como uma fico platnica, mais propriamente, um mito criado por Plato com uma funo filosfica.

    Ao comearmos nossa anlise, j podemos notar uma diferena entre as narrativas apresentadas: Herdoto menciona Gyges; Glucon, no princpio de sua histria, na passagem 359d, alude a uma capacidade concedida ao [...] antepassado do Ldio Gyges [ ], que contrasta com a passagem 612b, onde Scrates fala anel de Gyges [ ]. O problema da passagem 359d muito estudado pelos comentadores e estudiosos da Repblica, e uma vasta bibliografia sobre a questo foi produzida. Mesmo sem entrarem num acordo, os estudiosos tentam de alguma maneira harmonizar as passagens, fazendo com que, na verdade, o possuidor do anel seja Gyges. No nos propomos resolver o problema aqui, j que isso seria por demais extenso, mas nos limitaremos a um breve resumo de nossas concluses10. Se Gyges o Ldio citado e o antepassado aquele que encontrou o anel e tomou o poder, ento, por que Gyges teria a mesma necessidade de derrubar o soberano da Ldia? Herdoto o apresenta como sendo homem da guarda pessoal de Candaules, soberano da Ldia (Hdt. I.8.1), e no h nada que cite um reinado de tal antepassado ou uma possvel derrubada deste ou de um de seus descendentes. A inconsistncia entre as histrias de Glucon e Herdoto pode significar uma das seguintes alternativas: (i) eles no utilizam a mesma fonte para contar suas histrias; (ii) a narrativa de Herdoto tem uma influncia limitada sobre a narrativa de Plato; (iii) Herdoto o modelo central para Plato e h um significado para essa inconsistncia.

    8 Ibid., nota 2, p. 268.9 LAIRD, A. Ringing the Changes on Gyges: Philosophy and the Formation of Fiction in Platos Republic. JHS, v. 121, 2001, p. 12-29.10 O problema da passagem 359d est mais bem analisado em MENEZES, L. M. B. R. Nova Interpretao da passagem 359d da Repblica de Plato. Kriterion, v. 53, n. 125, p. 29-39, 2012.

  • 12 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    Mesmo havendo uma remota possibilidade de (i) ser verdadeira, no obtemos provas que possam comprovar sua veracidade. A opo (ii) levaria novamente suposio de uma segunda fonte de influncia para Plato ou que a leitura de Herdoto o levou a desenvolver uma narrativa diferente com outro objetivo, o que, de fato, a opo (iii). nesta opo que Laird faz sua aposta, pois, segundo ele, [...] a suposio de que deve haver um original para inspirar a histria do anel de Plato nunca acomodou a possibilidade de Plato construir, talvez bastante diretamente, de Herdoto11, no necessitando ter uma fonte parte.

    Para Laird, o fato de Glucon se referir a um ancestral do Ldio Gyges j um indcio de que Plato est a construir uma fico que no precisa necessariamente seguir a linhagem dada por Herdoto. Assim como Scrates, e no Glucon, que fala num anel de Gyges, visto que estaria mais preocupado com a situao contrafactual que o anel proporciona do que aquele que, de fato, o usa. Concordamos que Plato parece no estar preocupado com a genealogia ldia, ao compor o seu mito, mas apenas interessado no argumento filosfico a ser desenvolvido. No entanto, tomaremos, para harmonia das passagens citadas da Repblica e concordncia com Herdoto, como sendo Gyges ele mesmo o autor das proezas contadas por Glucon.

    Seguindo o caminho de Laird, Gabriel Danzig ir investigar em seu trabalho12 quais seriam os motivos de Plato para incluir certos elementos em sua histria que no aparecem em Herdoto; e o que h na histria de Herdoto que possa ser til para Plato, tentando com isso provar que a histria de Gyges uma fbula politicamente vantajosa. Para ele, a histria de Gyges mais do que uma hiptese irreal, mas um desafio sofstico onde a invisibilidade representaria o poder da retrica. Tomaremos a anlise desses elementos feita por Danzig para situarmos as diferenas existentes entre as narrativas.

    O primeiro elemento por ele levantado que Plato teria colocado Gyges como sendo um simples pastor, para enfatizar a injustia de Gyges, que sai de pastor para governante13. O segundo elemento o anel ter sido encontrado nos subterrneos de uma caverna aberta por um terremoto. De

    11 LAIRD, op. cit., p. 14.12 DANZIG, G. Rhetoric and the Ring: Herodotus and Plato on the Story of Gyges as a Politically Expedient Tale. G&R, v. 55, n. 2, 2008, p. 169-192.13 Ibid., p. 188.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 13

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    acordo com Danzig, o subterrneo poderia estar ligado tanto nobre mentira (Rep., 414b et seq.) quanto analogia da caverna (Rep., 514a et seq.). Na nobre mentira, os cidados nasceram da terra, de modo que a terra a me desses cidados e deve ser por eles defendida. Na analogia da caverna, os cidados so representados como vivendo no subterrneo de uma caverna no muito diferente da a que Gyges desceu. A caverna um lugar no qual homens acorrentados veem sombras projetadas na parede de objetos que outros homens colocam em frente luz do fogo. Aqui, segundo Danzig, a caverna a representao da cidade, que exerce uma poderosa influncia sobre o carter e opinio dos homens. Essa imagem pode servir como uma explicao do significado por trs da nobre mentira: os cidados so nascidos da terra e a terra me deles, uma vez que percebemos que a terra representa a comunidade poltica14. Para Danzig, a exibio das imagens na caverna significa, entre outras coisas, o poder dos retricos e poetas para controlar o dmos. A descida de Gyges caverna e a tomada do anel mgico indica que Gyges ganhou um poder retrico que lhe permite escravizar as pessoas de sua comunidade poltica. A relao feita entre os termos , que indica as maravilhas vistas por Gyges no subterrneo (359d6), , que utilizado para nomear os construtores das imagens exibidas na caverna (514b6) e , que se refere s imagens projetadas na caverna (514b7). Para ele, a relao entre esses termos anloga: o anel de Gyges d-lhe a mesma capacidade retrica que aprisiona homens em cavernas15. O terceiro elemento, enumerado por Danzig, o cadver encontrado no subterrneo da caverna que somente possua o anel em seu dedo. Para ele, Plato transformou analogicamente a beleza da rainha nua no cadver nu de sua histria, associando a nudez como smbolo da realidade natural que se encontra abaixo das convenes da cultura humana. Por ltimo, o cadver se encontra dentro de um cavalo de bronze. O autor se baseia em Hanfmann para dizer que a arqueologia no encontrou um caso de um homem enterrado dentro de uma rplica de cavalo ou outro animal, embora haja vrios casos de pessoas enterradas com seus cavalos16. Por isso, Danzig sugere que a imagem do cadver com um cavalo de bronze pode ser uma variante da imagem do homem com vrias cabeas de animais da passagem 588b-589b e, como um resultado da procura de objetos que tenham um poder retrico, a parte animal superou a humana e agora a parte humana est morta.

    14 DANZIG, G., p. 188-9.15 Ibid., p. 189.16 HANFMANN, G. M. A. Lydiaka. HSPh., v. 63, 1948, p. 76-79.

  • 14 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    Para responder a Danzig, comearemos pelo cavalo de bronze. No nos parece que ele tenha lido corretamente Hanfmann, pois este assim escreve: [...] o cavalo de bronze, presumivelmente, uma construo humana, intrigante. Uma explicao possvel pode estar na existncia de um ritual de um deus, no qual um cavalo artificial tinha uma parte. Tal ritual existia na Anatlia; e o cavalo de bronze tinha um papel nisto17. Apesar de no poder especificar onde, Hanfmann acredita que o cavalo de bronze uma influncia oriental narrativa platnica. Alm do mais, parece-nos por demais inconsistente a hiptese de Danzig de relacionar a imagem do homem com vrias cabeas no humanas com o cadver da histria de Gyges. Primeiro, porque no h nessa imagem monstruosa nada que remeta a um cavalo de bronze e, a despeito de uma cabea de cavalo poder ser pressuposta compondo uma das muitas cabeas da imagem, no nos parece que estejamos fazendo a analogia corretamente, ao associarmo-na ao homem morto dentro de um cavalo de bronze, j que tal homem um gigante, no tripartido e no possui qualquer indcio que nos leve a comp-lo com muitas cabeas de animais. Da mesma maneira, a morte do homem, pelas demais cabeas na passagem indicada, causada pela injustia e no pelo poder da retrica, e tom-las como sinnimos no nos parece adequado.

    A relao dos subterrneos na histria de Gyges com a analogia da caverna e a nobre mentira, ainda que interessante, no nos parece consistente da maneira como Danzig colocou. A comparao com a analogia da caverna foi um tanto breve para a dificuldade existente na mesma. A relao entre , e pertinente e bem feita, mas se torna vaga, sem investigar o resto da caverna. A princpio, no consideramos vivel uma relao entre a caverna e o Gyges, porm, se Danzig estiver correto em sua anlise, algumas questes que deveriam ser respondidas ficaram pendentes em seu trabalho. A principal, a nosso ver, seria o que significa a descida de Gyges caverna? No vemos qualquer meio cabvel para consider-lo o filsofo que vai libertar os demais cidados acorrentados. Dessa forma, se Gyges no o filsofo em questo, por que no incio da narrativa ele estaria na superfcie?

    Uma passagem intrigante da analogia da caverna nos faz talvez tomar um rumo no to direto com esta. Ao tratar do regresso do prisioneiro caverna, Plato ir citar Homero para caracterizar o prisioneiro fugido, de que seria seu intenso desejo [...] servir junto de um homem pobre, como

    17 HANFMANN, G. M. A., p. 76. A traduo nossa.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 15

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    servo da gleba18 e antes sofrer tudo mais, do que regressar quelas iluses e viver daquele modo19, o que uma clara referncia fala a Aquiles, quando Odisseu o felicita por continuar a ser rei no Hades. O incio do mito de Gyges faz uma clara analogia com os mitos sobre o Hades, pois, mesmo no tratando diretamente do mundo dos mortos, faz a descida []20 do pastor por uma fenda [] na qual este viu muitas maravilhas []. Ou seja, Gyges faz o rito de passagem necessrio para se chegar ao outro lado e da poder contemplar [] o que antes estava oculto debaixo da terra. Viso, admirao e descida esto presentes em seu princpio. A narrativa apresenta uma forte analogia com o visvel, e ir indicar o seu tema a cada instante em que contada. Gyges se admira porque v e essa a chave para o movimento de descida realizado no mito rumo ao conhecimento das maravilhas que ocultas esto. Schuhl nos chama ateno para o cavalo como um smbolo de morte21, assim como tambm salienta que, sendo um [...] animal ctnico, o cavalo estreitamente ligado a Poseidon, deus , e mesmo , a Hades ; manifesta-se em um poder demonaco, fnebre e inquietante22. Mackay ir reforar, afirmando que um terremoto muitas vezes simbolizado com a figura do cavalo e que isso est ligado a Poseidon23. Lembremos que a narrativa comea com um terremoto, o que d indcios da ao do deus sobre o acontecimento. Apesar disso, conforme Mackay, a relao do cavalo no limitada a Poseidon, porque tambm pode ser smbolo direto dos poderes do subterrneo24, relacionado a Hades, o que reforaria a nossa tese que liga a narrativa de Gyges aos mitos sobre o Hades.

    Quanto nobre mentira, Danzig a emprega com relao narrativa de Gyges sem examinar devidamente o mito. Conta o mito de que os homens so nascidos da terra e, dependendo da funo de cada um, h um tipo de metal diferente em sua composio. Os governantes tm ouro em sua composio, os auxiliares, prata, e os artfices, ferro e bronze. Dois desses metais aparecem

    18 Odissia, XI. 489-490.19 Rep., 516d.20 Podemos comparar a descida de Gyges quela que Odisseu vivo fez ao Hades, no Canto XI da Odissia.21 SCHUHL, P. M. tudes sur la Fabulation Platonicienne. Paris: Presses Universitaires de France, 1947, p. 80. Traduo nossa.22 HESODO. Os Trabalhos e os Dias, 148. Traduo de M. C. N Lafer. So Paulo: Iluminuras, 1996. Demais citaes dessa obra sero abreviadas por Trabalhos, indicando-se a seguir os versos.23 Trabalhos, 152-155.24 Rep., 415c.

  • 16 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    na narrativa sobre Gyges: o anel de ouro e o cavalo de bronze, mas Danzig ignora completamente esse fato. Todavia, se levarmos isso em considerao, que relao poderamos estabelecer entre os mitos? Ao que tudo indica, a relao entre estes estranha se assim colocarmos, porque o mito dos metais, ligado nobre mentira, contado posteriormente e pela boca de Scrates, enquanto Gyges dito por Glucon. No entanto, se pensarmos que o mito dos metais anteriormente contado por Hesodo, que se baseia em fontes orientais, poderemos estabelecer uma relao entre estes. Os da raa de bronze, que a terceira na ordem contada por Hesodo, com o bronze trabalhavam, sendo terrveis e fortes seguidores de Ares. Teriam grande fora e braos invencveis [ ]25,

    , .e por suas prprias mos tendo sucumbido,desceram ao mido palcio do glido Hades;annimos; e a morte, por assombrosos que fossem,pegou-os negra. Deixaram, do sol, a luz brilhante.26

    Foram assim ocultados pela terra, deixando a superfcie. Esta a primeira raa em que Hesodo faz uma referncia textual direta morte e descida para o Hades, lembrando-nos de que eles assim fizeram por suas prprias mos, o que pode significar que eles se mataram uns aos outros. Ao pensarmos numa relao com Plato, recordemos que o cadver, que se encontra num cavalo de bronze, no possui nome, sendo annimo como a raa de bronze e possuindo apenas um anel de ouro em sua mo [ ], o que pode ser um indcio da possvel causa de sua morte, sina da raa de bronze de morrer por sua prpria mo. Esse cadver, assim como os homens de bronze de Hesodo, deixou de ser visvel, pois longe da luz do sol est. A palavra grega para luz, , usada por Hesodo, tem a mesma etimologia daquela utilizada na histria de Gyges para se referir ao visvel, . Se os homens de bronze deixaram a luz, foram ocultos pela terra ao serem enviados para o Hades, tornando-se invisveis []. Se pensarmos que Gyges pastor e, portanto, pertence classe dos artfices, teria, de acordo com a nobre mentira, o bronze em sua composio, como o cavalo

    25 Rep., 329e.26 DANZIG, op. cit., p. 187 et seq.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 17

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    da histria. Admirado com o anel de ouro, Gyges se apossa deste. Ao depor o soberano da Ldia, que por ser governante possui ouro em sua composio, Gyges se torna um falso governante, pois um governante de bronze, que apenas parece ser de ouro. Isso decreta o fim do bom governo e da cidade, j que dito no mito da nobre mentira que [...] a cidade seria destruda quando um guardio de ferro ou de bronze a defendesse27.

    O anel tem um papel importante na analogia com os mitos sobre o Hades, primeiro porque feito de ouro [ ], material muito cobiado pelos muitos (pollo)28 e que provavelmente influenciou a sua escolha entre as demais maravilhas escondidas e, depois, apesar da histria de Gyges no ter qualquer tipo de luz capaz de se opor s sombras da caverna, o que torna a relao do Gyges com a analogia da caverna ainda menor, interessante notarmos que o anel um artefato com uma dupla dnamis, capaz de tornar aquele que o usa invisvel [/] ou visvel [/]. Para os gregos, Hades um nome duplo que indica tanto o senhor do invisvel, que reina abaixo da terra, como esse lugar subterrneo, desconhecido e escondido para aqueles que esto sobre a terra. Se entendermos isso, podemos perceber que aquele que se utilizar do anel para se tornar invisvel ter o mesmo poder de Hades, tornando-se oculto para os demais. Lembremos que na Rep. X, 612b3-4, o anel de Gyges [ ] aparece associado ao elmo de Hades [ ] como objetos capazes da invisibilidade. Gyges, tornando-se senhor desse poder, ser capaz de oscilar entre os dois mundos: o visvel e o invisvel. O anel de Gyges demonstra que as pessoas praticam a justia como algo necessrio, mas no como algo bom por si mesmo, uma vez que, no ntimo de cada homem, existe o desejo de cometer injustia como bem agradvel. O verdadeiro governante no precisa usar o anel para se tornar invisvel, mas somente visvel deve ser como um rei. Se levarmos em conta a analogia com a nobre mentira, e considerarmos que o ouro compe o verdadeiro governante, o anel de ouro torna-se um artefato necessrio ao governo, porm, o tipo de governo determinado por quem usa o anel e de que maneira o usa. Sendo visvel, um verdadeiro governante; invisvel, um falso governante.

    A tese de Danzig de que o anel a representao do poder retrico29 se baseia na afirmao de Glucon de que [...] o supra-sumo da injustia

    27 Rep., 361a.28 Rep., 361b.29 Rep., 360e6-361a1.

  • 18 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    parecer justo sem o ser30 e que, para o homem que deseje tornar isso possvel, deve ser suficientemente hbil a falar, para persuadir31. No entanto, este apenas um dos fatores necessrios enumerados por Glucon. O anel representa mais do que o mero uso do poder retrico, pois um homem s poderia agir pela injustia se pudesse ocultar aos demais seus atos injustos. Para que isso seja possvel, preciso que o injusto faa como os artfices qualificados [ ]: reparando no que impossvel [] e no que possvel [] fazer com sua arte []32. A regra, que permite aos deino demiourgo agirem no limite da sua dnamis, a mesma que possibilita ao injusto determinar o que possvel a ele e como deve fazer se quiser ser completamente injusto [ ] e, para isso, deve necessariamente: ter seus atos injustos ocultos []; e parecer justo sem o ser [ ]33.

    O anel de Gyges com sua dnamis permite que tais premissas sejam cumpridas: simboliza tal capacidade necessria que faculta quele que assim agir no seja punido por seus atos injustos. Mas, para que possa desenvolver tal capacidade, o injusto deve ter as seguintes habilidades: persuaso [], para reparar algum erro; e violncia [], caso alguma de suas injustias seja denunciada34.

    Ser completamente injusto ser tirano e, para que isto possa se realizar, o injusto deve agir no limite de sua dnamis, sabendo separar o que ele pode do que no pode fazer. A dnamis do anel o que permite Gyges agir como um tirano, porque o torna capaz de ocultar seus atos injustos dos demais. Se um homem pudesse separar adequadamente o que pode do que no pode fazer e soubesse o que deve ocultar em suas aes dentro das habilidades que competem ao verdadeiro injusto, esse homem poderia atingir a tirania como a forma de governo que compete a tal homem e teria uma vida feliz, segundo o vulgo. O fato de poder estar visvel e invisvel quando quiser faz da tirania o governo do injusto, o qual comete suas injustias ocultamente, para obter aquilo que seu desejo indica como um bem, e parece justo quando visvel est, enganando todos os demais que por ele so governados de que seu governo bom e justo. Tal fato faz de Gyges o tirano por excelncia.

    30 Rep., 361a2-5.31 Rep., 361b.32 Rep., 360e6-361a133 Rep., 361b2-4.34 Rep., 361b2-4.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 19

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    A histria de Gyges contada por Glucon assumidamente uma histria contada pelos muitos (pollo). Essa estratgia de Plato coloca a narrativa como uma mitologia popular que corre na boca dos pollo. Se tomarmos o mito conforme Plato o coloca no Livro II como sendo formador e educador desde a paidea infantil, podemos talvez tomar Gyges como um mito de base, que sustenta em sua concepo a educao desse tipo de pensamento dos pollo. A reproduo dospollo do mito contado por Glucon faz-nos entender que existe muito mais do que o fato de narrar um acontecimento fantstico, mas uma crena numa determinada concepo de justia e numa certa conduta da natureza humana, que vem sendo ensinada desde a juventude. Se entendermos que a tirania um tipo de governo no qual se usurpa o poder e se governa para alimentar seus prprios desejos, podemos compreender que o mito de Gyges contado por Glucon um mito fundador da tirania. Ou seja, o mito de Gyges um mito do desejo dos pollo de se tornarem tiranos, o que acarretar na resposta de Scrates a esse mito atravs de outro, o mito dos metais. Se algum dos pollo, que pertencem classe dos artfices e, portanto, tendo bronze a sua composio, assumir o poder da cidade como governante, faria de seu governo uma tirania, o que acarretaria no fim do bom governo e da cidade justa.

    Ao criarmos um paralelo com Herdoto, veremos que sua histria um tpico caso de usurpao do poder. Contudo, seu Gyges, ao contrrio do de Plato, retratado como sendo inocente35 em seus atos, pois tanto a viso da rainha nua como o assassinato do rei foram-lhe impostos. O que a princpio uma diferena entre as narrativas pode, se for mais bem analisado, ser tomado como um caso onde a aparncia se sobressai a essncia. Gyges, em Herdoto, pode parecer ser inocente, mas no o de fato. Com o uso da retrica, persuade os demais de que inocente na histria e se utiliza da violncia para tomar o trono e se instalar no poder como um tirano.

    Seguindo essa interpretao, podemos claramente associar as narrativas como tambm manter a consistncia da hiptese de que Plato teria se baseado em Herdoto, apesar das diferenas, para compor seu mito da tirania do anel.36

    35 Cf. DANZIG, op. cit., p. 172-174.36 Gostaria de agradecer pelo apoio, leitura e contribuio a Carolina Arajo e Maria Elizabeth Godoy.

  • 20 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

    MENEZES, Luiz Maurcio B. R. Could Platos Gyges narrative be a fiction based on Herodotus? Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013.

    ABSTRACT: Opposite to those who inferred that Plato might have developed his Gyges narrative based on an ancient source (Republic, 359d-360b), this paper aims to examine the hypothesis that this is in fact a fiction based on Herodotus narrative (Histories, I.8-14). Therefore, it intends to investigate the method used by Plato to base his philosophic argument, analyzing the points in the platonic narrative which differ from Herodotus, and whether these points enhance our perception of its fictitious nature, or better, a myth created by Plato with a philosophic purpose.

    KEYWORDS: Plato, Herodotus, Gyges, platonic myth.

    reFernCiAS

    1. edieS e trAdueS dA Repblica de PlAto

    PEREIRA, M. H. R. A Repblica. Traduo de Maria Helena da Rocha Pereira. 9 ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001.

    SLINGS, S. R. Platonis Rempvblicam, recognovit brevique adnotatione critica instrvxit: S. R. Slings. Oxford: Oxford University Press, 2003.

    2. edieS e trAdueS de herdoto

    FERREIRA, J. R.; SILVA, M. F. Livro 1. Traduo e Notas de Jos Ribeiro Ferreira e Maria de Ftima Silva. Lisboa: Edies 70, 2002.

    HUDE, C. Herodoti Historiae, Tomvs I. recognovit brevique adnotatione critica instrvxit: Carolvs Hude. Oxford: Oxford University Press, 1927.

    3. edieS e trAdueS de ClSSiCoS gregoS

    HESODO. Os Trabalhos e os Dias. Traduo de M. C. N. Lafer. So Paulo: Iluminuras, 1996.

    HOMERO. Odissia. Traduo e notas de Trajano Vieira. So Paulo: Editora 34, 2011.

  • Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013 21

    Poderia a narrativa do Gyges de Plato ser uma fico baseada em Herdoto? Artigos / Articles

    4. eStudoS

    DANZIG, G. Rhetoric and the Ring: Herodotus and Plato on the Story of Gyges as a Politically Expedient Tale. Greece & Rome, v. 55, n. 2, p. 169-192, 2008.

    FRUTIGER, P. Les Mythes de Platon. Reprint of 1930 ed. New York: Arno Press, 1976.

    HANFMANN, G. M. A. Lydiaka. Harvard Studies in Classical Philology, v. 63, p. 65-88, 1948.

    LAIRD, A. Ringing the Changes on Gyges: Philosophy and the Formation of Fiction in Platos Republic. Journal of Hellenic Studies, v. 121, p. 12-29, 2001.

    MACKAY, L. A. The Earthquake-Horse. Classical Philology, v. 41, n. 3, p. 150-154, 1946.

    MENEZES, L. M. B. R. Nova Interpretao da Passagem 359d da Repblica de Plato. Kriterion, v. 53, 125, p. 29-39, 2012.

    SCHUHL, P. M. tudes sur la Fabulation Platonicienne. Paris: Presses Universitaires de France, 1947.

    SMITH, K. F. The Tale of Gyges and the King of Lydia. The American Journal of Philology, v. 23, n. 3, p. 261-282, 1902.

    ______. The Tale of Gyges and the King of Lydia. AJPh, v. 23, n. 4, p. 361-387, 1902.

    Recebido em: 27.11.2012Aceito em: 15.06.2013

  • 22 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 9-22, Set./Dez., 2013

    MENEZES, L. M. B. R..

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 23

    el ente en CAyetAno: AProximACin A Su SigniFiCAdo e imPliCAnCiAS metAFSiCAS

    Ceferino P. D. Muoz1

    RESUMEN: El siguiente trabajo pretende realizar un anlisis en torno a la nocin de ens en Cayetano. Sobre todo a partir de dos expresiones que introduce Toms de Vio y que podran tener asidero en la letra de Aristteles; nos referimos a los trminos esse essentiae y esse actualis existentiae. Tambin nos detendremos en el origen doctrinal de dichas expresiones y en las consecuencias del uso de las mismas cuando Cayetano interpreta a Toms de Aquino.

    PALABRAS CLAVE: Ente. Cayetano. Aristteles. Toms de Aquino.

    CAyetAno: entre tomS y AriStteleS

    Cayetano no slo fue un gran conocedor del Aquinate, sino tambin de Aristteles, siendo incluso sus comentarios al Estagirita muy significativos, v.gr., Commentaria in Posteriora Analytica Aristotelis, Commentaria Super libros Aristotelis de Anima, Commentaria in Predicamenta Aristotelis, etc. En este sentido, hay autores para quienes en realidad el Cardenal habra recibido ms influencias del pensamiento aristotlico que del tomista (e.g. GILSON, 1953, p. 248) (e.g. GILSON, 1955, p. 136); incluso se ha sostenido que Aristteles habra sido el gran obstculo para una autntica comprensin del pensamiento de Toms de Aquino y que Cayetano habra sido el principal profeta del filsofo griego (e.g. PROUVOST, 1991, p. 188).

    Habida cuenta de lo anterior, indagaremos la recepcin del aristotelismo por parte de Cayetano, especialmente en lo que respecta a la concepcin de ente y otras nociones derivadas que nuestro autor sostiene y despliega en sus escritos filosficos. En concreto, analizaremos los trminos esse essentiae y esse existentiae. Expresiones utilizadas por el Cardenal que, segn algunas lecturas, podran estar fuertemente vinculadas a la doctrina de Aristteles. Dichas nociones tienen una notable relevancia, ya que son capitales al momento de

    1 CONICET - Facultad de Filosofa y Letras - UNCuyo (Mendoza). Email: [email protected]

  • MUOZ, C. P. D.

    24 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    comprender la metafsica de Toms de Vio y la repercusin que tuvo en sus diversos desarrollos especulativos, sobre todo a la hora de interpretar a Toms de Aquino y su doctrina del actus essendi.

    el lenguAje de tomS de vio SoBre el ens

    En los textos de nuestro autor existen numerosas expresiones que merecen una atencin particular al momento de entender su nocin de ente. Desglosemos, pues, algunas de stas para luego mostrar si existe o no algn tipo de interrelacin entre ellas.

    La primera de las nociones que trataremos es la de esse actualis existentiae. El Cardenal, al comentar el De ente et essentia, sostiene que ente (ens) es lo que tie ne ser (habens esse)2; explica que el nombre ente se toma del ser mismo (ipsum esse)3 por el que la cosa es. Hasta aqu no parecera haber ningn tipo de incompatibilidad con la doctrina del Aquinate. Empero, poco despus aade Cayetano que esse es [] aquello por lo que la cosa es o sea su existencia actual4, igualando el ser a la existencia concreta. Este es uno de los puntos en donde el comentarista introduce una llamativa diferencia con el Aquinate en la nocin esse.

    De acuerdo a lo antedicho, Cayetano no concibe la nocin de actus essendi tal como la entendi Toms de Aquino5, porque aqul identifica

    2 Circa minorem primae rationis nota, quod ens, ut infra dicetur, significat id quod habet esse. CAYETANO, Toms de Vio O. P. Commentaria in De ente et Essentia D. Thomae Aquinatis, Edicin H. Laurent. Roma: Marietti, 1934, p. 80.3 Sed in Entis nomine duo aspici possunt, scilicet id a quo nomen Entis sumitur, scilicet ipsum esse, quo res est; et id ad quod nomen entis impositum est, scilicet id quod est. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentiae, p. 87.4 In homine enim est considerare materiam in qua recipitur eius forma, et formam ipsam, quae est illius materiae actus, et essentiam humanam, quae nec est materia nec forma, et esse actualis existentiae, quo homo formaliter existit in rerum natura: unde fit, ut in istis substantiis duae compositiones pertinentes ad genus substantiae reperiantur. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentia, p.139.5 A fin de ver directamente la letra de Santo Toms, se pueden consultar, entre otros, los siguientes textos tomasianos: In IV Metaph. II (Esse enim rei quamvis sit aliud ab eius essentia, non tamen est intelligendum quod sit aliquod superadditum ad modum accidentis sed quasi constituitur per principia essentiae), De Pot., VII, II ad 9 (hoc quod dico esse est actualitas omnium actuum, et propter hoc est perfectio omnium perfectionum. Nec intelligendum est, quod ei quod dico esse aliquid addatur quod sit eo formalius, ipsum determinans, sicut actus potentiam: esse enim quod huiusmodi est, est aliud secundum essentiam ab eo cui additur determinandum. Nihil autem potest addi ad esse quod sit extraneum ab ipso, cum ab eo nihil sit extraneum nisi non ens, quod non potest esse nec forma nec materia. Unde non sic determinatur esse per aliud sicut potentia per actum, sed magis sicut actus per

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 25

    el esse o actus essendi con la existencia actual o esse actualis existentiae, considerndolo como una realidad distinta de la esencia real de la criatura6. Por tanto, para nuestro autor el ente sera un compuesto de dos cosas distintas: la esencia y el esse7. Entonces, Cayetano no slo cosifica el esse, sino que sostiene que ste sera la ltima actualidad que un ente obtiene como resultado de ser producido por una causa eficiente. Sin embargo, nada ms alejado de la letras de Santo Toms, para quien el esse no es una cosa sino un acto por el que cada sustancia es un ser. Explica Toms de Vio:

    [] siendo el ser la actualidad ltima de una cosa, y por ser lo ltimo en generacin lo primero en intencin, ser se hallar en el gnero de sustancia como principio formal ltimo de la sustancia misma; porque, precisamente, algo se coloca en el gnero de sustancia porque es capaz de ser sustancial []8.

    Es decir, al afirmar lo anterior, Cayetano estara restringiendo el esse a la categora en la cual est el esse; as el ser se reducira a la sustancia. Sin dudas esta puede ser una posicin filosficamente sostenible, pero ciertamente no es la del Aquinate, por ello escribe Gilson (1955, p. 119): [] segn Santo Toms, el ipsum esse de la sustancia no es reductible a la sustancia, ste es el acto que hace de la sustancia un ente. Como todo habens esse, la sustancia es el receptor de esto que hace de ella un ente.

    Estas desviaciones ya fueron notadas antes que por los estudiosos contemporneos por otro gran comentador del Aquinate, Domingo Baez. A este autor le llama poderosamente la atencin la insistencia de Cayetano

    potentiam); De Pot., V, IV ad 3 (esse substantiae est enim actus essentiae... non est pars essentiae...). Para precisar ms esta nocin, pueden confrontarse otros muchos textos de Santo Toms: II, 54, 3; De subst. separ., 8; De spir. creat., a. I c, etc. Tambin se puede consultar el completo estudio de Cornelio Fabro (1969, p. 110-113). All se citan muchos ms textos de Santo Toms referidos al esse.6 Quoad secundum, opinio S. Thomae ab eo posita in II contra Gentiles, cap. LII, est quod in omni creatura quidditas et eius esse actualis existentiae distinguuntur realiter. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentia, p. 143. 7 S. Thomas autem ex fundamentis in dubitatione praecedenti positis opinatur intelligentias et quamlibet creaturam esse compositas ex actu et potentia, sicut ex duabus rebus distinctis realiter, esse scilicet et essentia. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentia, p. 161.8 Ad hoc dicitur quod cum esse sit ultima actualitas rei et ultimum in generatione sit primum in intentione, esse erit in genere substantiae ut principium formale ultimatum ipsius substantiae; per hoc enim res reponitur in genere substantiae, quia est capax esse substantialis, etenim differentiae in omnibus generibus, ut infra declarabitur, sumuntur ab ordinc ad ipsum esse. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentia, p. 159.

  • MUOZ, C. P. D.

    26 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    en identificar el acto de ser tomista con el ser real que el sujeto adquiere al trmino de la generacin. Para Baez, el esse tomista no es el actus ultimus en el sentido de la actualidad obtenida finalmente por el sujeto en su devenir, sino, ms bien, su actus primus, aquel sin el cual el sujeto del devenir no sera el mismo ser y sin el cual ni siquiera habra devenir. Garca Cuadrado ejemplifica la crtica baeciana diciendo que el acto de ser de Santo Toms no es el que hace que el embrin llegue al trmino de su evolucin biolgica, sino que es el acto que hace que el mismo embrin exista (GARCA CUADRADO, 1998, p. 65-66). Por tanto, cuando el Anglico sostiene que el esse es el acto primero y ltimo, no se refiere a que sea ltimo en el tiempo, sino que es ltimo porque es acto supremo, allende el cual no existe otro9. Por el contrario, de acuerdo con los textos antes citados, Cayetano no lo entendi de ese modo.

    Adems de la expresin esse actualis existentiae, que recin se explic, Cayetano incorpora otra: esse essentiae (ser de la esencia) o su equivalente esse quiditativum (ser quiditativo). Y estrechamente relacionado con estas dos nociones se ubica la divisin de Cayetano entre ens nominaliter y ens participialiter o verbaliter, o el ente como acto signado y como acto ejercido10. As el esse essentiae sera el ens nominaliter mientras que el esse existentiae sera el ens participialiter o ens verbaliter.

    Sabemos que el trmino ens (ente) puede entenderse como nombre o como verbo. Como nombre o sustantivo significa un ente, lo que es, cualquiera de las cosas que son, lo que tiene ser. Como verbo o participio significa el hecho mismo que una cosa sea, lo que efectivamente ejerce el acto de ser, lo que est siendo. As como la palabra estudiante, si se toma como nombre se aplica a aquella persona cuyo acto propio es el estudiar, aunque de hecho no lo est haciendo. En cambio tomada como participio se refiere slo al que de hecho est estudiando; al igual que por viviente puede entenderse tanto aquello cuyo acto propio es vivir como aquello que vive en acto. A partir

    9 BAEZ, D. Scholastica commentaria in Primam Partem Summae Theologicae D. Thomae Aquinatis, Madrid-Valencia: Luis Urbano, t. I, 1934, ad 1, 3, 4; p. 142: Cajetanum etiam De ente et essentia, c. 5, q. 11, ad 8 argumentum ait, existentiam substantiae esse substantiam [] etc. p. 145: Et idcirco non placet mihi explicatio Caietani ubi supra, videlicet, quod proptera dicatur existentia ultima actualitas rei quia est ultimum in generatione. Certe hic modus loquendi quod ipsum esse sit ultima actualitas rei, raro invenitur apud Divum Thomam. Inventes in quaestione unies De anima, art. 6, ad 2m, ubi inquit, quod ipsum esse est actus ultimus, qui partieipabilis est ab omnibus. In quo loco, si sequentia legeris, intelliges quomodo ipsum esse sit actus ultimus, nimirum supremus excellentissimus, qui omnes etiam alios actus perficit. 10 Cfr. CAYETANO, Commentaria in De ente et essentia, p. 117-118.

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 27

    de estas distinciones, Cayetano le da ciertas caractersticas especficas al ente, segn se lo tome como nombre o como participio.

    El ens nominaliter es llamado lo que es o puede ser, pero no se quiere expresar con ello la existencia de hecho, por ello se habla de connotacin del esse in actu signato (el ser en acto expresado). Este es el esse essentiae o esse quiditativum, el cual ya tiene una cierta realidad: es la esencia o naturaleza universal, por ejemplo: hombre.

    Por el contrario, el ens participialiter, dice lo que de hecho es, o connota el esse in actu exercito (el ser en acto ejercido) lo que slo puede ser afirmado hablando de la experiencia, dado que el hecho es nicamente objeto de experiencia, a saber, el hombre concreto. Dice Cayetano al glosar la Suma de Teologa:

    [] en efecto, es manifiesto que el ser puede tomarse de dos maneras, a saber, como acto ejercido de la misma existencia y [como acto signado] por modo de la quididad. Y lo que como ejerce la existencia, agrega sobre si misma como lo que es. Y por consecuencia, como objeto del intelecto, es abstracto []11.

    eSenCiA y exiStenCiA en AriStteleS y en CAyetAno

    Tal vez uno de los motivos por los que se ha sostenido que Cayetano sigue ms al Estagirita que al Aquinate en lo referente a la metafsica es que se ha intentado asimilar algunas nociones del mismo Aristteles con otras usadas por el propio comentador de Gaeta.

    En el Libro II Captulo VII de los Segundos Analticos, el filsofo griego expone las diferencias entre la definicin y la demostracin:

    Pues la definicin lo es del qu es y de la sustancia; las demostraciones, en cambio, parecen presuponer y dar por sentado todas el qu es, v.g.: las matemticas [presuponen] qu es la sustancia y qu es lo impar, y

    11 [] iam enim patet quod esse dupliciter sumi potest: scilicet in actu exercito ipsius existentiae; et per modum quidditatis. Et quod ut exercet existentiam, addit supra seipsum ut quod quid est. Et consecuenter ut obiectum intellectus, est abstractius [] CAYETANO, Toms de Vio O. P. (en Sancti Thomae Aquinatis, Summa Theologica cum comentario Cardenali Caietani, de la Opera Omnia. Romae: Leonina, 1883. I, q. 82, a. 3; XV, p. 301. La distincin entre acto signado y acto ejercido tambin puede ser consultada, hasta lo que sabemos, en otras dos obras del mismo autor: Commentaria in De ente et essentia, p. 87 y De nominum analogia. Texto latino segn edicin Zammit O. P. (con notas del P. Zammit), trad. y notas de Guido Soaje Ramos. Mendoza: Universidad Nacional de Cuyo, Instituto de Filosofa, 1949, p. 118.

  • MUOZ, C. P. D.

    28 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    las dems [ciencias], de manera semejante. Adems, toda demostracin demuestra algo acerca de algo, v.g.: que es o que no es, en cambio en la definicin no se predica nada de otra cosa distinta, v.g.: ni animal acerca de bpedo ni esto acerca de animal, tampoco figura acerca de superficie: pues la superficie no es una figura, ni la figura una superficie. Adems, una cosa es demostrar el qu es y otra [el hecho de] que es. As pues, la definicin indica qu es [tal cosa], la demostracin, en cambio, indica que tal cosa es o no es con relacin a tal otra12.

    Lo que quiere decir Aristteles, entonces, es que la esencia ser objeto de definicin, sea de un ente fsico como el hombre o de uno matemtico como el tringulo; mientras que la existencia ser objeto de demostracin, i.e, de que algo es o que no es. En este sentido, la definicin muestra qu es una cosa, pero no que esta cosa exista o no. Y unas lneas ms adelante sostiene el Estagirita: [] tampoco [se da] el qu es sin el hecho de que sea: pues es imposible saber qu es [una cosa] ignorando si es13. En otras palabras, no hay esencia sin existencia o la definicin de una cosa real supone la existencia de lo definido.

    Por ello Aristteles afirmar que si bien la definicin indica una cosa nica, [] qu es el hombre y [el hecho] que el hombre sea son cosas distintas14. Por lo general se entiende que el Filsofo ac se est refiriendo a la conocida distincin entre esencia y existencia, es decir, al contenido inteligible de un ente y a la realidad fctica de ese mismo ente. (e.g. ECHAURI, 1975, p. 120).

    Ahora bien, tales distinciones podran aplicarse a las usadas por Cayetano? Podra decirse que la esencia y la existencia aristotlica se equiparan con el esse essentiae y el esse actualis existentiae que postula el Cardenal? Por nuestra parte, creemos que no hay una correspondencia total, puesto que entre el binomio de conceptos mencionados existen importantes diferencias.

    Por un lado, la nocin esse essentiae indica algo que puede llegar a ser o una realidad bajo un aspecto esttico, y el esse actualis existentiae refiere a

    12 ARISTTELES, Analticos Posteriores, II, 90b 30-91a 1. Trad. Miguel Candel Sanmartin. Madrid: Gredos, 2007. Hemos preferido el uso del trmino sustancia en lugar de entidad; ste ltimo es el que utiliza el traductor para ousa. Las cursivas y las reposiciones son del texto original, lo mismo en el resto de las citas.13 ARISTTELES, Analticos Posteriores, II, 93a 19-22.14 ARISTTELES, Analticos Posteriores, II, 92b 8-10.

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 29

    la existencia actual o a una realidad dinmica. Sin embargo, la esencia y la existencia aristotlica no indican un ente posible por un lado y otro actual por el otro, sino la esencia real de una cosa y la existencia efectiva de la misma cosa, pero en el mismo ente. Para el Estagirita la esencia es lo que la cosa actual es, mientras que para el comentador de Gaeta ser la pura posibilidad de un ente que an no tiene existencia actual. Empero, podra decirse que se da una coincidencia entre la existencia de Aristteles y el esse actualis existentiae de Cayetano, en cuanto ambos refieren al objeto propio de la experiencia.

    Segn lo anterior, creemos que la terminologa que usa Cayetano esse essentiae y esse actualis existentiae no son fruto de la lectura directa del maestro del Liceo o no se deducen inmediatamente de sus escritos.

    el origen de lAS exPreSioneS esse essentiae y esse actualis existentiae

    Segn la autorizada opinin de algunos estudiosos contemporneos, el binomio esse essentiae y esse actualis existentiae se remontara antes bien a Avicena. Al respecto dice Fabro (1957, p. 419):

    La terminologa de esse essentiae y esse existentiae, recordada por Heidegger, no es de Santo Toms, sino de su adversario y de la fuente de Scoto que es Enrique de Gante: en la concepcin escotista, y en general en el extrinsecismo aviceniano asumido por la mayor parte de la Escolstica, el momento decisivo de la realidad de lo real es el pasaje de la posibilidad a la realidad y esto se resuelve en el pasaje de la esencia posible (esse essentiae) a la esencia realizada (esse existentiae).

    Asimismo, Gilson, en consonancia con Fabro, cree que la expresin esse essentiae es deudora de la distincin aviceniana del triple estado de la esencia, a saber, en la mente, en las cosas y considerada en s misma. De este ltimo modo es como la esencia se dara si no hubiera ni mentes ni cosas. En tal sentido, el medievalista francs estima que la esencia en este tercer estado se correspondera con las ideas platnicas (e.g. GILSON, 2005, p. 109). Explica Gilson (2005, p. 110):

    Lo que ahora estamos presenciando, en la filosofa de Avicena, es la aparicin de un curioso tipo de ser, el esse essentiae de Enrique de Gante y de tantos otros filsofos escolsticos. No es un ser de existencia (esse existentiae), aunque es un cierto tipo de ser, a saber: aquel que pertenece

  • MUOZ, C. P. D.

    30 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    a la esencia como tal, independientemente del hecho de que est o no est actualizado en algn sujeto cognoscente o en alguna cosa individualmente existente.

    Para Enrique de Gante, la raz ltima de las cosas creadas es su esencia, la cual se identifica con una idea divina que tiene un ser propio, y a este ser propio se lo denomina esse essentiae (e.g. PROUVOST, 1996, p. 95). Al parecer, lo que hizo Enrique de Gante fue reforzar la enseanza de Egidio Romano, para el cual la esencia es una realidad eterna que no puede ser creada. Dios sera la causa eficiente de la cosa, pero slo de su existencia, mientras que de la esencia sera su causa ejemplar (e.g. GARCA CUADRADO, 1998, p. 57).

    Entonces, Cayetano al asumir el lxico esse essentiae, casi indefectiblemente estara asumiendo los planteos y problemas que este lxico suscita: en este caso, que el ser sera una nota o accidente de la esencia, y que sta tendra un cierto tipo de ser antes de pasar a la existencia concreta. Lo sorprendente es que el comentador de Gaeta no toma este vocabulario para criticarlo sino que lo incorpora como propio, y lo que es ms audaz an, se lo atribuye al mismo Santo Toms .

    Por otro lado, Ralph McInerny en uno de sus ltimos libros Praeambula Fidei: Thomism and the God of the Philosophers, renueva la discusin en torno a las nociones usadas por Cayetano y emprende un embate contra la postura gilsoniana. El filsofo norteamericano explica que el Cardenal slo usa una vez la frase esse actualis existentiae, y por esta nica mencin Gilson lo ha acusado de perder de vista lo que el Aquinate quera decir (e.g. MCINERNY, 2006, p. 62-63).

    Es verdad que al comentar el De ente et essentia, el Cardenal utiliza en pocas ocasiones la expresin mencionada aunque no una, como sostiene McInerny, sin embargo dicha expresin se corresponde con otra ya explicada y tambin mencionada por Cayetano en la misma obra, a saber, ens participialiter. Adems, v.gr. en sus Comentarios a los Analticos posteriores de Aristteles15 y a la Suma de Teologa, el Cardenal tambin usa la expresin esse actualis existentiae16.15 CAYETANO, Toms de Vio, O. P., Commentaria in Posteriora Analytica Aristotelis. Textus ex editione Lugdunensi, 1579, exerptus et a E. Babin et W. Baumgaertner. Exaratus et emendatus. Liber I, 1950. Qubec: LUnivertit Laval. Facult de Philosophie. p. 11 y 17 y Liber II (1951), p. 71. 16 CAYETANO, Toms de Vio O. P. (en Sancti Thomae Aquinatis, Summa Theologica cum comentario Cardenali Cayetani, de la Opera Omnia. Romae: Leonina, 1883. I, q.3. a.5., p. 44; q.28. a.2. p. 322;

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 31

    Leo Elder es otro importante tomista actual que cree que la distincin cayetana se aparta de la doctrina tomasiana. Este autor en una reciente publicacin sostiene que los trminos esse essentiae y esse actualis existentiae no son para nada convenientes al lenguaje tomasiano y remoza la tesis gilsoniana de que tal vocabulario tendra sus races en la influencia escotista y antes an en Avicena (ELDERS, 2011, p. 2).

    A modo de ConCluSin

    La metafsica de Aristteles no parece haber buscado un principio que explicara la totalidad de lo real, esto es, no parece haber indagado sobre un principio que trascendiera el mero hecho de la misma existencia de las cosas reales, lo que, por otra parte, es lgico dado que para l el cosmos era inengendrado. El Estagirita centra su investigacin metafsica en la sustancia, y la sustancia por antonomasia o en s es la forma17. All radica para el Filsofo el ltimo fundamento o causa de lo real (REALE, 2003, p. 168).

    Por otro lado, para los telogos y filsofos de la poca de Cayetano si algn concepto no se encontraba en Aristteles entonces no perteneca a la filosofa (e.g. GILSON, 1961, p. 173). Y es sabido que la nocin de un actus essendi dado y sostenido por Dios en las criaturas no se hallaba en el maestro del Liceo. As, por tanto, para el Cardenal, no se tratara de una nocin filosfica per se loquendo.

    En este contexto pueden entenderse las fuertes aseveraciones de Gilson (PROUVOST, 1991, p. 188): [] una cosa est clara al menos en mi cabeza: el peor enemigo de Santo Toms, incluso en la orden dominica, ha sido Aristteles, cuyo profeta es Cayetano. Estas palabras no deben prestarse a malentendidos. No es que el medievalista francs culpe al pensador griego de las falencias interpretativas de Cayetano, sino que en todo caso el responsable de no haber ido ms all de Aristteles es el mismo Cardenal. Como lo explica el profesor Saranyana (2011, p. 429):

    [] recurdese que lo propio del tomismo es completar la posicin aristotlica con el descubrimiento de la trascendentalidad del esse. As pues, Cayetano sera, pura y llanamente, un aristotlico convencido, como

    II, q.27 a.2., p. 223, 224, 225, 226, 227).17 Si bien per se la sustancia por excelencia es la forma, quad nos es el compuesto. Para ver esta afirmacin en detalle, cf. ARISTTELES, Metafsica, VII, cap. 4-6 y 10-12.

  • MUOZ, C. P. D.

    32 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    le corresponda por haberse formado en Padua, aunque camuflado bajo ropaje tomista [].

    Como bien dijimos al principio de este trabajo, el comentador italiano fue un gran conocedor del pensamiento del Estagirita, y sin lugar a dudas hubo una fuerte influencia de Aristteles en l. Pero creemos que fue mayormente un tipo de aristotelismo de los tantos que se suscitaron en torno al Estagirita el que incidi en el Cardenal. Nos referimos concretamente al aristotelismo paduano18. Recordemos que Cayetano estudi y ense en Padua, uno de los focos del averrosmo latino19 por esa poca. Este tipo de aristotelismo pretendi hacer una lectura de Aristteles lo ms pura posible, sin contaminacin alguna de la teologa cristiana. Por ello el Aristteles averrosta llevaba a sostener tesis contrarias a la fe, conduciendo finalmente a un filosofismo escindido de la teologa (e.g. FILIPPI, 2010, p. 29-46), o a un ejercicio de la razn filosfica separado del intellectus fidei. En este contexto, no es de extraar, adems, que Cayetano haya llegado a algunas conclusiones tan distantes del Aquinate, como la que sostena que no es posible demostrar por la razn la inmortalidad del alma (MANZANEDO, 1999, p. 309-340) o aquella que afirmaba que las cinco vas tomasianas concluyen en la existencia de un ser superior pero al que se resista a llamarle Dios (e.g. GELONCH; MUOZ, 2012, p. 330-333).

    MUOZ, Ceferino P. D. Ente in Cajetan: understanding its meaning and metaphysical implications. Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013.

    ABSTRACT: The following work pretends to analyze the notion of ens in the work of Cardinal Cajetan (Thomas de Vio). In particular, we discuss two expressions which Cajetan introduced and could have a grip on the letter of Aristotle: esse essentiae and esse actualis existentiae. We also discuss the doctrinal origin of these expressions and the consequences of Cajetans use of them in interpreting Thomas Aquinas.

    KEYWORDS: Being. Cajetan. Aristotle. Thomas Aquinas.

    18 Autores como Kristeller prefieren hablar de aristotelismo secular italiano en lugar de aristotelismo paduano. Cfr. KRISTELLER, 1986, p. 135.19 Sabemos de lo problemtico que resulta el trmino averrosmo latino. Para profundizar en esta cuestin, remitimos al completo estudio de MINECAN, 2010, p. 63-85.

  • El ente en Cayetano Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013 33

    reFerenCiAS

    FuenteS

    ARISTTELES. Metafsica. Traduccin Toms Calvo Martnez. Madrid: Gredos, 2007.

    ______. Analticos Posteriores. Traduccin Miguel Candel Sanmartn. Madrid: Gredos, 2007.

    BAEZ D. Scholastica commentaria in Primam Partem Summae Theologicae D. Thomae Aquinatis, t. I. Madrid-Valencia: Luis Urbano, 1934.

    BUSA SJ, R. (auctore). Thomae Aquinatis Opera Omnia: cum hypertextibus in CD-ROM. Milano: Editoria Elettronica Editel, 1992.

    CAYETANO, Toms de Vio O.P. Commentaria in De ente et Essentia D. Thomae Aquinatis, Edicin H. Laurent. Roma: Marietti, 1934.

    ______. en Sancti Thomae Aquinatis, Summa Theologica cum comentario Cardenali Caietani, de la Opera Omnia, t. IV y V. Romae: Leonina, 1883.

    ______. Commentaria in Posteriora Analytica Aristotelis. Textus ex editione Lugdunensi (1579) exerptus et a E. Babin et W. Baumgaertner. Exaratus et emendatus. Liber I (1950) y Liber II (1951). Qubec: LUniversit Laval. Facult de Philosophie.

    ______. Sobre la Analoga de los Trminos. Acerca del Concepto de Ente. Texto latino segn ed. Zammit O.P. (con notas de Zammit). Traduccin y notas de Guido Soaje Ramos. Mendoza: U.N.Cuyo. Instituto de Filosofa, 1949.

    liBroS y ArtCuloS

    ELDERS, L. Cayetano, comentador de la Suma de teologa de Santo Toms. In: http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/ponencias/cayetano-comentador-suma-teologia-tomas.pdf. Consultado el 27 nov. 2012.

    FABRO, C. Tomismo e Pensiero Moderno. Roma: Pontificia Universit Lateranense, 1969.

    ______. Dallessere allesistente. Brescia: Morcelliana, 1957.

    FILIPPI, S. La restitucin de valor inteligible al conocimiento sensible en el realismo medieval. Scripta Mediaevalia, v. 3, p. 29-46, 2010.

    GARCA CUADRADO, J. . La luz del intelecto agente. Estudio desde la metafsica de Baez. Pamplona: EUNSA, 1998.

    GELONCH, S.;MUOZ, C. Algunas inflexiones en la cuestin Si Dios es: santo Toms, Cayetano y Platn. In: HERRERA, J. J. (Ed.). Fuentes del Pensamiento Medieval. San Miguel de Tucumn: UNSTA, 2012, p. 327-339.

  • MUOZ, C. P. D.

    34 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 23-34, Set./Dez., 2013

    GILSON, E. El ser y los filsofos. Trad. Santiago Fernndez Burillo. Pamplona: EUNSA, 2005.

    ______. Autour de Pomponazzi. Archives dhistoire doctrinale et littraire du Moyen Age, 28, p. 163-279, 1961.

    ______. Cajtan et l`humanisme thologique. Archives dhistoire doctrinale et littraire du Moyen Age 30, p. 113-136, 1955.

    ______.Cajtan et l`existence. Tijdschrift voor Philosophie, v. 15, p. 267-286, 1953.

    KRISTELLER P.O. El Pensamiento Renacentista y Las Artes. Traduccin Bernardo Moreno Carrillo. Madrid: Taurus, Ensayistas Series, v. 26, 1986.

    MANZANEDO, M. La inmortalidad del alma humana segn Cayetano. Angelicum v. 76, p. 309-340, 1999.

    MCINERNY, R. Praeambula Fidei: Thomism and the God of the Philosophers, Washington: The Catholic University of America Press, 2006.

    MINECAN, A, M. Introduccin al debate historiogrfico en torno a la nocin de averrosmo latino. In: SEMINARIO DE HISTORIA DE LA FILOSOFA. Anales V. 27, p. 63-85, 2010.

    PROUVOST, G. Thomas dAquin et le thomistes. Pars: Les ditions du Cerf, 1996.

    ______ (Ed.). tienne Gilson et Jacques Maritain. Deux approaches de letre. Correspondance 1923-1971. Paris: Vrin, 1991.

    REALE, G., Gua de lectura de la metafsica de Aristteles. Trad. J. M Lpez de Castro. Barcelona: Herder, 2003.

    SARANYANA, J. I. Historia de la Filosofa Medieval. Pamplona: EUNSA, 2011.

    Recebido em: 28.11.2012Aceito em: 18.04.2013

  • O lugar da experincia na fenomenologia de E. Husserl Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013 35

    o lugAr dA exPerinCiA nA FenomenologiA de e. huSSerl: de ProlegmenoS A ideiAS i

    Carlos Digenes C. Tourinho1

    RESUMO: O artigo aborda o lugar da experincia nas origens da fenomenologia, em Prolegmenos Lgica Pura (1900). Mostra-nos que Husserl assume uma posio especfica quanto ao papel da experincia no debate sobre a relao entre a lgica e a psicologia. O artigo trata ainda dos reflexos da posio husserliana em Ideias I (1913), a propsito da temtica da constituio dos objetos intencionais. Husserl indica o papel decisivo assumido pelos dados sensveis, na medida em que servem de suporte para a intencionalidade. Destaca-se a concepo segundo a qual a doao de sentido que se d atravs dos atos intencionais da conscincia no deriva dos dados sensveis, porm, no comea sem eles.

    PALAVRAS-CHAVE: Fenomenologia. Edmund Husserl. Experincia. Dados Sensveis. Vivncia Intencional.

    1 introduo

    O presente artigo tem como objetivo destacar, primeiramente, a importncia do lugar reservado experincia nas origens da fenomenologia, especificamente, no Quarto Captulo de Prolegmenos Lgica Pura (1900), primeiro volume das Investigaes Lgicas de Husserl. Pretende-se mostrar que, perante a conhecida controvrsia entre os psicologistas e os lgicos antipsicologistas, assumir uma posio quanto ao papel da experincia na discusso sobre a relao entre a lgica e a psicologia era algo de fundamental importncia para que se pudesse propor, naquele contexto, uma terceira linha de investigao, a partir da qual nasceria a filosofia fenomenolgica. Afinal, se os psicologistas tomam, ao reeditarem um empirismo no ltimo quarto do sculo XIX, a experincia como fonte do conhecimento, assumindo, com base na doutrina naturalista, o pressuposto segundo o qual conceber o mundo significa conceb-lo estritamente como uma realidade de fatos naturais (tomando os processos psicolgicos como ponto de partida para a fundamentao da lgica), os argumentos apresentados pelos lgicos antipsicologistas apesar de no incorrerem nos equvocos psicologistas no

    1 Doutor em Filosofia pela PUC-Rio. Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Ps-Graduao em Filosofia da Universidade Federal Fluminense UFF. Email: [email protected]

  • Tourinho, C. D. C.

    36 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013

    foram, nos termos de Husserl, adequadamente trabalhados, permanecendo os mesmos obscurecidos por diversas incorrees2. Nesse sentido, na referida fundamentao, os adeptos da lgica formal apoiam-se unicamente em estruturas meramente formais, prescindindo completamente da experincia. O artigo apontar que, em linguagem kantiana, Husserl assume, ao final do Quarto Captulo de Prolegmenos, uma posio especfica, reservando um lugar especial experincia (tomando-a no como fonte, mas como comeo de todo o conhecimento; afinal, as leis lgicas no so inferncias da experincia psicolgica, embora s por meio dela se possam conhecer)3. Husserl no incorre, assim, nem em um empirismo nos moldes psicologistas, nem tampouco em um formalismo logicista. Sua opo ser, conforme veremos, pela ideia de uma vivncia originria que , por definio, intencional, mas que no pode prescindir de dados sensveis sobre os quais os atos intencionais da conscincia iro atuar no prprio vivido. Destaca-se a posio husserliana quanto ao lugar reservado experincia, em 1913, em Ideias I, a propsito da temtica da constituio dos objetos intencionais. Ao tomar a intencionalidade como objetividade imamente, situando-a em uma regio transcendental, Husserl afirma-nos que, na trama da constituio intencional, os dados sensveis (materiais ou hilticos) assumem um papel decisivo, na medida em que, no fluxo do vivido em geral, servem de suporte para a inteno que, por sua vez, anima o vivido de significaes. Reaparece a concepo segundo a qual a doao de sentido que se d atravs dos atos intencionais da conscincia no deriva dos dados sensveis, porm, no comea sem eles. Acompanhemos, ento, em Prolegmenos (1900), bem como em Ideias I (1913), a posio de Husserl quanto ao lugar reservado experincia.

    2 A CrtiCA Ao PSiCologiSmo e o lugAr dA exPerinCiA em ProlegmenoS

    Pode-se dizer que, em Prolegmenos, o momento crucial repousa sobre as crticas de Husserl ao psicologismo cujo equvoco maior consistiria na insistncia dos psiclogos do ltimo quarto do sculo XIX em buscar uma fundamentao para as leis da lgica nos processos psquicos, em tomar as leis do pensamento em termos de leis psicofsicas, propondo uma espcie de fsica do pensamento4. Tal insistncia psicologista culminaria, de acordo

    2 Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen. Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 20, p. 59.3 Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen. Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 24, p. 81-82.4 Lipps afirma-nos que: A Lgica fsica do pensar ou ela no nada (Die Logik ist Physik des Denkens oder sie ist berhaupt nichts). Cf. Idem, 19, p. 55.

  • O lugar da experincia na fenomenologia de E. Husserl Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013 37

    com Husserl, em um ceticismo e em um relativismo nocivos pretenso de fundamentao da filosofia e que deveria, portanto, ser evitado a todo custo. Entre os psicologistas do final do sculo XIX citados por Husserl, tais como Lipps, Stuart Mill, dentre outros, prevalece a convico segundo a qual os fundamentos da lgica se encontram na prpria psicologia, de maneira que a lgica consistiria apenas em uma parte ou ramo da cincia psicolgica. Nos termos de Lipps: A lgica uma disciplina psicolgica, to certo quanto o conhecer s ocorre na psique, e o pensar, que nele se completa, um acontecer psquico5. Em tal concepo psicologista, caberia psicologia fornecer o fundamento terico para a construo de uma tcnica lgica e, de acordo com tal concepo, jamais se poderia afastar da lgica o seu contedo psicolgico. Para os adeptos do psicologismo, tal contedo psicolgico indissocivel j estaria presente nos conceitos constitutivos das leis lgicas, tais como os conceitos de verdade e falsidade, afirmao e negao, universalidade e particularidade, premissa e conseqncia, e assim por diante6.Enquanto cincia de fatos (e, portanto, enquanto cincia experimental), a psicologia ao modo de considerao das cincias positivas adota a induo como mtodo de investigao. Procede habitualmente por observao sistematizada de fatos particulares, procurando descrever a regularidade do que observado para inferir, ento, o que os cientistas positivistas denominam leis gerais Husserl esfora-se em mostrar que, enquanto regras meramente empricas (isto , aproximativas), inferidas atravs da induo exercida pela cincia psicolgica, tais leis gerais carecem de exatido absoluta, pois a validade dessas leis depende de circunstncias e, desse modo, no so leis... no sentido autntico da palavra. Para Husserl, todas as leis alcanadas por induo consistem, na medida em que carecem de validade absoluta, em leis de probabilidade7.

    Nesse sentido, essas mesmas leis psicolgicas no poderiam ser confundidas com as leis da lgica (os princpios lgicos, as leis da silogstica etc.), cuja validade a priori, cuja fundamentao e justificao se do no por meio da induo, por meio de suposies probabilsticas, mas por evidncias apodticas apreendidas por inteleco.

    5 Die Logik ist eine psychologische Disziplin, so gewi das Erkennen nur in der Psyche vorkommt und das Denken, das sich in ihm vollendet, ein psychisches Geschehen ist. Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen. Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 18, p. 52.6 Cf. Idem, 18, p. 52.7 Cf. Idem, 22, p. 65.

  • Tourinho, C. D. C.

    38 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013

    Da o prprio Husserl ressaltar, no 21, que [...] a probabilidade no pode se impor contra a verdade, ou a conjectura contra a inteleco8. O erro dos psicologistas em tomar as puras leis do pensamento em termos de leis causais da natureza, confinando-as esfera do probabilismo, parece resultar, de acordo com Husserl, das confuses produzidas pelo prprio modo de considerao naturalista acerca do problema em questo, mais precisamente, por no levar em conta a distino crucial entre as leis lgicas (entendidas como contedos do juzo) e os prprios juzos, no sentido de atos de julgar, acontecimentos reais dotados de causas e efeitos. Confunde-se, por conseguinte, em tal modo de considerao, a lei do pensar com o ato de julgar (em outros termos, o ideal com o real).

    Tal confuso leva-nos a conceber a lei como reguladora do processo do pensamento, acrescentando-se, com isso, uma segunda confuso produzida pelo naturalismo entre a lei lgica que se refere ao contedo do conhecimento e a lei psicolgica que, em conformidade com a anterior, regularia o processo cognoscitivo. Husserl procura alertar para os perigos dessa segunda confuso, afirmando-nos, no famoso exemplo da mquina de calcular (ao final do 22 dos Prolegmenos), que h de se considerar a heterogeneidade entre as leis gerais da aritmtica e as leis mecnicas que explicam o funcionamento da mquina. Ningum apelaria, ao tentar explicar tal funcionamento, para as leis da aritmtica em detrimento das leis mecnicas determinantes do funcionamento da mquina9. O erro maior dos psicologistas do ltimo quarto do sculo XIX consistiria, por conseguinte, em ignorar as diferenas fundamentais e essenciais entre lei ideal e lei real, entre regulao normativa e regulao causal, entre necessidade lgica e necessidade real, entre fundamento lgico e fundamento real. As leis causais segundo as quais o pensamento se desenvolve de modo a poder se justificar pelas normas ideais da lgica, e estas mesmas normas seriam, portanto, para Husserl, coisas inteiramente distintas.

    Husserl deixa-nos claro que, ao identificar as leis do contedo do ato com as leis que regulam o processo psicolgico, os psicologistas acabam por fazer com que a verdade que constitui o contedo do ato dependa diretamente do processo psquico, isto , da constituio da natureza humana, o que inevitavelmente nos levaria a afirmar que tal verdade no existiria, se no existisse essa constituio. Mais uma vez, Husserl chama-nos a ateno

    8 Wahrscheinlichkeit kann nicht gegen Wahrheit, Vermutung nicht gegen Einsicht streiten. Cf. Ibidem. , 21, p. 64. 9 Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen. Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 22, p. 68.

  • O lugar da experincia na fenomenologia de E. Husserl Artigos / Articles

    Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013 39

    para o que entende ser fundamental: no podemos confundir o juzo como contedo de juzo (isto , como unidade ideal) com o ato de julgar, concreto e real. A psicologia refere-se aos juzos como assentimentos (ou atos de conscincia), ao passo que a lgica considera o juzo como unidade ideal de significao.

    Husserl lembra-nos, no 19, que os partidrios do que poderamos chamar de um antipsicologismo logicista (tais como, Jsche, Herbart, dentre outros) no deixam de fundamentar uma separao rigorosa entre a lgica e a psicologia. Nesse sentido, contestam toda tentativa de fundamentao da lgica na psicologia, afirmando-nos que a psicologia toma o pensar como ele (enquanto ato psquico), ao passo que a lgica o concebe como deve ser. Se a disciplina psicolgica na investigao positiva do processo psicofsico se ocupa com leis da natureza, a lgica ocupa-se com leis normativas do pensar. Enquanto cincia de fatos (e, portanto, enquanto cincia experimental), a psicologia esclarece-nos, atravs da investigao dos processos psicofsicos, como o pensar acontece, conduzindo-nos, como em toda cincia positiva, a generalizaes empricas que, como tais, so meramente contingentes. Na lgica, porm, trata-se no de regras contingentes (de carter circunstancial ou episdico), mas, necessrias no de como pensamos, mas de como devemos pensar. Os lgicos lembram-nos ainda que a psicologia investiga as conexes reais entre os processos de conscincia, ao passo que lgica interessa examinar no essas conexes naturais, mas conexes ideais entre proposies.

    Em geral, contra essa argumentao, os psicologistas apoiam-se na objeo segundo a qual no poderamos falar em leis lgicas se nunca tivssemos tido representaes ou juzos atualmente vividos e deles abstrado os correspondentes conceitos lgicos fundamentais. Em suma, os psicologistas perguntam-nos: como os lgicos poderiam buscar as conexes ideais, sem levar em considerao as conexes naturais presentes nos processos psicofsicos? Afinal, objetam os psicologistas, ainda que se admita tal distino entre o real e o ideal (entre o ato de pensar e o contedo lgico do pensamento), todo raciocnio lgico indissocivel do ato psicolgico de pensar.Husserl responde, no 23, a essa objeo psicologista, afirmando-nos que no se nega que as leis lgicas se manifestem atravs de atos psicolgicos, mas [...] os pressupostos psicolgicos ou componentes da afirmao duma lei no se podem confundir com os elementos lgicos do seu contedo10. Tal reduo psicologista das leis

    10 [] und da psychologische Voraussetzungen oder Ingredienzien der Behauptung eines Gesetzes nicht mit logischen Momenten seines Inhaltes vermengt werden drfen. Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen.

  • Tourinho, C. D. C.

    40 Trans/Form/Ao, Marlia, v. 36, n. 3, p. 35-52, Set./Dez., 2013

    lgicas s leis psicolgicas teria, conforme frisamos, levado Lipps a considerar a lgica uma fsica do pensamento11. Tida como uma disciplina da psicologia, a lgica seria, na concepo de Lipps, uma cincia indutiva. Todo esforo de Husserl consiste em mostrar, ao denunciar os equvocos cometidos pelos psicologistas, que dos fatos no podemos haurir leis de carter absoluto, de modo que, se o saber humano estivesse, em ltima instncia, fundado na psicologia, todo ele ficaria inconsistente (teramos assim profundamente abalado o valor de todo o conhecimento) e, por conseguinte, estaria aberto o caminho para um ceticismo radical que [...] , por definio, evidentemente contraditrio12. Portanto, para Husserl, no poderemos confundir o modo concreto como se manifestam as leis lgicas com as mesmas leis em si. Husserl recupera, ento, ao final do Captulo Quarto de Prolegmenos, no 24 (Continuao), a lio anunciada por Kant na Introduo da Crtica da Razo Pura: Todo o conhecimento comea com a experincia, mas no deriva, s por isso, da experincia13. Em outros termos, as leis lgicas no so inferncias da experincia psicolgica, embora s por meio dela se possam conhecer. Tal insistncia psicologista em no reconhecer tais distines entre o contedo do ato de julgar e o ato propriamente dito, entre as leis lgicas e as leis psicolgicas, culminaria, conforme Husserl, em um ceticismo e em um relativismo nocivos pretenso de fundamentao da filosofia como cincia rigorosa e que deveria, portanto, ser evitado a todo custo. Por outro lado, apesar de reconhecer o mrito dos lgicos antipsicologistas de no incorrer nos equvocos psicologistas, de no confundir o ideal e o real (o ato de julgar com o contedo lgico do juzo), Husserl no deixa de ressaltar, ao final do Captulo Terceiro, no 20, que, da parte dos lgicos antipsicologistas, os pensamentos decisivos apresentados contra o psicologismo no foram adequadamente trabalhados, permanecendo os mesmos [...] obscurecidos por diversas incorrees14.

    Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 23, p. 71.11 Cf. Idem, 19, p. 55.12 Cf. Idem, 32, p. 112. 13 Alle Erkenntnis fngt mit der Erfahrung an, aber sie entspringt darum nicht schon aus der Erfahrung. Cf. HUSSERL, Logische Untersuchungen. Erster Band. Prolegomena zur reinen Logik, 24, p. 81-82. J na edio B da Crtica da Razo Pura (Kritik der reinen Vernunft), Kant afirmara-nos: Se, porm, todo o conhecimento se inicia com a experincia, isso no prova que todo ele derive da experincia (Wenn aber gleich alle unsere Erkenntniss m i t der Erfahrung anhebt, so entspringt sie darum doch nicht eben alle aus der Erfahrung). Cf. Kant, I. Kritik der reinen Vernunft, Einleitung. Leipzig: Felix Meiner, ([1787] 1919), p. 47.14 Cf. HUSSERL, Logisc