Transformação Das Armas Em Enxadas

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Transformação de Armas em Enxadas A Abordagem TAE para um Desarmamento Práctico Uma avaliação sobre o projeto TAE em Moçambique Encomendado por WORLD VISION Alemanha

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  • Transformaode Armas emEnxadasA Abordagem TAE paraum DesarmamentoPrctico

    Uma avaliao sobre o projeto TAE emMoambique

    Encomendado porWORLD VISION Alemanha

  • Transformao de Armas em EnxadasA Abordagem TAE para um Desarmamento

    Prctico

    Published byBICC, Bonn 2004Bonn International Center for ConversionDirector: Peter J.CrollAn der Elisabethkirche 2553113 Bonn, GermanyTel. +49 228 911960Fax +49 228 241215E-Mail: [email protected]

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    Agradecimentos

    Esse estudo foi encomendado por WORLD VISION Alemanhae conduzido pelo Bonn International Center for Conversion(BICC) em cooperao estreita com o projeto TAE em Maputo,Moambique. Os autores gostariam de agradecer a todos atuais eex-funcionrios do TAE por sua vontade em providenciarsugestes ao seu trabalho, em particular o administrador doprojeto TAE Albino Forquilha, assim como os voluntrios daCUSO, Kayo Takenoshita e Christian Brun, que neste momentoj deixaram o projeto. Kayo foi instrumental na organizao docampo de pesquisa conduzido pelos autores. Noel Stott, noInstitute for Security Studies (ISS) em Pretria, providenciouvaliosas avaliaes sobre a Operao Rachel e elaborou o boxsobre o assunto nesse relatrio, enquanto Christian Bruncontribuiu ao box sobre Artes no Fogo Cruzado. Frank Testerda Universidade de British Columbia compartilhou alguns dosresultados de sua avaliao simultnea em nome de CUSO. ScottLewis, pesquisador associate do BICC, ajudou na edio desserelatrio. Os autores so gratos ao WORLD VISION Alemanhae se sentem particularmente agradecidos a Ekkehard Forberg portornar essa pesquisa possvel. As principais concluses desserelatrio foram debatidas durante o workshop dos atoresenvolvidos em junho de 2003 em Maputo, Moambique, e osautores gostariam de agradecer a todos os participantes por seutempo e comentrios. Embora muitos tenham contribudo paraesse relatrio, a responsibilidade pelo contedo inteiramentedos autores.

    Bonn International Center for ConversionSami Faltas e Wolf-Christian Paes

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    Tabela de Contedo

    Prefcio 4

    Introduo 7

    Histria 8

    Acessando a Extenso do Problema 11

    Metas e objetivos do projeto TAE 19

    Produo e Impacto 23

    Artes no Fogo Cruzado 33

    Recursos disponveis ao Projeto 36

    Modo de Operao 39

    Recuperao de Informao 39

    Entrega de Incentivos 43

    Estocagem e Destruio 46

    Governo e Sociedade Civil 48

    Custos e Benefcios 49

    Lies Aprendidas / Rplicas 52

    Motivao dos proprietrios de armas 53

    Metas do Programa 54

    Relaes com o Governo 55

    Abastecimento de incentivos 56

    Bibliografia 58

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    Prefcio

    Armas so perigosas. No apenas nas mos de ladros ourebledes, mas em s mesmas: quanto mais exisitirem e quantomais fcil forem acessadas, maior ser a probabilidade de seremusadas de forma mortal. Portanto, o desarmamento de sociedadeem momentos ps-conflito constitui um dos desafios vitais queprecisa ser encarado uma vez que o conflito chegou a seu fim.

    Em sociedades ps-guerra, armas podem preencher umamultiplicidade de funes:

    Embora mantidas para defesa, armas do apenas uma falsasensao de segurana. Frequentemente, acidentes ocorremem residencies porque armas ou munio no foramguardadas de forma apropriada.

    Enquanto a infra-estrutura e a economia de um pasestiverem em runa, uma arma pode oferecer a base dasobrevivncia de uma famlia. O proprietrio da arma podegarantir uma renda se recrutado por um servio privado desegurana ou um novo exrcito ou mesmo contratado paraproteger um rebanho.

    Uma arma constitiu um objeto de valor e uma garantia paratempos difceis. Alm de seu valor material, armas tambmcontam com um apelo ideolgico e uma aura de poder.Ex-combatentes so conhecidos por apenas deixarem suascompanheiras de muitos anos aps relutar.

    Para pessoas que perderam tudo durante uma guerra e que foramdesenraizadas de suas vilas natais, uma arma pode oferecer porvezes a nica perspectiva para garantir uma renda modesta, sejade forma legal ou ilegal. Ao mesmo tempo, as esperanas eexpectativas de pessoas por uma rpida reconstruo e renovaoeconmica de seus pases so frequentemente frustradas, j queesses processos levam um certo tempo e so normalmenteembaraosos e protraidos. Isso leva ao desapontamento, a umaumento de crimes e de auto-proteo armada: um crculo viciosoque ameaa jogar uma sociedade em um momento ps-guerramais uma vez ao caos. Isso a razo pela qual no h alternativarazovel a um sistemtico desarmamento de combatentes e decivis armados.

    A abordagem Enxadas por Armas em Moambique umcaso a destacar e um exemplo notrio: pela primeira vez, asociedade civil est tomando a responsabilidade pelo desarme dapopulao em um nvel nacional, fazendo portanto umacontribuio essencial para a paz e reconciliao. Durante a guerracivil em Moambique, milhes de armas automticas foram

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    distribudas por todo o pas e entre a populao. Agora, oConselho Cristo de Moambique est coletando pelo menosparte dessas armas e destruindo-as in loco. Algumas peas dasarmas so ento modeladas em obras de arte, demonstrando populao que os aparelhos de matar no mais so necessrios.

    No se pode esquecer que esse desarmamento civil precisaser atribudo ao compromisso corajoso de alguns lderes civs.Um deles o Bispo Sengulane, que tem sido um ator principal noproceso de paz de Moambique e quem tambm iniciou esseprojeto. Sengulane pde construir seu trabalho sobre a excelentereputao e confiana que adquiriu o Conselho Cristo deMoambique por meio de seu papel de sucesso na resoluo doconflito.

    Seu envolvimento demonstra porque atores civs devem terum papel no processo de paz: so neutros com relao s partesem conflito e com relao s estruturas do governo; e tm aproximidade e acesso fcil populao. Atores civs tambmpodem encontrar solues inovadoras e interinas sem perder suacredibilidade. Por exemplo, embora seja estritamente proibidopossuir uma arma em Moambique, pessoas que entregarem suasarmas durante o projeto no devem temer serem vtimas de umprocesso.

    Sem dvida, o projeto tem conseguido aprender de projetospassados de desarmamento frequentemente fracassados. Oschamados programas de compra pelas quais armas eramcompradas de volta por seu valor de mercado acabaram de fato,no passado, dando um impulso ao comrcio de armas em toda aregio. Em Moambique, instrumentos de uso domstico sooferecidos como incentivos para que as pessoas entreguem suasarmas, portanto oferencendo uma nova oportunidade civil degerao de renda. Esses bens de consumo dados em troca dearmas a maioria deles sendo mquinas de costura e bicicletas so smbolos de um novo comeo. O processo de desarmamentode Moambique acompanhado por programas de treinamento ede conscientizao para preparar sociedade para um perodo depaz e para ensinar as pessoas como solucionar futuros conflitosde uma forma no-violenta.

    Em sociedades ps-guerra, atores civs e organizaes no-governamentais (ONG) podem de fato preencher um papel vitalda resoluo de conflitos e na construo de paz. EmMoambique, lderes de igrejas e ONGs esto enfrentando odesafio. Porm, existe ainda uma outra area na qual ONGspodem fazer uma contribuio: trata-se da segurana. Nessa rea,portanto, ainda precisam reunir e documentar suas experincias.

    O atual relatrio investiga a abordagem Enxadas porArmas em Moambique e observa as precondies gerais que

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    direcionam o sucesso do projeto. Ele tambm tenta identificarreas de fraqueza para que outros atores possam aprender dessaexperincia e aplic-la em outros contextos. WORLD VISION eBICC esperam, de forma conjunta, que essa documentao ajudea encorajar outras sociedades ps-guerra a se comprometerem aodesarmamento de suas populaes e em criar conscincia sobreos riscos imensos das armas leves.

    Ekkehard Forberg

    WORLD VISION Alemanha

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    Introduo

    O emblema da Repblica de Moambique traz em seu centro umrifle Kalashnikov AK-471 como smbolo da luta de um povocontra o regime colonial, que terminaria na independncia do pasem 1975. As dcadas de 1970 e 1980 viram muitos conflitosviolentos nos quais a Kalashnikov, desenhada na URSS nos anos40, ajudou a derrubar regentes coloniais e regimes apoiados peloOcidente em Angola, Moambique, Guin-Bissau, Nambia,frica do Sul, Zimbbue, Nicaragua, Camboja e Vietn. Umacultura popular de revoluo ao redor de slogans como a lutacontinua, a imagem de Ernesto Che Guevara e uma arma communio curvada de forma distinta. Um grupo musical anti-apartheid da frica do Sul at mesmo se chamava AK-47.

    Hoje, a Kalashnikov ainda amplamente usada por umavariedade de objetivos, mas no glorificada como antes. Defato, para muitos simboliza a desastrosa proliferao de armasleves que alimentou conflitos politicos e promoveu a emergnciade crimes violentos em muitas partes do mundo. O Bispo DinisSengulane da Diocese Anglicana de Libombos (Moambique)acredita que doloroso ver uma arma na bandeira moambicana.Ele diz a seus compatriotas que dormir com uma arma em seuquarto como dormir como uma cobra (Entrevista deSengulane). Nos aos 80 e no incio dos anos 90, Sengulane ajudoua lanar o processo de paz que levou ao fim a guerra civil. Em1995, ele fundou um projeto chamado Transformao de Armasem Enxadas, abreviado TAE.2 TAE um projeto do ConselhoCristo de Moambique (CCM), dominado por protestantes eparticularmente importante para o Bispo Sengulane, que tem sidoo presidente do CCM desde 1975. Seu objetivo lidar com umdos legados mais perigosos da luta de libertao e da guerra civil,isto , as milhes de armas e o enorme montante de munio eexplosivos nas mos da populao. Esse esforo pouco comumda igreja, o qual esse relatrio ir debater, de fato no transformaarmas em instrumentos agrcola, embora essa fosse a idia originale o Bispo Sengulane ainda acredite que possa ser atingido um dia(Entrevista de Sengulane). Ao invs disso, o projeto coleta armas,munio e explosivos da populao, os destroi e ofereceinstrumentos e outros implementos em troca. 1 AK-47 a verso original da famosa arma durvel, autorizada para o

    uso do Exrcito Vermelho em 1947. Muitos tipos a seguiram, comdiferentes nomes. Em Moambique, Kalashnikov chamado deAKM, uma verso mais recente.

    2 Em portugus, o nome de fato significa Transformao de Armaspor Enxadas. A abreviatura TAE rima com fly.

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    TAE pouco comum por ser um projeto de desarmamentointeiramente administrado pela sociedade civil, por transformarpartes de metais de armas em arte, e por sua longevidade. Nesserelatrio, discutimos como TAE trabalha, o que atingiu, asdificuldades que enfrenta, como pode ser mais efetivo, e at queponto essa abordagem pode ser usada em outros locais. Nossameta no a de avaliar o projeto, mas descrev-lo e acessar suaabordagem. Quando providenciamos detalhes o fazemos parailustrar um ponto geral, e no para explorar as entranhas doprojeto.

    Esse estudo baseado em duas viagens de campo Moambique, uma feita por Sami Faltas ao sul de Moambiqueem maro de 2003 e outra feita por Wolf-Christian Paes sprovncias do centro de Moambique em maio de 2003, assimcomo baseado na reviso extensiva da literatura e de entrevistascom especialistas sobre proliferao de armas pequenas e leves,tanto dentro de Moambique como no exterior. As principaisconcluses desse relatrio foram debatidas durante o workshopdos atores envolvidos em cooperao com TAE em junho de2003.

    Histria

    Talvez o fato mais marcante sobre Moambique seja a formapositiva pela qual o pas superou a guerra anti-colonial (1964-1974) seguida por uma guerra civil ainda mais sangrenta (1976-1992). At 1992, Jim Wurst relata que pelo menos um milho depessoas foram mortas, enquanto outros 1,7 milho tinham fugidodo pas (Wurst, 1994).

    O Banco Mundial estima que quando a guerra terminou,praticamente um tero da populao, 5,7 milhes de pessoas,tinham se desenraizados. Ferrovias, estradas e pontes por todo opas estavam destrudas. Metade das escolas e um tero de todasas clnicas mdicas estavam destrudas ou severamentedanificadas. Campos agrcolas e estradas secundrias foramprejudicados pela seca e estavam repletos de minas terrestres.Moambique havia se tornado o pas mais pobre do mundo(Banco Mundial, 1997). Hoje, o pas ainda enfrenta severosproblemas. Porm, est em paz, as feridas abertas pela guerraesto lentamente sendo curadas, a infra-estrutura est sendogradualmente reparada e minas terrestres e outros artefatos estosendo removidos. Alm disso, a economia est crescendo comuma das taxas mais rpidas da frica Sub-Saariana, em grandeparte alimentada por investimentos sul-africanos, e a democraciaamadurecendo. Muito disso tudo est sendo possvel graas

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    ajuda externa, mas nada disso teria ocorrido se os moambicanosno tivessem estabelecidos uma paz sustentvel.

    Por volta de 1990, o governo da FRELIMO (Frente deLibertao de Moambique) e os rebeldes da RENAMO(Resistncia Nacional Moambicana) chegaram concluso deque no tinham nada a ganhar em continuar a guerra.Provavelmente, a maioria dos seus seguidores estavam canadosdo conflito muito antes, isso para no mencionar o restante dapopulao. Normalmente, assume-se que um desejo forte egeneralizado pela paz entre moambicanos seja a principal razopela qual os acordos de paz assinados em 1992 pelos opositores,apesar de seus vrios problemas, tenha sido mantido.

    Provavelmente, a falta de recursos contribuiu para o fim daguerra. Muitos observadores tm notado o contraste entre osucesso do processo de paz de Moambique e a busca pela pazem Angola, que durou outros dez anos e sofreu muitoscontratempos. Como em Moambique, Angola o pas lusfonodo sul da frica que passou por um perodo de colonialismoportugus, uma guerra de independncia, e uma guerra civilatiada por foras estrangeiras. A maioria dos analistas acreditaque a paz foi mais difcil de ser atingida em Angola por causa dosrecursos explorveis do pas. O MPLA e a UNITA lutaram, entreoutros motivos, pelo acesso s ricas fontes de petrleo ediamante, enquanto em Moambique os recursos disponveis FRELIMO (camaro) e RENAMO (madeira) eram menoslucrativos (Collier, 2001).

    Enquanto os quenianos, tanzanianos, italianos, as NaesUnidas e outros estrangeiros jogavam um papel grande em trazerjunto as faces moambicanas em guerra no comeo dos anos90, as primeiras iniciativas vieram do clrigo moambicano. OConselho Cristo de Moambique, a Igreja Anglicana e a IgrejaCatlica Romana convenceram a FRELIMO e a RENAMO queo dilogo era a nica sada para a guerra e para salvar o pas.Ento, quando as lutas terminaram, as igrejas tiveram um papelchave na luta por construir uma sociedade pacfica. Elascontinuam tendo esse papel, usando de sua influncia tanto atrsda cena como em pblico. TAE provavelmente o projeto maisconhecido em se tratando dessa questo.

    A Operao de Manuteno de Paz da ONU emMoambique (ONUMOZ), lanada em 1992, conta como sendouma das operaes de maior sucesso de seu tipo. Eladesmobilizou quase 100 mil combatentes e levou o pas a suaprimeira eleio. No total, ao final do processo de paz, cerca de214 mil armas haviam sido coletadas, a maioria delas destruda.Muitas ainda foram entregues ao governo (Berman, 1996, pp. 74 e88; Chachiua, 1999a, p. 26). Muitos moambicanos viam as armas

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    que tinham como uma precauo necessria caso a guerrarecomeasse. Como resultado, quando a ONUMOZ partiu em1995, um especialista estimou que o nmero de armas que aindaexistia no pas era de um a seis milhes (Chachiua, 1999a, p. 27).

    Claramente, esse legado de armas se coloca no caminho dodesenvolvimento de Moambique em direo paz, prosperidadee democracia. Economicamente, isso secou os recursos do pas.De acordo com TAE, 70% da dvida de Moambique eraexplicada pela importao de armas (TAE, 2001a, sesso 2) Almdisso, a prevalecncia de armas, munio, minas e artefatos queno haviam explodido um obstculo ao comrcio, agricultura,sade, educao e a melhora da infra-estrutura fsica do pas.Alm disso, a falta de segurana gerada por artefatos sem controletambm afetam a vida poltica e social. Enquanto que armas deporte ilegal permitem s pessoas que protejam suas famlias epropriedade, elas tambm geram suspeitas e medos que noajudam no desenvolvimento em direo paz e democracia.Finalmente, elas alimentam o aumento de crimes violentos ecausam muitos acidentes srios.

    Na etapa inicial do processo de paz, esses problemas e odesejo de desarmar a populao eram claros e inquestionveis.Mas quem deveria lidar com eles? ONUMOZ tentou e fracassou.O governo, de acordo com muitas informaes, foi incapaz defazer o trabalho. Uma das razes foi a falta de recursos, mas ummotivo mais fundamental foi a falta de confiana. As divisescausadas pela guerra civil deixaram as pessoas relutantes emabandonar suas armas e a percepo de corrupo e a falta deadequao no governo contribuiam ainda mais para a falta deconfiana no estado e em seus funcionrios. Isso, pelo menos, oque observadores que ns consultamos acreditam.

    Nas ingrejas. Em seu Programa de Ao Nacional para 2002-2004, TAE disse que

    Moambique o primeiro pas do mundo com um governoque aceitou, em 1995, em dar sociedade civil (Conselho Cristode Moambique) a completa responsabilidade pela coleta,destruio massiva de armas leves e armas ligeiras assim comotodo o processo de segurana dessas questes complexas e tosensveis3.

    O programa, ento, aponta como foi pouco comum essepasso, explicando que enquanto organizaes no-

    3 Isso provavelmente significa que o assunto e politicalmente sensvel.

    Esse significado de todo processo de segurana no claro parans. Questes de segurana de armas e proteo sero debatidosabaixo.

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    governamentais frequentemente atuam de forma proeminente emao de armas leves em outros pases,

    !a sociedade civil nunca autorizada a administrar (coletae destruio) completa de armas de fogo sem a interveno deseus governos.

    Ns podemos confirmar isso. Alm disso, TAE argumentaem seu Programa de ao que a decido de Moambique emdeixar o desarmamento da populao com a sociedade civil foia razo pela qual um diplomata moambicano, Carlos dosSantos, foi escolhido como presidente do comit preparatriopara a Conferncia da ONU para o Comrcio Ilegal de ArmasLeves de 2001 (TAE, 2001a).

    Ento, as igrejas minoritrias de Moambique, unidas noCCM, tomaram para s o trabalho de remover e destruir ummilho de armas ou mais e quantidades imensas de explosivosde posse ilegal. Mais adiante nesse relatrio, discutiremos asconsequncias e implicaes de delegar tal trabalho sorganizaes no-governamentais. Entretanto, a sociedade civilno est sozinha lidando com artilharias que so mantidas deforma ilegal em Moambique. As autoridades do governo e apolcia sul-africana mantm uma cooperao chamadaOperao Rachel que busca e destroi artilharia ilegal, e TAEocasionalmente se inscreve para ajuda os especialistas deRachel.

    CCM lanou TAE em 20 de Outubro de 1995 na presenade representantes religiosos, governamentais e diplomticos,assim como vrias ongs nacionais e internacionais. Uma amplacampanha de publicidade informou a populao sobre osobjetivos do projeto e os recursos que planejava usar paeaating-los (TAE, 2001).

    Acessando a Extenso do Problema

    Enquanto Moambique tem tido sucesso em manter a paz entreFRELIMO e RENAMO, o pas tem tido bem menos sucesso ematingir um desenvolvimento econmico sustentvel e umagovernana efetiva. Enquanto que nominalmente os ganhoseconmicos tenham sidos impressionantes desde o final da guerracivil, parte grande do desenvolvimento focalizado nas reascosteiras e o corredor do desenvolvimento ligando o interior deMaputo fronteira com a frica do Sul. Apesar do efeitosnotados, oportunidades econmicas continuam escassas paramuitas pessoas nas provncias, gerando uma migrao substancialtanto para a capital como para o exterior. A agricultura, o meiopredominante de reproduo econmica em reas rurais, sofreu

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    tambm extremamente das inundaes em 2000 e em 2001,seguido por uma seca severa em 2002.

    A combinao de pobreza, de divises profundas napopulao e da fraca governana provou ser uma terra frtil paraa ascenso do crime, embora Moambique seja ainda mais calmodo que muitos de seus vizinhos. Devido tambm sua geografia,Moambique supostamente transformou-se em um dos pontosprincipais de trnsito para o trfico de drogas e de outrocontrabandos. Armas so traficadas tambm, por exemplo para ascidades da frica do Sul. extremamente difcil avaliar aextenso do problema da proliferao de armas leves emMoambique, j que so escassas as estatsticas confiveis sobre aposse ilegal de armas assim como dos crimes relacionados sarmas.

    Supe-se que durante grande parte do perodo colonial,armas de fogo eram raras em Moambique, em funo dosubdesenvolvimento e do controle relativamente superficial dossenhores coloniais portugueses sobre o interior negligenciado.Isso apoiado pelas entrevistas feitas durante esta pesquisa queconfirmam que as armas no eram parte do estilo de vidatradicional. Alguns entrevistados at mesmo argumentaram que asociedade de Moambique era inerentemente mais pacfica,parcialmente como resultado do regime colonal benigno, aocontrrio das sociedades mais violentas nos vizinhos frica doSul e Zimbbue. Enquanto parece questionvel que o regimecolonial fosse certamente mais benigno em Moambique, existepouca dvida de que o pas no testemunharia uma entradamacia de armas antes do esforo nacional do libertao do inciodos anos 1960 (Chachiua, 1999a, p. 16).

    Observadores tm estimado que exisitiam cerca de 45 milarmas de fogo de militares em Moambique em 1971, baseado naexistncia de 35 mil soldados portugueses e 10 mil insurgentesarmadas da FRELIMO (ibid., p. 16). Esse nmero parece serextremamente conservador e no prev que uma fora armadaregular mantenha normalmente mais de uma arma por soldado.Alm disso, esse nmero exclui armas da polcia assim comoarmas de fogo de propriedade privada. Apesar dessas limitaes,parece claro que o nmero de armas era comparativamente maisbaixo pelos incio dos anos 70, apesar do fato de que no incio dadcada a luta de libertao j estivesse em andamento h seisanos. FRELIMO recebeu armas da China, da Unio Sovitica ede outros pases do Leste Europeu, enquanto Portugal encheu opas de armas para equipar tanto seus exrcito colonial e a

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    populao de colonos brancos.4 FRELIMO, em linha com suadoutrina de uma revoluo popular, seguiu uma estratgia similarde armas civs em eras sob seu controle, tanto para auto-defesacomo para ajudar em um levante armado. Essa estratgiadeliberada ajudou a proliferao de armas pelo pas (Chabal, 1996,p. 8).

    Nenhum esforo organizado foi feito para coletar essasarmas durante o breve perodo de paz que se seguiu aps oAcordo de Paz de Lusaka, em setembro de 1974 e o comeo daguerra civil entre o novo governo estabelecido pela FRELIMO eos insergentes da RENAMO em 1976. H pouca informaoconfivel sobre o nmero de armas que entraram no pas entre1976 e o fim do conflito em 1994. Entretanto, a maioria dosespecialistas concorda que o nmero deve ter sido bastantesubstancial. O governo de Maputo durante os anos 80 gastouentre 40% e 50% do oramento do governo em defesa (Berman,1996, p. 43) e esses dados no incluiam armas entregues pelaUnio Sovitica na forma de crditos (Chachiua, 1999a, p. 19).Rapidamente transformada em uma Guerra Fria por procurao,a FRELIMO recebeu uma substancial ajuda militar de pasesirmos socialistas, grande parte na forma de armas pequenas eleves. De acordo com relatrios de inteligncia do Ocidente, cercade 6 mil toneladas de equipamentos militares foram enviados parao Porto de Nacala apenas em fevereiro de 1977 (AfricaContemporary Record, 1978-1979, p. C331). Enquanto essesnmeros so quase que certamente inflados, existe pouca dvidaque a importao de equipamentos militares durante esse perodofoi substancial.

    Enquanto isso, a RENAMO inicialmente recebia armas doregime minoritrio de Ian Smith na Rhodesia (atualmenteZimbbue) e mais tarde do governo do Apartheid na frica doSul. Na linha da estratgia de guerrilha da RENAMO, grandeparte disso tomou a forma de armas leves e pequenas, incluindoquantidades significativas de AK-47 de fabricao soviticaconfiscadas pelas foras sul-africanas durante as operao emAngola e Nambia. Outros tipos de ajuda foram providenciadaspor outros estados ocidentais e por grupos privados adotandoagendas anti-comunistas e pr-crists (Chachiua, 1999a, p. 20),enquanto algumas armas eram adquiridas por meio de termoscomerciais no mercado negro em troca de marfim e madeira.Outra fonte importante de equipamento militar para a RENAMO

    4 De acordo com o Africa Contemporary Record (1974-1975, pp.

    B386 e C42-44), entre maio e junho de 1974, um total de 5 millicenas de posse de armas foram dadas aos colonos emMoambique.

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    eram as armas capturadas das tropas frequentemente poucodisciplinadas do governo.

    A situao foi complicada ainda mais pelo fato de que tantoa FRELIMO como a RENAMO terem um mau registro deestocagem e de procedimentos de armazenamento. amplamenteconhecido o fato de que muitas armas perdidas durante asquase duas dcadas de guerra civil terminaram nas mos dos civs,ou foram escondidas pelos combatentes como um seguro devida para o perodo ps-conflito. Enquanto isso, a FRELIMOcontinuou suas prticas de distribuir armas, incluindo riflesautomticos para grupos paramilitares (como em formaes dopartido e brigadas de fbricas) e para a populao em geral. Deacordo com um ex-funcionrio da FRELIMO, a motivao paraessa distribuio era puramente poltica

    Os militares no eram sequer consultados e, obviamente,no se tinha em mente a necessidade de um controle de armas.De um ponto de vista militar, a distribuio de armas para (a)populao civil no fazia sentido. Deveria ter havido mais cautelamesmo para os grupos de milcia. Pois aquelas armas poderiamacabar fortalecendo o inimigo o que acabou ocorrendo namaioria das vezes. Mas a liderana poltica julgava (a distribuio)correta. (ibid., p. 21).

    No h informaes confiveis sobre o nmero total dearmas em circulao no final da guerra civil. De acordo com aestimativa amplamente citada de Smith (1996, p. 6) em 1995 seismilhes de AK-47s poderiam estar circulando em Moambique.No est bem claro se esse nmero deveria incluir os 1,5 milhode rifles de assalto que, de acordo com a mesma fonte, foramdistribudos pelo governo para os civis. Num pas com cerca de16 milhes de pessoas e com apenas 150 mil combatentesregulares no momento do acordo de paz, esses nmeros parecemser extremamente exagerados. Entretanto, enquanto esse nmeroinflado ainda forma a base para muitas anlises de aes de armasleves, no deve haver dvidas que o problema da proliferaosem controle de armas pequenas e leves em meados dos anos 90era bastante substancial.

    A situao no foi beneficiada pelo fato de que, apesar dosresultados impressionantes do programa de desmobilizao daONUMOZ, muitos ex-combatentes preferiam manter escondidasalgumas de suas armas em terrenos difceis antes de relatas sreas de coleta da ONUMOZ. Com relao s unidades daRENAMO, vrios ex-combatentes entrevistados no contextodesse projeto confirmaram a existncia de uma estratgiadeliberada para esconder volumes substanciais de armas e demunio como uma precauo caso o processo de pazfracassasse. Acredita-se que esses esconderijos da RENAMO so

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    mais numerosos nas ex-fortalezas da RENAMO. Isso deixa trsgrupos diferentes de armas ilegais no coletas no final do precessode paz (Chachiua, 1999a, p. 27): Nos esconderijos de propriedade das partes em guerra,

    em particular pela RENAMO, sendo a maiorialocalizada em reas inacessveis nas proximidades desuas ex-reas de operao;

    Nos esconderijos de soldados individuais e de membrosde milcias, normalmente localizados em residenciaisprivadas ou em suas proximidades.

    Armas individuais por civis, seja originrias dadistribuio do governo seja compradasindividualmente, e tambm normalmente localizadas emcasas privadas ou escondidas nas proximidades.

    Enquanto o acordo de paz de Lusaka marcou o fim da violnciamotivada politicamente em Moambique, a forte demanda porarmas de fogo automticas por grupos criminosos na vizinhafrica do Sul, durante a segunda parte dos anos 90s, significouque a troca de armas pelas fronteiras havia se tornado umproblema importante. Ex-combatentes vindos das duas partes,preocupados com razo sobre as perspectivas do perodo de paz,se utilizaram das oportunidades de mercado criadas pela altademanda na frica do Sul e venderam tanto suas armas pessoais eo que existia nos esconderijos ao longo da fronteira porosa. AlexVines (1996, p. 7) cita um ex-soldado da FRELIMO dizendo nssabamos que armas eram um bom negcio. Por isso, mativemosas melhores para ns. Eu vend algumas para intermedirios deJoni [Johannesburgo] e fiquei com outras para o futuro. []FRELIMO nunca iria nos pagar pelos anos que fomos obrigadosa lutar. Temos que nos cuidar. Essa viso era compartilhada pelochefe do grupo parlamentar da RENAMO, que afirmou que ossoldados no tm dinheiro e existe muito equipamento militar nomato. (Oosthuysen, 1996, p. 49).

    Na falta de estatsticas confiveis, impossvel quantificaressas transferncias transfronterias, mas o governo sul-africanoestava suficientemente preocupado em enviar equipes da polciaespecializada a partir de 1995 para conduzir operaes de coleta edestruio de armas em conjunto com seus homnimosmoambicanos.

    A dupla Operao Rachel (veja quadro), esse raro exemplode cooperao policial transfronteria ainda ocorre no momentodesta pesquisa e tem tido sucesso em destruir mais de 30 milarmas de fogo, alm de vrias toneladas de munio, explosivos e

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    outros equipamentos militares (veja estatsticas detalhadas para aOperation Rachel 1-9 no anexo).

    Na dcada aps o fim simultneo do regime da minoriabranca na frica do Sul e do fim da guerra civil em Moambique,iniciativas como a Operation Rachel tm contribudo para areduo no contrabando transfreonterio de armas. Melhoresprocedimentos de adminitrao das fronteiras e troca deinteligncia, assim como a reduo da demanda por armas ilegaisna frica do Sul (que provavelmente chegaram a um pico em1996/97), tambm tiveram um impacto no comrcio ilegal. Outrofator seria o de que enquanto o mercado negro da frica do Sulatinge um ponto de saturao, levando reduo dos preos demercado, diminui o nmero de esconderijos de armas de fcilacesso nas proximidades da fronteira sul-africana. Entrevistascom ex-soldados da RENAMO no contexto desta pesquisaconfirma que os potenciais beneficiados precisam ir cada vez maispara dentro da mata para ter acesso aos esconderijos de armasainda existentes, o que invariavelmente se traduziria em custosmais altos no mercado negro, tornando o comrciotransfronterio menos lucrativo. Existem at mesmo algumasindicaes que armas automticas esto agora sendocontrabandeadas para Moambique (UN, 2002, p. 8), indicandoque armas de esconderijos locais j no podem satisfazer ademanda (comparativamente baixa) dos grupos criminosos locais.

    Diante da populao traumatizada e empobrecida, de ex-combatentes com pouco em termos de futuro e da crescentedisparidade de renda como resultado das polticas econmicasgovernamentais orientadas para o mercado, poderia-se assumirque a ampla disponibilidade de armas em Moambique poderiagerar um forte aumento da violncia armada. De fato, relatriosdos ltimos anos da dcada de 90 citam evidncias pontuais doaumento do crime, particularmente na rea da grande Maputo(Chachiua, 1999a, pp. 34-35; Oosthuysen, 1996, p. 47). As poucasestatsticas disponveis registram um salto de cerca de um teronos crimes reportados entre 1994 e 1996, ainda que a parcela decrimes relacionados com armas tivesse se mantido constante emcerca de 4,2%. Infelizmente, nenhuma outra estatstica recenteest disponvel at o perodo em que esta pesquisa est sendoescrita. Portanto, os autores tm tentado investigar o nmero decrimes relacionados com arma por meio de entrevistas comchefes da polcia local em Maputo, Beira, Quelimane e Mopeia. Oresultado dessa enquete informal mostrou um cenrio bastantediferente se comparado com relatrios anteriores.5 Todos os

    5 Os autores esto conscientes das limitaes dessa abordagem de

    coleta de informaes. Infelizmente, fonts limitadas impedem os

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    oficiais de polcia entrevistados para esse relatrio confirmaramque o nmero de crimes relacionados com armas era de fatobastante baixo e que esse nmero tem ficado estvel no perodoentre 1998-2003 e muito inferior comparado com o perodo1992-1995 (entrevista Ministrio do Interior, Maio 2003). Semsurpresas, a maioria dos casos era registrado na rea de Maputo enormalmente envolviam o uso de armas em assaltos armados eroubos de carro. Esse ultimo tem sido tambm a causa depreocupao ao longo da Rodovia Nacional Nmero Um, ondecaminhes e motoristas individuais tm sido alvos de bandidosarmados (Entrevista Ministrio do Interior e Chefe da Polcia deBeira, Maio 2003).

    Essa avaliao foi confirmada durante as entrevistas com osoficiais de polcia (Maio 2003) na segunda maior cidade deMoambique, Beira. Capital da provncia de Sofala e cidadeporturia importante no final do corredor de transporte de Tete,ligando a costa aos pases sem litoral como Malawi e Zimbbue, acidade observou combates violentos durante a guerra civil. Apesardisso, a polcia confirmou que existiam poucos incidentes decrimes relacionados a armas. Em mdia, um caso por ms.Enquanto a cidade tem ndices de criminalidade substancialmentemaiores que o interior, a maioria de natureza no-violenta. Osrepresentantes da polcia mencionaram a presena contnua debandidos armados ao longo da Rodovia Nacional Nmero Um,mas argumentavam que o nmero de assaltos, que chegou em seupico a 7-8 casos por semana em meados dos anos 90, agorabastante menor, em parte graas a uma unidade especial de reaorpida da polcia posicionada na provncia. Enquanto orepresentante da polcia reconhece a existncia de um mercadonegro de armas na cidade, ele argumenta que a maioria delas vemde vazamentos de grandes bases militares na cidade, ondesoldados mal-pagos estavam dispostos a vender ou alugar (porum preo de cerca de US $20) suas armas de fogo paracriminosos.

    Entrevistas com representantes da polcia em Quelimane(Maio 2003), a capital a provncia de Zambezia, apontam para umcenrio ainda mais pacfico. De acordo com o chefe da polcia,no existe um mercado negro para armas de fogo na provncia,apesar de que a rea tenha sido testemunha de violentos combates

    autores de conduzir uma pesquisa mais compreensiva, que serianecessrio para acessar o impacto real de armas leves na situao desegurana de Moambique. Apesar disso, a viso geral exprimida porrepresentantes da polcia com respeito aos crimes relacionados sarmas foi confirmada por representantes da sociedade civilentrevistados pelos autores.

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    durante a guerra civil e que tenha, ao longo da vizinha provnciade Sofala, vrias bases importantes da RENAMO. Enquantoalguns incidentes isolados de roubos armados so registrados, apolcia argumenta que houve apenas dois casos no perodo entrejaneiro e maio de 2003. A polcia reconhece que os esconderijossubstanciais de armas ainda existem na provncia, a maioria nasprofundezas da mata inacessvel e, enquanto estoques substanciaisde armas so recuperados pela polcia, normalmente comoresultado de descobertas acidentais por fazendeiros, o chefe dapolcia estava mais preocupado sobre seu potencial em geraracidentes que sobre os crimes.

    Em resumo, necessrio esclarecer que o problema daproliferao de armas leves em Moambique parece ser exageradapor muitos observadores. Enquanto Maputo e a regio da capitalrelativamente prspera sofre de uma atividade criminalsubstancial (grande parte relacionada propriedade), ela tem sidopreservada dos nveis de crime normais em outras capitaisafricanas, incluindo a vizinha frica do Sul. As capitais dasprovncias e cidades secundrias, em contraste, so bem maispacficas, enquanto as reas rurais observam virtualmente nenhumcrime violento cometido com armas de fogo. Isso parece indicarque ou o nmero real de armas em circulao bem menor que oque se havia estimado previamente, ou que a maioria dessas armasque so retidas de forma ilegal aps a guerra civil eracontrabandeada pela fronteira nos anos 90 ou escondidas emlocais extremamente inacessveis. Isso confirmado por umaanlise de armas recuperadas durante nossa visita Moambiquepor TAE grande parte das armas operacionais (que eram as quepoderiam ser mais atraentes para os criminosos) foramrecuperadas de esconderijos em reas remotas, enquanto as armasentregues em menor quantidades em reas urbana e semi-urbanaseram frequentemente no-operacionais. At mesmo provnciascom altos nmeros de esconderijos da RENAMO relatados,como Sofala e Zambezia, mostraram ndices de criminalidadeextremamentoe baixos. Em contraste, relativamente poucosesconderijos poderiam existir perto de Maputo, embora a capitalmostre os mais altos incidentes de crimes relacionados a armas,indicando que as armas provavelmente vieram de outras partes.Alm disso, enquanto muitos observadores (Oosthuysen, 1996, p.47) preveram que os ex-combatentes cairiam no crime comomeio para sobreviver, a polcia confirmou que em 2003 a vastamaioria dos crimes foram cometidos por jovens entre 20 e 35anos sem qualquer relao, frequentemente vindos de reasurbanas (Ministrio do Interior, Maio 2003).

    Os problemas colocados pela proliferao de armas leves epequenas continuam a ser substanciais. Entretanto,

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    contrariamente ao que foi relatado em outros lugares, os autoresdesse relatrio acreditam que o tamanho e o impacto doproblema foi super-dimensionado no passado. Esconderijos dearmas continuam sendo achados no interior e colocam um riscoreal de acidente para quem os descobrem. Igualmente, armasindividuais mantidas da guerra poderiam ser uma fonte deacidentes e mais raramente poderiam terminar com gruposcriminosos. Dada a falta de acesso a muitos esconderijos e baixademanda o mercado negro, a recuperao de armas por gruposcriminosos atualmente faz pouco sentido econmico. Essesfatores providenciam um ambiente benigno para programas decoletas voluntrias, como o que operado pelo projeto TAE.

    No que se refere a controle de armas, o governo de Maputosupostamente seria bastante severo, mas suas possibilidades solimitadas no apenas pela falta de dinheiro, equipamento oufuncionrios qualificados, mas tambm por suas leis e instituiesserem menos adequadas. Foi desenvolvido o Plano de AoNacional para implementar o Programa de Ao da ONU sobreArmas Leves de 2001, mas precisa recursos para suaimplementao apropriada. Uma nova lei sobre armas de fogotambm est sendo desenhada para substituir a lei ultrapassada de1973 introduzida pela potncia colonizadora, Portugal. Essa leino inclui certos tipos de armas, nem impe penalidadesadequadas aos delinquentes (United Nations, 2002, p. 9).

    Metas e objetivos do projeto TAE

    Em termos gerais, parece bastante claro o que TAE faz e o queespera atingir. Entretanto, difcil debater esses assuntos deforma sistemtica e em detalhe pois TAE descreve suas metas,objetivos e atividades de forma diferente em vrios documentosdo projeto. Isso ocorre at mesmo com um mesmo documento,como o texto bsico de TAE, Informaes de Base, que atualizadode tempos em tempos, mas no traz uma data.6

    De acordo com esse texto, a meta principal de TAE a deestabelecer uma cultura de paz em uma pas devastado pelaguerra e desastres naturais (Transformao de Armas emEnxadas, 2000). Para isso, o projeto busca fortalecer ademocracia e a sociedade civil encorajando a populao aparticipar de forma ativa em atividades de manuteno da paz,promovendo reconciliao e facilitando a o incio de atividades

    6 O projeto tambm d vrias rendies de seu nome em Ingls, s

    vezes chamados de Ferramentas para o Projeto de Armas e emoutra instncia no projeto Transformando Armas em Enxadas.Ocasionalmente, a Cultura de Paz adicionada ao nome.

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    produtivas para a populao. O projeto tambm encoraja aintegrao sociais do grupo alvo, (Transformao de Armas emEnxadas, 2000) isto , ex-combatentes e outros de posse ilegal dearmas e explosivos.

    De acordo com o documento bsico do projeto TAE,Informaes de Base, os cinco principais componentes do projetoso:

    1. Coleta de Armas72. Troca de armas por ferramentas3. Destruio de armas4. Educao cvica dos beneficirios8 e de comunidades

    adjacentes5. Transformao das armas destrudas em peas de arte e

    apresentando-as ao pblico. (Transformao de Armas emEnxadas, 2000)

    O relatrio TAE publicado em 2001 adiciona dois outroscomponentes:6. Compartilhar a experincia TAE promovendo Paz e

    Reconciliao durante vrios eventos/atividades de Paz eReconciliao nacionais e internacional e

    7. Melhorar o projeto TAE por meio de uma constanteproposta de novas idias prticas (Transformao de Armasem Enxadas, 2001)

    O documento Informaes de Base do TAE continua distinguindoem maiores detalhes

    i) Objetivos Gerais

    ajudar a construir uma cultura de paz ajudar e manter uma transio pacfica em Moambique aps

    a guerra oferecer alternativas de modo de vida aos donos de armasii) Objetivos Especficos

    coletar e destruir todas as armas disponveis transformar armas em enxadas, isto , oferecer

    ferramentas teis para entregar armas

    7 Quando TAE fala sobre armas, frequentemente d sinais de que

    inclui munio e explosivos8 TAE usa esse termo para denotar que os receptores dos bens

    oferecidos em troca da artilharia

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    reduzir a violncia e educar a sociedade civil sobre osresultados disso

    transformar armas destruidas em esculturas e outras formasde arte. (Transformaao de Armas em Enxadas, 2000)

    Informaes de Base tambm especifica que grupos alvos doTAE so compostos por donos ilegais de armas, ex-combatentese todos os outros dispostos a compartilhar informaes sobreesconderijos existentes de armas ou armas de qualquer tipomantidas individualmente (Transformaao de Armas emEnxadas, 2000)

    E segue listando os resultados esperados e benefciospassados tangveis Reduzir o nmero de armas circulando no pas Diminuir acidentes devido aos esconderijos de armas Diminuir atos de criminalidade e violncia Re-integrar socialmente os membros dos grupos alvos

    envolvendo-os em atividades produtivas Melhor aceitao do princpio da cultura de paz entre a

    populao por meio de sua participao em atos dereconciliao.(Transformaao de Armas em Enxadas, 2000)

    Alm disso, o documento tambm descreve a ampla cobertura deimprensa que TAE goza, especialmente em Moambique, mastambm na imprensa estrangeira (Transformaao de Armas emEnxadas, 2000). O documento providencia exemplos do impactodas ferramentas e outros itens teis dados por TAE para pessoasdando informaes ou entregando artefatos.

    Uma mulher local foi capaz de iniciar seu negcio usando osincentivos recebidos em troca de armas (uma mquina decosturas). Ela agora busca formas para expandir seusnegcios.

    Uma jovem mulher cuja casa foi destruda pelas recentesenchentes foi capaz de comear um processo dereconstruo de seu lar com a ajuda de sacos de cimentotrocados com TAE.

    Um ex-soldado criana, capturado por uma das faces emluta durante a guerra civil em Moambique, recebeu vriosmateriais em troca de informaes que levaram descobertade dois esconderijos de armas enterrados por ele mesmoaps a guerra.

    Um joven estudante universitrio recebeu um dicionrioOxford English em troca de suas armas.

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    As vrias bicicletas que foram trocadas agora esto sendousadas para aliviar o stress de trazer diariamente s famliaselementos essenciais como gua, madeira para o fogo oulevando produtos para o mercado para a venda.(Transformaao de Armas em Enxadas, 2000)

    Um programa de educao cvica iniciado pela Ingrejaanglicana em Maputo tem tido sucesso em conseguir quealgumas crianas tragam suas armas de brinquedo para oescritrio do projeto TAE para a destruio, em troca deoutro brinquedo.

    Por meio da doao de um pequeno trator por uma parceirojapons, dois grupos de pessoas na regio de Manhia e deChibuto competiram pelo trator. O segundo grupo levantoucom sucesso 500 armas e, portanto, o trator foi dado a eles.(Transformao de Armas em Enxadas, 2000)

    Em relao criao de esculturas a partir de armas destrudas, odocumento relata

    A criao de centenas de trabalhos de arte a partir defragmentos de armas, pelo Ncleo de Arte Associao de artistasde Maputo, tem providenciado um smbolo para a paz: artistas,por exemplo, tem criado com as armas destrudas: motocicletas,vrios tipos de animais e pssaros, esttuas tradicionais africanas,um jazzista, um mesa e cadeira, etc (Transformao de Armas emEnxadas, 2000)

    Ns, agora, tentaremos providenciar nossa prpriainterpretao das metas do TAE. Fazendo isso de forma simplese clara, iremos estimar melhor o sucesso de TAE. Tentaremosevitar mal-interpretar as intenes do projeto.

    A impresso que obtivemos durante nossa visita em 2003, elendo os documentos escritos durante os sete anos do projeto, que na prtica, TAE quer remover o maior nmero possvel dearmas e munies da sociedade moambicana. Esse , de longe, omaior objetivo. Praticamente todas as demais atividades servempara apoiar essa funo principal. Em nossa avaliao,distribuindo produtos teis em troca de armas, o palco dascampanhas de educao civil, a produo e exibio de armas emarte e focalizando a ateno do projeto TAE em casa e noexterior servem, na prtica, para fortalecer a principal funo deTAE, mesmo se TAE sugere que so igualmente importantes.

    Mas alm da reduo de armas est uma meta maior. Tendocomo alvo a posse ilegal de armas e explosivos, TAE quercontribuir para a paz em Moambique. Esse o objetivo mximo.Como que a reduo das armas, na opinio de TAE, levar auma maior segurana e uma paz mais duradoura? Afinal decontas, removendo armas no produz automaticamente a paz.

  • Transformao de Armas em Enxadas

    23

    Em primeiro lugar, tornando mais difcil para ativistaspolticos e criminosos a obteno de armas e balas. Esse ser ocaso se as ferramentos da violncia so supridas em menoresquantidades ou se pessoas as escondem de forma mais cuidadosa.Em segundo lugar, demonstrando que tanto possvel comobenfico populao civil de se desfazer de armas e explosivosque possuem ilegalmente. Aqui, educao civil e o oferecimentode incentivos til. Em terceiro lugar, ampliando o movimentode remover armas ilegais da sociedade moambicana, tanto pormeio da expanso do projeto TAE e pela promoo esforos poroutros. Neste caso, a coleta de fundos e relaes pblicas soessenciais.

    Agora vamos ver o que TAE tem atingido e como suasrealizaes tem sido comparadas com suas metas e objetivos.

    Produo e Impacto

    Em seu relatrio para a Agncia Canadense para oDesenvolvimento Internacional (CIDA), TAE relaciona seusobjetivos produo, resultado e resultados de fato,(Transformao de Armas em Enxadas, 2001). Isso nos d umaestrutura til para nossa discusso.

    Coleta de Armas

    No que se refere coleta e destruio do maior nmero de armaspossvel em Moambique, TAE aponta s suas estatsticas decoleta. Os dados mais recentes disponveis (Outubro 1995 -Outubro 2003) indicam que TAE coletou 7.850 armas, 5.964peas de artilharia que no explodiram, como minas e granadas devrios tipos, 256.537 peas de munio e vrios outras peas deequipamento militar, somando um total de 270.351 itens queincluem desde balas armas (Transformao de Armas emEnxadas, 2003).

    Essa informao parece ser razoavelmente confivel, peloque podemos ver. Como um contraste, alguns dos textos ondeTAE traz os resultados de sua coleta de armas so confusos eenganosos. Em seu relatrio de seis meses para a CIDA, TAEargumenta que ultrapassou a marca de 200 mil peas dearmamentos coletadas em setembro de 2001. (Transformao deArmas em Enxadas, 2001), e em sua Informao de Base e em outrosdocumentos, TAE afirma que coletou acima de 221.000 peasdiferentes de armamento e acessrios (Transformao de Armasem Enxadas, 2000). Essas afirmaes soam como se TAE tivessecoletado mais de 221.000 armas, ao lugar de alguns milhares dearmas e mais de 200.000 balas e outras partes de equipamento

  • Transformao de Armas em Enxadas

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    militar. Infelizmente, essa confuso parece ser deliberada. Emoutra ocasio, TAE tem literalmente argumentado que coletou200.000 armas.

    Em abril de 2002, o coordenador nacional do TAE, AlbinoForquilha, disse uma agncia de notcias de Portugal que desdea criao do TAE, esse projeto do CCM resultou na coleo edestruio de cerca de 200.000 armas... Ele tambm nota que oCCM precisa de cerca de US$ 19 milhes para tornar vivel oprograma Transformao de Armas em Enxadas (TAE) para osprximos trs anos. O programa planeja coletar um total de100.00 mil armas por ano.(Agncia Lusa de Notcias, 10 de abrilde 2002)

    E alguns meses depois, Sr. Forquilha disse reporters sul-africanos que um rgo de coleta de armas estabelecido por umconselho tinha encontrado 260.000 mil armas desde 1995, que sodestrudas ou transformadas em objetos teis ou em arte. O rgono pde dar conta de todas as chamadas recebidas sobre armas,disse ele. "Com recursos financeiros, seremos capazes de coletarpelo menos 100.000 armas por ano. (South African PressAssociation, 2002).

    Claramente, TAE tem exagerado em vrias ocasies osresultados de sua coleta de armas usando palavras como armaspara uma ampla gama de itens militares, dos quais 90% so balas.Entretanto, a confuso no pra por ai. Em 2002, TAE relatou CIDA no resumo executivo de seu relatrio que seus resultadosincluiam mais de 68 mil armas coletadas, enquanto o texto emseu total e a estatstica da coleta em anexo mostraram os nmerosapontados anteriormente por ns. (Transformao de Armas emEnxadas, 2002) No temos idia como o relatrio chegou aodado de 68 mil armas mencionado no resumo executivo.

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  • Transformao de Armas em Enxadas

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    As tabelas e estatsticas de coleta de TAE paracem maisconsistentes e precisas que seus textos. Essas tabelas indicam que,desde 1995, TAE tem coletado cerca de mil armas por ano, almde considerveis quantidades de artilharia no explodida,munio e outros itens militares. No que se refere aodesarmamento da populao moambicana, essa safra bastantepequena. No vimos qualquer evidncia estatstica que d base aoargumento de TAE que a remoo de armas e munio temgerado uma queda no crimes relacionados armas ou acidentes. Aqualquer taxa, praticamente impossvel obter estatsticasconfiveis sobre esses assuntos em Moambique.

    As 7.850 armas coletadas por TAE desde 1995 so menos deaproximadamente 30.000 armas recuperadas e destrudas pelasnove Operaes Rachel que ocorreram mais uma mesmo duranteo mesmo perodo (seja estatsticas da Operao Rachel no anexo).

    Entretanto, Operao Rachel um projeto dos governos dafrica do Sul e de Moambique, enquanto TAE inteiramenteconduzido pela sociedade civil. Alm disso, algumas dessas armascoletadas por TAE esto includas nos dados para a OperaoRachel devido ao fato de que o programa do governo destroiarmas coletadas pelas igrejas. Considerando todos esseselementos, no poderia ser considerado uma realizao umprojeto de coleta de armas conduzido pela igreja por sete anos eque tenha coletado milhares de armas e grandes quantidades demunio e explosivos. O que marcante o fato de que fizeramisso com um apoio governamental bastante limitado.

    Como que a coleta e destruio de armas e explosivosrecuperados por TAE afetaram Moambique? No acreditamosque o programa tenha tornado mais difcil para ativistas polticos,criminosos ou quem quer que seja se armarem. Entretanto,demonstrou que possvel e talvez vantajoso para a populaoajudar TAE em se livrar de armamentos e explosivos ilegais. Sema Operao Rachel e TAE, no haveria ningum desafiando deforma sria a normalidade da disponibilidade ampla das armas nopas. Graas a esses dois programas, partes significativas dapopulao esto descobrindo que pode no ser uma boa idiamanter armamentos ilegais, e que existem muitos benefcios emdesistir de possuir essas armas.

    Essa mensagem , por suposto, reinforada e ampliada pelasatividades de educao cvica de TAE e seu sucesso em chegar mdia moambicana. nossa impresso que o programa de artede TAE no teve um grande impacto dentro do pas. O cenrioartstico de Maputo est muito distante da vida da maioria dosmoambicanos. Entretanto, o programa de arte tem sido de fatomuito importante para a relao pblica de TAE fora do pas eprovavelmente tornou muito mais fcil arrumar fundos para o

  • Transformao de Armas em Enxadas

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    programa. Portanto, o projeto de arte pode ter tido um impactoindireto bastante significativo nas atividades de TAE em vriaspartes do pas. Esse efeito pode estar sendo desgastado, agora quemuitos doadores potenciais sabem sobre a histria de transformararmas em arte e que os artistas mostram mais interesse emavanar em suas carreiras que na promoo do projeto TAE.

    Como veremos na seo sobre educao cvica, TAE estplanejando uma atividade sobre gnero. At agora, o projeto temmostrado pouca inclinao em considerar os vrios caminhos quehomens e mulheres experimentam a proliferao e a recuperaode armas. A forma pela qual o projeto premia influentes ex-combatentes pode no ser encorajadora para mulheres sofrendode insegurana e de violncia armada. De outro lado, poderamosimaginar que as mulheres tm, de uma forma geral, simpatia aosesforos de TAE em se livrar das armas na sociedade.Infelizmente, apenas podemos especular sobre essas importantesquestes.

    Abastecimentos de Ferramentos e Outras Iniciativas

    Nos seis anos entre o lanamento do programa em 1995 atsetembro de 2001, TAE distribuiu quase 7 mil quilogramas decommodities e cerca de 1,7 milho de Meticais (cerca de US $73em dinheiro. Os itens incluiram bicicletas, mquinas de costurar,folhas de zinco para a construo de telhados, ferramentasagrcolas, material de construo e uma ampla variedade de outrositens (Transformao de Armas em Enxadas, 2002).

    A troca de artilharia por bens produtivos tem sido o objetode muita avaliao no TAE. O projeto conduziu uma avaliaodas necessidades para selecionar os prmios mais apropriados,embora um dos voluntrios do CUSO previamente designado aoTAE acredite que agora precisem ser re-examinados (EntrevistaBrun, Maro 2003). O critrio usado para determinar o tamanhode um prmio que uma fonte deveria receber no claro, mas amaioria dos atuais e ex-funcionrios concordam que alguns dospontos mais importantes so:

    1) O volume de artilharia oferecida, que pode variar imensamente.2) A condio dessa artilharia, que os funcionrios argumentam

    ser normalmente muito boa.3) O tipo de artilharia oferecida. Itens perigosos ganhem mais

    pontos.

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    4) A caracterstica da fonte. De acordo com os funcionrios,receptors que merecem acabam ganhando mais.9

    5) Valores Sociais, isto , o provvel impacto do prmio.

    importante notar que o projeto TAE premia pessoas queprovidenciam informaes que levam recuperao de artilhariaou a entrega dessa artilharia. Eles so mencionados comofontes ou quando esto para receber prmios beneficirios. Essas fontes no so necessariamente as pessoasque de fato esto de posse da artilharia. A fonte pode levarfuncionrios do TAE s esconderijos de armas que pertecem aeles mesmo, a suas famlias, vizinhos, seus rivais, ou quem querque seja. Alm disso, podem ter obtido a artilharia por de outraspessoas por compras, permuta ou roubo. Finalmente, os itenspodem ser se sua prpria posse.

    Durantes nossa misso, falamos com um beneficirios emBoane, perto de Maputo, que pagou a amigos e conhecidos paradar armas e explosivos ao TAE em troca de mquinas de costura.Essas mquinas o permitiu expandir e modernizar sua alfaiatariano mercado central de Boane. Ele parece satisfeito com o acordoe pronto para continuar com ele. Nesse caso, foi o alfaiate, seustrabalhadores e famlia e as pessoas que supriram a artilharia quese beneficiaram da troca. Provavelmente, haviam benefciosindiretos para outras pessoas tambm. No detectamos nenhumefeitos adversos, mas quando viemos para discutir o mtodo deoperao do TAE, ns discutiremos o risco de efeitos noesperados.

    difcil avaliar o impacto de providenciar bicicletas,ferramentas e material de construo a pessoas que ajudaramTAE e recuperar armas ilegais. Definitivamente, os receptores sebeneficiaram. Quem so eles? De uma forma geral, no somulheres esperando comear seu negcio ou jovens e bravosestudantes, como o exemplo do Tae sugere. O perfil tpico pareceser o ex-combatente com cerca de 40 anos, que uma pessoacom influncia em sua comunidade e acostumado em fazernegcios.

    9 Entretanto, isso pode gerar um conflito com o desejo do projeto de

    coletar o mximo possvel. Em alguns casos, os funcionrios devemenfrentar a tentao de dar prmios generosos para um influentehomem comum na esperana de, no futuro, fazer negcios com eles.

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    Operao Rachel

    Operao Rachel comeou em 1995 e se tornou um exemplo deum programa de coleta e destruio de armas que buscoudiminuir o movimento de armas de fogo ilegais pelas fronteirasnacionais, em particular sobre as fronteiras de Moambique e dafrica do Sul.

    Tanto os governos democraticamente eleitos deMoambique e da frica do Sul vem passando por suastransies, esto enfrentando o aumento dos nveis de crimesviolentos exacerbados pela proliferao generalizada de armasleves. Em 1995, a frica do Sul e Moambique assinaram umacordo para combater o crime de forma conjunta. A meta daOperao Rachel o de destruir esconderijos de armas aindaenterrados em Moambique aps a guerra civil do pas e atransio para o regime democrtico e se refere ao desarmamento,controle de armas e preveno do crime.

    Seus objetivos so dois: Prevenir que armamentos desses esconderijos sem controle

    caiam nas mos de traficantes/contrabandistas que levariamos produtos ao mercado negro, principalmente o sul-africano, onde so usados para cometer crimes e atos deviolncia.

    Remover e destruir dispositivos e materiais explosivesinstveis desses esconderijos e, assim, prevenir danos a civisinocentes que vivem na vizinhana desses esconderijos.

    Da perspective do governo sul-africano, a coleta e destruio dearmas leves em Moambique no (apenas) um tema relacionadoaod desarmamento e controle de armas, mas uma questo depreveno do crimes. "A destruio dos esconderijos de armas emMoambique visto como uma extenso natural da luta contra ocrime nas cidades e vilas da frica do Sul". Como disse oComissrio Nacional do Servio de Polcia Sul-Africana, Sr J.S.Selebi, "a destruio desses esconderijos de armas emMoambique com a ajuda do Servio de Polcia Sul-Africana parte de nosso mandato em manter a lei e a ordem dentro (nossanfase) da frica do Sul ".

    Para Moambique, a Operao Rachel um meio importantepara desmilitarizar sua sociedade. Quando a Misso deManuteno da Paz da ONU em Moambique (UNOMOZ) foiretirada aos poucos de Moambique, logo se percebeu que haviauma crescente disponibilidade de armas de fogo que colocavamuma ameaa segurana, paz e estabilidade social. Depois deidentificar armas escondidas em esconderijos como uma fonte

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    importante dessas armas, e para reduzir o potencial de violncia, ogoverno de Moambique definiu como uma prioridade o local e adestruio final de todas essas armas.

    frica sul e Mozambique estiveram assim cientes danatureza "transfronteria" do crime e conseqentemente danecessidade combat-lo em um nvel nacional e regional. Comotal, a Operao Rachel impede que as armas causem umadestruio ainda maior na regio como um todo e, emparticular, que estejam sendo usadas em crimes violentos nafrica do Sul e em Moambique.

    Entre 1995 e 2002, oito operaes que consistiam emumas 19 misses foram empreendidas. No total, 611esconderijos de armas foram localizados e destrudos. Todas asoperaes foram realizadas em colaborao com membros doServio Policial Sul Africano (SAPS) que formaram equipescom os oficiais das polcias nomeadas pelo DepartamentoNacional de Operaes da polcia da Repblica deMoambique (PRM). Em um desenvolvimento original comrespeito assuntos de desarmamento, a Operao Rachelrecebeu o apoio tanto da comunidade internacional de doadorescomo do setor privado na frica do Sul.

    O sucesso da Operao Rachel ocorre graas, na parte, soperaes consistentemente bem planejadas e executadas assimcomo um grau elevado de cooperao entre os estados relevantes.A maioria das reas ou de provncias de Moambique foramcobertas por uma ou por mais de uma das vrias operaes,incluindo: Cabo Delgado; Gaza; Inhambane, Massingir, Maputo,Manica, Nampula, Niassa, Sofala, Ponto dOuro e Zambezia.

    Os tipos de armas e de peas e de acessrios de armascoletados e destrudos incluram: minas anti-personnel, minasanti-veculo, impulsionadores, canhes, minas/carregadores dedemolio, detonadores, granadas de rifle, granadas da mo,pistolas de mo, armas pesadas, iniciadores, fusveis, lanadores,armas leves, compartimentos, morteiros, projteis, rifles, motoresde foguete, foguetes, munio de armas leves e peas de armas.

    Os artigos geralmente encontrados incluem: Os rifles deassalto da srie AK47, metralhadoras Uzi, as pistolas Makarov,Browning e Tokarev, os foguetes PG-7 e os lanadores RPG-7,morteiros 82mm, munio do canho de 75mm e foguetes de122mm.

    Noel StottInstitute for Security Studies, Pretoria

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    Resultado de Coleta de Armas 1995 - 2003Tipos de Armas 1995 1996 1997 1998 1999Armas de mo 8 13 79 353 453Sub-metralhadoras 91 68 980 735 1874Rifles 981 355 4345 3183 8864MG Leves/Pesadas 47 52 279 467 845Morteiros 15 44 35 21 115Munio 23153 136639 3000000 155314 3315106Tipos de Armas 2000 2001 2002 2003 TotalArmas de mo 18 372 101 45 1442Sub-metralhadoras 126 467 346 235 4922Rifles 2205 2943 2072 1302 26250MG Leves/Pesadas 66 148 47 1 1952Morteiros 70 32 5 0 337Munio 83276 486000 2004018 2200000 11403506

    Portanto, a doao de incentivos raramente beneficia os membrosmais pobres e menos poderosos de uma comunidade local, comomulheres e crianas. Entretanto, os pobres podem se beneficiarindiretamente, como as mulheres trabalhando com as mquinasde costura na alfaiataria em Boane.

    TAE se refere aos beneficirios como fontes, e por umaboa razo. Essas pessoas davam informaes, nonecessariamente sobre armas e balas. TAE oferece recompensas apessoas que fornecem informaes que levem remoo dearmamento ilegal. As armas e balas podem estar com a prpriafonte, mas tambm comum para a fonte oferecer ao TAE armase explosivos que obteve de outros para que possam trocar. Nessecaso, ele dar ao verdadeiro fornecedor algo em troca peloarmamento. Em outros casos, a fonte no dar armas, mas levaros funcionrios do projeto ao local onde podem encontrar, porexemplo em um esconderijo.

    No est claro para ns como esse modo de operao afetaas comunidades locais. As impresses que tivemos em nossotrabalho de campo so fragmentadas em demasia e superficiaispara que sejam de algum valor. Suspeitamos que o fornecimentode benefcios s fontes faz com que as pessoas pensem que aodesistirem de armas e munio podem fazer um bom negcio.Esse provavelmente o motivo mais poderoso que o desejo dafonte em promover a paz e a segurana e, em nosso ponto devista, no h nada de errado com essa mensagem.

    Temos dvidas sobre os efeitos dos bens distribudos nagerao de renda entre os membros mais fracos das comunidadeslocais.

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    Educao Cvica

    Essa atividade foi lanada em 2000. At 2001, cerca de 500pessoas haviam participado no que o TAE desvrece comoeventos de educao cvica (Transformaao de Armas emEnxadas, 2001). Conclumos, a partir de relatrios e entrevistascom funcionrios, que esse trabalho consiste em encorajar apopulao a entregar as armas. nesse contexto que os perigosde se viver com armas e explosivos so descritos, assim como asvantagens de troc-las por bicicletas, mquinas de costura eoutros produtos similares. Portanto, educao cvica instrumental em fortalecer o sucesso do desarmamento (coleta,destruio e troca de artilharia).

    TAE encoraja pessoas a entregar artilharia, os d algo til emretorno e destri a artilharia, tornando algumas de suas partes emarte. O projeto tem mais sucesso que muitas outras campanhasem chamar a ateno pblica para essas atividades e essapublicidade serve para sublinhar a possibilidade e o desejo de selivrarem de armas e explosivos.

    Em outras palavras, o que TAE faz em educao cvica emgrande parte marketing. Um marketing com um sucessoimportante, em nossa opinio. O que o TAE no faz em escalasignificante se engajar em campanhas de conscientizao pblicacomo sua principal atividade. Os projetos sobre gnero queplaneja lanar podem ser o primeiro grande passo nesta direo.Entretanto, pode-se imaginar outros esforos de conscientizaopblica. Assumindo que apenas uma parte bastante pequena dapopulao estar preparada para trocar a artilharia por bicicletasou mquinas de costura, e portanto muitas armas e explosivosno sero recuperados, TAE poderia ter escolhido ensinarpessoas a minimizar os riscos de possuir e manipular armas eexplosivos para que acidentes e usos inapropriados sejamminimizados. Mas isso no tem sido feito. Obviamente, TAE nopode fazer tudo. Como seus recursos so limitados, sua escolhapode ter sido sbia. O que no sbio a forma perigosa einsegura que TAE trata ela mesma suas armas e explosivos.

    Armas em Arte

    TAE no esperava transformar armas feitas de metal emesculturas para que fosse uma iniciativa comercial, nem suamotivao principal tenha sido o desejo pela inovao artstica.Aqui, mais uma vez, o motivo foi publicidade e marketing e, nestesentido, o projeto de arte tem tido sucesso dentro deMoambique e, talvez, at mais no exterior (veja box sobre Artesno Fogo Cruzado). Em meio a muita cobertura da imprensainternacional, as esculturas foram levadas em um tour nos

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    Estados Unidos, Gr-Bretanha, Itlia e Frana. Outros showsdevem ser ocorrer no futuro (Transformao de Armas emEnxadas, 2001).

    Artes no Fogo Cruzado

    Durante os quatro anos que estive no projeto TAE (Transformaode Armas em Enxadas ou Tools for Arms em ingls) trabalhandocomo um conselheiro para o desenvolvimento, dificilmente umasemana se passava sem estar algumas horas no Ncleo de Arte, oateli onde armas eram transformadas em obras de arte. Eutambm permanec ocasionalmente nos sbados provando umacerveja e trocando idias com os artistas que logo se tornaramamigos. Para dizer o mnimo, o ambiente era relaxante econvidativo. Apenas para dar o tom, o Ncleo consiste de uma parde mesas de pic-nic, algumas cadeiras de balance (por sinal,algumas feitas de armas cortadas), um pequeno bar, um ateli euma sala de exibies. Mas isso no era verdadeiramenteimportante.

    O que importante que cada olhos estrangeiros ou locaisque visitavam o ateli do Ncleo pela primeira vez, sem qualquerexcesso devo dizer, era imediatamente cativado por essasestranhas, talvez medonhas mas acima de tudo lindas peas dearmas transformadas pela criatividade artstica, e ainda mais, porseus criadores. A curiosidade era o resultado de olhar a essasformas estranhas.

    Se no fosse durante as discusses individuais com os artistas,era providenciando tradues para a imprensa internacional queeu fui capaz de entender a profundidade e pensamentos por trasdos metais transformados em uma cadeira, o canho de umabazuca em um saxofone, a extremidade de um AK-47 em umcorpo de uma mulher, cpsulas de balas para as costas de umcrocodilo ou um mecanismo G3 em uma rosa. Eufrequentemente ria das entrevistas os artistas continuamente mesurpreendiam todos compartilhando dos mesmo princpios,mas cada qual tendo criado de forma separada sua prpriametodologia e filosofia artstica para a criao. Pensando sobre opassado, minha memria tropeando como sempre, mas euclaramente lembro-me de Humberto, um companheiro enormecom olhos salientes de Savimbi, dizendo-me como suas criaesso fundamentalmente baseadas no desabrochar pacfico de idiase como a primeira obra de arte de Gonalo, O Viajante, foiconstruda com partes separadas cada qual representando a almadaqueles que foram mortos nos anos da guerra. Aquelescomentrios agarraram minha ateno e, a partir de ento,descobri as mentes no apenas de um grupo de artistas colocados

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    juntos e trabalhando com materiais similares, mas com ummovimento artstico distinto colocando desafios entre eles e queaprendiam juntos em um ambiente bastante isolado.

    Mas alm da arte, o que essas peas de metal realmentesignificam e o que verdadeiramente simbolizam? Eu no estavaciente de seu extraordinrio poder at que me juntei a uma equipede filmagem e Gonalo em uma viagem Marracuene, umapequena cidade a 40 quilmetros de Maputo. Naquele tempo,toda a vizinhana estava celebrando o feriado nacional ligado longa guerra que ocorreu em Moambique. Foi quando Gonalotirou seu saxofone do carro que um homem de idade apontou a elee murmurou algumas palavras na lngua local. Ele olhou para mime disse, Ele v sangue e cobras (mambas). Eu v um saxofone.Como um voluntrio no programa de destruio de armas, vtambm um AK-47 recortado em peas e um canho de um lanabazuca. Aquele homem viu sangue e cobras (mambas). Quantomais eu viajava e conhecia pessoas na presence das obras de arte,mais me surpreendiasm as reaes. Seguindo as explicaes deGonalo da transformao das armas em arte, uma mulher danoupor alguns instantes e caiu em seus joelhos, uma dana alegre, egritou em harmonia com outros que se juntaram a um aparentecaptulo fechado e difcil.

    Essas reaes poderosas no foram observadas somente emMoambique, mas tambm em meu prprio pas, no Canad. Aartista previamente mencionado, Gonalo e eu fomos a um tour asete cidades do Canad com as obras de arte do TAE. Muitoscomentrios remarcveis apareceram enquanto visitvamos as 22escolas e mais de 2 mil alunos de todas as idades. Uma garota dedez anos de idade me perguntou em Winnipeg por que que aspessoas se importariam em comear uma guerra e usassem armasse ningum gostavam delas. Tentei, mas no consegui responder.Lembro-me do adolescente em Saskatoon que nos fez lembrar atodos, um grupo de cem estudante e eu, do fato de que as armasdevem ser de fcil acesso no Canad se um adolescente em umacidade prxima foi capaz de usar uma semanas antes para tirar suaprpria vida. Como Gonalo disse, eu aprendi muito sobre meuprprio pas durante a viagem.

    As anedotas referentes ao meu trabalho no TAE, tantopositivas como negativas, so abundantes. Mas anedotas emdemais mancham a mensagem que deve ser submetida. E essamensagem bastante simples: o que mais bonito e realsimbolicamente que transformer uma mquina que mata em uminstrumento de linguagem e criatividade.

    Em uma referncia pessoal, digo com uma relativa certezaque meu trabalho no TAE foi tambm o mais satisfatrio que eujamais poderei experimentar e o mais frustrante que eu jamais

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    resistirei. por isso que eu o amei. A melhor parte dessetrabalho, e isso foi o que me fez querer mais, o fato de que eupoderia a qualquer dia, observar um jovem amigo moambicanopegar uma parte de um PPX e v-lo transformar lentamente emuma perna ou um rosto. Essa transformao simblica decontrastes e extremos faz com que tudo valesse e que fosseadequado. Foi minha prpria concluso que uma mudana deatitude pode determinar um caminho poderoso. Foi minhaprpria concluso que a arte usa de fato um coleta prova debalas.

    Christian Brun

    TAE diz que isso pode levar venda de algumas peas de artepara apoiar as atividades do projeto (Transformao de Armasem Enxadas, 2001) e, de fato, isso tem ocorrido. A realidade que o sucesso comercial tem sido a fraqueza do projeto de arte doTAE, com muitos artistas deixando o projeto para sebeneficiarem do potencial de fazer dinheiro com seu trabalho. Ocentro de arte de Maputo Ncleo Darte que costumava trabalharcom TAE agora apresenta seu armas para arte no stio deInternet (www.africaserver.nl/nucleo) e onde apenas menciosa oTAE. Atualmente, TAE planeja interromper a distribuio depeas de armas aos artistas e espera empregar outros paraproduzir arte a partir de armas para o benefcio do projeto, comodeveria ter sido desde o incio. (Entrevista com funcionrios e ex-funcionrios).

    Ns j destacamos que, em nossa opinio, o projeto de artetem sido muito importante para as relaes pblicasinternacionais e para arrecadar fundos para o projeto TAE, masno to importante dentro do pas. De fato, as peas de arteproduzidas pelo Ncleo artstico so raramente, se que jamais,usadas durante campanhas de educao cvica no interior do pas.Durante uma visita cidade de Mopeia (provncia de Zambezia)os autores desse relatrio foram capazes de testemunhar adestruio de armas que haviam sido coletadas por uma equipe doTAE. Isso foi feito em uma breve cerimnia, incluindo discursospelos dignatrios locais na presena da populao. Apesar de aequipe TAE ter algumas peas de artes com eles, elas no forammostradas nem qualquer referncia foi feita idia de transform-las em arte. Quando perguntados, os membros da equipeexplicaram que as pessoas no entenderiam as idias dos artistas eque mostrar as peas poderia ter at mesmo um impacto negativo,j que a populao supersticiosa do vilarejo poderia confundi-lascom magia (Entrevistas com membros da equipe, Maio 2003).

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    Recursos disponveis ao Projeto

    O escritrio de projetos do TAE est localizado em um dosbairros mais violentos de Maputo, atingido por um alto nvel decrimes violentos. Aqui o plano construir um depsito para acoleta de artilharia e um estdio para artistas contratados quetransformariam armas em objetos de arte. Atualmente, seu espaode depsito consiste em uma caminho IFA que foi doado aoTAE por uma entidade de caridade alem Arche Nova h trsanos como uma plataforma mvel de coleta e destruio, mas quequebrou em janeiro de 2000, logo aps sua chegada emMoambique e ainda no foi arrumada10. Esse veculo estestacionado de baixo de uma rvore em um recinto do ConselhoCristo de Moambique (CCM) no centro da cidade.A equipe do projeto consiste de um Coordenador Nacional (Sr.Albino Forquilha) que tambm o coordenador para a parte suldo pas, onde a capital Maputo est localizada. Existem tambm

    Um funcionrio de educao cvica Um funcionrio operacional Um assistente de operaes Um funcionrio de informao e preparao Um funcionrio administrativo e financeiro Um assistente administrativo Um inspetor de segurana Um motorista Pelo menos um guarda costa e Um consultor (anteriormente eram dois) da organizao

    voluntria canadense CUSOO escritrio do projeto em Maputo responsvel pelodesenvolvimento de estatgias nacionais, a manuteno decontatos internacionais, o treinamento de funcionrios do TAE etambm pela coleta de armas em provncias de Maputo e Sofala.At junho de 2003, equipes satlites exsitiam nas prinvcias deGaza, Zambezia, Inhambane e Niassa, normalmente formadas deum representante oficial do TAE trabalhando a partir doescritrio provincial do CCM11. Em Sofala, Cabo Delgado,

    10 Durante nossa visita mais recente ao projeto em junho de 2003, o

    projeto afirmou que as peas de substituio para o caminho haviafinalmente chegado e que o veculo estaria logo em operao.

    11 A exceo o representante do TAE em Inhambane, que trabalhafor a do escritrio do TAE em Maputo e que, de fato, preenche opapel de um Segundo coletor de armas.

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    Manica, Tete e Nampula o projeto no mantm funcionriospermanentes, mas usa os funcionrios do CCM como seusrepresentantes informais (Entrevista com Kayo Takenoshita,maio 2003).

    Apesar de nossos melhores esforos, no fomos capazes deentender completamento a relao entre a sede do TAE emMaputo e seus satlites nas provncias. Armas coletadas nasprovncias esto includas na coleo de estatsticas publicadas porTAE em colunas separadas e, na maioria dos casos, o escritrioprincipal est fornecendo fundos para salrios e para a compra deincentivos, assim como para especialistas em coleta e destruio.Enquanto isso, a equipe do TAE na provncias de Zambeziavisitada por um dos autores em maio de 2003 afirmava que erafinanciada de forma independente e administrada pelo escritriolocal do CCM, o que supostamente tambm o caso para asoperaes (muito menores) do TAE na provncia de Niassa.

    Com exceo dos voluntaries do CUSO12, todos osfuncionrios atuais so homens.

    Dois dos funcionrios operacionais, um tenente treinadopara ser engenheiro militar e um privado, esto transferidostemporariamento do exrcito moambicano e um est transferidoda polcia. Alm de seus salrios do governo, eles recebem umsalrio do TAE. Um terceiro funcionrio constumava trabalharem contra-inteligncia e foi um soldado por muitos anos antesdisso. Ele foi treinado pela operao sul-africana moambicanaRachel e fornecido ao TAE em 1998 pelo Ministrio do Interior(Entrevista Guerra, maro 2003). Ainda outro trabalhou para aagncia SINASP de segurana poltica do governo durante osltimos anos da guerra civil e foi para o TAE em 2000.Entretanto, TAE est com dificuldades para conciliar esseenvolvimento em servir para um ex-servio de segurana oficial jque acredita, e provavelmente tem razo, de que grande parte dapopulao no confia no governo e estar relutante em entregarartilharia ilegal se eles suspeitarem de que funcionrios dogoverno esto envolvidos. Isso ocorre em particular nas ras ondeexiste um forte apoio RENAMO. Quando falamos com osfuncionrios transferidos, tivemos a impresso que seu contatocom seus comandantes consistia basicamente em envi-losrelatrios curtos com estatsticas de artilharia coletada e destruda.Eles parecem se considerar como funcionrios do TAE e nocomo soldados ou policiais.

    Outras formas de apoio do governo incluem dar a aprovaooficial ao projeto, permitir que manipule artilharia ilegal sem orisco de ser processado, e por vezes providenciando explosivos 12 Entretanto, Kayo Takenoshita deixou o projeto em junho de 2003.

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    para a destruio de artilharia coletada. No geral, o governo noest profundamente ou intimamento envolvido no trabalho doTAE e em sua organizao.

    TAE atualmente possui dois veculos em Maputo, um dosquais usado pelo coordenador nacional e o caminho IFAquebrado. Alm disso, dois Land Rovers esto a caminho doReino Unido.

    As organizaes moambicanas que apoiam TAE so oCCM, presidida pelo bispo Dinis Sengulane e pela Fundao parao Desenvolvimento Comunitrio da Sra. Graa Machel. Ambosesto envolvidos em administrar o projeto. O bispo Sengulane e asra. Machel so patronos do TAE. Suas organizaesprovidenciam funcionrios assim como materiais e dinheiro, almde ajudar a arrecadar fundos no exterior. TAE tambm recebeajuda da Associao de Soldados Desmobilizados (AMODEG) edo grupo de paz PROPAZ, que tem providenciado funcionrios eespecialistas em segurana de armamento. Lderes tanto dopartido governamental FRELIMO como do partido de oposioRENAMO tm endossado e recomendado o trabalho do TAE,dando apoio poltico. Os ministrios governamentais de AssuntosDomsticos e Defesa Nacional providencial apoio prtico,enquanto o ministrio de Finanas e Planejamento tem retiradoos impostos de importao para materiais destinados ao TAE.Finalmente, Tae recebe assitncia do projeto moambicano-sul-africano de recuperao e destruio de armas chamado OperaoRachel (Transformao de Armas em Enxadas, 2000).

    Doadores estrangeiros foram Press Alternative e o ComitJapo da Corporao de Desenvolvimento de Moambique,ambos do Japo, Arche Nova da Alemanha, CUSO e a Agnciade Desenvolvimento Internacional Canadense (CIDA), e aindaoutras organizaes da Holanda, frica do Sul, Sucie e EstadosUnidos (Transformao de Armas em Enxadas, 2000).

    TAE tem tido sucesso em atrair um nvel significante derecursos e apoio, tanto localmente como no exterior. Nessesesforos, o projeto de arte tem sido muito importante, comovimos. TAE tem se beneficiado especialmente do apoiocanadense nos ltimos anos. Entretanto, tem sofrido e continua asofrer de falta de recursos que limita sua habilidade em conduzirseus planos atuais, sem falar no lanamento da expansoambiciosa prevista do Plano de Ao Nacional (Transformao deArmas em Enxadas, 2001a).

    De acordo com dados de 2001, o mais recente disponvel, ooramento de operao do Tae is de cerca de US$ 304.000(Transformao de Armas em Enxadas, 2001). Desse total, cercade 10% gasto em implementao, 26% em administrao, 10%com os consultores do CUSO, 5% com as taxas de administrao

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    do CCM e o resto em monitoramento, avaliao, equipamento eitens no previstos (Transformando Armas em Enxadas, 2001).Esse oramento no inclui doaes feitas por outras organizaesem dinheiro ou em espcie.

    Modo de Operao

    Durante a grande parte de sua histria, as atividade do TAEforam centralizadas em Maputo e foram focalizadas nas partes sule central de Moambique, mesmo que atividade em outras partesdo pas estejam crescendo. O coordenador nacional aprovapessoalmente todas as decises envolvendo polticas, relaespblicas e gastos, at mesmo o pagamento de per diem (dirias)para cada funcionrio operacional embarcando em qualquerviagem fora de sua base. Observamos, em vrias ocasies, aparalisia que ocorre quando uma deciso precisa ser tomada e querequer a aprovao do coordenador nacional quando ele nopode ser contatado. Esse problema se tornar muito mais srioquando o projeto se ampliar para outras partes do pas13.

    Vamos olhar como as atividades relacionadas s armas noTAE so organizadas.

    Recuperao de Informao

    O primeiro estgio a recuperao de informao. Osfuncionrios de operao do TAE tm uma extensa rede deamigos, ex-colegas, informantes, beneficirios que estointeressados em novas trocas e outros potencialmente capazes deprovidenciar informaes que levem coleta e misses de trocas.Entretanto, o chefe de informaes nos disse que todos seuscontatos foram feitos por meio de soldados desmobilizados ouque ainda esto em servio, seja nas foras do governo seja naREANMO, especialmente oficiais de alto posto que sochamados de generais (Entrevista Guerra, maro 2003). Isso foiconfirmado por um segundo funcionrio de operaes emMaputo (Entrevista Lus, maro 2003). Considerando que naabrodagem do TAE a fonte que recompensada, parece queoficiais senior em servio ou desmobilizados so os principaisbeneficirios de bicicletas, mquinas de costura e outrasrecompensas distribudas pelo TAE. Fora de Maputo, assatlites do TAE assumem um papel similar em reunirinformaes, que combinam com o papel de servir como ponto 13 Parece que o problema menor com a operao TAE na provincial

    de Zambezia, que financiada em grande parte de forma autnomae independente, mas certamente o caso com outras operaessatlites pelo pas que operam sem um oramento prprio.

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    de contato para beneficirios potenciais com dedicao prativaem reas onde h suspeitas de posses de armas. Fora da regio dacapital, os escritrios locais do CCM normalmente servem comoum ponto de contato para pessoas interessadas em trocas armas(ou informaes que levam s armas) por bens. Quandoquestionados sobre como beneficirios potenciais sabem sobreo TAE, funcionrios do CCM apontam a cobertura da mdia e adisseminao de informao poe meio das estruturas do CCM,que nas reas de seca frequentemente se extendem ao nvel dasvilas. (Entrevistas com funcionrios do CCM em Beira eQuelimane, maio 2003).

    Durante a visita provincial de Sofala em maio de 2003, umdos autores desse relatrio foi capaz de observar o modusoperandi do TAE fora da rea da capital e falar com doisbeneficirios. A provncia de Sofala no centro de Moambiquepresenciou uma forte luta durante a guerra civil e continua a seruma fortaleza da RENAMO. Todas as pessoas entrevistadas paraeste estudo concordaram que esconderijos substanciais, a maioriaescondid