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Texto e figuras : BEAR, M.F., CONNORS, B.W. & PARADISO, M.A. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. Porto Alegre 2ª ed, Artmed Editora, 2002. TRANSDUÇÃO SENSORIAL Receptores sensoriais gustativos Alguns sistemas sensoriais possuem um único tipo de receptor celular que utiliza um mecanismo de transdução (ex. sistema auditivo). Entretanto, a transdução gustativa envolve muitos processos e cada sabor básico pode usar um ou mais desses mecanismos. Estímulos gustativos podem (1) passar diretamente através de canais iônicos (estímulos salgado e azedo), (2) ligar e bloquear canais iônicos (estímulos azedo ou amargo), (3) ligar e abrir canais iônicos (alguns aminoácidos), ou (4) ligar-se a receptores de membranas que ativam sistemas de segundos mensageiros que, por sua vez, abrem ou fecham canais iônicos (estímulos doce, amargo e umami). Estes são processos familiares, peças funcionais básicas da sinalização em todos os neurônios e sinapses. O sabor salgado O protótipo da substância química salgada é o sal - NaCI, o qual, sem contar a água, é o principal componente dos oceanos e também do nosso sangue. O sabor de sal é principalmente o gosto do cátion Na + . Células gustativas sensíveis para salgado possuem um canal seletivo ao Na + , que é encontrado em outras células epiteliais e que é bloqueável pelo fármaco amilorida (Figura 1). Os canais de sódio sensíveis à amilorida são bastante diferentes dos canais de sódio que geram potenciais de ação; o canal gustativo é insensível à voltagem e permanece aberto o tempo todo. Quando se sorve uma colher de sopa de caldo de galinha, a concentração de Na + aumenta no lado de fora do receptor e o gradiente de Na + através da membrana fica maior. O Na + então, difunde-se a favor do gradiente, quer dizer, para dentro da célula, e a corrente de entrada leva a membrana a despolarizar-se. Este processo é similar à fase de ascensão do potencial de ação, exceto que, naquele caso, o gradiente de concentração do Na+ permanece constante, enquanto que a condutância para o Na + (o número de canais de sódio abertos) aumenta temporariamente. Os ânions dos sais afetam o sabor dos cátions. Por exemplo, o NaCI tem um sabor mais salgado que o acetato de sódio, aparentemente porque quanto maior for um ânion, mais ele inibirá o sabor salgado do cátion. O mecanismo de inibição dos ânions é pouco compreendido. Uma outra complicação é que estes ânions, quando se tomam maiores , tendem a impor seu próprio sabor. A sacarina sódica tem um sabor doce porque a concentração de sódio é muito baixa para provocar um estímulo salgado e a sacarina ativa, com mais potência, os receptores para o sabor doce. Figura 1: Os estímulos podem interagir diretamente com os canais iônicos, passando através deles. Assim, os potenciais de membrana influenciam os canais de Ca 2+ na membrana basal, os quais, por sua vez, influenciam o cálcio intracelular e a liberação de neurotransmissores.

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Texto e figuras: BEAR, M.F., CONNORS, B.W. & PARADISO, M.A. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso.Porto Alegre 2ª ed, Artmed Editora, 2002.

TRANSDUÇÃO SENSORIAL

Receptores sensoriais gustativos

Alguns sistemas sensoriais possuem um único tipo de receptor celular queutiliza um mecanismo de transdução (ex. sistema auditivo). Entretanto, atransdução gustativa envolve muitos processos e cada sabor básico pode usarum ou mais desses mecanismos. Estímulos gustativos podem (1) passardiretamente através de canais iônicos (estímulos salgado e azedo), (2) ligar ebloquear canais iônicos (estímulos azedo ou amargo), (3) ligar e abrir canaisiônicos (alguns aminoácidos), ou (4) ligar-se a receptores de membranas queativam sistemas de segundos mensageiros que, por sua vez, abrem ou fechamcanais iônicos (estímulos doce, amargo e umami). Estes são processosfamiliares, peças funcionais básicas da sinalização em todos os neurônios esinapses.

O sabor salgado

O protótipo da substância química salgada é o sal - NaCI, o qual, semcontar a água, é o principal componente dos oceanos e também do nossosangue. O sabor de sal é principalmente o gosto do cátion Na+. Célulasgustativas sensíveis para salgado possuem um canal seletivo ao Na+, que éencontrado em outras células epiteliais e que é bloqueável pelo fármacoamilorida (Figura 1).

Os canais de sódio sensíveis à amilorida são bastante diferentes doscanais de sódio que geram potenciais de ação; o canal gustativo é insensível àvoltagem e permanece aberto o tempo todo. Quando se sorve uma colher desopa de caldo de galinha, a concentração de Na+ aumenta no lado de fora doreceptor e o gradiente de Na+ através da membrana fica maior. O Na+ então,difunde-se a favor do gradiente, quer dizer, para dentro da célula, e a correntede entrada leva a membrana a despolarizar-se. Este processo é similar à fasede ascensão do potencial de ação, exceto que, naquele caso, o gradiente deconcentração do Na+ permanece constante, enquanto que a condutância para oNa+ (o número de canais de sódio abertos) aumenta temporariamente.

Os ânions dos sais afetam o sabor dos cátions. Por exemplo, o NaCItem um sabor mais salgado que o acetato de sódio, aparentemente porquequanto maior for um ânion, mais ele inibirá o sabor salgado do cátion. Omecanismo de inibição dos ânions é pouco compreendido. Uma outracomplicação é que estes ânions, quando se tomam maiores , tendem a imporseu próprio sabor. A sacarina sódica tem um sabor doce porque a concentraçãode sódio é muito baixa para provocar um estímulo salgado e a sacarina ativa,com mais potência, os receptores para o sabor doce.

Figura 1: Os estímulos podeminteragir diretamente com os canaisiônicos, passando através deles.Assim, os potenciais de membranainfluenciam os canais de Ca2+ namembrana basal, os quais, por suavez, influenciam o cálcio intracelular ea liberação de neurotransmissores.

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O Sabor Azedo (Ácido)

Um alimento tem sabor azedo devido à sua alta acidez (ex. baixo pH). Ácidos,tais como HCl, dissolvem-se em água e liberam prótons (H+). Portanto os prótons sãoos agentes causadores da sensação de acidez e azedume sabe-se que afetam seusreceptores gustativos de duas maneiras (Figura 2). Primeiro, H+ pode entrar peloscanais de sódio sensíveis à amilorida, aquele mesmo canal que medeia o saborsalgado. Isto causa uma entrada de corrente de H+ que despolarizaria a célula. (Acélula não seria capaz de distinguir o Na+ do H+ se este fosse o único mecanismo detransdução disponível.) Segundo, o H+ pode se ligar e bloquear canais seletivos paraK+. Quando a permeabilidade de membrana ao K+ decresce, a célula despolariza.Estes podem não ser os únicos mecanismos para transdução do sabor azedo, já quemudanças no pH podem afetar virtualmente todos os processos celulares.

Figura 2: Os estímulos podem interagirdiretamente com os canais iônicos, tantopassando através deles (H+) oubloqueando-os (bloqueio do canal depotássio por H+). Assim, os potenciais demembrana influenciam os canais deCa2+ na membrana basal, os quais, porsua vez, influenciam o cálcio intracelulare a liberação de neurotransmissores.

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O Sabor Doce

Há muitos estímulos doces e vários mecanismos são sensíveis aeles. Algumas moléculas são doces porque se ligam a receptoresespecíficos e ativam uma cascata de segundos mensageiros emdeterminadas células gustativas (Figura 3). Em um caso, a cascata ésimilar à causada pela ativação dos receptores de noradrenalina emdeterminados neurônios. Ela envolve um receptor acoplado à proteína Gdesencadeando a formação de AMPc no citoplasma, o qual ativa aproteína quinase A (PKA), que fosforila um canal de potássio -aparentemente diferente daquele envolvido na transdução do saborazedo -, causando um bloqueio. Uma vez mais, o bloqueio dos canais depotássio causa a despolarização dos receptores gustativos.

Alguns estímulos doces podem ativar uma via de segundosmensageiros envolvendo o IP3, similar ao mecanismo de transduçãopara o sabor amargo (descrito a seguir). Finalmente, também há umoutro mecanismo de transdução para o estímulo doce sem envolversegundos mensageiros. Neste caso, um conjunto de canais de cátionspodem ser regulados diretamente pelos açúcares.

Figura 3: Mecanismos de transdução paraestímulos doces. Os estímulos doces ligam-se a receptores acoplados a proteínas G edesencadeiam a síntese de AMPc, quepromove o bloqueio de um canal depotássio, com as consequentesdespolarização, entrada de Ca2+ e liberaçãode neurotransmissor.

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O Sabor Amargo

Receptores para o sabor amargo sãodetectores de venenos. Talvez porque venenossão quimicamente diversos, há váriosmecanismos para transdução do gosto amargo(Figura 4). Alguns compostos amargos, taiscomo cálcio e quinino (substâncias amargas dotipo l, como exemplificados na Figura 4), podemse ligar diretamente aos canais de potássio,bloqueado-os (de maneira similar aomecanismo para o estímulo azedo/ácido).

Há também receptores específicos parasubstâncias amargas do tipo 2, os quais ativamcascatas de segundos mensageiros acopladosa proteínas G, que são diferentes daqueles domecanismo para transdução do sabor doce. Umtipo de receptor para substâncias amargasdesencadeia um aumento intracelular deinositol trifosfato (IP3). As vias envolvendo aformação de IP3, são sistemas de sinalizaçãocelular presentes por todo o corpo. Um aspectoincomum do sistema envolvendo IP, é que elemodula a liberação de transmissor sem mudaro potencial de membrana do receptor, poisdesencadeia diretamente a liberação de Ca2+ apartir de estoques intracelulares. Há, ainda, umoutro sistema para transdução do sinal amargoque parece operar reduzindo os níveis de AMPcmediante o estímulo da enzima que o hidrolisa.

Figura 4: Mecanismos de transdução para estímulos amargos. Estímulosamargos tanto podem bloquear um canal de potássio (substância amarga1) ou podem ligar-se diretamente a um receptor acoplado a proteínas G(substância amarga 2) que desencadeie a síntese de IP3 e a liberação deCa2+ de estoques intracelulares. PIP2 é o fosfolipídio de membranafosfatidil-inositol-4,5-bisfosfato.

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Aminoácidos

Aminoácidos podem não ser a resposta que você terá na ponta dalíngua quando lhe perguntarem qual a sua lista de sabores favoritos, maslembre-se de que proteínas são feitas de aminoácidos, e estes sãoexcelentes fontes de energia. Muitos aminoácidos também têm gosto bom,embora alguns sejam amargos. Não surpreende que hajam numerososmecanismos de transduçã para o sabor dos aminoácidos. Os maisestudados são aqueles mecanismos para o sabor umami, que provém doglutamato ou do aspartato. Parecem ser, pelo menos, dois mecanismos. Oglutamato pode ativar diretamente um canal iônico que é permeável aoscátions de Na+ e Ca2+ (Figura 5). A corrente de entrada resultante causa adespolarização, a qual abre canais de Ca2+ dependentes de voltagem edesencadeia a liberação de transmissores; o Ca2+ que flui diretamente pormeio dos canais de glutamato também pode contribuir para a liberação detransmissores. Este é outro processo bem conhecido, pois os canaisregulados por glutamato são predominantes nos sistemas deneurotransmissão excitatórios no SNC.

No segundo caminho para o sabor umami, o glutamato liga-se a umreceptor acoplado a uma proteína G (um subtipo particular do receptorglutamatérgico metabotrópico). Este receptor provavelmente causa odecréscimo nos níveis de AMPc, o qual, por sua vez, modifica um canal queainda desconhecemos. Há aminoácidos que possuem ainda outrosmecanismos de transdução. Por exemplo, arginina e prolina podem abrirseus próprios canais. Aminoácidos que têm gosto amargo (por exemplo, aleucina) podem desencadear outros sistemas mediados por segundosmensageiros.

Figura 5: Mecanismos de transduçãopara o sabor umami do glutamato.Alguns aminoácidos ligam-se a canaispermeáveis a cátions, levando a umamudança nas correntes e no potencialde membrana e, portanto, na entradade Ca2+.

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Transdução olfativa

Embora receptores gustativos usem muitos sistemas moleculares de transdução, os receptores olfativosempregam apenas um (Figura 6). Todas as moléculas de transdução estão nos cílios. O caminho olfativo pode sersumarizado assim: Substâncias odoríferas Ligação aos receptores odoríferos Estimulação de uma proteína G (Golf) Ativação da adenilato ciclase Formação do AMPc Ligação do AMPc aos canais catiônicos específicos Abertura dos canais catiônicos e influxo de Na+ e Ca2+

Abertura de canais de cloreto regulados por Ca2+

Despolarização de membrana (potencial do receptor)

Figura 6: Mecanismo de transdução emreceptores olfativos de vertebrados. Esteesquema mostra um único cílio de umreceptor olfativo e as moléculas sinalizadorasda transdução olfativa nele contidas. Golf éuma forma de proteína G encontrada apenasnas células olfativas.

Uma vez que os canais catiônicos regulados por AMPc estejam abertos a corrente flui para dentro e amembrana do neurônio olfativo despolariza (Figura 7). Além do Na+, o canal iônico regulado por AMPc permite que oCa2+ entre no cílio. Por sua vez, o Ca2+ ativa canais de cloreto que podem amplificar o potencial do receptor olfativo.(Isto é diferente do efeito usual das correntes de Cl que inibem neurônios; em células olfativas, a concentraçãointerna de Cl deve ser tão anormalmente alta que a corrente de Cl tende a despolarizar em vez de hiperpolarizar amembrana.) Se o potencial resultante do receptor for suficientemente grande, ele poderá exceder o limiar para opotencial de ação no corpo celular e ondas irão se propagar ao longo dos axônios até o SNC.

Figura 7: Registros de voltagem de um receptor olfativo durante aestimulação. Substâncias odoríferas geram um potencial lento no cílio; opotencial do receptor propaga-se para o dendrito e desencadeia uma sériede potenciais de ação no corpo celular do receptor. Finalmente, potenciaisde ação (mas não potenciais do receptor) propagam-se continuamente até oaxônio olfativo.

A resposta olfativa pode terminar por várias razões.Substâncias odoríferas difundem-se para longe, enzimas no mucopode hidrolisá-las, ou o AMPc pode ativar outras vias de sinalizaçãoque terminam o processo de transduçao. Mesmo na presençacontínua da substância odorífera, a resposta olfativa diminui, pois aresposta do receptor em si adapta-se à substância odorífera em decerca de um minuto.

Este caminho de sinalização tem dois aspectos incomuns: oreceptor de substâncias odoríferas no começo e os canais reguladospor AMPc próximo do fim. As proteínas receptoras têm sítios deligação para odorantes em sua superfície extracelular. Uma vez quese pode discriminar milhares de substâncias odoríferas poder-se-ia

achar que há muitos tipos de receptores para elas. O palpite estaria certo. De fato, há um grande número deproteínas receptoras. Os pesquisadores Linda Buck e Richard Axel, da Universidade de Columbia, encontraram, em1991, que há cerca de 1.000 genes para proteínas de receptores odoríferos, fazendo dela a maior família de genes jádescoberta. Cada gene tem uma estrutura ligeiramente diferente do seguinte, portanto cada receptor codificado por

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estes genes difere na sua habilidade para ligar substâncias odoríferas. Outro fato surpreendente é que cada célulareceptora olfativa expressa apenas um dos 1.000 tipos de receptores. Disto resulta que há aproximadamente de1.000 tipos de células receptoras olfativas, cada uma identificada pelo gene receptor que ela escolheu expressar. Oepitélio olfativo está organizado em algumas grandes zonas e cada uma contém diferentes células receptoras queexpressam um diferente subconjunto de genes receptores. Dentro de cada zona, os receptores individuais estãoespalhados aleatoriamente.

Proteínas receptoras olfativas pertencem a uma superfamília cujos membros possuem sete -hélicestransmembrana. Esta superfamília também inclui uma variedade de receptores para neurotransmissores. Todas asproteínas da superfamília são acopladas às proteínas G, as quais, por sua vez, retransmitem um sinal para um outrosistema de segundos mensageiros (as células receptoras olfativas usam um tipo particular de proteína G denominadaGolf). Há crescentes evidências de que apenas um único segundo mensageiro medeia a transdução olfativa emvertebrados, o AMPc. Alguns dos mais convincentes estudos têm usado a engenharia genética para produzircamundongos, nos quais proteínas cruciais no caminho olfativo do AMPc foram deletados (Golf por exemplo); estecamundongos são inevitavelmente anósmicos (perda total do olfato) para uma grande variedade de estímulosodoríferos.

Em neurônios, o AMPc é o mais comum segundo mensageiro, mas a maneira como age na transduçãoolfativa é bastante incomum. Tadashi Nakamura e Geoffrey Gold, trabalhando na Universidade de Yale, em 1987,mostraram que uma população de canais nos cílios respondem diretamente ao AMPc; isto é, os canais são reguladospor AMPc. Canais regulados por nucleotídeos cíclicos são também usados na transdução visual. Esta é outrademonstração de que a biologia é conservadora e que a evolução recicla boas ideias: cheirar e ver usammecanismos moleculares similares.

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Fototransdução

Os fotorreceptores convertem, ou transduzem, energia luminosa em alterações do potencial de membrana.Apesar dos bastonetes excederem em número os cones na retina humana na proporção de 20 para 1, muito do quesabemos sobre a fototransdução nos bastonetes também é aplicável para os cones.

Fototransdução nos bastonetes

Uma forma pela qual a informação é representada no sistema nervoso é por meio de modificações nopotencial de membrana dos neurônios. Assim sendo, procuramos por um mecanismo pelo qual a absorção deenergia luminosa possa ser transduzida em uma alteração no potencial de membrana dó fotorreceptor. Sob muitosaspectos, esse processo é análogo à transdução de sinais químicos em sinais elétricos que ocorre durante atransmissão sináptica. Em um receptor de neurotransmissor acoplado à proteína. G, por exemplo, a ligação dotransmissor ao receptor ativa proteínas G na membrana, as quais, por sua vez, estimulam várias enzimas efetoras(Figura 8a). Essas enzimas modificam a concentração intracelular de moléculas de segundos mensageiroscitoplasmáticos, que, direta ou indiretamente, mudam a condutância de canais iônicos na membrana, assim, variandoo potencial de membrana. De uma forma semelhante, no fotorreceptor, a estimulação luminosa do fotopigmento ativaproteínas G, as quais, por sua vez, ativam uma enzima efetora que altera a concentração citoplasmática de umsegundo mensageiro. Essa alteração determina o fechamento de um canal iônico na membrana e o potencial demembrana é, então, alterado (Figura 8b).

Figura 8: Uma comparação dos eventosdisparados pela ativação de (a) umreceptor para neurotransmissoracoplado à proteína G e (b) umfotopigmento.

Lembre-se de que umneurônio típico em repouso tem umpotencial de membrana de cerca de

65 mV, próximo ao potencial deequilíbrio para o K+. Por sua vez,quando em completa escuridão, opotencial de membrana dosegmento externo do bastonete é decerca de 30 mV. Taldespolarização é causada peloinfluxo constante de Na+ através decanais especiais na membrana dosegmento externo (Figura 9a). Essemovimento de cargas positivasatravés da membrana é chamadode corrente do escuro (dark current).Em 1985, uma equipe-de cientistasrussos, liderada por EvgeniyFesenko, descobriu que essescanais de sódio têm sua aberturaestimulada por - são ativados(gated) a - um segundo mensageiro

intracelular chamado guanosina monofosfato cíclico, ou GMPc. Evidentemente, o GMPc é produzido continuamenteno fotorreceptor pela enzima guanilato ciclase, mantendo os canais de Na+ abertos. A luz reduz a quantidade deGMPc, o que determina o fechamento dos canais de Na+ e toma o potencial de membrana mais negativo (Figura 9b).Dessa forma, os/fotorreceptores são hiperpolarizados em resposta à luz.

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Figura 9: A hiperpolarização dosfotorreceptores em resposta à luz. Osfotorreceptores estão continuamentedespolarizados no escuro devido a umacorrente de sódio que entra na célula, acorrente do escuro, (a) O sódio penetra nofotorreceptor através de um canal ativadopor GMPc. (b) A luz leva à ativação de umaenzima que destrói o GMPc, assimcancelando a corrente de Na+ ehiperpolarizando a célula.

A resposta hiperpolarizante àluz é iniciada pela absorção daradiação eletromagnética pelofotopigmento localizado nasmembranas dos discos empilhados nosegmento externo dos bastonetes. Nosbastonetes, esse pigmento édenominado rodopsina (tambémconhecido como púrpura visual pelasua cor característica), podendo serimaginado como uma proteínareceptora que possui um agonistapreviamente ligado. A proteínareceptora é denominada opsina, e,assim como no resto do organismo,apresenta os sete segmentos de -

hélices transmembrana típicos dos receptores acoplados a proteínas G. O agonista previamente ligado édenominado retinal e deriva-se dá vitamina A. A absorção de luz determina uma alteração na conformação do retinal,de forma que a opsina é ativada (Figura 10).

Figura 10: A ativação darodopsina pela luz. Arodopsina consiste de umaproteína com sete segmentos

-hélices transmembrana,chamada de opsina, e de umapequena molécula conjugadaderivada da vitamina A,denominada retina!. O retinal,quando absorve luz, sofre umamudança em sua configuraçãomolecular e ativa a opsina.

Esse processo é um tipo de alvejamento (bleach), pois altera os comprimentos de luz que a rodopsina écapaz de absorver (o fotopigmento literalmente muda da cor púrpura para a amarelo). O alvejamento da rodopsinaestimula uma proteína G denominada transducina, presente no disco membranoso, a qual, por sua vez, ativa aenzima efetora fosfodiesterase (PDE). A PDE hidrolisa o GMPc normalmente presente no citoplasma dos bastonetes(no escuro). A redução nas concentrações de GMPc determina o fechamento dos canais de Na+ e a hiperpolarizaçãoda membrana.

Uma consequência funcional bastante interessante da utilização de uma cascata bioquímica para atransdução é a amplificação do sinal. Muitas moléculas de proteína G são ativadas para cada molécula defotopigmento e cada enzima PDE ativada hidrolisa mais de uma molécula de GMPc. Essa amplificação confere aonosso sistema visual a capacidade de detectar até mesmo fótons individuais, as unidades elementares da energialuminosa. A sequência completa dos eventos da fototransdução nos bastonetes está ilustrada na Figura 11.

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Figura 11: A cascata bioquímica ativada pela luz em um fotorreceptor. (a) No escuro, GMPc ativa um canal de sódio, causandouma corrente de entrada de Na+ e, consequentemente a despolarização da célula, (b) A ativação da rodopsina pela energialuminosa faz com que uma proteína G (transducina) troque GDP por GTP, por sua vez ative a enzima fosfodiesterase (PDE). APDE hidrolisa o GMPc e cancela as correntes do escuro.

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Transdução auditiva pelas Células Ciliadas do órgão de Corti

Figura 12: Órgão de Corti. A membranabasilar sustenta otecido que inclui as célulasciliadas internas, as externas e os pilares deCorti. A membrana tectorial estende-se domodíolo para cobrir os estereocílios queprotraem da porção apical das células ciliadas.

Quando a membrana basilarmove-se em resposta a um movimento doestribo, toda a estrutura que sustenta ascélulas ciliadas movimenta-se, pois amembrana basilar, os pilares de Corti, alâmina reticular e as células ciliadas estãorigidamente conectadas. Estas estruturasmovem-se como uma unidade, como umpivotante em direção à membranatectorial ou passando da posiçãodesta/Quando a membrana basilar move-se para cima, à lâmina reticular move-separa cima e em direção ao modíolo.Inversamente, o movimento para baixo damembrana basilar faz com que a lâmina

reticular mova-se para baixo, afastando-se do modíolo. Quando a membrana reticular se move, aproximando-se ouse afastando do modíolo, também o faz igualmente com relação à membrana tectorial. Pelo fato de a membranatectorial firmar as extremidades dos estereocílios das células ciliadas, a movimentação lateral da lâmina reticular emrelação à membrana tectorial desloca os estereocílios das células ciliadas externas para um lado ou para o outro(Figura 13). As extremidades dos esterocílios das células ciliadas internas também são deslocadas de maneirasimilar, provavelmente por serem empurradas pela endolinfa em movimento. Os estereocílios contêm filamentos deactina alinhados que os enrijecem, de modo que se inclinam como bastões rígidos. Filamentos transversais conectamos esterocílios de cada célula ciliada, permitindo que todos os cílios de uma célula ciliada se movam juntos, comouma unidade. Considerando-se tudo isso, você pode imaginar uma onda sonora fazendo com que a membranabasilar movimente-se entre as duas posições mostradas na (Figura 13a e b) e os cílios das células ciliadas, então,oscilem para um lado ou para outro com relação à membrana tectorial.

Figura 13: Deslocamento dos estereocílios produzido pelo movimento para cima da membrana basilar, (a) Em repouso, as célulasciliadas estão mantidas entre a lâmina reticular e a membrana basilar e as extremidades dos estereocílios das células ciliadasexternas estão ligados à membrana tectorial. (b) Quando o som promove a deflexão para cima da membrana basilar, a lâminareticular move-se para cima e se aproxima do modíolo, fazendo com que os estereocílios se curvem no sentido oposto.

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Até recentemente, o avanço de nossa compreensão sobre como as células ciliadas convertem odeslocamento dos estereocílios em sinal neural era lento. Pelo fato de a cóclea estar em um envoltório ósseo, ficamuito difícil a obtenção do o registro eletrofisiológico das células ciliadas. Na década de 1980, A.J.Hudspeth ecolaboradores, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, foram pioneiros em uma nova abordagem, na qual as célulasciliadas são isoladas do ouvido interno e estudadas in vitro. As técnicas in vitro revelaram muito sobre osmecanismos de transdução. Os registros das células ciliadas indicam que quando os estereocílios deslocam-se emuma direção, a célula ciliada despolariza e quando se deslocam na outra, a célula hiperpolariza (Figura 14a). Quandouma onda sonora causa o deslocamento dos cílios para um lado e para o outro, as células ciliadas geram umpotencial de receptor que despolariza e hiperpolariza alternadamente a partir do potencial de repouso de -70 mV(Figura 14b).

Figura 14: Potenciais de receptor das células ciliadas. (a) Ascélulas ciliadas despolarizam ou hiperpolarizam, dependendoda direção para a qual os estereocílios se curvam, (b) Opotencial de receptor da célula ciliada acompanha comprecisão as variações da pressão do ar durante um som debaixa frequência.

Para avaliar exatamente a eficiente maneiracomo funcionam os ouvidos, examine com atenção aescala do eixo das abscissas na Figura 14a. Suaunidade está em nanômetros. Lembre-se de que 1 nmequivale a 10 9 m. O gráfico mostra que o potencial dereceptor da célula ciliada está saturado no momento emque as extremidades de seus estereocílios se deslocamaproximadamente 20 nm para o lado; isto é o que umsom extremamente alto pode fazer. Mas o som maisdelicado que podemos ouvir pode mover osestereocílios apenas 0,3 nm para cada lado. Esta é umadistância espantosamente pequena - o diâmetroaproximado de um átomo grande! Uma vez que cadaestereocílio tem cerca de 500 nm (ou 0,5 m) dediâmetro, este som delicado moverá os estereocíliosapenas cerca de um milésimo de seu diâmetro com afinalidade de produzir um ruído perceptível. Como ascélulas ciliadas transduzem tais quantidadesinfinitesimais de energia sonora?

Alterações no potencial de receptor da célulaciliada resultam da abertura dos canais de potássio nasextremidades dos estereocílios quando os cílios sedeslocam. A Figura 15 mostra como se supõe queesses interessantes canais funcionem. Cada canal estáligado por um filamento elástico, à parede do cílioadjacente. Quando os cílios estão aprumados, a tensãosobre esse filamento mantém o canal em um estadoparcialmente aberto, permitindo um pequenoescoamento de K+ da endolinfa para dentro da célula

ciliada. O deslocamento dos cílios em uma direção aumenta a tensão sobre o filamento de ligação, aumentando acorrente de entrada de K+. O deslocamento dos cílios na direção oposta libera a tensão sobre o filamento de ligação,permitindo, assim, que o canal feche-se completamente; prevenindo o influxo de K+. A entrada de K+ na célula ciliadacausa uma despolarização, a qual, por sua vez, ativa os canais de cálcio dependentes de voltagem (Figura15b). Aentrada de Ca2+ dispara a liberação do neurotransmissor; provavelmente o glutamato, o qual ativa as fibras dogânglio espiral que se situam em posição pós-sináptica com relação às células ciliadas.

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Figura 15: Despolarização de uma célulaciliada. (a) Os canais de potássio dasextremidades dos estereocílios abrem-sequando os ligamentos das extremidades queunem os estereocílios são estirados, (b) Aentrada de potássio despolariza a célulaciliada, abrindo canais de Ca2+ dependentesde voltagem. O influxo de cálcio leva àliberação de neurotransmissor das vesículassinápticas, os quais se difundem àsterminações pós-sinápticas do gânglioespiral.

O fato interessante é que aabertura dos canais de K+ produz1 umadespolarização na célula ciliada,enquanto que a abertura dos canais deK+ hiperpolariza a maioria dosneurônios. A razão para as célulasciliadas responderem diferentementedos neurônios está na alta concentraçãode K+ na endolinfa, a qual produz umpotencial de equilíbrio de K+ de 0 mV,comparado com o potencial de equilíbriode 80 mV nos neurônios típicos. Outrarazão para o K+ ser conduzido paradentro da célula ciliada é o potencialendococlear de +80 mV, o qual auxilia acriar um gradiente de 125 mV atravésda membrana dos estereocílios.

A Inervação das Células Ciliadas. O nervo auditivo consiste de axônios cujos corpos celulares estãolocalizados no gânglio espiral. Assim, os neurônios do gânglio espiral, que são os primeiros na via auditiva a dispararpotenciais de ação, fornecem toda a informação auditiva enviada ao encéfalo.