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Transcrições para violão: soluções técnico-musicais para interpretação da obra Menuet sur le nom d`Haydn, de Maurice Ravel Diogo Salmeron Carvalho PPGMUS – ECA - USP – [email protected] Resumo: O presente artigo apresenta e discute os processos utilizados na transcrição de uma (na dissertação: doze) obra de Maurice Ravel. O objetivo é discutir a arte da transcrição, avaliar sua qualidade e seus méritos, e também sua relação com o violão. Os referenciais teóricos são: Transcrições de Miguel Llobet e Franciso Tárrega (dois dos mais importantes violonistas da história), e também o livro Guidelines for Style Analysis, de Jan LA RUE. O objetivo de uma transcrição é a “fidelidade musical”, e os processos para alcançar tal fidelidade são apontados. Palavras-chave: transcrição, violão, Ravel Transcriptions for guitar: technical and musical solutions for the interpretation of the work: Menuet sur le nom d`Haydn, by Maurice Ravel Abstract: This paper presents and comments the processes that were used on the transcription of a work (on the dissertation: twelve) by Maurice Ravel. The goal is discuss the art of transcription, evaluate its quality and its merits, and also his relations with the guitar. The theorical references are: Transcriptions by Miguel Llobet and Francisco Tárrega (two of the most importante guitarists of the history), and also the book Guidelines for Style Analysis, by Jan LA RUE. The goal of a transcription is the “musical fidelity”, and the processes to reach this fidelity are pointed out. Keywords: tradução das palavras-chave para o inglês, separadas por vírgula. (Times New Roman, tamanho 10, espaço simples) 1. A transcrição Tarreguiana Francisco Tárrega (1851-1909) marca o início da era moderna para o violão. Após modificações de construção do instrumento, principalmente ao longo dos cem anos anteriores, Tárrega pode formar as bases do instrumento que conhecemos hoje. Seu trabalho tinha as transcrições como um dos principais elementos, pois o instrumento era carente de repertório original dos grandes autores: “É quase impossível escrever bem para violão se o compositor não é um instrumentista. Ainda assim, a maioria dos compositores que usam-no (o violão) estão longe de qualquer familiaridade e escrevem coisas de dificuldade desnecessária sem nenhuma sonoridade ou efeito.” (BERLIOZ. Trad. Hugh Macdonald Cambridge: 2004. Original de 1844: p.80 – tradução nossa) i . Além desta carência de repertório, o uso sistemático da transcrição para violão elevou o nível de suas obras originais, pois as transcrições ajudaram a revelar mais recursos do instrumento. O trabalho de Tárrega e seus discípulos Emilio Pujol (1886-1980), Miguel Llobet (1878-1938), somado ao de Andrés Segovia (1893-1987) resultou no completo ressurgimento do violão no século XX. Os quatro violonistas tem importantes trabalhos de transcrição. Franz Liszt é provavelmente o mais importante transcritor para piano. Seu catálogo de transcrições é gigantesco. A respeito do objetivo de uma transcrição:

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Transcrições para violão: soluções técnico-musicais para interpretação da obra

Menuet sur le nom d`Haydn, de Maurice Ravel

Diogo Salmeron Carvalho PPGMUS – ECA - USP – [email protected]

Resumo: O presente artigo apresenta e discute os processos utilizados na transcrição de uma (na dissertação: doze) obra de Maurice Ravel. O objetivo é discutir a arte da transcrição, avaliar sua qualidade e seus méritos, e também sua relação com o violão. Os referenciais teóricos são: Transcrições de Miguel Llobet e Franciso Tárrega (dois dos mais importantes violonistas da história), e também o livro Guidelines for Style Analysis, de Jan LA RUE. O objetivo de uma transcrição é a “fidelidade musical”, e os processos para alcançar tal fidelidade são apontados. Palavras-chave: transcrição, violão, Ravel

Transcriptions for guitar: technical and musical solutions for the interpretation of the work: Menuet sur le nom

d`Haydn, by Maurice Ravel

Abstract: This paper presents and comments the processes that were used on the transcription of a work (on the dissertation: twelve) by Maurice Ravel. The goal is discuss the art of transcription, evaluate its quality and its merits, and also his relations with the guitar. The theorical references are: Transcriptions by Miguel Llobet and Francisco Tárrega (two of the most importante guitarists of the history), and also the book Guidelines for Style Analysis, by Jan LA RUE. The goal of a transcription is the “musical fidelity”, and the processes to reach this fidelity are pointed out. Keywords: tradução das palavras-chave para o inglês, separadas por vírgula. (Times New Roman, tamanho 10, espaço simples)

1. A transcrição Tarreguiana Francisco Tárrega (1851-1909) marca o início da era moderna para o violão. Após

modificações de construção do instrumento, principalmente ao longo dos cem anos anteriores,

Tárrega pode formar as bases do instrumento que conhecemos hoje. Seu trabalho tinha as

transcrições como um dos principais elementos, pois o instrumento era carente de repertório

original dos grandes autores: “É quase impossível escrever bem para violão se o compositor não é um instrumentista. Ainda assim, a maioria dos compositores que usam-no (o violão) estão longe de qualquer familiaridade e escrevem coisas de dificuldade desnecessária sem nenhuma sonoridade ou efeito.” (BERLIOZ. Trad. Hugh Macdonald Cambridge: 2004. Original de 1844: p.80 – tradução nossa)i. Além desta carência de repertório, o uso sistemático da transcrição para violão elevou o

nível de suas obras originais, pois as transcrições ajudaram a revelar mais recursos do instrumento.

O trabalho de Tárrega e seus discípulos Emilio Pujol (1886-1980), Miguel Llobet

(1878-1938), somado ao de Andrés Segovia (1893-1987) resultou no completo ressurgimento do

violão no século XX. Os quatro violonistas tem importantes trabalhos de transcrição.

Franz Liszt é provavelmente o mais importante transcritor para piano. Seu catálogo de

transcrições é gigantesco. A respeito do objetivo de uma transcrição:

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“Como no caso de Beethoven, também com Berlioz a preservação do ‘espírito do original’ é invariavelmente o objetivo de Liszt. A audácia do arranjo da Symphonie fantastique (1833) fica evidente não só na bem-sucedida transformação da orquestração em termos pianísticos como em sua qualidade pura e simplesmente como documento pianístico (...)” (WATSON, 1989 p. 168)

Uma das críticas direcionadas à arte de transcrever recai sobre a não possibilidade de

realizar completamente a obra transcrita em seu novo meio. Ora, é impossível realizar

completamente a sinfonia 9 de Beethoven ao piano, e o objetivo de Liszt não era esse, e sim

transcrever a obra para piano, e realizá-la de maneira idiomática.

A análise dos referenciais de transcrição utilizados para este trabalho gerou uma lista de

processos de transcrição: mudança de tonalidade - modificação de articulação - omissão de notas,

omissão e/ou modificação de materiais musicais - omissão e/ou modificação de materiais musicais

para possibilitar clara execução da melodia - mudança de registro de oitava - adição de recurso

violonístico - modificação de aberturas, estrutura e montagem de acordes, acompanhada ou não de

omissão. Há ainda os processos extras, não presentes na análise das referências, porém utilizados:

simulação tímbrica e uso da audição psicológicaii.

2. Análise da transcrição Esta peça tem sua raiz melódica (motivo principal) baseada na sequência de notas, que

consta na partitura original, representadas pelas letras do nome de Haydn:

Exemplo 1

Ao longo da música Ravel utiliza o tema em sua sequência normal, invertido, espelhado

invertido e com trocas de oitavas das notas finais (caminho descendente):

Exemplo 2

A primeira parte (A) da peça (comp. 1 a 16) apresenta duas frases iguais em sequência.

Cada uma das frases é composta por duas subfrases, que se diferenciam principalmente pelo

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seguintes fatores: harmonia, desenho melódico e ritmo. Por outro lado, as frases se complementam,

por terem uma finalização praticamente idêntica, através de uma apoggiatura. A partir destes

primeiros compassos já existe o argumento decisivo para a escolha da tonalidade da transcrição: O

elemento decisivo é o primeiro acorde da obra, de sonoridade muito importante e de execução

complexa ao violão, devido à sua organização de vozes. Tomando como critério que o primeiro

acorde deveria ser tocado de forma completa e sem modificações, a tonalidade original se apresenta

como a melhor opção, pois o acorde é possível nesta tonalidade devido ao uso de cordas soltas.

Primeiro compasso da transcrição:

Exemplo 3 - compasso 1 - transcrição

Exemplo 4 - compasso 1 - original

A escolha desta tonalidade foi apoiada por outros pontos importantes, como o pico de

extensão da melodia no compasso 48, que transcorre em uma região aguda do violão (casa XII da

primeira corda), porém acompanhada por um baixo em sol, que pode ser feito por uma corda solta,

o que facilita este momento importante:

Exemplo 5 - compasso 48

Exemplo 6 - compasso 48

Na segunda parte (B) (comp. 17 a 37) Ravel utiliza o motivo principal do nome de

Haydn no baixo, primeiro com trocas de oitavas (comp. 16 a 18) e depois invertido (comp. 19 e 20).

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Menuet sur le nom d'HaydnMaurice Ravel

Transcrição para violão por:Transcribed for guitar by:Diogo Carvalho

Exemplo 7 - compasso 17

Exemplo 8 - compasso 17

É importante notar que neste momento seria impossível ao violão executar o ornamento

escrito em fusas (dó e ré). Para realizar o efeito desejado (tendo em conta que as notas supracitadas

não são essenciais à melodia, e sim um efeito tímbrico) utilizamos o recurso que chamamos de

simulação tímbricaiii: o violão realiza um arpejo (elemento idiomático do instrumento), que gera um

som semelhante ao obtido no original para piano. Esse recurso se repetirá por praticamente toda a

parte B, e também já havia sido utilizado nos compassos 5, 6, 13 e 14.

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O material utilizado nas vozes superiores é baseado na figura rítmica inicial da segunda

subfrase da parte A, e posteriormente esta figura é variada ligeiramente, através do acréscimo de

uma colcheia – ver comp. 19. Outro elemento importante é a modificação do motivo principal do

nome de Haydn, que agora só aparece sem a anacruse:

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Menuet sur le nom d'HaydnMaurice Ravel

Transcrição para violão por:Transcribed for guitar by:Diogo Carvalho

Exemplo 9 - compassos 19 e 20

Exemplo 10 - compassos 19 e 20

A partir deste momento o caráter da parte B se afirma completamente, em oposição à

parte A. O processo aqui é de variação em sequência, diferentemente de A, onde as frases se

complementam proporcionalmente e harmonicamente. Até o compasso 37 observa-se este caráter

em B. Pode-se dividir B em duas partes, sendo a primeira (comp. 17 a 24) uma frase sequencial que

forma um arco de dinâmica e extensão. A segunda parte de B (comp. 25 a 37) apresenta o mesmo

arco da primeira parte, porém mais extenso em dinâmica e altura. É digno de nota a sonoridade

estática da harmonia na parte B, em oposição à A, onde a harmonia caminha de forma funcional, na

tonalidade de sol maior. O que contribui para esta sensação em B é o fato de a primeira parte de B

estar baseada quase que totalmente no modo de sol lídio, sem mudanças de acorde até o ponto de

entrada do acorde de si maior (comp. 23). A segunda parte de B tem em seu início nova aparição do

modo lídio de sol, logo suplantada por um dó# pedal no baixo, que se estende dos compassos 27 a

32. Em seguida um novo pedal se apresenta, desta vez sobre a nota fá# e ainda mais estático, pois

permanece sem mudanças na harmonia dos compassos 33 até 38.

Foi necessário no compasso 29 o uso do recurso de omissão de notas:

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Menuet sur le nom d'Haydn

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Exemplo 11 - compasso 29 Exemplo 12 - compasso 29

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I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/USP

O critério para omissão de notas se baseia não somente nas necessidades do violão, mas

também na atmosfera harmônica do acorde, elemento fundamental do trecho. Escolhemos

omitir notas que aparecem em outros elementos, a saber: soprano (sol) e motivo de Haydn

(ré).

A partir do final do compasso 38 há uma máxima exploração da tensão gerada

pela parte B, e um pedal na nota si grave é mantido até o retorno da parte A’. Este momento

de ápice ou transição não deve ser incluído em B por não ter material ou significado comum

com o mesmo. Por isso, o denominaremos parte C, apesar de seu curto espaço temporal, que

engloba os compassos 38 a 43. Justifica-se sua denominação como parte C devido à sua

importância semântica em relação às duas partes fundamentais da música. (LaRUE p. 133 -

137) Esta parte C também apresenta material harmônico novo, e sua voz superior apresenta

uma variação do motivo sobre o nome de Haydn. As vozes interiores tem caminho linear

ascendente, e aos poucos os acordes se tornam menos dissonantes, conduzindo ao retorno de

A’ (a dinâmica deste trecho reforça esta afirmação, pois apresenta um longo crescendo

seguido de um pequeno decrescendo até o retorno ao A’).

Para a realização deste trecho ao violão foram necessárias diversas omissões de

notas. Além disso existe a omissão de material musical, um procedimento que pode ser

arriscado, mas não consideramos que o seu uso deveria impossibilitar esta transcrição. A

omissão em questão é de um baixo pedal:

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Exemplo 13 - compasso 39

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Exemplo 14 - compassos 40 a 44

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I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/USP

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Menuet sur le nom d'Haydn

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Exemplo 15 - compassos 39 a 47 – transcrição

Exemplo 16 - compassos 39 a 47 - original

Seria impossível realizar o baixo pedal do original. Sendo assim optamos por

anotar a existência (em outra pauta) de um baixo pedal no original, apesar de o mesmo não ser

tocado na transcrição. Chamaremos este efeito de audição psicológica. Justificamos esta

escolha nos seguintes argumentos:

Ravel, em sua transcrição para piano de sua própria obra La Valse, utiliza este

mesmo procedimento. Ao longo de sua partitura existem diversas pautas extras, que devem

apenas soar na mente do intérprete, e ajuda-lo a construir a ideia da obra. É interessante que

além de demonstrar o material musical extra, Ravel também indica quais os instrumentos

responsáveis na partitura original.

Exemplo 17 - trecho da

transcrição de Ravel da obra La Valse

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I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/USP

Um exemplo interessante do uso da audição psicológica, neste caso não em uma

transcrição, ocorre na obra Humoreske op. 20, de Robert Schumann (1810-1856). O

compositor anota uma voz (no sistema central) que deve ser ouvida apenas na mente do

intérprete.

Vale citar que Schumann também era intenso admirador das transcrições e Liszt, e

por conseguinte de seus recursos de transcrição, como se pode ler na citação do comentário de

Schumann acerca de uma das transcrições de Liszt, acima.

Além da questão da omissão do baixo pedal, nesse trecho optamos por selecionar

as vozes mais importantes e transformar toda a estrutura em uma escrita a três vozes,

idiomática ao violão - um exemplo do uso de recurso modificação de material musical.

O último A da peça (comp. 43 a 54) apresenta a primeira subfrase (comp. 43 a 46)

com um baixo diferente, devido à finalização de C. A segunda subfrase agora aparece variada,

já direcionando a música a uma finalização do material exposto, através da repetição da

cadência simples sobre o II grau (comp. 49 e 50) e posteriormente a finalização na tônica,

utilizando o motivo com variação de oitavas e também as apoggiaturas (comp. 52 a 54). A

inserção do compasso 51 traz equilíbrio e interesse a essa A final, através de ritmo diferente

(pela primeira vez duas colcheias no segundo tempo) e harmonia direcionando ao Láb maior,

superior por apenas um semitom à tonalidade da música. É importante ainda a mesma

modificação, que ocorreu na parte B, do ritmo do motivo principal nos últimos compassos da

obra – ausência da anacruse. Esse evento reforça a ideia de finalização, e dá sentido à surpresa

harmônica do compasso anterior.

A transcrição desta obra para violão não apresenta problemas extremamente

complexos, à exceção da parte C. As modificações de estruturas de acordes foram poucas, e

praticamente não foram necessárias as alterações de oitava.

Referências: Livros BERLIOZ, Hector. Orchestration Treatise. Trad. Hugh Macdonald. Cambridge: Cambridge

University Press, 2004 LA RUE, Jan. Guidelynes for Style Analysis. New York: W.W. Norton & Company, 1970. WATSON, Derek. Liszt. Trad, Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Partituras publicadas de FALLA, Manuel. Siete Canciones populares Españolas: Reprints of editions after 1909

by Ildefonso Alier. Heidelberg: Chanterelle Verlag, 2000. de FALLA, Manuel. Siete Canciones populares Españolas: Transcrição para violão e voz

por Miguel LLOBET, revisado por Emilio PUJOL. Paris: Editions Max Eschig, 1957.

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I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/USP

RAVEL, Maurice. “Le Tombeau de Couperin” and other works for solo piano. New York: Dover Publications, 1997.

RAVEL, Maurice. Piano Masterpieces of Maurice Ravel. New York: Dover Publications, 1986.

i “It is almost impossible do write well for the guitar unless one is a player oneself. Yet most composers who use it are far from any familiarity with it and write things of unnecessary difficulty with no sonority or effect.” ii Presente na análise da transcrição do Menuet sur le nom d’Haydn. iii Uso de um outro ornamento que se aproxima da ideia original e que seja idiomático.