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o, da Área de Concentração Mídia e Cultura, da Universidade de Marília, como requisito para obtenção do Universidade de Marília CLARA BENEDITA BONOME ZEMINIAN TRANSCODIFICAÇÃO INTERTEXTUAL: DA GATA BORRALHEIRA À CINDERELA MIDIÁTICA MARÍLIA 2008 CLARA BENEDITA BONOME ZEMINIAN

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Dissertação apresentada à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação em Comunicação, da Área de Concentração Mídia e Cultura, da Universidade de Marília, como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a orientação da Profª Drª Lúcia CorUniversidade de Marília

CLARA BENEDITA BONOME ZEMINIAN

TRANSCODIFICAÇÃO INTERTEXTUAL: DA GATA

BORRALHEIRA À CINDERELA MIDIÁTICA

MARÍLIA

2008

CLARA BENEDITA BONOME ZEMINIAN

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TRANSCODIFICAÇÃO INTERTEXTUAL: DA GATA

BORRALHEIRA À CINDERELA MIDIÁTICA

MARÍLIA

2008

CLARA BENEDITA BONOME ZEMINIAN

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TRANSCODIFICAÇÃO INTERTEXTUAL: DA GATA

BORRALHEIRA À CINDERELA MIDIÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Áreade Concentração: Mídia e Cultura, Linha de Pesquisa: Ficção na Mídia, daUniversidade de Marília - UNIMAR, para a obtenção do título de Mestre emComunicação.

Data de defesa: 15/12/2008

Banca Examinadora:

Profª Drª Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira

Universidade de Marília

Profª Drª Nelyse Aparecida Melro Salzedas

UNESP

Profª Drª Andreia Cristina Fregate Baraldi Labegalini

Universidade de Marília

MARÍLIA

2008

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A meu esposo,Reinaldo, (in memoriam),

que onde quer que esteja, deve estar muito

feliz por ver mais uma etapa concluída.

Nunca me esquecerei de você.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre a meu lado, dando força e ânimo, nas horas mais difíceis.

À minha orientadora, Profª Drª Lúcia Correia Marques de Miranda Moreira, pelocarinho, apoio e orientação durante todo o trabalho.

À Profª Drª Nelyse Aparecida Melro Salzedas, pela amizade e incentivo nestajornada.

À Profª Drª Andreia Cristina Fregate Baraldi Labegalini, membro da BancaExaminadora de Qualificação, por sua fundamental contribuição.

À Profª Drª Rosângela Marçolla, minha ex-orientadora, pela paciência e valiosacolaboração nesta caminhada.

A todos os meus professores do curso de mestrado, que mesmo indiretamente,contribuíram para o enriquecimento desta dissertação.

À minha filha Luciana, meu bem mais precioso, pela dedicação, incentivo ecompreensão demonstrados em todos os momentos.

A meu pai (in memoriam) e à minha mãe, que sempre me incentivaram e pelatransmissão de valores inestimáveis.

A André Luís de Oliveira, por sua presteza e dedicação.

A Raphael Reis Ribeiro, pelo bom humor e dedicação durante esta jornada.

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À minha amiga Rosely, companheira no Mestrado, com quem dividi alegrias etristezas durante todo este percurso.

A todos os meus familiares, que sempre me apoiaram durante a realização destetrabalho.

À Secretaria de Estado de São Paulo, por fornecer o Projeto Bolsa Mestrado, junto àCoordenadoria De Estudos e Normas Pedagógicas e Diretoria de Ensino deBotucatu, garantindo o sucesso financeiro necessário à realização desta dissertaçãode mestrado. Agradecimento especial à secretária Renata, sempre amiga eatenciosa.

Aos alunos, colegas, funcionários e diretores das escolas E.E. “Dr. Manuel JoséChaves” e Instituto Municipal de Ensino Superior De São Manuel “Prof. Dr. AldoCastaldi”, pela amizade, compreensão e colaboração em todas as horas.

À secretária da Pós-Graduação, Rosângela Braga, pelos serviços prestados epalavras de encorajamento.

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“Os livros que têm resistido ao tempo são os que possuem uma

essência de verdade, capaz de satisfazer a inquietação

humana, por mais que os séculos passem.”

Cecília Meireles

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ZEMINIAN, Clara B. Bonome. Transcodificação intertextual: da Gata Borralheira àCinderela midiática. 2008. 112 páginas. Dissertação (Mestrado em Comunicação) –Universidade de Marília (UNIMAR).

RESUMO

O presente estudo tem como proposta abordar a transcodificação do conto de fadas

A Gata Borralheira, escrito pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm e três narrativas

audiovisuais: Maid to order (Cinderela às avessas), Only you (Só você) e Ever After

(Para sempre Cinderela). Estudamos as inter-relações existentes entre as duas

linguagens e examinamos os aspectos significativos relevantes como produtores de

sentido no conto de fadas acima citado e em suas atualizações no cinema. A teoria

utilizada foi a da intertextualidade, de Julia Kristeva, desenvolvida a partir do

dialogismo de Mikail Bakhtin.

Palavras-chave: Transcodificação. Intertextualidade. Conto de fadas. Narrativas

audiovisuais. Cinema.

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ZEMINIAN, Clara B. Bonome. Intertextual Transcoding: from Gata Borralheira to themídia Cinderella. 2008. 112 pages. Dissertation (Masters in Comunication) –University of Marília (UNIMAR).

ABSTRACT

This study has as its proposal to approach the transcoding of the fairytale Cinderella,

written by Jacob and Wilhelm Grimm and three audiovisual narratives: Maid to Order,

Only You and Ever After. It was studied the interrelations that exists between the two

languages and it was also examined the meaningful aspects as makers of meaning

(or sense) in the Cinderella fairytale and its adaptations in the cinema. The used

theory was the intertextuality, of Julia Kristeve, developed from the dialoguism from

Mikail Bakhtin.

Key-words: Transcoding. Intertextuality. Fairytales. Audiovisual narratives. Cinema.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 1,2,3,4,5 e 6 – Montagem mostrando a deformação nos pés de uma senhora chinesa, provocada pelo enfaixamento 38Fig. 7 – Capa do videocassete (Ever After) 51Fig. 8 – Capa do videocassete (Maid to order) 56Fig. 9 – Capa do videocassete (Only you) 59Fig. 10 – O sapato de Danielle 70Fig. 11 – O quadro de Danielle 71Fig.12 – Danielle conhece Henry, como Nicole 71Fig. 13 – Os pés de Danielle ao entrar na carruagem 72Fig. 14 – Danielle conversa com Leonardo antes de ir ao baile 72Fig. 15 – A carruagem leva Cinderela ao baile 73Fig. 16 – As asas na roupa de Danielle 74Fig. 17 – Danielle chega ao baile 74Fig. 18 – Danielle perde o sapato 75Fig. 19 – O sapato perdido de Danielle 75Fig. 20 – O príncipe experimenta o sapato em Danielle 76Fig. 21 – Henry e Danielle olham-se apaixonados 77Fig. 22 – Henry e Danielle beijam-se 77Fig. 23 – O castelo 78Fig. 24 – Foto de casamento 79Fig. 25 – A vela cria um clima de mistério 80Fig. 26 – A lua como símbolo 80Fig. 27 – Uma consulta à cigana 81Fig. 28 – Aula de Faith 81Fig. 29 – Quadro na parede da sala de aula 82Fig. 30 – Faith vestida de noiva 82Fig. 31 – Faith e Kate em Veneza 83Fig. 32 – Sapato perdido por Faith 84Fig. 33 – Peter experimenta sapato em Faith 84Fig. 34 – Peter e Faith dançam ao luar 85Fig. 35 – Faith descendo da carruagem 85Fig. 36 – Peter revela sua verdadeira identidade 86Fig. 37 – Faith entrando no quarto 87Fig. 38 – Caminho para Positano 87Fig. 39 – Faith descalça no hotel em Positano 88Fig. 40 – Peter e Faith antes do encontro com “Damon” 88Fig. 41 – Faith desce as escadas para o encontro 89Fig. 42 – Faith janta com o falso Damon 89Fig. 43 – Peter conversa com um velho 90Fig. 44 – Faith e “Damon” numa festa, em um iate 90Fig. 45 – Peter e “Damon” brigam 91Fig. 46 – Faith desmascara o falso Damon 91Fig. 47 – O plano de Peter falhou 92Fig. 48 – Faith, Damon e Peter no aeroporto 92Fig. 49 – Peter sozinho no avião 93Fig. 50 – O final feliz de Peter e Faith 93Fig. 51 – O avião leva os dois apaixonados 94

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Fig. 52 – Apresentação de Maid to order 95Fig. 53 – Novamente o conto de fadas 95Fig. 54 – Estrela atende pedido do pai de Jessie 96Fig. 55 – Jessie descalça 96Fig. 56 – O sapato perdido de Jessie 97Fig. 57 – As botas encontradas no lixo 97Fig. 58 – Anúncio de uma agência de empregos 98Fig. 59 – Jessie desolada por ter de refazer o serviço 98Fig. 60 – Jessie e Nick 99Fig. 61 – Jessie, vestida como criada 100Fig. 62 – A criada volta a ser princesa 100Fig. 63 – O carro da fada 101Fig. 64 – Nick e Jessie 101Fig. 65 – O final feliz de Nick e Jessie 102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13

CAPÍTULO I :

BAKHTIN E KRISTEVA: A TEORIA DA INTERTEXTUALIDADE

1. Intertextualidade: Pressupostos teóricos.......................................................

16

2. Seqüências importantes dos textos analisados.............................................

26

CAPÍTULO II:

CINDERELA: POR QUE UM CONTO DE FADAS QUE ATRAVESSA

OS SÉCULOS?

2.1 A origem dos contos de fadas........................................................................ 33

2.2 Os Irmãos Grimm: um pouco de história........................................................ 39

2.3 Símbolos presentes em “Cinderela”: o conto.................................................. 40

CAPÍTULO III:

AS NARRATIVAS AUDIOVISUAIS

3.1 Das narrativas literárias às narrativas audiovisuais........................................ 46

3.2 A evolução dos modos de ver da literatura a partir do cinema....................... 47

3.3 Elementos para a composição de um bom personagem................................ 50

3.4 Literatura e Cinema: dois modos de contar uma história................................ 64

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CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................104

REFERÊNCIAS.....................................................................................................109

INTRODUÇÃO

O hábito de contar histórias surgiu a partir do instante em que o homem sentiu

necessidade de buscar explicações para os fatos que aconteciam. Em tempos

distantes, os homens não sabiam escrever, assim mantinham as suas experiências

na tradição oral, alternando memória e imaginação em suas histórias.

Desse modo, enquanto não houve registro escrito, as histórias eram

passadas oralmente e, por isso iam sendo acrescidas de pormenores e

apresentavam variações, dependendo da cultura do público ouvinte. Então, com o

passar do tempo, a essência das histórias de tradição oral foi sendo alterada.

O pesquisador Joseph M. Luyten (apud MARÇOLLA, 20_ _?, p.27) afirma que

“os contos populares variam na sua expressão de acordo com a época e o

público a que são destinados. [...] O que as crianças e nós lemos hoje em dia é uma

versão adaptada para os nossos conceitos de moral e cultura”.

Assim, os contos de fadas, como literatura infantil, surgiram na Europa,

durante a Idade Moderna. São originários das histórias que o povo conta e que

foram transmitidas oralmente, através do tempo. (MARÇOLLA, 20_ _?).

Atualmente muitos textos midiáticos originam-se de fontes literárias e, dessa

forma, o presente estudo pretende dar uma pequena contribuição para desvendar as

relações existentes entre diferentes linguagens. Para tanto, estudaremos a

intertextualidade que se realiza entre o conto de fadas Cinderela ou A Gata

Borralheira, dos irmãos Grimm e três filmes contemporâneos: Maid to order

(Cinderela às avessas), Only you (Só você) e Ever After (Para sempre Cinderela). A

pesquisa busca detectar, no conto de fadas e suas releituras fílmicas, os aspectos

significativos relevantes que produzem os diversos sentidos da(s) história(s).

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Considerando esses aspectos significativos, temos em diversos elementos

que compõem as histórias, a repetição e recorrência de aspectos que configuram o

sentido das narrativas audiovisuais apresentadas neste trabalho.

Dentre os diversos elementos simbólicos presentes na história original,

chamaremos particular atenção para o sapato de Cinderela, que se estabelece como

o gancho que fará mudar de condição na história.

Esse estudo pretende contemplar como o cinema apropriou-se do conto de

fadas Cinderela, em relação ao objeto sapato e também mostrar as relações

intertextuais entre o conto e as atualizações midiáticas propostas.

No texto de origem, Cinderela, a personagem principal, ao usar o sapato,

encontra a felicidade ao lado de seu príncipe encantado e como prêmio ascende

socialmente. Desde o início da narrativa, ela está sujeita a humilhações. Suas

roupas são recolhidas pela madrasta e, assim, é obrigada a usar trapos, dormir no

borralho e fazer serviços pesados na casa. Então o sapato aparece como elemento

de transformação, que dá início ao desenlace da trama. Dentre várias mulheres, o

sapato é destinado a apenas uma e a escolha é feita desde o princípio da narrativa,

pois só serve no pé de Cinderela.

O corpus analisado resgatará esse objeto midiático, representando o encontro

com a felicidade, com o homem sonhado, imaginado, um sonho da maioria das

mulheres.

Podemos supor que o cinema dá um tratamento contemporâneo ao objeto

sapato que, no texto matriz é tradicional, mas nas variantes intertextuais pode ser

uma sandália branca ou um sapato vermelho, como em Only you (1994), um

sofisticado sapato preto, em Maid to order(1987) ou ainda um tamanco de cristal, em

Ever After(1998). Dessa forma, as variantes intertextuais fílmicas parodiam,

parafraseiam ou estilizam o antigo conto, criando novas relações ao apresentar o

encontro com a felicidade. O sapato representa a procura, a busca de caminhos

para atingir tal felicidade.

Para tal análise precisaremos de um suporte teórico, que será a teoria da

Intertextualidade, de Julia Kristeva. Essa teoria deriva dos estudos do formalista

russo Mikail Bakhtin, sobre o dialogismo da linguagem. Enquanto os estruturalistas,

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como Saussure, estudavam o sistema abstrato da língua (langue), Bakhtin

privilegiava o sistema concreto, embasado no dialogismo.. Esse teórico foi o pioneiro

a apresentar um conceito de texto, como sendo toda produção cultural com base na

linguagem. Para ele, não se pode conceber o processo de leitura desligado da

noção de intertexto, uma vez que o dialogismo permeia a linguagem, dá sentido ao

discurso e advém de uma variedade de outros textos.

Assim, Kristeva foi quem evidenciou o termo “intertextualidade”. Ela definia

“todo texto como mosaico de citações” e dizia que o “texto” passa a ser

compreendido como ocorrência situada na história e na sociedade. Então, o autor

vive na história e a sociedade escreve-se no texto.

Sendo assim, este trabalho fará, num primeiro momento a exposição da teoria

da Intertextualidade, relacionando seqüências importantes dos textos analisados,

para estabelecer os elementos intertextuais entre o conto de fadas “A gata

borralheira” e os três filmes já citados.

Depois disso, traçaremos um breve histórico dos contos de fadas e do

trabalho dos irmãos Grimm e também analisaremos símbolos importantes presentes

no conto, para podermos fazer uma ligação com os filmes analisados.

Finalmente, falaremos do código fílmico e estudaremos a inter-relação das

narrativas audiovisuais Ever After, Maid to order e Only you, para mostrarmos como

foi feita a transcodificação dos símbolos presentes no conto original.

Para falar do código fílmico, apresentaremos os elementos necessários para

a composição de um bom personagem, segundo Syd Field. Para efeito deste

trabalho, a personagem escolhida em todos os textos em análise será “Cinderela”.

Desse modo, estudaremos a intertextualidade entre os dois códigos: literário e

fílmico e a transcodificação de um código para o outro, levando em conta alguns

símbolos.

Pretendemos, então, estudar a história de Cinderela por dois meios, a

literatura e o cinema, levando em conta as particularidades de cada um deles. São

linguagens diferentes, mas que procuram expressar idéias, sentimentos e

pensamentos, formando um sistema simbólico de relações humanas.

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CAPÍTULO I

BAKHTIN E KRISTEVA : TEORIA DA INTERTEXTUALIDADE

1. Intertextualidade: Pressupostos teóricos

Bakhtin é um dos maiores estudiosos da língua do século XX. Em seus

estudos, deu ênfase ao caráter heterogêneo da parole1, em contraposição a outros

estudiosos que privilegiavam a langue, como Saussure e os estruturalistas. A parole

é o sistema concreto da língua e a langue, o abstrato. A concepção que Bakhtin dá à

língua não é só como um sistema abstrato, mas a vê também como um diálogo

cumulativo entre o “eu” e o “outro”, entre muitos “eus” e muitos “outros”.

No centro de sua obra está a linguagem e ao estudá-la propõe duas direções

principais: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Para Bakhtin, essas

duas orientações representam um obstáculo a uma assimilação totalizante da

linguagem, pois o subjetivismo idealista a reduz à enunciação monológica isolada e

o objetivismo abstrato, a um sistema abstrato de formas. O teórico russo diz que a

compreensão ampla da natureza da linguagem não se localiza entre essas duas

orientações e, sim, além. Para ultrapassar essas posições contrárias, apresenta a

interação verbal, que é uma recusa tanto da tese quanto da antítese e constitui uma

síntese dialética.

A interação da linguagem é a base da teoria bakhtiniana; compreende-se a

linguagem partindo de sua natureza social e histórica. Em “Marxismo e filosofia da

1 Saussure (1977) efetua, em sua teorização, uma separação entre langue(língua) e parole(discurso). Para ele, alíngua é um sistema de valores que se opõem uns aos outros e que está depositado como produto social namente de cada falante de uma comunidade, possui homogeneidade e por isto é o objeto da lingüísticapropriamente dita. Diferente da parole(discurso) que é um ato individual e está sujeito a fatores externos,muitos desses não lingüísticos e, portanto, não passíveis de análise. (Curso de lingüística Geral)

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linguagem”, ele afirma o seguinte: “as palavras são tecidas a partir de uma multidão

de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os

domínios” (BAKHTIN, 2006, p.42).

Não podemos considerar a enunciação apenas pelas condições

psicofisiológicas do falante, mas também pela sua natureza social e é necessário

entender que ela sempre acontece numa interação. Bakhtin observa que a

verdadeira substância da língua constitui-se pelo fenômeno social da interação

verbal, que se realiza através da enunciação ou das enunciações. Dessa maneira,

essa interação é a realidade fundamental da língua.

Analisando a enunciação como um produto da interação entre indivíduos

socialmente organizados, a palavra terá a direção de um interlocutor real e variará

em função desse, em relação ao grupo social a que ele pertence, aos laços sociais,

etc. O interlocutor não poderá ser abstrato, senão não teremos linguagem.

O diálogo é uma das formas mais importantes de interação social e não é só

aquela comunicação face a face, porém toda comunicação verbal. De acordo com

Bakhtin (2006, p.128), a língua vive e evolui historicamente na comunicação social

concreta. A partir disso, a Língüística não consegue dar conta da língua integrada à

vida humana, como um objeto de muitas facetas. Para explicar o caráter dialógico da

língua, Bakhtin acrescenta o contexto e propõe uma disciplina, a metalingüística ou

translingüística, para poder explicar o enunciado.

Essa abordagem proposta por Bakhtin vai além dos limites da lingüística e

estuda a própria enunciação, que tem sua estrutura determinada totalmente pelas

relações sociais. Embora a enunciação seja produto da interação de dois indivíduos

socialmente organizados, ela não pode avançar as fronteiras de uma classe e de

uma época bem definidas.

Podemos então dizer que a palavra procede de alguém e se dirige para outro

alguém. Ela é produto da interação entre locutor e interlocutor. Conforme Bakhtin

(2006, p.117), a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se

ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu

interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.

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Partindo dessa concepção de linguagem, o dialogismo serve de base para

estudos posteriores como o discurso interior, o monólogo, a comunicação diária, os

vários gêneros do discurso, a literatura e outras manifestações culturais.

O princípio dialógico caracteriza as idéias de Bakhtin sobre o homem e a vida.

Seu sistema teórico é fundado no dialogismo. O “eu” que ele concebe é dinâmico e

está em interação com outros “eus” e personagens. A alteridade marca o ser

humano, pois o outro é indispensável para sua constituição. De acordo com Bakhtin,

a vida é dialógica por natureza e essa dialogia põe em confronto as entoações e os

sistemas de valores que posicionam as mais diversas visões de mundo dentro de

um campo de visão.

O teórico propõe duas noções de dialogismo: o diálogo entre interlocutores e

o diálogo entre discursos. O primeiro é o princípio básico da linguagem, é nessa

relação entre sujeitos, isto é, na interpretação e produção de textos que se constrói o

sentido do texto, a significação das palavras e os próprios sujeitos. Então podemos

dizer que a subjetividade é posterior à intersubjetividade. Como diz Bakhtin, “o ser,

refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” (2006, p.47).

Portanto o dialogismo aparece como o princípio constitutivo da linguagem e

como condição do sentido do discurso, que não é individual; constrói-se, pelo

menos, entre dois interlocutores que são seres sociais, vivem em sociedade. O mais

importante, contudo, é que um discurso mantém um diálogo com outros discursos,

apresenta-se como um produto híbrido, em que há vozes em concorrência e

sentidos em conflito.

Em suma, o dialogismo é a constante interação entre os variados discursos

que representam uma sociedade, uma comunidade, uma cultura. Assim a linguagem

é essencialmente dialógica e complexa, pois nela se imprimem, historicamente e

pelo uso, as relações dialógicas dos discursos. A palavra é sempre marcada pela

palavra do outro, ou seja, quando um enunciador constrói seu discurso, leva em

conta o discurso de outrem, que está sempre presente no seu.

Essa breve apresentação do dialogismo de Mikhail Bakhtin tem por objetivo

embasar o estudo que será feito neste trabalho, pois ao analisarmos o conto de

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fadas A gata borralheira2, dos Irmãos Grimm e as narrativas audiovisuais Ever After3,

Only you4 e Maid to order5 percebemos nitidamente que esses textos mantém um

diálogo, abrindo espaço para o estudo da intertextualidade, que se origina dos

estudos desse teórico sobre os romances modernos. Bakhtin os classifica como

dialógicos e assim, diante de uma variedade de significados, um texto se aproxima

facilmente de outro. Essa aproximação não acontece só entre textos diferentes, mas

também entre épocas distintas, colocando a linguagem como uma área permanente

de trocas e os textos reelaboram outros textos, mesmo entre códigos distintos.

Para esta análise trabalharemos o código literário transpondo-se para o

código fílmico. Dessa forma observamos que a palavra é migratória e também

elemento de ligação entre textos e dá sustentação ao recurso da intertextualidade.

Esse recurso parte do dialogismo de Bakhtin que concebe a palavra literária

não com um sentido fixo, mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de

diversas escrituras, do destinatário ou da personagem, do contexto cultural atual ou

anterior. (KRISTEVA, 2005, p. 66)

Em Introdução à Semanálise, Kristeva (2005) destaca que há três elementos

que dialogam no espaço textual: o sujeito da escritura, o destinatário e os textos

exteriores. Ela considera que todo texto se constrói como “mosaico de citações”. A

intertextualidade insere-se numa teoria totalizante do texto, englobando suas

relações com o sujeito, o inconsciente e a ideologia, numa perspectiva semiótica,

que leva ao entendimento de que a especificidade do literário, sendo um discurso

entre outros, só pode ser pensada no diálogo interdiscursivo. Isso faz que a prática

comparativista seja o uso sistemático de estratégias de aproximação e de confronto

de textos e discursos.

2 GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos e Lendas dos Irmãos Grimm. Trad. Íside M. Bonini. São Paulo: Edigraf S.A.,vol.II.

3 EVER AFTER (Para sempre Cinderela). Dir. Andy Tennant. EUA. 20th Century Fox. 1998.

4 ONLY YOU (Só você). Dir. Norman Jewison. EUA. TriSTAR. 1994.

5 MAID TO ORDER (Cinderela às avessas). Dir. Amy Jones. EUA. Warner. 1987.

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Para Kristeva existem dois eixos: horizontal e vertical. No eixo horizontal, tem-

se a palavra no texto que pertence, ao mesmo tempo, ao sujeito da escritura e ao

destinatário; e no vertical o par texto-contexto. Assim, a palavra (o texto) é um

cruzamento de palavras (textos) onde se lê, pelo menos, uma outra palavra (texto).

Todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Então de que forma um

texto A pode se relacionar com um texto B e quando um ponto de convergência

entre ambos poderá ser, com efeito, apresentado como uma evidência de

intertextualidade?

Para decifrar essa incógnita, devemos, primeiramente, examinar os conceitos

de paródia, paráfrase e estilização, estabelecendo as diferenças entre eles.

Para tanto é necessária uma breve história do termo paródia. Ela já

despertava interesse desde Aristóteles (1966), que em sua Poética a usava para

analisar as epopéias e as apresentações do teatro antigo. Para o filósofo grego, a

poesia era a representação em versos das ações humanas, onde se opunham dois

tipos de ações que se diferenciavam por seu nível de dignidade moral e/ou social:

alto e baixo e dois modos de representação, narrativo e dramático.

Na tragédia, ocorrem as ações altas no modo dramático e as ações baixas,

na comédia. Já o modo narrativo não foi desenvolvido por Aristóteles, porém Gérard

Genette, em Palimpsestes (1982, p.17) identifica-o com a paródia, que deve ter

surgido entre os séculos VII e IV a.C., por meio de Hegemon de Thasos, escritor

grego, que usou o estilo épico para representar os homens não como superiores ao

que são na vida diária, mas como inferiores.

Como diz Sant’Anna (1985, p.11),

Teria ocorrido, então, uma inversão. A epopéia, gênero que naAntigüidade servia para apresentar os heróis nacionais no mesmonível dos deuses, sofria agora uma degradação. Essa observação deAristóteles revela um enfoque marcadamente ético e mostra que osgêneros literários eram tão estratificados quanto as classes sociais. Atragédia e a epopéia eram gêneros reservados a descrições maisnobres, enquanto a comédia era o espaço da representação popular.

A paródia, na epopéia, acontecia por intermédio de uma transformação

estilística, que a transportaria de um registro mais nobre para um mais familiar, até

mesmo vulgar, ocorrência essa que chegou até o século XVI.

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Genette (1982, p.19) identificou, na Antigüidade clássica, três tipos de paródia

e Aristóteles teria trabalhado com o segundo tipo, a “anti-epopéia”, que ele chamou

de “Dilíada” ( vem de deilos = frouxo). Nesse tipo, as personagens seriam inferiores

aos deuses em contraposição às epopéias tradicionais, em que o sujeito

representado tinha que ser superior para servir de modelo para os ouvintes.

Já Tynianov e Bakhtin , dois formalistas russos, colocam a paródia dentro de

uma certa sinonímia e a definem paralelamente ao conceito de estilização. Tanto um

estudioso quanto o outro têm pensamentos que coincidem. Tynianov coloca a

estilização próxima da paródia. A diferença é que na paródia o texto original e o

parodiado são discordantes. Já na estilização isso não ocorre, havendo, pois,

concordância entre os dois textos. Enfim, entre elas há uma pequena distância e se

aparecer uma forte motivação cômica na estilização, ela converte-se em paródia.

Segundo Bakhtin (apud SANT’ANNA, 1985, p.14),

tanto na paródia quanto na estilização, o autor emprega a fala de umoutro. Na paródia, a intenção é que essa oponha-se diretamente à falaoriginal, fazendo-a servir a fins opostos, não podendo haver a fusãodessas duas falas, fato que só ocorre na estilização. Então, acriatividade aparece na paródia, pois ao parodiar o estilo de outro,pode-se seguir direções diferentes, o que não ocorre na estilização,que segue uma só direção, já proposta pelo autor original.

Observamos então que esses autores estabelecem os conceitos de paródia e

estilização, especificamente, para o texto literário. Para o presente trabalho

precisamos alargar tais conceitos, já que queremos contrapor o literário ao fílmico.

Para tanto podemos também contrapor a paródia à paráfrase. O termo

paráfrase não possui uma história porque significa continuidade, repetição. A história

interessa-se pela ruptura, pelo corte e pelo acréscimo, porém podemos tomar uma

definição de paráfrase que foge à repetição. De acordo com Beckson (apud

SANT’ANNA, 1985, p.17) “é a reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo

sentido de uma obra escrita.”

Ao falarmos desses dois conceitos, estamos diante de dois eixos: o eixo

parafrásico e o eixo parodístico. Assim percebemos que a paródia representa o novo

e o diferente enquanto que a paráfrase representa o semelhante.

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Para continuarmos o nosso trabalho, há a necessidade de que conceituemos

o termo apropriação, que é recente no campo da crítica literária. Segundo Sant’anna

(1985), embora seja um conceito relativamente novo, podemos correlacioná-lo à

paráfrase, à estilização e à paródia. A origem da apropriação está no Dadaísmo e

chegou à literatura pelas artes plásticas. Nos anos 60, com o surgimento da pop art,

objetos comuns eram manipulados e transformados em arte, retratando a sociedade

industrial da época e apresentando uma crítica da ideologia. Assim, o objeto era

retirado de seu uso comum e colocado em uma situação diferente, sendo re-

apresentado em sua estranheza.

Podemos até dividir a apropriação em dois graus: apropriação de 1º grau e

apropriação de 2º grau. A primeira dá-se quando o objeto entra em cena e a outra,

quando o objeto representa-se, traduzido para um outro código. Tanto uma como a

outra apresentam uma simbologia que reúne significados e conceitos.

Essa técnica ficou conhecida como arte conceitual, pois a idéia é que importa,

a forma vem em segundo plano. O artista está provocando uma ruptura ao intervir

no cotidiano chamando a atenção para alguma coisa.

Aqueles que vêem a apropriação como uma paródia ao exageromáximo, vão dizer que ela se opõe à paráfrase e diverge daestilização. É um gesto devorador, onde o devorador se alimenta dafome alheia. Ou seja, ela parte de um material já produzido por outro,extornando-lhe o significado.(SANT’ ANNA, 1985, p.46).

Podemos situar na paráfrase e na paródia um pró-estilo e um contra-estilo, já

que a primeira reafirma o texto de origem, enquanto a segunda inverte-o, tentando

inovar. Já na apropriação, o autor apenas faz um agrupamento, uma articulação do

texto alheio. O artista que se apropria do texto de outrem sugere uma nova leitura.

De acordo com as considerações de Sant’anna (1985), podemos exemplificar

citando Maurício de Sousa, que se apropriou da Mona Lisa de da Vinci e colocou em

seu lugar a personagem Mônica, com uma aparência sossegada, tranqüila. Ele

inverteu um signo cultural, visto que a Mônica não é uma menina boazinha e sim

explosiva e dominadora.

Quando a sociedade se industrializou, a reprodução de um original tornou-se

fácil através de diversos meios como: fotos, disco, cinema, xerox, etc. A obra de arte

deixou de ser única e insubstituível. Essa facilidade de reprodução das coisas

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alterou a relação com a obra de arte. Nota-se, então, uma relação entre a

apropriação e a sociedade de consumo. Conforme Sant’ Anna (1985, p.47), nesta

sociedade, os objetos assumiram o lugar dos sujeitos. O sujeito não é mais o

mesmo. Indivíduos e objetos são descartáveis.

Ao trazer o conceito de apropriação para este trabalho, notamos a sua não

pertinência diante do texto de origem A Gata Borralheira e dos três filmes

analisados, uma vez que o apropriador recorta textos de outrem e os coloca num

contexto diferente, fazendo uma releitura do passado e uma leitura do presente. Isso

não é o que se observa nos textos citados. Se voltarmos à questão do desvio

tolerável (estilização), do desvio mínimo (paráfrase) e do desvio total (paródia),

notamos semelhanças e diferenças entre os textos analisados.

Sant’Anna (1985) reformula as teorias de Tyanianov e Bakhtin sobre o

conceito de estilização e avança propondo três modelos para redefinir esses termos.

Esses autores tinham desenvolvido a oposição entre paródia e estilização, utilizando

basicamente para estudos na área do romance, privilegiando autores como

Dostoiévski e Gogol.

No primeiro modelo, o autor aborda o efeito pró-estilo da paráfrase e o efeito

contra-estilo da paródia. Segundo ele (1985, p.36) “quando a estilização se dá na

mesma direção do texto anterior, transforma-se numa paráfrase; se ela ocorre em

sentido contrário, constitui-se numa paródia”. Assim a estilização é uma técnica

geral e a paródia e a paráfrase seriam efeitos particulares, ou seja, a estilização é o

artifício utilizado pelo autor e a paródia e a paráfrase é o resultado.

No segundo modelo, Sant’Anna aborda a noção de desvio, considerando que

os jogos estabelecidos nas relações intra e extratextuais são desvios maiores ou

menores em relação a um texto original. Nessa concepção, a estilização seria um

desvio tolerável, que ocorreria o máximo de inovação sem ser subvertido, pervertido

ou invertido seu sentido. A paráfrase trabalharia com o desvio mínimo e a paródia

com o desvio total.

O autor (1985, p.41) complementa, dizendo que:

a paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ousentido. Já a paráfrase reafirma o s ingredientes do texto primeiroconformando seu sentido. Enquanto a estilização reforma,esmaecendo, apagando a forma, mas sem modificação essencial daestrutura.

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Nessa perspectiva, a paráfrase e a estilização fazem parte de um mesmo

conjunto em oposição à paródia.

No terceiro e último modelo, encadeiam-se os quatro elementos já citados:

paráfrase e estilização no conjunto das similaridades e paródia e apropriação no

conjunto das diferenças.

Paráfrase e estilização no primeiro conjunto mantém uma gradação, já que a

paráfrase é o desvio mínimo e a estilização, o desvio tolerável. No segundo conjunto

temos paródia e apropriação também numa relação de parentesco, uma vez que,

como diz Sant’Anna (1985, p.48) “a paródia é a inversão do significado, que tem o

seu exemplo máximo na apropriação.”

Por exemplo, no filme Maid to order há uma inversão do conto original A gata

borralheira, pois a personagem principal é uma moça rica que mora em uma mansão

com seu pai, mas que não valoriza o que tem. Só quer gastar dinheiro e ter uma vida

sem objetivos. Ela faz o caminho inverso da gata borralheira.

Ora, o que o texto parodístico faz é exatamente uma re-apresentaçãodaquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de lero convencional. É um processo de liberação do discurso. É umatomada de consciência crítica.(SANT’ ANNA, 1985, p. 31).

No filme Ever After, Danielle é a boa moça que ajuda a todos e obedece à

madrasta que só a faz sofrer. Ela é a própria gata borralheira, mostrando apenas

mais determinação em suas atitudes. A história da boa moça à procura da felicidade

é reafirmada, o desvio é mínimo.

Portanto, constatamos que paródia e paráfrase tocam-se num efeito de

intertextualidade e a estilização é o ponto de contato entre elas.

Para exemplificarmos podemos citar o filme Only you que se localiza entre os

outros dois já citados, traduzindo-se como uma estilização. Faith é a gata borralheira

moderna, desde pequena sonha em ser feliz ao lado do homem idealizado. As

inovações admitidas no filme não subvertem, pervertem ou invertem o sentido do

original dos Irmãos Grimm, é um desvio tolerável.

A leitura para perceber as relações intertextuais necessita de uma certa

especialização. A intertextualidade é uma atualização que permite ao receptor

encontrar, num texto novo, os ecos de um passado intertextual submerso, mas não

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escondido. A tarefa do leitor é reconstruir a obra levando em conta, além das

relações dialógicas existentes, sua estrutura e sua riqueza semântica. É também de

suma importância estar atento ao contexto em que a obra se inscreve e os

conhecimentos anteriores do receptor6.

Quando pensamos sobre a questão das vozes, vemos que a paródia

contradiz o texto original e coloca as coisas fora de seu lugar, propondo a

originalidade através da criatividade, da deformação do texto de origem. No filme

Maid to order, inaugura-se um novo paradigma, pois a paródia não é um espelho, ela

excede os pormenores de tal forma que destrói o texto original e assim busca a

diferença. Ao contar a história da borralheira às avessas, essa narrativa audiovisual

mostra as fragilidades da moça rica que, ao se ver pobre, canaliza suas forças para

o bem e se percebe não mais como o centro das atenções e sim como mediadora

dos sonhos de outras pessoas e dessa forma consegue realizar seus próprios

anseios.

Já a paráfrase é um discurso sem autoria, porque revela a voz de um outro,

está mostrando o que alguém já falou. O texto parafraseado e o texto original estão

do mesmo lado, é o mesmo jogo, reafirmado em uma nova época.

Em Ever After, reafirma-se a situação da moça oprimida, subjugada pela

madrasta, que procura, através do príncipe, o caminho para a felicidade. Danielle

tenta, durante toda a sua trajetória, livrar-se da dominação da condessa, mas não

consegue. Só no final, como no texto dos Irmãos Grimm, ela consegue sua

libertação e a madrasta e uma de suas filhas são castigadas e tratadas com “o

mesmo respeito” que dispensaram à nossa borralheira.

A estilização renova o texto original sem alterar sua estrutura. Isso vemos em

Only you, em que Faith, nossa cinderela moderna, procura incansavelmente seu

príncipe, seu final feliz. Ela não é a moça simples e resignada do conto da fadas

original; é batalhadora, atual, uma mulher que toma a iniciativa e persegue o seu

sonho. Entretanto, o romantismo que norteia o texto de origem permanece na

trajetória de Faith e pode ser observado em diversas cenas: na perseguição de Faith

ao suposto príncipe, situação em que ela perde o sapato; no passeio de nossa

heroína e Peter, um comerciante de sapatos, depois que ele se revela o homem dos

6 Como este trabalho trata da produção de textos e não da recepção, a esse respeito seria interessanteconsultar teóricos que falem da estética da recepção, como Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss.

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sonhos dela. Até mesmo os lugares escolhidos para a filmagem confirmam esse

clima romântico: Veneza, Roma e Positano.

Por isso podemos afirmar que a estilização produz um desvio tolerável,

enquanto a paráfrase, um desvio mínimo e finalmente a paródia surge como um

desvio total.

Apesar das diferenças entre esses recursos, podemos notar que os efeitos

da estilização podem se dar tanto na paráfrase quanto na paródia, já que ela reveste

o texto de origem de uma outra roupagem, atualizando-o. Assim dizemos que a

estilização é um texto ambíguo, à proporção que carrega um pouco de dois textos;

recorre ao texto-base, mas busca inovação e originalidade no seu próprio texto.

No filme Only you, encontram-se marcas não-verbais remanescentes do texto

dos Irmãos Grimm, só que a atmosfera que os envolve é reformulada, de acordo

com a época, a sociedade em questão e a proposta do cineasta. Destacamos ,

dessa forma, o sapato, o relógio, a escada e a fonte. Esses signos não precisam de

palavras e são eficientes no processo de comunicação. Todavia, a percepção dos

efeitos da estilização como paródia ou paráfrase dependerá do repertório do leitor,

do espectador, que irá perceber ou não tais efeitos no texto.

2. Seqüências importantes dos textos analisados

Neste momento, torna-se importante apresentar as seqüências narrativas

analisadas para podermos perceber as relações intertextuais entre elas.

Em “A Gata Borralheira”, dos Irmãos Grimm, podemos destacar os seguintes

acontecimentos que são importantes para o estudo da intertextualidade:

a) Moça boa e piedosa perde a mãe muito cedo e passa a viver só com o pai;

b) O pai casa-se com uma mulher ambiciosa e má que tem duas filhas

igualmente más;

c) A moça passa a sofrer nas mãos da madrasta e suas filhas, todos os seus

pertences são confiscados e ela se torna a criada da casa;

d) As irmãs malvadas são ambiciosas e sempre pedem presentes caros,

enquanto a Gata Borralheira é simples e se satisfaz com pouco;

e) Uma pomba branca é a conselheira da pobre menina, que vive só e triste;

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f) Quando o príncipe do reino anuncia três noites de baile para escolher uma

esposa, a madrasta vê a oportunidade de casar uma das filhas e ascender

socialmente;

g) A Gata Borralheira vê nos bailes um meio de encontrar o homem desejado e

alcançar a felicidade;

h) A menina vai aos bailes e quem a ajuda é a pomba e uma aveleira. Em cada

um dos dias ela está mais bonita e bem vestida;

i) No último baile, ela perde um dos sapatinhos dourados e o príncipe manda

seus mensageiros percorrerem todo o reino em busca da amada

desconhecida;

j) A madrasta tenta impedir a enteada de experimentar o sapato, mas seu

truque não dá certo. A Gata Borralheira é a escolhida, aquela que merece o

final feliz, a felicidade por tanto tempo almejada. A madrasta e as irmãs têm

os olhos furados pelas pombas como castigo por tanta crueldade praticada

contra a jovem.

Agora passaremos à seqüência de acontecimentos nos filmes.

Em Ever After, os fatos apresentam-se da seguinte forma:

a) Danielle é uma menina bonita e órfã de mãe, que mora com o pai e alguns

criados;

b) O pai casa-se e a madrasta tem duas filhas, uma boa e outra má como a

mãe. O pai morre e Danielle é tratada como criada e obrigada a servir a

madrasta e as irmãs;

c) Um dia, ao tentar libertar Maurice(criado de sua casa), conhece o príncipe

Henry. Ela esconde a sua verdadeira identidade e diz ser a Condessa Nicole

de Lancret, nome de sua mãe;

d) Henry encanta-se por ela e eles passam a se encontrar. O príncipe está

apaixonado e cheio de idéias para sua vida, mas Danielle sofre por esconder

a sua verdadeira identidade dele;

e) No baile que o rei promove para encontrar uma esposa para Henry, Danielle

está maravilhosa, usando as roupas e o sapato de cristal da mãe. Não há a

presença da fada madrinha, Danielle é ajudada pelos criados e por Leonardo

Da Vinci;

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f) Quando Danielle aparece no baile, o príncipe fica muito feliz, porém essa

felicidade dura pouco, já que a madrasta desmascara a moça na frente de

todos;

g) Henry não deixa que Danielle se explique e aceita se casar com a moça que

seu pai escolheu;

h) A madrasta troca a enteada pelas coisas que estavam penhoradas a um

agiota. Henry desiste do casamento arranjado e vai procurar sua amada;

i) A irmã boa diz onde ela está e assim os dois reconciliam-se e se casam. A

madrasta e sua filha má são castigadas passando a ser criadas no castelo;

j) Essa história é contada pela tataraneta de Danielle aos Irmãos Grimm,

remetendo à história original.

No próximo filme, Only you, observamos a seguinte seqüência de

acontecimentos:

a) Faith é uma professora bonita e sonhadora. Desde a infância sonha com o

homem ideal e através de uma tábua ouija7 e de uma cigana acredita que

esse homem chama-se Damon Bradley;

b) Embora esteja de casamento marcado com um médico, não consegue

esquecer a previsão que foi feita na infância;

c) Ao experimentar o vestido de noiva, recebe um telefonema de um amigo do

noivo, pedindo desculpas por não poder estar no casamento. Ele diz que se

chama Damon Bradley e deixa Faith transtornada;

d) Junto com a cunhada Kate, vai a Veneza para tentar encontrá-lo. Ao chegar

lá, descobre que Damon já havia deixado o hotel e seguido para Roma.

Remexe o lixo do quarto do rapaz e consegue encontrar um endereço de um

loja de roupas, em Roma;

e) Já em Roma, vai até a casa de moda e, através de uma funcionária, fica

sabendo que Damon estará, à noite, no restaurante Galeassi. As duas amigas

arrumam-se e vão até esse local. Faith entra por uma porta e Damon sai por

outra. Ela segue-o pelas ruas de Roma e nessa perseguição perde um dos

sapatos, que é encontrado por Peter, um vendedor de sapatos;

7 Tábua ouija ou tabuleiro ouija é qualquer superfície plana com letras, números ou outros símbolos em que secoloca um indicador móvel, utilizada supostamente para comunicação com espíritos. (www.wikipedia.org.br)

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f) Faith perde Damon na multidão e, desiludida, senta-se numa fonte e

desabafa com Kate. Peter chega, ajoelha-se para calcar-lhe o sapato e ouve

a conversa. Apresenta-se como Damon e a moça desmaia,

g) Ao recobrar a consciência, saem para um passeio pela cidade. No quarto de

Peter, envoltos em um clima romântico, ele confessa não ser Damon. Faith

fica furiosa e o deixa falando sozinho. Ela diz à cunhada que a sua busca

terminou e que vai voltar e se casar com o noivo;

h) No dia seguinte, quando está de partida, Peter pede perdão e diz ter

encontrado o verdadeiro Damon, que está em Positano, um lugar romântico,

à beira mar. Faith, Peter, Kate e Giovani, o dono da casa de moda, seguem

para esse lugar;

i) No hotel, Faith encontra “Damon” e marcam um jantar para aquela noite.

Peter a ajuda a se produzir para o encontro e fica muito triste ao vê-la sair.

Depois do jantar, todos seguem para um iate, onde está acontecendo uma

festa. A professora descobre toda a farsa montada por Peter e abandona a

embarcação com Kate;

j) Muito decepcionada, resolve partir no dia seguinte. No aeroporto, ouve pelo

alto-falante chamarem o nome de Damon Bradley. Peter, que também está de

partida, ouve e os dois dirigem-se para o balcão e encontram o verdadeiro

Damon. Peter apresenta Damon a Faith, que só assim percebe o absurdo da

situação. O rapaz despede-se e deixa Faith diante de um Damon atônito. Ela

segue Peter até o avião, declara-se a ele e os dois partem juntos para

Boston.

No último filme em estudo, Maid to order, os acontecimentos desenrolam-se da

seguinte maneira:

a) Jessie é uma moça rica e fútil que leva uma vida sem objetivos. Vai a festas e

gasta muito dinheiro. É órfã de mãe e vive com o pai em uma mansão em Los

Angeles;

b) Todas as noites vai a baladas, dança, bebe e gasta muito dinheiro. Não se

preocupa com os outros, não ajuda as pessoas, é egoísta e irresponsável;

c) O pai, um filantropo, resolve parar de patrocinar seus caprichos e, numa

noite, Jessie envolve-se numa confusão e acaba na cadeia. O pai fica tão

decepcionado, que deseja nunca ter tido uma filha;

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d) Nesse momento, entra em cena a fada Stella, que atende o pedido do pai de

Jessie, transformando-a numa desconhecida, desempregada e sem um

tostão. A moça não tem outra saída a não ser procurar uma agência de

empregos;

e) Na agência encontra um emprego como arrumadeira em uma mansão em

Malibu. Para quem não tem idéia de como se lava um prato, frita um ovo ou

liga um aspirador de pó, não poderia haver castigo pior;

f) Na mansão, Jessie conhece os empregados: Nick, o motorista, Audrey, uma

espécie de governanta e Maria, que cuida da cozinha. Os patrões são dois

esnobes: o homem, um produtor musical e a mulher, uma dondoca fútil e

sovina. A moça revolta-se com Stella e diz que quer tudo o que é seu de volta.

A fada diz que Jessie tem que fazer por merecer;

g) Com o passar dos dias, ela interessa-se por Nick e se envolve demais com os

outros empregados da casa. Aos poucos, ela vai se humanizando e voltando

a sua atenção para as pessoas que estão ao seu redor;

h) Na festa que os patrões promovem, ela fica muito triste ao ver o pai e não ser

reconhecida por ele. Jessie mostra interesse pelos desejos de seus novos

amigos. Audrey já foi cantora e até gravou um disco, Nick compõe canções e

há muito tempo tenta que o patrão as ouça;

i) O cantor que se apresentaria na festa perde a consciência ao ser atingido por

um coco, que Stella faz cair em sua cabeça. Dessa forma, Audrey toma o seu

lugar e é acompanhada por Nick, no teclado. Ela interpreta uma canção de

Nick e os dois fazem muito sucesso, sendo contratados pelo dono de uma

gravadora, que está na festa;

j) Jessie fica muito feliz e acompanha Stella até a porta. A fada diz que Jessie

mudou e, por isso, merece ter sua vida de volta. Nesse momento, os sapatos

brilham e o pai, que está saindo, pede que ela não chegue tarde em casa.

Stella despede-se da jovem e seu carro desaparece, envolto em uma bolha,

no céu. Jessie emociona-se e termina feliz, ao lado de Nick.

Comparando o conto A gata borralheira, dos Irmãos Grimm aos filmes Ever

After, Only you e Maid to order, chegamos a algumas observações quanto ao

recurso da intertextualidade:

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O primeiro filme (Ever After) faz referência direta ao conto. A história passa-se

no século XVI, portanto a época é muito parecida e assim também o vestuário. Tanto

a heroína do conto quanto Danielle são bondosas e mostram preocupação com o

destino de outras pessoas. Satisfazem-se com pouco, são órfãs de mãe e os pais

casam-se para poder reconstruir suas vidas. As madrastas são más e causam

sofrimento às moças que são despojadas de seus pertences e passam à condição

de criadas em suas próprias casas. Para saírem de tal situação, elas vêem no

príncipe a salvação e o encontro da alma gêmea. No baile, perdem um dos sapatos,

o que irá desencadear uma busca em todo o reino. Quando calçam o sapato,

concretiza-se o sonho e a felicidade é alcançada. Entre o filme e o conto há

pequenas diferenças, portanto o discurso se repete e o desvio é considerado

mínimo. Um dos pontos relevantes quanto às diferenças, ao desvio, é o fato de o

filme não apresentar o elemento mágico, o que não acontece no texto matriz.

No segundo filme (Only you), observamos uma referência temática ao conto

dos Irmãos Grimm: a moça que procura sua alma gêmea, o seu príncipe encantado

e, conseqüentemente, a felicidade. A época do filme é atual, Faith é uma Cinderela

moderna, ousada, decidida. Essa atualização no tempo não nos impede de detectar

a presença do conto no filme e levantar as relações intertextuais entre os dois

textos. Quando Faith corre pelas ruas de Roma atrás daquele que pensa ser o

homem de seus sonhos, perde um dos sapatos e quem o encontra é Peter, o seu

verdadeiro príncipe. Apesar do filme modernizar o conto, o romantismo é a tônica

dessa história do século XX. O que acontece, então, é que o filme inova o conto e

pode ser classificado como um desvio tolerável. Faith pensa que conseguiu uma

ajuda do destino, por meio da tábua ouija e da cigana, mas a tábua foi manipulada

por Larry, seu irmão, e a cigana também. Ele a contratou para dizer o mesmo nome

apresentado pela tábua.

O terceiro filme em análise é Maid to order e nele a história da borralheira é

invertida, como se fosse colocada diante de um espelho: a moça rica e fútil que, por

suas atitudes, acaba perdendo casa, família e dinheiro. Uma fada acompanha a

trajetória de Jessie que quer reverter essa situação. No final, ela consegue e torna-

se uma pessoa melhor, preocupada com o sonho dos outros. Dessa forma, essa

narrativa fílmica apresenta-se como desvio total e um modo diferente de leitura do

conto, uma forma não convencional. A fada só proporciona a transformação da

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Jessie rica e fútil em uma criada inexperiente. A real transformação de Jessie é feita

por ela mesma, em sua mudança de atitude.

Depois dessas observações, percebemos que o cruzamento da narrativa

literária dos Irmãos Grimm com as narrativas audiovisuais apresentadas leva-nos a

entender que a intertextualidade é inerente à produção humana. O ser humano

recorre àquilo que já foi feito em seu processo de produção simbólica. Cada texto,

seja ele um filme, uma música, um conto, um romance, uma poesia apresentam uma

significação que não está completamente pronta, pois esses mesmos textos estão

sujeitos a diferentes olhares e recepções por parte de diferentes leitores. A

significação processa-se entre o texto e seu receptor, que é ativo, participa desse

jogo intertextual, tanto quanto o autor.

De acordo com Kristeva (2005, p.104), a linguagem poética é um diálogo de

dois discursos. Um texto estranho entra na rede da escritura: esta o absorve

segundo leis específicas que estão por se descobrir. Assim, no paragrama8 de um

texto, funcionam todos os textos do espaço lido pelo escritor.

Esse aspecto duplo apontado na linguagem literária permite a Kristeva (2005)

buscar no contexto saussureano de “paragramática” uma compreensão semiótica

para o problema. De acordo com tal conceito, o texto literário deve ser abordado

segundo uma tripla compreensão de sua natureza, posto que ele é (a) a única

infinidade do código, (b) uma dobra que pressupõe escritura e leitura e (c) uma rede

de conexões.

Podemos então dizer que ler é uma via de mão dupla, implica na participação

ativa do receptor e toda seqüência organiza-se em relação a uma outra.

Para Kristeva (2005), a leitura é um processo que se realiza como ato de

colher, de tomar, de identificar traços. Como cada texto é originário de outro, cada

seqüência é duplamente orientada: para a lembrança de uma outra escrita e,

posteriormente, para a modificação dessa escritura.

A esse respeito, Aguiar e Silva (1999, p. 625), diz que o texto é sempre, sob

modalidades várias, um intercâmbio discursivo, uma tessitura polifônica na qual

8 Saussure teria chegado ao termo paragrama para designar o fenômeno geral em que um nome simplesdesdobra-se de um modo complexo nas sílabas de um mesmo verso. (CAMPOS, H. A arte no horizonte doprovável. SP: Perspectiva, 1976, p.108).

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confluem, se entrecruzam, se metamorfoseiam, se corroboram ou se contestam

outros textos, outras vozes e outras consciências.

Por conseguinte entre o texto dos irmãos Grimm e os filmes analisados

confirma-se a intertextualidade temática que renova os mitos e as emoções

humanas, confirmando que tais textos se complementam e se inter-relacionam.

CAPÍTULO II

CINDERELA – POR QUE UM CONTO DE FADAS QUE ATRAVESSA OS

SÉCULOS?

2.1. A origem dos contos de fadas

Neste capítulo estudaremos o texto A Gata Borralheira ou Cinderela, dos

irmãos Grimm. Primeiramente, traçaremos um pouco da história do conto de fadas,

dos autores desse conto e também levantaremos os símbolos presentes na história

que sejam relevantes para a compreensão da intertextualidade desses elementos

com os dos filmes analisados.

Segundo Cashdan (2000), os contos de fadas, como entretenimento, nos

salões e livrarias, era moda na Paris do século XVII. Até o século XVIII eram

dramatizados em salões parisienses para a elite mais culta; a partir do século XIX

transformaram-se em literatura infantil. Tal transformação deveu-se a ambulantes

que viajavam por vários lugares vendendo pequenos volumes com histórias

folclóricas e contos de fadas simplificados para poder atrair o grande público.

O gosto por essas narrativas orais foi alvo de preconceito e era tido como

coisa de menina. Assim os contos sofreram ataques por vários anos. Um deles foi

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ver a história de Cinderela como um roteiro opressor para a domesticação feminina.

Esse entendimento não é o nosso para a história e suas questões femininas.

Com esse histórico, os contos de fadas continuam sendo transmitidos e não

morrem. Por quê? Isso se deve ao fato de auxiliarem na educação das crianças,

ajudando-as a resolverem conflitos internos enfrentados durante o crescimento. Os

personagens principais são crianças comuns que criam uma identidade com o

público infantil.

Os contos de fadas são importantes documentos históricos que nos mostram

como era a vida em certos períodos da história. Antigamente, cada dia representava

uma batalha pela sobrevivência. Os obstáculos enfrentados pelo herói ou pela

heroína ensinavam às crianças que elas podiam ser bem sucedidas no mundo se

utilizassem seu potencial, seus recursos internos.

Desde o início até hoje, os contos de fadas sofreram muitas transformações e

assim adaptaram-se ao avanço tecnológico. Acredita-se que continuarão a mudar,

adaptando-se às evoluções do tempo moderno.

Os contos de fadas revelam um mundo misterioso das histórias de tradição

oral contadas por pessoas iletradas que moravam no campo ou vilas distantes.

Esses contos são mágicos, transportam o leitor ou o ouvinte para lugares onde tudo

pode acontecer.

A palavra fada tem origem no latim (fatum, fata) e faz referência a uma deusa

do destino. As fadas costumam fazer previsão do futuro nas histórias em que

aparecem.

Nos contos de fadas há um herói ou uma heroína que são levados a um lugar

diferente onde existe fantasia, magia. A maldade se faz representar sob a figura de

uma madrasta, uma bruxa ou outro personagem com má índole. Para que o herói ou

heroína cheguem à vitória, ocorrem obstáculos que são transpostos com a ajuda de

um elemento mágico.

Jolles (1976) diz que a maior parte das histórias para crianças nasceu na

Europa, entre os séculos V e XV. Sua difusão fez-se oralmente entre camponeses e

originaram diversas versões. Com o surgimento das cidades, as famílias foram se

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deslocando do meio rural para o urbano e o hábito de contar histórias correu o risco

de desaparecer. Para que essas narrativas não se perdessem, coube aos escritores

o seu registro no papel.

Com a tipografia de Gutemberg, 1445, as histórias de tradição oral passaram

à forma escrita e puderam ser impressas em muitas cópias. Dessa maneira, as

idéias, nos livros, começaram a se expandir e surgiram outros estilos, como o

romance, por exemplo.

Na passagem da oralidade à literatura, as histórias, antes destinadas aos

adultos, tiveram seus conteúdos suavizados, tornando-se mais românticas e cheias

de fantasia.

Marçolla (20_ _?, p.36) afirma que:

A literatura infantil, propriamente dita, aparece justamente no séculoXVII, em que ocorrem mudanças na sociedade, conseqüentes daascensão da família burguesa, da nova posição concedida à infânciana sociedade e da reorganização da escola.

A ruptura da tradição oral, na sociedade burguesa, dissolveu os gruposque, indiscriminadamente, se reuniam, nas sociedades feudais epatriarcais, para ouvir os contadores. Assim se estabelece o hábito deler, individualmente ou em grupos distintos, para adultos e paracrianças, começando então a levar em consideração a adequação dostextos para crianças. Começa, desse modo, a especificação daliteratura infantil, não o seu nascimento. (CARVALHO, apudMARÇOLLA, 20_ _?, p.37).

Com isso as histórias passaram a ter o papel de ensinar. As crianças

passaram a ser diferenciadas dos adultos e deviam receber uma educação

específica para prepará-las para a vida adulta. Até então, elas participavam das

mesmas atividades e diversões dos adultos.

De acordo com Philippe Ariès (1981), na sociedade medieval européia, a

infância era reduzida a seu período mais frágil, pois logo que a criança adquiria

alguma autonomia física era misturada aos adultos, devendo partilhar de seus

trabalhos e jogos. Cedo afastada da família, sua educação era garantida pelo que

Ariès chamou de aprendizagem, que se dava espontaneamente por meio do

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convívio com os adultos. A família não tinha então a função afetiva que tem hoje,

estando tal função identificada com o grupo mais extenso da comunidade9.

A preocupação com a infância direciona uma reelaboração do materialreunido numa linguagem mais simplificada, com vistas à compreensãopor parte da criança. O material resultante passa a fazer parte de seumundo de aprendizagem, e recreação, fundamentando a criação daliteratura infantil. (PASSERINI, apud MARÇOLA, 20_ _?, p.37).

Coelho (1987) afirma que o pioneiro dos contos de fadas e precursor da

literatura infantil foi Charles Perrault, que nos séculos XVII e XVIII, publicou muitas

fábulas. Suas histórias encantaram os adultos por poderem através delas voltar a

ser crianças, mergulhando num mundo de magia e encantamento.

Para a pesquisadora e escritora Bárbara Vasconcelos de Carvalho (apud

MARÇOLLA, 20_ _?, p.39),

o seiscentismo barroco, caprichoso e requintado deu à literaturamaravilhosa a riqueza de imaginação que tanto agrada às crianças. Opreciosismo e as preciosas de então, transitaram nos contosmaravilhosos, com a roupagem da fantasia, do jogo lúdico, das fadas edas bruxas, através da incomparável pena de Perrault.

No século XIX, a literatura infantil assume mais uma vez posição de destaque

com o trabalho de coleta detalhada das histórias, realizado pelos irmãos Grimm

(Jacob e Wilhelm), filólogos e folcloristas alemães, que recolheram do povo a

tradição oral e passaram-na para a escrita. Acrescentando às histórias um toque de

romantismo e amenizando as situações vividas pelos personagens, conquistaram

definitivamente o público infantil.

Movidos por diferentes estímulos, foram Perrault e Grimm conduzidosà mesma motivação ao mundo mítico dos contos maravilhosos dasfadas e dos gênios encantados. Perrault, buscando um novo gênero,em pleno Classicismo-barroco; os irmãos Grimm, pesquisando as

9 Para maiores informações sobre o assunto, ler História social da infância, de Philippe Ariès.

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tradições populares, as fontes folclóricas, no culto de seu povo e suaterra, inspirados pelo Romantismo. Assim, mergulhando ambos numreino de infâncias, atingiram o reino da infância. (CARVALHO, apudMARÇOLLA, 20_ _?, p.39).

O conto de fadas em estudo tem muitas versões. Marçolla (20_ _?) diz que,

provavelmente a versão mais antiga da história de Cinderela é originária da China,

por volta de 860 a. C. A Cinderela chinesa é Yeh – hesien.

Quando a mãe de Yeh - hesien morre, sendo seguida logo depois pelo pai, a

co-esposa deste começa a maltratá-la e a proteger a própria filha. Um peixinho

dourado mágico aparece num lago e fica amigo de Yeh-hsien. Quando a madrasta

malvada descobre essa fonte de consolo de sua odiada enteada, mata-o, come-o e

esconde os ossos “sob a colina de esterco”. Quando Yeh-hsien, sem saber de nada,

chama o peixe no dia seguinte como era seu hábito, um feiticeiro desce do céu e lhe

diz onde encontrar os ossos. “Pegue-os e esconda-os em seu quarto. Para ter o que

desejar, basta rezar e pedir a eles...” Yeh-hsien obedece e percebe que não está

mais sofrendo de fome, sede ou frio – os ossos do peixe passaram a cuidar dela. No

dia do festival local, a madrasta e a meia-irmã ordenam que fique em casa, mas ela

espera que partam e, então, com um manto de penas de martim-pescador e sapatos

de ouro, vai ter com elas no festival. Sua irmã a reconhece, Yeh-hsien percebe, foge

e perde um sapato de ouro.

Alguém o acha e o vende para um comandante local: era uma polegada

menor do que o sapato da mulher que, entre elas, tinha os pés mais pequeninos. Ele

ordenou que todas as mulheres de seu reino o experimentassem.

Mas o sapatinho não serviu em nenhuma delas. Era leve como penugem, e

não fazia ruído nem quando pisava sobre pedras. Yeh-hsien se apresenta, levando

consigo os ossos de peixe, e torna-se a “principal esposa” na família do rei. Sua

madrasta e irmã são apedrejadas até morrerem.

Na versão chinesa de Cinderela, percebe-se a importância dos pés pequenos

para a cultura da China antiga. Lá era costume exagerar na pequenez dos pés

femininos. As mulheres tinham essa parte do corpo enfaixada desde a infância num

processo que trazia muita dor às meninas chinesas. A partir dos sete anos, as mães

exigiam que as filhas envolvessem os pés numa ligadura especial, com cinco

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centímetros de largura e três de comprimento, que obrigava os dedos menores a

encaracolarem-se para trás e para baixo, deixando livre apenas o dedo grande. À

proporção que a ligadura ia sendo apertada, a sola do pé aproximava-se cada vez

mais do calcanhar. Com o tempo, esse tratamento deformava o pé comprimindo-o e

atrofiando-o, quase como um pequeno casco. Assim, os pés cabiam em pequenos

sapatos, ricamente bordados, com apenas alguns centímetros, que eram feitos para

as senhoras da alta sociedade.

Esse costume chinês, que durou quase um milênio, desde o século X até o

início do século XX, originariamente, era aplicado às bailarinas da corte imperial,

para impedir o crescimento natural dos pés, conservando-os pequenos para que

coubessem em delicados calçados, conhecidos como “lótus chinês”. Depois, foi

absorvido pela classe alta como um rito de passagem para as chinesas de boas

famílias, tornando-se a marca da dinastia Sung (960 – 1275 d.e). No entanto, os pés

das jovens chinesas eram amarrados desde muito cedo e de maneira tão apertada,

que as impossibilitava de dançar e mesmo para caminhar era penoso.

O pé pequeno, semelhante a um casco, era considerado o máximo de beleza

erótica pelos homens chineses. Enquanto faziam amor, eles acariciavam os pés,

chegando a colocá-los totalmente na boca. O pé tornava-se, então, não só o núcleo

do desejo erótico, mas também um símbolo de estatuto social elevado, já que as

mulheres que tinham os pés enfaixados, não podiam executar trabalhos manuais.

Essa prática não era aplicada às camponesas, que tinham os pés achatados, ou

“pés de pato”, como as chamavam com sarcasmo.

Por isso, não é de se admirar que a história de Cinderela, cujas irmãs, muito

feias, não conseguiram enfiar os pés enormes no minúsculo sapatinho, seja de

origem chinesa.

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Fig. 1,2,3,4,5 e 6 Montagem mostrando a deformação nos pés de uma senhora chinesa, provocada

pelo enfaixamento

2. Os Irmãos Grimm: um pouco de história

Não podemos negar o prazer de todo ser humano, independentemente de

sexo, raça, credo, idade ou classe social, em ouvir histórias. Muitos afirmam se tratar

mesmo de algo constitutivo, estrutural da nossa psique, atávico à natureza humana.

Somos seres racionais, mas também seres narrativos. Gostamos de um relato,

precisamos de uma história. A seqüência temporal de eventos, com início, meio e

fim, com causa e conseqüência, é algo que permeia nossa compreensão do mundo

e, portanto, é a forma como o apreendemos, sejam ou não representações

artísticas.

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O nascimento das histórias como conhecemos hoje, em bem elaborados

objetos editoriais, além de ricamente ilustradas e de alta qualidade gráfica, está no

costume ancestral de se reunir ao redor da fogueira. Ao analisar criticamente o

percurso histórico da literatura destinada aos pequenos e jovens leitores,

percebemos que dois autores se destacam: Perrault e Grimm e assuntos como

contos de fadas e tradição oral.

No início do século XIX, dois irmãos apaixonados por contos de fadas tiveram

a mesma idéia de Perrault e saíram pesquisando fábulas e adaptando-as à literatura

infantil. Foram os irmãos Grimm que revelaram ao mundo personagens como

Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela e João e Maria.

Jacob e Wilhelm Grimm, os irmãos Grimm10, nasceram na localidade alemã de

Hanau. Jacob, o segundo de uma família de nove filhos, nasceu em 1785, e

Wilhelm, um ano depois. Com a morte do pai, em 1798, ambos foram morar na casa

de uma tia, na cidade de Kassel (Alemanha), onde terminaram os estudos

secundários e iniciaram o curso de Direito.

Por volta de 1806, tiveram acesso a uma coletânea de poesias populares, que

leram com grande interesse. Entusiasmados pela ingenuidade daqueles poemas,

que foram transmitidos oralmente de geração a geração, começaram a reunir e a

escrever os contos tradicionais narrados nos serões familiares, em uma época em

que isso era muito comum, porque não existia outra diversão. Em 1812, publicaram

uma primeira coletânea com 86 contos, seguida, dois anos depois, por uma outra,

que reunia mais setenta contos. Para reunir as histórias, os dois irmãos percorreram

a Alemanha conversando com muitas pessoas.

Dorothea, casada com um alfaiate em Kassel, encontrou os Grimm – então

bibliotecários da cidade – numa feira onde fora levar uma cesta de verduras. E

Wihlelm e Jacob, percebendo o quanto ela sabia das histórias populares, ouvidas na

cervejaria do pai, quando criança, passaram a convidá-la semanalmente, nos dias

de feira, à sua casa, recolhendo assim, os quase 220 contos de seu livro, cujas

edições, em 140 línguas, somam mais de trinta milhões de exemplares.

10 As informações, a respeito dos irmãos Grimm, foram pesquisadas em www.wikipedia.org.br.

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Nessa época, os artistas e intelectuais europeus buscavam recuperar as

tradições dos diferentes povos, afastando-se dos cânones clássicos gregos e

latinos. Além disso, a descoberta de que a maioria das línguas da Europa derivava

de uma antiga língua comum, chamada indo-europeu, fez com que o interesse pelos

idiomas não-latinos, como o alemão e o polonês, aumentasse. No caso dos irmãos

Grimm, foi o interesse pela tradição oral que os levou a estudar com profundidade a

língua alemã e as suas origens.

Os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, filólogos e folcloristas, são considerados,

o primeiro, como o criador da moderna filologia germânica, e o segundo, como o

fundador do folclore moderno. Jacob é responsável, também, por uma das primeiras

traduções para a língua alemã da Edda Poética. O legado deixado por eles é

importantíssimo para a preservação e o estudo da mitologia germânica. Ambos

faleceram em Berlim; Wilhelm em 1859 e Jacob em 1863.

3. Símbolos presentes em “Cinderela”, o conto

Apesar de existirem várias versões do conto Cinderela, todas têm alguma

semelhança. Cinderela trata de questões fraternas, de modo que as crianças

identificam-se com esse conto, porque sempre crêem que seus irmãos recebem um

tratamento melhor que elas. Conforme Bruno Bettelheim (1989), Cinderela é uma

figura idealizada, representa o retrato da inocência.

Ela é uma moça virtuosa, que não sente rancor ou revolta da madrasta e das

irmãs. Mesmo sendo maltratada tem o coração bom e piedoso. Sempre é descrita

como uma mulher muito bonita.

Embora simples e conformada com sua situação humilde, precisou de um

vestido bonito e sapatos dourados para o encontro com o príncipe. Para que tal

encontro acontecesse, necessitou de uma força sobrenatural, do elemento mágico.

Seu romance com o homem sonhado acontece de forma bem rápida, pois o príncipe

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apaixona-se por ela no momento em que a vê. Entre tantas mulheres, ele se

encanta somente por Cinderela.

A saída para o fim do sofrimento que passava com a madrasta e as irmãs

adotivas é o casamento. Sua história é simples, fala dos seus tormentos devido à

rivalidade fraterna, da bondade recompensada e da maldade castigada. A morte da

mãe é o problema que se instala no começo da narrativa e que a coloca em uma

vida de sofrimento e dor.

Podemos dizer que o conto Cinderela contempla três das quatro etapas

propostas por Cashdan (2000, p.48) para o caminho da auto descoberta:

1) ENCONTRO: Cinderela confronta-se com a madrasta malévola,

2) CONQUISTA: Nossa heroína mergulha numa luta ferrenha com a madrasta,

que leva, inevitavelmente, à destruição dessa última;

3) CELEBRAÇÃO: Acontece um casamento de gala, que representa a vitória

sobre a madrasta e assim “todos viveram felizes para sempre”.

Portanto, nessa história há símbolos importantes para o estudo da

intertextualidade que, agora, passaremos a analisar.

O primeiro símbolo que chama a nossa atenção é a aveleira. Cinderela

recebe um ramo dessa árvore de presente de seu pai e o enterra no túmulo de sua

mãe. Ao chorar, rega a planta que cresce e se transforma em uma linda árvore.

A aveleira e seu fruto, a avelã, tiveram relevante papel na simbólicados povos germânicos e nórdicos. Iduna, deusa da vida e dafertilidade, para os germanos do norte, é libertada por Loki,transformado em falcão, que a leva sob a forma de uma avelã. Numconto da Islândia, uma duquesa estéril passeia num bosque deaveleiras para consultar os deuses que a tornam fecunda. Em todosos textos insulares, elas são consideradas árvores de caráter mágico.Nessa qualidade, são freqüentemente utilizadas pelos druidas e pelospoetas como suportes de encantação. (CHEVALIER ;GHEERBRANT, 1996, p. 103).

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Podemos concluir que, no conto “Cinderela”, a aveleira é um símbolo de

fertilidade e um elemento mágico de encantamento. Essa árvore foi plantada na

campa da mãe da borralheira, dá força à moça para que suporte todos os

sofrimentos causados pela madrasta e suas filhas malvadas. É como se a mãe

estivesse presente, ao seu lado, em todos os momentos.

Outro símbolo importante presente no conto são as pombas, que auxiliam

Cinderela durante a sua caminhada rumo à felicidade.

Ao longo de toda a simbologia judaico-cristã, a pomba – que, com oNovo Testamento, acabará por representar o Espírito Santo – é,fundamentalmente, um símbolo de pureza, de simplicidade... O pomboé tido, em geral, como um ingênuo, mas, mais poeticamente, é umsímbolo do amor... O simbolismo do amor se explicita melhor atravésdo casal de pombinhos. (CHEVALIER ; GHEERBRANT, 1996, p.728).

Na história, Cinderela pede à madrasta para ir ao baile, persiste no pedido,

embora negado. Tanto insiste que a madrasta lhe impõe tarefas impossíveis de

realizar, mas com a ajuda das pombinhas e da aveleira mágica, ela consegue

realizá-las, no entanto a permissão lhe é negada. Novamente, as pombas e a

aveleira auxiliam Cinderela, que consegue ir ao baile. No final, sai por decisão

própria e se esconde do príncipe, que está em seu encalço.

As pombas, no conto analisado, representam, então, a pureza, a delicadeza

da boa moça, que se mantém assim do começo ao fim da história, mas também são

responsáveis por fazerem justiça por tudo que Cinderela sofreu. No final, elas são

responsáveis pelo castigo infligido às irmãs de nossa heroína: a maldade é punida

exemplarmente e as duas irmãs têm seus olhos furados pelas pombas. A cegueira é

o que conseguem por terem sido tão falsas e perversas.

Desse modo, o conto Cinderela demonstra que, mesmo quando parece ser

dura e difícil, a vida torna-se bela no final. A Cinderela suja e vestida de trapos

revela-se lindíssima no desfecho. Suas irmãs, que sempre a trataram como uma

criada, são castigadas. A mensagem é otimista e mostra que, apesar das

adversidades que a protagonista tem de superar, a conclusão será justa e feliz.

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Conforme Bruno Bettelheim (1989, p.276), Cinderela guia à criança através de suas

maiores decepções, desilusão edipiana, ansiedade de castração, má opinião de si

própria devido às más opiniões que acredita que os outros têm de si, ao encontro de

sua autonomia, conseguindo uma personalidade própria.

O último elemento a se destacar na história de Cinderela é o sapato, que é

um dos símbolos vinculados ao complexo de poder, daí a expressão: “vou pisá-lo

com meus sapatos”; simboliza, portanto, um ponto de vista da afirmação do ego.

Pode simbolizar ainda, o órgão sexual feminino por revestir o pé, que é um

conhecido símbolo fálico. O calçado que usamos é a parte do nosso vestuário mais

próxima ao chão, o que pode nos levar a fazer uma associação entre sapato e a

nossa relação com a realidade.

Segundo Chevalier e Gheerbrant, (1996, p. 802),

o sapato de Cinderela, na sua primeira versão, que remonta a Elieno,orador e narrador romano do século III, confirma a identificação dosapato com a pessoa. Quando uma cortesã, Rodopis, tomava banho,uma águia roubou-lhe a sandália e levou-a ao faraó. Este,impressionado com a delicadeza do pé, fez com que procurassem ajovem por todo lugar; ela foi encontrada e ele a desposou. Da mesmaforma, o sapato que Cinderela abandonou no palácio do príncipequando fugiu, à meia-noite, se identificava com a moça. Grande foi asurpresa quando Cinderela tirou do bolso o sinal de reconhecimento, aprova irrefutável, o outro sapatinho, que colocou no pé: a prova daidentidade da pessoa. O príncipe, apático desde o seudesaparecimento, tendo-a enfim reencontrado, casa-se com ela porsua beleza, apesar de sua pobreza e dos seus farrapos.

No conto, Cinderela espera que o príncipe a encontre. Ele tem seu sapatinho

e, em algum momento, ele a encontrará e se casará com ela. O símbolo do sapato

que calça os pés é um forte símbolo sexual, representa a passagem para a vida

adulta e para o encontro da felicidade com o homem amado.

Então, percebemos que os contos de fada têm um importante valor no que

concerne à investigação dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. Sendo

superior a qualquer outro material, representam os arquétipos, ou seja, o campo

favorável para a criação de determinadas imagens, símbolos e idéias.

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Dos símbolos presentes no texto dos Grimm, observamos que o sapato é o

elemento intertextual que merece destaque porque aparece também nos três filmes

analisados. Ever After é uma história intradiegética, refere-se a um tempo passado

e é contada aos irmãos Grimm pela rainha da França, que é a tataraneta de

Danielle. O sapato aparece já no início da história quando a rainha começa a

narração para os Grimm. Ele é um elo de ligação entre o conto original e a história

de Danielle. Não é um sapato que surge por magia, mas pertenceu à mãe da moça,

é real, simboliza a continuidade, a felicidade que passa de mãe para filha. Ao subir

as escadas do palácio com esses sapatinhos, ela vai em busca de um amor que lhe

traga felicidade e realização, da mesma forma que um dia foram alcançadas por sua

mãe. Apesar das diferenças sociais que a separam do príncipe, ela acredita no

sonho e o persegue determinada.

No momento da fuga, perde um dos sapatinhos, que é encontrado por

Leonardo da Vinci. Então, novamente é por meio desse elemento de encantamento

que o príncipe a procura e o coloca em seu pé, pedindo-a em casamento.

O famoso pintor renascentista tem um grande destaque na história e o que o

aproxima de Danielle é o fato dos dois serem revolucionários e estarem adiante de

seu tempo.

Em Only you, o elemento “sapato” permeia toda a narrativa. No momento em

que Faith perde um dos sapatos vermelhos em Roma, o verdadeiro príncipe o

encontra e começa a trajetória da moça à procura de sua alma gêmea. Iludida por

falsas pistas, ela não percebe que o seu grande amor está ao seu lado e a

acompanha em todas as desilusões. Por coincidência, Peter é um vendedor de

sapatos, conhece todos os desejos femininos em relação a esse acessório. Passo a

passo, ela se encaminha para o final feliz e o “sapato” é o símbolo dessa busca.

No filme, não há madrasta ou fada, e muito menos magia. Faith, ao acreditar

que tudo é obra do destino, faz suas próprias escolhas e escreve a sua história.

Maid to order, ao inverter o conto original, humaniza a personagem Jessie. A

moça fútil, sem objetivos e perdulária transforma-se em uma mulher sensível e

preocupada com a felicidade e necessidades daqueles que a acompanharam nessa

fase de mudanças.

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Quando o pai de Jessie, cansado das loucuras da filha, manifesta o desejo

de nunca ter tido uma filha, entra em cena “a fada” e o conto de fadas se repete. Na

cena, que pode ser vista na Figura 56, o pai de Jessie segura o sapato perdido por

ela, ao tentar entrar na mansão. Ele não se lembra da filha e assim a história

acontece. No final, não é o príncipe que calça os sapatos nos pés de Jessie, que por

sua mudança, recebe o amor e a felicidade nos braços de Nick.

Portanto, concluímos, de acordo com Kristeva(2005), que toda seqüência está

duplamente orientada até o ato da reminiscência (evocação de uma outra escritura)

e até o ato da intimação (a transformação da escritura). Dessa forma, o livro remete

a outros livros e, mediante os modos de intimação, dá a esses livros uma nova

maneira de ler, elaborando, assim, sua própria significação.

CAPÍTULO III

AS NARRATIVAS AUDIOVISUAIS

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1. Das narrativas literárias às narrativas audiovisuais

Neste capítulo pretendemos falar do código fílmico e mostrar como os três

filmes analisados se relacionam. O foco da análise será mostrar a construção da

simbologia do sapato, ao ser transcodificado do conto A gata borralheira, dos Irmãos

Grimm, para os filmes Ever After, Only you e Maid to order.

Para tanto precisamos, primeiramente, mostrar as mudanças ocorridas nas

narrativas literárias desde o surgimento da câmera cinematográfica, pois estamos

contrapondo literatura e cinema. Depois pretendemos fazer uma análise, nos três

filmes estudados, dos quatro elementos necessários para a composição de um bom

personagem, segundo Syd Field. Esses elementos serão explicados mais adiante.

Finalmente relacionaremos as três produções cinematográficas, observando os

elementos intertextuais.

A variedade das obras literárias presentes no cinema fazem-nos pensar sobre

a analogia que existe entre as duas linguagens.

Antes mesmo da existência da escrita havia os contadores de histórias que

viviam nas zonas rurais ou em lugarejos e que, oralmente, difundiram seus contos

que mais tarde foram adaptados e colocados em livros. Essas narrativas orais

apresentavam um processo narrativo que se solidificou na escrita, fazendo com que

elas não se perdessem.

No século XVI, Perrault retirou dessas histórias o conteúdo violento e

acrescentou a magia, fazendo a mediação dessas narrativas, que eram contadas

por camponeses, para os salões da aristocracia.

Mais de um século depois, os Irmãos Grimm, a partir de uma seleção dessas

histórias, criaram uma coletânea de contos, dentre os quais se destaca Cinderela.

No lugar da fada da versão de Perrault, aparecem a árvore( aveleira) e pombos, que

facilitam sua ida aos bailes. A mãe, mesmo morta, pode ser vista como fada, que se

corporifica nesses elementos da natureza.

Essa narrativa também está presente no cinema, que conta suas histórias

através da projeção de fotogramas que criam a ilusão ótica do movimento. A

narrativa fílmica é um texto construído por imagens, sons e discursos verbais

necessários para a compreensão do espectador. Ao adaptarmos um roteiro de um

conto literário, surge outro texto, com características próprias, apesar de possuir

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similaridades com o texto de origem. Essas aproximações entre os dois códigos é o

que explicaremos na primeira parte deste capítulo.

2. . A evolução dos modos de ver da literatura a partir do cinema

Toda narrativa assenta-se na representação da ação, que se organiza em um

enredo evoluindo com o passar do tempo, o que significa que há uma série de

enunciados em seqüência que está sujeita à percepção de um narrador.

Para que essa evolução de acontecimentos ocorra, há uma condição essencial:

o tempo. Assim, as formas narrativas, sejam elas literárias ou audiovisuais, estão

articuladas em seqüências de tempo, não importando de que maneira se dá essa

articulação. No interesse deste trabalho, é importante dizer que, no cinema, as

seqüências se fazem com imagens, enquanto que, na literatura, se realizam com

palavras.

Isso gera diferenças na forma de representar o tempo nas narrativas modernas

e contemporâneas, levando em conta que as primeiras localizam-se no início do

século XX e as outras, depois da segunda Guerra Mundial. A evolução dos recursos

técnicos por meio de imagens é que determina essas distinções e, paulatinamente,

marcou sua influência na narrativa literária. O cinema com suas imagens em

movimento mostrou a relatividade entre tempo e espaço, marcando assim a

inseparabilidade entre esses dois elementos e preenchendo o invisível com o visível,

isto é, o tempo é percebido através de uma série de imagens visíveis, sintetizando o

fluxo das coisas.

Segundo Pellegrini (2003, p.18), o tempo contém o antes que se prolonga no

durante e no depois, significando a passagem, a tensão do próprio movimento

representado em imagens dinâmicas, não mais capturado num instante pontual,

estático, como na fotografia.

Dessa forma já não há distinção entre o visível e o invisível e se percebe

claramente a permeabilidade entre os domínios temporal e espacial.

Além disso temos que considerar que a câmera fotográfica é um olho mecânico

que se move para todos os lados e está livre da imobilidade do ponto de vista

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humano. Essa conquista do cinema marcou a narrativa literária moderna e adveio do

aprimoramento de técnicas cinematográficas que se devem às condições

econômico-sociais e culturais a partir do fim do século XIX.

O século XIX trouxe a passagem da mecanização à industrialização, alterando

a vida das pessoas e isso se refletiu na forma das narrativas realistas, mostrando os

efeitos destrutivos do tempo que fazia as coisas mudarem de valor e de significado.

Pellegrini (2003, p.20) afirma,

que o domínio do instante sobre o permanente, o sentimento de quecada fato é efêmero e transitório, a idéia de que a realidade não é umestado, mas um processo, e de que “não nos podemos banhar duasvezes nas águas do mesmo rio”, transforma a realidade numcontinuum que assume um caráter de incompletude e inexorabilidade.

O que temos então na narrativa literária realista é uma detalhada descrição de

fatos, lugares e pessoas, numa linguagem referencial que marca a fugacidade do

momento que passa e não mais tornará a se repetir. Para exemplificar, podemos

citar Machado de Assis, em sua fase realista, com suas descrições minuciosas,

tentando capturar e mostrar todos os instantes da história narrada. O tempo arrasta-

se de acordo com os ponteiros do relógio, quando essas narrativas se prendem a

minúcias.

A partir do século XX, a narrativa moderna abraça definitivamente o novo

conceito de tempo que não se baseia apenas no relógio e passa a entendê-lo como

duração, um tempo subjetivo que não se faz com medidas temporais objetivas. As

relações temporais alcançam um caráter espacial, pois é o tempo da imagem em

movimento que pode fazer a ação deslocar-se para todos os lados. Surge, nesse

momento, a simultaneidade e o espaço passa de estático a dinâmico.

Os recursos de montagem propiciaram a aproximação de lugares distantes e

diferentes e evidencia-se a relação literatura e cinema: a velocidade das imagens

em movimento atinge o caráter estático das palavras no papel.

Não podemos dizer que o cinema é o único responsável por essamudança no conceito de tempo e espaço; também o desenvolvimentodas artes plásticas, como, por exemplo, o sistema cubista de formasmúltiplas, que mostra o diálogo entre as diversas linguagens artísticas.(PELLEGRINI, 2003, p.23).

Porém a narrativa literária tem suas limitações e só pode apresentar o conceito

de simultaneidade de modo seqüencial devido à linearidade do discurso. Por isso,

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podemos afirmar que a literatura faz com palavras o que o cinema faz com imagens.

Em decorrência disso, o tempo tornou-se a principal personagem das narrativas

modernas e liga-se sem questionamentos à imagem em movimento.

Toda essa alteração trazida pelo cinema fez as narrativas literárias evoluírem e

as contemporâneas representarem a realidade de forma diversa, num universo

plural de mundos possíveis no tempo e no espaço. Os textos contemporâneos

lançam mão do espaço construído e desconstruído ao mesmo tempo e, assim

evoluem em relação às narrativas anteriores (realistas e modernas), que

organizavam o espaço ao redor de um sujeito que o percebia. Isso envolve uma

série de estratagemas que chegam até os espaços que geograficamente não estão

próximos.

Resumindo, com o correr do tempo,as narrativas literárias foram mudando por

terem incorporado as técnicas visuais. Essa mudança processou-se seguindo um

crescimento requintado das técnicas literárias para poder simplificar a linguagem,

livrá-la de tantos artifícios qualificadores para tentar igualar-se à representação da

imagem visual, que se constrói de forma mais objetiva.

Objetivando a linguagem, as narrativas literárias chegam à fragmentação, novo

aspecto que evidencia a visão moderna de mundo. Esse processo transforma

definitivamente as estruturas narrativas e até o modo de organizar a frase, chegando

a renunciar os vínculos lógicos, limitando-se a fragmentos de frases ou palavras que

parecem não ter ligação entre si.

A partir do século XVI, a noção de perspectiva orientava o campo de visão a

partir do olho humano. Com a invenção da câmera, mais propriamente a

cinematográfica, tudo mudou e o homem deixou de ser o centro focal. Com essa

evolução técnica, o subjetivismo pessoal cedeu terreno a um subjetivismo

pluripessoal, que observamos até hoje, fazendo surgir uma voz ou vozes envolvidas

de forma direta na narração. Essa evolução vai abranger até a noção de

personagem que, aos poucos, deixa de ser central, representativo de uma classe

social ou profissão, fazendo-nos lembrar os tipos de Gil Vicente. Passa então a ser

um ser comum, mais próximo da vida real e que está inserido num mundo caótico e

sem nexo. O que importa realmente são as sensações, as percepções de cada

minuto vivido.

A personagem vai se moldando às novas técnicas a partir das narrativas

modernas e, ao chegarmos às narrativas contemporâneas, é um sujeito urbano,

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adaptado aos grandes centros e às mídias, um produto que mescla a realidade e os

meios de comunicação massivos.

Com a chegada dos computadores em rede, percebe-se que não há mais

limites espaciais, podemos, em questão de segundos, estar conectados a quaisquer

lugares. Todo esse complexo processo alterou profundamente o universo literário e a

questão é pensarmos a direção que a literatura tomará a partir dessas

transformações. De que forma essas alterações tecnológicas influenciarão os

valores que há séculos vêm sendo propagados pela cultura verbal?

A presente análise a que se propõe este trabalho ajuda a responder também a

esse questionamento, pois mostra que as relações entre literatura e cinema

caracterizam-se por uma forte intertextualidade. Os filmes analisados mantêm um

diálogo, em maior ou menor grau, com um conto de fadas antigo e dessa forma

reafirmam antigos valores e crenças.

Na segunda parte deste capítulo analisaremos os elementos para a

composição de um bom personagem, de acordo com Syd Field. Essa análise será

feita levando em consideração os filmes estudados.

3. Elementos para a composição de um bom personagem

Syd Field (2001, p.44) afirma que criar bons personagens é essencial para o

sucesso de seu roteiro; sem personagens, não há ação; sem ação, não há conflito;

sem conflito, não há história; sem história, não há roteiro.

Como, então, o escritor deve agir para criar bons personagens?

O escritor tem que conhecer muito bem os seus personagens e para isso,

antes de qualquer coisa deve criar um contexto de personagem.

Segundo Field (2001, p.45), quatro elementos são necessários para a

composição de um bom personagem: necessidade dramática, ponto de vista,

mudança e atitude. Passaremos, agora, a abordar cada um dos filmes analisados

considerando esses elementos, mas, em primeiro lugar, faremos um breve

comentário de cada filme, incluindo sua ficha técnica.

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Para Sempre Cinderela

Filha única de um nobre francês, uma jovem passa a ser tratada como criada por

sua madrasta após a morte do seu pai. Mas sua situação começa a

mudar quando ela conhece o príncipe do reino onde vive. Com Drew Barrymore,

Anjelica Huston e Dougray Scott.

Figura 7. capa do videocassete

� Ficha Técnica

Título Original: Ever After

Gênero: Romance

Tempo de Duração: 120 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1998

Site Oficial: www.foxmovies.com/everafter

Estúdio: 20th Century Fox

Distribuição: 20th Century Fox Film Corporation

Direção: Andy Tennant

Roteiro: Susannah Grant, Andy Tennant e Rick Parks, baseado em história de

Charles Perrault

Produção: Mireille Soria e Tracey Trench

Música: George Fenton

Direção de Fotografia: Andrew Dunn

Desenho de Produção: Michael Howells

Direção de Arte: Stephen Dobric, Martyn John e Damien Lanfranchi

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Figurino: Jenny Beavan

Edição: Roger Bondelli

Efeitos Especiais: Cinesite Ltda.

� Elenco

Drew Barrymore (Danielle De Barbarac)

Anjelica Huston (Baronesa Rodmilla De Ghent)

Dougray Scott (Príncipe Henry)

Patrick Godfrey (Leonardo da Vinci)

Megan Dodds (Marguerite De Ghent)

Melanie Lyndskey (Jacqueline De Ghent)

Timothy West (Rei Francis)

Judy Parfitt (Rainha Marie)

Jeroen Krabbé (Auguste De Barbarac)

Lee Ingleby (Gustave)

Kate Lansbury (Paulette)

Anna Maguire (Jovem Danielle)

Ricki Cuttell (Jovem Auguste)

O filme Ever After é uma versão de Cinderela mais próxima do real, pois não

apresenta o elemento mágico. Com Drew Barrymore, Anjelica Houston e Dougray

Scott, a história tem ação, humor, drama, aventura e romance em uma competente

reconstituição de época, a França do século XVI. Jeanne Moureau introduz e narra a

história, começando por uma conversa com os Irmãos Grimm. Eles reconhecem a

existência de diversas versões, como a de Charles Perrault, com abóbora

transformada em carruagem e outros elementos fantásticos. Falam sobre os

sapatinhos do baile, que seriam de pele, vidro ou cristal.

O roteiro criativo e original narra o conto da Gata Borralheira como sendo

real; somente com o tempo teria se metamorfoseado em conto de fadas. Enfatiza a

leitura como instrumento de conscientização e mostra as dificuldades na busca da

alma gêmea.

O filme traz magníficas tomadas aéreas registrando com abrangência os

cenários naturais, a câmera em movimento mostra panorâmicas verticais e

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horizontais e diversas cores que fazem lembrar, em alguns momentos, quadros

impressionistas11.

Vale destacar a fotografia, os cenários externos (propriedades rurais, castelos

da França e seus arredores), a trilha sonora de George Fenton, o coro de Magdalen

College, Oxford, as ruínas de Amboise, os diálogos e os momentos românticos.

Também merece ênfase o personagem Leonardo Da Vinci, que se apresenta como

um conselheiro tanto de Danielle (Cinderela), quanto do príncipe Henry. A obra

Utopia de Thomas More aparece como um dos livros lidos prediletos de Cinderela e

metáfora do filme.

Quando se faz um filme, novela ou minissérie que tem como ponto de partida

uma narrativa literária, há o seu próprio contexto e temos que entender essas

produções como outras obras. A linguagem audiovisual é ágil e isso lhe é peculiar.

A interação entre as mídias tornou mais difícil recusar o direito docineasta à interpretação livre do romance ou peça de teatro, e admite-se até que ele pode inverter determinados efeitos, propor outra formade entender certas passagens, alterar a hierarquia de valores eredefinir o sentido da experiência das personagens. A fidelidade aooriginal deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais aapreciação do filme como nova experiência que deve ter sua forma, eos sentidos nela implicados, julgados em seu próprio direito. (XAVIER,2003, p.61).

O filme Ever After atualiza um conto de fadas de tradição oral muito antigo e

que já teve várias versões. Entre as narrativas literárias e a narrativa audiovisual há

um grande distanciamento no tempo, por isso o filme deve manter um diálogo com

todas essas histórias e também adaptar-se ao tempo em que está inserido. O texto

escrito deve ser tomado como ponto de partida, mas não de chegada.

Ao fazer um filme baseado em uma narrativa literária, deve-se levar em conta

que há uma maneira de fazer as coisas que é própria da linguagem cinematográfica

e que o universo do texto é outro, embora seja análogo ao modo de fazer do cinema.

11 Na pintura impressionista, as cores e tonalidades não são obtidas pela mistura de tintas na paleta do pintor.São puras e dissociadas nos quadros em pequenas pinceladas. Ao admirar a pintura, o espectador combina asvárias cores, obtendo o resultado final. Então, a mistura passa a ser óptica e não técnica. É a mesma sensaçãoque temos ao observarmos os cenários naturais do filme Ever After. (www.wikipedia.org.br).

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Podemos dizer que palavra e imagem têm um eixo comum deoperações que é a narrativa e portanto podemos falar de tempo,espaço, tipos de ação e personagens para nos referirmos tanto aotexto literário quanto ao filme. Uma única história pode ser contada devários modos; ou seja, uma única fábula pode ser construída por meiode inúmeras tramas, com formas distintas de dispor os dados, deorganizar o tempo. (XAVIER, 2003, p.65).

Sendo assim não podemos atribuir valor maior à narrativa literária ou à

narrativa audiovisual e sim entender que são obras distintas, com características

próprias.

Ever After apresenta o conto de fadas sem a magia presente no texto original,

com personagens fortes e reais. “O bom personagem é o coração, a alma e o

sistema nervoso do seu roteiro.” (FIELD, 2001, p.44).

A necessidade dramática define-se como uma motivação, aquilo que o

personagem quer vencer, ganhar, conseguir ou alcançar durante o transcorrer da

narrativa.

Em Ever After, Danielle é uma jovem que quer ser amada, ser aceita pela

madrasta e as irmãs e também encontrar a sua alma gêmea. A determinação da

necessidade dramática do personagem assegura a manutenção de seus elementos

no lugar certo. Devemos então levantar os obstáculos que impedem o alcance desse

primeiro elemento da composição do personagem.

No filme, Danielle, após a morte do pai, confronta-se constantemente com a

madrasta e se mostra inteligente, amorosa, decidida, amante dos livros, amiga e

defensora de seus criados; de natureza trabalhadora, ao invés de realizar suas

tarefas somente por imposição da Baronesa; é consciente das injustiças sociais,

procura combatê-las dentro de suas possibilidades, mostrando entusiasmo e

convicção.. Consegue ultrapassar os obstáculos com coragem e dignidade.

O segundo elemento de análise na composição de um bom personagem, o

ponto de vista, nada mais é do que o modo como o personagem vê o mundo, como

ele o enfrenta. “Todo bom personagem dramatiza um ponto de vista forte, bem

definido.” (FIELD, 2001, p.48).

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Danielle tem um ponto de vista bem definido, ela vê o mundo com os olhos do

bem, vive dentro da realidade, sabe que não deve sonhar com o príncipe, pois não

está à altura dele. O ponto de vista faz a personagem agir e não simplesmente

reagir.

Ao longo da narrativa, outro elemento importante na trajetória do personagem

é a mudança. Danielle, em Ever After também passa por mudanças. Ela passa de

uma postura resignada para outra mais aguerrida, sabe o que quer e vai lutar por

sua felicidade. Isso ocorre quando se percebe apaixonada por Henry e sabe que ele

é sua alma gêmea, sua oportunidade de ser feliz.

Com relação à atitude de nossa heroína, pudemos observar que sua

necessidade dramática foi decisiva para esse último elemento. Danielle, no

transcorrer da narrativa, tem uma atitude positiva, não se desvia de seu caminho e

só se fortalece.

Nesse conto de fadas audiovisual não há fada, nem magia, só luta, força e

determinação de uma jovem, que por sua bondade, é ajudada por todos que a

cercam. No final, ela e o príncipe se casam e o rosto de Danielle é retratado por Da

Vinci. O retrato ficou em uma parede da universidade até a revolução e a tataraneta

de Danielle (Jeanne Moreau) termina de contar a história aos Irmãos Grimm,

falando que essa narrativa foi transformada em um simples conto de fadas. Se

Cinderela e seu príncipe viveram felizes para sempre, ela não sabe, mas que o

importante é que viveram.

Como vimos, a necessidade dramática, o ponto de vista, a mudança e a

atitude são elementos importantes para a criação e trajetória dos personagens.

Ao fazer essa análise, constatamos que a transposição do texto escrito para o

fílmico envolve a contribuição de particularidades da linguagem cinematográfica. “O

cinema transforma vidas de papel em algo cada vez mais concreto e verossímil.”

(MOREIRA, 2005, p.17). Essa linguagem joga com imagens e isso ajuda a

concretização do texto escrito. Nele, as imagens criam-se na cabeça do leitor, de

acordo com a recepção de cada um. No cinema há um diretor, um roteirista que nos

apresentam imagens prontas que vão cena a cena contando a história com a ajuda

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das ações dos personagens. “O cinema conta com a tecnologia, trazendo recursos

audiovisuais para remodelar a estrutura narrativa.” (MARÇOLLA, 2005, p.137).

Cinderela às avessas

Figura 8. Capa do videocassete

Menina, orfã de mãe, mora em Beverly Hills e é muito mimada pelo pai, que

faz estranho pedido aos céus e muda a história da família.

� Ficha Técnica

Título Original: Maid to Order

Gênero: Comédia

Tempo de Duração: 93 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1987

Estúdio: Warner Bross

Direção : Amy Jones

Direção de fotografia: Shelly Johnson

Música: Georges Delerue

Produção: Herb Jaffe e Mort Engelberg

� Elenco

Ally Sheedy (Jessie Montgomery)

Beverly D´Angelo (Stella)

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Dick Shawn (Stan Starkey)

Michael Ontkean (Nick Mcguire)

Valerie Perrine (Georgette Starkey)

No segundo filme analisado Maid to Order (Cinderela às avessas), Jessie é a

personagem que merece a nossa atenção quanto aos quatro elementos que ajudam

na composição de um bom personagem.

Jessie é uma garota mimada, filha de um milionário filantropo, que vive

arrumando confusão e gastando dinheiro para provocar o pai. Ela é órfã de mãe e

mora em Beverly Hills. Uma noite acaba presa. Seu pai, inconformado com as

atitudes da filha, faz um estranho pedido aos céus e muda a história da família.

Jessie passa a noite na cadeia, mas durante a madrugada é visitada por Stella, sua

fada madrinha, que a transforma numa garota pobre que terá que lutar por sua

sobrevivência, trabalhando na mansão de um casal de alpinistas sociais. A moça

convive com outros empregados e realiza tarefas que jamais fizera em sua vida. Seu

serviço é limpar a casa, de princesa torna-se A gata borralheira.

Na mansão, ela conhece Nick, o motorista da família, e se interessa por ele.

Então, o famoso conto de fadas é contado às avessas. Jessie era milionária, tinha

tudo, mas não tinha um amor, um objetivo. Perde o pai, todos os bens materiais e

sua trajetória é a de encontrar um bem maior, é essa a sua necessidade dramática,

dar valor às coisas que perdeu.

Observamos, então, que Jessie têm uma necessidade dramática que vai

definir sua trajetória, vai ajudar a contar sua história. No transcorrer dessa narrativa

audiovisual, ela enfrenta muitos obstáculos que vão determinar o seu ponto de vista.

Jessie é colocada no outro lado do mundo que conhecia, o mundo dos

serviçais. Faz serviços com os quais não estava habituada por um salário semanal

muito inferior àquilo que gastava em uma noitada, na sua vida anterior. No começo,

não desempenha bem suas funções e por isso é descontada, diminuindo a quantia

ganha. Quem a ajuda a se adaptar é Audrey, a governanta da casa, uma cantora dos

velhos tempos, que também sonha com a oportunidade do estrelato. O ponto de

vista de Jessie, no princípio, é de revolta com o que a fada fez com a sua vida, mas

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com o passar do tempo vai se humanizando e se torna uma pessoa mais positiva,

preocupada em ajudar os outros.

Então para que essa personagem continue seu percurso narrativo, há a

necessidade da mudança. Jessie, ao se encontrar numa posição desfavorável,

muda o seu modo de ver as coisas, passa de uma menina egoísta a uma mulher

preocupada com as necessidades daqueles que a rodeiam. Ela cresce aos olhos da

fada, que, pouco a pouco, percebe que o desejo do pai de Jessie não foi em vão,

ajudou a filha a crescer. Com a mudança vivida por Jessie vem uma nova atitude.

Ela tem, assim, uma atitude mais positiva, deixa a revolta de lado e concentra-se em

fazer o bem para os outros, como vemos no final do filme, na festa que é dada na

mansão para promover um cantor de rock. Stella faz esse músico desmaiar e

Cinderela tem uma idéia: fazer a governanta cantar uma canção de Nick,

acompanhada por ele, no teclado. Na platéia estão empresários e pessoas ligadas à

música. A apresentação é um grande sucesso e os dois são contratados. Jessie vai

até a porta e encontra Stella, a fada, que está muito feliz com o desempenho da

moça. Diz que ela passou no teste e receberá tudo o que perdeu. Os sapatinhos

brilham em seus pés e a fada se despede, transformando-se em uma estrela. O pai,

que está saindo da casa, acha estranha sua roupa, sorri e pede que ela não chegue

muito tarde em casa. Pai e filha se abraçam e ele parte com seu motorista.

Jessie fica parada, com olhar de pura felicidade, e aparece Nick, exultante por

ter realizado seu sonho. Os dois terminam juntos, abraçados, como num verdadeiro

conto de fadas e na tela aparece “viveram felizes para sempre”.

Nesse filme destacam-se mais os cenários internos, com lindas e comoventes

cenas. Há referências nítidas ao conto de fadas original de Cinderela: a magia, a

fada, os sapatinhos e o príncipe.

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Only You

Desde os 11 anos uma mulher recebe de ciganas e videntes o nome

de Damon Bradley como sendo o do homem de sua vida. Às vésperas de se casar,

ela recebe um telefonema de um homem com esse nome e decide largar tudo para

encontrá-lo. Dirigido por Norman Jewison (Hurricane - O Furacão) e com Marisa

Tomei, Robert Downey Jr., Bonnie Hunt e Joaquim de Almeida no elenco.

Figura 9. Capa do videocassete

� Ficha Técnica:

Título Original: Only You

Gênero: Comédia Romântica

Tempo de Duração: 108 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1994

Estúdio: TriStar Pictures / Fried/Woods Films / Yorktown Productions

Distribuição: Columbia TriStar Films Distributors International

Direção: Norman Jewison

Roteiro: Diane Drake

Produção: Robert N. Fried, Norman Jewison, Charles Mulvehill e Cary Woods

Música: Rachel Portman

Fotografia: Sven Nykvist

Desenho de Produção: Luciana Arrighi

Direção de Arte: Maria Teresa Barbasso, Gary Kosko e Stefano Maria Ortolani

Figurino: Milena Canonero

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Edição: Stephen E. Rivkin

� Elenco:

Marisa Tomei (Faith Corvatch)

Robert Downey Jr. (Peter Wright)

Bonnie Hunt (Kate Corvatch)

Joaquim de Almeida (Giovanni)

Fisher Stevens (Larry Corvatch)

Billy Zane (Damon Bradley falso)

Adam LeFevre (Damon Bradley)

John Benjamin Hickey (Dwayne)

Siobhan Fallon (Leslie)

Antonia Rey (Fortune Teller)

Phyllis Newman (mãe de Faith)

Denise DuMaurier (mãe de Dwayne)

O terceiro e último filme analisado é Only You (Só Você), de 1994, sob a

direção de Norman Jewison. Analisaremos o seguinte personagem: Faith, uma

professora, personagem da atriz Marisa Tomei.

Faith acredita que sua alma gêmea é um homem chamado Damon Bradley.

Esse nome apareceu em sua infância através de uma tábua Ouija e também foi

predito por uma cigana. O tempo passa e quando ela está prestes a se casar com

um médico, atende ao telefonema de um amigo de seu noivo, desculpando-se por

não poder comparecer à cerimônia, pois está partindo, naquele instante para

Veneza. O nome desse amigo é Damon Bradley, o que faz com que ela não pense

duas vezes e decida ir atrás dele. A cunhada Kate acompanha Faith nessa aventura

amorosa.

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O filme tem um roteiro inteligente, uma trilha sonora perfeita e uma fotografia

sensacional, mostrando Roma, Veneza e Positano. É uma história leve sobre a

busca da alma gêmea e do amor incondicional.

Logo no início fica clara a necessidade dramática de Faith: encontrar o seu

grande amor, a pessoa que vai completá-la por toda a vida. Para tanto ultrapassará

alguns obstáculos. Está a poucos dias de seu casamento e mesmo assim quando

está provando o seu vestido de noiva, recebe um telefonema que mudará sua vida.

Sai, vestida de noiva e vai ao aeroporto tomar um avião para Veneza. Kate, sua

cunhada, acha tudo uma loucura, mas resolve acompanhar Faith para tentar trazê-la

à vida real.

Nossa heroína tem um ponto de vista definido, vê o mundo de uma forma

romântica e fantasiosa, pois se deixa guiar por uma adivinhação de infância feita por

uma cigana, que sem ela saber, foi paga por seu irmão como uma simples

brincadeira.

Essa predição faz a moça passar por uma mudança, deixa de ser equilibrada

e vai mundo afora atrás daquele que ela acredita ser seu príncipe encantado. Troca

o futuro seguro ao lado de seu noivo por uma aventura da qual ela nem desconfia o

final. Sua atitude é positiva, Faith acredita no sonho e vai fazer de tudo para realizá-

lo.

Ao chegar a Veneza, é informada no hotel que Damon já partiu para Roma. A

professora não pensa duas vezes e parte para lá. Ela e a cunhada hospedam-se em

uma pensão e conseguem uma informação de que Bradley estará , à noite, em um

restaurante da cidade. Com a ajuda de Kate, escolhe seu traje, que é vermelho,

inclusive os sapatos. As duas vão até o lugar e um garçom diz que o suposto

homem procurado está em uma das mesas e indica o local. Faith dirige-se até ele,

mas ocorre um desencontro, pois o sujeito usa uma outra porta e sai do lugar. Ela

corre atrás dele pelas ruas de Roma e perde um dos sapatos. Nesse momento

surge Peter, que encontra o calçado e segue a moça.

Na cena seguinte, ela está numa praça, sentada no contorno de uma fonte

conversando com a cunhada. Peter encanta-se pela dona do sapato vermelho, ouve

a conversa e resolve passar-se por Damon Bradley.

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Depois de tão importante revelação, eles saem para um passeio romântico

pela cidade. Vão até o local onde ele está hospedado, porém Peter sente-se

incomodado pela mentira e revela para a moça que ele não é Damon e sim um

vendedor de sapatos chamado Peter Wright. O encantamento rompe-se e ela vai

embora furiosa, deixando-o desconsolado.

De volta à pensão, Faith é consolada por Kate. Em sua trajetória, Cinderela

(Faith) encontra muitos obstáculos. Após desencantar-se com Peter, resolve voltar

para casa e esquecer o seu sonho, mas o nosso herói convence-a de que o

verdadeiro Damon está hospedado em um hotel em Positano. Totalmente cega pela

vontade de que a predição se realize, deixa-se levar e segue Peter até o local

indicado. Além de Veneza, Positano é o cenário natural mais bonito e encantador

dessa narrativa.

Através do cartão de crédito, Larry, o marido de Kate vai a Positano decidido a

recuperar a esposa e salvar a relação dos dois.

A essa altura, percebemos que Faith já está apaixonada por Peter, devido à

postura do rapaz, seu romantismo, mas ela não quer admitir o fato, pois ele não tem

o nome do homem de seu destino, há tanto tempo revelado. No hotel, ela cai na

outra farsa criada por Peter e marca um jantar com o rapaz que diz ser Bradley. Para

esse encontro, ela é ajudada por nosso herói, que a presenteia com uma sandália

para combinar com seu traje. Ele a ajuda a escolher os outros acessórios e ela parte

para mais uma decepção.

Ao terminar o jantar, todos vão a uma festa em um iate e lá, Peter e o falso

Damon são desmascarados. Faith fica furiosa, agride os dois e vai para o hotel. O

rapaz, que sempre tinha tido uma atitude positiva e acreditava poder conquistar o

amor da professora, sente-se derrotado. Kate, que era mais cética quanto à

aventura da amiga, dá-se conta da paixão dos dois e tenta abrir os olhos da

cunhada.

Faith está magoada e decide partir, deixando Kate e o irmão no hotel. Sente

um profundo arrependimento por tudo que fez e então segue para o aeroporto. Lá

encontra Peter, que também está para embarcar. Eles ouvem pelo alto-falante um

chamado para Damon Bradley comparecer a um determinado guichê. Atendem ao

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chamado, Peter apresenta Faith a um Damon atônito, que não entende o que está

acontecendo. A moça fica sem palavras e Peter embarca, desiludido e magoado. No

avião, ele está sentado pensando em tudo que aconteceu, quando ela chega,

arrependida e se declara totalmente apaixonada. A última cena retrata o avião

decolando, concluindo-se que o casal viveu feliz para sempre.

Retornando ao conto A Gata borralheira, podemos dizer que a necessidade

dramática da personagem principal (Cinderela) é semelhante às das protagonistas

dos filmes: quer abandonar a vida de humilhações, encontrar um amor e ser feliz. No

caminho desse sonho, temos a madrasta, o pai e as irmãs, que são seus obstáculos.

Ao contrário de Danielle, ao se confrontar com a madrasta, mostra-se obediente e

resignada. Chora suas mágoas no túmulo da mãe e é fiel ao que prometeu no leito

de morte: ser boa e piedosa.

Seu ponto de vista é muito parecido ao de Danielle, pois ela também vê o

mundo com bons olhos, mas sonha com o príncipe; ele virá e a libertará da vida de

maltratos e desgostos.

Sua mudança verifica-se no momento em que ela quer ir ao baile e a

madrasta não dá permissão, apesar de ela cumprir, com a ajuda das pombinhas,

uma tarefa praticamente impossível. A partir daí, a moça deixa de ser obediente e

vai em busca de seu sonho: vai ao baile e para isso conta com o elemento mágico.

Dessa forma, notamos que a atitude passiva do início desaparece e

Cinderela, mesmo fazendo tudo às escondidas, não acata mais as determinações da

madrasta e marca a sua presença nos bailes oferecidos pelo rei.

Ao analisarmos os elementos para a composição de personagens nos três

filmes propostos e no conto, notamos que tanto a narrativa literária de Cinderela

como suas transcodificações e atualizações mostram que no imaginário feminino

ainda há a procura pela alma gêmea. “E é justamente por essa razão que podemos

compreender e afirmar que as narrativas ficcionais – literárias e audiovisuais – são

uma edição da narrativa em estado bruto que é a trajetória humana. (MOREIRA,

2005, p. 20).

Talvez por isso haja uma carência de boas narrativas inéditas e as já

existentes sejam constantemente remodeladas e atualizadas. As mídias exploram os

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conteúdos existentes, adaptando-os à televisão ou ao cinema. Atualmente os

remakes multiplicam-se mostrando uma atualização e adaptação às novas

tecnologias. Tanto o cinema quanto a TV desfilam suas múltiplas possibilidades e

recursos.

A análise feita permitiu-nos relacionar um conto de fadas tradicional e suas

atualizações audiovisuais, mostrando que cada gênero tem suas peculiaridades,

mas ambos contam histórias e alimentam o imaginário dos espectadores.

4. Literatura e Cinema: Dois modos de contar uma história

Na terceira parte deste capítulo, faremos um recorte para tentarmos

aprofundar nossa análise. O nosso propósito é mostrar como os filmes trabalharam

a questão do elemento mágico que se apresenta no conto literário dos Irmãos

Grimm, para assim solidificarmos as relações intertextuais entre os dois códigos: o

literário e o fílmico.

Entre literatura e cinema existem diferenças essenciais. Os dois meios

trabalham com elementos diferentes. Enquanto a literatura tem a seu dispor a

linguagem verbal com toda a sua riqueza de metáforas e figuras, o cinema trabalha

com não menos que cinco apetrechos de expressão diferentes: as imagens, a

linguagem verbal oral, a linguagem não-verbal, a música e a língua escrita que

aparece na tela. Esses elementos podem ser controlados de diversas formas.

Tanto a literatura quanto o cinema são criações do imaginário, constroem a

cultura e alimentam a fantasia dos leitores e espectadores. Conforme Silva ( 2003, p.

7), “o ser humano é movido pelos imaginários que engendra. O homem só existe no

imaginário.”

Qualquer que seja a obra artística, deve ser julgada, analisada dentro dos

valores do seu próprio campo. Os dois meios analisados neste trabalho (conto

literário e filme) diferenciam-se pelas linguagens, épocas em que foram criados e

modos de funcionamento.

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Narrativa literária e narrativa fílmica distinguem-se, e na maioria dos casos,

contrastam-se; as características intrínsecas do texto literário não encontram a

mesma expressão na narrativa cinematográfica.

Apesar das diferenças, as duas narrativas possuem estreitos laços. O livro

contém palavras que acionarão os sentidos e que na mente do leitor traduzem-se

em imagens, sentimentos, sensações, enfim; o filme traz imagens em movimento

que serão decodificadas por meio de palavras pelo espectador. A narratividade é o

parentesco entre as duas narrativas, portanto o cinema também conta histórias,

apropriando-se da modalidade narrativa tentando legitimar-se.

A experiência da leitura do livro é, na maioria das vezes, solitária. O leitor

constrói significados durante a leitura graças a experiências anteriores. Já no

cinema, o espectador, por meio de imagens, manifesta reações imediatas, que são

compartilhadas por outros se eles estiverem em uma sala de projeção.

Para o presente trabalho não nos interessam especificamente as diferenças e

semelhanças entre narrativa literária e narrativa fílmica e sim como se estabelece o

diálogo entre as duas, isto é, como os filmes analisados conectam-se ao texto dos

Irmãos Grimm, A Gata Borralheira.

Qual a interpretação feita pelo cineasta do conto, em que grau ele se

aproxima ou se afasta desse texto?

A analogia entre palavra e imagem sugere equivalências estilísticasque estarão apoiadas na observação de um gradiente de ritmos,distâncias, tonalidades, que estão associadas a emoções eexperiências, bem como a um uso figurativo da linguagem que permitedizer que palavra e imagem procuram explorar as mesmas relaçõesde semelhança (as metáforas) e as mesmas cadeias de associação ecasualidade (as metonímias). (XAVIER, 2003, p.63).

Não podemos esquecer de considerar que na transposição do código literário

para o código fílmico há uma série de questões práticas e teóricas. O livro e o filme

nele baseado são “dois extremos de um processo que comporta alterações de

sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais que, em princípio, distingue

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as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra escrita e do silêncio da

leitura” (XAVIER, 2003, p.61).

Primeiramente podemos apontar duas formas para se conceber um filme:

partir de uma idéia original ou de uma fonte já existente. Aqui, o que nos interessa é

a segunda forma, produções que, em sua maioria, foram adaptadas, recriadas. Essa

recriação será entendida, como já tratamos anteriormente, a partir do dialogismo e

da intertextualidade.

Então, retomando a relação literatura e cinema, é importante lançar uma

questão: como o cinema recria os clássicos da literatura?

Para começar a responder a essa questão, vale ressaltar a importância do

cinema no processo de ensino da literatura. Na década de 1990, com a invenção e

popularização do vídeo, a prática de mostrar a literatura no cinema tornou-se um

apoio didático muito forte aos professores, pois funcionou como um incentivo à

leitura dos textos escritos. Com a invenção do DVD, essa tarefa ficou ainda mais

fácil e as escolas têm melhorado seu acervo cultural no que diz respeito à literatura.

Assim, o cinema passou a ser um aliado importante, mas não podemos deixar de

lado as diferenças entre os dois meios ao ensinarmos literatura.

Ao estudarmos essa relação intertextual entre cinema e literatura, precisamos

definir muito bem os dois campos e refletir sobre as variantes culturais, sociais,

econômicas e políticas desse processo de transposição de um código para outro.

No estudo do conto dos Irmãos Grimm, A Gata Borralheira, a idéia central que

serviu de tema para os três filmes analisados é a procura da alma gêmea e

conseqüentemente a procura da felicidade.

Além do tema, devemos enfocar também a preocupação com os

personagens, de que forma estavam descritos no texto de origem e como eles foram

corporificados pelos atores nos filmes. Em Ever After, Danielle(Cinderela) é uma

moça diferente da borralheira dos Irmãos Grimm, é mais real, ingênua no princípio,

mas aos poucos vai ganhando força e garra. Ao conhecer o príncipe e se apaixonar,

transforma-se em uma pessoa mais forte e disposta a lutar por seu amor. A

borralheira original é resignada e sofre calada pelas maldades praticadas por sua

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madrasta e filhas. Devemos lembrar que esse conto é do século XIX e o filme Ever

After é do século XX, retratando o século XVI.

Já nos outros dois filmes analisados. Only you e Maid to order, a produção é

do século XX, retratando o mesmo século. Faith e Jessie são mulheres modernas e

decididas, vivem em uma época de valorização feminina e não querem ter suas

vidas dirigidas por outras pessoas, lutam por seus sonhos e querem conquistar a

felicidade.

Se analisarmos o príncipe do texto original, veremos que ele só aparece nos

bailes e quando experimenta o sapato perdido nas duas filhas da madrasta e na

borralheira. Sua atuação é mais incisiva nos filmes, visto que em Ever After, Danielle

conhece Henry no início da história, em que ele é uma figura apagada, mas que

ganha força ao se apaixonar pela moça. Em Only you, Peter aparece no momento

em que Faith está em Roma à procura de Damon Bradley e, a partir daí é decisivo

para o desenrolar da história. Jessie, em Maid to order, conhece Nick quando ela

fica pobre e consegue emprego de arrumadeira na mansão dos Starkey’s. Ele é

personagem importante no processo de humanização da moça.

Tanto na narrativa literária quanto na narrativa audiovisual a questão do foco

narrativo é relevante. De que ponto de vista são mostrados os acontecimentos e

personagens? No conto, a história de Cinderela é contada em 3ª pessoa por um

narrador que não participa dos acontecimentos, mas está ciente de todos os fatos.

No primeiro filme analisado, Ever After, a narrativa é feita pela tataraneta de Danielle

de Barbarac aos irmãos Grimm. A voz da rainha da França inicia a história que,

posteriormente, passa a uma sucessão de cenas em continuidade. No final voltamos

a ouvir a voz da rainha encerrando a narração. No filme Only you, a história segue

um esquema narrativo clássico, feito de uma sucessão de cenas dispostas em

continuidade, sem interferências. O mesmo ocorre em Maid to order, no entanto, no

início, aparece na tela “Once upon the time” (Era uma vez) e no final, também vemos

“and they lived happily ever after” ( E eles viveram felizes para sempre), numa

referência direta aos contos de fadas.

Há outros elementos de estilo e estrutura que o cinema narrativo usa para

criar efeitos de linguagem da obra original: a montagem, a fotografia, o som, que são

aspectos que podem construir significados próprios. Algumas técnicas estilísticas do

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cinema podem também ser muito importantes nesse processo de comparação entre

literatura e cinema. Dentre elas podemos citar o tamanho da tela, a imagem em

perspectiva, a velocidade do filme, a distância entre a câmera e o objeto filmado, o

ângulo e o movimento da câmera, a utilização das cores e do branco e preto num

filme, o vestuário, a cenografia e a iluminação. O importante é analisar o sentido

desses artifícios na apreensão do texto original.

Nos três filmes analisados percebemos a tentativa de reconstrução do clima

romântico do conto original, as dificuldades na busca da alma gêmea e a

reafirmação de alguns valores que permanecem nos tempos atuais como a bondade

e a solidariedade.

A análise dessas categorias narratológicas é um importante caminho para

conectar literatura e cinema e pode indicar significados intertextuais do processo de

transcodificação. Entretanto devemos lançar o nosso olhar para os modos de

apresentação de uma história, pois todos os outros elementos citados derivam

destes modos de envolvimento. Para o presente estudo o que nos interessa são dois

modos: contar uma história (tell) e mostrar uma história (show), segundo Xavier,

(2003, p. 73).

Contar uma história é um modo que se processa na imaginação, na

proporção em que a narrativa vai além das palavras e do papel, e se completa,

enquanto história, na cabeça do leitor. Dessa forma, a história contada possui

sempre a mediação de um narrador que, através das palavras, envia ao leitor as

narrativas e imagens que se tornarão perceptíveis em sua imaginação.

O segundo modo de apresentação (show) transfere o envolvimento da

imaginação para o plano da percepção direta, também chamado de modo

performático, que trabalha as potencialidades do visual e do auditivo não somente

construindo uma narrativa, mas também criando associações emotivas e respostas

afetivas da platéia. Além do cinema, teatro e televisão vivenciam de forma intensa o

modo performático.

A afirmação de que a literatura conta (tell) e o cinema mostra (show) émuito pouco, pois a câmera tem prerrogativas de um narrador que fazescolhas ao dar conta de algo: define o ângulo, a distância e as

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modalidades do olhar que, em seguida, estarão sujeitas a uma outraescolha vinda da montagem que definirá a ordem final das tomadas decena e, portanto, a natureza da trama construída por um filme.(XAVIER, 2003, p.74).

Por isso, os três filmes, ao contar a história da Cinderela, recriam o conto,

ressignificando esse texto em um novo meio, um novo contexto, um novo código de

representação e também uma nova atitude discursiva. Esse processo de

transcodificação é marcado pelo dialogismo que parte de Bakhtin e chega até a

teoria da intertextualidade de Julia Kristeva, mostrando como o filme incorpora e

digere a fonte original, para, em seguida, produzir algo estético e culturalmente

novo.

Destacamos nesse processo o elemento intertextual “sapato” e queremos

mostrar seu percurso na história original e nos três filmes. Para que isso aconteça,

vamos analisar esse elemento no conto dos Irmãos Grimm e em cenas recortadas

dos filmes.

No conto, quando Cinderela é despojada de seus lindos trajes pela madrasta,

recebe roupas velhas e tamancos de madeira para calçar. As duas filhas são

ambiciosas e muito vaidosas. Quando o pai de Cinderela vai à feira, elas pedem de

presente vestidos e jóias e a humilde borralheira apenas um ramo verde de árvore.

O rei oferece uma festa de três dias para que o príncipe escolha uma moça

para esposa. No primeiro dia, a gata borralheira tem seus trapos transformados em

um lindíssimo vestido de baile e os seus tamancos em luxuosos sapatos bordados a

ouro e prata. Quem realiza esse feito é a aveleira, árvore mágica que Cinderela

plantou no túmulo de sua mãe. No segundo baile, o vestido é ainda mais lindo e os

sapatos parecem de ouro puro. Finalmente, no terceiro dia seu vestido é de sonho,

de tule com aplicações de suntuoso brocado e uns sapatos bordados a ouro e

também uma capa de veludo bordado.

Como vemos, a transformação da Gata borralheira em Cinderela acontece

através do elemento mágico, próprio dos contos de fadas. Seu vestido e sapatos

tornam-se a cada baile mais lindos e luxuosos.

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Ao lermos essa narrativa literária, reafirmamos a diferença básica e mais

visível entre literatura e cinema: a primeira utiliza a apreensão conceitual e cria

imagens mentais enquanto o segundo trabalha a percepção direta através de

imagens visuais. O interessante é descobrir como conceitos verbais são transpostos

para o cinema e expressos por meios visuais e quais efeitos que são decorrentes

dessa mudança de linguagem.

Para entendermos esse processo, recortamos algumas cenas dos filmes que

julgamos indispensáveis para o entendimento da relação entre os dois códigos.

Figura 10. O sapato de Danielle

Em Ever After, logo no início, algo nos chama a atenção, quando a

metalinguagem se faz presente através da figura dos irmãos Grimm, autores da obra

original intitulada A Gata Borralheira. A rainha da França solicita a presença dos

escritores em seu castelo e diz que há alguns fatos que foram distorcidos pela

história dos dois, apresentando a sua versão como real. Diante do olhar atônito dos

dois, a rainha tira de uma caixa os sapatos de cristal de sua tataravó, Danielle de

Barbarac. Daí em diante acompanhamos a saga da suposta Cinderela.

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Figura 11. O quadro de Danielle

Esse é o quadro pintado por Leonardo da Vinci, retratando Danielle e a

pintura renascentista. A câmera dá um close-up na pintura e aproxima-se cada vez

mais, o que nos propicia um mergulho no passado para conhecer o que realmente

aconteceu.

Figura 12. Danielle conhece Henry, como Nicole

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A figura acima retrata o encontro de Danielle com o príncipe Henry, que

acredita que ela seja da nobreza. A moça vestiu-se com roupas que pertenciam a

sua mãe para tentar comprar a liberdade de seu criado Maurice. Nos pés usa os

sapatos simples de uma criada, mas seu amigo Gustave tranqüilizou-a dizendo que

o comprimento do vestido não deixaria os sapatos à mostra, o que denunciaria a

verdadeira condição social da moça.

Figura 13. Os pés de Danielle ao entrar na carruagem

Essa imagem mostra Danielle saindo de casa para ir ao baile. Ela veste as

roupas e calça os sapatos que foram de sua mãe. Os criados e o pintor Leonardo da

Vinci são seus ajudantes e incentivadores. Nessa cena, a câmera mostra seus pés

com os sapatinhos de cristal.

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Figura 14. Danielle conversa com Leonardo antes de ir ao baile

Nessa cena, Danielle está em dúvida, não sabe se deve ou não ir à festa. A

moça reconhece que entre ela e o príncipe há um enorme abismo social e assim diz

a Leonardo: “Um pássaro pode amar um peixe, mas onde irão viver?” Ele responde

que, então, precisará fazer “asas” para ela. O pintor é o grande incentivador e

conselheiro do casal, torce por eles e quer que enxerguem que o verdadeiro amor

ultrapassa barreiras, obstáculos e torna-se ainda mais fortalecido.

Figura 15. A carruagem leva Cinderela ao baile

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Os empregados estão acompanhando a saída de Danielle, enquanto

Leonardo da Vinci conversa com Gustave, um jovem amigo da moça, que também

quer ser pintor. De repente, as duas criadas chamam a atenção dos dois, dizendo:

“Olhem, é tradição.” Essa fala remete ao conto original.

Figura 16. As asas na roupa de Danielle

Quando Danielle chega ao baile, em seu traje esplêndido, vemos as asas em

suas costas. Leonardo cumpriu a promessa e não quer que nada atrapalhe a

felicidade do casal.

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Figura 17. Danielle chega ao baile

Nessa cena Danielle aparece resplandecente, maravilhosa, chegando à festa.

Sobe a escadaria e entra. Leonardo da Vinci fez asas para seu vestido e ela brilha

temerosa. Na frente de todos, a madrasta desmascara nossa heroína e arranca uma

de suas asas, deixando a moça aos prantos.

Figura 18. Danielle perde o sapato

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Danielle é humilhada e o príncipe não ouve suas explicações. Ela foge e na

fuga perde um dos sapatos. Leonardo da Vinci chama-a, mas ela não pára, foge

magoada e apavorada.

Figura 19. O sapato perdido de Danielle

Depois de uma conversa com o príncipe tentando abrir seus olhos para que

perdoe Danielle, Leonardo deixa o sapato sobre o muro do castelo, que simboliza o

obstáculo, uma barreira entre Henry e Danielle. A câmera fecha a imagem no

sapato no momento em que começa a chover. O som que escutamos é dos pingos

no cristal.

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Figura 20. O príncipe experimenta o sapato em Danielle

Danielle consegue livrar-se do agiota a quem foi entregue pela madrasta e na

saída encontra Henry, que se declara apaixonado, pedindo perdão à moça. Ajoelha-

se. Pede-a em casamento e calça o sapato em seu pé. Depois os dois abraçam-se

felizes e muito apaixonados.

Figura 21. Henry e Danielle olham-se emocionados

Figura 22. Henry e Danielle beijam-se

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Nessas duas cenas, concretiza-se o final feliz de Henry e Danielle. Na figura

22, vê-se ao fundo o rosto da moça, pintado por Da Vinci. Assim a rainha termina de

contar a história aos Irmãos Grimm.

Figura 23. O castelo

A última imagem registra a carruagem com os Irmãos Grimm deixando o

castelo, na França.

Observando essas imagens, constatamos que a base da trama parte

basicamente dos mesmos princípios da história de Cinderela que costumávamos

ouvir quando crianças. Ever After é uma espécie de conto de fadas moderno, que

tem em Danielle uma Cinderela ousada e corajosa.

Dessa forma entendemos que livro e filme estão distanciados no tempo (A

Gata Borralheira, séc. XIX e Ever After, séc. XX) e que escritor e cineasta não têm

exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, portanto é de se esperar que a

narrativa fílmica dialogue não só com o texto de origem, mas também com o seu

próprio contexto, até mesmo atualizando a pauta do livro, embora reafirme valores

nele expressos.

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A idéia de intertextualidade que o filme Ever After apresenta é de um texto

sobre outro, é a transformação e a assimilação de um texto centralizador, que no

nosso caso, remete ao conto A Gata Borralheira, dos Irmãos Grimm. Para que essa

idéia fique clara, há a necessidade da chamada competência intertextual por parte

dos leitores/espectadores. Trata-se, então, de uma intertextualidade baseada em

experiências anteriores às quais o leitor teve acesso. Não podemos ler nenhum texto

de forma ingênua, a leitura deve ser alicerçada em conhecimentos prévios para que

percebamos, como diz Kristeva(2005) que todo texto se constrói como um mosaico

de citações.

A partir de Kristeva, “texto” passa a ser entendido como o evento situado na

história e na sociedade, que não apenas reflete uma situação, mas é essa própria

situação, apagando linhas divisórias entre as disciplinas e constituindo um

cruzamento entre diferentes superfícies textuais e distintas áreas do saber científico

e da esfera artística.

No decorrer do próximo filme analisado, Only you, notamos a presença do

conto original. Faith é a mulher do século XX, que traz na sua essência a Cinderela

que quer ser feliz encontrando a sua alma gêmea. Esse filme proporciona muitas

inferências porque é uma narrativa altamente intertextual. Também descobrimos a

inserção da realidade do século XX, que é diferente daquela do conto, ambientado

no século XIX.

Figura 24. Foto de casamento

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O filme começa e na tela aparecem fotos antigas de casamento, remetendo

ao sonho de felicidade que todos procuram nessa instituição.

Figura 25. A vela cria um clima de mistério

Figura 26. A lua como símbolo

A noção de destino amarra toda esta narrativa audiovisual, tanto que em

português, ao falar do filme coloca-se “um amor escrito nas estrelas”. Várias

referências ao destino são feitas no transcorrer da narrativa. Faith, ao acreditar, no

encontro com sua alma gêmea, mostra que crê no destino, ou melhor, tem a certeza

de que esse encontro está destinado para ela. Quando ela e o irmão Larry estão

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tentando adivinhar o futuro através de uma tábua ouija, um nome forma-se (Damon

Bradley). A menina fica muito perturbada e credita tal fato ao destino. Nesse

momento, a atmosfera que envolve a cena reflete o seu estado de espírito por meio

de uma música misteriosa, a lua e uma vela com a chama trêmula. A cena é escura,

o que ajuda a criar mais mistério.

Figura 27. Uma consulta à cigana

Para certificar-se de que o nome que a tábua mostrou é mesmo de sua alma

gêmea, Faith consulta uma cigana, em um parque. O que a menina não sabe é que

seu irmão pagou para que a mulher dissesse que no caminho dela apareceria um

homem, Damon Bradley, ou seja, o elemento que parecia mágico, como no conto de

fadas, afinal não é. Ela fica surpresa e mais confiante ainda no destino. A cigana diz

a ela que “cada um faz seu próprio destino.”

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Figura 28. Aula de Faith

Quatorze anos se passam e nossa heroína já é uma mulher. Essa cena

mostra-a como professora, a aula começa com a palavra “destino” escrita na lousa.

Depois de dizer a origem em latim, ela menciona que ele é responsável pela junção

das duas metades que foram separadas, pois, segundo Platão, querendo ficar como

deuses, fomos punidos por um raio que nos dividiu ao meio. Sendo assim, estamos

sempre à procura da outra metade.

Figura 29. Quadro na parede da sala de aula

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A aula termina e a câmera focaliza, na parede, um quadro que retrata um

casal apaixonado. Eles estão nas nuvens, sob uma lua e uma estrela, simbolizando,

talvez, um encontro que acontece pelas mãos do destino.

Figura 30. Faith vestida de noiva

Quando Faith está em casa experimentando o vestido de noiva que foi da

mãe de seu noivo, o telefone toca. Para sua surpresa, é um amigo do noivo,

chamado Damon Bradley. Ele desculpa-se por não poder ir ao casamento, pois está

indo a Veneza. A moça fica enlouquecida e sai par ir ao aeroporto, dizendo à

cunhada que não é coincidência e sim o destino.

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Figura 31. Faith e Kate em Veneza

Faith e Kate chegam a Veneza ao som de “O sole mio”, canção italiana do

século XIX. Para chegarem ao hotel viajam de gôndola; a atmosfera é romântica e

Faith está ansiosa para encontrar Damon.

Figura 32. Sapato perdido por Faith

Ao correr pelas ruas de Roma, Faith perde um dos sapatos. Peter, que está

caminhando, recolhe-o e a segue. Ela encontra Kate e sentam numa fonte. Ela

perdeu a pista de Damon e está disposta a soluções desesperadas. Peter aproxima-

se e pergunta se o sapato perdido é dela. Nesse momento, refere-se à Faith como

“Cinderela”.

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Figura 33. Peter experimenta sapato em Faith

Peter experimenta o sapato em Faith e diz a ela que ele é nosso auto-retrato,

através dele conhecemos as pessoas. O sapato serve no pé da professora, mas ela

ainda não tem conhecimento de que o rapaz é o seu verdadeiro príncipe. Ele

aproveita o fato de Faith dizer o nome de sua alma gêmea e apresenta-se como

sendo Damon Bradley. Ela fica pasma e quase desfalece. Nessa hora ouve-se um

tilintar e entram em cena a lua e o relógio em uma torre.

Figura 34. Peter e Faith dançam ao luar

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Sob a lua romântica de Roma, os dois apaixonados saem para um passeio.

Peter compra flores de uma cigana, que lhes dá uma bênção. Os dois dançam na

rua.

Figura 35. Faith descendo da carruagem

Andam de carruagem, estão se conhecendo melhor, Faith está encantada. Ao

descerem, a câmera focaliza os sapatos vermelhos nos pés dela. A cor vermelha simboliza o

vínculo afetivo, profundidade nas relações, efervescência, dinamismo, calor, força e

agressão. Ela pertence à eternidade dos afetos. Proporciona vitalidade, aumenta a pressão

sangüínea sendo excelente para dar mais ânimo e crédito a si mesmo. É a cor que traz em

si o poder feminino da sedução.

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Figura 36. Peter revela sua verdadeira identidade

Eles estão no quarto de hotel e Faith diz que o encontro deles é obra do

destino. O rapaz sente-se culpado e revela sua verdadeira identidade. Quebra-se o

encanto e ela sai furiosa de lá.

Figura 37. Faith entrando no quarto

Outra cena interessante é essa, que tem o seu início com um close up nos

pés de Faith entrando no quarto. Todo o sentido da história está vinculado tanto ao

sapato quanto ao destino.

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Figura 38. Caminho para Positano

Essa cena mostra o caminho para Positano, onde Faith irá encontrar-se com

o verdadeiro Damon Bradley. Aqui temos a reafirmação do romantismo que perpassa

toda essa narrativa.

Figura 39. Faith descalça no hotel em Positano

Uma das tomadas mais curiosas dessa recriação do antigo conto de fadas

está na chegada de Faith ao hotel, em Positano. Ela está descalça, pois ainda não

encontrou seu príncipe encantado.

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Figura 40. Peter e Faith antes do encontro com “Damon”

No momento em que Faith está no quarto aprontando-se para o encontro com

Damon, Peter vai até ela e lhe dá sapatos brancos, dizendo que é uma bela cor para o

encontro que a moça planeja. A cor branca representa limpeza, pureza, perfeição, paz,

inocência, dignidade, clareza, consciência e novos começos. O branco pode ser definido

como a ausência de todas as cores ou a presença de todas as cores do espectro da luz e

pode representar tanto inocência quanto o último objetivo da purificação. É um convite ao

altruísmo, a dar sem receber nada em troca.

Peter ajuda Faith a se produzir como se fosse sua fada madrinha. No final,

dançam e ele declara seu amor e diz: “Vá, a abóbora te espera”, numa referência

direta à história original.

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Figura 41. Faith desce as escadas para o encontro

Faith desce as escadas para ir ao restaurante encontrar Damon. Nessa

seqüência, a câmera focaliza os pés e ouvem-se as batidas de um relógio.

Figura 42. Faith janta com o falso Damon

Faith está realizada, pensando que o rapaz à sua frente é Damon Bradley. O

encontro parece perfeito: o homem sonhado, uma noite de lua cheia, um clima

romântico.

Figura 43. Peter conversa com um velho

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Enquanto Faith janta com “Damon”, Peter conversa com um velho em frente

ao restaurante. Ele pergunta ao senhor se ele acredita em destino. O velho

responde que todos acreditam em destino, tudo está escrito nas estrelas.

Figura 44. Faith e “Damon” numa festa, em um iate

O romantismo começa a desaparecer, quando o rapaz torna-se ousado e

tenta acariciar os seios de Faith. Ela sente-se extremamente desconfortável e

empurra Damon. Peter assiste a tudo e resolve intervir.

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Figura 45. Peter e “Damon” brigam

Peter, enfurecido, agride “Damon” e os dois discutem. Assim, Faith acaba

ouvindo e percebendo a trama armada por Peter. “Damon”, na verdade é Harry,

amigo de Peter.

Figura 46. Faith desmascara o falso Damon

Faith fica furiosa ao perceber o engano, não pode crer que foi ludibriada mais

uma vez.

Figura 47. O plano de Peter falhou

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Peter sabe que será muito difícil obter o perdão de Faith. Ela, descontrolada,

dá-lhe uma surra na frente de todos. Faith e Kate abandonam a embarcação,

deixando os rapazes solitários e desiludidos.

Figura 48. Faith, Damon e Peter no aeroporto

No aeroporto, Faith e Peter estão na fila de embarque, cada um deles vai

para um destino diferente. De repente, ouvem pelo alto-falante, um chamado para

Damon Bradley. Correm até o guichê e encontram o verdadeiro Damon. Peter

apresenta Faith e diz que ela, desde a infância, acredita que o homem de sua vida

chama-se Damon Bradley. Diz que está apaixonado por ela, mas, infelizmente não

tem o nome correto. Deseja felicidades a ambos e vai embora. Quando Peter afasta-

se, a moça se dá conta do absurdo da situação e corre até o avião de Peter.

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Figura 49. Peter sozinho no avião

Figura 50. O final feliz de Peter e Faith

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Figura 51. O avião leva os dois apaixonados

Nessas três últimas cenas, temos Peter sozinho e deprimido no avião, pois

pensa que perdeu Faith para sempre. Em seguida, ela entra e ele percebe amor nos

olhos dela, então os dois se beijam e por fim o avião parte a caminho da felicidade.

Vimos assim que Only you tem como temática a história de Cinderela com

referências diretas a esse conto, atualizando-o. Um telefonema, às vésperas do

casamento, tira Faith de sua vida pacata, rumo a uma grande aventura para

conquistar a sua alma gêmea. A trama é tecida conjugando sapato e destino, como

mostram várias cenas. Se, nessa versão, perde-se a ação da varinha de condão da

fada madrinha a auxiliar na modificação da mulher, notamos que a fada continua a

existir, já que tanto Kate (cunhada) quanto Peter (príncipe) dão conta desse papel e

até mesmo a cigana(fada falsa). O clima de magia fica por conta do romantismo que

recheia a história.

Maid to order apresenta a narrativa de Cinderela como uma paródia,

invertendo o significado do texto original. Jessie não está no borralho e sim

freqüentando a alta sociedade de Los Angeles. A narrativa fílmica conta a história às

avessas. Como diz a fada Stella a Jessie: “Algumas princesas merecem ser

criadas”. Assim as cenas escolhidas ilustram a recriação do conto tendo como

elemento simbólico o sapato, que se destaca desde o início de Maid to order.

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Figura 52. Apresentação de Maid to order

Na figura 52, aparece o “sapato” como detalhe significativo essencial à

história que será contada.

Figura 53. Novamente o conto de fadas

Remetendo diretamente aos contos de fadas, vemos na tela “Once upon a

time...” (Era uma vez...) e, dessa forma, a história inicia-se.

Figura 54. Estrela atende pedido do pai de Jessie

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Depois de aprontar muito e esbanjar o dinheiro do pai, Jessie é presa e

recebe a visita da fada, uma figura atual, que tem até um vício: Stella fuma. Nossa

princesa é informada que perdeu tudo, não tem mais família, nem dinheiro e está por

sua própria conta. Isso ocorreu porque o pai da moça fez um pedido ao céu:

“Gostaria de nunca ter tido uma filha”. Dessa forma, esse pedido é que altera toda a

história.

Figura 55. Jessie descalça

Essa cena traz Jessie desesperada e humilhada, a câmera focaliza seus pés

descalços para simbolizar suas perdas.

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Figura 56. O sapato perdido de Jessie

Na antiga mansão de Jessie, seu pai está pensativo em uma das salas,

quando Jimmy, o cachorrinho de estimação dela, traz um sapatinho que foi perdido

pela moça ao tentar entrar na casa.

Figura 57. As botas encontradas no lixo

Novamente em cena o “sapato”. Jessie encontra um par de botas brancas no

lixo, calça-as e parte para uma nova experiência em sua vida.

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Figura 58. Anúncio de uma agência de empregos

Jessie senta-se na calçada desanimada, antes nunca havia passado por

tantas dificuldades. De repente olha e vê do outro lado da calçada um anúncio:

“Celebrity – Employment agency”( Agência de empregos Celebridade). Como

nasceu rica e não deu valor às coisas, o único emprego que encontra é de

arrumadeira, em uma mansão em Malibu.

Figura 59. Jessie desolada por ter de refazer o serviço

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Na mansão dos Starkey’s, Jessie conhece o lado daqueles que lutam,

trabalham para conseguir sobreviver. O patrão é um agente musical, vaidoso e

oportunista, Sua esposa é uma “perua”, que só se preocupa com mesquinharias. No

começo, Jessie não consegue realizar bem suas tarefas e sofre desconto em seu

pagamento. Com o tempo e a convivência com os outros empregados da casa, vai

aprendendo e tornando-se humilde. Depois de limpar a sala do piano, Jessie está

satisfeita pelo serviço bem feito, então a patroa volta de um passeio a cavalo e o

chão fica todo sujo novamente.

Figura 60. Jessie e Nick

Nick é motorista da mansão, é o príncipe de Jessie. Na figura 60, vemos o

casal em um encontro em que os dois mostram-se muito apaixonados.

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Figura 61. Jessie, vestida como criada

É noite de festa na mansão. Jessie está com os outros empregados na

sacada de um dos quartos observando o movimento dos convidados. Todos têm um

desejo. Audrey, a governanta, quer conseguir os estudos da filha Janine; Maria, a

cozinheira, gostaria que a cozinha estivesse limpa depois da festa e Nick quer que

ouçam suas músicas. Nessa cena, Jessie está assistindo a apresentação de Audrey

e Nick, que pela interferência da fada Stella, conseguem realizar seus sonhos.

Figura 62. A criada volta a ser princesa

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Todos os desejos foram satisfeitos e assim Stella aparece e leva Jessie até a

porta para despedir-se, pois sua missão está terminada. Nesse momento, o pai de

Jessie está no carro para sair e diz à filha para não chegar tarde. A moça fica

radiante ao perceber que o encanto se desfez, olha para Stella, que aponta para

seus pés e os sapatos brilham.

Figura 63. O carro da fada

Na figura 63, Stella despede-se em grande estilo, seu carro, envolto em uma

bolha sobe ao céu. Lá em cima, uma estrela brilha.

Figura 64. Nick e Jessie

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Figura 65. O final feliz de Nick e Jessie

As duas imagens acima são o final feliz de Nick e Jessie. Na tela, os dizeres

“They lived happily ever after” ( Eles viveram felizes para sempre), que reafirmam o

conto de fadas.

Nesses três filmes temos a modernização do conto de fadas A Gata

Borralheira. O cinema apresenta a imagem em movimento, com cores, sons, objetos

e personagens que aparecem em situações e espaços diversos. Já a literatura usa a

palavra escrita que deve dar conta de todos os recursos e efeitos mencionados

acima.

No livro, nosso imaginário trabalha mais do que no filme. O leitor imagina

como são os personagens, os ambientes em que eles aparecem, a disposição dos

objetos citados. No filme, as cenas estão prontas e os espectadores recebem-nas

sem muito esforço.

Devemos também lembrar que o cinema mistura várias linguagens como

teatro, dança, música, pintura, fotografia e acaba criando uma linguagem própria que

está sempre mudando.

Muitos elementos que não estão presentes no livro são usados pela

linguagem cinematográfica: os enquadramentos, a música, a cor, os movimentos de

câmera, a fotografia. O ponto de contato entre cinema e literatura é a narratividade e

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por isso notamos as relações intertextuais, mesmo que cada meio tenha sua forma

própria de contar histórias.

O elemento mágico presente no conto matriz é apresentado de diferentes

modos nos filmes. Em Ever After, a conduta de Danielle é que a leva a merecer o

final feliz com Henry. São suas atitudes que a conduzem por toda a história. Em sua

trajetória, ela é ajudada por pessoas as quais conquistou com sua bondade e

solidariedade. O vestido e os sapatos que usa foram de sua mãe. Os criados antigos

de sua casa e Leonardo da Vinci completam a cena para que Danielle chegue

deslumbrante ao baile.

Em Maid to order, há a presença de Stella, que só desempenha seu papel de

fada de acordo com as atitudes de Jessie, isto é, o auxílio que a moça recebe da

fada-madrinha está em consonância com a sua transformação ao longo da história.

O pedido que seu pai faz a uma estrela no céu (“Gostaria de nunca ter tido uma

filha”) é que introduz a fada na narrativa. No final, como prêmio por sua

transformação, Jessie recebe sua vida de volta, só que, então, ela é uma nova

mulher.

Em Only you, Faith apóia-se em alguns elementos que julga mágicos para

construir sua trajetória em busca do amor e da felicidade: uma tábua ouija e uma

cigana. No entanto, tanto a tábua quanto a cigana foram manipulados por seu irmão

Larry, que empurra, propositalmente, a tábua e forma o nome “Damon Bradley”.

Depois paga uma cigana para dizer o mesmo nome para Faith. Portanto, a moça

credita ao destino o que acontece com ela e na realidade é ela mesma que está

construindo sua própria história. Quando Faith se dá conta disso, enxerga o

verdadeiro príncipe e temos o final feliz.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mundo que vivemos, as mídias têm papel importante nesseprocesso de criação, manutenção e desenvolvimento do simbólico e,conseqüentemente da própria vida social. Elas fazem a mediaçãosocial contemporânea, servindo de veículo para formar asconsciências e os respectivos comportamentos.

(LOPES, 2004)

Muitos textos midiáticos originam-se da pintura e da literatura, daí a

intertextualidade. Assim posto, a leitura da comunicação midiática não é tão

horizontal e torna-se necessária a pesquisa e o diálogo com as várias áreas do

conhecimento e com as várias linguagens. Um bom exemplo é o que a mídia fez

com o conto de fadas Cinderela, também conhecido como A Gata Borralheira. A

realização dessa produção funda-se em relações intertextuais, no confronto de uma

determinada época com a cultura contemporânea.

Esta pesquisa procurou mostrar esse diálogo entre duas linguagens: a do

texto narrativo e a do fílmico. Mesmo pertencendo a sistemas diferentes,

observamos que os dois textos concorrem para pontos comuns. Tanto narrativa

literária quanto fílmica contam uma história, sendo que o filme o faz através de uma

seqüência de ações ocorridas a determinados personagens num determinado tempo

e espaço. A narrativa literária é composta por palavras e sua estrutura também

envolve enredo, personagens, ações, espaço e tempo, que remetem o leitor a um

mundo imaginário que obedece ao contexto histórico, social e cultural vivido por ele.

Todos esses movimentos reunidos dão movimento ao texto.

A análise feita usou como suporte teórico a teoria da intertextualidade, de

Julia Kristeva, que advém dos estudos do formalista russo Mikail Bakhtin sobre o

dialogismo da linguagem. Para ele não se pode conceber o processo de leitura

desligado da noção de intertexto, uma vez que o dialogismo permeia toda a

linguagem e dá sentido ao discurso. A palavra é sempre marcada pela palavra do

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outro, ou seja, quando um enunciador constrói seu discurso, leva em conta o

discurso de outrem, que está sempre presente no seu. Assim, a palavra literária é

um diálogo de diversas escrituras.

Bakhtin vê o dialogismo sob dois pontos de vista:

a) Interação verbal ( enunciador – enunciatário, é o diálogo entre sujeitos);

b) Intertextualidade (diálogo entre textos).

Para o nosso trabalho, consideramos o segundo ponto de vista, uma vez que

o estudo feito contemplou a transcodificação do código literário para o código fílmico.

Para Kristeva, no espaço textual, dialogam três elementos: o sujeito da

escritura, o destinatário e os textos exteriores, ou seja, a palavra é espacializada em

três dimensões (sujeito – destinatário – contexto). Todo texto é absorção e

transformação de um outro texto.

O conto de fadas aqui analisado, Cinderela, teve origem nas histórias de

tradição oral e apresenta muitas versões. Este estudo mostrou a intertextualidade

existente entre esse conto, escrito pelos irmãos Grimm e as narrativas fílmicas Ever

After, Only you e Maid to order.

Como afirma Graham Allen (apud TAKAZAKI, 2004, p.88), “a intertextualidade

surge para nos lembrar da verdade chocante de que o que dissermos e pensarmos

sempre já foi dito e pensado.”

Identificar esses diálogos entre os textos e compreender como se

estabelecem essas relações é fundamental para a (re)construção dos sentidos do

texto.

Assim, apesar de conto e filme apresentarem recursos diferentes, ao

analisarmos os símbolos presentes no conto dos irmãos Grimm, destacamos o

elemento intertextual sapato, pois aparece tanto na narrativa literária quanto nas

narrativas audiovisuais analisadas.

Em Ever After, ele se apresenta como um elo de ligação entre o conto e a

história de Danielle. Em Only you, simboliza a busca de Faith por sua alma gêmea.

Finalmente, em Maid to order, é o símbolo da conquista de novos rumos.

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Os filmes analisados contam a história de Cinderela recriando o conto,

utilizando nova linguagem, porém reafirmam um saber introjetado em nossa cultura:

toda jovem quer um príncipe que a torne princesa. Os textos fílmicos apresentam

novos personagens, mas não alteram a temática do amor que vence todas as

barreiras.

No conto Cinderela, a heroína não tem nome e essa condição anônima

reforça seu perfil de subalterna e humilhada, uma vez que o nome próprio confere

individualidade ao personagem. Ela passa por muita dor e sofrimento, quando seu

pai casa-se pela segunda vez. A madrasta e suas filhas impõem a Cinderela uma

vida miserável repleta de suplícios, além de ela ter que enfrentar a perda de sua

mãe tão querida.

Então, entram em cena elementos mágicos para ajudá-la a alcançar a

liberdade e a felicidade. No baile, apaixona-se pelo príncipe, perde um dos sapatos,

que mais tarde, será seu passaporte para o final feliz.

O cinema, ao recontar essa história, apresenta-nos três novas Cinderelas:

Danielle, Faith e Jessie. Cada uma delas tem uma maneira peculiar de dialogar com

a Cinderela original.

Danielle é muito parecida com a Cinderela dos irmãos Grimm. É boa, piedosa

e conformada com sua vida de sofrimento. Só reage quando conhece o príncipe

Henry e se apaixona por ele. Por intermédio de amigos, chega ao baile e à felicidade

tão sonhada. O sapato que usa é de cristal e pertenceu à sua mãe. Ele proporciona

a Danielle o reconhecimento , a identificação.

Faith é uma professora que, apesar de viver no século XX, é sonhadora e

acredita no destino e no encontro com a sua alma gêmea. Para viver esse amor,

enfrenta os obstáculos de uma forma muito ousada. Acredita em forças

sobrenaturais e deixa-se guiar pela ilusão. Para ela, seu destino foi traçado desde a

infância por uma tábua ouija e uma cigana; o que a moça não sabe é que seu irmão

Larry manipulou a tábua e pagou a cigana para dar-lhe o nome de seu príncipe. Por

isso credita ao destino tudo o que lhe acontece e, quando o verdadeiro príncipe

aparece, ela não o reconhece. Ao se dissiparem todos os enganos, a professora

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encontra a verdadeira felicidade. Mais uma vez o sapato marca toda a trajetória da

personagem.

Finalmente temos Jessie, que é a Cinderela às avessas, pois de princesa

passa a empregada e só consegue sua vida de volta, quando passa por uma

transformação: aprende a ser solidária, a se importar com aqueles que a rodeiam.

Ao ser despojada de sua riqueza, revolta-se e tenta entrar em sua antiga mansão.

Os empregados não a reconhecem e chamam a polícia. Na fuga, perde o sapato.

Com a mudança e conseqüente humanização da personagem, recebe sua vida de

volta e encontra o príncipe encantado. Nessa hora, os sapatos voltam a brilhar em

seus pés.

Conclui-se, desse modo, que Ever After mantém com o conto original uma

intertextualidade sob a forma de paráfrase, já que reafirma a história de origem e as

mudanças que o filme apresenta são mínimas.

Já Only you, ao recontar a história, conserva a temática, o elemento

intertextual sapato e o romantismo. As transformações ocorridas no filme

apresentam-se como um desvio tolerável, apresentando-se como uma estilização.

Por último, temos Maid to order, que conta a história da borralheira às

avessas, um modo diferente, não convencional da leitura do conto. Dessa forma,

caracteriza-se a paródia.

Cruzando o conto e as narrativas audiovisuais, percebemos que a

intertextualidade é inerente à produção humana, pois o ser humano recorre àquilo

que já foi feito em seu processo de produção simbólica.

Dessa forma, ao contrapor literatura e cinema, detectamos as diferenças

existentes entre os dois meios e constatamos que a narratividade é o elo de ligação

entre conto e filme.

Os três filmes analisados, ao contar a história de Cinderela, recriam o conto,

ressignificando esse texto em um novo meio, um novo contexto, um novo código de

representação, uma nova atitude discursiva. Assim, o filme incorpora e digere a fonte

original e, em seguida, produz algo estético e culturalmente novo.

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Esperamos que esse trabalho contribua para abrir caminho para outros

estudos que ampliarão conhecimentos e possa tornar os leitores mais dinâmicos

para o mundo atual e suas exigências.

A análise dos diversos elementos que sustentaram a relação intertextual

serviu para mostrar que os contos de fadas são histórias antigas que continuam

encantando e ensinando crianças e adultos geração após geração.

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REFERÊNCIAS

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