Traduzir Com Autonomia

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Fábio Alves Célia Magalhães Adriana Pagano Traduzir com autonomia estratégias para o tradutor em formação

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  • Fbio Alves Clia Magalhes Adriana Pagano

    Traduzir com autonomiaestratgias para o tradutor em formao

  • Fbio Alves

    Clia Magalhes

    Adriana Pagano

    Traduzir com autonomiaESTR ATG IAS PARA O T R A D U T O R E M F O R M A O

  • Sumrio

    Apresentao .................................................................................................. 71. Crenas sobre a traduo e o tradutor:

    reviso e perspectivas para novos planos de aoAdriana Pagano .......................................................................................... 9

    2. Unidades de traduo: o que so e como oper-lasFbio Alves .................................................................................................. 29

    3. Estratgias de busca de subsdios externos: fontes textuais e recursos computacionaisAdriana Pagano .......................................................................................... 39

    4. Estratgias de busca de subsdios internos: m em ria e mecanismos inferenciaisFbio Alves .................................................................................................. 57

    5. Estratgias de anlise macrotextual: gnero, texto e contextoClia Magalhes ......................................................................................... 71

    6. Estratgias de anlise microtextual: os nveis lexical e gramaticalClia Magalhes ......................................................................................... 87

    7. U m m odelo didtico do processo tradutrio: a integrao de estratgias de traduoFbio Alves .................................................................................................. 113

    Bibliografia ..................................................................................................... 129Respostas dos exerccios .............................................................................. 133

  • Apresentao

    A proposta deste livro est condensada em seu ttulo - Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao - que define nosso foco de ateno e o direcionamento que tencionamos dar a ele. Propomos aqui um a abordagem da traduo centrada em estratgias ou aes que conduzem resoluo, de forma eficaz e adequada, de problemas tradutrios.

    Tomamos emprestado das teorias de aprendizagem o conceito de estratgia que utilizamos neste livro. Enfocamos, sobretudo, a forma como as estratgias so usadas pela lingustica aplicada ao ensino de lnguas estrangeiras uma vez que os estudos da traduo encontram-se diretamente relacionados a ela, mesmo que seja apenas devido ao fato que ambos lidam com o uso efetivo de lnguas estrangeiras em situaes dinmicas de troca comunicativa.

    A ideia de levar o tradutor em formao a desenvolver estratgias de traduo est imbuda do esprito de conscientiz-lo da complexidade do processo tradutrio e da necessidade de m onitorar suas aes e examinar com cuidado as decises tomadas ao longo do processo tradutrio. A conscientizao desse tradutor envolve um redim ensionam ento do conceito de aprender, o qual passa a dem andar que o aprendiz se torne diretamente responsvel pelo seu prprio processo de aprendizagem. Em outras palavras, espera-se que o aprendiz se torne autnom o para escolher o caminho mais adequado, para selecionar e gerenciar as aes que m elhor respondam a seus interesses e necessidades e para buscar formas de apreenso e utilizao de conhecim entos que sejam mais apropriadas ao seu estilo individual de aprendizagem.

    O processo de conscientizao sobre a natureza da traduo que aqui propomos aplica-se tanto ao reconhecim ento da complexa rede de inter-relaes subjacentes ao ato de traduzir, como tambm prpria concepo da tarefa tradutria. por isso que comeamos este livro abordando algumas das crenas mais comuns em relao traduo e ao tradutor e discutimos sua real validade ou pertinncia. Passamos, a seguir, pela segmentao do texto em unidades de traduo e pelas possibilidades de process-las por meio de mecanismos de apoio externo e interno. Nosso objetivo subsequente foi implem entar o processo tradutrio

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    por meio de estratgias macro e microtextuais para, finalmente, concluir nossa proposta com a apresentao de um modelo didtico do processo tradutrio que busca integrar as diversas estratgias de traduo ora apresentadas. Constata-se, assim, a relevncia de se enfocar, alm de como traduzir, o que traduzir.

    Alm da lingustica aplicada, nossa abordagem apoia-se em subsdios oriundos de outras reas correlatas, tais como a psicolingustica, a anlise do discurso, a psicologia cognitiva e a informtica. Em matria de traduo, qualquer abordagem que no contemple a interdisciplinaridade inerente ao seu estudo no faz nada alm de reduzir essa tarefa a um conjunto de aspectos isolados e pouco produtivos. Por interm dio das atividades propostas neste livro querem os im plem entar nossa compreenso da traduo como uma rede complexa de fatores mltiplos e possibilitar efetivamente que tradutores em formao possam se beneficiar dela.

  • Crenas sobre a traduo e o tradutorreviso e perspectivas para novos planos de ao

    Adriana Paga no

    1

    Objetivos

    Neste captulo, vamos abordar os seguintes aspectos: As crenas mais com uns em relao traduo e ao tradutor e sua apli

    cabilidade ou validade luz das novas teorias dos estudos da traduo; A noo de estratgias de traduo e sua relevncia na abordagem do processo

    tradutrio e do tradutor; O s principais elementos envolvidos no processo tradutrio e seu papel

    na criao de condies que propiciem um trabalho bem-sucedido.

    Consideraes tericas

    U m dos assuntos que vm sendo muito pesquisados atualmente nas reas de educao e cognio so os fatores que influenciam o processo de aprendizagem e aquisio de conhecimentos. Dentre esses fatores, ganha destaque o papel das crenas no processo de aprendizagem. Por crenas, entende-se todo pressuposto a partir do qual o aprendiz constri uma viso do que seja aprender e adquirir conhecimento. Segundo pesquisadores, todo aprendiz possui um a srie de crenas a respeito do que aprender: como se aprende, qual o esforo a ser despendido nessa tarefa e com que velocidade so assimilados os conhecimentos (Butler & W inne, 1995). Esses pressupostos determinam os recursos e a forma que o aprendiz utilizar para resolver todo problema que surgir ao longo de seu aprendizado (Jacobson et al., 1996). Orientado pelas suas crenas, o aprendiz decide o que aprender, como, quando e em quanto tempo. Crenas que refletem adequadamente o processo de ensino/aprendizagem geralmente conduzem o aprendiz escolha de recursos e formas apropriadas que, por sua vez, garantem o sucesso e o contnuo exerccio de procedimentos acertados. Por outro lado, crenas errneas ou pouco fundamentadas levam o aprendiz a optar por recursos e formas no apropriadas e culminam, geralmente, no insucesso e na insatisfao. Pesquisadores comprovaram como

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    determinadas crenas - tais como a de que a aprendizagem deva ser um processo rpido sem demanda de maior esforo - levam o aprendiz a escolher formas m uito superficiais de contato com o novo conhecimento, produzindo-se uma interao pouco significativa cujo resultado a no apreenso de conhecimento.

    A rea de ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras tambm ilustrativa a esse respeito. Pressupostos em relao ao mtodo de aprendizagem de uma lngua, o papel do professor em sala de aula, a relevncia da gramtica no processo de aquisio da lngua, ou o roteiro a ser seguido para aprender o idioma so exemplos de crenas que alunos possuem a respeito da aprendizagem de lnguas estrangeiras. Essas crenas, as pesquisas mostram, influenciam diretamente o com portam ento do aprendiz e o grau de sucesso dele na tarefa que persegue (vide M cDonough, 1995). M uitos alunos de lnguas estrangeiras acreditam, por exemplo, que aprender um idioma aprender rapidamente e de uma vez s uma srie de regras gramaticais e vocabulrio que sero guardados na memria como conhecim entoj adquirido sobre essa lngua. Aps conseguirem um certificado de concluso de um determinado nvel, esses aprendizes interrom pem seus estudos da lngua, acreditando que o conhecim entoj foi adquirido e que no mais precisa ser posto em prtica ou expandido. Aps um certo perodo de tempo, vo se queixar do esquecimento de tudo que foi aprendido, devendo novamente frequentar um curso daquela lngua estudada. Com o essa crena m uito arraigada, vemos aprendizes que transitam por diversos cursos, mtodos e professores, sempre repetindo o mesmo processo de estudo e consequente abandono. Felizmente, alguns alunos (cada vez mais) possuem outra percepo do que seja aprender uma lngua e percorrem esse processo de prtica e aum ento do conhecimento contnuos que garante um sucesso maior.

    M uitos aprendizes de lnguas estrangeiras acreditam tambm que o sucesso no desempenho do idioma est relacionado com o fato de a pessoa ter morado no exterior, num pas onde se fala a lngua estrangeira, o que constitui uma crena errnea, j que numerosos falantes proficientes em lnguas estrangeiras nunca tiveram a oportunidade de viajar para o exterior. Tendo em vista o nm ero de materiais de apoio (fitas-cassete, fitas de vdeo, revistas, livros etc.) e os recursos computacionais atualmente disponveis ( c d - r o m , softwares de autoaprendizagem, a internet, a televiso a cabo), o aluno que faz uso adequado deles e utiliza estratgias apropriadas de aprendizagem pode adquirir um nvel de proficincia comparvel, seno superior, ao do aprendiz que reside um tempo no exterior. Com o essa crena m uito difundida e pouco problematizada, so muitos aqueles que atribuem seu insucesso na aprendizagem de uma lngua estrangeira ao fato de no terem morado num pas estrangeiro e no tentam explorar caminhos alternativos para desenvolver sua competncia comunicativa na lngua. Temos, assim, um crculo vicioso, no qual a crena aparentemente explica o insucesso, ao mesmo tempo que o refora e impede solues para o problema vivenciado pelo aprendiz.

    As crenas variam de pessoa a pessoa e esto relacionadas s experincias de cada indivduo e ao contexto sociocultural com o qual interage. Por se tratar

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    de ideias e pressupostos que o aprendiz formula a partir de sua experincia, as crenas so passveis de mudana, seja pelo prprio acmulo de vivncias do aprendiz, seja pela interveno deliberada por parte de algum agente (professor, empregador, colega, amigo, m em bro da famlia etc.) no seu processo de aprendizagem.

    Com o essas reflexes sobre crenas referem-se a processos de aprendizagem em geral, elas tam bm se aplicam ao assunto especfico que iremos tratar, isto , traduo e ao tradutor. Crenas sobre a traduo e o tradutor so, assim, todas aquelas percepes que se tem sobre o que seja traduzir, o que uma boa traduo, o papel do tradutor etc. N o caso do aprendiz de traduo, essas percepes filtram as formas de pensar e abordar a traduo e tm um efeito considervel no desem penho do tradutor-aprendiz e no trabalho a ser desenvolvido. Por se tratar de concepes sobre o processo tradutrio que podem no se corroborar como adequadas ou positivas, as crenas podem conduzir a uma traduo no adequada ou insuficiente. C om o esses pressupostos so parte de um conhecimento prvio, adquirido pelo aprendiz e armazenado como noes de referncia, pouco revisadas ou questionadas, as crenas do lugar a expectativas que, quando no plenamente satisfeitas, produzem ansiedade e sentim ento de insucesso e frustrao. N o caso especfico da traduo, as crenas comprovadamente desem penham um papel social mais amplo e, portanto, mais crtico, uma vez que alm de influenciar a performance do tradutor, elas tam bm determ inam a forma como a sociedade em geral tende a avaliar a traduo como profisso e o tradutor como agente dessa atividade, com base nessas percepes mais divulgadas.

    Para compreender a relao entre crenas e performance e crenas ejulgamento da traduo, vamos fazer prim eiro uma atividade sobre esse assunto.

    Atividade 1

    CRENAS SOBRE A TRADUO E 0 TRADUTORLeia cada uma das afirmaes contidas na tabela 1.1 e decida se voc (a) concorda com ela, (b) discorda dela ou (c) se voc no tem opinio formada a respeito.

    Tabela 1.1

    Crena C D NS

    1. A traduo uma arte reservada a uns poucos que podem exerc-la graas a um dom especial.

    2. A traduo uma atividade prtica que requer apenas um conhecimento da lngua e um bom dicionrio.

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    Crena C D NS

    3. O tradutor deve ser falante bilngue ou ter morado num pas onde se fala a lngua estrangeira com a qual trabalha.

    4. S se pode traduzir da lngua estrangeira para a lngua materna, uma vez que s dominamos esta ltima.

    5. 0 tradutor um traidor e toda traduo envolve certo grau de traio.

    C: concordo, D: discordo, NS: no sei.

    Com pare agora suas respostas com as apreciaes que se seguem.

    1. A traduo uma arte reservada a uns poucos que podem exerc-la graas a um dom especial.

    Esta crena aparece frequentem ente quando se avalia um a traduo que de alguma m aneira se destaca pela sua qualidade ou quando se quer condenar um a traduo malsucedida. Est implcita aqui a ideia de que se nasce tradutor ou que s se pode chegar a s-lo quando se possui este dom . Longe de corroborar essas afirmaes, as pesquisas m ostram que tradutores com petentes e reconhecidos possuem um a carreira que envolve experincia e qualificao. U m a quota de sensibilidade artstica certam ente contribui para a beleza de determ inados textos, especialmente, os literrios. C ontudo, renom ados poetas e tradutores tm reconhecido em diversas oportunidades a necessidade de se ter um a vivncia e um grande conhecim ento cultural e lingustico para levar a cabo um a traduo.

    2. A traduo uma atividade prtica que requer apenas um conhecimento da lngua e um bom dicionrio.

    Esta afirmao, um a das mais divulgadas sobre a traduo, tem contribudo para o estatuto da traduo com o atividade m enor, pouco reconhecida pelo m ercado de trabalho e pelas diversas instituies que requerem servios de traduo, tais com o universidades, agncias governamentais e embaixadas. As pesquisas confirm am o que um a longa histria de casos e fatos narram sobre insucessos envolvendo a traduo: a prtica da traduo requer estratgias de diversas naturezas, algumas das quais podem ser adquiridas por meio da experincia, sendo que outras podem ser desenvolvidas ou aperfeioadas pela formao profissional. Tericos e pesquisadores referem -se ao que se

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    chama de competncia tradutria, que pode ser definida como todos aqueles conhecim entos, habilidades e estratgias que o tradutor bem -sucedido possui e que conduzem a um exerccio adequado da tarefa tradutria. O pesquisador Stuart Cam pbell (1998), por exemplo, aponta que a com petncia tradutria envolve habilidades chamadas inferiores, com o conhecim ento do lxico, da morfologia e da sintaxe das lnguas envolvidas, bem com o o dom nio de habilidades superiores que dizem respeito a nveis maiores de complexidade, como conhecimento de aspectos textuais, de coeso e coerncia, reconhecimento de m acroestruturas textuais e coligaes lexicais e, evidentem ente, dom nio de registros e gneros discursivos e sua insero no contexto no qual o texto traduzido ser incorporado. A formao requer o desenvolvim ento de habilidades que transcendem o conhecim ento m eram ente lingustico. Ainda, com o veremos no captulo 3, dentre essas habilidades ressaltam-se a busca de subsdios externos, isto , de informaes e conhecim entos necessrios recriao do texto, e a utilizao de recursos tecnolgicos que com provadam ente aprim oram a traduo. Tem os, tam bm , como veremos no captulo 4, a capacidade de deduo, induo e assimilao de conhecim entos de difcil acesso, o papel dos mecanismos inferenciais, e a capacidade de contnua atualizao de seus conhecim entos gerais e especficos como subsdios internos fundam entais ao exerccio da traduo.

    3. O tradutor deve serfalante bilngue ou ter morado num pas onde se fala a lngua estrangeira do par lingustico com que trabalha.

    As pesquisas sem dvida corroboram esta afirmao, embora no em carter de exclusividade. Alguns falantes bilngues exercem a traduo com sucesso, bem como alguns tradutores que possuem vivncia de alguma das culturas em que se fala a lngua estrangeira. N o entanto, os estudos tambm mostram que, nesses casos, o bilinguismo ou a vivncia do tradutor esto acompanhados de um a formao que lhe permite o bom desem penho como tradutor. N o devemos esquecer que o falante bilngue pode ter um dom nio limitado das lnguas que fala ou pode no contar com alguns dos outros aspectos que fazem parte da chamada competncia tradutria, mencionados no ponto anterior.

    4. S se pode traduzir da lngua estrangeira para a lngua materna, uma vez que s dominamos esta ltima.

    Esta percepo, tam bm bastante difundida entre os profissionais e aprendizes de traduo, merece um a anlise por partes. Em prim eiro lugar, tem os de lem brar que o fato de sermos falantes nativos de um a lngua no nos habilita autom aticam ente a traduzir para essa lngua. Reiterando conceitos anteriores, no basta ao exerccio da traduo o conhecim ento lingustico. Alm disso,

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    prudente lembrar que falantes nativos possuem diversos graus de conhecim ento e proficincia de sua lngua materna, m uitas vezes relacionados com sua formao escolar e sua experincia de vida. De maior relevncia, ainda, preciso relembrar que a traduo requer uma formao e uma qualificao que fornecem ao tradutor as habilidades e conhecimentos suficientes para uma boa performance. N esse sentido, o dom nio de um a lngua estrangeira, jun tam en te com um conhecim ento cultural e tcnico, e as habilidades apropriadas para o exerccio da recriao de um texto, possibilitam a traduo para a lngua estrangeira sem maiores problemas. Questes mais complexas, como a das coligaes textuais e as tipicidades do falante nativo, esto hoje m uito prximas de serem resolvidas graas ao desenvolvimento de bancos de dados de coligaes e combinaes mais frequentes num a lngua e num a cultura. E interessante observar, ainda, o que poderamos chamar de aspectos psicolgicos da atividade tradutria, pouco explorados ainda, mas cada vez mais presentes em depoimentos de tradutores. Trata-se da questo da empatia com uma determinada lngua ou cultura e das preferncias baseadas em aspectos biogrficos ou sociolgicos da vida do tradutor. Dentre os inm eros depoimentos, podemos mencionar o da tradutora canadense Suzanne de Lotbinire-Harwood (1991), que foi alfabetizada em francs e que tem afirmado s poder traduzir para o ingls, sua segunda lngua, uma vez que o francs representa para ela a lngua da socializao e portanto das imposies sociais e sexuais de sua infncia e juventude.

    5. Traduttori, traditoriAntiga e famosa, legitimada por todas as pocas e culturas, esta afirmao ainda

    domina as conversas e comentrios sobre a traduo. Ela responsvel pelo descrdito que a profisso recebe em alguns crculos e, infelizmente, continua sendo confirmada por exemplos de trabalhos improvisados ou realizados por pessoas no qualificadas. Felizmente, no entanto, a nfase que a traduo vem recebendo nas universidades e centros de estudos que desenvolvem pesquisas na rea e o interesse que a formao e qualificao dos futuros tradutores vm despertando em centros de ensino tm em muito contribudo para a contestao desse famoso adgio. Contudo, a problemati- zao dessa crena tem recebido suporte maior a partir das teorias que redefinem a natureza e o objetivo da traduo desenvolvidas, sobretudo, com a consolidao da disciplina Estudos da Traduo a partir dos anos 1980. A ideia de traio pressupunha, dentre outras coisas, uma outra crena tambm ainda bastante disseminada, de que se traduz num vcuo temporal e cultural, no qual uma ideia formulada numa lngua pode ser automaticamente transposta para outra lngua como se se tratasse de uma operao matemtica de equivalncias entre palavras mediada por um dicionrio. Esse pressuposto levava a acreditar que haveria uma transposio ideal e nica que seria, ento, a traduo perfeita. Com o as avaliaes das tradues frequentemente

  • Crenas sobre a traduo e o tradutor 15

    diferiam ou no preenchiam os requisitos especficos de um avaliador, o resultado era rotulado de traio, imperfeio, inexatido. Teorias desenvolvidas j a partir dos anos 1950 e novas teorias fundamentadas em pesquisas acadmicas recentes mostram a complexidade do processo tradutrio, que envolve aspectos da produo e recepo de textos. Assim, por exemplo, podem ser realizadas diferentes tradues de um mesmo original de acordo com os objetivos pretendidos, o pblico-alvo, a funo que se busca atribuir ao texto traduzido e outros fatores mercadolgicos ou no que participam das decises a serem tomadas na recriao de um texto numa nova lngua e cultura.

    N este livro querem os desmitificar todas essas crenas citadas e dem onstrar que possvel se traduzir, adequada e apropriadamente, de e para um a lngua estrangeira, a partir de uma formao especializada do tradutor, de seu exerccio consciente da profisso e de sua contnua qualificao.

    Para term os um a apreciao mais aprofundada de alguns dos princpios tericos sobre traduo que foram pontuados nos comentrios sobre cada crena, vamos analisar alguns exemplos de traduo.

    Atividade 2

    Um cliente solicita que voc traduza o te x to a seguir para inclu-lo num volume de exemplos de tradues do ingls para o portugus. Leia o te x to contido na figura 1.1 e traduza.

  • 16 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Figura 1.1

    Uma vez concluda sua traduo, responda s perguntas:1. Olhando para seu texto traduzido, voc considera que eleja est pronto ou precisa

    ser ainda mais trabalhado?2. Que dvidas voc tem em relao a sua traduo?5. Como voc avalia o grau de dificuldade da tarefa?4. Que dificuldades apresenta o texto? So estas lingusticas ou de outra natureza?

    Independentem ente da especificidade de suas respostas, podem os com entar alguns aspectos da traduo deste texto. Em prim eiro lugar, o contexto desta atividade define algumas caractersticas da traduo a ser feita. Trata-se de um texto que vai ser colocado num a publicao e que requer, portanto, um a recriao adequada para os fins didticos a que se visa. U m a considerao do que cham am os gnero ou tipo de texto de suma relevncia neste caso. O fato de se tratar de um a certido de casamento nos rem ete de imediato a

  • Crenas sobre a traduo e o tradutor 17

    um form ato, um a funo especfica, um a linguagem tam bm especfica, que caracterizam este exemplar do discurso jurdico. A identificao do tipo textual im portante para selecionar o formato, a estrutura e o lxico do nosso texto traduzido para o portugus.

    A adequao do texto na lngua portuguesa e na cultura brasileira requer que se trabalhe de acordo com as caractersticas desse gnero textual, a certido de casamento, no Brasil. Voc conhece alguma certido de casamento brasileira? J leu com ateno esse tipo de texto? Voc se lembra do formato e da linguagem utilizados em portugus?

    O dicionrio certamente uma ferramenta valiosa para a transposio deste texto. Mas ser que resolve todos os problemas? Vejamos uma possvel traduo apenas com o auxlio do dicionrio.

    Examine um trecho do original em ingls:

    Figura 1.2

    Primeira tentativa de traduo para o portugus:Isto para certificar que Carlos A. Vittori de M adri e estado da Espanha e Avelina H ern nd ez de M adri e estado da E spanha foram unidos por m im em sagrado m atrim nio em M iami, Dade County, no dia 30 de janeiro de 1980.

    O texto apresenta algo de estranho. A literalidade, ou traduo palavra por palavra, procedim ento que algumas pessoas associam com a tarefa tradutria, no nos auxilia aqui a criar um texto aceitvel. As dificuldades transcendem uma abordagem m eram ente lexical. Ser que devemos m anter uma formulao tal como Carlos A. Vittori de M adri e estado da Espanha e Avelina H ernndez de M adri e estado da Espanha? Analisemos um pouco mais o contexto de produo do texto original.

  • 18 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Trata-se, como j dissemos, de uma certido de casamento. O texto revela que o casamento teve lugar em Miami, consequentemente, nos Estados Unidos. Ora, parece que temos um formulrio prprio que o funcionrio de turno preencheu com os dados dos noivos. Pensado para os casamentos entre naturais dos Estados U nidos, o formulrio requer informaes sobre a cidade e o estado de origem dos noivos. C om o no texto em questo os noivos no so americanos, mas estrangeiros, fez-se uma adaptao do formulrio e colocou-se em lugar do estado, o pas de origem. Tendo em vista que traduzir estado da Espanha no configura uma formulao apropriada em portugus, podemos eliminar um dado no relevante na certido e colocar de Madri, Espanha.

    Passemos agora para a frase inicial da certido e o pargrafo final. N ovam ente, pelas caractersticas do texto, as frases This is to certify e In witness w h ereo f parecem ser parte do form ulrio, frases padro que se aplicam a todos os casamentos. N este ponto, surge um a pergunta. E os nossos form ulrios de certido de casam ento, tm frases padro ou form ulaes prprias para o docum ento? Aqui, o dicionrio ou o mero conhecim ento da lngua no so suficientes. Se o tradutor no possuir um conhecim ento sobre este tipo textual no Brasil, o que se deve fazer?

    C om o j apontamos na discusso das crenas mais com uns a respeito da traduo, o conhecim ento da lngua e o uso de um dicionrio no so requisitos nicos da tarefa do tradutor. Este deve contar com outro tipo de habilidades tais como saber buscar informao em outras fontes alm do dicionrio. Neste caso, o problema pode ser resolvido por meio do que chamamos de consulta a textos paralelos, isto , a consulta a textos do mesmo tipo textual na lngua e cultura receptoras da traduo. N um a certido de casamento modelo no Brasil, encontramos as seguintes frases de abertura e fechamento do texto:

    Certifico que...O referido verdade e dou f.

    Ambas parecem ser adequadas para a traduo do texto em questo.Nossa verso inicial do texto poderia ser reescrita assim:

    Certifico que Carlos A. Vittori, de M adri, Espanha e Avelina H ernndez, de M adri, Espanha foram unidos por m im cm m atrim nio cm M iam i, Dade County, no dia 30 de janeiro de 1980. O referido c verdade e dou f.

    O que fazemos agora com esta formulao a seguir?

    I have hereunto set my hand and seal at Miami, Dade Comity,Florida, the day and year above written

  • Crenas sobre a traduo e o tradutor 19

    Em bora impressa com caracteres de fonte diferente daquela do restante do texto, faz parte do formulrio e assemelha-se a uma frase feita, que guarda um certo tom arcaico, caracterstico da linguagem jurdica. U m a observao do modelo de certido brasileira revela que esta no possui tal frase, razo pela qual temos de tom ar uma deciso sobre como traduzi-la. Quais os dados relevantes nela? Sem dvida, o fato de que a certido foi assinada em Miami no dia e ano j mencionados. Para adaptar esses dados ao modelo brasileiro, temos de explicitar, aps o dou f, o local, a data e a assinatura do escrivo.

    O referido verdade e dou f. M iam i, Dade County, Flrida, 30 de janeiro de 1980.

    Este prim eiro exemplo de traduo constitui, na realidade, um tipo de texto que geralmente demanda o que chamamos de traduo juramentada, isto , da traduo feita por um tradutor especialmente investido desse cargo, escolhido em concurso pblico e regendo-se por regulamentao prpria e tabelas de preos elaboradas pela jun ta comercial de cada estado. As tradues juram entadas so sob f pblica e por isso s podem ser realizadas pelos tradutores designados para essa funo. N o entanto, quando no se requer que a traduo sejajuramentada, qualquer tradutor pode receber a solicitao de traduo de certides, histricos escolares, diplomas, dentre outros.

    Estratgias de traduo

    Com o vimos na traduo da certido de casamento, diversos conhecimentos e habilidades participam do processo tradutrio, que envolve leitura, reflexo, pesquisa e, ainda, redao, uma habilidade essencial para uma boa performance como tradutor. Tambm vimos que, ao longo do processo de leitura, interpretao e recriao do texto, surgem dvidas e perguntas que devemos ir respondendo, baseados em nosso conhecimento prvio, lingustico e cultural, e em informaes que devemos buscar fora do texto, atravs de pesquisas em textos paralelos e outros. Todas essas aes que realizamos, muitas delas de forma automtica, semiconsciente, enquanto que outras a partir de decises conscientes e cuidadosamente tomadas, constituem formas de resoluo de problemas que chamamos estratgias. Segundo o pesquisador Andrew Chesterm an (1998), as estratgias representam formas eficientes, apropriadas e econmicas de resolver um problema.

    Estabelecendo uma analogia com outras reas da lingustica aplicada, como o ensino/aprendizagem de lnguas estrangeiras, podemos dizer que, assim como existem estratgias de aprendizagem que o aprendiz bem-sucedido de lnguas

  • Crenas sobre a traduo e o tradutor 21

    Atividade 3

    Leia o texto 1.1 e responda s perguntas formuladas.

    Texto 1.1

    PRESCRIPTION FOR PROFIT

    PlanetRx gears up to take the $150 billion U.S. market tor health products online.

    You may have thought of the idea yourself. Take the prescription-drug market, an $85 billion industry in the United States; add vitamins, over-the-counter medicines, and some beauty supplies; throw it all together online to create the largest pharmacy in the world. And maybe - just maybe - youll have the ingredients for an explosive e-commerce recipe that will turn you into the next Amazon.com.

    But youd better read the warning label before you cook up this pot of gold, advises Stephanie Schear, 31, one of the five founders of South San Francisco, Calif.-based PlanetRx, an online pharmacy that was launched in January. Such a venture has a few side effects, not the least of which are administrative and financial headaches.

    Im sure tons of people have thought of this concept, Schear says. But its very difficult to execute in this space. Its not like selling books. Theres a confluence of things you need to get right: everything from product distribution to the technology to manage all the regulatory issues to inventory-management systems to customer service. Then you need to get the brand right and the consumer experience right. Its immense. But it can be done.

    A year and half ago, Schear hooked up with Michael Bruner, a physician in training who wanted to use the Internet to improve communication between patients and health-care providers. When Bruner, 30, was in medical school, he discovered that patients were constantly confused by what their doctors - the attending physicians and residents - were telling them. In fact, sometimes the doctors comments conflicted.

    Determined to develop an online pharmacy with a heart and soul (hes an idealist, really, Schear says), Bruner partnered with two friends - Randal Wong and Stephen Su - to start the pillbox rolling. Around the same time, Stephanie Schear and her pal Dr. Shawn Becker were kicking around a similar concept. So, rather than battle it out, they joined forces.

    _________________________________________________ Success, March, 1999:24.

    1. Qual o tpico geral do texto?2. H alguma narrativa sendo contada no texto? Qual a sequncia de fatos?3. Observe o estilo do texto no primeiro pargrafo. Voc percebe alguma semelhana

    entre o tpico do texto e o estilo desse primeiro pargrafo?4. Preste ateno agora s palavras utilizadas ao longodotexto. Voc percebealgumas

    delas sendo utilizadas de forma metafrica?

    D entre as estratgias utilizadas pelo tradutor experiente, encontram osa anlise dos elementos contextuais, macro e microlingusticos do texto, que

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    Atividade 3

    Leia o tex to 1.1 e responda s perguntas formuladas.

    Texto l . 1

    PRESCRIPTION FOR PROFIT

    PlanetRx gears up to take the $150 billion U.S. market for health products online.

    You may have thought of the idea yourself. Take the prescription-drug market, an $85 billion industry in the United States; add vitamins, over-the-counter medicines, and some beauty supplies; throw it all together online to create the largest pharmacy in the world. And maybe - just maybe - youll have the Ingredients for an explosive e-commerce recipe that will turn you into the next Amazon.com.

    But youd better read the warning label before you cook up this pot of gold, advises Stephanie Schear, 31, one of the five founders of South San Francisco, Calif.-based PlanetRx, an online pharmacy that was launched in January. Such a venture has a few side effects, not the least of which are administrative and financial headaches.

    Im sure tons of people have thought of this concept," Schear says. But its very difficult to execute in this space. Its not like selling books. Theres a confluence of things you need to get right: everything from product distribution to the technology to manage all the regulatory issues to inventory-management systems to customer service. Then you need to get the brand right and the consumer experience right. Its immense. But it can be done.

    A year and half ago, Schear hooked up with Michael Bruner, a physician in training who wanted to use the Internet to improve communication between patients and health-care providers. When Bruner, 30, was in medical school, he discovered that patients were constantly confused by what their doctors - the attending physicians and residents - were telling them. In fact, sometimes the doctors comments conflicted.

    Determined to develop an online pharmacy with a heart and soul (he's an idealist, really, Schear says), Bruner partnered with two friends - Randal Wong and Stephen Su - to start the pillbox rolling. Around the same time, Stephanie Schear and her pal Dr. Shawn Becker were kicking around a similar concept. So, rather than battle it out, they joined forces.

    _________________________________________________ Success, March, 1999:24.

    1. Qual o tpico geral do texto?2. H alguma narrativa sendo contada no texto? Qual a sequncia de fatos?3. Observe o estilo do texto no primeiro pargrafo. Voc percebe alguma semelhana

    entre o tpico do texto e o estilo desse primeiro pargrafo?4. Preste ateno agora s palavras utilizadas ao longodotexto. Voc percebe algumas

    delas sendo utilizadas de forma metafrica?

    D entre as estratgias utilizadas pelo tradutor experiente, encontram osa anlise dos elementos contextuais, macro e microlingusticos do texto, que

  • 22 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    desenvolveremos com mais profundidade nos captulos 5 e 6. Por elementos macrolingusticos, entendem os os aspectos que revelam o funcionam ento do texto como um todo, ou seja, o tipo de texto, a funo que esse texto geralmente tem, a audincia para a qual est dirigido. Os elementos microlingusticos so os com ponentes de cada uma das sentenas do texto, que se articulam para se inter-relacionar entre si e dar tessitura a um texto. As perguntas acima relativas ao texto Prescription for profit tm por objetivo levar voc a refletir sobre essa inter-relao entre elementos, nesse caso entre o tpico do texto, o modo como est redigido e o seu lxico. Pelo ttulo, vemos que se trata de um artigo relacionado com a venda de medicamentos online, ou seja, por interm dio da internet. O prim eiro pargrafo apresenta a notcia atravs da estrutura de instrues como aquelas tpicas da bula de medicamentos. Tem os, alm disso, uma rede lexical m uito interessante, uma vez que os termos prprios da rea farmacutica so utilizados de forma metafrica para explicar as decorrncias do produto apresentado no prim eiro pargrafo: o selo de advertncia (warning labei) alerta sobre os possveis efeitos colaterais (side effects). Juntam ente com esse entrelaamento ldico entre lxico e tpico, temos uma narrativa que conta os fatos que levaram criao do em preendim ento sendo noticiado.

    Todos os elementos so parte da tessitura do texto e sua recriao em outra lngua, para ser bem-sucedida, requer a sensibilidade e percepo do tradutor, que deve detectar esses aspectos estilsticos que fazem do texto original um texto interessante e gostoso de se ler. Sugerimos, assim, como complementao, a traduo do texto Prescription for profit, atendendo s observaes feitas nessa anlise do texto.

    A sensibilidade para com aspectos macro e microlingusticos de um texto uma caracterstica do tradutor experiente que, podemos afirmar, antes de mais nada um leitor proficiente e analista de textos. Relacionadas com essa habilidade, encontram-se estratgias diversas de anlise do lxico, da suposta inteno do autor do texto, do efeito das escolhas lexicais no leitor do texto original, todas orientadas para a produo de um texto traduzido adequado e que possa atrair a ateno do leitor na nova cultura na qual o texto est sendo inserido por meio da traduo. Nesse sentido, um dos tipos de textos que mais solicitam esse tipo de habilidade por parte do tradutor , qui, o texto publicitrio. Com o todos sabemos, o texto publicitrio possui uma funo m uito clara e definida e seu efeito como texto que busca suscitar uma ao ou comportamento por parte do leitor depende em grande parte da articulao de conceitos e imagens que apontam para o produto ou servio sendo anunciado. Vejamos um exemplo a seguir.

    Atividade 4

    Leia o anncio contido na figura 1.3 e defina qual a funo do mesmo, o anunciante, o servio anunciado e a forma pela qual esse servio apresentado ao leitor.

  • Figura 1.3

    This space provided as a public service 1998 American Heart Association

    AFTE

    Happy hour is happier when the recreation you choose is good for both body

    and mind. That's why more and more people are devoting that time to biking,

    walking or working out. It can improve your outlook, increase your energy and

    decrease your risk of heart disease. And it s guaranteed not to cause a morning

    hangover. To learn more, visit our web site at www.americanheart.org or

    call 1-800-AHA-USA1. f tA m erican H eart f r j f c

    A s s o c ia t io n ^ ^Fighting Heart Disease

    and Stroke

  • 24 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Vejamos, agora, alguns elementos que chamam a ateno no texto publicitrio apresentado. O ttulo e as imagens referem-se a um contexto que, por sua vez, traz ecos de um contexto diferente. Trata-se evidentemente de um conjunto de palavras que podem ser interpretadas de forma diferente conforme o contexto no qual se pensa. Poderamos dizer que temos um jogo de palavras e um a dupla referncia ao longo do texto: os bares como lugar de recreao e o guidom, a barra (bar) de metal que comanda a direo da bicicleta, outra forma de lazer mencionada do texto. Obviamente, no temos em portugus uma expresso que permita fazer aluso a essas duas formas de lazer que esto sendo contrastadas no texto. Todavia, lem brando que a traduo no a mera passagem de palavras de uma lngua para outra, crena que j questionamos neste captulo, podemos tentar recriar o texto e achar alguma forma de brincar com esses significados diferentes que confluem em hit the bars after w ork. Vejamos algumas opes a seguir.

    U m a estratgia do tradutor experiente explorar sinnimos, palavras relacionadas ou de conotaes anlogas. Temos assim o conceito de happy hour, muito com um no Brasil, ou a expresso fim de tarde, ambas relacionadas com um tipo de lazer aps o trabalho cotidiano, que envolve beber alguns drinques com colegas do servio. Podemos tentar um contraste do tipo:

    Fim de tarde - P na estradaFim de tarde no bar? - E m elhor segurar a barraPense voc tambm em solues desse tipo e traduza o restante desse artigo.

    Atividade 5

    Aps a experincia adquirida nas atividades 3 e 4, tente traduzir o tex to publicitrio contido nas figuras 1 4 e 1.5. Lembre-se de que sua traduo dever ser uma recriao do texto na lngua portuguesa e no uma mera transposio de palavras de uma lngua para a outra.

  • Figura 1 .4

  • Figura 1.5

    OR MAKE A DREAM COME TRUE?

  • Crenas sobre a traduo e o tradutor 27

    Concluso

    Ao longo deste captulo, temos procurado mostrar a necessidade de se repensar todos os nossos pressupostos acerca da traduo e do tradutor luz de pesquisas recentes e visando questionar aquelas crenas que comprovadamente no refletem a complexidade do ato tradutrio. Vimos, por exemplo, que traduzir mais do que conhecer uma lngua, ou seu vocabulrio, ou apenas transpor palavras de uma lngua para outra. Vimos, tambm, que a fundamentao do aprendiz em crenas adequadas determina o tipo de ao que vai ser tomada para a resoluo dos problemas enfrentados. Falamos, assim, em estratgias de traduo e em sua relevncia para o tradutor novato que est se iniciando nessa tarefa.

    A ideia de que a traduo no representa uma arte nem um dom, sem muita explicao ou anlise, rebatida nesse nosso volume. Preferimos pensar a traduo como uma atividade que requer diversos conhecimentos e habilidades do tradutor, que precisa estar sempre se qualificando e aprimorando. Acreditamos que a formao do tradutor e sua qualificao contnua sejam procedimentos essenciais para o exerccio tico e adequado dessa profisso. A instruo torna o aluno consciente dos fatores e princpios tericos em que se apoia uma traduo bem-sucedida. Tambm leva o aprendiz a aprofundar seus conhecimentos lingusticos, sobretudo em relao aos aspectos discursivos que dizem respeito ao texto como um todo, com um a funo especfica dentro de uma cultura determinada. A instruo promove, ainda, a tomada de decises mais bem fundamentadas do tradutor e o ajuda a desenvolver uma atitude mais profissional.

    A ideia subjacente proposta deste livro a de se pensar a traduo como tarefa que requer reflexo consciente, do tradutor, acerca das etapas que so percorridas ao longo do processo tradutrio, as decises que devem ser tomadas e as aes que devem ser executadas para se garantir um bom desempenho. Nesse sentido, a proposta deste livro ser focalizar as diversas perspectivas que esto envolvidas no processo tradutrio, tendo em vista a possibilidade de se identificar aes e procedim entos que contribuem para um a traduo bem-sucedida, isto , de estratgias de traduo. C om o j dissemos, a partir da observao do com portam ento do tradutor experiente, reconhecemos estratgias por ele utilizadas e propom os sua utilizao pelo tradutor novato ou menos experiente.

    Os captulos que se seguem apresentam algumas das estratgias de traduo mais relevantes ao exerccio dessa atividade, quais sejam, a segmentao do texto a ser traduzido em unidades de traduo que reflitam adequadamente a compreenso do mesmo (captulo 2); a busca, em fontes externas ao tradutor, de informaes e conhecimentos essenciais ao entendimento do texto (captulo 3); a utilizao das habilidades de inferncia e associao a partir dos conhecimentos que o tradutor j possui como parte de seu conhecimento de mundo e bagagem cultural (captulo 4); o reconhecimento de aspectos macrotextuais tais como o gnero discursivo de um

  • 28 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    texto e os padres retricos dominantes nele (captulo 5); a anlise dos componentes microtextuais e sua adequada compreenso (captulo 6).

    Por ltim o, no captulo 7 oferecemos um modelo de estruturao das etapas do processo tradutrio, que acreditamos contribuir para voc visualizar e com preender m elhor os passos e tipos de decises que voc segue ao longo de seu percurso tradutrio.

    Leituras complementares

    Caso voc queira se aprofundar mais nas questes tericas relativas s c r e n a s s o b r e A t r a d u o E o t r a d u t o r , incluindo-se o conceito de traduo e a imagem do tradutor ao longo das diferentes pocas histricas, e s e s t r a t g i a s d e t r a d u o e de aprendizagem, sobretudo em relao a lnguas estrangeiras, recom endam os um a leitura cuidadosa dos livros e artigos:b a s s n e t t , S. Translation Studies. London & N ew York: Routledge, 1991. l e f e v e r e , A. Translation and its genealogy in the west. In: b a s s n e t t , S.; l e f e v e r e , A.

    (Ed.). Translation, history and culture. London & N ew York: Pinter, p. 14-28,1990. Ma g a l h e s , C. O tradutor segundo o tradutor brasileiro. In: VIII e IX Semanas de

    Estudos Germnicos do Departamento de Letras Germnicas da u f m g . Anais... Belo H orizonte: fa l e / u f m g , p. 136-143, 1991/1992.

    M C D O N O U G H , S. Strategy and skill in learning a foreign language. London: Edward Arnold, 1995.

    o m a l e y , M., c h a m o t , A. Learning strategies in second language acquisition. Cambridge: Cam bridge University Press, 1990.

    p y m , A. Epistemological problems in translation and its teaching. Calaceit: Caminade, 1993.

  • Unidades de traduoo que so e como oper-las

    Fbio Alues

    Objetivos

    N este captulo vamos abordar os seguintes aspectos: O s diferentes conceitos de U nidade de Traduo (U T); As possibilidades de segmentar o texto, ou suas partes, em UTPs; U m a nova proposta de definio de UT.

    Consideraes tericas

    Todos ns sabemos intuitivam ente que a traduo de um texto se faz por partes. Em princpio, parece-nos natural que essas partes sejam construdas sequencialm ente no texto de chegada, tom ando-se por base a estrutura do texto de partida. Em situaes prticas, porm , nem sempre um a traduo transcorre to naturalm ente assim. M uitas vezes nos deparamos com itens lexicais desconheci dos, estruturas sintticas incompreensveis, ambiguidades semnticas de difcil soluo. Esses acontecimentos modificam o ritm o sequencial do nosso trabalho com o tradutores e nos levam a retroceder com o intuito de buscar explicaes por meio de passagens j traduzidas e/ou a avanar no texto, deixando tem porariam ente de lado os problemas no solucionados. C ontudo, continuam os a trabalhar por partes e etapas, m esm o que essas no sejam sequenciais e previam ente estabelecidas. Isto nos leva constatao, ainda que intuitiva, de que trabalhamos tanto o texto de partida quanto o texto de chegada por partes. Os Estudos da Traduo do a essas partes o nom e de u n id a d e s d e t r a d u o (U T s ). Todavia, a delimitao do tam anho e do escopo de uma U T tem se revelado problemtica. Ser que a U T ideal encontrada no nvel lexical ou ser que ela se apresenta m elhor no nvel da sentena? Ser que as UTs dependem da coerncia textual e, portanto, devem ser delimitadas no mbito do texto? O u ser, ainda, que a UT, em ltima instncia, deixa-se delim itar no nvel do m orfema? As perguntas so muitas e no parece existir consenso entre os tericos da traduo sobre possveis respostas a elas. N o decorrer deste captulo vamos

    2

  • 30 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    examinar as u n id a d e s d e t r a d u o em suas especificidades tericas e prticas e procurar esclarecer um pouco mais sobre como podemos oper-las no decorrer do processo tradutrio.

    A lguns estudiosos com entam , com bastante razo, que um a questo fundam ental para a traduo perm anece im utvel h mais de dois m il anos. Todas as discusses tericas parecem girar em torno da dicotom ia fidelidade versus liberdade. C cero, um dos prim eiros tericos da traduo, proferiu no sculo I a.C. um dito clssico que nos acom panha desde ento:

    N o t u t interpres sed u t orator.

    Poderamos traduzi-lo aproximadamente do latim para o portugus como: N o com o o que interpreta, mas com o o que fala.

    O u, ento, interpret-lo, de forma mais livre, e traduzi-lo como significando To fiel quanto possvel, to livre quanto necessrio.

    E interessante observar que, acompanhando essas discusses milenares, a delimitao de um a U T depende fundam entalm ente de como o tradutor se posiciona em relao dicotomia fidelidade versus liberdade.

    Em tempos mais recentes, Vinay & Darbelnet (1957) definiram a U T como o m enor segmento de um enunciado cuja coeso de sinais seja tal que esses no possam ser traduzidos separadamente, ou seja, a U T deve ser a m enor possvel para que o texto m antenha sua fidelidade ao original.

    Haas (1968), baseando-se provavelmente em Ccero, procurou restringir a UT, delim itando-a no espao entre to pequena quanto possvel e to longa quanto necessria.

    Por outro lado, com o advento da Anlise do Discurso e a emergncia de um a linha de pesquisa nos Estudos da Traduo voltada para a funcionalidade (cf. (Skopostheorie) Rei & Vermeer (1984) - , o texto, como um todo, passa a ser visto por alguns estudiosos como sendo a nica U T possvel. A Anlise do Discurso desenvolve, a partir dos conceitos de coeso e coerncia, uma possibilidade de se abordar o texto com um a intrincada rede de relaes interdependentes. Por seu lado, a Teoria da Funcionalidade v a funo de uma traduo como sendo seu objetivo prim ordial e, com isso, defende que o tradutor abandone a literalidade lexical e sinttica em prol de um a contextualizao mais adequada da traduo na lngua e cultura de chegada.

  • Unidades de traduo 31

    N ew m ark (1988) observa apropriadamente que nenhum a dessas posies, bastante radicais, consegue atender plenam ente ao tradutor. Ele argum enta que a posio de Haas prende-se dicotom ia m ilenar fiel versus livre e advoga que quanto mais livre a traduo m aior ser a U T e que quanto mais fiel a traduo m enor ser a U T . Poderam os dizer que a traduo livre favorece a orao enquanto que a traduo literal defende a hegem onia da palavra. R em etendo a discusso a temas mais atuais, N ew m ark acrescenta ainda que desde o surgim ento da Anlise do D iscurso e da Teoria da Funcionalidade, a traduo livre deslocou-se do nvel da orao para o nvel do texto com o um todo. Voltamos, assim, aos m esm os problem as enum erados acima, ou seja, ficamos presos dicotom ia fiel versus livre.

    Tentando delim itar m elhor o tam anho de um a U T, N ew m ark sugere que no decorrer de um a traduo a maioria das UTs restringem -se ao nvel da palavra. Seguem-se a elas as expresses idiomticas, as frases, as oraes e os perodos. A frequncia das ocorrncias, em term os de UTs, parece acontecer nessa ordem . A ela acrescenta-se, segundo N ew m ark, raram ente o nvel do pargrafo e jam ais o nvel do texto. Por outro lado, contrapondo-se ao trabalho de N ew m ark, tem os as pesquisas empricas de G erloff (1987) com o intuito de delim itar a unidade de anlise de um a traduo. Assim como em N ew m ark, os dados em pricos obtidos pela autora indicam a existncia de UTs no nvel do morfem a, da slaba, da palavra, da frase, da orao, do perodo e, at m esmo, no nvel do discurso. C ontudo, diferente de N ew m ark, que acredita que a m aior ocorrncia de UTs resida no nvel da palavra, G erloff conclui que as unidades de com preenso e produo em um a traduo so m uito semelhantes quelas identificadas no discurso falado e escrito. Segundo ela, dados empricos com provam um a m aior preferncia dos tradutores por situar a U T nos nveis da frase e da orao.

    Podem os perceber que os aspectos tericos m encionados acima no esclarecem satisfatoriamente o que so U T s e, m uito m enos, com o devemos proceder com relao a elas no decorrer de um a traduo. N o pretendem os nesse livro fornecer um a definio exata de U T mas dotar o leitor de ferram entas de trabalho que o auxiliem a traduzir. Portanto, vamos tentar, agora, com preender um pouco mais esses aspectos tericos ilustrando-os com alguns exerccios prticos de traduo.

    Atividade 1

    Preste bastante ateno ao texto 2.1 em lngua inglesa.

  • 32 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Texto 2.1TRAVELERS ADVISORY

    Compiled by Jeffery C. Rubin

    SOUTH AMERICA RIO DE JANEIRO

    Visitors who want to see how many of Brazils citizens live can now add the Morro da Providncia favela to their tourism itinerary. The oldest and most colorful of the slums that rise above the Cidade Maravilhosa, Providncia is being featured in a new four-hour city tour offered by BTR Turismo. Six local teenagers will act as guides, showing off such sights as the Nossa Senhora da Pena Chapel, which dates from the turn of the century, as well as the stunning view of Rio from the hilltop. Police patrols ensure visitors safety.

    Cost: $22.

    Time, March 2, 1992.

    U m a das caractersticas mais marcantes desse texto o uso de expresses em portugus para indicar nomes de lugares. Para ns, falantes nativos do portugus, isso facilita m uito o trabalho de traduo. Observe que essas palavras em portugus, ao se destacarem do texto em ingls, passam a constituir UTs isoladas, facilmente identificveis. a partir delas que o texto em ingls comea a ser compreendido. N ote tambm que, apesar de aparecerem em lngua portuguesa, isso, por si, no nos oferece a garantia de que esses itens lexicais estejam corretos. Se voc ler o texto novamente com mais ateno e se ainda no houver reparado, perceber que a palavra Penha est grafada de forma incorreta. N o texto em ingls, l-se Pena. claro que a capela em questo no se chama Nossa Senhora da Pena mas sim Nossa Senhora da Penha. Ao traduzir, temos de nos m anter atentos a esses pequenos detalhes, corrigi-los, se possvel, ou, ento, em alguns casos torn-los mais claros no texto de chegada por meio de notas de p de pgina. Voltemos novamente ao texto.

    N a primeira linha l-se:Visitors who want to see how many o f Brazils citizens live can now add the

    Morro da Providncia favela to their tourism itinerary.

    C om o que voc leu how many" na frase acima? Teria o mesmo sentido, como na sentena H ow many Brazilian citizens live in slums?; ou ser que how many deve ser com preendido de forma diferente? Se voc percebeu imediatam ente a diferena, parabns!

    N a sentena acima, how many, geralmente um item lexical composto funcionando com um pronom e interrogativo, desempenha um outro papel. Trata-se, na verdade, de dois itens lexicais distintos - how (como) e many (muitos) -

  • Unidades de traduo 33

    que devem ser traduzidos isoladamente para o portugus. Poderamos pensar em um a primeira traduo dessa sentena para o portugus como

    Visitantes que queiram ver com o m oram m uitos dos cidados do Brasil podem ,agora, acrescentar a favela do M orro da Providncia ao seu itinerrio turstico.

    Temos aqui um problema de soluo simples, desde que hoiv e many" sejam processados como UTs diferenciadas.

    C om o voc v, as UTs podem variar de acordo com a nossa com preenso do texto. So muitos os fatores que contribuem para isso. Podemos citar entre muitos outros, nossos conhecim entos lingusticos tanto na lngua de partida quanto na lngua de chegada e nosso conhecim ento prvio sobre o assunto tratado no texto. C ontudo, a nossa ateno consciente para com o texto de partida que nos levar ou no a perceber todas as suas caractersticas, todas as suas nuanas e sutilezas.

    Vamos, ento, fazer um outro exerccio sobre a sua capacidade de perceber caractersticas lingusticas e textuais do texto dado. Volte novamente ao texto e leia-o com bastante ateno. Procure se conscientizar de tantos detalhes presentes nele quanto possvel. Tente descobrir sutilezas como as que mencionamos acima. Tente, a seu modo, separar as UTs para poder comear a traduzir o texto. Q uando terminar, responda as perguntas abaixo colocando (S) para as caractersticas que voc percebeu e (N ) para aquelas para as quais voc no atentou.

    Atividade 2

    ( ) Voc percebeu que h uma orao relativa embutida na orao principal do primeiro perodo?

    ( ) Havia compreendido how e "many" de forma adequada nessa orao relativa?

    ( ) A tentou para o uso de superlativos na segunda sentena?

    ( ) Percebeu as diferenas de construo entre esses superlativos?

    ( ) Ficou claro para voc que a segunda sentena apresenta-se na voz passiva?

    ( ) Questionou a possibilidade de m odificar a voz na traduo da segunda sentena?

    ( ) Chegou a ficar curioso(a) em descobrir o que significa E3TR na expresso by BTR Turismo?

    ( ) Notou que show o f f quer dizer mais que show"1?

    ( ) Havia descoberto que Penha estava escrito de forma incorreta?

    ( ) Questionou se valeria a pena transform ar o preo de dlares para reais no final do texto?

  • 34 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Se voc respondeu (S) maioria das perguntas, parabns! Est no caminho certo. O objetivo desse captulo , sobretudo, conscientiz-lo(a) das caractersticas mutveis dessas UTs. Faremos outros exerccios logo adiante.

    Outras consideraes tericas

    Antes de continuarmos com os exerccios, voltemos novamente s nossas consideraes tericas. Acredito que tem os, agora, m elhores condies de definir o que, a nosso ver, so u n id a d e s d e t r a d u o . Constatamos, com os exerccios anteriores, que as UTs no so nem as menores unidades dotadas de significado, como pretendiam Vinay & Darbelnet, nem o texto completo, com o defende um a corrente da Anlise do Discurso. N a verdade, por meio das atividades 1 e 2, observamos que a delimitao das UTs depende exclusivamente de cada um de ns e de nossa bagagem pessoal de conhecimentos. A capacidade de dividir o texto em UTs revela-se por interm dio das perguntas que voc acabou de responder. Cada um de ns far uma traduo diferenciada exatamente porque partimos de UTs diferentes para realizar nossas tradues. N o existe nada errado com isso. Trata-se apenas da constatao de que nossos processos cognitivos e, por conseguinte, nossas estratgias de traduo tm caractersticas predom inantem ente individuais. As UTs podem m udar de forma e tamanho. Podemos acrescentar ou reduzir itens para process-las de m odo mais adequado. Podemos at mesmo reformul-las sinttica ou semanticamente. O que realm ente im porta nossa ateno consciente em torno do foco do nosso trabalho. O im portante percebermos o que fazemos e como o fazemos. E saber que caminhos percorremos para transformar uma estrutura (x ) na lngua de partida em um a estrutura (y) na lngua de chegada.

    Este o posicionam ento bsico que estaremos adotando ao longo de todo esse livro ao discorrerm os sobre estratgias de traduo. Acreditamos que a sua interveno consciente sobre o foco de sua ateno, no decorrer do processo tradutrio, produzir uma traduo mais personalizada, pela qual voc ser capaz de assum ir m aior responsabilidade. C om o aum ento do grau de autonomia sobre o seu prprio trabalho de traduo voc ter m aior controle sobre sua prpria produo.

    Passemos, ento, ao desenvolvimento dessas habilidades autnomas. Os exerccios que faremos a seguir so tambm exerccios de conscientizao. E im portante que voc desenvolva a capacidade de identificar marcadores lexicais, bem como as marcas sintticas, semnticas e pragmticas presentes no texto. Estaremos trabalhando com a delimitao de UTs mas, ao mesmo tempo, direcionando-o (a) para o desenvolvimento das estratgias de traduo que sero trabalhadas nos prximos captulos.

  • Unidades de traduo 35

    Atividade 3

    A segment ao da sentena em UTsEm primeiro lugar, examine no trecho a seguir a frase introdutria do romance Emma, de Jane Austen.Sixteen years had Miss Taylor been in Mr. Woodhouses family, less as a governess than a friend.Identifique as UTs que voc acredita ser necessrias para processar, compreender e traduzir o texto e, a seguir, procure especific-las.

    Listamos, a seguir, alguns exemplos de possveis UTs. Sixteen years? h a d _____ been? Miss Taylor? Mr. Woodhouse? in Mr. W oodhouses family? governess? less a s_____ than? less as a governess than a friend?

    Compare-os com as UTs que voc definiu.(1) Quais so as diferenas que voc encontrou?

    Procure, agora, discutir essas UTs com seus colegas. Caso voc esteja utilizando esse livro de forma autnoma, tente encontrar um outro leitor com quem possa comparar seu exerccio. Preste ateno nas possveis diferenas encontradas por vocs. Atente tambm para as semelhanas entre suas UTs. No necessrio que voc d uma forma definitiva sua traduo. Tente apenas encontrar possveis opes de traduo para o portugus e procure list-las.

    Atividade 4

    As expresses idiomticas como UTsVamos examinar agora um outro tipo de estrutura lingustica: as expresses idiomticas.Observe atentamente as cinco expresses inglesas aqui listadas:a) "3irds o f a feather flock together."b) A bird in the hand is worth two in the bush."c) "One swallow doesn't make a summer."d) "Don't cry over sp ilt milk. e) "Make hay while the sun shines."

  • 36 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Procure responder as perguntas seguintes:

    (2) Como voc dividiria cada uma das expresses acima em UTs?

    (3) Quais so as principais diferenas entre elas e a frase de Jane Austen?

    (4) Se traduzidas para o portugus, o que diferencia as expresses (a) e (e) das expresses (b)/(c)/(d)?

    (5) Quais so suas possveis tradues para as expresses dadas? Compare (a)/(e) com (b)/(c)/(d).

    C om o voc pode perceber, a delimitao de UTs depende bastante do tipo de texto a ser traduzido. Existem textos mais flexveis que perm item uma maior amplitude s UTs; existem tambm outros tipos de texto mais rgidos que limitam e restringem as UTs. Por isso, a sua ateno consciente fundamental. Vimos que a delimitao das UTs o ponto de partida para uma boa traduo. Cabe a voc desenvolver cuidadosamente essa habilidade para poder traduzir de forma mais eficaz e adequada.

    Atividade 5

    Vamos fazer agora um ltimo exerccio com o in tu ito de identificar UTs. Nesse exerccio voc trabalhar com bastante autonomia e dever produziruma traduo acabada para o portugus do texto de partida em ingls. Procure seguir os passos e reflexes desenvolvidos ao longo deste captulo. Preste bastante ateno no tex to 2.2:

    Texto 2.2

    BRAZIL Carnal Carnaval

    A shapely dominatrix has ignited the fantasies of Brazilian merchants. Suzana Alves, known as Tiazinha or Little Aunt, appears on a wildly popular TV variety show where she uses wax to strip body hair from men who answer trivia questions incorrectly. Last month she made a splash parading in Rio de Janeiros Carnaval. Now marketers have launched a closetful of Tiazinha consumer goods, like nylons, underwear, lollipops and, of course, depilatory wax. Brazilian Playboy will unmask her in a forthcoming centerfold. The planned press run: a record 1 million copies.

    Newsweek, March 8, 1999.

  • Unidades de traduo 37

    Desenvolva o seu trabalho de traduo observando as seguintes etapas:

    a) Divida o texto em possveis UTs;

    b) Faa uma anlise detalhada de cada uma delas;

    c) Reflita novamente sobre as UTs escolhidas;

    d) Modifique-as se no estiver satisfeito;

    e) Elabore uma primeira verso de traduo para o texto acima.

    Agora, tendo em mos sua primeira verso de traduo, responda as perguntas a seguir:

    1. Voc se sente satisfeito com a sua traduo?

    2. Gostaria de modificar eventualmente alguma ou vrias das UTs trabalhadas?

    3. Acredita que poderia melhorar sua traduo?

    4. Como poderia fazer isso?

    Com base em suas respostas, redija, a seguir, uma outra verso aperfeioada de sua traduo.

    Finalmente, organize em ordem sequencial o seu trabalho de traduo, preparando um pequeno portflio. Inclua nele o tex to de partida, sua primeira diviso do texto em UTs, suas reflexes sobre elas, possveis modificaes na diviso de UTs, sua primeira verso da traduo, suas respostas s perguntas formuladas pelo exerccio e sua outra verso aperfeioada da traduo. Se voc estiver trabalhando em grupo, juntamente com um professor, essa a hora adequada para cada um fazer uma apresentao de seu portflio e discuti-lo com os colegas. Se voc estiver trabalhando de forma autnoma, seria interessante, se possvel, procurar um outro leitor para discutir seu trabalho com ele.

    A ltima tarefa proposta neste captulo consiste agora em desenvolver uma c rtica de seu prprio trabalho de traduo. Se possvel, compare seu portflio com o portflio de seus colegas, avalie seu desempenho e redija uma crtica do tex to que voc apresentou como verso definitiva.

    Se voc gostou das atividades propostas neste captulo, poder ampli-las, escolhendo outros textos e seguindo os mesmos passos que desenvolvemos aqui.

    Concluso

    Chegamos, ento, ao final deste captulo. Acredito que temos, agora, m elhores condies para propor uma definio alternativa de UT. Tomando por base sua leitura deste captulo e os exerccios que voc fez, voc concordaria com a definio proposta a seguir?

  • 38 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    un idad e de t r a d u o um segmento do texto de partida, independente de tamanho e forma especficos, para o qual, em um dado momento, se dirige o foco de ateno do tradutor. Trata-se de um segmento em constante transformao que se modifica segundo as necessidades cognitivas e processuais do tradutor. A u n id a d e d e t r a d u o pode ser considerada como a base cognitiva e o ponto de partida para todo o trabalho processual do tradutor. Suas caractersticas individuais de delimitao e sua extrema mutabilidade contribuem fundamentalmente para que os textos de chegada tenham formas individualizadas e diferenciadas. O foco de ateno e conscincia o fator direcionador e delimitador da u n id a d e d e t r a d u o e atravs dele que ela se torna momentaneamente perceptvel.

    C om o voc pode perceber claramente, nossa inteno no apresentar um conceito rgido de u n id a d e d e t r a d u o . M uito pelo contrrio, por meio dos conceitos e exerccios desenvolvidos ao longo deste captulo, querem os disponibilizar para voc uma ferram enta de trabalho flexvel, que atenda suas necessidades como tradutor. Acreditamos que esse posicionamento, tanto prtico quanto terico, de fundamental importncia em seu processo de formao com o tradutor. A partir dele, voc poder desenvolver outras estratgias de traduo como as que sero apresentadas nos captulos seguintes.

    Leituras complementares:

    Caso voc queira se aprofundar um pouco mais nas questes tericas envolvendo u n id a d e s d e t r a d u o , recomendamos uma leitura cuidadosa dos livros e artigos:a l v e s , F. A formao de tradutores a partir de uma abordagem cognitiva: reflexes

    de um projeto de ensino. Revista TradTerm, v. 4, n. 2, p. 19-40, 1997. a l v e s , F. Lanando anzis: uma anlise cognitiva de processos mentais em tradu

    o. Revista de Estudos da Linguagem, v. 4, n. 2, p. 71-90, 1996. b e l l , R. Translation and translating: theory and practice. London: Longman, 1991. f a e r c h , C., Ka s p e r , G. Introspection in second language research. Philadelphia:

    M ultilingual M atters, 1987. g e r l o f f , P Identifying the unit o f analysis in translation: some uses o f think-

    aloud protocol data. In: f a e r c h & k a s p e r , op. cit., p. 135-158. n e w m a r k , R A textbook o f translation. London: Prentice Hall, 1988. v i n a y , J . P, d a r b e l n e t , J . Stylistique compare dufranais et de 1anglais. Paris: Didier,

    1957.

  • Estratgias de busca de subsdios externosfontes textuais e recursos computacionais

    Adriana Pagano

    3

    Objetivos

    N este captulo, vamos abordar os seguintes aspectos: Os diversos conhecim entos envolvidos no ato tradutrio; As decises a serem tomadas pelo tradutor diante de um problema de

    traduo; O s recursos externos disponveis para subsidiar o processo tradutrio.

    Consideraes tericas

    N o captulo 1, falamos sobre as diferentes crenas com um ente associadas tarefa de traduzir e vimos como muitas delas no s so inadequadas para explicar ou com preender o processo tradutrio, como tambm interferem negativamente nas aes executadas pelo tradutor, fazendo com que este no tenha conhecimento adequado sobre os fatores e princpios tericos que garantem uma traduo bem - sucedida. Alm disso, tais crenas impedem o tradutor de utilizar eficientemente seu prprio potencial e o potencial de outros recursos existentes para auxili-lo em sua tarefa. Vimos tambm alguns exemplos de traduo nos quais o tradutor chamado a tomar determinadas decises para levar a cabo uma traduo apropriada do texto em questo, aes estas que chamamos de estratgias de traduo. Apenas relembrando o exemplo da primeira atividade do captulo 1, a traduo de uma certido de casamento, temos uma ilustrao da estratgia de busca e consulta de textos paralelos, isto , de certides de casamento em portugus, para poder comparar o lxico e a sintaxe prpria desse tipo de texto em cada uma das lnguas e promover a traduo de termos do jargo jurdico em ingls para termos do jargo jurdico em portugus.

    A consulta de textos paralelos na lngua para a qual se traduz apenas uma das estratgias apontadas como forma de se buscar apoio para o processo tradutrio,

  • 40 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    a fim de garantir uma traduo bem-sucedida. Existem outras estratgias igualmente eficazes e m uito utilizadas pelos tradutores experientes, cujo uso buscamos prom over a fim de levar o tradutor novato ou pouco experiente a tornar-se consciente dos caminhos mais adequados para se desenvolver uma atitude profissional e exercer a atividade tradutria de forma eficiente, confivel e tica.

    A necessidade, por parte do tradutor, de buscar em fontes de consulta externas informaes que no possui fato inquestionvel no exerccio da atividade tradutria. M esm o contando com uma slida formao escolar, com cursos de especializao ou com uma permanente atualizao de seus conhecimentos em reas diversas, o tradutor no consegue dominar todas as reas de conhecimento nem os diferentes tipos de demanda do mercado das tradues. A qualificao perm anente por meio de realizao de cursos, participao em congressos e conferncias, viagens, discusses e debates em grupo elemento indispensvel ao desempenho bem-sucedido do tradutor moderno, mas no garante, de todo, a aquisio das informaes necessrias para se resolver um determinado problema de traduo identificado em um texto em particular.

    Segundo o terico americano Douglas Robinson (1997), que em seu livro Becoming a translator reflete, entre outros pontos, sobre as caractersticas da relao tradutor-cliente, o objetivo ltim o de tradutores e outros profissionais que trabalham com o uso simultneo de diversas lnguas fazer com que os usurios de tradues comecem a confiar nas tradues e nos tradutores. Nesse sentido, para Robinson, a confiabilidade de uma traduo est relacionada com a confiana que o usurio pode depositar nesse texto.

    A confiabilidade demanda, segundo Robinson, que o tradutor desenvolva determinadas atitudes em relao ao seu cliente e ao texto a ser traduzido. Em relao ao cliente, a confiabilidade ser atingida se o tradutor estabelecer com ele uma relao cordial e verstil, assegurando-lhe uma postura confidencial no que diz respeito s informaes que esto sendo trabalhadas na traduo e garantindo o cumprimento das metas e prazos definidos nesse dito contrato, que se celebra tacitamente entre as duas partes. Em relao ao texto a ser traduzido, Robinson aponta como aspectos essenciais tarefa do tradutor a pesquisa e a verificao dos dados necessrios escrita do texto, o cuidado com os detalhes e a sensibilidade do tradutor para com as necessidades especficas do usurio potencial do texto traduzido.

    Esses ltimos aspectos esto diretamente relacionados com o objetivo de nossa discusso, qual seja, as estratgias de busca de subsdios externos que auxiliem o processo tradutrio. Retomemos cada um deles, com maior ateno, com as atividades que se seguem.

  • Estratgias de busca de subsdios externos 41

    Atividade 1

    A pesquisa e a verificao de dados que esto sendo trabalhados na construo do texto traduzido envolvem, evidentemente, a utilizao de um dos recursos mais com uns nas atividades de traduo: o dicionrio.

    Embora seja o recurso mais com um ente associado traduo e ao tradutor, o dicionrio est longe de ser o recurso mais bem utilizado. Isto ocorre devido a algumas crenas ainda existentes em relao traduo que apontam para o dicionrio bilngue, isto , aquele construdo sobre um par lingustico determ inado (por exemplo, ingls-portugus), como sendo a nica ferramenta disponvel e indispensvel para o tradutor. Retomando, ento, a figura do tradutor experiente, sabemos hoje que o dicionrio bilngue, quando bom, apenas um dos recursos existentes, cuja utilizao requer a verificao ou checagem das informaes em outros tipos de dicionrios, como o caso dos dicionrios monolingues, que oferecem uma descrio ou explicao do term o procurado. Tambm sabemos que os dicionrios, como depositrios de um grupo de termos em uso num determ inado perodo histrico, so datados e precisam de constantes atualizaes. Nesse sentido, verses modernas so necessrias, preferentem ente aquelas que so construdas, atravs de recursos computacionais, a partir de um banco de dados atual e diversificado, que contempla diversos tipos de textos. Dicionrios monolingues em ingls como, por exemplo, o Collins Cobuild English Dictionary, oferecem um conjunto de term os atualm ente em uso, retirados de fontes textuais diversas, de definies claras e precisas. C om plem entam essas definies informaes lexicais indispensveis ao tradutor, tais como sinnim os, antnimos, hipnim os e palavras afins.

    Para esclarecer mais este ponto, vejamos alguns exemplos de dados que podem ser obtidos em diferentes dicionrios, no caso de uma busca de significado de uma palavra desconhecida para o tradutor. A palavra crops e foi retirada da sentena sublinhada no texto 3.1 (um artigo acadmico na rea de botnica):

    Texto 3.1

    APPLIED AND ENVIRONMENTAL MICROBIOLOGY Jan. 1981, p. 97-99 0099-2240/81/010097-03$02.00/0 Vol. 41, No. I

    NODULATION OF ACACIA SPECIES BY FAST- AND SLOW-GROWING TROPICAL STRAINS OF RHIZOBIUM

    B. L. DREYFUS AND Y. R. DOMMERGUES*

    Laboratoire de Microbiologie des Sols, ORSTOM/Centre National de la Recherche Scientifique Dahar, Senegal, West Africa

    Thirteen Acacia species were classified into three groups according to effective nodulation response patterns with fast-and slow-growing tropical strains of Rhizobium.

  • 42 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    The first group nodulated effectively with slow-growing, cowpea-type Rhizobium strains; the second, with fast-growing Rhizobiuin strains; and the third, with both fast-and slow-growing Rhizobium strains. The Rhizobium requirements of the Acacia species of the second group were similar to those of Leucaena leucocephala.

    Shrubs and trees of the legume genus Acacia (Mimosaceae) are abundant in savannas and arid regions of Australia, Africa, South and North America, and India. In the Sahel region of Africa, Acacia is often the dominant tree species, where they grow in barren soils and dry sites unsuited for most crops. The Acacia species stabilize sandy and eroded soils and exploit deep underground water by virtue of their extensive rootsystems. They provide shade, forage for animals, firewood, charcoal, and gums. Most Acacia species nodulate with Rhizobium and fix N2 (1, 2, 4, 6), but little is known about the specificity and the characteristics of Rhizobium symbionts, (7, 8). It is known that Rhizobium requirements of some Acacia species seem to be specific and to involve nodulation by slow-growing, cowpea-type Rhizobiuni strains(3). However, one Acacia species, Acacia farnesiana, was shown to be nodulated by fast-growing strains of Rhizobium (10). In this paper, we report the result of a cross-inoculation study concerning the rhizobia associated with several native and introduced Acacia species usually grown in the Sahel region.

    U m dicionrio bilngue, amplamente utilizado no nosso pas, o Michaelis Dicionrio Ilustrado, nos oferece as seguintes possibilidades de traduo para a palavra crop, como substantivo:

    crop [krop] s. 1. colheita f. 2. safra f 3. resultado m. 4. grupo m., coleo f. 5. cabelo cortado m . 6. marca f de orelha cortada. 7. papo m. de ave. 8. chicote curto m. de m ontaria. 9. cabo m. de chicote.

    O tradu tor novato ou inexperiente geralm ente tom a as prim eiras opes de traduo oferecidas pelo dicionrio bilngue com o sendo escolhas certas e no se detm para exam inar a sua adequao. Chega, assim, a verses tais como:

    N a regio do Sahel na frica, a Accia fre q u e n tem e n te a espcie arbrea dom inan te , onde cresce em solos infrteis e reas secas no apropriadas para a m aioria das colheitas.

    O tradutor experiente, ciente das limitaes dos dicionrios bilngues e atento para a adequao de determinados termos no contexto no qual esto inseridos, geralmente consulta dicionrios monolngues e enciclopdicos, os quais tendem a oferecer maiores dados sobre os termos consultados. Vejamos agora o verbete da palavra crop, como substantivo, em alguns dos dicionrios m onolngues mais utilizados no Brasil.

  • Estratgias de busca de subsdios externos 43

    The American Heritage Dictionary:crop (krop) n. l.a . A gricultural produce, b. T h e total yield o f such produce. 2. A group . 3. A sho rt haircut. 4 .a. A sh o rt rid ing w hip. b. T h e stock o f such a w hip. 5. Zool. A pou ch-like en largem ent o f a b ird s gullet in w hich food is digested or stored.

    The N ew Lexicon Websters Encyclopedic Dictionary of the English Language:crop (krop) 1. n. harvested grain, fru it et. | | cultivated produce w hile grow ing | | a group o f things com ing together, a crop o f difficulties \ | the pouchlike dilation o f a b ird s gillet w here food is broken up for digestion | | a hu n ting w hip w ith a loop instead o f a lash | | the handle o f a w hip | | hair cu t short | | the style o f w earing hair so cu t | | a com plete, tanned animal hide.

    Longman Dictionary o f Contemporary English :crop /krop | | krap/ n 1. [often pi.] a plant o r plant product such as grain, fruit, or vegetables grow n o r produced by a farmer: Wheat is a widely grown crop in Britain 2. the am ount for such a product produced and gathered in a single season or place: Weve had the biggest wheat crop ever this year because o f the hot summer | (fig.) a fine crop o f hair 3 [usu. sing.] a group o r quantity appearing at any one tim e: a whole new crop o f college students 4. a baglike part o f a b ird s throat w here food is stored and partly digested 5. also hunting crop, riding crop - a short riding w hip consisting o f a short fold o f leather fastened to a handle - see picture at H O R S E 6. the handle o f a w hip 7 [usu. sing.] hair cu t very short

    Oxford Advanced Learners Encyclopedic Dictionary:crop /k ro p / n 1 (a) [C] am oun t o f grain, hay, fru it, etc grow n in one year or season: the potato crop a good crop o f rice a bumper (ie very large) crop [attrib] a crop failure. (b) crops [pi] agricultural plants in the fields: treat the crops with fertilizer. 2 [sing] ~ of sth group o f people or quantity o f things appearing or produced at the same time: this years crop o f students The programme brought quite a crop o f complaints from viewers.3 [C] very short hair-cut. 4 [C] bag-like part o f a b irds throat w here food is prepared for digestion before passing into the stom ach. 5 [C] (also hunting-crop) w hip w ith a short loop instead o f a lash, used by riders. 6 (idm ) neck and crop => N EC K .

  • 44 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Collins Cobuild Dictionary o f the English Language:crop [krop], crops, cropping, cropped. 1. A crop is 1.1 a plant that is grow n regularly and in large quantities on farms, in fields, etc. E.g. The population is dependant upon a single crop, wheat... There stretched vastfields ofcrops growing in different colours. 1.2 the plants that you collect at harvest tim e w hen they are fully grown and ready to be stored, processed, or sold. E.g. They get two crops o f rice a year... The commune produced a varied crop o f cotton, fruit, and vegetables. 1.3 animals or their produce that you need and use, and that you obtain by w ork and care. E.g. We had only half the usual honey crop last summer... N ext years crop o f kids, calves, and chicks will be poor. 1.4 an am ount o f som ething that has grow n in a particular place, often in a place w here you do not w ant it to grow; often hum orously in informal English. E.g. Youve got a splendid crop o f hair... racked white china cups with fabulous crops o f mould. 1.5 a group o f similar people o r things that have all em erged or been produced at the same tim e; an inform al use. E.g. What do you think o f the current crop o f school-leavers?... Everyday provides its crop o f reasons fo r delay and hesitation.

    N COUNT: USU PL

    N COUNT: USU SING, IF + PREP THEN o f

    N COUNT + SUPP: USU SING it produce N PART:USU SING

    N PART: USU SING = batch

    A comparao dos diferentes verbetes evidencia os diferentes tipos de informao que cada dicionrio fornece. The American Heritage Dictionary oferece pouca informao alm daquela apresentada pelo Dicionrio Michaelis. The N ew Lexicon Websters Encyclopedic Dictionary of the English Language, no entanto, j anuncia uma nuance de significado para a palavra crop: esta pode se referir ao cultivo colhido ou enquanto este est crescendo.

    Por se tratar de materiais dirigidos ao aprendiz de ingls como lngua estrangeira, o Longman Dictionary o f Contemporary English, o Oxford Advanced Learners Encyclopedic Dictionary e o Collins Cobuild Dictionary o f the English Language oferecem, sem dvida, dados mais especficos em relao ao term o em discusso, no apenas num a perspectiva etimolgica, mas tambm sob a tica do uso do term o em diferentes instncias discursivas. Assim, sabemos, por meio desses dicionrios, que existem usos diferenciados do term o na forma singular e plural. Aplicando esse conhecim ento ao nosso texto, percebemos que as definies de crops no plural - a plant or plant product such as grain, fruit, or vegetables grown or produced by a farmer; agricultural plants in the fields; a plant that is grown regularly and in large quantities on

    farms, infields -Ju n ta m e n te com os exemplos de uso do term o que esses dicionrios mostram, nos ajudam a construir uma traduo de crops diferente daquela fornecida pelo dicionrio bilngue. O texto no se refere a colheitas ou safras, mas a culturas, plantaes, a agricultura em geral. Podemos, agora, propor as seguintes opes de traduo da sentena em questo:

  • Estratgias de busca de subsdios externos 45

    N a regio do Sahel na frica, a Accia fre q u e n tem e n te a espcie arbrea dom inante , onde cresce em solos infrteis e reas secas no apropriadas para a m aioria das culturas.

    O U

    N a regio do Sahel na frica, a Accia fre q u e n tem e n te a espcie arbrea dom inante , onde cresce em solos infrteis e reas secas no apropriadas para a m aioria das plantaes.

    ou aindaN a regio do Sahel na frica, a Accia f re q u e n tem e n te a espcie a rbrea dom inan te , onde cresce em solos infrteis e reas secas no apropriadas para a agricultura.

    Embora esta ltima opo elimine um detalhe explicitado pelo original, que o fato de que as reas no so apropriadas para a maioria das culturas, deixando margem a interpretao de que poderia haver alguma cultura passvel de ter sucesso nessa regio.

    Atividade 2

    O exemplo aqui discutido tambm ilustra um outro tipo de busca de subsdios externos, alm da busca de significados e verses de termos desconhecidos. Trata-se da busca de referncias em relao a nom es prprios ou conceitos utilizados no texto original. E este o caso da referncia geogrfica com a qual se inicia o trecho do texto analisado: In the Sahel region o f Africa. A traduo de nomes prprios, principalmente de nomes histricos e geogrficos, demanda do tradutor uma pesquisa para saber se existe uma forma traduzida consagrada na lngua para a qual se traduz. Alm disso, a compreenso por parte do tradutor das referncias utilizadas no texto de partida essencial para uma traduo adequada do mesmo. N o caso do exemplo acima, se o tradutor desconhece a referncia geogrfica utilizada, este deve pesquisar em dicionrios enciclopdicos, enciclopdias ou outros textos de referncia. Por exemplo, o verbete sahel no The N ew Lexicon Websters Encyclopedic Dictionary o f the English Language diz:

    sahel (sahel) n. a climatic transition zone o f tropical Africa south o f Sahara, between the dessert and the savanna. It is characterized by low, scattered vegetation (tamarisk, gum acacia etc.) and supports a lim ited agriculture (millet, peanuts).

  • 46 Traduzir com autonomia - estratgias para o tradutor em formao

    Esses dados conferem com a descrio dada no texto de partida (solos infrteis, reas secas no apropriadas para a maioria das culturas). Eliminamos aqui a terceira verso oferecida acima, j questionada devido sua eliminao de dados do original, uma vez que, segundo o dicionrio, existem algumas culturas na regio do Sahel. Para saber se existe alguma verso consagrada da palavra sahel em portugus, temos de consultar, agora, um atlas ou enciclopdia em portugus. Por exemplo, o Atlas Geogrfico Mundial, recentemente publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, apresenta no mapa do relevo da frica a regio do Sahel, utilizando essa grafia.

    Alm da busca em dicionrios e enciclopdias, o tradutor conta com o recurso de consultar amigos, colegas de trabalho ou estudo e, quando possvel, pessoas especializadas na rea, que podem oferecer subsdios adicionais para resolver os problemas tradutrios. Assim, por exemplo, por meio de um a consulta feita por m im a um grupo de amigos, tomei conhecim ento de uma outra expresso tambm utilizada para se referir a essa regio do Sahel: a frica subsaariana.

    Atividade 3

    Retomemos, agora, o texto sob anlise, do qual extramos apenas um a sentena. C om o j dissemos, trata-se de um artigo acadmico da rea de Biologia, mais especificamente a Microbiologia. O nom e do peridico no qual o texto est inserido, Applied and Environmental Microbiology, e o ttulo do artigo, N odula- tion o f Acacia species by fast- and slow-growing tropical strains o f rhizobium , antecipam ao tradutor o carter especializado desse texto, relacionado com aspectos discursivos prototpicos do que chamamos de um gnero textual em particular, neste caso, o artigo cientfico. Sem entrar aqui em detalhes, uma vez que a noo de gnero ser abordada adiante, no captulo 5, podemos dizer que o artigo acadmico ou cientfico caracteriza-se pela observao de convenes sociodiscursivas, definidas pela comunidade de usurios que interage com esse tipo de texto. Geralmente, o artigo comunica resultados de pesquisas realizadas por cientistas que, para desenvolver sua tarefa, se apoiam em pesquisas anteriores na rea e dialogam com elas. Isto explica, por exemplo, o grande nm ero de ocorrncia de citaes e referncias bibliogrficas no corpo do texto, bem como a utilizao de um lxico e de uma estrutura textual compartilhadas pelos m embros da comunidade de usurios desse tipo de texto. N o cotidiano, falamos com um ente em jargo de uma determinada rea para referir-nos quelas palavras cujo uso e significado adquirem uma especificidade no transfervel para outras reas. Assim, por exemplo, retomando a sentena discutida acima, quando da discusso do term o crops, vemos que uma outra expresso - tree species que poderia ser traduzida como espcies de rvores, corresponde em portugus expresso espcies arbreas, utilizada convencionalmente na rea das Cincias

  • Estratgias de busca de subsdios externos 47

    Biolgicas. Ambas as formulaes - espcies de rvores e espcies arbreas - possuem, evidentemente, o mesmo significado. Contudo, a segunda formulao parece ser a adotada convencionalmente pelos bilogos.

    Para conhecer os termos e expresses empregadas de forma convencional pelos m em bros de uma rea acadmica especfica, torna-se necessrio que o tradutor utilize um a srie de estratgias, dentre as quais destacamos a consulta a especialistas da rea, a consulta a glossrios e dicionrios especializados nessa rea e o exame de textos paralelos.

    A primeira estratgia - a consulta a especialist