Tradução Rita Sussekind · Enquanto o suor escorria pelo rosto e o chão ... e seus olhos...

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Tradução Rita Sussekind

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Publicado originalmente na Grã-Bretanha em 2012 pela Atom Copyright © 2012 by Christi Daugherty Todos os direitos reservados.

Todos os direitos desta edição reservados àEDITORA OBJETIVA LTDA. Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824 – Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br

Título original Night School

Capa Rafael Nobre | Babilonia Cultura Editorial

Copidesque Ângelo Lessa

Revisão Carolina Vaz Eduardo Carneiro Marcela de Oliveira

Editoração eletrônica Abreu’s System Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D262eDaugherty, C. J.

Escola noturna / C. J. Daugherty; tradução Rita Sussekind. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

Tradução de: Night school 332p. ISBN 978-85-8105-259-5

1. Ficção inglesa. I. Sussekind, Rita. II. Título.

14-17094 CDD: 823 CDU: 821.111-3

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Para Jack, que sempre acreditou

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[ UM

]

– Depressa!— Quer se acalmar? Estou quase acabando.Com o maxilar tenso, Allie se agachou no escuro e

pintou o último A enquanto Mark se ajoelhava ao lado dela segurando uma lanterna. Suas vozes ecoavam pelo corredor vazio. O feixe de luz que iluminava o trabalho de Allie tremeu quando o rapaz riu.

Um estalo repentino fez os dois pularem.Luzes fluorescentes tremeluziram acima deles e logo inundaram o corre-

dor da escola.Havia duas pessoas de uniforme à porta.Allie abaixou a lata de spray devagar sem tirar o dedo da biqueira, o que

fez a letra se esticar bizarramente pela porta da sala do diretor até o piso de linóleo sujo.

— Corra!Quando as palavras saíram de sua boca, Allie já estava voando pelo amplo

corredor, e as solas de borracha de seus tênis faziam um chiado no silêncio da escola Brixton Hill. Ela não olhou para trás para ver se Mark a acompanhava.

A garota não sabia onde os outros estavam, mas, se Harry fosse pego ou-tra vez, o pai o mataria. Fazendo a curva às pressas, ela entrou em um corredor escuro. No fim, avistou o brilho verde de uma saída de emergência.

Uma sensação de poder tomou conta de seu corpo enquanto ela corria em direção à liberdade. Ela ia conseguir escapar. Ia se safar.

Trombando nas portas duplas, Allie empurrou com força a barra que a libertaria.

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A barra nem se moveu.Incrédula, empurrou outra vez, mas a porta estava trancada.Caramba. Se eu não estivesse pichando a escola, contaria para o jornal local,

pensou.Ela examinou o corredor freneticamente. Os policiais estavam entre ela e

a entrada principal. A única saída naquele lado estava trancada.Tinha que haver outra escapatória.Allie prendeu a respiração para escutar. Vozes e passos se aproximavam.Com as mãos nos joelhos, Allie deixou a cabeça pender. Não podia acabar

assim. Seus pais a trucidariam. Três detenções em um ano? Só o fato de a obri-garem a estudar naquela escola desgraçada já havia sido ruim o bastante. Para onde a mandariam dessa vez?

Correu para a porta seguinte.Um, dois, três passos.Tentou a maçaneta.Trancada.Atravessou o corredor até outra porta.Um, dois, três, quatro passos.Trancada.Para tentar encontrar alguma porta destrancada, começou a correr em

direção à polícia. Era loucura.Mas a terceira se abriu. Um almoxarifado.Deixam o almoxarifado aberto, mas trancam as salas de aula vazias? Esta

escola é dirigida por idiotas.Esgueirando-se com cautela entre as prateleiras cheias de papel, baldes de

limpeza e equipamentos elétricos que não conseguia identificar no escuro, Allie lutou para controlar a respiração. A porta se fechou às suas costas.

Estava totalmente escuro. Allie ergueu a mão na frente do rosto — bem na frente do rosto — e não conseguiu enxergá-la. Sabia que estava lá; podia sentir. Mas não vê-la foi algo que a desorientou de imediato. Esticando-se para tentar não cair, ofegou quando os papéis de uma pilha alta começaram a escor-regar. Lutou para reequilibrá-la mesmo sem enxergar.

Do lado de fora da porta, ouvia vozes baixas; pareciam distantes. Só precisaria esperar mais alguns minutos e elas desapareceriam. Só mais alguns minutos.

Estava quente, abafado.Fique calma.

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Contou as respirações pesadas... doze, treze, catorze...Mas era a realidade. Aquela sensação de estar presa em concreto, incapaz

de respirar. O coração batia rápido, o pânico crescia e queimava a garganta.Por favor, fique calma, Allie, implorou a si mesma. Mais cinco minutos e

você estará segura. Os garotos nunca vão contar.Mas não estava funcionando. Sentia-se tonta; sufocada.Precisava sair.Enquanto o suor escorria pelo rosto e o chão parecia balançar, Allie al-

cançou a maçaneta.Não, não, não... Não pode ser.A parte interna da porta era completamente lisa.Desesperada, tateou por toda a superfície da porta, depois a parede em

volta. Nada. Não dava para abrir por dentro.Empurrou a porta, arranhou as bordas, mas ela não cedeu. Sua respiração

ficou ofegante.Estava muito escuro.Cerrando os punhos, bateu na porta lisa e firme.— Socorro! Não consigo respirar. Abram a porta!Não obteve resposta.— Ajudem! Por favor!Allie odiou o tom de súplica na própria voz. Soluçando, colou a boche-

cha à porta e arfou ao bater na madeira com a palma das mãos.— Por favor.Quando a porta se abriu, foi tão de repente que ela caiu para a frente,

desamparada, direto nos braços de um policial.Ele a segurou com os braços estendidos, apontando uma lanterna para

os olhos dela, percebendo o cabelo desgrenhado e as bochechas riscadas por lágrimas.

Por cima da cabeça de Allie, ele sorriu para o outro policial. Foi quando ela viu Mark, cabisbaixo e sem o boné. Estava preso pelo braço por outro po-licial, que retribuiu o sorriso.

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[ DOIS ]

Mais alto que o barulho constante de uma delegacia em uma noite de sexta-feira de verão, Allie escutou a voz do pai com tanta clareza que ele parecia estar diante dela. Parou de enrolar o cabelo e olhou

ansiosamente para a porta.— Não consigo expressar quanto estou agradecido. Lamento pelo incô-

modo — ouviu. Ela conhecia muito bem aquele tom de voz do pai: de humi-lhação. Por ela. Escutou outra voz masculina, que não conseguiu identificar, e em seguida o pai de novo. — Sim, estamos tomando as devidas providências, e agradeço pelo conselho. Vamos discutir isso e tomar uma decisão amanhã.

Decisão? Que tipo de decisão?Em seguida, a porta se abriu, e seus olhos acinzentados encontraram os

de seu pai, azuis e cansados. Sentiu o coração apertar um pouco. Com a barba por fazer e enrugado, parecia mais velho. E exausto.

Ele entregou alguns papéis à policial, que mal os olhou antes de acres-centá-los à pilha. Ela mexeu em uma gaveta, tirou de lá um envelope com os pertences de Allie e o empurrou pela mesa para o pai. Sem olhar para nenhum dos dois, disse, mecanicamente:

— Você está solta, aos cuidados de seu pai. Pode ir.Allie se levantou, tensa, e seguiu o pai pelos corredores estreitos e ilumi-

nados até a porta da frente.Lá fora, no ar fresco de verão, ela respirou fundo. O alívio que sentia por

estar fora da delegacia se misturou à ansiedade por causa da expressão do pai. Caminharam em silêncio até o carro.

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Ainda do outro lado da rua, ele destrancou a porta do Ford preto, que emitiu seu alegre e inconveniente apito de boas-vindas. Quando ele ligou o motor, Allie se virou, ansiosa e com os olhos cheios de explicações.

— Pai...Com a mandíbula tensa, ele olhou para a frente.— Alyson. Não.— Não o quê?— Não fale. Só... fique sentada aí.Depois disso, o trajeto foi silencioso. E, ao chegarem em casa, o pai sal-

tou do carro sem dar uma palavra. Allie o seguiu desajeitada. A sensação de nervoso na boca do estômago aumentava.

Ele não parecia irritado. Parecia... vazio.Allie subiu a escadaria, atravessou o corredor e passou pelo quarto vazio

do irmão. Na segurança do próprio quarto, observou-se no espelho. O cabelo tingido de ruivo na altura dos ombros estava emaranhado, tinta preta man-chava a têmpora esquerda, o rímel se acumulava sob os olhos. Fedia a suor e medo.

— Bom, poderia ter sido pior — disse para o próprio reflexo.

Quando acordou na manhã seguinte, já era quase meio-dia. Saiu de debaixo do edredom amarrotado, vestiu uma calça jeans e uma camiseta branca. Em seguida, abriu a porta com cuidado.

Silêncio.Na ponta dos pés, desceu a escada para a cozinha, onde a luz do sol

entrava pelas grandes janelas e iluminava as bancadas de madeira. Tinham lhe deixado pão e manteiga, que derretia no calor. Perto do bule havia uma xícara contendo um sachê de chá.

Apesar de tudo, Allie sentia muita fome. Cortou um pedaço do pão e o colocou na torradeira. Ligou o rádio para espantar o silêncio, mas, passado um instante, o desligou.

Comeu depressa, folheando as páginas do jornal da véspera, sem prestar muita atenção. Somente quando acabou foi que notou o bilhete perto da porta da cozinha.

A

Volto à tarde. NÃO saia de casa.

M

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Por instinto, estendeu a mão para pegar o telefone e ligar para Mark, mas o aparelho não estava no lugar de sempre, perto da geladeira.

Apoiando-se na bancada de madeira, tamborilou os dedos e ouviu o constante tique-taque do relógio acima do fogão.

Noventa e seis tiques.Ou seriam taques?Como se sabe a dif...?— Certo — disse. Endireitou-se e bateu a mão na bancada. — Dane-se.Correu em direção ao quarto e abriu a gaveta da escrivaninha para pegar

o laptop.A gaveta estava vazia.Ficou parada, pensando por que o computador não estava ali. Seus om-

bros caíram um pouco.

Seus pais só voltaram no final da tarde. Ela os esperava com ansiedade — levantava-se para espiar pela janela cada vez que uma porta de carro batia —, mas, quando enfim chegaram, adotou um ar de desinteresse, encolhendo-se no sofá e assistindo à TV no mudo.

A mãe largou a bolsa no lugar de sempre, na mesa do corredor, e seguiu o pai até a cozinha para ajudá-lo a fazer chá. Pela porta aberta, Allie a viu pousar a mão de modo reconfortante no ombro dele por um instante e depois ir à geladeira pegar leite.

A coisa não parece boa.Minutos depois, estavam lado a lado no sofá azul-marinho diante dela.

O cabelo do pai já estava arrumado, mas ele tinha olheiras. A expressão da mãe era calma, mas os lábios estavam comprimidos em uma linha.

— Alyson... — começou o pai, mas hesitou. Cansado, esfregou os olhos.A mãe assumiu as rédeas.— Nós andamos conversando sobre o que podemos fazer para ajudá-la.Ihhhhh...— Você obviamente não está feliz na sua escola atual — continuou a

mãe, devagar e com clareza. Os olhos de Allie iam de um para o outro. — Agora que você invadiu, pôs fogo na sua ficha e pichou “Ross é um babaca” na porta da sala do diretor Ross, não é surpresa alguma que eles também não estejam muito satisfeitos com você.

Allie mordeu a cutícula do dedo mindinho e lutou contra o impulso de soltar um risinho nervoso. Rir não ajudaria em nada.

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— Já é a segunda escola que nos pede, muito educadamente, para ma-tricularmos você em outro lugar. Estamos cansados de receber cartas educadas de escolas.

Seu pai se inclinou para a frente e a encarou nos olhos pela primeira vez desde que a buscara na delegacia.

— Nós entendemos que você esteja se expressando, Alyson — disse ele. — Entendemos que tenha escolhido essa maneira para lidar com tudo que aconteceu, mas chega. As pichações, as faltas na escola, o vandalismo... Chega. A mensagem está bem clara.

Allie abriu a boca para se defender, mas a mãe lhe lançou um olhar amea-çador. A garota levantou os pés e abraçou os joelhos.

Era a vez da mãe novamente.— Ontem à noite, o prestativo policial, que, aliás, sabia tudo a seu res-

peito, sugeriu que a mandássemos para uma escola diferente. Fora de Londres. Longe dos seus amigos.

Ela disse a última palavra com desprezo.— Fizemos algumas ligações hoje de manhã e... — a mãe parou e olhou

para o pai, quase incerta, antes de prosseguir — encontramos um lugar espe-cializado em adolescentes como você.

Allie se encolheu.— E hoje fomos visitá-lo. Conversamos com a diretora...— Que foi extremamente gentil — interveio o pai.A mãe o ignorou.— ... e ela concordou em aceitá-la esta semana.— Espere aí... Esta semana? — Incrédula, Allie aumentou o tom de voz.

— Mas as férias só começaram há duas semanas!— Você vai para um colégio interno — disse o pai, como se ela não

tivesse falado nada.Allie o encarou, boquiaberta.Colégio interno?A palavra ecoou em sua mente.Eles só podem estar brincando, pensou.— ... nossas contas ficarão apertadas, mas achamos que vale a pena tentar

protegê-la de si mesma, antes que jogue sua vida fora. Legalmente, você é me-nor de idade, mas não será por muito tempo. — Ele bateu no braço do sofá e Allie o encarou. — Você tem 16 anos, Alyson. Isso tem que parar.

Allie escutou o coração bater forte.Treze, catorze, quinze batidas...

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Ela não conseguia acreditar que a situação era tão ruim. Era inacredita-velmente ruim. Naquele exato momento, níveis recordes de crueldade aconte-ciam no recinto. Ela se inclinou para a frente na cadeira.

— Bom, eu sei que errei. Estou me sentindo muito, muito mal por isso. — Allie colocou o máximo possível de sinceridade na voz. Sua mãe não pare-ceu nada comovida; então, ela se voltou para o pai, implorando: — Mas vocês não acham que estão exagerando? Pai, isso é loucura!

A mãe de Allie olhou novamente para o pai, dessa vez com um olhar imponente. Ele olhou com tristeza para a filha e balançou a cabeça.

— Tarde demais — disse. — A decisão já foi tomada. Você começa na quarta-feira. E, até lá, nada de computador, telefone ou iPod. E nada de sair de casa.

Quando os pais se levantaram, parecia que o juiz estava deixando o tribu-nal. No vazio que ficou, Allie suspirou, trêmula.

Os dias seguintes se passaram em uma névoa de confusão e isolamento. Ela de-veria ter feito as malas e se preparado, mas, em vez disso, ficou tentando fazer os pais desistirem da ideia maluca.

Não conseguiu nada. Mal falavam com ela.Terça à tarde, sua mãe lhe entregou um envelope bege e fino, com um

grande e elaborado emblema em tinta preta espessa e as palavras: Academia Cimmeria. Abaixo, lia-se “Informações para os novos alunos” em uma bela caligrafia curvilínea.

As duas folhas no envelope pareciam ter sido digitadas em uma máquina de escrever. Não tinha certeza — nunca vira nada datilografado —, mas cada uma das letras pequenas e angulosas havia deixado um entalhe perceptível no papel bege e espesso. Cada página continha apenas alguns parágrafos; a primei-ra era uma carta da diretora da escola, uma tal de Isabelle le Fanult. Dizia que estava ansiosa para receber Allie.

Ah, que maravilha, pensou, descartando a primeira folha. A segunda pá-gina não tinha muito mais utilidade que a primeira. Dizia que lápis, canetas e papéis seriam providenciados pela escola. Que também ofereceriam o unifor-me. Que ela deveria escrever as próprias iniciais com uma caneta permanente ou “bordá-las” em todas as suas roupas. Que poderia levar galochas e uma capa de chuva, pois “o campus da escola é grande e rural”.

Passou os olhos pelo restante da carta, procurando a habitual e amea-çadora nota sobre as “regras da escola”, e, como não poderia deixar de ser, lá estava, destacada em negrito:

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Todas as regras sobre comportamento serão entregues na che-

gada. Por favor, leia-as e siga-as com atenção. Violações a qual-

quer norma escolar serão punidas com rigor.

E, logo abaixo, mais notícias ruins:

Após a chegada, os alunos não podem deixar a área escolar sem

autorização dos pais ou da diretora. Permissões raramente são

concedidas.

As mãos de Allie tremeram ao pegar a primeira página do chão, dobrar a carta novamente no envelope e colocá-lo na mesa.

O que é isso? Uma escola ou um presídio?Em seguida, desceu para a cozinha, onde a mãe preparava o almoço.— Vou ligar para o Mark — anunciou de maneira desafiadora, já pegan-

do o telefone, que reaparecia como que por mágica sempre que os pais estavam em casa.

— Ah, vai? — A mãe repousou a faca na bancada.— Se estou sendo mandada para a cadeia, tenho direito a um telefone-

ma, não é? — perguntou Allie em tom de indignação justificada. Aquilo já tinha ido longe demais.

A mãe a observou por um instante. Em seguida, deu de ombros, pegou a faca e voltou a cortar fatias finas de tomate.

— Ligue para ele, então.Allie precisou pensar um segundo antes de ligar. Tinha o telefone de

Mark na agenda do celular, então raramente precisava se lembrar do número.O telefone chamou diversas vezes.— Alô. — A voz dele era tão reconfortantemente familiar e normal que,

por um instante, Allie achou que fosse chorar.— Oi. É a Allie.— Allie! Caramba. Por onde você andou? — Sua voz soou tão aliviada

quanto a dela.— De castigo. — Allie fixou os olhos nas costas da mãe. — Tiraram meu

telefone e meu computador. Não me deixam sair de casa. Como estão as coisas por aí?

— Ah, o de sempre — respondeu, rindo. — Meus pais estão irritados, a escola está muito irritada, mas vai passar.

— Vão expulsar você?

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— O quê? Da escola? Não. Vão expulsar você?— Parece que sim. Meus pais estão me mandando para um presídio que

insistem em chamar de escola. Em algum lugar nos confins da Mongólia.— Sério? — Ele pareceu sinceramente chateado. — Que droga! Por que

eles estão sendo tão idiotas? Ninguém se machucou. Ross vai superar. Vou fazer algum tipo de serviço comunitário, pedir desculpas para todo mundo, e tudo vai voltar a ser o inferno de sempre na escola. Não acredito que seus pais sejam tão medievais.

— Nem eu. Escute: os Medievais disseram que eu não vou poder falar com você depois que chegar à escola-presídio, mas, se quiser me encontrar, o nome dela é Cimmer...

A linha ficou muda. Allie levantou a cabeça e viu a mãe segurando o plugue que tirara da parede. Seu rosto estava impassível.

— Já chega — disse ela e, com calma, retirou o fone da mão de Allie.A mãe voltou a fatiar o tomate, enquanto Allie, paralisada, olhava fi-

xamente para ela. Em um espaço de trinta segundos, ela sentiu o rosto em-palidecer e depois corar, enquanto tentava segurar as lágrimas. Por fim, deu meia-volta e saiu, furiosa.

— Vocês. Dois. São. Loucos! — exclamou. As palavras começaram em tom baixo, mas se tornaram um berro enquanto Allie subia a escada. Ela bateu a porta do quarto e, uma vez lá dentro, ficou parada bem no meio dele, olhando em volta, desnorteada.

Não reconhecia mais aquele local como sua casa.

Quando a manhã de quarta-feira chegou quente e com céu claro, Allie ficou surpresa ao constatar que estava aliviada. Ao menos essa fase do castigo havia se encerrado.

Passou meia hora olhando para o armário aberto, decidindo o que ves-tir. Finalmente optou por uma calça jeans preta e justa e um colete preto com a palavra “Encrenca” em prateado. Penteou o cabelo ruivo e o deixou solto.

Analisando o reflexo no espelho, achou-se pálida. Assustada.Posso fazer melhor que isso.Pegou o delineador líquido, fez um traço grosso nas pálpebras e em se-

guida passou rímel. Depois, olhou embaixo da cama e pegou um par de botas Dr. Martens vermelho-escuras que iam até o joelho e as calçou sobre o jeans. Quando desceu, minutos depois, achou que parecia uma estrela do rock. Esta-va com um visual rebelde.

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A mãe olhou para o modelito e suspirou de forma dramática, mas não disse nada. O café da manhã se passou em um silêncio glacial, e em seguida os pais a deixaram sozinha para acabar de fazer as malas. Ela empilhou as roupas na cama e se sentou entre elas, com a cabeça apoiada nos joelhos dobrados, contando a respiração até se acalmar.

À tarde, quando foram para o carro, Allie parou e olhou para a casa co-mum com varanda, tentando guardá-la na memória. Não era grande coisa, mas sempre fora seu lar, com toda a beleza emocional que a palavra representava.

Naquele instante, parecia igual a todas as outras casas da rua.

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