Tradução Do Orador
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Traduo de Do orador
De Marcus Tullius Ccero
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Tradutor : Adriano Scatolin
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Livro I
1. Refletindo inmeras vezes e rememorando os tempos antigos, Quinto, meu querido irmo,
costumam parecer-me extremamente ditosos aqueles que, no apogeu da repblica, ao se distinguirem
tanto pelas honrarias quanto pela glria de seus feitos, puderam conduzir suas vidas de modo a estar
fora de perigo em seus negcios ou, no cio, com dignidade; e houve uma poca em que julgava que
tambm a mim seria lcito, e concedido por quase todos, que passasse a ter descanso e a voltar
novamente minha ateno para aqueles nossos ilustres estudos, caso o infinito trabalho das atividades
no frum, a ocupao com as candidaturas na carreira poltica e mesmo o declinar da idade o
permitissem. 2. Tal esperana, nutrida em nossas reflexes e nossos planos, desenganaram-na no
apenas as graves desventuras das circunstncias gerais, mas tambm as diversas outras que se abateram
sobre ns. De fato, exatamente no momento que seria, a julgar pelas aparncias, o mais pleno de
repouso e tranqilidade, sobrevieram o maior nmero de inquietaes e as mais turbulentas
tempestades; nem nos foi concedido, embora fosse nosso desejo e aspirao, desfrutar do cio para
praticar e cultivar novamente, junto contigo, aquelas artes a que nos dedicamos desde meninos.
3. De fato, quando jovens, deparamo-nos com a perturbao da antiga ordem, e, em nosso
consulado, atingimos o centro da disputa e da crise relativas a todas as questes; e, durante todo esse
tempo aps o consulado, lanamo-nos contra os vagalhes que, desviados por ns da runa geral,
recaram sobre ns mesmos.
No entanto, seja em meio a tais adversidades da situao ou a tal falta de tempo, ocupar-me-ei
de nossos estudos, e o quanto a perfdia dos inimigos, as causas dos amigos ou a repblica
concederem-me de cio, eu o dedicarei sobretudo a escrever. 4. Quanto a ti, meu irmo, no deixarei
de atender a tuas exortaes e pedidos, pois nem pela autoridade algum pode ter mais valor junto a
mim, nem pela vontade.
E devo rememorar uma antiga histria, no muito ntida, certo, mas adequada, segundo
penso, quilo que me solicitas saber o que os homens mais eloqentes e ilustres pensavam acerca da
doutrina oratria como um todo. 5. De fato, como me disseste vrias vezes, pretendes, pelo fato de os
escritos que escaparam incompletos e grosseiros de nossos apontamentos, quando ramos meninos
ou adolescentes, mal serem dignos desta nossa idade e desta experincia que granjeamos em tantas e
to importantes causas defendidas, que publiquemos algo mais refinado e completo acerca do mesmo
tema; e costumas por vezes discordar de mim neste assunto, porque eu afirmo que a eloqncia
depende das realizaes dos homens mais instrudos, tu, em contrapartida, julgas que ela deve ser
separada do refinamento da doutrina e confiada a determinado tipo de talento e prtica.
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6. Quanto a mim, atentando inmeras vezes aos homens mais eminentes e dotados dos mais
eminentes talentos, pareceu-me apropriado perguntar o motivo de haver mais pessoas dignas de
admirao nas demais atividades do que na oratria. De fato, para onde quer que voltemos nossa
ateno e pensamento, veremos inmeros homens excelentes em cada uma das espcies de atividades
e no as de pouca monta, mas as que so, provavelmente, as mais importantes. 7. Quem , com
efeito, que, se quiser medir o conhecimento dos homens ilustres pela utilidade ou grandeza de seus
feitos, no h de colocar o general acima do orador? E quem h de pr em dvida que, desta nica
cidade, podemos citar um quase sem-nmero de comandantes de guerra extremamente distintos, mas
quase ningum que se tenha sobressado na oratria? 8. Ademais, houve muitos, em nossa poca,
capazes de governar e conduzir o leme do estado com discernimento e sabedoria, muitos mais na de
nossos pais e mesmo na de nossos antepassados, enquanto no se encontrou, durante muito tempo,
um nico orador bom, e quase nenhum tolervel a cada gerao. No entanto, para que ningum
acaso julgue que esta teoria do discurso deva ser comparada antes com outros estudos, relativos a artes
mais abstrusas e a determinada variedade de leituras, que com o mrito de um comandante ou a
prudncia de um senador honesto, volte sua ateno exatamente para tal gnero e repare que
homens, e quantos, nela floresceram. Dessa forma, julgar com mais facilidade sobre quo grande e
sempre foi a escassez de oradores.
9. No ignoras, com efeito, o fato de os mais doutos julgarem aquela que os gregos chamam
de philosopha a procriadora, por assim dizer, e como que me de todas as artes de valor; nela, difcil
enumerar quantos homens de grande saber e grande variedade e abundncia em seus estudos houve
que no trabalharam isoladamente sobre um nico tema, mas abarcaram tudo o que lhes era possvel,
fosse por meio da investigao cientfica, fosse da dialtica. 10. Quem desconhece a quo obscuros
temas e quo abstrusa, vasta e precisa arte dedicam-se os chamados matemticos? No entanto, houve
muitos homens completos nesse grupo, passando a impresso de que quase todos que assim
desejaram conseguiram dedicar-se a essa cincia com bastante vigor. Quem se dedicou msica, quem
se dedicou ao estudo das letras atualmente ensinado pelos chamados gramticos, sem abarcar em sua
totalidade, pelo conhecimento e reflexo, a essncia quase infinita e a matria de tais artes? 11.
Sinceramente, parece-me apropriado dizer que, de todos aqueles que se dedicam aos estudos e
doutrinas dessas artes extremamente liberais, houve um nmero muito pequeno de poetas egrgios;
mas, mesmo desse exato nmero em que muito raro surge algum excelente, se quisermos comparar
cuidadosamente da multido de latinos e gregos, encontraremos muito menos bons oradores do que
poetas. 12. Isso deve parecer ainda mais admirvel pelo fato de os estudos das demais artes beberem
de fontes quase sempre recnditas e ocultas, enquanto toda a teoria oratria, ao alcance de todos, diz
respeito a uma prtica de certa maneira geral, bem como aos costumes e s conversas cotidianas dos
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homens, de modo que, nas demais, sobressaia-se sobretudo aquele que estiver mais afastado do
entendimento e juzo dos ignorantes, na oratria, o vcio maior seja apartar-se do gnero comum de
discurso e do costume da opinio geral.
13. E nem mesmo possvel afirmar que mais pessoas consagram-se s demais artes, ou que
so movidas a domin-las por um prazer maior, ou por mais ricas esperanas, ou por recompensas
mais amplas. De fato, deixando de lado a Grcia, que sempre pretendeu ser a primeira no que diz
respeito eloqncia, e a ilustre inventora de todas as doutrinas, Atenas, onde o mais elevado poder
oratrio foi no apenas inventado, como tambm aperfeioado, evidente que aqui, nesta exata
cidade, nenhum estudo jamais floresceu com tamanha fora quanto a eloqncia. 14. De fato, depois
que se constituiu o domnio sobre todos os povos e a longa durao da paz fortaleceu o cio, quase
nenhum jovem desejoso de glria deixou de julgar que devesse dedicar-se ao seu estudo com todas as
energias. Num primeiro momento, desconhecedores de qualquer teoria, aqueles que pensavam no
haver qualquer mtodo de exerccios ou qualquer preceito de arte atingiam o quanto podiam pelo
engenho e pela reflexo; depois, quando se ouviram os oradores gregos, conheceram-se os seus
escritos e empregaram-se os seus mestres, os latinos inflamaram-se com um inacreditvel desejo de
aprender. 15. Movia-os a magnitude, a variedade e a amplido das causas de toda espcie, de modo
que, teoria alcanada pelo estudo de cada um, acrescia-se a prtica freqente, que superaria os
preceitos de todos os mestres. Para tal estudo eram oferecidas, tal como hoje em dia, as maiores
recompensas concernentes influncia, s riquezas ou ao prestgio. Quanto ao engenho, segundo
podemos julgar por muitos indcios, o dos latinos superava em muito o de todos os demais povos. 16.
Isso posto, quem no h de se admirar, e com razo, pelo fato de se encontrarem, em todo o registro
de geraes, pocas e cidades, to exguo nmero de oradores? Ora, isso algo mais importante do
que os homens pensam, e composto de vrias artes e ramos de estudo.
Que outra razo, dada a enorme multido de aprendizes, a suprema abundncia de mestres,
homens de eminentssimos engenhos, a infinita variedade das causas, as enormes recompensas
oferecidas eloqncia, algum h julgar ser a causa, seno a incrvel magnitude e dificuldade dessa
arte?
17. De fato, deve-se adquirir o conhecimento de inmeros assuntos, sem o qual o fluxo de
palavras vazio e ridculo, e tambm o prprio discurso deve ser moldado no apenas pela escolha,
como tambm pelo arranjo das palavras, e todas as paixes que a natureza atribuiu raa humana
devem ser minuciosamente conhecidas, porque todo o poder e toda a teoria oratria devem ser
expressos acalmando-se ou incitando-se o pensamento dos ouvintes. necessrio que se somem a isso
alguma graa, chistes e uma cultura digna de um homem livre, bem como rapidez tanto ao responder
como ao atacar, acrescida de graciosidade com refinamento e urbanidade. 18. De resto, deve-se
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dominar toda a histria e o poder dos precedentes, e no se deve negligenciar o conhecimento das
leis e do direito civil. Para que falar mais da prpria ao, que deve ser guiada pelo movimento
corporal, pela gesticulao, pela expresso facial, pela conformao e variao da voz; que qualidade
tenha sozinha, por si mesma, mostram-no a insignificante arte dos atores e o palco, onde, apesar de
todos esforarem-se por controlar a boca, a voz, os movimentos, quem ignora quo poucos h e houve
que possamos assistir tranqilamente? Que dizer do repertrio de todas as coisas, a memria? Cremos
que, a no ser que ela seja usada como guardi das coisas e palavras descobertas e pensadas, todas as
coisas, ainda que extremamente ilustres num orador, ho de se arruinar. 19. Por essa razo, deixemos
de nos perguntar o motivo da escassez de oradores eloqentes, uma vez que a eloqncia
constituda de todos aqueles elementos em que grandioso aperfeioar-se isoladamente, e exortemos,
antes, nossos filhos e os demais cuja glria e dignidade nos cara, a se dedicarem vivamente
grandeza da eloqncia, e a no confiarem na possibilidade de atingir o que esperam por meio dos
preceitos, mestres ou exerccios de que todos se servem, mas por meio de outros.
20. Segundo penso, nenhum orador poder ser cumulado de toda a glria se no atingir o
conhecimento de todos os grandes temas e artes. E, de fato, preciso que o discurso floresa e se
torne exuberante devido ao conhecimento dos temas. A no ser que, sob a superfcie, esteja o
entendimento e conhecimento do tema por parte do orador, ele ter uma elocuo vazia e quase
pueril. 21. Mas no colocarei tamanho fardo sobretudo sobre os oradores latinos, imersos em
tamanha ocupao com a cidade e com a vida, para no julgar que no lhe permitido desconhecer
coisa alguma, embora a faculdade do orador e a prpria profisso de dizer bem parea admitir e
reconhecer que ele fale acerca de todo e qualquer assunto proposto ornada e abundantemente. 22.
Mas, por no duvidar que maioria isso possa parecer uma tarefa gigantesca e infinita, e percebendo
que os gregos, ricos no apenas em engenho e em saber, mas tambm em cio e estudo, j realizaram
uma partio das artes e no se dedicaram, cada um deles, a todos os gneros, mas separaram, das
demais formas de discurso, aquela parte da oratria que diria respeito aos debates pblicos dos
julgamentos ou das deliberaes e deixaram ao orador apenas esse gnero, nestes livros no irei, dado
que o tema objeto de estudo e muita discusso, alm do que lhe foi atribudo praticamente pelo
consenso dos mais elevados homens, 23. e retomarei, no determinada ordem dos preceitos tomada
aos elementos de nossa antiga e pueril doutrina, mas aquilo que, soube outrora, foi examinado numa
discusso de nossos conterrneos mais eloqentes e primeiros em toda dignidade; no que eu
despreze o que os escritores e mestres de oratria gregos nos legaram, mas, como tais escritos so
acessveis e esto ao alcance de todos, e no podem, por meio de minha traduo, ser explicados com
maior ornato ou expressos com maior clareza, conceders a licena, meu irmo, segundo penso, de
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colocar acima dos gregos a autoridade daqueles a quem os latinos concederam a suma glria na
oratria.
24. Ento, na poca em que o cnsul Felipe atacava com veemncia a causa dos nobres, e o
tribunado de Druso, encarregado de defender a autoridade do senado, dava mostras j de
instabilidade e enfraquecimento, lembro-me de me relatarem que, nos dias dos jogos romanos, L.
Crasso, como que para se recobrar, retirou-se para sua vila em Tsculo; dizia-se que tambm estiveram
presentes Q. Mcio, que fora seu sogro, e M. Antnio, aliado de Crasso nas deliberaes do Estado e
a ele ligado por laos de profunda amizade. 25. Acompanhavam Crasso dois jovens bastante ntimos
de Druso e nos quais os mais velhos depositavam grandes esperanas em relao a sua autoridade, C.
Cota, ento candidato ao tribunado, e P. Sulpcio, que seria, logo em seguida, candidato a essa
magistratura, segundo se pensava. 26. No primeiro dia, eles conversaram durante muito tempo, at
anoitecer, acerca das circunstncias e de poltica em geral, motivo de haverem ido para l. Cota
narrava muitas queixas e recordaes daqueles trs consulares, to profticas que mal algum poderia
sobrevir cidade que h muito j no houvessem percebido pairar sobre ela. 27. Relatava tambm
que, terminada essa conversa, tamanha era a gentileza de Crasso que, depois de se banharem e
deitarem, dissipara toda a tristeza daquela primeira conversa, e tal era a alegria daquele homem, e
tamanha a sua graa ao falar, que o dia em meio a eles parecia digno do senado, o banquete, da vila
de Tsculo. 28. Contava ainda que, no dia seguinte, depois que os mais velhos haviam j descansado
o suficiente e passado a sua caminhada, Cvola, aps duas ou trs voltas, disse: - Por que no
imitamos, Crasso, o Scrates que est no Fedro de Plato? Pois me traz sua lembrana este teu pltano,
que est espalhado por vastos ramos para dar sombra a este lugar tanto quanto aquele cuja sombra
Scrates procurava, que parece ter crescido no tanto pelo regato propriamente dito que ali se
descreve, quanto pelo discurso de Plato.
29. Crasso, ento, respondera: - Sim, mas faamos com mais comodidade ainda; que pedira
almofadas e que todos acomodaram-se sobre os assentos que estavam sob o pltano.
Cota costumava contar que, para que todos descansassem ali da conversa precedente, Crasso
iniciou uma conversa acerca do estudo da oratria. 30. Comeando dessa forma, no lhe parecia que
era preciso encorajar Sulpcio e Cota, mas, antes, cobrir os dois de elogios por j haverem atingido
tamanha habilidade, de modo a no apenas estarem frente de seus contemporneos, mas serem
mesmo comparados aos mais antigos. Disse ele: - Na verdade, nada me parece mais notvel do que ser
capaz, por meio da oratria, de cativar as multides de homens, conquistar suas mentes, impelir para
onde se quiser suas vontades, desvi-las igualmente de onde se deseje. Esta nica coisa sempre
floresceu e sempre reinou em meio a qualquer povo livre, e sobretudo nas cidades pacatas e
sobremaneira tranqilas. 31. Pois o que to admirvel quanto, de uma multido infinita de
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homens, erguer-se um nico capaz de fazer, sozinho ou com muito poucos, o que a natureza concedeu
a todos; ou o que to prazeroso conhecer ou ouvir quanto um discurso limado e ornado com
pensamentos sbios e palavras graves; ou o que to poderoso e to magnfico quanto mudarem-se as
paixes do povo, os escrpulos dos juzes, a gravidade do senado por meio do discurso de um nico
homem? 32. Demais, que h de to magnfico, to nobre, to generoso quanto auxiliar os suplicantes,
animar os aflitos, assegurar sua salvao, livr-los dos perigos, salvar do exlio os cidados? E que h de
mais necessrio do que ter sempre em mos as armas com que se possa, sem perigo, desafiar os
mprobos ou vingar-se quando provocado? E mais, para no levarmos em conta apenas o frum, as
bancadas, os rostros e a cria, que pode haver mais prazeroso ou mais prprio da natureza humana do
que uma conversa elegante e em nada grosseira? Distinguimo-nos sobremaneira dos animais
unicamente por conversarmos uns com os outros e sermos capazes de expressar nossos pensamento
por meio da palavra. 33. Sendo assim, quem no h de admir-la com razo, e julgar que deva
dedicar-se a ela de modo a superar os homens na nica coisa em que estes distinguem-se dos animais?
Mas, passando j ao que mais importante, que outro poder foi capaz de reunir os homens dispersos
num nico lugar, ou conduzi-los da vida selvagem e bruta para nosso atual tipo de vida, humano e em
sociedade, ou, ainda, depois de constitudas j as cidades, estabelecer leis, tribunais, direitos? 34. Mas,
para no entrar em mincias, que so praticamente sem nmero, encerrarei de modo breve: concluo,
com efeito, que no apenas a dignidade do orador perfeito, mas tambm a da maior parte dos
cidados privados e a de todo o Estado residem em sua liderana e sabedoria. Sendo assim, continuai
como estais fazendo, meus jovens, aplicando-vos ao estudo em que estais, trazendo honra para vs
mesmos, utilidade para os amigos, proveito para o Estado.
35. Cvola, ento, disse cordialmente, como de costume: - Concordo no mais com Crasso,
no diminuindo a arte ou a glria de C. Llio, meu sogro, ou de meu genro aqui presente; porm,
Crasso, temo no poder conceder-te estes dois pontos: em primeiro lugar, teres afirmado no apenas
que as cidades foram inicialmente estabelecidas pelos oradores, mas tambm, muitas vezes,
preservadas por eles; em segundo lugar, teres concludo que, parte o frum, as assemblias, os
julgamentos, o senado, o orador perfeito em todas as espcies de conversa e de cultura. 36. Pois
quem te poderia conceder que o gnero humano, de incio espalhado por montes e florestas,
encerrou-se em cidadelas e muralhas, no impelido pelos conselhos dos sbios, mas, antes, seduzido
pelo discurso dos eloqentes? Ou, ainda, que as demais vantagens de estabelecer e preservar as
cidades foram estabelecidas, no pelos homens sbios e corajosos, mas pelos eloqentes e de fala
ornada? 37. Acaso te parece que o ilustre Rmulo reuniu os pastores e refugiados, estabeleceu o
matrimnio com os sabinos, ou mesmo reprimiu o poderio dos povos vizinhos pela eloqncia, no
pela prudncia e sabedoria singulares? Ora, e o que dizer de Numa Pomplio? E de Srvio Tlio? E
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dos demais reis, que tiveram grande papel na constituio do Estado: acaso aparece neles algum
vestgio de eloqncia? E ento? Depois da expulso dos reis, no obstante percebermos que a prpria
expulso foi realizada pela inteligncia, no pela lngua de L. Bruto, acaso no vemos que havia por
toda parte abundncia de idias, vazio de palavras?
38. Quanto a mim, se quisesse servir-me de exemplos de nossa cidade ou das demais, poderia
mencionar mais prejuzos do que vantagens trazidos pelos oradores mais eloqentes. Porm, deixando
de lado os demais exemplos, creio que, exceo de vs dois, Crasso, os mais eloqentes que ouvi
foram Ti. e C. Semprnio, cujo pai, homem prudente e severo, nada eloqente, salvou o Estado em
diversas ocasies, e sobretudo quando censor. Ora, ele transferiu os libertos para as tribos urbanas,
no pela riqueza elaborada do discurso, mas por um gesto e uma palavra; se no o houvesse feito, o
Estado, que hoje em dia mal conseguimos manter, h muito no estaria em nossas mos. Por outro
lado, quando seus filhos, eloqentes e preparados para falar por todas as vantagens concedidas pela
natureza ou pela formao terica, receberam em mos a cidade em seu maior florescimento (fosse
devido prudncia do pai, fosse s armas dos ancestrais), arruinaram o Estado com sua eloqncia,
essa ilustre governadora das cidades, para usar tua expresso.
39. E ento, o que dizer das antigas leis e dos costumes de nossos antepassados? E dos
auspcios, que ns dois, Crasso, presidimos para grande segurana do Estado? E dos ritos e
cerimnias? E destas leis civis, que j h muito tiveram abrigo em nossa famlia sem que tivssemos
qualquer mrito na eloqncia: acaso foram inventados, conhecidos, ou sequer tratados pela turba
dos oradores? 40. Ora, guardo na memria a pessoa de Sr. Galba, homem divino na oratria, bem
como a de M. Emlio Porcina e a do prprio C. Carbo, que derrotaste quando eras ainda bastante
jovem: desconhecedores das leis, pouco seguros nas instituies dos antepassados, ignorantes em
direito civil; e essa vossa gerao, Crasso, exceo de ti, que aprendeste conosco o direito civil mais
por teu zelo do que por alguma obrigao da parte dos eloqentes, desconhece a tal ponto o direito,
que chega a ser por vezes constrangedor.
41. Quanto a teres concludo ao fim de tua fala, como se te fosse lcito, que o orador capaz
de participar de qualquer discusso com extrema eloqncia: no fosse o fato de estarmos em teu
domnio, no o toleraria, e recitaria as frmulas a muitos, ou para disputarem contigo o dito do
pretor, ou para te convocarem a uma contestao no tribunal, por teres invadido de maneira to
temerria as possesses alheias. 42. Tomariam medidas legais contra ti, em primeiro lugar, todos os
discpulos de Pitgoras e de Demcrito, e reivindicariam em tribunal o que lhes era de direito os
demais filsofos da natureza, homens de oratria ornada e grave, com os quais no te seria permitido
disputar o depsito legal. Alm disso, viriam em teu encalo as seitas de filsofos desde sua ilustre
fonte e origem, Scrates, convencendo-te de que nada aprendeste, nada sequer pesquisaste, nada
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sabes acerca dos bens da vida, de seus males, das paixes do nimo, dos costumes dos homens, da
conduta de vida. E, quando todos eles houvessem feito sua investida, cada escola moveria um
processo contra ti. 43. Viria pressionar-te a Academia, obrigando-te a negar o que quer que houvesses
afirmado. Os nossos esticos te manteriam enredado nas armadilhas de suas discusses e questes. J
os peripatticos provariam que preciso buscar junto a eles aquilo mesmo que julgas ser os auxlios e
ornamentos oratrios prprios do orador; e mostrariam que Aristteles e Teofrasto escreveram no
apenas melhor, mas muito mais sobre tais temas do que todos os mestres de oratria. 44. Deixo de
lado os matemticos, os gramticos, os msicos, com cujas artes essa vossa faculdade oratria no se
liga sequer pela mais tnue relao. por isso, Crasso, que no julgo que ela tenha tanto valor e traga
tantos benefcios. J bastante grandioso poderes garantir que, nos julgamentos, a causa que
defendes, qualquer que seja, parea melhor e mais plausvel; que sobretudo o teu discurso tenha
poder de persuaso nas assemblias populares e do senado; enfim, que aos sbios pareas discursar
com eloqncia, aos tolos, tambm com propriedade. Se puderes mais do que isso, parecer que no
um orador, mas Crasso, por sua prpria capacidade, no a que comum aos oradores, quem o
pode.
45. Disse ento Crasso em resposta: - No ignoro, Cvola, que se afirmam e discutem tais
coisas entre os gregos. De fato, tive a oportunidade de ouvir importantes homens ao ir, quando
questor, da Macednia para Atenas no auge da Academia, segundo se dizia na poca, quando esta era
dirigida por Crmadas, Clitmaco e squines. Havia ainda Metrodoro, que, juntamente com eles,
fora zeloso discpulo do ilustre Carnades, o mais penetrante, segundo diziam, e frtil de todos os
homens na oratria, e estavam em voga Mnesarco, discpulo de teu amigo Pancio, e Diodoro, do
peripattico Critolau. 46. Havia, alm disso, muitos filsofos ilustres e famosos, e eu via a todos eles,
quase a uma s voz, afastarem o orador do leme das cidades, exclu-lo de toda doutrina e
conhecimento dos temas mais elevados, releg-lo e confin-lo apenas aos tribunais e s assemblias
populares de pouca monta, tal como a trabalhos forados. 47. Mas eu mesmo no concordava com
eles nem com o inventor e originador de tais discusses, de longe o mais solene e eloqente de todos
na oratria, Plato, cujo Grgias li ento cuidadosamente em Atenas junto com Crmadas; nesse livro,
admirava Plato sobretudo pelo fato de, ao zombar dos oradores, parecer ele prprio um excelente
orador. De fato, j h muito a controvrsia em torno de uma palavra atormenta esses gregos
mesquinhos, mais vidos de discusso do que da verdade. 48. Com efeito, ainda que algum haja
estabelecido que orador aquele que capaz apenas de falar copiosamente no tribunal ou nos
julgamentos, ou ainda diante do povo ou no senado, preciso que atribua e conceda muitas coisas ao
orador assim definido, pois sem o estudo assduo de todos os assuntos pblicos, ou sem o
conhecimento das leis, dos costumes, do direito, e sem compreender a natureza e o carter dos
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homens, no possvel que fale de tais temas com habilidade e percia. Ora, quanto quele que
tomou conhecimento destas coisas, sem as quais ningum capaz de observar corretamente sequer os
pequenos detalhes, que conhecimento dos temas mais elevados poder lhe faltar? Mas se pretendes
que nada prprio do orador seno falar ordenada, ornada, copiosamente, eu me pergunto: como
pode ele conseguir precisamente isso sem o conhecimento que no lhe concedeis? Pois no pode
haver virtude do discurso a no ser que aquele que vir a falar tenha apreendido os temas de que
falar. 49. Sendo assim, se, tal como se diz e me parece correto, o ilustre filsofo da natureza,
Demcrito, falava ornadamente, a matria de que tratava deve ser considerada prpria do filsofo da
natureza, j o ornato das palavras, do orador. E se Plato falava de modo divino acerca de temas
bastante distantes das controvrsias civis, o que eu concedo; se, do mesmo modo, Aristteles,
Teofrasto, Carnades eram eloqentes nos temas que discutiam, bem como agradveis e ornados em
sua fala: mesmo que os temas que discutem estejam em cada uma das demais disciplinas, o discurso
em si prprio desta nica doutrina de que falamos e examinamos. 50. E, realmente, observamos
que alguns filsofos discutiram os mesmos temas de modo rido e seco, tal como fez aquele que
afirmam ser agudssimo, Crisipo, sem deixar de fazer jus filosofia por no apresentar essa capacidade
oratria provinda de uma arte alheia.
Logo, que diferena h, ou como se discerniro a riqueza e a abundncia oratrias daqueles
que citei da aridez daqueles que no se servem dessa variedade e refinamento oratrios? Haver
claramente um ponto que aqueles que falam bem trazem como prprio: um discurso ordenado,
ornado e distinto por algum artifcio e embelezamento. Quanto a esse discurso, se no h em sua base
um tema apreendido e entendido pelo orador, foroso que no seja coisa alguma ou que seja
ridicularizado pelo escrnio geral. 51. De fato, o que h de to insano quanto o som vazio das
palavras, mesmo as melhores e mais distintas, sem um pensamento ou conhecimento subjacente?
Portanto, do que quer que se trate, qualquer que seja a arte, qualquer que seja o gnero, o orador, se
o estudar tal como a causa de um cliente, falar mais bem e com mais distino do que o prprio
inventor e especialista no assunto.
52. De fato, se houver algum que afirme que h certos pareceres e causas prprios dos
oradores, bem como um conhecimento de determinadas coisas circunscrito aos limites do frum, eu
admitirei que nosso discurso versa com maior freqncia sobre elas; no entanto, dentre tais coisas, h
inmeras que os prprios mestres que so denominados de retores no ensinam nem dominam. 53.
Com efeito, quem desconhece que o poder do orador manifesta-se sobretudo quando incita as
mentes dos homens ira, ao dio ou indignao, ou quando as reconduz de tais paixes brandura
e misericrdia? Por isso, a no ser que tenha um conhecimento completo dos temperamentos dos
homens, bem como de toda a natureza humana e das causas pelas quais se incitam ou apaziguam as
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mentes, no ser capaz de realizar o que quiser pelo discurso. 54. Todo este terreno parece domnio
dos filsofos, e jamais consentirei que um orador se oponha a isso; mas, concedendo-lhes embora o
conhecimento das coisas, por pretenderem dedicar-se apenas a ele, tomar para si o trato do discurso,
o qual, sem aquele conhecimento, no existe. De fato, prprio do orador, como j disse muitas
vezes, um discurso grave, ornado e adequado s concepes e s mentes dos homens.
55. Admito que Aristteles e Teofrasto escreveram sobre tais temas; mas repara, Cvola, se
isso no est a meu favor. De fato, no lhes tomo emprestado os elementos que tm em comum com
os oradores: os autores que escrevem sobre tais temas admitem que so domnio destes. Dessa forma,
intitulam e nomeiam estes livros retricos, os demais, usando o nome de suas artes. 56. E, de fato,
quando aparecerem no discurso aqueles lugares-comuns, como acontece com muita freqncia, de
modo que se venha a falar dos deuses imortais, da piedade, da concrdia, da amizade, do direito geral
de cidados, homens e povos, da eqidade, da temperana, da magnanimidade, de qualquer espcie
de virtude, clamaro, creio eu, todos os ginsios e todas as escolas dos filsofos que todas essas coisas
lhes so prprias, de seu domnio, de forma alguma dizendo respeito ao orador. 57. Embora lhes
conceda que discutam sobre tais temas no recndito das salas de aula para passar o tempo livre,
atribuirei e permitirei ao orador esta tarefa: desenvolver com toda o encanto e gravidade os mesmos
temas sobre os quais eles debatem numa linguagem simples e sem vigor. Eu discutia tais coisas com os
prprios filsofos, em Atenas. De fato, obrigava-me o nosso caro M. Marcelo, que agora edil curul e
com certeza participaria desta nossa conversa, caso no estivesse realizando os jogos; e j naquela
poca era um jovem admiravelmente dedicado a tais estudos.
58. Ora, que os gregos afirmem, se quiserem, que Licurgo e Slon (embora pensemos que
devam ser enumerados entre os eloqentes) tinham, acerca das leis, das instituies, da guerra, da paz,
dos aliados, dos impostos, do direito dos cidados distribudo por categorias, de acordo com a ordem
e a idade, melhor conhecimento do que Hiprides ou Demstenes, homens consumados j e
perfeitos na oratria, ou que os latinos prefiram, neste ramo, os decnviros que escreveram as doze
tbuas (os quais eram forosamente sbios) a Sr. Galba e teu sogro C. Llio, que, sabido,
distinguiram-se pela glria oratria. 59. Com efeito, jamais negarei a existncia de determinadas artes
prprias daqueles que depositaram todos os seus esforos no aprendizado e tratamento de tais coisas,
mas o orador completo e perfeito aquele capaz de falar sobre todos os assuntos de maneira variada e
abundante.
E, de fato, com freqncia surge, naquelas causas que todos reconhecem como prprias dos
oradores, algo que no ser retirado e tomado prtica do frum, nica que concedeis ao orador,
mas a alguma cincia mais obscura. 60. Com efeito, eu me pergunto se possvel discursar, contra ou
a favor de um comandante, sem experincia militar ou, muitas vezes at, sem o conhecimento das
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regies terrestres e martimas; se possvel discursar perante o povo acerca da aprovao ou do veto
das leis, ou, no senado, acerca de qualquer ramo concernente ao Estado, sem um enorme
conhecimento e discernimento dos assuntos civis; se possvel empregar o discurso para inflamar ou
apaziguar os sentimentos e paixes dos nimos, por excelncia o fator de maior importncia num
orador, sem uma investigao extremamente cuidadosa de todas as doutrinas desenvolvidas pelos
filsofos acerca da natureza e do carter da raa humana. 61. No sei se conseguirei ou no ser
convincente, mas no hesitarei em dizer o que penso: a fsica, a matemtica e o que colocaste pouco
antes como prprio das demais artes, fazem parte da cincia dos que fazem delas profisso; mas, se
algum pretende embelezar essas mesmas artes pelo discurso, dever fazer recurso da faculdade do
orador. 62. De fato, se sabido que Filo, o clebre arquiteto que construiu o arsenal para os
atenienses, prestou contas de sua obra ao povo de maneira extremamente eloqente, nem por isso
deve-se considerar que sua eloqncia era devida antes habilidade de arquiteto que de orador. E,
se coubesse a M. Antnio, aqui presente, discursar em favor de Hermdoro acerca da construo dos
estaleiros, ele, depois de estudar a causa com este, discursaria ornada e ricamente acerca de uma
habilidade alheia. J Asclepades - aquele de quem nos valamos como mdico e amigo -, quando
superava os demais mdicos pela eloqncia, naquilo mesmo que falava ornadamente, no usava a
faculdade da medicina, mas a da eloqncia. 63. Mais plausvel, embora no seja verdade, o que
Scrates costumava dizer: todos so eloqentes o bastante naquilo que conhecem; mais verdadeiro,
porm, que ningum pode ser eloqente naquilo que desconhece, e ningum, tendo um grande
conhecimento, mas ignorando como se constri e lima um discurso, capaz de falar com eloqncia
sobre aquilo que conhece.
64. Por isso, se quisermos definir e delimitar toda a essncia prpria do orador, ser, em meu
julgamento, um orador digno de to importante nome aquele que, qualquer que seja o tema que se
lhe depare digno de desenvolvimento pelo discurso, discursar de modo sbio, ordenado, elegante e de
memria, bem como, ainda, com certa dignidade em sua execuo. 65. Mas se de algum modo a
expresso qualquer que seja o assunto que propus parece por demais indefinida, cabe a cada um
suprimir e cortar o quanto lhe parecer bem; no entanto, sustentarei que, ainda que o orador ignore o
que se encontra nas demais artes e ramos de estudo e domine apenas o que pertence s discusses e
prtica do frum, se lhe couber discursar acerca de tais temas, aprender com aqueles que os
conhecem o domnio de cada um deles e ser considerado um orador muito melhor do que aqueles a
quem tais artes dizem propriamente respeito.
66. Assim, se Sulpcio, aqui presente, tiver de discursar sobre um tema militar, interrogar C.
Mrio, meu parente por aliana, e, depois de se instruir, far tal exposio, que at quase ao prprio
Mrio parecer ter mais conhecimento do que este; mas, se tiver de discursar sobre o direito civil,
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entrar em contato contigo e, pela arte oratria, superar a ti, homem bem mais sbio e experiente,
exatamente naquilo que de ti aprender. 67. Mas, caso se lhe depare um tema em que se veja obrigado
a discursar acerca da natureza, dos vcios dos homens, dos desejos, da justa medida, da moderao, da
dor, da morte, entrar talvez em contato, se lhe parecer bem de fato, mesmo tais temas deve
conhecer, o orador , com Sex. Pompeu, homem de instruo filosfica; isso claramente far que,
qualquer que seja o tema que aprendeu de cada um, discurse acerca dele com mais elegncia do que
aquele de quem aprendeu. 68. Ora, se ele me der ouvidos, sendo a filosofia dividida em trs partes (os
segredos da natureza, a sutileza da dialtica, a vida e os costumes), abandonaremos as duas primeiras e
as confiaremos a nossa indolncia; se no dominarmos a terceira, que sempre foi prpria do orador,
nada lhe restar em que possa sobressair-se. 69. por isso que esse tpico da vida e dos costumes
deve ser totalmente dominado pelo orador; ainda que no estude os demais, poder, caso necessrio,
orn-los pelo discurso, se de algum modo eles lhe forem revelados e transmitidos.
E, realmente, se sabido entre os sbios que um desconhecedor da astronomia, Arato, falou
do cu e dos astros em versos elegantssimos e excelentes; que um homem totalmente alheio ao
campo, Nicandro de Colofon, escreveu sobre agricultura devido a uma capacidade potica, no de
agricultor; por que motivo o orador no poder discursar com extrema eloqncia acerca dos temas
de que se inteirou para determinada causa e circunstncia? 70. De fato, o poeta est muito prximo
do orador: um pouco mais limitado pelo metro, mais livre, porm, em virtude da licena no uso das
palavras, colega e quase igual nos gneros de ornamento; certamente quase idnticos num ponto:
no circunscrever ou restringir por quaisquer limites o seu direito, sem que lhes seja permitido vagar
vontade pelo uso daquela mesma faculdade e copiosidade.
71. Pois aquilo que afirmaste que no tolerarias caso no estivesses em minha propriedade
que todo orador deve ser perfeito em toda espcie de discurso, em todos os domnios da cultura -,
nunca, por Hrcules, o diria se julgasse ser eu mesmo o orador que concebo. 72. Ora, concordo com
o que C. Luclio, uma pessoa um tanto agastada contra ti e, por isso mesmo, menos prxima de
mim do que desejava , porm culta e extremamente engenhosa, costumava repetir: ningum que no
seja completo em todas as artes dignas de um homem livre deve ser contado entre os oradores; ainda
que no as usemos ao discursar, torna-se claro e manifesto se somos ignorantes ou se as cultivamos.
como os que jogam bola: no empregam, durante a brincadeira, a tcnica prpria da palestra, mas o
prprio movimento indica se tm ou no conhecimento desta; e como os que fazem uma escultura:
ainda que no se sirvam de uma pintura, no difcil perceber se sabem ou no pintar. 73. Desse
modo, nesses mesmos discursos dos tribunais, das assemblias populares, do senado, ainda que no
empreguem propriamente as demais artes, logo fica claro se aquele que est discursando versado
apenas nesta obra declamatria ou se empreendeu discursar instrudo em todas as artes liberais.
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74. Disse ento Cvola, sorrindo: - No lutarei mais contigo, Crasso, pois aquilo que falaste
contra mim, fizeste-o com um artifcio tal que, [num primeiro momento], concedeste a mim o que
pretendia no ser do domnio do orador para, em seguida, no sei como, o distorcer e atribuir ao
orador como seu. 75. Quando me dirigi a Rodes, como pretor, e conversei com o excelente mestre
dessa disciplina, Apolnio, sobre o que aprendera com Pancio, ele ridicularizou, como de costume, a
filosofia e a condenou, fazendo diversas observaes to srias quanto jocosas; o teu discurso foi sua
maneira, de modo no a desprezares qualquer arte ou doutrina, mas a afirmares que todas elas so
companheiras e servidoras do orador. 76. Se algum tiver o domnio de todas elas, e se essa mesma
pessoa acrescer-lhes essa faculdade do discurso minuciosamente ornado, no posso afirmar que no
ser ilustre e digna de admirao; mas tal pessoa, se existisse, ou ainda se alguma vez houvesse
existido, ou mesmo se pudesse existir, com certeza seria apenas tu, que no apenas em minha opinio,
mas na de todos sem ofensa para os presentes , quase no deixaste motivo de louvor para os
demais oradores. 77. Porm, se a ti mesmo nada resta, concernente aos assuntos forenses e civis, que
no saibas, e se tens o domnio daquele conhecimento que somas ao orador, cuidemos para no lhe
atribuir mais do que os fatos e a verdade o permitem.
78. Nesse momento, Crasso respondeu: - Lembra-te de que no me referia minha
capacidade, mas do orador; ora, o que aprendemos ou pudemos conhecer, ns, que passamos a
atuar antes de estudar; ns, a quem no frum, na carreira, na poltica, nas atividades dos amigos, a
prpria prtica preparou antes mesmo que pudssemos suspeitar de to grandes temas? 79. Porque, se
te parece haver tanto em ns, a quem, mesmo que no haja faltado, como julgas, o engenho,
certamente faltaram a formao terica, o tempo livre e, por Hrcules, mesmo aquele estudo
extremamente profundo da oratria, o que pensas: se a um engenho maior se somassem aqueles
elementos a que no tive acesso, de que natureza e magnitude seria tal orador?
80. Disse ento Antnio: - Estou convencido disso que dizes, Crasso, e no duvido que
algum venha a ser muito mais opulento em seus discursos se compreender os princpios e a natureza
de todas as coisas e artes. 81. Mas, em primeiro lugar, isso difcil de conseguir, sobretudo levando
em conta a vida que levamos e nossas ocupaes; alm disso, de recear que nos afastemos desta
nossa prtica e uso popular e forense em nossos discursos. que me parece ser outro o gnero de
discurso dos homens que h pouco mencionaste, ainda que falem de maneira ornada e grave acerca
da natureza das coisas ou dos assuntos humanos; trata-se de um gnero de palavras refinado e
agradvel, e mais apropriado s escolas e aos exerccios retricos que a esta multido de cidados e ao
frum. 82. De fato, eu mesmo, ainda que apenas tardia e superficialmente haja tomado contato com
as letras gregas, quando me dirigia Cilcia como procnsul e estive em Atenas, demorei-me vrios
dias por l devido s dificuldades de navegao; ora, como tinha diariamente em minha companhia
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-
homens extremamente doutos praticamente aqueles mesmos que acabas de mencionar e, no sei
como, difundira-se entre eles que, tal como tu, eu costumava me ocupar das causas mais importantes,
disputavam, cada um por sua vez, de acordo com sua capacidade, acerca do ofcio e da natureza do
orador. 83. Alguns deles, tal como o mencionado Mnesarco, afirmavam que esses, a quem
chamaramos de oradores, no passavam de trabalhadores de lngua rpida e treinada, e que ningum
que no fosse sbio era um orador, e que a prpria eloqncia, que consistiria na cincia do dizer
bem, era uma virtude, e que aquele que tivesse uma nica virtude teria todas, e que elas eram iguais e
pares entre si; desse modo, aquele que fosse eloqente teria todas as virtudes e seria um sbio. Mas
esse era um discurso espinhoso e seco, e por demais afastado de nossas concepes. 84. Crmadas,
por sua vez, falava muito mais demoradamente acerca dos mesmos assuntos, porm, no para revelar
o que realmente pensava, pois era um costume tradicional da Academia opor-se sempre a todos nas
discusses. Mas, particularmente naquele momento, dava a entender que aqueles que so chamados
de retores e que ensinam os preceitos da oratria no tm perfeito domnio de nada, nem podem
alcanar qualquer habilidade oratria se no se familiarizarem com as descobertas dos filsofos. 85.
Adotavam a posio contrria atenienses expressivos e versados em poltica e em causas, entre os
quais estava aquele que h pouco tempo esteve em Roma como meu hspede, Menedemo. Como ele
afirmava haver uma cincia que consiste no exame dos princpios da fundao e do governo dos
estados, inflamava-se Crmadas, homem preparado e rico em toda espcie de doutrina e numa
incrvel variedade e abundncia de temas. De fato, ele mostrava que se deviam buscar todas as partes
daquela cincia na filosofia, e que aquilo que se determina, num estado, acerca dos deuses imortais,
da disciplina da juventude, da justia, da firmeza, da temperana, da justa medida de todas as coisas, e
tudo o mais, sem o qual os estados no podem existir ou mesmo se manter bem, jamais se encontra
em seus manuais. 86. que, perguntava ele, se aqueles mestres de retrica englobavam, em sua arte,
tamanho nmero de grandes assuntos, por que motivo seus livros estavam repletos de promios,
eplogos e bobagens desse tipo (pois tal era a palavra que usava), enquanto neles no se encontrava
uma letra sequer acerca da organizao dos estados, da escrita das leis, da eqidade, da justia, da boa-
f, do domnio dos desejos, da conformao dos costumes dos homens? 87. Costumava zombar dos
prprios preceitos, mostrando, assim, que tais mestres no apenas eram desprovidos daquela cincia
que reclamavam para si, mas sequer conheciam esta doutrina e mtodo oratrios: julgava que o
principal, num orador, era parecer, queles perante os quais atuava, tal como desejasse, e que isso se
dava devido a sua reputao, acerca da qual esses mestres de retrica nada haviam transmitido em
seus preceitos, e influenciar os nimos dos ouvintes segundo sua vontade o que, do mesmo modo,
de forma alguma poderia acontecer, se o orador no soubesse por quantos e quais modos, bem como
com que gnero de discurso, se movem as mentes dos homens em todas as direes. Tais
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conhecimentos estariam totalmente encobertos e ocultos no cerne da filosofia, sem que os retores
houvessem tomado contato com eles mesmo superficialmente. 88. Menedemo procurava refutar tais
idias antes com exemplos que com argumentos. De fato, recitando de memria diversas passagens
dos discursos de Demstenes admiravelmente escritas, mostrava que este no ignorava os meios de
influenciar os nimos dos juzes ou do povo em todas as direes por meio do discurso, o que
Crmadas afirmava no ser possvel algum saber sem o conhecimento da filosofia. 89. Este lhe
respondia no negar que Demstenes tivesse um grande conhecimento e um grande vigor oratrio,
mas, quer tal capacidade se devesse a seu talento, quer, como era sabido, ao fato de ter sido zeloso
discpulo de Plato, no estavam discutindo a capacidade de Demstenes, mas os ensinamentos dos
retores. 90. Muitas vezes, em seu discurso, chegava a ponto de argumentar que no existe
absolutamente nenhuma arte oratria, e o mostrara no apenas com argumentos (por nascermos
capazes de lisonjear sutilmente aqueles a quem preciso fazer um pedido, atemorizar em tom de
ameaa nossos adversrios, narrar um feito, provar nossas acusaes, refutar o que se diz contra ns,
suplicar at o fim por algo ou deplor-lo, atividades em que reside toda a capacidade dos oradores; e
pelo fato de o costume e a prtica aguarem o bom senso do raciocnio e estimularem a rapidez no
discurso), mas o sustentava ainda com uma grande variedade de exemplos. 91. De fato, primeiro,
como que de caso pensado, afirmava, ao remontar a certo Crax e a Tsias, que consta serem os
inventores e originadores de tal arte, que nenhum autor de manuais era sequer medianamente
expressivo, enquanto mencionava inmeros homens extremamente eloqentes que no apenas
desconheciam tais coisas, mas sequer haviam tido a preocupao de tomar conhecimento delas; entre
eles, quer o fizesse por zombaria, quer assim pensasse e tivesse ouvido falar, citava a mim, que,
segundo ele prprio dizia, no as conhecia e, ainda assim, tinha algum poder em meus discursos;
num dos pontos eu concordava sem problemas com ele: o fato de nada saber; quanto ao outro,
julgava que estava brincando comigo, ou simplesmente errado. 92. Afirmava ainda no haver
qualquer arte que no fosse constituda de elementos conhecidos, totalmente compreendidos,
voltados a um nico fim e sempre claros; e que todos os temas tratados pelos oradores so duvidosos
e incertos, uma vez que discursam aqueles que no tm seu total domnio, e ouvem aqueles a quem se
deve transmitir, no um conhecimento exato, mas uma opinio de momento, falsa ou, ao menos,
obscura. 93. Por que me alongar? Assim, ele parecia convencer-me, alm disso, de que no existe
qualquer artifcio oratrio e que, sem o conhecimento do que dizem os filsofos mais eruditos,
ningum capaz de discursar de modo hbil e copioso; costumava nutrir uma enorme admirao por
teu talento para tais coisas, Crasso; eu lhe parecia dcil durante suas exposies, tu, obstinado
durante as discusses. 94. Foi assim que eu, movido por tal opinio, escrevi, num pequeno livro que,
revelia e contra a vontade, escapou-me das mos, chegando ao alcance do pblico, ter conhecido
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-
algumas pessoas expressivas, mas ainda nenhuma eloqente, pois estabelecia que expressivo aquele
que, levando em conta determinada opinio geral dos homens, capaz de falar, diante de um pblico
mediano, de modo bastante perspicaz e claro, enquanto eloqente aquele capaz de ampliar e ornar
de modo admirvel e grandioso o que desejar, e que retm na mente e na memria todas as fontes de
tudo que se relaciona oratria. Ainda que tal coisa seja difcil para ns, que, antes de comear a
estudar, somos atrapalhados pela ambio e pelo frum, ela est ancorada na realidade e na natureza
95. De fato, pelo que posso conjeturar, e pelo talento que observo em nossos oradores, no deixo de
ter esperanas de que um dia surja algum que, com um estudo mais penetrante do que temos ou
tivemos, com tempo livre, com uma capacidade oratria maior e mais madura, com esforo e
aplicao superiores, quando se dedicar a ouvir seus mestres, a ler e escrever, venha a se tornar um
orador tal qual procuramos, que possa com justia ser chamado no apenas de expressivo, mas
tambm de eloqente; no entanto, na minha opinio, ou Crasso j tal orador, ou, caso surja algum
de igual talento, porm com mais estudo, leituras e escritos, pouco ter a lhe acrescentar.
96. Neste momento, Sulpcio interveio: - Sem que Cota e eu esperssemos, embora fosse nossa
grande vontade, aconteceu-nos, Crasso, que enveredasses por essa conversa; de fato, quando
vnhamos para c, pensvamos que seria bastante prazeroso, j, se, ainda que falando de outros
assuntos, pudssemos obter algo digno de memria da vossa conversa. Porm, que adentrsseis essa
discusso quase aprofundada sobre esta inclinao, artifcio ou faculdade, julgvamos quase
impensvel. 97. De fato, mesmo eu, a quem, desde a mais tenra idade, incitava o apreo por vs dois
por Crasso, mesmo a afeio, uma vez que por motivo algum dele me apartava jamais consegui
arrancar-lhe uma nica palavra acerca da essncia e dos princpios da oratria, embora eu mesmo o
impelisse e o tentasse diversas vezes por meio de Druso; neste sentido, tu, Antnio direi a verdade
, nunca me faltaste quando te interrogava ou solicitava, e muitas vezes me ensinaste o que costumavas
observar nos discursos. 98. Agora, uma vez que vs dois abristes o caminho dos temas que buscamos,
e que Crasso foi o primeiro a iniciar tal conversa, concedei-nos o favor de expor minuciosamente o
que pensais acerca de todo o gnero oratrio; se conseguir tal coisa de vossa parte, terei em grande
estima a esta palestra e a tua vila, e considerarei este teu ginsio prximo a Roma muito acima da
famosa Academia e do Liceu.
99. Respondeu-lhe ento Crasso: - Na verdade, Sulpcio, peamos tal coisa a Antnio, que no
apenas capaz de fazer o que buscas, mas j tem tal costume, segundo te ouo dizer: de fato,
reconheo que sempre me apartei de qualquer conversa desse tipo e muitas vezes no assentia a teus
desejos e constantes solicitaes, como tu mesmo disseste h pouco; no o fazia por arrogncia ou
falta de cortesia, nem por no querer condescender a teu excelente e corretssimo estudo, sobretudo
reconhecendo seres o nico, dentre todos, particularmente nascido e apto para a oratria; mas, por
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-
Hrcules, por falta de costume de tais discusses e desconhecimento dos temas que so transmitidos,
por assim dizer, numa arte.
100. Disse Cota, por sua vez: - Se conseguimos o que nos parecia mais difcil que chegasses
mesmo a mencionar tais temas , Crasso, agora seria nossa culpa, se te liberssemos antes de
explicares tudo o que te perguntamos acerca do restante.
101. - Quanto a isso, respondeu Crasso, creio ser tal como se costuma escrever nas declaraes
de aceitao de herana: na medida de meus conhecimentos e possibilidades.
- Disse Cota, ento: Ora, quem de ns to impudente, que exija ter conhecimentos e
capacidades que no tenhas?
- Com a condio, disse Crasso, de que me seja permitido negar ser capaz do que no for e
reconhecer no saber o que no souber, podeis perguntar vontade.
102. Sendo assim, disse Sulpcio, queremos saber de ti, em primeiro lugar, o que pensas do
que Antnio acaba de expor: julgas existir uma arte oratria?
- O qu? Vindes agora propor a mim, como a um greguinho desocupado e falastro (ainda
que, talvez, douto e erudito), tal questincula, para dela falar segundo minha vontade? Ora, em que
momento julgais que me detive ou refleti sobre tais coisas, em vez de sempre zombar da impudncia
daqueles homens que, assim que tomam assento nas escolas, mandam perguntar imensa multido
se tem alguma pergunta a fazer? 103. Dizem que o primeiro a fazer tal coisa foi Grgias de Leontinos,
que imaginava empreender e prometer algo grandioso, ao se declarar preparado para todos os temas
acerca dos quais qualquer pessoa quisesse ouvir; depois, porm, comeou a se fazer isso por toda parte
e ainda se faz, no havendo tema algum to grandioso, to imprevisto ou to desconhecido de que
no se prometa dizer tudo que pode ser dito. 104. Se eu julgasse que tu, Cota, ou tu, Sulpcio,
desejavas ouvir a respeito de tais temas, teria trazido algum grego at aqui, para que nos deleitasse
com discusses desse tipo; e nem mesmo hoje em dia difcil conseguir isso: de fato, na casa de M.
Piso, um jovem dedicado a este estudo, est hospedado um homem de extrema inteligncia e
amicssimo nosso, o peripattico Estseas, com quem tenho grande intimidade e, segundo observo
entre os entendidos, o mais importante em seu meio.
105. Interveio ento Mcio: - De que Estseas, de que peripattico me vens falar? Deves
aceder vontade destes jovens, Crasso, que no esto atrs da costumeira verborragia de algum grego
ou da ladainha das escolas, mas [querem ouvir algo] do mais sbio e eloqente de todos os homens e
daquele que tem o maior entendimento e expresso nas principais causas e nesta morada do poder e
da glria; daquele cujos passos almejam seguir, investigando o seu pensamento. 106. Quanto a mim,
no apenas sempre te considerei divino em teus discursos, como tambm nunca te fiz maiores elogios
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por tua eloqncia do que pela cortesia; agora mais do que decoroso que faas uso dela e no fujas
discusso que estes dois jovens de enorme talento desejam que empreendas.
107. Sim, respondeu Crasso, desejo submeter-me a estes dois e no hesitarei em dizer
sucintamente, como meu costume, o que penso acerca de cada tema. E, em primeiro lugar j que
no considero piedoso, de minha parte, negligenciar a tua autoridade , respondo que no creio que
exista uma arte oratria, ou, se existe, que ela bastante tnue, e que toda a disputa entre os eruditos
reside na controvrsia acerca de uma palavra. 108. De fato, se uma arte, tal como h pouco exps
Antnio, se define por temas totalmente compreendidos, perfeitamente entendidos, afastados do
arbtrio da opinio e abrangidos por uma cincia, no creio que haja uma arte do orador. que todas
as espcies deste nosso discurso do frum so variadas e adequadas ao senso comum e popular. 109.
Mas se as caractersticas observadas no uso e na prtica da oratria foram percebidas e notadas por
homens hbeis e experientes, definidas em termos, elucidadas em gneros, distribudas em partes
como percebo ser possvel acontecer , no vejo por que, se no naquela definio precisa, ao menos
nesta opinio comum, no possa parecer uma arte. Mas, quer se trate de uma arte, quer de uma
aparncia de arte, ela no de se desprezar; deve-se ter em mente, no entanto, que h elementos mais
importantes para se atingir a eloqncia.
110. Antnio, ento, afirmou estar plenamente de acordo com Crasso, porque, daquela
maneira, nem favorecia a arte, tal como era costume daqueles que depositam todo o poder da
oratria na arte, nem, inversamente, a repudiava por completo, tal como a maior parte dos filsofos.
Disse ele: - Mas penso, Crasso, que fars um grande favor a estes dois se explicares o que julgas
poder ser mais til oratria do que a prpria arte. 111. Respondeu Crasso: - Eu o direi, sem dvida,
pois j comecei a faz-lo, mas pedirei a vs que no divulgueis estas minhas tolices; porm, vou me
controlar para passar a impresso de que, no como um mestre ou profissional, mas como um
homem mediano e no de todo ignorante, tolhido em meio aos togados e prtica no frum, no fiz
uma promessa, mas acabei por acaso na vossa conversa. 112. Eu mesmo, quando candidato a algum
cargo, costumava, durante a campanha, pedir que Cvola se mantivesse distante de mim, dizendo-lhe
que pretendia passar por tolo (ou seja, buscar os votos com lisonjas, o que no pode ser feito
corretamente se no se passar por tolo) e que, de todos os homens, ele era o nico diante de quem eu
definitivamente no pretendia passar por tolo. De fato, que h de mais tolo do que discursar sobre os
discursos, quando o prprio discursar sempre tolo se desnecessrio?
113. - V em frente, Crasso, disse Cvola, pois assumirei a responsabilidade que temes.
Disse Crasso: - Penso, ento, que, em primeiro lugar, a natureza e o engenho conferem o
maior poder oratria e que, na verdade, no faltou, a esses escritores de manuais mencionados h
pouco por Antnio, doutrina ou mtodo oratrios, mas talento. De fato, preciso que alguns reflexos
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da mente e da inteligncia sejam rpidos, de modo a serem perspicazes na reflexo e no
desenvolvimento, frteis no ornar, poderosos e duradouros na memria. 114. E, se houver algum
que julgue que tais coisas podem ser adquiridas pela arte (o que falso: de fato, j ser algo admirvel
se tais coisas puderem ganhar estmulo e impulso por meio da arte; elas no podem, porm, ser
implantadas ou concedidas pela arte, pois so, todas elas, ddivas da natureza), que dizer daquelas que
com certeza nascem com o prprio homem: a desenvoltura da fala, o som da voz, os pulmes, as
foras, certa conformao e aspecto da face em geral e do corpo? 115. Com efeito, no afirmo que a
arte no possa aperfeioar a alguns, bem como no ignoro que o que bom possa se tornar melhor
por meio da formao terica, e que o que no muito bom possa ser aguado e corrigido; mas h
alguns homens de fala to hesitante, ou de voz to desarmoniosa, ou de expresso e movimentos
corporais to excessivos e grosseiros, que, ainda que lhes valha a inteligncia e a arte, no podem
entrar para o nmero dos oradores; em contrapartida, h outros de tal forma hbeis nesses mesmos
quesitos, de tal forma adornados com os dons da natureza, que parecem ter, no nascido, mas sido
moldados por alguma divindade. 116. Trata-se de um fardo e de um ofcio grandiosos: empreender e
propor-se a ser o nico, em meio ao silncio geral, a ser ouvido acerca dos mais importantes assuntos
numa grande assemblia de homens. que no h praticamente ningum presente que no veja com
mais clareza e severidade, naquele que discursa, os vcios do que os acertos. Assim, o menor erro pe
por terra mesmo o que digno de louvor. 117. E no fao tais afirmaes com a inteno de afastar
completamente do estudo da oratria os jovens que acaso no tenham vocao para ela. De fato,
quem no nota que o prprio fato de ser medianamente versado na oratria (como quer que ela
fosse) conferiu grande respeito a C. Clio, meu contemporneo, mesmo sendo um homem novo?
Quem no percebe que o vosso contemporneo, Q. Vrio, homem grosseiro e repugnante, obteve
grande reconhecimento na cidade devido quela mesma capacidade, qualquer que tenha sido? 118.
Mas, como investigamos o orador em si, devemos imaginar, em nosso discurso, um orador isento de
qualquer vcio e possuidor de todo mrito. E no pelo fato de o grande nmero de litgios, a
variedade de causas, essa turba e a rudeza do frum darem espao mesmo aos oradores mais viciosos
que omitiremos o que buscamos. Desse modo, nas artes em que no se busca uma utilidade
necessria, mas divertimento livre para o esprito, quo meticulosos e quase desdenhosos somos ao
julgar! que no h quaisquer litgios ou controvrsias obrigando os homens a suportar maus atores
no teatro, tal como oradores que no sejam bons no frum. 119. De fato, o orador deve cuidar ao
mximo, no apenas para que satisfaa queles a quem preciso, mas para que parea ser admirvel
queles a quem permitido julgar livremente; e, se o quereis saber, declararei abertamente o que
penso diante de homens com quem tenho grande intimidade, algo que sempre calei e sempre julguei
por bem calar: para mim, mesmo aqueles que discursam mais bem e que so capazes de faz-lo com
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extrema facilidade e distino, se no se pem a discursar de modo receoso e no se agitam ao
comear seu discurso, parecem quase impudentes embora tal coisa no possa acontecer; 120. de
fato, quanto mais bem algum capaz de discursar, mais teme a dificuldade da oratria, os diversos
resultados de um discurso e a expectativa dos homens; ora, quem no capaz de realizar ou proferir
algo digno do tema, digno da palavra orador, digno dos ouvidos dos homens, para mim, ainda que
se agite em seu discurso, parece impudente; de fato, no por pudor, mas por no fazer o que no
convm, que devemos evitar a palavra impudncia. 121. J aquele que no tem pudor o que vejo
acontecer maioria digno no apenas de censura, mas tambm de castigo, segundo julgo. Com
efeito, costumo no apenas notar em vs, mas tambm, muitas vezes, experimentar em mim mesmo,
palidez no comeo do discurso e tremor por toda a mente e por todos os membros; quando ainda
bastante jovem, estava a tal ponto agitado no incio da acusao, que fiquei devendo a Q. Mximo o
mximo benefcio de dispensar o tribunal to logo me viu enfraquecido e debilitado pelo medo.
122. Neste momento, todos passaram a mostrar, uns aos outros, o seu assentimento e a falar.
De fato, havia em Crasso um pudor admirvel, o qual, todavia, no apenas no atrapalhava o seu
discurso, como tambm lhe era til pela recomendao que fazia de sua integridade.
Disse ento Antnio: - Muitas vezes notei, Crasso, que, como dizes, no s tu, como os demais
grandes oradores (embora, em minha opinio, jamais tenha havido algum semelhante a ti),
mostravam-se agitados no exrdio de seus discursos; 123. Ao examinar a razo disso, qual era o
motivo de, quanto maior a habilidade de um orador, maior ser o seu medo, encontrava estas duas
causas: a primeira que aqueles que aprenderam com a prtica e a natureza percebem que, por vezes,
mesmo no caso dos maiores oradores, o resultado do discurso pode no sair de acordo com o
previsto; desse modo, no sem motivo, temiam, sempre que discursavam, que acontecesse naquela
exata ocasio o que a qualquer momento podia acontecer; 124. a outra, de que costumo me queixar
com freqncia, que, nas demais artes, os homens que j foram vistos e aprovados, se alguma vez
no fizeram alguma coisa to bem quanto de costume, considera-se que no o queriam ou, impedidos
por problemas de sade, no conseguiram atingir aquilo que sabem: dizem Hoje Rscio no queria
atuar ou tinha m digesto; o erro do orador, se algum notado, visto como um erro causado
pela estupidez; 125. e a estupidez no tem desculpa, porque ningum parece ter sido estpido porque
tinha m digesto ou porque assim preferia; por isso, sofremos um julgamento ainda mais severo ao
discursarmos, pois, sempre que discursamos, faz-se um julgamento a nosso respeito, e no se julga que
aquele que cometeu uma vez um erro de gesticulao no saiba gesticular, mas aquele cujo discurso
sofreu alguma censura ganha a reputao perene, ou ao menos duradoura, de limitado. 126. Quanto
quilo que disseste, que h inmeras coisas que, se o orador no apresentar por natureza, no ter
grande ajuda de um professor, concordo plenamente contigo e sobretudo nisso aprovava aquele
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grande sbio, Apolnio de Alabanda, que, embora ensinasse mediante pagamento, no tolerava que
perdessem tempo com ele aqueles que no julgava capazes de se tornarem oradores, dispensava-os e
costumava impelir e exortar cada um deles arte a que julgava apto. 127. De fato, para a
compreenso das demais artes, basta apenas ser semelhante a um ser humano e poder guardar na
mente e confiar memria o que ensinado ou, mesmo, inculcado, se acaso se tratar de algum mais
lento; no se busca a rapidez da lngua, nem a velocidade com as palavras, nem, enfim, aquilo que
no podemos forjar para ns mesmos, o rosto, a expresso, a voz; 128. j no orador, deve-se exigir a
agudeza dos dialticos, as mximas do filsofos, as palavras, praticamente, dos poetas, a memria dos
jurisconsultos, a voz dos atores trgicos, os gestos, quase, dos grandes atores; por essa razo, nada
mais raro, no gnero humano, do que encontrar um orador perfeito; de fato, se os representantes das
demais artes alcanaram medianamente cada uma dessas coisas, so aprovados; mas, a no ser que
todas elas estejam presentes no orador em seu ponto mais alto, no podem ser aprovadas.
129. Disse ento Crasso: - E, no entanto, repara como, numa arte to insignificante e frvola,
toma-se muito mais cuidado do que nesta nossa, que sabe-se ser a mais importante; de fato, costumo
muitas vezes ouvir Rscio dizer que ainda no conseguiu encontrar um nico discpulo que realmente
aprovasse, no pelo fato de no haver alguns dignos de aprovao, mas porque, se havia um erro que
fosse, ele no conseguia suport-lo; que nada to visvel ou to duradouro na memria quanto
aquilo que de algum modo te desagrada. 130. Sendo assim, para aplicarmos a excelncia oratria a
essa comparao com esse ator, percebeis como ele nada faz seno com perfeio, nada seno com
extrema beleza, nada seno de tal forma que seja adequado e comova e deleite a todos? Assim, j h
muito obteve que todo aquele que fosse excelente em determinada arte fosse considerado um Rscio
em sua categoria. Ao desejar, no orador, tal acabamento e perfeio, de que estou muito distante, ajo
de maneira impudente; de fato, quero que me perdoem enquanto eu mesmo no perdo os demais.
Pois creio que aquele que no tem capacidade, que age defeituosamente, que, enfim, no decoroso,
deve, como recomendava Apolnio, deve ser impelido quilo que seja capaz de fazer.
131. Estars ento, Crasso, disse Sulpcio, recomendando que eu ou Cvola aqui estudemos
direito civil ou a arte militar? Pois quem pode alcanar esse nvel de elevao e perfeio em todos os
aspectos?
Respondeu ele, ento: - eu, de minha parte, foi justamente por perceber que h, em vs, uma
ndole sobremaneira egrgia e ilustre para discursar que vos expus todos essas questes, e no
acomodei meu discurso tanto para dissuadir aqueles que no so capazes, quanto para estimular a
vs, que o sois; e embora tenha percebido haver em vs dois extremo talento e dedicao, aqueles
elementos que se encontram vista, de que falei, talvez, mais do o que os gregos costumam fazer, so
divinos, Sulpcio, em ti. De fato, no creio ter ouvido algum mais adequado pelos movimentos
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corporais, pela prpria postura e pela conformao; mesmo aqueles a quem tais elementos foram
concedidos em menor proporo pela natureza podem conseguir fazer uso dos elementos que tm de
maneira moderada, judiciosa e que no seja inadequada. Pois isso que se deve sobretudo evitar, e
acerca dessa nica questo no nada fcil oferecer preceitos no apenas para mim, que falo de tais
questes como um chefe de famlia, mas at mesmo para o prprio Rscio, que no raro ouvi dizer
que o ponto principal da arte ser adequado, embora esse seja o nico ponto que no possa ser
ensinado pela arte. 133. Porm, se vos apraz, passemos a outro assunto e falemos, enfim, nossa
maneira, no dos retores.
- De modo algum, replicou Cota, pois agora, j que nos mantns nesta aspirao e no nos
mandas a outra atividade, preciso que te peamos que nos expliques aquilo de que s capaz pelo
discurso, seja o que for; e no somos por demais ambiciosos, satisfazendo-nos com essa tua eloqncia
mediana; e te perguntamos (para que no alcancemos mais do que o pouco que alcanaste em teus
discursos): uma vez que afirmas que no nos falta muito do que se deve buscar na natureza, o que
mais julgas devermos adquirir?
134. Respondeu ento Crasso, sorrindo: - O que pensas que seja, Cota, seno dedicao e um
entusiasmo que vem do gosto, sem o qual, tanto na vida quanto, certo, nisto que buscas, ningum
jamais conseguir algo clebre? E, na verdade, vejo que no preciso vos exortar a tal, percebendo que,
apesar de me causardes enfado, ardeis grandemente de ambio. 135. Mas, com certeza, de nada
servem os esforos para chegar a algum lugar se no conheces o que leva e conduz ao ponto que
almejas. Por isso, j que me atribus um encargo particularmente leve, e no me perguntais acerca da
arte do orador, mas desta minha capacidade, por menor que seja, expor-vos-ei os princpios de minha
prtica (no os recnditos, muito difceis, grandiosos ou srios) de que costumava me servir quando
me era permitido, ainda jovem, dedicar-me a essa ocupao.
136. Exultou ento Sulpcio: - Que dia to esperado por ns, Cota! Aquilo que no fui capaz
de conseguir por minhas preces, nem aguardando o momento certo, nem espionando, no apenas
observar o que Crasso fazia tendo em vista o planejamento e o discurso, mas o que era possvel
suspeitar baseado em Dfilo, seu secretrio e leitor, espero que tenhamos obtido e que venhamos a
saber agora por ele mesmo o que durante muito tempo quisemos saber.
137. Respondeu ento Crasso: - E no entanto, Sulpcio, depois de o ouvires, creio que no
admirars tanto o que direi, quanto julgars que no havia motivo para tal desejo, quando desejavas
ouvi-lo. De fato, no se trata de nada que seja obscuro, nada digno de vossa expectativa, nada que no
conheais ou que seja novidade para algum. No negarei, com efeito, o fato de, no princpio, tal
como digno de um homem de nascimento livre e com uma educao liberal, haver aprendido esses
princpios comuns e banais: 138. o primeiro ofcio do orador discursar de maneira adequada para
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atingir a persuaso; em seguida, todo discurso diz respeito a uma questo de tema indefinido, sem a
designao de pessoas ou circunstncias, ou de tema circunscrito a pessoas e circunstncias
determinadas; 139. em um e outro caso, costuma-se pesquisar se, naquilo que diz respeito
controvrsia, se aconteceu ou no, ou, caso tenha acontecido, de que tipo ou por que denominao
chamado, ou, como acrescentam alguns, se parece ter acontecido com justia ou no; 140. h
controvrsias baseadas tambm na interpretao dos escritos, em que um texto foi escrito com
ambigidade, de modo contraditrio ou de tal maneira que a escrita difere da inteno; h
argumentos prprios subordinados a cada uma dessas partes, 141. mas, quanto s causas que so
apartadas da questo geral, em parte dizem respeito aos julgamentos, em parte, s deliberaes; h
ainda um terceiro gnero, que se coloca nos louvores ou nos vituprios dos homens; h certos lugares-
comuns de que fazemos uso nos julgamentos, em que se busca a eqidade; outros, nas deliberaes,
que se dirigem, todos, ao proveito daqueles a quem aconselhamos; outros, ainda, nos louvores, em
que tudo diz respeito dignidade das pessoas. 142. Uma vez que se dividiu todo o poder e faculdade
do orador em cinco partes dever, em primeiro lugar, encontrar o que dizer; em seguida, arranjar e
dispor o que se encontrou no apenas segundo uma ordem, mas tambm segundo sua importncia,
com discernimento; ento, enfim, vesti-lo e orn-lo com o discurso; depois, guard-lo na memria;
por ltimo, atuar com dignidade e graa , 143. tambm conhecera e aprendera o seguinte: antes de
entrarmos no assunto propriamente dito, deve-se, inicialmente, cativar os nimos dos ouvintes; em
seguida, deve-se descrever o caso, depois, estabelecer a controvrsia, ento provar aquilo que
pretendemos, em seguida, refutar o que se disse contra e, no fim do discurso, amplificar e aumentar
os elementos a nosso favor e debilitar e enfraquecer os favorveis ao adversrio. 144. Ouvira tambm
o que se ensina acerca dos ornamentos do discurso propriamente dito: em primeiro lugar, preceitua-
se que, no discurso, falemos de maneira pura e correta, em seguida, de modo claro e lmpido, ento
ornadamente, depois, de maneira adequada dignidade dos temas e, por assim dizer, decorosa;
conhecera os preceitos de cada um dos temas. 145. Alm disso, notara que se emprega a arte
sobretudo para os elementos que so sobretudo prprios da natureza. De fato, tomara conhecimento
de alguns breves preceitos acerca da atuao e da memria, mas com grande prtica. Toda a doutrina
desses artfices ocupa-se, quase sempre, dessas questes; se disser que em nada ajudam, estarei
mentindo. De fato, apresentam certos elementos que servem, por assim dizer, de lembrete ao orador,
a que possa referir cada ponto e, observando-o, no se afastar do que quer que tenha estabelecido
como meta. 146. Porm, creio que h, em todos esses preceitos, o seguinte sentido: no que,
seguindo-os, os oradores alcancem a glria da eloqncia, mas que certas pessoas observaram e
classificaram o que os homens eloqentes fazem de maneira espontnea. Desse modo, no foi a
eloqncia que nasceu da arte, mas a arte, da eloqncia. 147. No entanto, como disse
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anteriormente, no a desprezo, pois, embora no seja to necessria para se discursar bem, no
ignbil de se conhecer; deveis ainda fazer alguns exerccios embora j estejais em meio a vossas
carreiras , mas devem faz-los os que esto ingressando nesta atividade, e podem, por meios desses
exerccios, por assim dizer, recreativos, aprender de antemo e meditar sobre o que se deve fazer no
frum tal como em batalha.
148. exatamente isso, disse Sulpcio, que queremos saber. E, no entanto, desejamos ouvir
essas questes acerca da arte que percorreste com brevidade, embora tambm a ns no sejam
inditas. Mas deixemos isso para depois: agora queremos saber o que pensas acerca dos exerccios em
si.
149. - No que me concerne, eu aprovo, respondeu Crasso, isso que costumais fazer: uma vez
proposta uma causa semelhante s causas que so levadas ao frum, discursais da maneira mais
adequada possvel realidade. A maioria, porm, exercita apenas a voz nesses exerccios - e isso de
maneira estpida - bem como suas foras, e incita a rapidez da lngua, deleitando-se com a freqncia
das palavras. Enganam-se por ter ouvido dizer que os homens costumam conseguir discursar
discursando. 150. Na verdade, tambm se diz que extremamente fcil seguir-se que, discursando
perversamente, os homens discursem perversamente. Por isso, embora muitas vezes seja til discursar
tambm de improviso, mais til separar algum tempo para meditar e discursar de maneira mais
preparada e precisa. O ponto principal o que, a bem da verdade, menos fazemos, pois demanda
grande trabalho, o que a maioria de ns evita: escrever o mximo possvel. A escrita a melhor e mais
importante realizadora e mestre do discurso; e no h insulto nisso: se a preparao e a reflexo
supera o discurso improvisado e fortuito, evidente que a escrita assdua e cuidadosa ser superior a
ela. 151. De fato, todos os lugares-comuns, seja de uma arte, seja de determinada natureza e
inteligncia, que de algum modo so inerentes ao assunto de que escrevemos, revelam-se e ocorrem a
ns quando os investigamos e contemplamos com toda a agudeza de nossa inteligncia; foroso que
todos os pensamentos e todas as palavras que dizem respeito a cada gnero, e sobretudo as distintas, surjam e sucedam-se sob a ponta do estilo; depois, a prpria
colocao e arranjo das palavras realizada na escrita, de acordo com um ritmo e cadncia prprios
da oratria, no da poesia. 152. Estes so os elementos que causam os clamores e a admirao para os
bons oradores, e ningum os alcanar se no se dedicar escrita com assiduidade e durante muito
tempo, ainda que se exercite ardentemente nesses discursos improvisados. Alm disso, aquele que
passa do hbito de escrever pratica do discurso traz consigo tal capacidade que, mesmo discursando
de improviso, o que fala parece semelhante ao que escreve; e tambm, se alguma vez, em seu discurso,
trouxer uma parte escrita, ao termin-la, o restante do discurso seguir de maneira semelhante. 153.
Tal como, quando se empregam remadores numa embarcao acelerada, o prprio navio retm o
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movimento e seu curso, mesmo depois de cessados o impulso e o movimento dos remos, tambm no
caso do discurso contnuo, mesmo quando termina a parte escrita, o restante do discurso conserva
um rumo igual a ela devido semelhana e fora empregada. 154. Em meu caso, quando jovem,
costumava, em minhas preparaes dirias, propor a mim mesmo sobretudo aquele exerccio que
sabia ser costume de C. Carbo, nosso famoso inimigo, utilizar: depois de apresentar os versos mais
graves ou a leitura de algum discurso at o limite em que podia abarc-los em minha memria,
pronunciar exatamente o mesmo assunto que lera com as palavras mais diversas que podia daquelas
que lera. No entanto, percebi, posteriormente, que havia um problema nesse exerccio: as palavras
mais apropriadas a cada tema, assim como as mais distintas e as melhores, j haviam sido empregadas
por nio, se me exercitava em seus versos, ou por Graco, se acaso houvesse me proposto algum
discurso seu. Dessa forma, se empregasse as mesmas palavras, de nada me valeria; se usasse outras,
seria um empecilho, j que me acostumaria a usar as menos apropriadas. 155. Posteriormente, decidi,
e disso me servi quando jovem, parafrasear os discursos gregos dos maiores oradores. Depois de l-los,
conseguia, ao traduzir em latim o que lera em grego, no apenas empregar as melhores palavras, ainda
que de uso comum, mas tambm, por imitao, forjar alguns termos que eram novos aos latinos,
contanto que fossem apropriados. 156. J os movimentos e os exerccios de voz, respirao, de todo o
corpo e da prpria lngua carecem no tanto de arte quanto de trabalho; em tais pontos, deve-se ter
extremos cuidado ao escolher quem imitaremos, a quem desejamos nos assemelhar. Devemos
observar no apenas os oradores, mas tambm os atores, para no alcanarmos, por algum mau
costume, alguma deformidade ou defeito. 157. Devemos exercitar tambm nossa memria, a fim de
aprender de cor o maior nmero de escritos possvel, tanto os nossos quanto os dos outros. E nesse
exerccio no me desagrada empregar, se temos o costume, tambm aquele mtodo dos lugares e
simulacros que ensinado na arte. preciso, em seguida, transferir esse mtodo oratrio de tais
exerccios domsticos e retirados para as fileiras, para a poeira, para o alarido, para os acampamentos
e para o combate do frum, expor-se viso de todos, experimentar as foras do engenho, e levar
aquela reflexo interna para a luz da realidade. 158. preciso ler tambm os poetas, conhecer a
histria, ler e folhear com assiduidade os mestres e escritores de todas as artes liberais, bem como cit-
los como exerccio, interpret-los, corrigi-los, critic-los, refut-los; acerca de qualquer tema, deve-se
discutir os dois lados da questo, bem como evocar e mencionar, em cada tema, qualquer elemento
que possa parecer provvel. 159. preciso aprender todo o direito civil, conhecer as leis, estudar toda
a antigidade, conhecer a tradio do senado, a disciplina do estado, os juramentos dos aliados, os
tratados, os pactos, a causa do poder; deve-se ainda provar de certa graa proveniente de todo tipo de
urbanidade dos gracejos, com que se espalhe, como sal, sobre todo o discurso. Revelei a vs tudo que
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pensava; o mesmo, talvez, que responderia qualquer chefe de famlia se o perguntsseis a ele, depois
de retir-lo de alguma reunio.
160. Depois de Crasso dizer essas palavras, seguiu-se um silncio. Porm, embora parecesse,
aos presentes, ter falado o bastante para aquilo que se propusera, sentiam que havia terminado mais
rapidamente do que desejavam.
Disse ento Cvola: - E ento, Cota? Por que vos calais? Nada mais vos ocorre que possais
perguntar a Crasso?
161. Respondeu ele: - exatamente a isso, por Hrcules, que estou atentando: tamanho foi o
fluxo de suas palavras e de tal forma voou seu discurso, que pude notar sua fora e rapidez, mas no
acompanhar suas pegadas e seu passo, e, tal como se tivesse vindo a uma casa rica e cheia, sem que
seus tecidos tivessem sido desvelados, ou sua prataria exposta, ou seus quadros e esttuas colocados
vista, mas com todas essas inmeras e magnficas coisas amontoadas e ocultas; assim, h pouco, no
discurso de Crasso, percebi as riquezas e os ornamentos de sua inteligncia atravs de certos
invlucros e capas: porm, embora desejasse contempl-los, quase no era possvel v-los. Dessa
forma, nem posso dizer que ignore completamente suas posses, nem que as conhea claramente e que
as tenha visto.
162. - Por que no fazes o mesmo, ento, disse Cvola, que farias caso fosses a uma casa e a
uma vila repletas de ornamentos? Se estivessem afastados, como afirmas, e tivesses grande desejos de
v-las, no hesitarias em pedir a seu dono que mandasse que fossem colocadas mostra, sobretudo no
caso de um amigo ntimo; semelhantemente, pedirs agora a Crasso que traga luz, colocando cada
coisa em seu devido lugar, aquela riqueza de seus ornamentos, que, amontoada num nico lugar,
vimos rapidamente, como que de relance, ao passar por eles.
163. Na verdade, respondeu Cota, peo a ti que o faas, pois a mim e a Sulpcio, aqui
presente, o pudor impede de pedir ao mais srio dos homens, que sempre desprezou discusses desse
tipo, tais coisas, que talvez lhe paream elementos de crianas. Porm, concede-nos tu, Cvola, este
favor, e faz que Crasso desenvolva e desdobre para ns esses pontos que, em seu discurso, condensou
e acumulou num espao por demais estreito.
164. Por Hrcules, respondeu Mcio, de incio o queria mais por vossa causa do que por
minha. E no desejava tanto tal discusso da parte de Crasso quanto me deleito com seu discurso nas
causas; agora porm, Crasso, peo-te j tambm por minha causa, que, por termos tempo livre como
h muito no tnhamos, no te recuses a edificar a obra que j comeaste. De fato, noto que a tarefa
apresenta uma forma maior e melhor do que esperava, e a aprovo calorosamente.
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165. Efetivamente, respondeu Crasso, no consigo deixar de me admirar que at mesmo tu,
Cvola, desejes saber algo que no domino como aqueles que o ensinam, nem tal que, mesmo se o
dominasse perfeitamente, seria digno dessa tua sabedoria e de teus ouvidos.
- Assim julgas?, replicou Mcio. Se julgas que esta idade quase no deva ouvir acerca dessas
questes comuns e banais, podemos deixar de lado tambm aquelas que, segundo disseste, o orador
deve conhecer: a natureza dos homens, seu carter, os mtodos com que se incitam e reprimem as
mentes dos homens, a histria, a antigidade, a administrao do estado, por fim, o nosso prprio
direito civil? De fato, eu sabia que havia todo esse conhecimento e riqueza de temas em tua
inteligncia, mas nunca notara to amplo aparato entre os recursos de um orador.
166. Deixando de lado os demais detalhes, respondeu Crasso, que so inmeros e muito
longos, e passando propriamente a teu direito civil, possvel, ento, que consideres oradores aqueles
homens que observei durante vrias horas, quando P. Cvola, s pressas, no campo de Marte, a um s
tempo ria-se e irritava-se, quando Hipseu, aos gritos, procurava, com inmeros apelos, obter do pretor
M. Crasso que fosse permitido quele que defendia perder a causa, enquanto Gn. Otvio, homem
consular, recusava-se, num discurso no menos longo, a que o adversrio perdesse a causa e que
aquele que defendia se livrasse de um processo de tutela desonrosa e de qualquer aborrecimento pela
estupidez de seu adversrio?
167. Na verdade, respondeu Cvola, lembro-me de Mcio contar sobre esses dois: no
apenas os considerava indignos do nome de orador, mas at mesmo de pisar no frum.
- E contudo, continuou Crasso, no faltavam, a tais patronos, eloqncia, mtodo ou riqueza
em seus discursos, mas conhecimento de direito civil, pois um, em sua defesa, exigia da lei mais do
que permitira a lei das doze tbuas assim que o obtivesse perderia a causa , o outro considerava
injusto que se exigisse mais do que constava da ao, sem perceber que, se isso acontecesse, o
adversrio perderia o litgio.
168. Ora, h poucos dias, quando estava presente ao tribunal do pretor urbano Q. Pompeu,
meu amigo, acaso um desses homens expressivos no exigia que fosse concedida ao queixoso a antiga
e trivial clusula de exceo DAQUELE CUJO DIA DE PAGAMENTO CHEGARA, por no
compreender que isso fora estabelecido em prol do queixoso, de modo que, se o devedor provasse ao
juiz que o dinheiro havia sido demandado antes de passar a ser devido, quando o queixoso o
demandasse novamente, no seria excludo pela clusula de exceo PORQUE TAL QUESTO
FORA LEVADA A JUZO ANTERIORMENTE. 169. Assim, o que se pode fazer ou mencionar de
mais torpe do que aquele que assumiu a funo de defender as controvrsias e as causas dos amigos,
socorrer os que sofrem, tratar dos doentes, animar os aflitos, enganar-se de tal forma a respeito das
questes de menor significado e importncia, que a uns parea digno de pena, a outros, motivo de
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chacota? 170. De minha parte, considero que meu parente, o ilustre P. Crasso Dives, era um homem
elegante e ornado em muitos outros aspectos, mas sobretudo pelo fato de que, sendo irmo de P.
Cvola, costumava i