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1 A NATUREZA DO CONFLITO E O SEU TRATAMENTO: ENTRE O TRADICIONAL E O INOVADOR Fabiana Marion Spengler 1 Theobaldo Spengler Neto 2 1. Considerações iniciais Além de inerente à condição humana, o conflito é uma forma social possibilitadora de elaborações evolutivas e retroativas no concernente a instituições, estruturas e interações sociais, possuindo a capacidade de constituir-se num espaço em que o próprio confronto é um ato de reconhecimento produzindo, simultaneamente, uma transformação nas relações daí resultantes. Desse modo, o conflito pode ser classificado como um processo dinâmico de interação humana e confronto de poder no qual uma parte influencia e qualifica o movimento da outra. Estar em conflito é apenas uma das possíveis formas de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades. Uma outra possível forma de interação é a cooperação. Os conflitos – como se disse – podem acontecer entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades. Existem, então, diversos níveis nos quais podem ser situados (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, v. 1). Nestes termos, o conflito é inevitável e salutar (especialmente se queremos chamar a sociedade na qual se insere de democrática), o importante é encontrar meios autônomos de manejá-lo fugindo da idéia de que seja um fenômeno patológico e encarando-o como um fato, um evento fisiológico importante, positivo ou negativo conforme os valores inseridos no contexto social analisado. Uma sociedade sem conflitos é estática (SPENGLER, 2007, p. 258). 1 Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na área Político Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC – RS, docente dos cursos de Graduação e Pós Graduação lato e stricto sensu da última instituição, advogada. 2 Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu da mesma Universidade, advogado. Email: [email protected] ou [email protected]

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A NATUREZA DO CONFLITO E O SEU TRATAMENTO: ENTRE O

TRADICIONAL E O INOVADOR

Fabiana Marion Spengler1

Theobaldo Spengler Neto2

1. Considerações iniciais

Além de inerente à condição humana, o conflito é uma forma social possibilitadora de

elaborações evolutivas e retroativas no concernente a instituições, estruturas e interações

sociais, possuindo a capacidade de constituir-se num espaço em que o próprio confronto é um

ato de reconhecimento produzindo, simultaneamente, uma transformação nas relações daí

resultantes. Desse modo, o conflito pode ser classificado como um processo dinâmico de

interação humana e confronto de poder no qual uma parte influencia e qualifica o movimento

da outra.

Estar em conflito é apenas uma das possíveis formas de interação entre indivíduos,

grupos, organizações e coletividades. Uma outra possível forma de interação é a cooperação.

Os conflitos – como se disse – podem acontecer entre indivíduos, grupos, organizações e

coletividades. Existem, então, diversos níveis nos quais podem ser situados (BOBBIO;

MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, v. 1).

Nestes termos, o conflito é inevitável e salutar (especialmente se queremos chamar a

sociedade na qual se insere de democrática), o importante é encontrar meios autônomos de

manejá-lo fugindo da idéia de que seja um fenômeno patológico e encarando-o como um fato,

um evento fisiológico importante, positivo ou negativo conforme os valores inseridos no

contexto social analisado. Uma sociedade sem conflitos é estática (SPENGLER, 2007, p.

258).

1 Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na área Político Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC – RS, docente dos cursos de Graduação e Pós Graduação lato e stricto sensu da última instituição, advogada. 2 Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu da mesma Universidade, advogado. Email: [email protected] ou [email protected]

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A importância do conflito para o desenvolvimento e amadurecimento democrático das

relações sociais será abordada numa perspectiva que tem por objetivo demonstrar não

somente os aspectos negativos, mas também aqueles positivos da interação conflitiva. Assim,

não obstante todo conflito ser considerado uma perturbação que rompe com a harmonia e

equilíbrio constituidores do estado normal da sociedade, ele é importante uma vez que

impede a estagnação social. Por conseguinte, o conflito não pode ser visto somente como uma

patologia social. Conflito é também vitalidade.

Nestes termos, o presente texto tem como objetivos primordiais: 1) estudar o conflito

como fenômeno natural em relacionamentos saudáveis ou funcionais, apresentando as

possibilidades positivas de tratamento/resolução; 2) discutir a matriz teórica e as principais

características de cada processo heterocompositivo e autocompositivo; 3) demonstrar a

existência de um componente cultural na forma com que resolvemos disputas.

Partindo de tais objetivos o texto abordará os aspectos positivos do conflito como

meio de evolução social, interação e coesão interna dos grupos, apontando para as

possibilidades atuais de tratamento de tais conflitos. Neste ínterim discutirá as práticas

autônomas (de ordem consensuada) e heterônomas (de ordem imposta) classificando,

observando e diferenciando cada uma delas.

A importância do debate se estabelece diante do fato de que não se pode perder de vista

que atualmente o Estado vive uma crise de legitimidade no desempenho da jurisdição (prática

heterônoma) de modo que já não dá conta de atender a conflitualidade social hodierna. Esse

sistema regulamenta o conflito. No entanto, essa regulamentação muitas vezes assume um

caráter de imposição, ainda que legitimada por força do contrato social.

Assim, diante do fato de que todas as relações sociais atuais experimentam conflitos em

determinado momento e de que o conflito não é necessariamente ruim, anormal ou

disfuncional é preciso recordar que quando ele vai além do comportamento competitivo,

delineando-se a intenção de inflingir dano físico ou psicológico ao oponente, assumindo uma

dinâmica negativa que deixa de conduzir ao crescimento, faz-se necessário deflagrar a

necessidade de procedimentos eficientes para tratá-lo. Tais procedimentos podem ser judiciais

e extra-judiciais, incluídos nesses últimos as práticas de autônomas de tratamento dos

conflitos que são a finalidade da discussão no texto que agora se apresenta.

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2. Os papéis sociais e as expectativas do grupo: o conflito e seus aspectos positivos

A cada posição que o indivíduo ocupa, correspondem determinadas formas de

comportamento; a tudo que ele é, correspondem coisas que ele faz ou tem; assim como cada

posição social corresponde a um papel social. Ocupando posições sociais, o indivíduo torna-

se uma pessoa do drama escrito pela sociedade em que vive. Através de cada posição, a

sociedade lhe atribui um papel que precisa desempenhar.

Qualquer organização possui um conjunto de papéis sociais mais ou menos

diferenciados que podem ser definidos como sistemas de coerções normativas, a que devem

curvar-se os atores que os desempenham, e de direitos correlativos a essas coerções. O papel

social define, assim, uma zona de obrigações e de coerções correlativa de uma zona de

autonomia condicionada.

Por exemplo: como deve manter o bom funcionamento de seu colégio, o diretor pode,

dentro de limites e sob condições mais ou menos definidas, recorrer a certas sanções se

determinado ator – aluno – afastar-se das normas que definem seu papel social. Este, por sua

vez, deverá curvar-se a essas normas, mas pode, em contrapartida, opor-se aos abusos de

poder ou de autoridade do diretor (BOUDON; BOURRICAUD, 1993, p. 415).

Outro exemplo, que poderia ser colhido diz respeito à Previdência Social no Brasil.

Quando se fala na relação cidadão-previdência tem-se o fato de que do primeiro se esperam

contribuições para que a aposentadoria possa acontecer quando reunidos todos os seus

requisitos. Da previdência, por sua vez, espera-se que cumpra com sua parte pagando a

aposentadoria com base em valores justos e reajustáveis segundo índice determinado. Se

qualquer uma das duas partes não cumprir com suas obrigações, surge o conflito, que

invariavelmente redundará em procedimento judicial e que, se não conciliado, desembocará

numa sentença.

Os papéis sociais implicam em uma coerção exercida sobre e pelo indivíduo, podendo

ser vivenciada como uma privação de seus desejos particulares, ou como um ponto de apoio

que lhe fornece segurança. Esse caráter das expectativas de papéis baseia-se no fato de que a

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sociedade dispõe de sanções com auxílio das quais é capaz de coagir (SPENGLER, 2007, p.

270).

Aquele que não desempenha o seu papel será punido; quem o desempenha, será

recompensado; na pior das hipóteses, não castigado. Conformismo em relação aos papéis

preestabelecidos não é de forma alguma exigência característica de sociedades modernas,

porém um aspecto universal de todas as formas sociais (DAHRENDORF, 1991, p. 57).

A classificação e definição dessas sanções que garantem conformidade com o

comportamento social dos papéis nos conduz manifestamente à esfera da sociologia jurídica.

Da mesma forma que, no âmbito do Direito, cada sociedade apresenta constantemente

processos de consolidação dos usos para costumes e dos costumes para leis, igualmente os

papéis sociais encontram-se sob constante mudança. Da mesma forma que as leis perdem a

razão de ser pela mudança do contexto social, também as expectativas obrigatórias estão

submetidas a um processo de revalidação (SPENGLER, 2007, p. 270).

Quando os papéis sociais não são desempenhados de forma adequada (conforme as

expectativas do grupo social), nascem os conflitos. Tais conflitos são relações sociais,

caracterizando-se como apenas um dos muitos meios de interação e convívio dentro de uma

mesma sociedade.

No entanto, é preciso reconhecer que os conflitos não têm, necessariamente, um sentido

negativo. Ao perceber a sociedade como um tecido de relações humanas que se diferencia e

transforma sem cessar, o conflito deve, necessariamente, fazer parte dessa constatação como o

meio através do qual muitas dessas alterações acontecem. É por isso que, em princípio, a

importância sociológica do conflito não é questionada. Admite-se que ele produza ou

modifique grupos de interesse e organizações (SPENGLER, 2007, p. 271).

Dessa forma, discutir a relevância/importância sociológica do conflito é partir do

pressuposto de que nenhuma sociedade é perfeitamente homogênea, salvo aquelas utópicas.

Essa heterogeneidade resulta em desacordos, discórdias, controvérsias, turbulências, assim

como choques e enfrentamentos. O jogo de dissensões se traduz segundo o desejo de uns de

impor seus pontos de vista sobre os outros mediante a persuasão, o domínio, ou por outros

meios (SPENGLER, 2007, p. 271).

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O choque de interesses e de aspirações divergentes desenvolve uma relação de forças.

Conseqüentemente, a ordem social é sempre solicitada por forças que buscam estabilizá-la,

organizá-la, e por outras que buscam desestabilizá-la, desorganizá-la e desestruturá-la com o

pretexto de instaurar uma ordem melhor. Desse modo, percebe-se que é um equilíbrio mais ou

menos sólido entre forças antônimas, podendo romper-se a qualquer momento (FREUND,

1995, p. 101).

Nestes termos, conflito e desacordo são partes integrantes das relações sociais e não

necessariamente sinais de instabilidade e rompimento. Invariavelmente, o conflito traz

mudanças, estimulando inovações. Lewis Coser (1967, p. 98-107), inclusive, aponta o

conflito como um dos meios de manutenção da coesão do grupo no qual ele explode. As

situações conflituosas demonstram, desse modo, uma forma de interação intensa, unindo os

integrantes do grupo com mais freqüência que a ordem social normal, sem traços de

conflitualidade.

Assim observadas, as formas sociais aparecem sob nova luz quando vistas pelo ângulo

do caráter sociologicamente positivo do conflito. A “dinâmica conflitiva” torna-se, então, o

meio de manter a vida social, de determinar seu futuro, facilitar a mobilidade e valorizar

certas configurações ou formas sociais em detrimento de outras. Essa dinâmica conflitiva

permite verificar que o conflito pode ser tão positivo quanto negativo e que a valoração de

suas conseqüências se dará, justamente, pela legitimidade das causas que pretende defender.

Simmel parece resumir a importância sociológica do conflito quando afirma que assim

como o universo precisa de “amor e ódio”, de forças de atração e de forças de repulsão para

que tenha uma forma qualquer, também a sociedade, para alcançar uma determinada

configuração, precisa de quantidades proporcionais de harmonia e desarmonia, de associação

e de competição, de tendências favoráveis e desfavoráveis. Sociedades definidas, verdadeiras,

não resultam apenas nas forças sociais positivas da inexistência de fatores negativos que

possam atrapalhar. A sociedade, tal como a conhecemos, é o resultado de ambas as categorias

de interação (positivas e negativas), que se manifestam desse modo como inteiramente

positivas (SIMMEL, 1983, p. 124).

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O conflito transforma os indivíduos, seja em sua relação um com o outro, ou na relação

consigo mesmo, demonstrando que traz conseqüências desfiguradoras e purificadoras,

enfraquecedoras ou fortalecedoras. Ainda, existem as condições para que o conflito aconteça,

e as mudanças e adaptações interiores que geram conseqüências para os envolvidos

indiretamente e, muitas vezes, para o próprio grupo.

Assim, o conflito promove a integração social. Nestes termos, o conflito externo une o

grupo e o faz coeso, levando a concentração de uma unidade já existente, eliminando todos os

elementos que possam obscurecer a clareza de seus limites com o inimigo, aproximando

pessoas e grupos que, de outra maneira, não teriam qualquer relação entre si.

De modo semelhante, a unificação com o propósito de luta é um processo vivenciado

tão freqüentemente que às vezes o mero confronto de elementos, mesmo quando ocorre sem

qualquer propósito de agressão ou de outra forma de conflito, aparece aos olhos dos outros

como uma ameaça e um ato hostil (SIMMEL, 1983, p. 157).

Não se pode ignorar, na análise atenta de Simmel, o singular e aparente paradoxo

“comunitário” do conflito entre dois litigantes. Aquilo que os separa, a ponto de justificar o

litígio, é exatamente aquilo que os aproxima, no sentido de que eles compartilham a lide e um

intenso mundo de relações, normas, vínculos e símbolos que fazem parte daquele mecanismo.

Portanto, a aposta em jogo separa e une, corta nitidamente a possibilidade de comunicação e

instaura outras, sendo elas equivocadas e destrutivas (RESTA, 2005, p. 74-75).

No entanto, não obstante a importância positiva do conflito enquanto meio de sociação

e coesão interna do grupo, não se pode perder de vista a estreita relação entre conflito e poder

e entre este último e os meios através dos quais se têm administrado as situações conflitivas.

Sendo assim, é interessante trazer à discussão as duas possibilidades de tratamento dos

conflitos sociais: as formas autônomas e as formas heterônomas.

3. Entre o tradicional e o inovador: o tratamento de conflitos e as práticas de ADR

O contexto cultural contemporâneo fomentou e, principalmente, determinou o

surgimento de outras práticas de tratamento de conflitos de modo responsável – por

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indivíduos, organizações e comunidades –, possibilitando o diálogo e promovendo uma

mudança de paradigmas. Essas práticas se conduzem em caminho diverso daquele até então

privilegiado pela cultura jurídica que funcionava em torno de uma lógica determinista binária,

na qual as opções estavam limitadas a “ganhar” ou “perder”. Essas práticas passam a observar

a singularidade de cada participante do conflito, considerando as opções de “ganhar

conjuntamente”, construindo em comum as bases de um tratamento efetivo, de modo

colaborativo e consensuado.

Tais práticas tiveram origem nos Estados Unidos sob o nome de Alternative Dispute

Resolution (ADR), cuja expressão foi reservada para designar todos os procedimentos de

resolução de disputas sem a intervenção de uma autoridade judicial (VILAR, 1999).

Conceitualmente, trata-se de vários métodos de liquidação de desajustes entre indivíduos ou

grupos através do estudo dos objetivos de cada um, das possibilidades disponíveis e a maneira

como cada uma percebe as relações entre os seus objetivos e as alternativas apresentadas

(NAGEL; MILLS, 1991, p. 8 et seq.).

As práticas de ADR possuem inúmeros pontos positivos, dentre os quais aliviar o

congestionamento do Judiciário, diminuindo os custos e a demora no trâmite dos casos,

facilitando o acesso à justiça; incentivando o desenvolvimento da comunidade no tratamento

de conflitos e disputas (BONAFÉ-SCHIMITT, 1992, p. 16-17 e BOLZAN DE MORAIS;

SPENGLER, 2008, p. 107); sendo que, principalmente, elas possibilitam um tratamento

qualitativamente melhor dos conflitos, no qual reside a sua importância.

Essas estratégias (que fogem do código binário ganhar/perder) permitem aumentar a

compreensão e o reconhecimento dos participantes, construir possibilidades de ações

coordenadas – mesmo que na diferença -, incrementar diálogos e a capacidade de pessoas e

comunidades que possam/queiram comprometer-se responsavelmente para com decisões e

acordos participativos, especificando as mudanças que ocorrerão.

Os acordos/arranjos alcançados através dessas metodologias apresentam resultados

efetivos que permitem considerar – e em muitos casos resolver – disputas e diferenças,

permitindo aos participantes elaborar novas ferramentas para organizar as suas relações. É

nesse sentido que essas metodologias para o tratamento dos conflitos se definem como

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práticas emergentes que operam entre o existente e o possível (SCHINITMAN;

LITTLEJOHN, 1999, p. 17-27).

Porém, antes de escolher o método de solução/administração/resolução/tratamento3 dos

conflitos, é preciso diferenciá-los, objetivando uma escolha apropriada. Quando alguém faz

referência à solução de um conflito, entende-se que ele será extinto, não importando como

esse processo ocorrerá: de forma legítima ou ilegítima, legal ou ilegal. O objetivo é pôr fim ao

conflito criando um estado de uniformidade de propósitos ou meios que significará a sua

morte (FOLBERG; TAYLOR, 1984, p. 25).

A mãe conclama a decidir com quem fica o controle remoto da televisão ao designá-lo

para um dos filhos ou retirá-lo de circulação, dá uma solução para o conflito, ainda que ele

continue latente entre os irmãos. A sentença judicial, de outro lado, promove, em tese, o

equilíbrio de poder e determina um ganhador ou um perdedor, e também soluciona o conflito,

mesmo que a “solução” seja passageira e possa vir a dar origem, posteriormente, a uma nova

demanda judicial. Os métodos de solução vão desde a simples desistência da disputa, numa

extremidade, até a violência, na outra. O objetivo, todavia, desses meios é comum: não é o

resultado positivo ou negativo do conflito, mas, sobretudo, seu fim (SERPA, 1999, p. 51).

A administração do conflito, por sua vez, somente realinha ou converge os propósitos

ou meios para submeter as forças opostas a um acomodamento. Ocupa-se em neutralizar os

choques e minimizar os danos que a situação pode provocar. Uma empresa, através de seu

administrador, pode protelar, mediante novos compromissos ou estabelecimento de alguma

compensação, o pagamento aos seus credores. A administração do conflito não exige

identidade de propósitos, métodos ou processos voltados para um resultado positivo do

conflito, nem atenta para o alinhamento de interesses e forças. Demanda atos que,

simplesmente, permitam a continuidade do relacionamento das partes, sem interferir ou atuar

no litígio propriamente dito (SERPA, 1999, p. 52).

Já a resolução trabalha com a manipulação das relações sociais por meio de técnicas de

interação, objetivando restaurar essas relações em nível de legitimidade. Não determina

necessariamente mudanças de valores ou modelos sociais, nem significa uma solução

permanente. Diferente da administração ou da solução de conflitos, que podem ou não

3 A opção foi por fazer referência sempre ao “tratamento” de conflitos por considerar esse termo mais adequado. Porém, aqui se pretende diferenciar “tratar” de solucionar, administrar, etc. Por isso a utilização de tais verbos.

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perdurar até que outros fatores desencadeiem um novo conflito (HAYNES; GRETCHEN,

1989, p. 237). Nestes termos, a resolução não se limita a aliviar as tensões e contemporizar os

problemas, ela não só dissolve o litígio, e com ele as suas relações, mas, principalmente,

reestrutura o momento conflituoso em bases próprias.

O Poder Judiciário é um meio de solução, administração ou resolução de conflitos

(dificilmente de tratamento), porém não o único e com certeza não é o mais democrático.

Giovanni Cosi sintetiza os principais modos de gestão conflitual no contexto de uma

sociedade através de um esquema que chama de “geografia do conflito”.

Da esquerda para a direita, numa perspectiva de diminuição do controle direto sobre a

gestão do conflito e de seus resultados, observa-se o aumento da dureza do confronto, sendo

que as partes podem: renunciar unilateralmente; manter aberta a comunicação e iniciar

autonomamente uma negociação bilateral; tentar uma conciliação/mediação com a assistência

de um terceiro neutro; submeter-se à decisão de um árbitro designado por elas; submeter-se à

sentença de um juiz imposto pelo ordenamento; ou, finalmente, confrontar-se mediante força

física para verificar quem detém o maior poder (COSI; FODDAI, 2003, p. 11).

Geografia do conflito

renúncia negociação mediação arbítrio juízo auto-tutela solução baseada nos interesses solução baseada nos direitos solução baseada no poder diminuição da comunicação e do controle sobre o procedimento e o resultado aumento da coerção e do confronto

Fonte: COSI; FODDAI, 2003, p. 11

Contudo, para que todos esses métodos de “resolução” de disputas possam ser postos

em prática, o primeiro passo é deixar de considerar o conflito como um evento social

patológico, um mal a ser curado, para vê-lo como um fenômeno fisiológico, muitas vezes

positivo. Isso significa abrir mão da lógica processual judiciária de ganhador/perdedor para

passar a trabalhar com a lógica ganhador/ganhador desenvolvida por outros meios de

tratamento (dentre os quais a mediação), que auxiliam não só na busca de uma resposta

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consensuada para o litígio, como também na tentativa de desarmar a contenda, produzindo,

junto às partes, uma cultura de compromisso e participação. Nesses casos, não há um

ganhador ou um perdedor: ambos são ganhadores (SPENGLER, 2007, p. 302).

ganhador

Processo judicial litigioso

perdedor

ganhador

Processo e autocomposição ganhador Fonte: (baseado em) BREITMAN; PORTO, 2001, p. 51.

Tratando-se de procedimentos informais, particulares e muitas vezes confidenciais, os

métodos de tratamento de conflitos estabelecem uma ordem consensuada contrária àquela

solução imposta pelo Poder Judiciário e que, na maioria das vezes, não significa uma solução

efetiva para o litígio. Na ordem consensuada, as partes mantêm do início ao fim o controle

sobre o procedimento e o seu eventual resultado. É um procedimento autônomo, uma vez que

estipulam suas regras, e informal, no sentido que não seguem prescrições ou modelos prontos

(ao menos aparentemente). Já na ordem imposta, as partes possuem um controle limitado

sobre o procedimento e o seu êxito. As regras procedimentais são impostas e impera a

formalidade (COSI; FODDAI, 2003, p. 18-19).

Métodos de tratamento de conflitos

Ordem consensuada: as partes decidem que seja o seu acordo a pôr fim ao conflito Características: autonomia, informalidade Exemplos: negociação, mediação, conciliação Ordem imposta: as partes delegam a uma terceira pessoa a decisão do conflito Características: heteronomia, formalidade Exemplos: arbítrio, juízo, legislação Fonte: COSI; FODDAI, 2003, p. 18.

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O segundo modelo, dito também de ordem conflitual/imposta caracteriza-se pela

oposição de interesses entre indivíduos iguais em direitos e a atuação de um terceiro

encarregado de “dizer” (declarar) a quem pertence o direito – é o modelo tradicional triádico

de Jurisdição. Propõe no momento em que não há o cumprimento espontâneo dos preceitos

legais, o recurso ao Judiciário, a quem se deferiu a exclusiva legitimação de, na qualidade de

ente autônomo e externo, neutro e imparcial, impor decisões normativas encerrando eventuais

querelas surgidas entre indivíduos “iguais” em direitos, as quais lhes são trazidas como

versões do fato pela intermediação de operadores jurídicos detentores exclusivos da

capacidade postulatória (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 112).

Assim, o julgamento é, atualmente, o modo tradicional de tratamento de conflitos.

Como instituição, os tribunais têm desempenhado esse papel, sendo que o direito e as leis têm

sido os instrumentos norteadores das questões conflituosas. O tratamento se dá mediante um

processo judicial no qual o terceiro interventor tem poder de decisão (BOLZAN DE

MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 112).

O tratamento de conflitos através do processo junto ao Poder Judiciário aponta para a

presença de uma terceira pessoa: o juiz, que, mesmo não sendo escolhido pelas partes, julga o

processo, pondo fim (aparentemente) ao litígio. As partes não se comunicam entre si. O juiz

se comunica com as partes, colhe informações que lhe parecem necessárias para formar sua

convicção e, finalmente, julgar. O produto do processo judicial é a sentença, que define um

vencedor e um perdedor (COSI; FODDAI, 2003, p. 25).

Já no primeiro caso – ordem consensuada/autocomposta, avista-se ao invés da delegação

do poder de resposta, uma apropriação do mesmo pelos envolvidos, peculiar pela

proximidade, oralidade, ausência/diminuição de custos, rapidez e negociação, e pela

atribuição de uma função simbólica referencial ao ente estatal, pois aponta para uma

desjudiciarização do conflito, que permanece como instância de apelo. Assim, desenvolvem-

se novas políticas sociais referentes ao papel jurisdicional do Estado frente a essa explosão de

litigiosidade, decorrente da complexidade socioeconômica moderna (BOLZAN DE MORAIS;

SPENGLER, 2008, p. 113).

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Pode-se propor, então, na análise dos modos de tratamento dos conflitos, a seguinte

classificação, agrupada em duas grandes vertentes: a AUTÔNOMA e a HETERÔNOMA,

compreendendo grupos menores, Autotutela4 e Autocomposição, Arbitragem e Jurisdição,

respectivamente. Vale antecipar que o critério-base para a sua divisão repousa na atribuição

do poder de decidir/tratar o conflito. Enquanto nas formas autônomas este poder centra-se nas

partes, individual ou conjuntamente, nas heterônomas o mesmo pertence a um terceiro, ator

privado ou público (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 114).

Acompanhando a história dos instrumentos procedimentais, verificamos que nos

primórdios não havia a figura do Estado, como centro do poder e das decisões. No início, ele

inexistia por completo, após, apenas como figura ilustrativa. Em face disto, os conflitos

ocorridos entre as pessoas eram tratados instintivamente, ou seja, a parte interessada em

satisfazer seu direito fazia-o através do uso da força, impondo sua vontade ao outro. Era a

chamada autodefesa ou, mais costumeiramente, Autotutela. Neste instituto, o que realmente

pesa é a força propriamente dita, o poder de coação, que acaba por relegar a segundo plano

qualquer parâmetro de justiça. Era, por outras palavras, a “busca da justiça pelas próprias

mãos”. As do mais forte, por óbvio (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 114).

Surge, então, a figura ativa do Estado que, chamando para si o jus punitionis, passa a

resolver os casos a ele chegados com base em critérios próprios. Constitui, na verdade, uma

forma precária de tratamento de litígios (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p.

114).

Após, aparece o instituto da Autocomposição, que, apesar de ser uma forma autônoma

(os titulares do poder de decidir a lide são as partes) de tratamento de conflitos, tal como a

autotutela, atua com melhor eficiência quanto ao comprometimento dos interesses. Baseia-se

em fatores persuasivos e consensuais, mediante os quais as partes compõem o litígio, de tal

forma que obtêm soluções mais duradouras. Constituem exemplos de autocomposição: a

desistência (renúncia a direito), a submissão (reconhecimento jurídico do pedido), a transação,

etc (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 114-115).

4 De alguma forma, poder-se-ia questionar a inclusão da autotutela como mecanismo autônomo. Todavia, nos limites deste trabalho, pode-se aceitar tal classificação, na medida em que não há a intervenção de um terceiro que tenha a incumbência de constituir a solução.

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Outrossim, esta autonomia pode, ainda, ser alcançada com a participação de terceiros,

através das figuras da mediação e conciliação, formas de tratamento de conflitos conhecidas

desde há muito. Faz-se, todavia, conveniente salientar que, em ambos os institutos, nota-se

um processo construtivo de decisão, na qual a titularidade da mesma remanesce com as partes

(autonomia), como na autotutela, com a diferença de que esta passa a ser auxiliada pela

presença do mediador/conciliador, portanto, constituindo modos menos rudes de se lidar com

interesses conflitantes (BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 115).

Fonte: BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 117

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Mais adiante, a titularidade do poder decisório passa das partes (autonomia) para um

terceiro (heteronomia), tendo como expressão a arbitragem e a jurisdição. Desse modo,

assistimos a um aumento do poder do Estado e, via de conseqüência, a criação de regras

norteadoras das decisões a serem proferidas, quando este vai se impondo sobre os

particulares, ocorrendo a substituição da justiça privada pela justiça pública. A este fenômeno,

pelo qual há a atuação de órgãos estatais para a solução de disputas jurídicas, chama-se

Jurisdição e, por ora, é o instituto que, ordinariamente, rege o tratamento de disputas

(BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 116).

Fonte: BOLZAN DE MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 117.

4. As estratégias alternativas de tratamento dos conflitos: entre o autônomo e o

Heterônomo

4.1. Estratégias autônomas ou de decisão consensuada

Assim, a ordem consensuada utiliza mais de uma estratégia no tratamento de conflitos,

baseando-se, principalmente, na sua diferenciação para estabelecer a mais adequada. Destas

estratégias, a negociação aparece como um procedimento muito comum na vida do ser

humano, utilizado desde a tenra infância, quando a criança negocia um brinquedo. Ela

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acontece a qualquer tempo e lugar, e antes de ser “um fato jurídico”, é um acontecimento

“natural” (SALES, 2003, p. 36).

Na negociação, as partes chegam ao tratamento do conflito satisfatoriamente por meio

do método da autocomposição. Nela não se desencadeia a participação de terceiros, tratando-

se de um processo no qual os envolvidos entabulam conversações no sentido de encontrar

formas de satisfazer os seus interesses (SERPA, 1999, p. 108).

Já a negociação direta é o modo mais completo e complexo, requerendo um grande

investimento pessoal quanto ao envolvimento direto das partes e sua responsabilidade pelo

resultado. Além disso, implica um engajamento conjunto no processo e comprometimento

com as decisões. É um processo informal e, por isso, são considerados todos os fatores

(psicológicos, socioculturais, legais, etc) que envolvem o conflito e eventualmente emergem

na negociação.

O processo de negociação direta possui cinco estágios: 1) identificação do problema; 2)

comunicação a pessoas envolvidas no problema; 3) desenvolvimento e apresentação de

possíveis soluções; 4) decisão alternativa; 5) ação de resolução (verificação do procedimento

final a ser acatado e posterior ação de cumprimento da decisão). (SERPA, 1999, p. 53).

a)Negociação direta A B b) Negociação com intermediário A NEGOCIADOR B c) Negociação com representantes A ADVOGADO DE A ADVOGADO DE B B

Fonte: COSI; FODDAI, 2003, p. 23.

A negociação pode ocorrer de forma direta, conforme esquema a), de uma maneira

considerada cotidiana, no qual as partes mantêm aberta a comunicação e administram os seus

conflitos de modo autônomo e informal; todavia, a negociação pode se dar também com o

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auxílio de negociador. Segundo o esquema b), pode dar-se uma relação mais complexa,

normalmente quando as partes já não possuem condições de entabular a comunicação direta,

sem o auxílio de um intermediador que fará o trabalho de porta voz de ambas, levando e

trazendo as propostas; por fim, a negociação pode ocorrer de acordo com o esquema c), no

qual pode-se avistar a típica representação de um conflito administrado por advogados.

Nele, a situação se torna ainda mais complexa: a parte A fala ao seu advogado que

escreve ao advogado da parte B, que fala com B, e vice-versa. Essa técnica é lenta e custosa e,

principalmente, representa uma probabilidade maior de envolver-se na estrutura decisional

típica da nossa sociedade: o processo.

A representação nada mais é do que a delegação de poder para promover a negociação.

Consiste no ato de transferir a terceiros o poder de atuar em prol dos interesses envolvidos no

conflito. Nela, a parte perde o controle das decisões, porque a negociação como representante

também é um processo dinâmico e criativo. No seu desenrolar surgem muitos fatores não

previstos. A dificuldade da representação se resume no fato de que, por mais poder que seja

delegado, este será sempre limitado.

O julgamento é o modo tradicional de tratamento de conflitos. Como instituição, os

tribunais têm desempenhado esse papel, sendo que o Direito e as leis têm sido os instrumentos

norteadores das questões conflituosas. O tratamento se dá mediante um processo judicial no

qual o terceiro interventor tem poder de decisão.

Dentro do procedimento Judiciário, ou fora dele, a conciliação é também uma forma de

tratamento de conflitos. No Brasil, ela é exercida por força de lei, conforme os arts. 125, IV5 e

4476 do CPC, que prevêem sempre a necessidade de proposta de conciliação em todas as

demandas judiciais. Nessa mesma esteira, a conciliação ganha novo impulso com a lei

9.099/95 que institui os Juizados Especiais Cíveis, determinando, em seu art. 3º7 a

5 Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. 6 Art. 447. Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício, determinará o comparecimento das partes ao início da audiência de instrução e julgamento. Parágrafo único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para fins em que a lei consente à transação. 7 Art. 3º - O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento de causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo;

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competência para o processamento de causas. Posteriormente, a Lei 10.259/01 institui os

Juizados Especiais Federais sendo sua competência determinada também pelo art. 3º8 da

mesma lei.

Por outro lado, o conciliador privado nasce com a lei 9.958/00. Esse conciliador é eleito

pelos trabalhadores das empresas para compor comissões intersindicais de conciliação; neste

caso, escolhidos por sindicatos dos trabalhadores e patronais.

Mas a diferença fundamental entre conciliação e mediação reside no conteúdo de cada

instituto. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem

chegar a um acordo para evitar o processo judicial ou para nele pôr um ponto final, se por

ventura ele já existe. Na conciliação, o conciliador sugere, interfere, aconselha, e na

mediação, o mediador facilita a comunicação sem induzir as partes ao acordo. Na conciliação,

se resolve o conflito exposto pelas partes sem analisá-lo com profundidade. Muitas vezes, a

intervenção do conciliador ocorre no sentido de forçar o acordo (SALES, 2003, p. 38).

Conciliação A B

II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I desse artigo; § 1º Compete ao juizado promover a execução: I – dos seus julgados; II – dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até 40 (quarenta) vezes o salário mínim, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei; § 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei impostará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo. 8 Art. 3º - Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. § 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas: I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais, e de improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais; III – para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; IV – que tenha por objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares; § 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput. § 3º No foro onde estiver instalada a Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.

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C Conciliador

Fonte: ALMEIDA, 1996.

A conciliação se apresenta, assim, como uma tentativa de se chegar voluntariamente a

um acordo neutro, que conta com a participação de um terceiro que intervém entre as partes

de forma oficiosa para dirigir a discussão sem ter um papel ativo (BOLZAN DE MORAIS;

SPENGLER, 2008, p. 126). Diferencia-se, pois, a mediação da conciliação pelo fato de que

na segunda o tratamento dos conflitos é superficial, encontrando-se um resultado muitas vezes

parcialmente satisfatório. Já na primeira, existindo acordo, este apresenta total satisfação dos

mediados.

A mediação, como ética da alteridade9, reivindica a recuperação do respeito e do

reconhecimento da integridade e da totalidade de todos os espaços de privacidade do outro.

Isto é, um respeito absoluto pelo espaço do outro, e uma ética que repudia o mínimo de

movimento invasor. É radicalmente não invasora, não dominadora, não aceitando dominação

sequer nos mínimos gestos. As pessoas estão tão impregnadas do espírito e da lógica da

dominação que terminam, até sem saber, sendo absolutamente invasoras do espaço alheio

(WARAT, 2004, p. 54).

acordo A B mediador

Fonte: COSI; FODDAI, 2003, p. 26.

9 Sobre alteridade, Warat escreve que “falar de alteridade é dizer muito mais coisas que fazer referência a um procedimento cooperativo, solidário, de mútua autocomposição. Estamos falando de uma possibilidade de transformar o conflito e de nos transformarmos no conflito, tudo graças à possibilidade assistida de poder nos olhar a partir do olhar do outro, e colocarmo-nos no lugar do outro para entendê-lo e a nós mesmos... Enfim, é a alteridade, a outridade como possibilidade de transformação do conflito, produzindo, no mesmo, a diferença com o outro... nesse sentido, também se fala em outridade ou alteridade: a revalorização do outro do conflito em detrimento do excessivo privilégio outorgando aos modos de dizer do direito, no litígio” (WARAT, 2004. p. 62).

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Na mediação, a autocomposição está referida na tomada das decisões. Fala-se de

autocomposição na medida em que as mesmas partes envolvidas no conflito assumem o risco

da decisão que corre por conta dos árbitros, da mesma forma que esse risco é assumido pelos

magistrados no momento em que se decidem, judicialmente, os litígios (WARAT, 2004, p.

59).

O acordo resultante da mediação pode ou não ter força executiva. Se ele não for escrito

e posteriormente levado à homologação judicial (art. 475, “n”, inciso III e IV10 CPC) ou

reduzido a termo, assinado pelas partes e por duas testemunhas, caracterizando, assim, um

título executivo extrajudicial (art. 585, II11 CPC), ele não possuirá força executiva.

4.2. Estratégias heterônomas ou de decisão imposta

O tratamento de conflitos através do processo junto ao Poder Judiciário aponta para a

presença de uma terceira pessoa: o juiz, que, mesmo não sendo escolhido pelas partes, julga o

processo, pondo fim (aparentemente) ao litígio. As partes não se comunicam entre si e nem

com o juiz. Este, sim, se comunica com as partes, colhe informações que lhe parecem

necessárias para formar sua convicção e, finalmente, julgar. O produto do processo judicial é

a sentença, que define um vencedor e um perdedor. Os envolvidos A e B são postos entre

parênteses porque nessa fase do conflito a sua presença é considerada quase supérflua: o papel

principal é desenvolvido pelos advogados e pelo juiz, que debatem o problema em termos

técnicos. O procedimento é formal e heterônomo; a sentença foge ao controle das partes

(COSI; FODDAI, 2003, p. 25).

Juiz

(A) (B)

10 Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: ... III - a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo; IV – a sentença arbitral; 11 Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: ... II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados transatores.

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Sentença

Fonte: COSI; FODDAI, 2003, p. 24.

Nesse contexto, o juiz é capaz de, mas também é obrigado a, “resolver” todos os

conflitos, e não somente aqueles que são previstos por uma deliberação legal específica.

Ninguém nega o valor do processo judiciário no caminho da legalidade moderna, todavia,

disso inferir a perenidade do “monopólio estatal da jurisdição” e a racionalidade da

competência generalizada do juiz sobre cada gênero de conflito, obviamente, é algo que não

se cogita.

Já na arbitragem, as partes elegem um árbitro para solucionar as divergências. Ao

contrário da negociação e da mediação, nelas as partes não possuem o poder de decisão que se

encontra com o árbitro. No Brasil, a lei 9.307/96 estabeleceu que as pessoas capazes de

contratar podem valer-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais

disponíveis, podendo os envolvidos escolherem um árbitro de sua confiança para decidi-lo

(SPENGLER, 2007, p. 309).

O árbitro é o juiz de fato e de Direito e a decisão arbitral não é sujeita à homologação ou

passível de recurso ao Poder Judiciário. O cumprimento da decisão é obrigatório. O árbitro

deve ser um técnico ou um especialista no assunto em discussão para dar um parecer e decidir

a controvérsia. A ele se atribui o poder do juiz e sua decisão é soberana (SPENGLER, 2007,

p. 309).

Assim, na arbitragem, a autocomposição não incide devido à presença de um terceiro

que decide. A autocomposição relativa pode estar presente na arbitragem nos momentos em

que o árbitro convoca as partes para uma conciliação, ou solicita-lhes a colaboração conjunta

na reconstrução do relato que precisa ouvir para tomar a decisão arbitral. Porém, em nenhuma

circunstância, as partes, na arbitragem, se autocompõem para decidir o conflito (WARAT,

2004, p. 58-59).

Arbitragem A B

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X Árbitro Fonte: ALMEIDA, 1996.

Concluindo, verfica-se uma grande afluência de práticas de tratamento de conflitos cuja

proposta difere daquela oferecida pelo Judiciário. As práticas de ADR têm como escopo

entender os sujeitos enquanto co-construtores de suas realidades, transitando por um caminho

entre o existente e o possível. A proposta consiste em passar de uma visão do conhecimento

hegemônico como reflexo do mundo, a uma visão diferenciada na qual o conhecimento e as

práticas sociais elaborem uma realidade não mais unidimensional, mas multidisciplinar.

Para Resta (2005), essa nova realidade atravessa fronteiras, trabalha com a diferença

(enriquecendo-se com ela), envolve-se no conflito, dissolve-o, literalmente “suja as mãos”

para fins de alcançar um tratamento não só quantitativamente mas principalmente

qualitativamente adequado, restabelecendo a comunicação perdida entre os conflitantes.

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