tradição e prática do bandolim brasileiro
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UNIVERSIDADE DE BRASILIA
INSTITUTO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM MÚSICA
JORGE ANTONIO CARDOSO MOURA
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA PRÁTICA DO
BANDOLIM BRASILEIRO
BRASÍLIA
2011
UNIVERSIDADE DE BRASILIA
INSTITUTO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM MÚSICA
JORGE ANTONIO CARDOSO MOURA
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA PRÁTICA DO
BANDOLIM BRASILEIRO
Dissertação de Mestrado realizada sob
orientação da Profª. Drª. Beatriz Duarte Pereira
de Magalhães Castro apresentada à Banca
examinadora para defesa, em 10 de outubro de
2011, como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Música – Programa de Pós-
Graduação “Música em Contexto”,
Universidade de Brasília.
BRASÍLIA
2011
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília. Acervo 995171.
Moura , Jorge An t on i o Cardoso .
M929 t Trad i ção e i novação na prá t i ca do bando l im bras i l e i ro
/ Jorge An ton i o Cardoso Moura . - - 2011 .
142 f . : i l . ; 30 cm.
Di sser t ação (mes t rado) - Un i vers i dade de Bras í l i a ,
I ns t i t u to de Ar t es , Depar tamen t o de Mús i ca , 2011 .
I nc l u i b i b l i ogra f i a .
Or i en tação : Bea t r i z Duar t e Pere i ra de Maga l hães Cas t ro .
1 . Bando l im - Bras i l . I . Cas t ro , Bea t r i z Maga l hães .
I I . T í t u l o .
CDU 787
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA PRÁTICA DO
BANDOLIM BRASILEIRO
Jorge Antonio Cardoso Moura
Orientadora: Professora Doutora Beatriz Duarte Pereira de Magalhães Castro
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Música da
Universidade de Brasília - UNB, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Música.
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Beatriz Magalhães Castro, orientadora (UNB)
------------------------------------------
Professor Doutor Paulo Henrique Loureiro de Sá (UFRJ)
------------------------------------------
Prof. Dr. Luiz Otávio Rendeiro Corrêa Braga (UNIRIO)
------------------------------------------
Dedico esta pesquisa à minha mãe
Catarina Cardoso e à Jacob do Bandolim.
AGRADECIMENTOS
Á minha querida mãe Catarina Cardoso Moura (in memorian), que me presenteou com
a vida e com o Bandolim, além de uma dedicação e amor que me fizeram acreditar em meus
sonhos e trabalhar para fazê-los realidade.
Ao amigo bandolinista e saudoso mestre Elismar Holanda Pontes (in memorian), a
quem devo a iniciação no Bandolim e no Choro com suas orientações e décadas de uma sólida
amizade.
Ao amigo José de Alencar Soares (in memorian), pela amizade, incentivo nos estudos
e à uma visão da música como um processo de contínua descoberta de significados.
À Profa. Dra. Beatriz Duarte Pereira de Magalhães Castro, minha orientadora, pela
fundamental ajuda para a pesquisa e reflexão.
À Fabiana Brandão Paim, minha namorada, pelo carinho, ajuda, sugestões e discussão
das temáticas de pesquisa em várias fases de minha pesquisa.
À Alcione Tomé, a ajuda, orientação e estímulo iniciais na concepção de meu projeto
para meu teste de admissão no mestrado da UNB.
Ao amigo e bandolinista Américo Esteves Rodrigues, pela ajuda com sugestões,
materiais de pesquisa sobre bandolim e música e o apoio em várias fases de construção de
minha escrita.
A meu mestre de bandolim Ugo Orlandi e Orchestra di Mandolini e Chitarre Città di
Brescia que me permitiu a diplomação em Bandolim Clássico na Itália, de 2004 a 2008.
A Pier Corrado, ao mestre da viola Ivan Vilela, ao amigo, cavaquinista e pesquisador
Sérgio Prata, Gabriela Tunes, Clodo Ferreira, Pedro Santos, Nirez, João Randolfo Pontes,
Mayra Pereira e à Profa. Dra. Mércia Pinto.
Aos amigos bandolinistas: Joel Nascimento, Fernando Duarte, Déo Rian, Rogério
Piva, Daniel Migliavacca, Saraiva do Bandolim, Bernardino do Bandolim, Wagner Segura,
José Fernando da Silva e Rafael Ferrari.
Aos colegas de mestrado Marcos Wander, Paula Nunes e Zoltan Paulinyi, pela
amizade, discussão e exemplos de vida musical e pesquisa.
Ao apoio de minha chefia na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para minha
pesquisa e aulas no mestrado, Rosângela Alves dos Santos e Suzana Amaral Bolinelli.
Aos Professores Paulo Henrique Loureiro de Sá (UFRJ) e Luiz Otávio Rendeiro
Corrêa Braga (UNIRIO) que compuseram a Banca Examinadora de minha pesquisa.
“[...] Queria mesmo a música popular; ou seja, a música generosa, música acessível a todos,
que a todos embriaga, que vai de alma em alma, comunicando uma mesma e religiosa
emoção. Mas eu queria tocar um instrumento qualquer: E foi o bandolim a primeira coisa que
toquei. E que toquei com alma, com unção, no desejo ingênuo de sublimar os sons todos que
se desprendiam do instrumento. Sim, estreei com um bandolim. Eu tocava bandolim horas
esquecidas, em um encantamento progressivo. Nada me parecia mais belo; nada parecia
exprimir uma doçura mais penetrante. Era um instrumento encantado, do qual eu arrancava,
com meus dedos inexpertos, efeitos maravilhosos. Eu me embevecia como se nas cordas do
bandolim cantasse, de fato, o meu sonho de menino.
Foi graças ao bandolim que eu experimentei, pela primeira vez, a sensação de
importância. Tocava e logo se reuniam, ao redor, maravilhados com a minha habilidade, os
guris de minhas relações. A menina do lado cravava em mim uns olhos rasgados de assombro.
Então eu me sentia completamente importante. Ao bandolim confiava, sem reservas, os meus
desencantos e sonhos de garoto que começava a espiar a vida.”
Noel Rosa
(do livro Sambistas e Chorões, de Lúcio Rangel)1
1 Citado por MACHADO, Afonso. Método do Bandolim Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 2004.
RESUMO
A presente pesquisa trata dos aspectos histórico-sociais e técnicos que influenciaram a
formação e consolidação de uma “Prática do Bandolim Brasileiro”. Motivada pela atividade
profissional do autor enquanto compositor e instrumentista, a pesquisa buscou conhecer as
atividades que permitiram a estruturação desta prática musical assim como as relações sociais,
históricas e musicais que a terão sustentado enquanto prática na cultura. Centrada sobre os
conceitos de tradição, a análise parte de conjunto documental reunido a partir de fontes
impressas, sonoras e audiovisuais, assim como relatos de músicos bandolinistas. O estudo
trata ainda sobre a definição e trajetória do bandolim por meio de investigação histórica e
organológica de seus instrumentos ancestrais, desde sua origem na Europa e à sua utilização
no Brasil, proveniente de Portugal e Espanha. Discute-se os modos e práticas musicais desta
atividade, a relevância da prática musical de instrumentistas como Jacob do Bandolim, entre
outros aspectos.
Palavras-chave: Brasil; bandolim; tradição; prática; organologia; taxonomia; sistemas
de classificação de instrumentos; história do bandolim.
ABSTRACT
This research deals with the historical, social and technical aspects that influenced the
development and consolidation of a school, the "Brazilian Mandolin Practice.” The research,
motivated by the author's professional activity as a composer and musician, aims at learning
upon the activities that led to the structuring of this musical practice as well as the social,
historical and musical relations that have supported it as a cultural practice. Centred on the
concept of tradition, the analysis stems from documental body compiled from printed, sound
and audio-visual sources, as well as accounts of mandolin players. This is a study on the
definition and history of the mandolin through historical research and the instruments
organological ancestors, from its origins in Europe to its use in Brazil, as inherited from
Portugal and Spain. It discusses the role of its features and musical practices, the importance
of the musical practice of instrumentalists such as Jacob do Bandolim, among other aspects.
Keywords: Brazil; mandolin; tradition; organology; taxonomy; systems of
classification; history of the mandolin.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
1 PROBLEMAS ORGANOLÓGICOS E ORGANOGRÁFICOS DO BANDOLIM
BRASILEIRO.................................................................................................................17
1.1 O SISTEMA DE HORNBOSTEL & SACHS ...................................................................... 17
1.2 DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE HORNBOSTEL & SACHS ........................... 25
1.3 DO UD E TANBUR (SAZ) À CÍTOLA E AO GITTERN ................................................... 27
1.4 DERIVAÇÕES NOS SÉCULOS XII A XVII: CÍTARA, BANDURRIA E VANDOLA. ... 35
1.4.1 A Cítara .......................................................................................................................... 35
1.4.2 A Bandurria .................................................................................................................... 38
1.4.3 A Vandola ....................................................................................................................... 40
1.4 A GUITARRA PORTUGUESA .......................................................................................... 41
1.5 O BANDOLIM BRASILEIRO ............................................................................................ 42
2 BANDOLIM NO BRASIL E O CHORO.....................................................................48
2.1 ANCESTRAIS DO BANDOLIM BRASILEIRO EM PORTUGAL E NO BRASIL........... 50
2.2 A ICONOGRAFIA DE DEBRET E RUGENDAS .............................................................. 55
2.3 O ALMANACK LAEMMERT ........................................................................................... 59
2.4 DA POLCA AO CHORO..................................................................................................... 63
2.5 O CHORO............................................................................................................................ 65
2.6 OS PRIMÓRDIOS DO CHORO E DO BANDOLIM NAS GRAVAÇÕES ........................ 72
3 A CONSOLIDAÇÃO DA PRÁTICA DO BANDOLIM BRASILEIRO...................82
3.1 O APOGEU DO RÁDIO NO BRASIL E A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA ...................... 82
3.2 LUPERCE MIRANDA (1904-1977) ................................................................................... 85
3.3 DECLÍNIO DAS RÁDIOS E A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA....................................... 90
3.4 O CHORO E DOIS BANDOLINISTAS BRASILEIROS NOS ESTADOS
UNIDOS: ZÉ CARIOCA E GAROTO ............................................................................................................. 91
3.5 PRESERVAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO:
ALMIRANTE E JACOB DO BANDOLIM ..................................................................................................... 98
3.6 JACOB DO BANDOLIM (1918 – 1969) ........................................................................... 100
CONCLUSÃO.......................................................................................................................117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................121
ANEXOS ...............................................................................................................................127
ANEXO A - GLOSSÁRIO............................................................................................................... 128
ANEXO B – NOMENCLATURA DAS PARTES DO BANDOLIM............................................... 142
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Objetivo do estudo de instrumentos como objeto e como aspectos biológicos e
sociais da atividade musical; determinantes corporais referem-se aos movimentos de corpo
dos músicos, como puxar, empurrar, de marcação, elevação, tensão e distensão dos músculos
etc. ............................................................................................................................................18
Figura 2 - Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel), seção Cordófonos (3)....................23
Figura 3 - Exemplos de classificação descendente em taxonomias; o termo "categoria" é
reservado para os níveis mais altos e "taxa" para o escalão inferior .......................................26
Figura 4- Imagem comparativa de um Alaúde (acima) e de um Tanbur..................................29
Figura 5- Imagem de um Alaúde e de um Tanbur em escala real............................................29
Figura 6– Imagens do Qopuz . .................................................................................................30
Figura 7- Imagens de músico com Cítola, escultura de Benedetto Antelami, no Batistério de
Parma, Itália, 1180....................................................................................................................32
Figura 8a e 8b – Imagens de ilustrações das “Cantigas de Santa Maria”, Espanha, século
XIII. .........................................................................................................................................32
Figura 9a e 9b – Imagens de ilustrações das “Cantigas de Santa Maria”, Espanha, século
XIII. ..........................................................................................................................................33
Figura 10 – Imagens de formatos da Cítola entre os séculos XII e XIV..................................33
Figura 11 – Imagem da Cítola (acima) e Gittern (abaixo). .....................................................34
Figura 12 – Imagens da Cítola e detalhe de lateral do braço da Cítara (d). .............................35
Figura 13– Imagem posterior e frontal da Cítara . ...................................................................36
Figura 14 - Cítaras de seis cordas ............................................................................................37
Figura 15 - A Bandurria e imagem de método de Bandurria de Miguet e Yrol (1752) ..........39
Figura 16 - Capa da obra de Pablo Minguet y Yrol “Reglas, y advertencias generales para
taner la guitarra, tiple y vandola” ...........................................................................................41
Figura 17 - Da esq. para dir.: imagem em escala real do Bandolim Milanês ou Lombardo
(século XVII) e do Bandolim Napolitano (século XVIII)........................................................42
Figura 18 - Várias formas de palhetas ......................................................................................43
Figura 19 - À esquerda: Imagem de uma Guitarra portuguesa (19a) e Imagem de Jacob com o
seu bandolim (19 b). .................................................................................................................44
Figura 20 - Da esquerda para direita: imagem frontal e lateral da Cítara, Guitarra Portuguesa
e do Bandolim Brasileiro (em tamanho real)............................................................................46
Figura 21 - Afinação dos bandolins do tipo Napolitanoe o utilizado no Brasil. ......................46
Figura 22 - Quadro geral instrumentos da Genealogia do Bandolim Brasileiro ......................47
Figura 23 - Imagem do cavaquinista brasileiro Mario Alves tocando uma Bandurria.............54
Figura 24 - “Passatempo dos ricos depois do jantar”. Debret ..................................................57
Figura 25- “Passatempo dos ricos depois do jantar”. Debret, Prancha 8. Detalhe do cordófono.
..................................................................................................................................................57
Figura 26 - “Família de Fazendeiros (I)”. Rugendas................................................................58
Figura 27 - “Família de Fazendeiros (I)”. Rugendas. Detalhe de músico com cordófono.......59
Figura 28 - Bandolim napolitano fabricado por João dos Santos Couceiro. ............................61
Figura 29 - Cítara fabricada por João dos Santos Couceiro, Instituto Nacional de Música.....62
Figura 30 - Caricatura sobre o gosto musical em final do século XIX ....................................66
Figura 31 - Frederico Figner e Catulo da Paixão Cearense.....................................................73
Figura 32 - Capa de partitura do Trio “Três Sustenidos” publicada pela Casa Edison............74
Figura 33 - Capa da biografia de Octavio Dutra ......................................................................75
Figura 34 - Primeira formação do Grupo Caxangá em 1912. ..................................................79
Figura 35 - Grupo “Os Oito Batutas”, data estimada a partir de 1919. ....................................80
Figura 36 - Fotografia dos Turunas da Mauricéia contida no catálogo de artistas da Casa
Edison .......................................................................................................................................86
Figura 37 - Luperce Miranda....................................................................................................90
Figura 38 - Recorte de matéria de jornal sobre a dupla Zezinho e Laurindo de Almeida........94
Figura 39 - Fotografia da cantora Carmem Miranda com o bando da Lua tendo Garoto ao
violão (o segundo da esquerda para direita). ............................................................................96
Figura 40 - Fotografia de capa da biogafia de Garoto com o bandolim...................................97
Figura 41 - Jacob e Pixinguinha, na sua festa de aniversário de 70 anos, no Teatro Municipal
em 15.08.1968. .......................................................................................................................104
Figura 42 - Jacob do bandolim com Regional do Canhoto. ...................................................106
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel), seção Cordófonos (3). ..................21
Tabela 2 - Legenda da Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel). ...................................22
Tabela 3 – Principais instrumentos que participaram da gênese do Bandolim Brasileiro .......47
Tabela 4 - Listagem de alguns instrumentos musicais presentes na “Nova Pauta da
Alfândega” ...............................................................................................................................52
12
INTRODUÇÃO
O bandolim brasileiro tem sido gradativamente difundido por sua forma de execução,
seu repertório e seus bandolinistas. Sua prática no Brasil se deu predominantemente no Choro
e publicações de métodos e partituras deste repertório têm destacado várias composições para
bandolim, interpretadas por diversos tipos de instrumentos e músicos em diversos países.
Embora tenhamos constatado sua crescente difusão, observou-se também a exigüidade de
fontes bibliográficas sobre uma definição do que sejam o bandolim brasileiro e a
caracterização de sua prática. Assim, o estudo aqui proposto aborda a consolidação de uma
prática de execução musical do bandolim no Brasil em seus aspectos histórico-sociais e
técnicos. A pesquisa, motivada pela atividade profissional do autor, enquanto compositor e
instrumentista, buscou conhecer as atividades que permitiram a estruturação desta prática
musical assim como as relações sociais, históricas e musicais que a terão sustentado na
cultura.
Para uma definição do “que é” o bandolim brasileiro, observou-se que ao longo de sua
história, este instrumento apresentou diversidade de nomenclaturas e denominações, além dos
seus usos e formatos. Diversos instrumentos foram chamados pelo mesmo nome, assim como
exemplares iguais tiveram mesma denominação. Assim, a caracterização das diferenças nos
aspectos construtivos de cada modelo participante de sua gênese, foi relevante para
estabelecer relações entre nomenclaturas e classificações. Num primeiro mapeamento da
questão, o estudo remeteu a alguns campos do conhecimento e fontes documentais.
Informações foram identificadas por meio da organologia, iconografia, nomenclatura e
terminologia empregada, assim como em fontes documentais diversas entre as quais
destacamos tratados, métodos práticos, correspondências, decretos, relatos, inclusive
depoimentos e entrevistas com especialistas e executantes. Como primeira abordagem,
elegeu-se a organologia por permitir o conhecimento morfológico dos instrumentos
analisados e sua aproximação com o modelo de bandolim utilizado no Brasil.
Partindo da classificação sistemática numérica de instrumentos musicais de
Hornbostel & Sachs (1914), buscou-se identificar a categoria a qual pertence o modelo do
bandolim brasileiro. Como cordófono composto, o bandolim pertence à categoria de
13
instrumentos cuja produção de som se dá por meio de uma ou mais cordas vibrantes esticadas
e suportadas por dois pontos fixos (HORNBOSTEL & SACHS, 1961).
Já Wachsmann e Kartomi (“Classification of musical instruments” in GROVE, 2003)
apresentam fluxograma que atualiza o mapeamento das principais idéias correntes sobre
classificação de instrumentos musicais. Este reúne aspectos musicais (textuais) e contextuais
abrangidos entre os campos descritivo (organografia) e classificativo (organologia),
colocando ao centro a construção (material, design) como ligação entre estas.
Ao longo da história, a gênese do bandolim o apontou como descendente de
cordófonos compostos mais antigos do tipo alaúde (do tipo alaúde com braço) onde se
encontra o Ud e o Tanbur (ou Saz) a partir dos quais se constituíram versões de instrumentos
de proporções menores. Derivado destes instrumentos, durante a idade média, é possível
constatar uma grande variedade de exemplares nos quais identificamos resquícios de
características de construção. Em finais do século XII, surge instrumento paradigmático desta
experimentação: a Cítola, constituindo-se no primeiro instrumento a apresentar construção de
fundo plano. Tal aspecto construtivo (o fundo plano) é uma característica encontrada nos
instrumentos do tipo Alaúdes ao qual o Bandolim Brasileiro - assim como outros
instrumentos utilizados no Brasil como o cavaquinho e os violões pertencem. Butler (2011
apud WRIGHT, 1976) em The Citole Project, apontou a Cítola medieval como instrumento
ancestral da Cítara renascentista. Na comparação entre estes modelos, é possível observar
detalhes comuns aos dois exemplares assim como em fontes iconográficas onde foram
representados.
As derivações de instrumentos da gênese do bandolim brasileiro partir do Ud e Tanbur
indicaram uma separação entre dois contextos ibéricos, quais sejam, o de Portugal e o da
Espanha, refletindo-se nas suas respectivas ações colonialistas na América. Assim, é possível
notar que a Bandurria prevaleceu na Espanha e possui características construtivas mais
próximas do Ud. Outra aproximação da Bandurria foi verificada quanto à características
análogas com os cordófonos europeus de fundo abombado. Embora tenha fundo plano, a
Bandurria preserva as mesmas proporções entre as dimensões de braço, caixa, afinação e
número de cordas do Mandolino Lombardo ou Milanês de tradição italiana. Na Itália, dentre
os cordófonos de fundo abaulado, dois modelos de bandolim se destacaram: o Mandolino
14
Milanês ou Lombardo, na segunda metade do século XVII e o Mandolino Napolitano, na
segunda metade do século XVIII.
Na metade do século XVII, a Guitarra Portuguesa, descendente da Cítara
renascentista, foi derivada do modelo inglês deste instrumento, também denominado como
Chitarra, Cetra ou Citra. No caso de instrumentos relacionados com o modelo brasileiro, a
Cítara resultará na Guitarra Portuguesa no contexto da cultura Portuguesa. A separação entre
os cordófonos de tradição italiana e portuguesa se deu pelo fundo e contorno de caixa.
Embora o Bandolim Brasileiro possua a mesma afinação e número de cordas do Mandolino
italiano, difere quanto a seu fundo de caixa e contorno do tampo superior. Enquanto no
modelo brasileiro, temos tampo superior e posterior levemente abombado, como na Guitarra
Portuguesa, o tampo frontal do Mandolino possui inclinação na altura do cavalete e fundo
abombado. Assim, é possível observar a morfose dos instrumentos, suas utilizações em
contextos diversos ao longo da história, assim como a adoção de um modelo mini-guitarra
portuguesa no Brasil quanto à forma adotada para o bandolim brasileiro relacionando os
conceitos de tradição e inovação.
Para uma visão geral da gênese do modelo brasileiro, foi feita uma periodização
(exposta na tabela 3 e figura 22) onde é possível sintetizar como se processou a transição
entre os principais instrumentos que participaram de uma taxonomia do percurso que levou ao
Bandolim Brasileiro. Assim, é possível mapear a vertente de instrumentos de tradição ibero-
americana constituída pelos modelos de fundo de caixa plano assim como a vertentes
européia representada pelos exemplares de fundo de caixa abombado.
A atividade musical desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, na segunda metade do
século XIX foi decisiva para o surgimento de uma forma de tocar o bandolim no Brasil.
Embora a prática deste instrumento tenha acontecido em diversos estados brasileiros, a
presente pesquisa limita-se à caracterização do contexto carioca, por ter sido o local onde se
desenvolveu a carreira artística da maioria dos bandolinistas brasileiros.
A segunda parte da pesquisa se propôs à identificação dos cordófonos que
participaram da gênese do bandolim no Brasil. Por meio de levantamento de fontes históricas
e iconográficas buscou-se identificar os principais exemplares que modelaram o bandolim
15
brasileiro, assim como seus primeiros exemplares e contextos sociais de utilização. A
utilização destes cordófonos ancestrais do bandolim provenientes do contexto ibero-
americano foi identificada no intuito de caracterizar a consolidação de uma dita prática deste
instrumento no Brasil. Assim, serão analisadas três fontes de pesquisa do século XIX
constituídas pela iconografia dos pintores Debret e Rugendas, pelas informações sobre a
comercialização de cordófonos no periódico Almanack Laemmert, assim como registros
alfandegários da cidade do Rio de Janeiro.
O acervo iconográfico do século XIX constitui fonte de informação musical e de
reflexão sobre como se processou a cultura musical no contexto do bandolim brasileiro.
Assim, buscou-se organizar conceitualmente os modos e práticas dos instrumentos de cordas
dedilhadas pertencentes à taxa do modelo adotado no Brasil e sua relação musical no contexto
luso-brasileiro. Por meio da apreciação comparativa dos exemplares analisados no estudo
organológico em questão, pretende-se identificar aspectos sobre a permanência de derivações
de instrumentos medievais no Brasil.
A representação dos cordófonos feita pelos pintores europeus remete à uma discussão
sobre a possibilidade destas serem representações de modelos originais ou resultado de
“inspirações” colhidas de instrumentos utilizados à época em contextos diferentes. No intuito
de confrontar informações sobre estes exemplares, buscou-se a documentação constituída pelo
Almanack Laemmert e as informações sobre sua fabricação e comercialização no Brasil.
Quanto aos modos e práticas relacionadas à utilização do Bandolim, o Choro, gênero
musical carioca da segunda metade do século XIX foi considerado uma escola2 na forma de
tocar. A pesquisa insere aspectos deste gênero como: surgimento, aspectos sociais, históricos
e culturais por sua relevância na prática musical da maioria dos bandolinistas brasileiros. A
análise do modelo de bandolim brasileiro de 8 cordas se deu em virtude deste instrumento ter
sido utilizado pela maioria dos mais famosos bandolinistas que construíram a tradição da
prática do Choro no Brasil.
2 O conceito de “escolar” abordado será definido na página 67 assim como sua relação com a prática do Choro.
16
A terceira parte da pesquisa aborda a trajetória dos principais personagens
bandolinistas que consolidaram uma forma de tocar o Bandolim no Brasil. As primeiras
gravações (1902) e o rádio no Brasil (1923) contribuíram para a difusão da música popular
brasileira em todo território nacional e no exterior. Dentre os bandolinistas que mais gravaram
e participaram de programas de rádio, dois se destacaram: o pernambucano Luperce Miranda
(1904 - 1977) e o carioca Jacob do Bandolim (1918-1969). Os dois bandolinistas possuíam
características diversas na forma de tocar e ambas foram consideradas relevantes por suas
particularidades e influências musicais.
As composições de Luperce focam gêneros musicais nordestinos em uma forma
“cabocla” de tocar emboladas, frevos, marcha pernambucana e o Choro com um sotaque
musical nordestino. Seu trabalho musical teve início no período das primeiras gravações no
Brasil, destacando-se em habilidades técnicas e sendo um fixador da presença do bandolim
como acompanhante e solista na música popular brasileira.
Jacob do Bandolim assimilou referências da música portuguesa, que imprimiu à suas
interpretações elementos da estética musical deste estilo. Em seu depoimento ao Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1967, o músico declarou ter tocado
música portuguesa como violonista, fato que quase o fez desistir do bandolim. Seu bandolim
foi construído com grande semelhança formal em relação à Guitarra Portuguesa. O modelo de
Jacob foi o adotado pela maioria dos bandolinistas brasileiros e suas composições
contribuíram para o repertório do Choro e difusão de uma forma de tocar. O estilo de tocar de
Jacob seria decisivo para a consolidação da prática do bandolim brasileiro, situada dentro da
“escola do Choro”.
17
1 PROBLEMAS ORGANOLÓGICOS E ORGANOGRÁFICOS DO
BANDOLIM BRASILEIRO
O estudo aqui proposto aborda a consolidação de uma prática de execução e prática
musical do bandolim no Brasil. Para tanto, propomos neste primeiro capítulo explorar a
gênese deste instrumento a partir do campo da organologia com o objetivo de identificarmos
os principais exemplares que influenciaram a modelagem do instrumento que veio a ser
conhecido no Brasil como o “bandolim brasileiro”.
Entende-se que, condicionada ao contexto cultural duma dada prática musical, no caso
do bandolim esta gênese confronta a diversidade de nomes, formatos e formas de execução
que este veio a assumir seja nos múltiplos locais, seja pelo alargado arco de tempo nos quais é
identificado.
Num primeiro mapeamento da questão, a exigüidade de fontes, diversidade de
nomenclaturas e denominações, além dos seus usos e formatos, remeteu a alguns campos do
conhecimento e fontes documentais. Informações foram identificadas por meio da
organologia, iconografia, nomenclatura e terminologia empregada, assim como em fontes
documentais diversas entre as quais destacamos tratados, métodos práticos, correspondências,
decretos, relatos, inclusive depoimentos e entrevistas com especialistas e executantes.
Contudo, elegeu-se a organologia como primeira abordagem por esta permitir de fato o
conhecimento morfológico dos instrumentos analisados sob o critério de sua aproximação ao
dito “bandolim brasileiro”.
1.1 O SISTEMA DE HORNBOSTEL & SACHS
A organologia é aqui definida enquanto “estudo dos instrumentos musicais em termos
de sua história, função social, design, construção e relação com a performance”
(“Organology” in GROVE, 2003). Neste sentido, a organologia “procura elucidar as relações
sempre complexas, em constante mutação entre estilo musical, práticas de execução e a
evolução dos instrumentos em todo o mundo” (idem). Além de autenticar e datar
cientificamente instrumentos antigos, a organologia também busca “discernir os métodos
18
pelos quais instrumentos de diferentes culturas foram concebidos e produzidos, investigando
as muitas influências extra musicais – tais como os avanços na tecnologia e alterações de
condições econômicas – que levaram à inovação e à obsolescência” (GROVE, 2003).
Já Wachsmann e Kartomi (“Classification of musical instruments” in GROVE, 2003)
apresentam fluxograma que atualiza o mapeamento das principais idéias correntes sobre
classificação de instrumentos musicais. Este reúne aspectos musicais (textuais) e contextuais
abrangidos entre os campos descritivo (organografia) e classificativo (organologia),
colocando ao centro a construção (material, design) como ligação entre estas.
Figura 1 - Objetivo do estudo de instrumentos como objeto e como aspectos biológicos e sociais
da atividade musical; determinantes corporais referem-se aos movimentos de corpo dos músicos,
como puxar, empurrar, de marcação, elevação, tensão e distensão dos músculos etc.3
In: Classification of instruments, GROVE, 2003.
Os autores explicitam ainda que:
"Os três retângulos à direita referem-se a aspectos intrinsecamente musicais e aqueles à esquerda aos contextuais. Setas laterais conduzem ao centro do diagrama, enquanto que as linhas curvas que contornam o centro indicam que a classificação trata de detalhes secundários em importância. Para o colecionador de instrumentos musicais preocupado principalmente com os próprios objetos, ou para o cantor em sua própria música nativa, algumas das posições do diagrama deve parecer exagero, mas qualquer um deles poderia servir como um critério importante para a classificação em qualquer uma
3 Scope of the study of instruments as objects and as aspects of biological and social musical activity; ‘corporeal determinants’ refers to the player’s body movements such as pulling, pushing, striking and lifting, tension and distension of muscles etc.
19
das 5.000 línguas do mundo. Algumas classificações podem ser estritamente locais, utilitárias ou étnicas. Outras são especulativas na medida em que são derivadas de uma cosmologia e enfrentam o desafio de aplicabilidade universal, porque a cosmologia é, em si, implicitamente universal.” 4
Desta forma, destacam-se não somente os aspectos de sua aplicabilidade universal
como se prevê a possibilidade desta classificação abranger aspectos regionais e/ou locais mais
diretamente ligados a práticas específicas.
Não obstante, as propostas mais recentes e abrangentes de classificação dos
instrumentos partiram dos estudos pioneiros de Hornbostel e Sachs 5 (1914) que definiram
uma classificação sistemática numérica, organizada sobre o sistema decimal de Dewey6, a
partir de distinções sobre a forma de um instrumento produzir som. Dividida em quatro
categorias – logo expandida a 5 categorias por Galpin em 1937, esta classificação separa os
instrumentos em: idiófonos (1), membranófonos (2), cordófonos (3), aerófonos (4)
(Hornbostel e Sachs, 1914) e eletrófonos (5) (Galpin, 1937). Enquanto sistema possibilitou o
seu uso para a classificação de instrumentos provenientes de culturas não européias ocidentais
expandindo sua aplicação a qualquer origem e cultura, fato inédito à época por permitir reunir
num único sistema tal diversidade.
Neste sistema, os cordófonos, definidos como instrumentos cuja produção de som se
dá por meio de uma ou mais cordas vibrantes esticadas suportadas por dois pontos fixos, são
ainda divididos em duas subcategorias: simples (31) com “suporte de corda único ou de
suporte com um ressonador que pode ser removido sem destruir o aparato produtor do som”
4 “The three rectangles to the right refer to intrinsically musical aspects, those to the left to contextual ones. Lateral arrows lead to the centre of the diagram, while curved lines bypassing the centre indicate that a classification might treat details of construction as secondary in importance. For the collector of musical instruments concerned primarily with the objects themselves, or for the performer in his own native music, some of the headings in the diagram must seem far-fetched, yet any one of them could serve as a major criterion for classification in any of the 5000 languages of the world. Some classifications may be narrowly local, utilitarian or ethnic. Others are speculative in that they are derived from a cosmology and meet the challenge of universal applicability because the cosmology is itself implicitly universal.”
5 Hornbostel-Sachs (ou Sachs-Hornbostel) é um sistema de classificação dos instrumentos musicais criado por Erich von Hornbostel e Curt Sachs e publicado pela primeira vez no Zeitschrift für Musik, in 1914. Uma versão revisada e em inglês foi publicada no Galpin Society Journal, em 1961. Permanece como o método mais utilizado por profissionais de etnomusicologia e organologia para classificar instrumentos musicais. 6 A “Classificação Decimal de Dewey” (CDD ou DDC na sigla em inglês, também conhecido como Sistema Decimal de Dewey) é um sistema de classificação documentária desenvolvida por Melvil Dewey (1851–1931) em 1876; foi modificado e expandido ao longo de vinte e duas revisões que ocorreram até 2004.
20
ou compostos (32) que possuem “um suporte de cordas e um ressonador organicamente
unidos que não podem ser separados sem destruir o instrumento” (HORNBOSTEL &
SACHS, 1961).
A categoria dos cordófonos compostos inclui três tipos discriminados pela forma
como as cordas correm em relação ao ressonador: alaúdes (321)7, harpas (322)8 e harpas-
alaúde (323)9. Por sua vez, o tipo alaúde, que nos interessa, é subdividido em 3 subgrupos:
alaúdes com arco (321.1), liras (321.2) e alaúdes com suporte (321.3). Esta classificação
prossegue em subníveis definidos pelos critérios expostos na tabela 1, abaixo:
7 Cujo plano das cordas corre em paralelo ao tampo. 8 Cujo plano das cordas corre em ângulo reto em relação ao tampo; uma linha unindo os finais inferiores das cordas apontariam em direção ao pescoço. 9 O plano das cordas restaria em ângulo reto ao tampo; uma linha unindo os finais inferiores das cordas seriam perpendiculares ao pescoço. Ponte sulcada [para receber separando cada corda].
21
Tabela 1 - Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel), seção Cordófonos (3).
In: http://www.wesleyan.edu/vim/svh.html
32 Cordofones Compostos
O braço e a caixa de ressonância são organicamente unidos e não podem ser separados sem destruir o instrumento
321 Alaúdes O plano das cordas corre paralelo com o plano da caixa
321.1 Alaúdes com arco
(pluriarco) O braço e a caixa de ressonância são organicamente unidos, mas podem ser separados sem destruir o instrumento
Instrumentos africanos: akam, kalanga e wambi
321.2 Alaúdes ou Liras As cordas são conectados a uma superfície curva como caixa de ressonância e a uma barra transversal que é sustentada por dois braços.
321.21 Liras de Caixa Uma caixa natural ou esculpida serve como ressonador. Lira Africana 321.22 Liras de Caixa Uma caixa construída em madeira serve como ressonador Cithara
321.3 Alaúdes de braço
A corda passa por um braço plano. Braços de apoio como por exemplo o da Vina Prasarini indiana são desconsiderados, como também nos alaúdes distribuídos em vários braços, como a arpa-lira e guitarras-lira, em que a caixa é meramente ornamental.
321.31 Alaúdes com braço
acoplado O braço passa diretamente através da caixa de ressonância.
321.311 Alaúdes de caixa e
braço acoplados A caixa de ressonância é constituída por um bojo natural ou esculpido
Persia, India, Indonesia
321.312 Alaúdes e guitarras com braço e caixa
A caixa de ressonância é construída em madeira. rebab egípcio
321.313 Alaúdes de tubo e
braço O braço passa diretamente através das paredes de um tubo China, Indochina
321.32 Alaúdes com braço O braço é conectado ou esculpido a partir da caixa de ressonância (como um pescoço)
321.321 Alaúdes com caixa
arredondada
Mandolino, Theorba, Balalaika
321.322 Alaúdes e guitarras de braço e caixa de
fundo plano
Alaúdes cujo corpo possui formato levemente abombado e caixa de fundo plano
Violino, Viola e Violão
322 Arpas o plano das cordas está em ângulo reto com o plano da caixa de ressonância, de onde partem as cordas com suas extremidades se conectando ao braço.
322.1 Arpas abertas A Arpa não possui um pilar. 322.11 Arpas arqueadas O braço possui curvatura distante da caixa de ressonância Burma e Africa
322.12 Arpas angulares O braço faz um ângulo agudo com a caixa de ressonância. Antiga Assíria Antigo Egito e Antiga Coreia
322.2 Arpas de quadro A Arpa possui um pilar.
322.21 Sem dispositivo para
afinação
Todas as Arpas medievais
322.211 Arpas Diatônicas de
Quadro
322.212 Arpas Cromáticas de
Quadro
322.212.1
Com as cordas em um plano
A maioria de
Arpas cromáticas antigas
322.212.2
com as cordas que se cruzam entre si
A Arpa Cromática
Lyon
322.22 com dispositivo para
afinação As cordas poderão ser reguladas por uma ação mecânica.
322.221 com ação manual A afinação poderá ser realizada por alavancas manuais Arpa gancho,
Arpa dital, harpinella
322.222 com a ação de pedal O ajuste de afinação poderá ser feito por pedais
323 Arpas Alaúdes O plano das cordas está em ângulo reto com o plano da caixa de ressonância, uma linha une as extremidades inferiores das cordas perpendiculares ao braço. Ponte dentada.
Kasso africano
22
Às classificações devem ser ainda apensados os sufixos definidores da forma de tanger
os instrumentos, se com martelos, dedos, plectro, arco, entre outros, como a seguir:
Tabela 2 - Legenda da Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel), seção Cordófonos (3). In: http://www.wesleyan.edu/vim/svh.html
4 - tocada por martelos ou batedores 5 - tocada com os dedos 6 - tocada por um plectro ou palheta 7 - tocada com artefato curvo 71 - tocada com um arco 72 - tocada por uma roda 73 - tocada por uma faixa de fita 8 - tocada com um teclado 9 - tocada por acionamento mecânico
Como exemplificação, na tabela 1 supra, os critérios construtivos que atribuem ao
bandolim italiano a classificação (321.321-6) são: pertencente à categoria dos cordófonos
compostos (32), mais especificamente à categoria dos alaúdes (321), no subtipo dos “handle
lutes” (321.3), e ao sub/subtipo dos alaúdes com braço (“necked lutes” 321.32) com caixa
arredondada (“necked bowl lutes” 321.321) e cordas tangidas por um plectro (-6), ou seja,
321.321-6.
Sendo necessária e aplicável na classificação de instrumentos brasileiros, como
classificar o bandolim brasileiro que não se encontra a priori identificado na listagem da
tabela 1?
Enquanto cordófono composto (32) pertence também à categoria dos alaúdes (321) no
subtipo dos “handle lutes” (321.3) e ao sub/subtipo dos alaúdes com braço (321.32), mas ao
contrário do bandolim italiano com caixa abombada (“necked bowl lutes” 321.321), o
bandolim brasileiro possui caixa com fundo plano (“necked box lutes” subtipo que também
inclui “necked guitars”) recebendo a numeração 321.322 e sufixo 6 por ser tangido com
plectro, ou seja, 321.322-6.
23
Conforme a classificação do bandolim brasileiro como pertencente à categoria dos
cordófonos, acima descrita, segue abaixo um organograma contendo sua derivação e
numeração correspondente:
Figura 2 - Classificação SVH (Sachs & von Hornbostel), seção Cordófonos (3)
Cordófonos (3)
Simples (31) Compostos (32)
Alaúdes (321) Harpas-alaúde Harpas (322)
Arco (321.1)
Liras (321.2)
Alaúdes com braço (321.3)
Alaúdes com braço inserido na caixa (321.31)
Alaúdes com braço conectado ou esculpido à
caixa (321.32)
Com fundo abombado Mandolino Italiano
(321.321-6)
Com fundo plano ou Guitarras de braço Bandolim Brasileiro
(321.322-6)
24
Contudo, nesta classificação do bandolim brasileiro, não podemos deixar de observar
como este passa a ser agrupado juntamente com os demais “necked box lutes” e “necked
guitars”. Estes últimos incluem violinos e violas que logo se tornarão os violões e guitarras
que conhecemos, diferenciados apenas pelos sufixos que determinam as formas de tangê-los
(arco, plectro, dedos, etc) produzidas pelos movimentos executados pela mão direita. A que
isto pode nos remeter do ponto de vista das práticas musicais destes instrumentos
aparentemente tão diversos mas que dividem características construtivas tão similares? Como
distinguir o bandolim brasileiro destes?
Os aspectos observados na classificação Hornbostel & Sachs dos cordófonos
compostos discriminam:
1. Forma pela qual o encordoamento corre em relação ao braço (“sound-table”) (se
em paralelo, ângulo reto, ou ângulo reto unido por uma ponte)
2. Forma pela qual o braço se conecta ao ressonador (entalhado ou conectado)
3. Formato do ressonador (abombado - “bowl” ou plano – “box”)
4. Forma de tanger as cordas (plectro ou dedos)
Falta na classificação Hornbostel & Sachs critérios sobre o encordoamento (em
número de cordas e em afinação) e sobre o formato frontal da caixa (formato de pera ou
arredondado). Assim, em nossa observação dos cordófonos compostos, discriminamos não 4
mas 6 níveis de aspectos, agregados à classificação Hornbostel & Sachs, que agora incluem:
1. Forma pela qual o encordoamento corre em relação ao braço (paralelo, ângulo
reto, ou ângulo reto unido por uma ponte)
2. Forma pela qual o braço se conecta ao ressonador (entalhado ou conectado)
3. Formato (posterior) do ressonador (abombado ou plano)
4. Forma de tanger as cordas (plectro ou dedos)
5. Formato frontal da caixa (pêra 10 ou arredondado)
6. Encordoamento – número de cordas e afinação
10 Formato em pêra ou piriforme.
25
Contudo, como exposto por Wachsmann e Kartomi (GROVE, 2003), os aspectos
construtivos (material, design) acima descritos, se encasados “no centro enquanto ligação
entre os campos descritivo (organografia) e classificativo (organologia)”, deveria remeter-nos
aos aspectos musicais e contextuais nestes abrangidos, o que se torna naturalmente necessário
para individualizarmos o bandolim praticado no Brasil. Como então ultrapassar esta simples
ordem numérica para conhecer uma prática de um instrumento musical, sua gênese, suas
ramificações e implicações musicais destas decorrentes?
1.2 DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE HORNBOSTEL & SACHS
O sistema de classificação Hornbostel & Sachs obteve crescente adesão nos campos
da musicologia e organologia (em especial nos trabalhos de classificação de coleções
museológicas), e foi expandido durante as décadas de 70 e 80 11 com o advento do tratamento
de grandes bases de dados apoiadas na computação, com o objetivo de agregar dimensões
socioculturais às dimensões descritivas e classificativas. Nos anos 90, Kartomi desenvolve o
“primeiro estudo intercultural, histórico e cognitivo-estrutural de classificação de
instrumentos e dos conceitos que os governam” (“Classification of instruments”, GROVE,
2003:5). Seu objetivo principal foi o de agregar dimensões socioculturais ao estudo de
sistemas de classificações reconhecendo a necessidade de classificação enquanto “princípio
fundamental do pensamento humano” cujas classificações sociais ou individuais de
instrumentos “tenderiam a expressar os pressupostos culturais daquelas sociedades ou
indivíduos” (ib.). A priori Kartomi faz uma distinção entre as sociedades “cujas crenças,
práticas, histórias e esquemas classificatórios foram principalmente perpetuados pela
transmissão oral e as sociedades marcadas sobretudo pela transmissão letrada”.
Ao reconhecermos tais dimensões, podemos melhor compreender os processos
socioculturais em sociedades inter- ou transculturais (ORTIZ, 1940; 1963), ou cujos sistemas
identitários são complexos e dinâmicos, como no caso brasileiro. Neste horizonte do
conhecimento podemos reconhecer as múltiplas formas que as culturas e sociedades possuem
na sua organização da informação, seja dos instrumentos específicos ou das suas forma
agrupadas, que “podem estar baseados num número de facetas ou de simples ou múltiplos
11 Para uma completa bibliografia, referências e discussão ver em Karrtomi, M. verbete “Classification of Instruments”, Grove, 2003.
26
degraus na sua divisão” abrangendo “grandes esquemas (com poucos degraus ou categorias) a
agrupamentos detalhados (com um número substancial de degraus)” (Kartomi, idem, 2003).
Neste sentido, Kartomi contrapõe ao esquema tipológico (“acadêmico e artificial”),
um esquema taxonômico (“natural e cultural-emerging”) no qual as categorias subdividem-se
em taxa12, seja de forma simétrica ou assimétrica, como exposto na Fig. 3 abaixo.
Figura 3 - Exemplos de classificação descendente em taxonomias; o termo "categoria" é reservado para os níveis mais altos e "taxa" para o escalão inferior 13.
Desta forma, no mapeamento do bandolim brasileiro, utilizamos as categorias (nível
superior) de Hornbostel & Sachs a partir das quais procuramos identificar as derivações (taxa)
julgadas pertinentes, optando por uma classificação mais detalhada (“close groupings”) que
apresente os múltiplos degraus desta gênese no contexto cultural dos instrumentos explorados.
Esta derivação tornar-se-á imprescindível, não só pela ampla variedade de exemplares,
como pela complexidade de suas mutações em contextos transculturais complexos. Na
trajetória percorrida entre categoria e taxa, faz-se assim necessário verificar como e sob que
formas esta derivação engendrou instrumentos diversos e como distingui-los entre si.
Assim, dimensões socioculturais agregadas aos sistemas de classificação de
instrumentos formam um complexo orgânico para a compreensão de uma dada gênese. Estes
12 Taxa = plural de TAXÓN, unidade taxonômica nomeada (p.ex. Homo sapiens, Hominidae ou Mammalia), à qual indivíduos ou conjuntos de espécies são assinalados. 13Examples of downward classification in taxonomies; the term ‘category’ is reserved for the highest levels and ‘taxa’ for the lower step.
27
aspectos são observáveis na proposta genealógica que se segue, demonstrando a crescente
complexidade no uso e interação destes parâmetros na construção dos instrumentos à medida
que avançamos no arco do tempo e nos exemplares analisados justificativos de nossas
escolhas.
Para garantir clareza da exposição, toda a terminologia empregada encontra-se no
glossário (anexo A).
1.3 DO UD E TANBUR (SAZ) À CÍTOLA E AO GITTERN
Dentre os cordófonos compostos mais antigos do tipo alaúde (do tipo alaúde com
braço – 321) encontram-se o Ud 14 e o Tanbur (ou Saz) a partir dos quais se constituíram
versões de instrumentos de proporções menores. Exemplos de cordófonos desta categoria
foram representados em vestígios deixados pelas civilizações Egípcia, Hitita, Grega, Romana,
Búlgara, Gandaresa, Turca, Chinesa e Arménia/Siliciana. Seus modos e práticas assim como
sua estrutura construtiva apresentaram características, nomenclaturas e configurações em
conformidade com seu contexto de utilização15.
Vários tipos de Ud ou Alaúde foram usados em civilizações antigas, mas seu formato
se consolidou no início do século VII, na Pérsia, Armênia, Bizâncio e no mundo Árabe.
Possuía fundo de caixa abombado e suas cordas em tripa partiam de um cavalete que era
colado sobre o tampo superior. Ao longo de sua história foi executado tanto dedilhado como
com a palheta. O tampo em pinho apresenta geralmente uma a três rosáceas para a
transmissão sonora da caixa. Possuía o braço curto com ou sem trastes, geralmente em corda
ou tripa retorcida, amarrados no braço. No século X, segundo a enciclopédia Ikhwan al-Safa 16, a profundidade de sua caixa deverá ser metade de sua largura e a medida de seu braço
equivalente a um quarto de seu comprimento. Caso o braço tenha medida de 20 cm, seu
14 Ud significa madeira flexível, e com a junção do pronome em árabe, sua pronúncia “L’Ud” originou a denominação Luthier (em francês) para o construtor de instrumentos musicais. 15 SEVERINI (Il Fronimo, Nº 62, janeiro de 1988), MEER (revista Liuteria, Nª33, dezembro de 1991, ano XI), COATES (Early Music, janeiro de 1977, p. 75-87) e TYLER (Early Music, outubro de 1981, p. 438-446) foram os autores citados em artigos selecionados da Revista Plectrum indicada pelo prof. Ugo Orlandi no curso de bandolim clássico do Conservatório Giuseppe Verdi de Milão, 2008. 16 Texto do 'The New Grove Dictionary of Music and Musicians', Stanley Sadie(Ed), George Grove. Macmillan, London, 2003. Disponível no site http://www.oud.eclipse.co.uk/history.html, acessado em 12.08.2011 às 11h:01 min.
28
comprimento será de 80 cm, com ou sem cravelhal (tarraxas). O comprimento de sua corda
vibrante apresenta variação de 60 a 67 cm, conforme o modelo e menores medidas em torno a
52 cm têm sido observados. O material utilizado na confecção do alaúde é variado e para sua
montagem são utilizadas de diversos tipos de madeiras: nozes, faia, cipreste, pistache,
carvalho, cedro, mogno e pinho para o fundo de caixa e ébano para a escala. Ao longo do
tempo, seus modelos variaram de acordo com a proveniência sendo diversas suas afinações e
o número de cordas varia de 2 a 7 em simples ou duplas (par de cordas).
O formato dos instrumentos derivados do Alaúde assumiu características de um
segundo tipo de cordófono composto: o Tanbur. Proveniente da Pérsia, dentre seus três
tamanhos, o de menor porte, o Baglama, tornou-se o mais popular. Sua execução se dá com o
uso de palheta (ou plectro). Em seus modelos tradicionais, o corpo é esculpido em um bloco
de madeira, sendo oco por dentro, enquanto nos atuais, a caixa é montada com tiras de
madeira coladas. Possuía 8 cordas metálicas (com dois grupos de três cordas sendo central o
grupo de cordas duplas) partindo da parte inferior de sua caixa harmônica passando sobre um
cavalete móvel apoiado no tampo superior. O fundo de sua caixa era abaulado e seu braço
longo com trastes.
Figura 4 - O Imagem frontal e lateral do Tanbur (ou Saz). In: http://www.atlasofpluckedinstruments.com/middle_east.htm
29
Entre o Alaúde e o Tanbur destacam-se as seguintes características comuns: o fundo
abombado, cordas de tripa e o formato de pêra. Além destas características, suas cordas foram
fabricadas em dois materiais: inicialmente em tripa e posteriormente em aço 17. No entanto,
divergiam quanto ao tamanho do braço e o uso de trastes. O tamanho do braço do Tanbur era
mais longo do que o do alaúde, enquanto que o formato do abaulamento do fundo da caixa e a
existência de trastes eram características permanentes nos modelos do Tanbur.
Figura 4- Imagem comparativa de um Alaúde (na parte de cima da foto) e de um
Tanbur.
Figura 5- Imagem de um Alaúde e de um Tanbur em escala real.
17 Segundo entrevista do professor Ugo Orlandi a Sá (2005), no período de 17 a 23 de maio de 2002, a utilização de cordas de metal pelos árabes teve início em decorrência de uma grave epidemia que atingiu grande parte das criações de animais em determinada região do Oriente. Por esta razão, não podendo ser manufaturada a corda de tripa, passou-se a fabricar cordas de metal.
30
Dentre as versões de pequenos instrumentos derivados do Ud e Tanbur, destacamos no
início do século VI o Qopuz trazido pelos povos búlgaros aos Bálcãs. Era construído de uma
peça maciça de madeira rígida, cavada desde uma peça única e sobre a qual era colado o
tampo superior. Possuía formato piriforme. O número de cordas variava de três a cinco e eram
presas à extremidade inferior da caixa e dispostas sobre um cavalete móvel. Este instrumento
era tocado com uma palheta, assim como o alaúde árabe. Nesse período, a execução previa
somente uma linha melódica e não havia uma concepção polifônica definida o que permite
explicar a sua utilização predominantemente na monodia. A cabeça do instrumento era
curvada e as fontes de pesquisa, dentre elas a iconográfica, comprovam o uso de palheta.
Figura 6– Imagens do Qopuz . 18 In: http://www.atlasofpluckedinstruments.com/middle_east.htm
Durante a idade média, podemos constatar uma grande variedade de instrumentos nos
quais identificamos resquícios de características de construção retiradas seja do Alaúde seja
do Tanbur, seja de ambos, constituindo-se numa época de experimentação na fabricação dos
cordófonos compostos. Em finais do século XII, surge instrumento paradigmático desta
18 Disponível em http://www.atlasofpluckedinstruments.com/middle_east.htm, acessado em 11.08.2011, às 23 h: 09 min.
31
experimentação: a Cítola, constituindo-se no primeiro instrumento a apresentar construção de
fundo plano. Tal aspecto construtivo (o fundo plano) é uma característica encontrada nos
instrumentos do tipo Alaúdes ao qual o Bandolim Brasileiro - assim como outros
instrumentos utilizados no Brasil como o cavaquinho e os violões - pertencem, quais sejam os
alaúdes do tipo 321.322, que apresentam o braço conectado ou esculpido à caixa e com fundo
plano (ou guitarras de braço).
As fontes iconográficas indicam o corpo da Cítola em forma de “taça”, com braço e
cabeça, construídos a partir de um único bloco de madeira (ver figuras 8, 9 e 10). Sobre a
caixa era fixado o tampo superior plano com uma roseta talhada diretamente no tampo ou
feita separadamente e colada no mesmo. Possuía tampo superior e fundo de caixa planos,
braço longo e possuía cordas em metal simples ou duplas. O instrumento é representado com
quatro cordas, cavalete e uma caixa com desenho frontal com pequenas asas. Conforme suas
fontes iconográficas, o cavalete poderia ser móvel ou colado no tampo superior como no caso
do alaúde (TYLER & SPARKS, 1989 e SÁ, 2005) 19. Seu número de cori e de cordas em 4x2,
6x2 e 7x2 possuía dois tipos de afinação: si sol re mi / re fá si sol ré mi. A distância da
extensão de sua corda vibrante (medida entre o cavalete 20 e a pestana 21) media 34 cm.
Na França, foi mencionada no século XII em textos Daurel et Beton e Erec et Enid por
Chrétien de Troyes (1164) e por Guiraut de Calanson (1210) em seu Conseils aux jongleurs,
onde menciona que o jongleur deve saber tocar a Cítola ou Citole, dentre vários outros
instrumentos como o tambor, a sinfonia (sanfona), a Mandore, a harpa, a giga, e o saltério de
10 cordas. Assim, a Cítola configurou-se como um instrumento utilizado pelos jongleurs e
trovadores do seu tempo.
19 Paulo Henrique Loureiro de SÁ, bandolinista e professor da primeira cátedra do curso superior de bandolim no Brasil junto à UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendeu em sua dissertação de mestrado e tese de doutorado temáticas sobre o bandolim. São elas: a) “Receita de Choro ao molho de bandolim: Uma reflexão acerca do Choro e sua forma de criação”. Dissertação de mestrado no Conservatório Brasileiro de Música em Pós Graduação em Musicologia. Rio de Janeiro, 1999; e b) “A Escola italiana de Bandolim e sua aplicabilidade no Choro”. Tese de doutorado na UNIRIO em práticas interpretativas. Rio de Janeiro, 2005. 20 Ponte móvel colocado sobre o tampo superior da Cítola, asssim como no bandolim de modelos napolitano e no brasileiro (ver ilustração em anexo sobre as partes constituintes do bandolim). 21 Peça em osso ou madeira fixada no final da escala do instrumento (Citara, mandolino napoletano ou bandolim com modelo de caixa, utilizado no caso brasileiro) onde se apóiam as cordas no braço do instrumento e se dirigem à sua fixação nas tarraxas.
32
Na Itália, duas fontes iconográficas indicaram sua presença em uma escultura de
Benedetto Antelami, de 1180, no Batistério de Parma conforme figura 7:
Figura 7- Imagens de músico com Cítola, escultura de Benedetto Antelami, no Batistério de Parma, Itália, 1180. In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html 22
Contudo, na Espanha do século XIII, no conjunto de imagens que acompanham as
Cantigas de Santa Maria (figuras 8 a, b, c, d) é possível observar a presença de músicos que
tocam a Cítola (músico à direita na figura 8a e à esquerda na figura 8b) e outro instrumento
denominado Gittern (músico à direita nas figuras 8b e 9a).
8a 8b
Figura 8a e 8b – Imagens de ilustrações das “Cantigas de Santa Maria”, Espanha, século XIII. In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
22 Paul Butler, “The Citole Project”. Disponível em http://crab.rutgers.edu/~pbutler/instrum.html , acessado em 16.08.2011, às 16:20 min.
33
É possível observar também a representação de instrumento ancestral do violino nas
figuras 8a (acima) e 8c:
9a 9b
Figura 9a e 9b – Imagens de ilustrações das “Cantigas de Santa Maria”, Espanha, século XIII. In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
É possível observar pelas características dos modelos da Cítola (ver figuras 10 e 12)
que esta também participou da gênese do violino e do violão. As fontes documentais destes
instrumentos se relacionam com a derivação que culminou no modelo de bandolim brasileiro
por pertencerem a uma derivação de mesma “taxa”.
Apesar de a Cítola ter apresentado uma grande diversidade de formas (fig. 10 e 11),
esta se diferiu do Gittern (fig. 11) em muitos aspectos.
Figura 10 – Imagens de formatos da Cítola entre os séculos XII e XIV. In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
34
Figura 11 – Imagem da Cítola (acima) e Gittern (abaixo). In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
As informações gerais do Gittern indicaram variações quanto ao número de cori23 e de
cordas em 3x2, 4x2 e 5x2. Suas afinações24 se apresentam de quatro formas: sol do sol do / la
re sol do / sol do mi la/sol re fa# si / si mi la re. Seu tampo superior era plano, suas cordas
eram de tripa e seu cavalete era fixo (ORLANDI, 2002).
Entre os dois instrumentos medievais supracitados, enquanto a Gittern se consolidou
dentro da tradição do Alaúde assumindo formato frontal piriforme e fundo abombado, a
Cítola constituiu-se um instrumento de transição para outros instrumentos. Conforme figuras
23 Cori é o termo em italiano utilizado para designar grupo de cordas do bandolim de mesma afinação. 24 Todas as indicações de afinação das tabelas partem da primeira corda, que geralmente representa o som mais grave. Segundo Orlandi (2002) as indicações de várias épocas de difusão e comprimento de corda vibrante são aproximadas. As nomenclaturas dos instrumentos inseridas foram aquelas mais utilizadas.
35
de 8 a 10 e 11b, observa-se a variedade de formatos da Cítola com um fundo de caixa
predominantemente plano.
Ao longo da história destes exemplares, suas nomenclaturas apresentaram uma mesma
denominação para instrumentos diferentes assim como modelos iguais foram chamados com
nomes diversos. Assim, a caracterização das diferenças nos aspectos construtivos de cada
modelo foi relevante para estabelecer relações entre nomenclaturas e classificações.
1.4 DERIVAÇÕES NOS SÉCULOS XII A XVII: CÍTARA, BANDURRIA E VANDOLA.
1.4.1 A Cítara
Butler (2011 apud WRIGHT, 1976)25 em The Citole Project, apontou a Cítola
medieval como instrumento ancestral da Cítara renascentista. Este afirmação poderá ser
comprovada pela comparação entre estes modelos. Na figura 12, à esquerda, é possível
observar detalhes da lateral do braço da Cítola medieval (itens a, b e c) e uma comparação
com a lateral do braço da Cítara renascentista (item d) conforme a imagem comparativa entre
os dois instrumentos da figura 12.
Figura 12 – Imagens da Cítola e detalhe de lateral do braço da Cítara (d). In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
25 Laurence Wright - "The Medieval Gittern and Citole: A case of mistaken identity." in THE GALPIN SOCIETY JOURNAL, May 1976-77 pp. 8-42.
36
Apesar de alterações em seu formato, é possível localizar os vestígios das “asas” da
Cítola, na ornamentação de pequenos pergaminhos na parte superior da Cítara, conforme
figura 13:
Figura 13– Imagem posterior 26 e frontal da Cítara 27. In: http://crab.rutgers.edu/~pbutler/citole.html
A partir do final do século XIII e durante o período do Renascimento, a Cítara também
foi conhecida por diversos nomes, quantidade de cordas e afinações. As cítaras de modelo
italiano possuíam seis cordas duplas com a afinação: la– do–si–sol–ré–mi, enquanto aquelas
em modelo inglês e francês possuíam quatro duplas com a afinação: si–sol–ré–mi ; lá–sol–ré–
mi, respectivamente (GROVE, 2003).
O compositor e teórico Johannes Tinctoris descreveu uma espécie de Cítara derivada
da Lira em seu De Inventione (1487):
“ [...] outro derivado da Lyra é o instrumento chamado Cetula pelo povo italiano, que a inventou. Tem quatro cordas de latão e é tocada
26 Cítara construída por Girolamo Virchi (Brescia, 1574) para o Arquiduque Ferdinando do Tyrol. A cabeça era esculpida representando a morte de Lucrecia e o instrumento encontra-se no Kunsthistorisches Museum Wien. 27 A imagem à direita trata-se de uma xilogravura de uma Cítara no estilo francês, com quatro pares de cordas, retirada de uma publicação de Adrian Le Roy “Breve et Facile Instruction” (1565). Esta imagem também foi utilizada por Phalese e Bellere em Hortulus Cytharae (1570 – 1582). Informações disponíveis em http://www.cittern.theaterofmusic.com/woodcuts/index.html, acessado em 13/02/2011, às 20:40 min.
37
com um plectro. A Cetula é plana e possui elevações de madeira no braço, dispostas proporcionalmente conhecidas como trastes.”
Outros modelos possuíam quatro grupos de cordas nas versões simples, duplas ou
triplas, que variavam conforme seu contexto de utilização. Segundo Lanfranco (1533) e
Praetorious (1618-1619) também foram difundidas cítaras de seis cordas conforme
xilogravuras da época (inseridas na figura 13). Marin Mersenne (1639) e Athanasius Kircher
(1650) também dedicaram capítulos a seu estudo, com a descrição de afinações, informações
de ordem técnica, musical assim como sobre a cotação social do instrumento e de seus
intérpretes (CABRAL, 2007).
Figura 14 - Cítaras de seis cordas 28. In: http://www.cittern.theaterofmusic.com/woodcuts/index.html
Apesar das semelhanças com o Ud, que tinha cordas de tripa, a Cítara possui uma
sonoridade diferente pela utilização de cordas metálicas. Além desse detalhe, era tocada com
a palheta, o que lhe rendia maior volume de sonoridade que a do Alaúde, que era dedilhado.
Seu design com fundo chato era de construção mais simples e barata que o Alaúde. A Cítara
era mais fácil de ser tocada por ser menor e de fácil portabilidade.
Na metade do século XVII, a Cítara alcançou popularidade em todas as classes sociais
sendo retratada na iconografia de sua época. Sua presença é visível em 5 quadros da autoria
de Vermeer (1632 – 1675) 29, de um total de 36 pinturas existentes deste artista.
28 In: http://www.cittern.theaterofmusic.com/woodcuts/index.html, pesquisado em 13/02/2011; às 20h40min. Da esquerda para direita: 1- Citara de 6 cordas, Fonte: Lanfranco's Scintille di Musica of 1533; 2- Citara de modelo menor (43 cm de comprimento), fonte: Michael Praetorious' Syntagmatis Musici; 3- Citara de 6 cordas, Fonte: Michael Praetorious' Syntagmatis Musici; 4- Citara de 6 cordas, Fonte: Michael Praetorious' Syntagmatis Musici. 29 Artigo “Musical Instruments in Vermeer's Paintings: The Cittern” por Adelheid Rech (2011).
38
As características formais da Cítara, seus aspectos construtivos assim como sua
utilização como instrumento popular serão importantes para o estudo da tipologia do modelo
de fundo plano do bandolim Brasileiro. Tendo sido mencionada em documentos portugueses
e brasileiros do século XVI ao XVIII e também descrita no Diccionario de Autoridades
(1737) (BUDASZ, 2001), a Cítara inglesa derivou a Guitarra Portuguesa e esta o modelo do
bandolim brasileiro. A transição formal pela morfose dos modelos de fundo de caixa plano e
formato frontal piriforme envolveu a Cítara, a Guitarra Portuguesa e o Bandolim Brasileiro.
Estes instrumentos pertencem à vertente de modelos usados no contexto Ibero-americano,
enquanto que aqueles de fundo abombado, como foi o caso do Mandolino italiano, foram
utilizados no contexto europeu.
1.4.2 A Bandurria
Derivada da Cítara, a Bandurria foi um instrumento que prevaleceu no contexto
Ibérico mais especialmente nos países de colonização Espanhola na América Latina
juntamente a instrumentos como o Charango e o Quatro. Embora conste nas fontes
documentais brasileiras, a Bandurria não foi amplamente utilizada no contexto luso-brasileiro
tendo sido identificada predominantemente como uma tradição de origem hispânica.
Instrumento híbrido derivado dos instrumentos da categoria da guitarra e os da Cítara,
a Bandurria possui um corpo em menores proporções, caixa em formato de pêra, fundo de
caixa plano, laterais mais profundas que a Cítara e o braço curto, como o do Ud. Apesar de
possuir modelos de 3, 4 e 5 cordas, sua versão em seis cordas duplas foi a mais adotada no
contexto hispano-americano. Executada com o uso de palheta, as afinações mais utilizadas
para 6 pares de cordas duplas (partindo do grave) são: Sol�, Dó�, Fá�, Si, Lá e Sol, Si, Mi,
Lá, Ré, Sol 30.
Foi denominada “mandurria” no século XIV, por Juan Ruiz, em seu Libro de Buen
Amor (GROVE, 2003) e Bermudo (1555) 31 a descreve como um instrumento de três cordas
seguindo a configuração de uma rebeca. O autor não detalhou a técnica construtiva, nem a
30 Afinação utilizada também no Mandolino Lombardo ou Milanês. 31 Bermudo, Juan (1555), “Primeiro Livro de La Declaracion de Instrumentos, no livro segundo, cap. XXXII e livro quarto, cap. LXVIII e LXIX.
39
forma do instrumento. Sobre as primeiras afinações da Bandurria, Bermudo (1555) indicou
que suas três cordas eram afinadas em intervalos, da mais alta à mais baixa, em uma 5ª e uma
4ª, ou ao contrário (características similares à mandora francesa). O autor referiu-se também a
executores que afinavam em 5ªs e de bandurrias com 4 e 5 pares de cordas. Porém, não
forneceu as notas usadas para a afinação, referindo-se apenas a executantes que usavam
instrumentos com trastes enquanto outros não, e que devido às pequenas dimensões do
instrumento, era difícil inserir os trastes, pois possuía boa afinação. Portanto, as fontes
espanholas parecem sugerir que os primeiros modelos de bandurria fossem pequenos
instrumentos no estilo do alaúde ou da rebeca com afinações por 5ªs e por 4ªs (TYLER,
1989).
Figura 15 - A Bandurria32 e imagem de método de Bandurria de Miguet e Yrol (1752) 33
Assim é possível notar que a Bandurria, que tem características construtivas mais
próximas do Ud, prevaleceu na Espanha denotando uma separação entre os dois contextos
Ibéricos, quais sejam, o de Portugal e o da Espanha, refletindo-se nas suas respectivas ações
colonialistas na América. Ao se aproximar do Ud e preservar as mesmas proporções entre as
dimensões de braço, caixa, afinação e número de cordas o instrumento Espanhol preservará
características análogas a outros instrumentos Europeus como o Mandolino italiano
Lombardo ou Milanês, enquanto que a Cítara derivará a Guitarra Portuguesa no contexto da
cultura Portuguesa.
32 Fonte disponível sobre a história da Bandurria espanhola no período do Renascimento no site http://www.pedrochamorro.com/pdf/a13p.pdf . 33 Imagem extraída de detalhe da obra de Pablo Minguet y Yrol “Reglas, y advertencias generales para taner la guitarra, tiple y vandola” (Madrid, data estimada: 1752).
40
1.4.3 A Vandola
A descrição da Vandola, ou suas denominações Mandola, Mandolla ou Alaúde
Soprano, segundo Orlandi (2002) indicou um modelo com 6 pares de cordas de afinação: fa#
(sol) si mi la re sol. Com difusão estimada entre os períodos de 1550 a 1780, possuía
comprimento de corda vibrante de 33 a 35 cm, tampo superior plano, cordas de tripa e
cavalete fixo. É possível que sua nomenclatura tenha sido alterada devido à troca da letra “V”
pela letra “B”do termo original “Vandola” por “Bandola” por sua pronúncia em terras
lusitanas (ORLANDI, 2011). Uma segunda hipótese a indicou como pertencente à categoria
do Alaúde Soprano, com sua nomenclatura derivada provavelmente de “Mandola” (TYLER
& SPARKS, 1989).
No contexto das publicações ibero-americanas, assim como a Bandurria, a Vandola
também foi referenciada no “Tractat breu”, um apêndice de autoria anônima, acrescentada à
obra do catalão Joan Carles Amat (1572-1642) “Guitarra Espanhola” (Gerona, Francisco
Oliva, sem data) publicada entre 1703 e 1713. Nesta publicação, a Vandola é descrita com 6
pares de cordas duplas (como a Bandurria) e o autor ressalta também que exemplos de
instrumentos de 4 e 5 pares de cordas não são muito comuns àquela época. Quanto à sua
afinação, foi indicada a mesma afinação da guitarra espanhola.
Referências à Vandola também se encontram na obra de Pablo Minguet y Yrol
“Reglas, y advertencias generales para taner la guitarra, tiple y vandola” (Madrid, 1752). As
anotações de Minguet são claramente colhidas do supracitado “Tractat Breu”, com o
acréscimo de um desenho da Vandola. É descrita como instrumento de 6 pares de cordas
dispostos sobre o corpo em forma de alaúde, de cabeça reta, como no violão. No mesmo
período, também foi referenciada no livro de André de Sotos “Arte para aprender... a
guitarra” (Madrid, 1764).
41
Figura 16 - Capa da obra de Pablo Minguet y Yrol “Reglas, y advertencias generales para taner la guitarra, tiple y vandola” (Madrid, data estimada: 1752).
Todas as três fontes citadas, incluindo as edições posteriores de Amat, implicam uma
técnica da mão direita sem palheta e todas são em acordo no que se refere à afinação deste
instrumento, como sendo igual àquela do Alaúde Soprano (ré, la, mi, dó, sol e ré).
1.4 A GUITARRA PORTUGUESA
Na metade do século XVII, a Guitarra Portuguesa, descendente da Cítara
renascentista, foi derivada do modelo inglês deste instrumento, também denominado como
Chitarra, Cetra ou Citra. Apesar de possuírem o mesmo número de seis cordas duplas, e
formato, divergiam quanto à afinação. As cordas da Guitarra Inglesa eram afinadas em do mi
sol do mi sol, enquanto que a Guitarra Portuguesa se afinada de duas formas: em Lisboa
(aguda), ré la si mi la si, e em Coimbra (grave), do sol la ré sol la. O comprimento da corda
vibrante da Guitarra Inglesa era de 42 cm, enquanto que a Guitarra Portuguesa variava de 44 a
47 cm. Ambos os modelos possuíam tampo superior levemente abaulado, cordas de metal e
cavalete móvel (GROVE, 2003 e ORLANDI, 2002).
Em 1758, o professor de Guitarra Inglesa Robert Bremner indicava uma técnica que
consistia em executar a guitarra no colo, preferencialmente com o auxílio de uma fita sobre o
ombro esquerdo. A técnica de dedilhado seguia a do Ud, na qual o dedo mínimo da mão
direita apóia no tampo superior próximo à primeira corda e o toque é feito com as pontas dos
outros dedos. Assim, foi desenvolvida uma técnica do polegar e do dedo indicador com a
inclusão dos dedos médio e anelar. Nesta técnica também foram inseridas orientações sobre
ornamentação e variações na execução de repertório constituído por arranjos solo de canções
42
de teatro e peças dançantes. Em 1760, foram compostos trios para violino e violoncelo por
Felice Giardini e duos com cello por Francesco Geminiani (GROVE, 2003).
Sua nomenclatura incluiu seu contexto de atuação geográfica tendo sido utilizada em
países europeus como França, Inglaterra, Alemanha e Portugal (GROVE, 2003). No início de
século XVIII, a Cítara alemã 34 foi introduzida na Inglaterra. No ano de 1795, foi publicado
um tratado dedicado ao modelo inglês intitulado “Estudo de Guitarra” da autoria do
compositor português Antonio da Silva Leite (1759-1833) (CABRAL, 2007) 35. Este autor
também foi professor de música, organista, mestre de capela e guitarrista, tendo publicado
seis sonatas para Guitarra (Porto, 1792) e inserido em seu tratado vários minuetos, marchas e
contradanças (GROVE, 2003).
1.5 O BANDOLIM BRASILEIRO
Embora o Bandolim Brasileiro possua a mesma afinação e número de cordas do
Mandolino italiano, difere quanto a seu fundo de caixa e contorno do tampo superior. Na
Itália, dentre os cordófonos de fundo abaulado, dois modelos de bandolim se destacaram: o
Mandolino Milanês ou Lombardo, na segunda metade do século XVII e o Mandolino
Napolitano, na segunda metade do século XVIII. Enquanto no modelo brasileiro (ver
nomenclatura de suas partes no anexo B), temos o tampo superior e posterior levemente
abombados, como na Guitarra Portuguesa, o tampo frontal do Mandolino possui inclinação na
altura do cavalete e fundo abombado, conforme figura 17:
Figura 17 - Da esq. para dir.: imagem em escala real do Bandolim Milanês ou Lombardo (século XVII) e do Bandolim Napolitano (século XVIII)
34 Os autores franceses designavam a cítara alemã por “Guitare Allemande”. 35 Informações extraídas da história da Guitarra Portuguesa por Pedro Caldeira Cabral, guitarrista e pesquisador, contidas no “Portal da Guitarra Portugesa”: http://www.guitarraportuguesa.com/ acessado em 30/09/2007.
43
Dentre as características que diferenciam o bandolim brasileiro do modelo napolitano,
além de sua caixa, sua sonoridade condiciona um resultado musical diferenciado. A
sonoridade do bandolim de caixa possui um ataque mais forte que o do modelo napolitano, no
entanto este último projeta o som a uma maior distância devido ao formato de sua caixa
abaulada. Os aspectos relativos à forma de tocar entre os modelos brasileiro e italiano
permanecem os mesmos, pela semelhança de afinação, extensão de corda vibrante e técnica
executiva. No entanto, métodos de bandolim napolitano dão ênfase à técnica do bandolim
modelo italiano quanto ao estudo da mão direita (palhetada). A diversidade de materiais
utilizados para a confecção palheta na execução do bandolim tem se verificado por meio
destas publicações, assim como em fontes iconográficas. Conforme figura 18, é possível
constatar também diversas formas de palheta:
Figura 18 - Várias formas de palhetas 36 (PISANI, 1996).
Na segunda metade do século XIX 37, o fado, gênero musical português tradicional
utilizava o acompanhamento da guitarra portuguesa, assim como existiam concertos solo
deste instrumento. Neste período, os nomes cítara e “Guitarra Portuguesa” tendem a se
confundir, embora não tenha sido documentado nas publicações e dicionários da época 38. No
século seguinte, este gênero da música portuguesa iria influenciar o carioca Jacob do
36 Imagem extraída do “Manuale teórico-pratico Del mandolinista” de Agostino Pisani (1923), página 64, figuras 29 e 35. 37 Período indicado por vários historiadores como sendo marcado pelo surgimento do gênero musical Choro, na cidade do Rio de Janeiro. 38 Cabral (2007) faz referência aos seguintes dicionários literários e musicais: Fonseca e Roquete (1848), Eduardo Faria (1849) e F.Fétis / José Ernesto d’Almeida, Porto (1858).
44
Bandolim (1918-1969) 39, que imprimiu à suas interpretações muitos elementos da estética
musical deste estilo. No depoimento de Jacob ao Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro, em fevereiro de 1967, o músico declara ter tocado música portuguesa como
violonista, fato que quase o fez desistir do bandolim. Seu bandolim foi construído por um
luthier português de sobrenome Silva e constatamos grande semelhança formal em relação à
Guitarra Portuguesa como indicamos nas fotografias da figura 19 abaixo:
19a 19b
Figura 19 - À esquerda: Imagem de uma Guitarra portuguesa (19a) e Imagem de Jacob com o seu bandolim (19 b).
In: http://www.guitarraportuguesa.com/ e http://www.samba-choro.com.br/s-c/jacob.html
Apesar da semelhança entre os modelos da Guitarra Portuguesa e o bandolim de
Jacob, Sá (2005, p. 156) suscitou uma contradição com relação ao modelo fixado no Brasil.
Por meio de sua visita ao Museu de Música de Lisboa, contatos com luthiers e musicólogos
portugueses, identificou-se a inexistência de bandolins em forma de guitarra portuguesa,
como o modelo brasileiro. As idas e vindas de portugueses e brasileiros entre Portugal e
Brasil contribuiu para o surgimento de formas de bandolim brasileiro com características da
Guitarra Portuguesa.
39 Jacob Pick Bittencourt, o “Jacob do bandolim”, nascido em 14/2/1918 no Rio de Janeiro - RJ e falecido na mesma cidade em 13/8/1969.
45
Segundo informações fornecidas pelo bandolinista Joel Nascimento40, na ocasião em
que esteve em Portugal no início da década de 1990, ele localizou um bandolim em formato
de guitarra portuguesa. Este exemplar era o mesmo modelo usado por Jacob do Bandolim e
estava em uma exposição no Convento dos Jerônimos juntamente com um violão e uma
Guitarra Portuguesa. Além de detalhes sobre o assunto, Joel também informou sobre como se
deu a construção do bandolim de Jacob:
[...] Como é sabido, os portugueses aderiram a forma de fundo chato devido a problemas técnicos e do tipo de madeira usada na forma tipo alaúde ou bandolim napolitano. Era menos complicado. Considero que a atribuição da origem do modelo aguitarrado parte sem uma especificação definida sobre a sua origem. Não há provas do pedido de Jacob ao Vicente, que era Luthier do Bandolim de Ouro, para fazer aquela forma de bandolim. Foi o Vicente o Luthier que fez o primeiro bandolim de fôrma aguitarrada para o Jacob. O segundo Bandolim foi uma réplica do primeiro onde Jacob encomendou ao Luthier português Silva para construí-lo. O Silva fez o instrumento com a mesma fôrma, o mesmo tamanho e a cópia do desenho esculpido na cabeça do instrumento. O material usado foi muito inferior ao primeiro bandolim feito pelo Vicente. Eu faço a revisão da preservação dos bandolins de Jacob confiados e autorizados por sua filha Elena Bittencourt. Conheço muito de perto todo o trabalho feito nos dois bandolins. [...]
O modelo de Jacob foi o adotado pela maioria dos bandolinistas brasileiros. Este
modelo 41 possui quatro ou cinco cordas duplas e suas respectivas afinações são: sol, re, la, mi
e do, sol, re, la, mi. Possui 35 cm de comprimento de corda vibrante 35 cm, 31 cm de
comprimento de caixa, 30 cm de largura de caixa e 6 cm de lateral de caixa, sendo mais
reduzida na junção do braço com a caixa (ver em anexos a Nomenclatura das partes do
Bandolim Brasileiro). Possui 3 cm de pestana e 63 cm de comprimento total com seu tampo
superior levemente abaulado, cordas metálicas e cavalete móvel.
Na genealogia do modelo utilizado no Brasil, a transição entre os cordófonos pode ser
verificada pela semelhança entre os modelos da Cítara, da Guitarra Portuguesa e do Bandolim
Brasileiro conforme figura 20 abaixo:
40 E-mail enviado ao autor em 04 de abril de 2011, às 15h: 19m. 41 Medidas do bandolim fornecidas pelo luthier Pedro Santos, em e-mail de 15.07.2011.
46
Figura 20 - Da esquerda para direita: imagem frontal e lateral da Cítara, Guitarra Portuguesa e do Bandolim Brasileiro (em tamanho real).
Figura 21 - Afinação dos bandolins do tipo Napolitano e o utilizado no Brasil (PISANI, 1996).
Na periodização exposta na tabela 3 e figura 22 é possível sintetizar como se
processou a transição entre os principais instrumentos que participaram de uma taxonomia do
percurso que levou ao Bandolim Brasileiro. Assim, é possível mapear a vertente de
instrumentos de tradição ibero-americana constituída pelos modelos de fundo de caixa plano
assim como a vertente européia representada pelos exemplares de fundo de caixa abombado.
47
Tabela 3 – Principais instrumentos que participaram da gênese do Bandolim Brasileiro
Antiguidade 4.000 a.C. - 476 d.C.
Idade Média 476 d.C.-1453
Renascimento Final séc. XIII e início de
XVII
Barroco Séc. XVII a 1750
Classicismo (Iluminismo) Metade do
séc. XVIII a início do séc. XIX
Bandurria (Espanha,1555)
Mandolino/ Mandoline/ Mandolino Napolitano
(1740) Ud
Qopuz (sec. X)
Gitern
(1270-1470) Guitarra Inglesa (1750)
Guitarra Portuguesa (1760)
Tanbur (ou Saz)
Cítola
(século XII)
Cítara (1450)
Vandola (1700)
Mandolino Milanês/ Mandolino Lombardo
(1760)
Figura 22 - Quadro geral instrumentos da Genealogia do Bandolim Brasileiro
A - Alaúde Árabe (L’Ud)
B - Tanbur (ou Saz)
C - Mandolino Milanês ou Lombardo
D – Mandolino Napolitano
E - Cítara
F - Guitarra Portuguesa
G – Bandolim Brasileiro
48
2 BANDOLIM NO BRASIL E O CHORO
O presente capítulo se propõe a identificar a presença dos cordófonos que participaram
da gênese do bandolim no Brasil. Por meio de levantamento de fontes históricas e
iconográficas buscou-se identificar os principais exemplares que modelaram o bandolim
brasileiro, assim como seus primeiros exemplares e contextos sociais de utilização.
Os modelos ancestrais do bandolim provenientes do contexto ibero-americano serão
identificados no intuito de caracterizar a consolidação prática deste instrumento no Brasil.
Serão analisadas três fontes de pesquisa do século XIX constituídas pela iconografia dos
pintores Debret e Rugendas, pelas informações sobre as vendas de cordófonos no periódico
Almanack Laemmert, assim como registros aduaneiros da cidade do Rio de Janeiro.
O acervo iconográfico do século XIX constitui fonte de informação musical e de
reflexão sobre como se processou a cultura musical no contexto do bandolim brasileiro.
Assim, buscou-se organizar conceitualmente os modos e práticas dos instrumentos de cordas
dedilhadas pertencentes à taxa do modelo adotado no Brasil e sua relação musical no contexto
luso-brasileiro. Por meio da apreciação comparativa dos exemplares analisados no estudo
organológico em questão, pretende-se identificar aspectos sobre a permanência de derivações
de instrumentos medievais no Brasil.
A representação dos cordófonos feita pelos pintores europeus remete à uma discussão
sobre a possibilidade destas serem representações de modelos originais ou resultado de
“inspirações” colhidas de instrumentos utilizados à época em contextos diferentes. No intuito
de confrontar informações sobre estes exemplares, buscou-se a documentação constituída pelo
citado Almanack Laemmert e as informações sobre sua fabricação e comercialização no
Brasil.
Com a caracterização do modelo brasileiro com base no estudo organológico e fontes
documentais iconográficas e históricas, torna-se necessária a contextualização de seus modos
e práticas. O conceito de “prática do bandolim brasileiro” remete à uma forma de tocar este
instrumento pela maioria dos bandolinistas no Brasil. O contexto carioca foi palco das
49
transformações culturais brasileiras e foco de origem de vários gêneros musicais. Neste
ambiente, o bandolim brasileiro se inseriu absorvendo influências culturais diversas, como um
resultado de uma miscigenação cultural. Com base nas informações sobre o que é o bandolim
brasileiro em sua forma, buscou-se caracterizar sua tradição por meio de seus modos e
práticas em seu contexto de utilização.
Os gêneros musicais predominantes no contexto carioca do século XIX estabeleceram
tradições de classes sociais diversas. Como uma resposta às danças européias da moda, surgiu
o Choro, e nele a prática do bandolim brasileiro. Assim, buscou-se a definição deste gênero
musical que apresentou em sua história diversos significados como: gênero musical, conjunto
de danças populares, forma de tocar, baile, como também uma escola para músicos e
compositores. Neste contexto, o bandolim brasileiro se inseriu e assimilou influências da
cultura européia assim como do hibridismo afro-brasileiro. Suas características foram
incorporadas neste contexto e assim tornou-se necessário o levantamento de como se
processou e se difundiu a tradição na forma de se tocar o bandolim brasileiro.
Assim como exemplares de cordófonos modelaram o bandolim brasileiro, o Chôro
sofreu modelagem por suas influências e pelo processo de hibridação cultural no contexto
carioca. Dentre os gêneros musicais que inspiraram a forma de se tocar o Choro em sua
trajetória, buscou-se relacioná-lo com a Polka, a Modinha e o Maxixe.
Ao longo da história do Choro, seus músicos, também conhecidos como “chorões” ou
“choristas” estiveram presentes nos primórdios das gravações no Brasil. O mercado
fonográfico e o surgimento da rádio contribuiriam para a difusão de tradições musicais e seus
artistas propagaram sua música no contexto nacional e internacional. Assim, buscou-se
identificar a participação de bandolinistas nos primeiros registros fonográficos no Brasil no
intuito de caracterizar o gênero predominante na execução deste instrumento, seus
executantes e forma de se tocar o referido instrumento.
50
2.1 ANCESTRAIS DO BANDOLIM BRASILEIRO EM PORTUGAL E NO BRASIL
A presença de Cítaras foi verificada nos registros alfandegários assim como a
comercialização de cordas para este instrumento (PEREIRA, 2010). No entanto, verificou-se
a dificuldade quanto à nomenclatura do instrumento. Sua denominação foi questionada, pois
foi descrita como sendo “instrumento musico, pouco diverso do alaúde” (BLUTEAU, 1712,
p. 331) como também como um sinônimo do Alaúde (SILVA, 1831, vol. 1, p.394). A
indefinição de uma terminologia é comprovada por Pereira (2010):
“Para as referências às cítaras no séc. XVI, como é o caso dos documentos jesuíticos, acredita-se que tais instrumentos referem-se às violas e não aos alaúdes, visto que não existem referências à presença destes últimos no Brasil nesta época (HOLLER, 2006, vol. 1, p. 108). Quanto aos séc. XVIII e XIX, ainda não se podem levantar conclusões.”
Dentre os documentos sobre a Cítara em Portugal, Cabral (2007) indicou duas
referências. A primeira trata-se do relato de Garcia de Resende (cronista, cantor e músico), na
“Hida da Princeza D.Beatriz para Sabóia,” sobre uma situação ocorrida em 1521, na qual
uma cítara e três violas de arco são embarcadas no navio que transportava a referida princesa.
A segunda citação de Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1585) foi inserida nos dizeres
populares portugueses: “palavras sem obras, cíthara sem cordas...” (Comédia Eufrosina,
1543).
Sobre as primeiras documentações sobre a presença da Cítara no Brasil, a pesquisa de
Paulo Castagna 42 extraiu das séries Inventários e Testamentos indicações sobre a
comercialização de instrumentos musicais no Brasil entre os anos de 1604 e 1700 (BUDASZ,
2001 apud CASTAGNA, 2000). Na tabela de Castagna (2000) constam dois exemplos de
cítaras sendo a primeira do ano de 1615 e a segunda de 1650. Além destes dois exemplares,
foram enumerados outros instrumentos musicais como pandeiro, violas e arpas.
No ano de 1632, em São Paulo, a Cítara é referenciada no inventário de Francisco de
Leão, onde indica que este instrumento havia sido importado de Portugal com um custo de
480 réis. O Catálogo da Livraria Real de Música de D.João IV, publicado em 1649,
42 Paulo Castagna, “O estilo antigo na prática musical paulista e mineira nos séculos XVIII e XIX” (Ph.D. diss., Universidade de São Paulo, 2000), vol. 1, 215.
51
referenciou vários livros estrangeiros de Cítara publicados na época. O referido Catálogo
mencionava o livro “obras para Cíthara, escritas de mão”, onde se presume que seria uma
obra portuguesa devido à seu desaparecimento em Portugal, causado pelo terremoto de 1755
(Cabral, 2007).
Em São Paulo, o inventário de Francisco Ribeiro (22 de agosto de 1615) mencionou
uma Cítara ou Sitra com roseta trabalhada avaliada em 1280 réis e vendida em 1632 por 480
réis (BUDASZ, 2001).
A presença da Cítara no contexto nordestino brasileiro também foi indicada por
Budasz (2001):
“No século seguinte, ela aparece nas mãos do Padre Antonio da Silva Alcântara (b. 1712) a partir de Olinda (Pernambuco), que, de acordo com Loreto Couto, compôs "sonatas para violino (rebecas), para cravo e para Citara." No século XIX, a Cítara foi um dos principais instrumentos para o acompanhamento de músicas populares - ou modinhas - como relatado por vários cronistas.”
No ano de 1789, foi publicado em Lisboa o Diccionário de Rafael Bluteau, que foi
revisado posteriormente por Morais e Silva, onde temos uma referência sobre a cítara:
“Instrumento músico de braço mais longo que a viola, com cordas de arame, e trastos de latão. huns inteiros e outros té meia largura do braço, mostrando que entre nós ainda se usava o modelo antigo, com distribuição irregular do trasteado” ( SILVA, 1831, vol. 1, p. 394).
Os documentos alfandegários da cidade do Rio de Janeiro indicam a importação de
Cítaras dentre os instrumentos musicais comercializados. Segundo Pereira (2010)43, o
documento chamado “Nova Pauta da Alfândega do Rio de Janeiro”, sem data, seria o mais
significativo por vários aspectos. Estima-se que o mesmo seja uma fonte documental do início
do século XIX, conforme a observação e comparação da autora com outros manuscritos.
Constituindo-se como parte de um fundo/coleção datado de 1714-1807, observa que é o
material melhor detalhado. O preço de mercado e os impostos dos referidos produtos são
discriminados a partir dos valores calculados no documento. Selecionamos alguns 43 Artigo da autora Mayra Pereira “Instrumentos musicais em documentos alfandegários do Rio de Janeiro”, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), ao XX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, realizado em Florianópolis (2010).
52
instrumentos registrados pelo documento, que possuía uma extensa listagem contendo trinta
itens entre instrumentos e acessórios musicais:
Tabela 4 - Listagem de alguns instrumentos musicais presentes na “Nova Pauta da Alfândega”
(PEREIRA, 2010).
Em 1843, Lopes Gama, também de Pernambuco, assim declarou os costumes de sua
juventude (BUDASZ, 2001):
“Também se tocava e cantava, não árias de Rossini ou Bellini ao piano, porém modinhas a duo, acompanhadas na cítara ou na viola . . . Toda a moça de maior porte tocava saltério ou a tal cítara, que tinha mais de um côvado de braço.” 44
Sobre o declínio da utilização da Cítara no Brasil, Budasz (2001) citou o Relatório de
Lopes Gama, que menciona as características de seus modos e práticas. Três fatores foram
indicados em sua análise: a princípio, a Cítara não apresentava uma conexão com a música
popular como no caso da viola. Além deste fato, seu repertório utilizado pela classe média
urbana se tornou antiquado. Por fim, a ascensão do piano como instrumento de destaque nas
grandes cidades do sul do Brasil contribuiu para seu esquecimento.
Sobre a Bandurria, documentações portuguesas do século XVII são provenientes do
Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Um regulamento de 1605 limitou a execução de
bandurria a lugares específicos, pois era costume para os monges se divertirem tocando
bandurras, violas e cítaras (BUDASZ, 2001). As informações sobre a Cítara indicaram
também a existência de um instrumento denominado “Bandurrinho”, provavelmente derivado
da Bandurria espanhola. Trata-se de menção sobre o Padre João de Lima na publicação
44 Citações de José Antonio Gonsalves de Mello, O carapuceiro: O Padre Lopes Gama e o Diário de Pernambuco 1840-1845 (Recife: FUNDAJ, 1996), 52.
53
“Desagravos do Brasil” 45, que o identificava como executante de instrumentos de corda, tais
como: Viola, Cíthara, Theorba, Harpa, Bandurrinho e Rabeca.
As referências sobre os instrumentos ancestrais do bandolim em Portugal e no Brasil
foram indicadas por CASTRO (2007, p. 56) apud BUDASZ (2001):
“A ‘bandurra’ de cinco ordens já foi um instrumento comum em Portugal e no Brasil nos séculos XVII e XVIII. Gregório de Matos já mencionou a bandurrilha, provavelmente um tipo pequeno de bandurra; Loreto Couto fala de um padre na Bahia chamado João de Lima, que tocava, entre outros instrumentos, viola, cítaras e bandurrilha. Juan José Rey, sendo seu grande estudioso, afirma que nos séculos passados não havia modelos padrão para este instrumento, e entre outras coisas ela poderia ser tocada dedilhando ou com plectro e possuir cordas simples ou duplas, de tripa ou de metal (BUDASZ, 2001: 34, 37)”.
No Brasil, a presença da bandurria colônia foi assim descrita por Budasz (2001):
“Em um de seus poemas, Gregório de Mattos mencionou a “bandurrilha”, que provavelmente era um tipo menor de bandurria. Em 1759, Domingos do Loreto Couto afirmou que o padre João de Lima, mestre de capela na Bahia e um conhecedor de Mattos, tocou viola, cítara e bandurrilha dentre outros instrumentos.”
A tradição vinda da colonização europeia por meio das imigrações no século XIX se
difundiu em todo o continente americano. Na Argentina, Peru e Colômbia, a Bandurria
espanhola foi o instrumento escolhido em função da herança de dominação política da corte
sobre a colônia sob a qual estabelecia sua ação. Um exemplo de sua difusão se deu por meio
de grupos musicais denominados “Estudantinas”. 46
A Bandurria ou Bandurra é geralmente relacionada às práticas folclóricas e populares,
o que provavelmente seria o motivo pelo qual não constou nas documentações sobre a viola
em Portugal (BUDASZ, 2001). Juan José Rey, autor do estudo mais abrangente sobre a
Bandurria explicou que, em séculos passados, não existiram modelos padrão para este
45 Dom Domingos Loreto Couto,. “Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco”, publicado pela Oficina Typographica da Bibliotheca Nacional, 1904, Rio de Janeiro. 46 No idioma espanhol, “estudiantina”, nome derivado de estudantes, são grupos tradicionais da cultura musical universitária, comuns em Portugal e Espanha até os dias atuais.
54
instrumento e que, dentre outras características, poderia ser tocada com os dedos e possuir
cordas simples (BUDASZ, 2001 apud REY, 1993). 47
No século XIX, a Bandurria no contexto americano foi executada em grupos do tipo
estudiantina, conforme descrito em “Memórias de um bandolinista” 48, do autor americano
Samuel Adelstein (1860 – 1910). Nesta publicação, o autor relatou suas viagens e contatos
com diversos bandolinistas da época em vários países como Itália, Alaska, Hawai, Japão,
Índia e Europa. Adelstein referiu-se a tocadores de Bandurria da Orquestra “Fígaro Spanish
Students” de Madri, formado por 22 componentes, que chegaram na América em 1879.
Segundo Orlandi (2011), o primeiro concerto do “Spanish Students” se deu em Santiago no
Chile. Na composição deste grupo, temos 13 Bandurrias, 7 violões, um violino e um
violoncelo. O retorno deste grupo à Espanha se deu em 1881 e, no ano seguinte, retornou ao
México, sob a direção do maestro Garcia (ADELSTEIN, 1999).
No contexto brasileiro, embora a Bandurria não tenha sido utilizada como parte de
uma tradição musical como o Bandolim, foi retratada em fotos do início do século XX. Em
1928, um libreto publicado pela loja carioca “Cavaquinho de Ouro” inseriu fotografia do
cavaquinista brasileiro Mário Alves empunhando uma Bandurria conforme figura 15:
Figura 23 - Imagem do cavaquinista brasileiro Mario Alves tocando uma Bandurria49
47 Juan José Rey, Los instrumentos de púa en España (Madrid: Alianza Editorial, 1993), 60. 48 Adelstein, Samuel. “Memorie di um Mandolinista”, Turris Editrice. Livro traduzido em língua italiana por Giovanna Berizzi e Ugo Orlandi em 1999. 49 Fotografia publicada em libreto 1ª Feira de Amostras do Districto Federal sobre o histórico da loja Cavaquinho de Ouro e o Resurgimento do Violão, Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1928.
55
Quanto à presença de Guitarras Portuguesas no Brasil, Budasz (2001) referiu-se à
comercialização de artefatos como cordas de tripa e trastes importados da Europa,
freqüentemente citados nos estoques durante o período colonial. Além da vinda de
instrumentos de Portugal, existia o contrabando de instrumentos musicais portugueses da
Argentina para o Brasil. Documentos indicam a comercialização de Guitarras no ano de 1676
e 1708. Segundo constava no Inventário de Don José Bravo (1796), Juan José Martínez
possuía em 1752, uma Guitarra Portuguesa grande, fabricada em jacarandá, madeira brasileira
(BUDASZ, 2001 apud GRENÓN, 1929) 50.
Em 1704, em Caracas, no inventario de Don Juan de Ascanio, foi vendida uma
Guitarra Portuguesa de grande porte, com peças de marfim e ébano (BUDASZ, 2001).
Constaram nestes inventários de mesma época, a mesma denominação para o instrumento
para diferenciá-la de outros instrumentos de pequeno porte. Outros tipos de Guitarra de cinco
ou quatro cordas foram comercializadas como a Meia-viola, o Requinto, a Guitarrilla e o
Machete. A proximidade territorial facilitou a aquisição de instrumentos portugueses para o
Brasil por meio do contrabando. A preferência por estes instrumentos pode ser justificada pela
qualidade da fabricação lusitana. (BUDASZ, 2001).
2.2 A ICONOGRAFIA DE DEBRET E RUGENDAS
É certo que no Brasil a cabana e o palácio são o berço comum da música. Por isso ouve-se dia e noite o som da marimba do escravo africano, do violão ou do cavaquinho do homem do povo e a harmonia mais sabida do homem rico. (Jean-Baptista Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, 1834-1839) 51
Constatou-se uma diversidade de instrumentos cordófonos no Brasil e em Portugal
entre os séculos XVII e XVIII (CASTRO, 2007 apud BUDASZ, 2001) 52. As evidências desta
50 Pedro Grenón, Nuestra primera música instrumental, datos históricos (Buenos Aires: Librería La Cotizadora Económica, 1929). Citado por Richard Pinnell, The Rioplatense Guitar (Westport: The Bold Strummer, 1993), 202-12. 51 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Trad. Sérgio Millet. São Paulo: Editora Martins, 1954, vol. III, p. 108. 52 BUDASZ, Rogério. The Five-Course Guitar (Viola) in Portugal and Brazil in The Late Seventeenth and Early Eighteenth Centuries. PHD Dissertation from University Of Southern California, august, 2001.
56
diversidade com relação ao bandolim se comprovam pela menção aos instrumentos
encontrados no Brasil neste período dentre os quais “Cítaras”, “Bandurras”, “Bandurrilhas”
e “Violas”. No entanto, observou-se também a dificuldade quanto à nomenclatura destes
instrumentos presentes nas fontes documentais e iconográficas.
Quanto às fontes iconográficas, Castro (2007) e Nogueira (2008) analisaram as obras
dos pintores Debret53 e Rugendas 54. Nas ilustrações destes artistas, é possível encontrar uma
diversidade de cordófonos compostos, dos quais, para este trabalho, foram selecionados
aqueles pertencentes à organologia do bandolim.
A ilustração de Debret (figuras 24 e 25) “Passatempo dos ricos depois do jantar”
(1816) retratou um modelo de bandolim55 de fundo de caixa abombado no contexto do Rio de
Janeiro do século XIX. Sobre a ilustração, Debret publicou um texto sobre a imagem onde fez
uma alusão à “saudade”:
[...] É lá que durante o silencioso recolhimento de um pós jantar, abrigado dos raios de Sol, o “jovem Brasileiro” se abandona sem reserva ao império do saudosismo (balanço refinado de alma, muito imperfeitamente traduzido pela “doce e sonhadora melancolia”). Esta delicada “saudade”, quintessência da volúpia sentimental, se apodera então da sua verve poética e musical, que se difunde pelos sons expressivos e melodiosos de sua flauta, instrumento de predileção; ou ainda por um acompanhamento cromático improvisado sobre sua guitarra, cujo estilo apaixonado ou ingênuo colore sua engenhosa “modinha” (romance). Feliz de seu passatempo que o enriquece de
53 Jean Baptiste Debret (1768-1848) foi pintor e desenhista integrante da Missão Artística Francesa (1816). Fundou no Rio de Janeiro uma Academia de Artes e Ofícios, mais tarde Academia Imperial de Belas Artes onde lecionou pintura. De volta à França (1831) publica a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement), documentando aspectos da natureza, do homem, da sociedade brasileira no início do século XIX. A obra publicada em Paris, entre 1834 e 1839, foi composta de 153 pranchas divididas em 3 tomos, acompanhadas de textos que elucidam cada imagem (CASTRO, 2007). 54 Johann Moritz Rugendas (Augsburg, 29 de março de 1808 - Weilheim, 29 de maio de 1858) foi um pintor alemão que viajou pelo Brasil entre 1822 e 1825 e pintou povos e costumes. De família de artistas, integrou a missão do Barão de Georg Heinrich von Langsdorff e permaneceu três anos no Brasil, viajando pelo país para coletar material para pinturas e desenhos e acabando por se dedicar ao registro dos costumes locais. Publicou entre 1827 e 1835, em Paris, sua Viagem Pitoresca através do Brasil (Voyage Pittoresque dans le Brésil), ilustrado com litografias feitas a partir dos inúmeros desenhos que havia executado como desenhista da referida expedição científica. Dentre as cenas do cotidiano, selecionamos aquelas que mostram tipos de cordofones utilizados no século XIX (CASTRO, 2007).
55 Na figura 26 (p. 48-49) temos fotografia deste instrumento construído no Brasil assim como detalhes sobre seu construtor e sua comercialização.
57
uma nova produção, prepara no encantamento do seu sonho o novo triunfo que terá algumas horas mais tarde no salão. [...] 56
Figura 24 - “Passatempo dos ricos depois do jantar”. Debret, Prancha 8 (tomo II,1816). (CASTRO, 2007)
Figura 25 - “Passatempo dos ricos depois do jantar”. Debret, Prancha 8 (tomo II,1816).
Detalhe do cordófono (CASTRO, 2007).
56 Tradução de Janaína M. de Moura e Renato M. Varoni de Castro. Fac- simile da Edição Original de Firmin Didot Frères, Paris 1834.Editado em 1965.
58
Entre 1822 e 1825, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas esteve no Brasil onde
pintou o povo e seus costumes. Nas cenas do cotidiano deste período, foram retratados alguns
tipos de cordófonos utilizados neste período. As ilustrações (ver figuras 26 e 27) a seguir
mostram ancestrais do bandolim, de fundo de caixa abombado, retratados no campo e na
cidade. O braço comprido destes instrumentos apresenta semelhança com o Colascione
italiano e forma de tocar pelo dedilhado.
Apesar das ilustrações terem sido descritas por Castro (2007) com sendo “violas”, os
detalhes das imagens indicaram o formato de “pêra” e o fundo de caixa abombado (conforme
detalhe da figura 26). No contexto carioca, a obra deixada pelos artistas retratou não só a
prática musical destes cordófonos como também sua classe social executante e consumidora.
Figura 26 - “Família de Fazendeiros (I)”. Rugendas 57 (CASTRO, 2007).
57 Johan Moritz Rugendas, Viagem Pitoresca através do Brasil, trad. Sérgio Milliet, Belo Horizonte, Editora Itatiaia/São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1981.
59
Figura 27 - “Família de Fazendeiros (I)”. Rugendas. Detalhe de músico com cordófono (CASTRO, 2007).
Além da classe social retratada na iconografia de Debret e Rugendas, observou-se que
estes instrumentos fizeram parte do cotidiano da sociedade da época. Assim, estes tipos de
cordófonos estariam na origem dos gêneros musicais populares brasileiros. Apesar da riqueza
de detalhes destas pinturas, não foi possível identificar qual música esses instrumentos
tocavam. Sobre isso, porém, a historiografia da música brasileira nos dá pistas, que serão
expostas a seguir.
2.3 O ALMANACK LAEMMERT 58
Os irmãos Eduard e Henrich Laemmert foram os fundadores da Livraria Universal e
Tipografia Laemmert, e publicaram, de 1833 a 1930, o Almanack Laemmert 59. Este periódico
constituiu-se um instrumento de consulta para o conhecimento do passado comercial,
financeiro e social brasileiro do século XIX e início do século XX.
Com relação à pesquisa sobre o passado histórico do bandolim no Rio de Janeiro do
referido período, as publicações deste periódico indicaram lojas comerciais de instrumentos
58 O Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, Almanak Laemmert foi um periódico anual com informações variadas sobre a sociedade no Rio de Janeiro e de outros centros urbanos do Brasil. Começa a ser publicado em 1844 e a última edição a que tivemos acesso foi do ano de 1916. 59 Informações disponíveis no site http://www.cultura.gov.br/site/2008/05/14/almanak-laemmert/ assim como no site da Biblioteca Nacional.
60
musicais, assim como professores de música. As indicações sobre a comercialização de
instrumentos musicais como a viola, anúncios de “Violão” e “Cíthara” foram inseridos
conforme abaixo descrito:
[...] 1900 - 6 fabricantes: violas, violões, citharas, rabecas e outros instrumentos de cordas 1910 - 8 fabricantes: violas, violões, citharas, rabecas e outros instrumentos de corda
A comercialização de instrumentos de usos diversos e nomenclaturas indicam uma
demanda da sociedade brasileira por estes instrumentos. CASTRO (2007, p. 68) insere
citações de cordofones e artefatos de sua utilização, como o caso de cordas de tripa, que
apareceram no ano de 1854, sendo o mesmo anúncio repetido nos dois anos seguintes:
1854, 1855 e 1856 – Armazen de Instrumentos de Música: [...] Rabeccas. Rabecões. (violoncellos) de cravelha e de machina. Contrabaixos. Violetas. Violões. [...] cordas de tripa, de seda e bordões para todos os instrumentos.
Um dado interessante refere-se à menção de instrumentos com denominações
diminutivas, como foi o caso de “violetas”. Supostamente seriam ancestrais do cavaquinho,
ou violas pequenas, ou seriam de tamanho inferior ao do violão. CASTRO (2007) indicou a
presença do construtor e comerciante de instrumentos musicais Couceiro. Apesar de, nos anos
subseqüentes, os cordofones quase não terem aparecido, em 1877, o texto sobre João dos
Santos Couceiro trouxe informações sobre o que era comercializado à época:
1877 – João dos Santos Couceiro & Irmão – fábrica de rabecas, violoncelos, contrabaixos e arcos, violões, cavaquinhos, guitarras e violas. Especialidade nos concertos; vende cordas para todos os instrumentos; os productos desta fabrica têm sido premiados com medalhas nas exposições de Portugal, Brazil e Philadelphia.
Além dos anúncios supracitados, o anúncio de 1882 estampava o nome da loja
“Rabecca de Ouro”. Sobre este estabelecimento, Couceiro revelou que o mercado dos
cordofones era bem variado no Rio de Janeiro: Violas, Violões, Guitarras, Bandolins,
Bandurras e Cavaquinhos.
1882 – A Rabecca de Ouro – João dos Santos Couceiro, com fábrica de: rabeccas, violoncellos, contrabaixos e arcos, violões, guitarras, bandolins, bandurras, cavaquinhos e violas. Especialidade em
61
concertos de harpas e de todos os instrumentos, tanto de madeira como de metal – vende corda para todos instrumentos.
Em 1900, ‘Violas’, ‘Violões’ e ‘Cítaras e “quaisquer instrumentos de corda” eram
comercializados por Alfredo Silveira de Mattos.
1900 – Alfredo Silveira de Mattos. r. S. Joaquim, 26. Violas, Violões, Citharas, Rabecas e outros instrumentos de corda. Barbosa Moreno. r. Ouvidor, 51 e r. Quitanda, 66. teleph. 132. Venda por atacado de quaisquer instrumentos de corda.
A produção de instrumentos cordófonos no Rio de Janeiro e a referência do Almanack
ao construtor Couceiro comprovam o retratado nas ilustrações do início do século XIX. Por
meio de uma comparação, CASTRO (2007) confrontou as imagens de bandolins fabricados
por Couceiro com aquelas retratadas por Debret e Rugendas:
Figura 28 - Bandolim napolitano fabricado por João dos Santos Couceiro, Instituto Nacional de Música. Ibid (CASTRO, 2007).
62
Figura 29 - Cítara fabricada por João dos Santos Couceiro, Instituto Nacional de Música. Ibid (CASTRO, 2007).
Sobre a presença da Cítara (ou Cistro) no Brasil, NOGUEIRA (2008) fez referência a
uma fotografia do compositor e maestro cearense Alberto Nepomuceno (1864 – 1920)60:
“E, como fato incontestável do uso de cistros no Brasil, encontrei em Modinha: raízes da música do povo, de José Rolim Valença (1985) 61. A ilustração pretende focar o compositor Alberto Nepomuceno ainda jovem, sentado ao chão com uma criança no colo. Contudo, em primeiro plano, em pé e à direita, vê-se claramente um cistro empunhado pelo músico.”
60 Alberto Nepomuceno (Fortaleza, 6 de julho de 1864 — Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1920) foi um compositor, pianista, organista e regente brasileiro. Considerado o "pai" do nacionalismo na música erudita brasileira, deixou inacabada a ópera O Garatuja (Ver lista de obras no fim do artigo), baseada na obra de mesmo nome de José de Alencar. Escreveu duas óperas completas, Artemis e Abul, ambas sem temática nacionalista. Pesquisas recentes mostram que Nepomuceno compôs obras de caráter modernista, chegando a experimentar com a politonalidade nas Variações para piano, opus 29. Informações disponíveis em http://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_Nepomuceno, acesso em 19/03/201, às 20h:35min. 61 VALENÇA, J. R. Modinha: raízes da música do povo; São Paulo: Empresas Dow, 1985.
63
Figura 30 - Fotografia de Músico com “Cistro” (NOGUEIRA, 2008).
2.4 DA POLCA AO CHORO
A polca, gênero de música originária da Boêmia, no início do século XIX, difundiu-se
em diversos países dentre os quais Paris, Londres, Américas e Calcutá. Existiram
controvérsias quanto a chegada da polca no Brasil e, segundo Machado (2007), três indícios
foram apontados em pesquisas anteriores sobre o assunto. O primeiro foi citado pelo
compositor e musicólogo Baptista Siqueira, que referiu-se à apresentação do vaudeville La
polka, que teria ocorrido nas comemorações do aniversário do imperador d. Pedro II, em
1844. Uma segunda citação fala da presença da polca no Carnaval de 1846, quando a atriz
Clara Del Mastro teria dançado a polca no Rio de Janeiro. Na Enciclopédia da música
brasileira, registrou-se a apresentação da polca em 3 de julho de 1845, no Teatro São Pedro,
na mesma cidade.
A Polca e sua difusão no contexto carioca ocorreram na mesma época da
democratização do piano. Dentre os instrumentos comercializados no Rio de Janeiro, o piano
se consolidou como símbolo de status social. A junção do contexto do salão com a utilização
do piano na execução de polcas deu origem à prática da dança. A burguesia européia, copiada
pela classe dominante carioca, havia descoberto esta prática, e a aquisição de um piano passou
a constituir-se sinônimo de poder e nobreza (MACHADO, 2007).
64
A intensa vida musical carioca possuía diversos contextos, dentre os quais os Teatros
fechados, o espaço público das ruas, os botequins, as festas populares e os salões das casas de
família. Enquanto a população de classe média utilizava os espaços públicos, uma cultura
musical de elite ocupava os teatros e os pequenos salões da sociedade. A polca foi
denominada por Machado (2007) como sendo um ponto comum, conciliando lados opostos,
como um meio cultural. A execução da polca se deu por meio de pianistas populares,
denominados de forma pejorativa de “pianeiros”, em salões da elite, juntamente com operetas
e revistas, na privacidade dos lares pelas pianistas e pelos conjuntos de populares,
denominados trios ou ternos formados por violão, cavaquinho e a flauta. A forma de execução
da polca variava conforme seu contexto de atuação, e os grupos populares imprimiam novos
elementos musicais às suas interpretações; foram justamente esses grupos os pioneiros do
Choro.
Em seu livro “Feitiço Decente”, Sandroni (2001) mencionou que a valsa e a polca
eram danças de pares enlaçados e que estabeleceram no Brasil novos costumes coreográficos
vindos da Europa. Em 1876 a imprensa noticiava nos Folhetins de França Junior a adoção da
polca pelas camadas mais populares do Rio de Janeiro. A população carioca “digeriu” a polca
e incorporou o que nela lhes agradava tornando-a algo intrinsecamente seu. A polca dançada
pelo povo carioca se transformaria em algo de original, uma nova dança, o maxixe, através da
incorporação de influências da dança do lundu. A partir de 1865, foram editadas partituras
para piano com a designação de novos gêneros como a “polca-lundu”, sugerindo o processo
de hibridação de culturas no contexto cultural carioca.
A polca executada no Brasil incorporou elementos que a diferenciavam de seu
contexto original europeu. A presença rítmica da síncopa na polca constituiu-se elemento que
caracterizou sua execução no contexto carioca. Em sua pesquisa, Sandroni (2007) apresentou
em suas premissas musicais uma abordagem sobre a síncopa brasileira. Dentre as definições
citadas sobre o termo, mencionou a do Harvard Dictionary of Music de Willy Apel, que a
define como “qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal”. Outra definição,
apontada por Andrade Muricy, contrapõe o “ritmo sincopado” ao “ritmo regular”. Além de
definições, citou também o questionamento de Mário de Andrade quanto a uma origem
exclusivamente africana da síncopa não só pela escassez de documentação, mas como pelas
fusões realizadas em solo americano como novas condições sociais.
65
Dentre os gêneros musicais sincopados, o maxixe surgiu no Rio de Janeiro na segunda
metade do século XIX, tendo sido por muito tempo considerado vulgar e de baixa categoria
(SANDRONI, 2007). Livingston e Garcia (2005) citam três gêneros que influenciaram o
Choro: a modinha, o lundu e o maxixe. Na sua forma de organização global como dança, no
lundu os participantes e músicos fazem uma roda e acompanham ativamente com palmas a
coreografia, realizada com um par de cada vez. De forma contrária, no maxixe todos os pares
dançam ao mesmo tempo, sendo a música externa à roda e exclusivamente instrumental.
Enquanto os pares dançavam enlaçados no maxixe, no lundu a dança era de par separado.
Naquele momento, a diferença entre o maxixe e a polca se apresentava no andamento
mais rápido e no ritmo tipicamente afro-brasileiro do maxixe; quanto à estrutura musical, é
semelhante em ambos os gêneros, seguindo o padrão rondó. Atualmente, se verifica uma
inversão na velocidade de andamento na execução da polca no Brasil.
Os posicionamentos de pesquisadores sobre a origem da modinha indicados na
dissertação de mestrado de Sá (1999) apresentaram divergências quanto à origem deste
gênero. Andrade (1989) defendeu sua origem erudita européia, enquanto Tinhorão (1980)
sustentou a hipótese de ter surgido no Brasil do século XVII, tendo sido incorporada ao
repertório por músicos eruditos no século XIX. Tal hipótese se fundamentou em referências
ao citado mulato Domingos Caldas Barbosa (1738-1800), que no final do século XVIII a teria
levado do Brasil a Portugal. Sua forma de tocar, provavelmente aprendida com mestiços e
negros do Brasil colonial, fez sucesso na corte da rainha D. Maria I de Portugal. Assim, além
de ter estimulado músicos portugueses a compor modinhas, promoveu uma elitização deste
gênero. Segundo Sá (1999, apud ANDRADE, 1989), as modinhas mais influenciadas pelo
cantabile italiano e pela valsa apresentavam compassos ternários simples e compostos,
enquanto as mais antigas eram binárias. O retorno da modinha, transformada em música
camerística, às ruas cariocas, no final do século XIX, se deu em forma de canção popular no
contexto da seresta, uma nova moda, em que se destacaram os músicos de choro.
2.5 O CHORO
A atividade musical desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, na segunda metade do
século XIX foi decisiva para o surgimento de uma forma de tocar o bandolim no Brasil.
66
Embora a prática deste instrumento tenha acontecido em diversos estados brasileiros, a
presente pesquisa limita-se à caracterização do contexto carioca, por ter sido o local onde se
desenvolveu a carreira artística da maioria dos bandolinistas brasileiros. Estes músicos não só
eram de origem carioca como eram provenientes de outros estados brasileiros.
O Choro, gênero musical carioca, consolidou-se como uma “escola” na forma de tocar
vários instrumentos de tradição popular brasileira, dentre os quais o bandolim. A partir do ano
de 1870, seus modos e práticas foram fundamentais para o desenvolvimento do bandolim
brasileiro, pois ele englobava diversos gêneros musicais dançantes de tradição européia como
a Polca e a Schotttish e gêneros musicais populares cariocas. O Choro construiu repertório
para o bandolim brasileiro como instrumento acompanhante e solista. Na origem da música
popular urbana carioca, vários elementos musicais, poéticos e performáticos da música erudita
foram reunidos, dentre os quais o lied, a chanson, árias de ópera, bel canto e corais. Este
processo teve ligação com a urbanização e surgimento das classes populares e médias
urbanas. Assim, o Rio de Janeiro foi local de encontros e mediações culturais complexas
tendo fornecido boa parte das formas musicais urbanas no Brasil (NAPOLITANO, 2002).
Figura 30 - Caricatura sobre o gosto musical em final do século XIX (DINIZ, 2003).
67
O “escola do Choro”, onde se situa a prática do bandolim brasileiro62 também
denominada como “Escola do Bandolim Brasileiro”63, foi relevante na formação da música
urbana. Diversos estilos foram incorporados, entendidos e praticados em uma técnica do
bandolim também denominada como “escola” brasileira64. As considerações sobre os
conceitos de “escola” e “estilo” serão abordadas no capítulo 3 sobre “a consolidação da
prática do bandolim brasileiro”. A maioria dos músicos de Choro teve seu aprendizado de
maneira não-formal65 e informal66 em situações promovidas pela roda de choro, pelos discos,
rádio, mídia e outros meios de assimilação cultural.
Enquanto que, na Itália, a invenção da “Escola Italiana de Bandolim” teve como
matéria-prima um material de cunho erudito com ensino formal 67, no Brasil, a prática
interpretativa do repertório brasileiro tocado no bandolim teve como base o Choro. Não é o
propósito deste estudo uma comparação entre as escolas brasileira de bandolim e a Italiana. A
comparação entre a escola italiana, próxima do repertório erudito e uma escola brasileira
embasada na música popular não é o foco desta pesquisa. 62 Em 2004 foi publicada a terceira edição do “Método do Bandolim Brasileiro” de Afonso Machado, um
trabalho pioneiro que buscou condensar a técnica do bandolim tocado no Brasil. 63 Denominação utilizada em depoimentos de bandolinistas brasileiros nesta pesquisa. 64 O aprofundamento no conceito de “escola” aplicado ao bandolim brasileiro será realizado em uma próxima
pesquisa. Esta delimitação se deu por exigir uma densa descrição de itens como: seus próceres, instituições,
instâncias de consagração, seguidores, levantamento do repertório efetivamente tocado e características
estilísticas. 65 Ensino não-formal: processo de ensino onde a obtenção do aprendizado não é proveniente da Administração
do Estado, sendo proveniente de outras instâncias sociais. A família, a sociedade civil, as organizações não-
governamentais, empresas e igrejas são alguns dos exemplos desta modalidade de ensino (FERNANDEZ, 2006). 66 Ensino Informal: Conceito utilizado para designar aprendizados adquiridos fora dos processos e marcos
intencionais de ensino, dos programas de formação (o aprendizado fruto da experiência de vida, em uma viagem,
durante o trabalho e outros). São aprendizagens adquiridas de forma intencional convertendo qualquer
circunstância da vida em família, na cidade, nas relações com os amigos, no trabalho, na diversão (e outros) em
oportunidades de aprendizado. É capaz de converter qualquer oportunidade, pensada ou não em oportunidade de
aprendizagem. São exemplos: o cinema, a literatura, uma conversa, um passeio, o trabalho diário e outros
(FERNANDEZ, 2006). 67 Ensino formal: processo de ensino organizado em uma comunidade política ou Estado, desenvolvido por
organismos especificamente delegados para esta função, são reconhecidos mediante um documento oficial e
legal na sociedade que os origina (FERNANDEZ, 2006).
68
A intencionalidade está presente nos três tipos de ensino: formal, não-formal e
informal. Estas modalidades se interagem e originam conhecimentos por meio da socialização
humana. Os conceitos estão interligados, pois os aprendizados informais e não-formais
acontecem não somente dentro da escola. Citamos como exemplo o aluno que assiste TV no
final de semana e traz alguma notícia à escola no dia seguinte. O processo da informação se
dá com a comunicação humana e a sua repercussão no contexto social e cultural onde se
insere de forma contínua. A música, como parte integrante da vida humana, reflete o contexto
social e cultural. Segundo Vigotski “a arte é o social em nós” (FERNANDEZ, 2006).
A socialização promovida pela roda de choro é relevante como ambiente onde músicos
interagem, improvisam, apresentam composições e criam novos grupos musicais. As
experiências adquiridas fazem parte do currículo “prático” do músico popular dedicado à
música instrumental em uma dita “escola” do choro, assim denominada como forma de tocar.
A necessidade de uma profissionalização do músico de choro o leva também a trabalhar como
professor e assim, contribuir para a disseminação de conhecimentos ausentes dos currículos
oficiais de ensino.
Com a análise de como se processou a tradição nesta atividade, buscamos relacionar
aspectos sociais, históricos e musicais por meio da participação dos músicos bandolinistas no
Brasil. O fato da maioria dos bandolinistas brasileiros ter sido influenciada por este gênero
musical carioca, de forma direta ou indireta em suas trajetórias, justificou a presente análise
do Choro e seu contexto. Esta constatação poderá ser comprovada por meio de gravações
mecânicas de representantes do mencionado instrumento e de publicações sobre o assunto.
A descrição das orquestras por França Junior indica que os conjuntos chamados
“Choros”, juntamente com as bandas militares e os “pianeiros”, seriam um dos sustentáculos
sonoros da dança do maxixe até início do século XX (SANDRONI, 2001). Duas tradições
cariocas foram apontadas por Livingston e Garcia (2005) como importantes para o surgimento
e desenvolvimento do Choro: a música dos barbeiros e as bandas de fazenda. Com formação
musical constituída por ternos (violão, flauta e cavaquinho) os conjuntos de barbeiros eram
formados por negros e animavam as festas populares. Outros instrumentos tais como
trompetes, trompas e tambores de balde eram acrescidos ao terno, conforme a ocasião. Seu
repertório era constituído por modinhas, lundus e fados e ao longo do tempo, além da música,
69
a dança era realizada. Esses gêneros foram sendo transformados sob a influência da rítmica
africana. No meio rural, acontecia ao mesmo tempo um tipo de música semelhante, que foi
denominada banda de fazenda, também formada por negros escravos. No contexto urbano, as
relações escravistas tinham outras feições, Figura importante para o desenvolvimento das
culturas negras urbanas, como o Choro, o samba e a capoeira, era a dos chamados escravos de
ganho. Segundo Karash (2000), esses escravos mantinham uma relação de semi-liberdade
com seus senhores; a eles era permitido sair durante o dia, e realizar os ofícios que bem
entendessem, e voltar para a casa do senhorio somente à noite. Então, eram vendedores,
engraxates, carregadores, barbeiros. Parte dos seus ganhos eram cedidos ao senhor. Esses
escravos conseguiam juntar algum dinheiro, e muitos deles compravam suas próprias cartas
de alforria. Assim, transformavam-se em pequenos comerciantes na cidade do Rio de Janeiro.
Como tinham tempo livre, costumavam encontrar-se em bicas de água e praça, para
conversar, vadiar (jogar capoeira) e tocar. As barbearias foram particularmente importantes
para o Choro porque os barbeiros, negros de ganho, ex-escravos e mulatos, dispunham de
tempo livre, que gastavam tocando e desenvolvendo habilidades nos instrumentos musicais.
Era comum encontrar notas nos jornais ressaltando a qualidade musical de escravos
postos à venda (DINIZ, 2007, p.21). O pintor Debret, em seu livro “Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil”, oferece um retrato dos barbeiros do período:
“Dono de mil talentos, ele [o barbeiro] tanto é capaz de consertar a malha escapada de uma meia de seda como executar, no violão ou na clarineta, valsas e contradanças francesas, em verdade arranjadas ao seu jeito”. 68
O Choro foi criado e transmitido na tradição oral, e por um processo característico de
se tocar os gêneros dançantes europeus, dentre os quais polcas, mazurcas e valsas. As músicas
que não eram choros, mas que eram interpretadas por formações compostas de flauta, violão e
cavaquinho foram denominados por Braga como “danças do choro” (Borges, 2008 apud
Braga, 2004, p. 12). Por meio deste processo de releitura interpretativa estas danças
adquiriram um caráter abrasileirado com um idiomatismo específico para o gênero musical
em questão.
68 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, p. 151.
70
Existem diversas definições para o termo Choro: como um estilo de tocar, um gênero
musical e também a uma formação musical específica. Taborda (2008) em seu artigo 69,
buscou sua definição como estilo e citou o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara
Cascudo, publicado em 1936. Naquele trabalho, o Choro foi definido como baile popular
promovido pelos negros em festas nas fazendas sendo chamado a princípio de xolo. Com uma
possível acomodação à pronúncia do idioma português, teria se transformado em Choro.
A formação instrumental e os grupos de Choro foi influenciada pelos barbeiros,
bandas da fazenda e choromeleiros 70 (Filho, 2009). Para Ary Vasconcelos (1984, p.17), o
termo Choro teria sido derivado desta terminologia que significada corporação de músicos no
período colonial brasileiro. A charamela seria um dos instrumentos executados pelos músicos
em questão e a expressão Choro passou a ser empregada em sentido geral, de forma
abreviada, como grupo instrumental.
Em verbete sobre o termo “Choro” no Dicionário Musical Brasileiro, Mário de
Andrade informou que esta denominação veio da expressão “chorar em música”, aplicada a
um gênero musical. Com o desenvolvimento da denominação, Choro foi também usado para
nominar a música noturna de caráter coreográfico e pequena orquestra.
Dentre as definições apontadas para o Choro, vários pesquisadores o indicaram como
sendo uma forma de tocar, grupo musical, bailes populares (Pinto, 1936) e concerto vocal
(Jacob do bandolim em seu depoimento ao MIS) 71.
As pesquisas sobre o Choro realizadas por Livingston e Garcia (2005) e Verzoni
(2000) fazem referência a sua conceituação como estilo e como gênero, emergindo de funções
69 TABORDA, Márcia. O Choro, uma questão de estilo? Música em contexto, Brasília, n.1, 2008, p.47-69. 70 “Ary Vasconcelos (1984, apud Livingston e Garcia, 2005) afirma que o termo originou-se de choromeleiro, o tocador de choromela. A choromela, instrumento similar a clarineta e oboé era um instrumento de sopro popular na Europa, e, trazido ao Brasil, era tocado em Minas Gerais. Na década de 1830, muitos choromeleiros se mudaram para o Rio de Janeiro, e esse instrumento tornou-se comum na cidade, e passou a fazer parte de sua vida cultural. Aos conjuntos instrumentais que possuíam a choromela, dava-se o nome de choromelos, e de choromeleiros a todos os que dele faziam parte (sendo ou não tocadores de choromela). Quando a choromela foi substituída pela flauta, o nome foi mantido como designação desses conjuntos instrumentais” (Filho, 2009). 71 Em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 1967, Jacob do Bandolim leu pequeno texto de sua autoria sobre as origens do Choro, publicada na contracapa de seu LP Na Roda do Choro (1960).
71
sócio-culturais. Sobre uma diferenciação entre os conceitos do Choro como gênero e estilo,
Borges (2008) considerou os seguintes aspectos:
O choro pode ser entendido como gênero ou estilo, dependendo de uma acepção mais abrangente ou específica que costuma estar implícita na performance. Tal acepção deve ser indicada mediante uma abordagem analítica, de modo a evitar equívocos. A maneira de tocar o choro é parte integrante e indissociável do estilo musical, ao passo que o choro como gênero está ligado não apenas a uma maneira de tocar; mas, sobretudo, a uma variedade de padrões formais, harmônicos e frasísticos, vinculados a um repertório comum que foi sendo consolidado, gradativamente, desde o século XIX.
A forma como a cultura popular era vista pela sociedade carioca enquadrava o Choro
como exótico e, nessa condição, ele foi incorporado como diversão nos salões e nas
solenidades oficiais. Era necessária a criação de uma tradição onde a elite social expusesse
sua imagem como um reflexo da Europa. Ou seja, embora gostasse da Europa, a elite
compreendia que, para serem como os europeus, os brasileiros precisavam dispor de uma
cultura que fosse genuinamente sua. Ao mesmo tempo, a elite repudiava os costumes e o
modo de vida associado aos negros, considerando-os exóticos e primitivos. Na década de
1930, ocorreram: a virada antropológica, o nacionalismo, a construção de identidades, o
cosmopolitismo capitalista e a política da “boa vizinhança” entre Brasil e Estados Unidos. As
transformações musicais com uma nova linguagem para a música popular apresentaram
fusões originais, com a poética de afirmação do cotidiano e com o conceito de uma nova
nacionalidade. A tradição mulata, ancestral e moderna72 possuía conexão com a mistura de
gêneros e formas musicais no contexto carioca, palco de uma modernidade musical. A
influência africana apresentava a ancestralidade como símbolo de uma tradição americana de
escravidão. A modernidade se deu pela tecnologia utilizada no disco, com o registro dos
modismos musicais e do encontro propiciado pelos espaços urbanos. Para que a elite moderna
tivesse relação direta com a cultura popular urbana, a boemia foi o local escolhido para este
encontro. Por outro lado, existiu também a absorção de elementos da cultura de elite branca,
suas formas poéticas e musicais. Neste processo, interagiram tradições diversas e formas de
expressão entre a cultura popular urbana e a elite moderna.
72 GARDEL, André. O encontro entre Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1996. (Coleção Biblioteca Carioca, v. 42)
72
Um panorama histórico sobre o gênero foi traçado pela obra Choro: A Social History
of a Brazilian Popular Music (LIVINGSTON e GARCIA, 2005). Estes autores indicaram
quatro compositores que embasaram esta tradição musical: Joaquim Antonio Callado (1848-
1880), Anacleto de Medeiros (1866-1907), Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto
Nazareth (1863-1934). A partir do final do século XIX e início do século XX, estes nomes
passaram a ter uma maior projeção e, na década de 1870, a nomenclatura “chorinho” começou
a ser utilizada para denominar o Choro (FILHO, 2009 apud CAZES, 1998). Os períodos de
sucesso e declínio do Choro foram indicados por Livingston e Garcia (2005) em cinco
momentos: o da profissionalização do Choro (1920-1950); o do declínio do gênero (décadas
de 1950 a 1970); o do seu renascimento (década de 1970); o de um novo declínio (década de
1980), e o período contemporâneo.
2.6 OS PRIMÓRDIOS DO CHORO E DO BANDOLIM NAS GRAVAÇÕES
O advento e crescimento das gravações nos períodos de 1910 a 1920, assim como o
desenvolvimento do rádio em 1930, proporcionou uma demanda por habilidades,
versatilidade dos músicos de estúdio especializados em música popular (LIVINGSTON e
GARCIA, 2005).
A Casa Edison, após dois anos de funcionamento, tornou-se a primeira firma de
gravação de discos no Brasil. Fundada por Frederico Figner (1866-1946) em 1900, teve seu
nome em homenagem ao inventor do fonógrafo. Inicialmente foi um estabelecimento
comercial destinado à venda de equipamentos de som, e outros produtos como máquinas de
escrever e geladeiras. Dentre os serviços foram disponibilizados à comercialização a venda de
fonógrafos, gramofones, cilindros e discos. Assim, foram espalhados pela cidade e interior:
modinhas, cançonetas e lundus cantadas por Cadete e Bahiano; árias e duetos de ópera,
marchas, aberturas e hinos; valsas, mazurcas, dobrados, estes com a Banda do Corpo de
Bombeiros, fundada e regida por Anacleto de Medeiros (BRAGA, 2002). Segundo
informações contidas no Dicionário Cravo Albin de música popular brasileira73:
73 Pesquisa sobre a “Casa Édison”, fonte: http://www.dicionariompb.com.br/casa-edison/dados-artisticos, acesso em 31/05/2011.
73
Entre 1902 e 1927, período que corresponde à chamada fase mecânica de gravação, foram lançados cerca de 7 mil discos, dos quais mais da metade pela Casa Edison. Até 1903, a Casa Edison produziu 3 mil gravações, conferindo ao Brasil o terceiro lugar no ranking mundial (estavam à frente os Estados Unidos e a Alemanha). Fred Figner enriqueceu, tornando-se proprietário de tudo o que se produzia em música brasileira. Como próximo passo, montou a primeira loja de varejo do Brasil, com um sistema de distribuição em todo o país, com filiais, vendedores pracistas e produção de anúncios e catálogos.
A pesquisa realizada por Dias (2010) 74 constatou a existência de gravações de
bandolim solo em grupos musicais que interpretavam obras da autoria de Ernesto Nazareth.
Estes registros datavam do início do século XX, tais como o Grupo Bahianinho, que gravou o
“Bambino” (78 RPM, gravadora Columbia Record, referência: 12.095)75 e “Brejeiro” entre
1908 e 1912 (78 RPM, gravadora Columbia Record, referência B-200). O Grupo dos
Sustenidos também gravou o “Bambino” em 1912 (78 RPM, gravadora Odeon Record,
referência 120.144).
Figura 31 - Frederico Figner e Catulo da Paixão Cearense (FRANCESCHI, 2002).
74 DIAS, Alexandre Ferreira de Souza. 2010. Discografia das obras de Ernesto Nazareth (não publicada). 75 Relançado no LP/CD "Portuguese String Music 1908-1931" (HT CD 05) pela Heritage Records (Inglaterra). O CD foi fabricado na França em 1989.
74
Figura 32 - Capa de partitura do Trio “Três Sustenidos” publicada pela Casa Edison
(FRANCESCHI, 2002).
Dentre os pioneiros em gravações de bandolim, destacou-se o professor e músico de
choro gaúcho Octavio Dutra (1884 – 1937). Sua biografia (VEDANA, 2000) o aponta como
um dos mais famosos no início das gravações do Choro e o relacionou à história da música da
cidade de Porto Alegre. Uma descrição dos personagens e do ambiente das primeiras
gravações, onde se confirmou a participação do bandolim como solista foi realizada por Cazes
(1998):
Mesmo sem uma linguagem musical mais organizada, grupos como o Novo cordão e o Terror dos facões já traziam um esboço de arranjo em suas execuções. De certa maneira, esses grupos, e mais tarde o Grupo do Baianinho, estavam em termos de estruturação à frente dos oito Batutas, que surgiria em 1919.
Embora o Choro fosse um fenômeno carioca, algumas das melhores gravações desta
época são do grupo gaúcho Terror dos facões, organizado em Porto Alegre pelo violonista,
compositor e teatrólogo Otávio Dutra (1884-1937). Dutra é autor de muitas valsas e pelo
75
menos uma ótima polca (aliás, quase um Choro como forma), intitulada “Olha o Poste”. Em
uma gravação de 1913, o Terror dos Facões troca a habitual flauta solista por um bandolinista
virtuose, infelizmente não identificado.
E por falar em bandolim, pouco antes foram realizadas pelo Grupo dos Sustenidos as primeiras gravações com solos do instrumento, inclusive da valsa “Saudade Eterna”, de Santos Coelho, música muito executada até hoje por bandolinistas.” (CAZES, 1998)
Segundo Vedana (2000), Octavio Dutra também trabalhou nos Correios, assim como
tantos outros músicos de choro citados no livro de Pinto (1036). Entre outros detalhes, indicou
que no cartão de visitas deste músico, na década de 1920, constava: “lecciona: violão, banjo,
bandolim e outros instrumentos”. No cenário musical do Choro e do bandolim, destacaram-se
vários artistas alunos de Dutra, conforme indicado:
Entre seus alunos [...] alguns nomes se destacaram como Dante Santoro, Ney Orestes (violão, “um dos melhores violões que já ouvi” disse o flautista Benedito Lacerda), os violonistas Mosquito, Gorgulho, Honório, Pedro Neves e o “legendário” Levino da Conceição”; os instrumentistas de cavaquinho Arnaldo Dutra (seu irmão), Eurico Leão, [...] e os bandolinistas Ostelino Pantoja, Amador Pinho, Antonio Del Bagno e Pery Cunha; os flautistas e pianistas e violinistas e cantores.
Figura 33 - Capa da biografia de Octavio Dutra (VEDANA, 2000).
76
Dentre outras informações relacionadas com o bandolim e a trajetória musical de
Dutra, faz referências a gravações realizadas com bandolim em menção às “principais datas
na vida de Octavio Dutra”:
1913 – Em 21 de julho, Theodoro Hartlieb, um dos proprietários da “casa Hartlieb’, desta capital, convida a Octavio Dutra para gravar músicas nos “Discos Riograndenses” (prensados pela Odeon-Record do Rio de Janeiro), onde aparece pela primeira vez o lendário grupo “Terror dos Facões”. Estas “chapas” (discos) continham 14 músicas tocadas pelo grupo: 7 solos de violão e bandolim com acompanhamento e 7 composições com Octavio Dutra, componentes do grupo, além de colegas e amigos.
A referência ao bandolinista Amador Pinho em São Paulo é citada por Vedana (2000)
em correspondência de Dutra ao Sr. Gagliardi, que era diretor de uma “fabrica” de discos na
cidade de São Paulo. O músico fez referência a erros na gravação de sua marcha “Despedida
dos gaúchos” e solicitava que a mesma fosse refeita. Em carta datada em 07/02/1931, refere-
se ao bandolinista Amador Pinho, contratado do Sr. Gagliardi e residente nesta cidade como
quem poderia dar referências de seu trabalho profissional ao mesmo:
Dutra escreve novamente ao Sr. Gagliardi sobre gravações e menciona que dispõe de um conjunto “typico de primeira ordem, como bem pode calcular o seu contratado, o exímio banjista Amador Pinho, competente no assumpto e que muito me conhece. O meu flautista, professor Dante Santoro, cognominado Canário Rio-Grandense é, sem favor, o maior deste estado e quiçá do Brazil.
Assim como Dutra exerceu influências musicais no bandolinista Amador Pinho, este
ensinou “dicas” de técnica instrumental ao bandolinista paulista Izaías de Almeida76 conforme
seu depoimento:
Em pouco tempo já era convidado pelo Mestre Antonio Dauria (violonista) para participar de seu conjunto, substituindo (em determinadas ocasiões) o bandolinista titular - Amador Pinho, um dos grandes bandolinistas brasileiros, com quem tive muito orgulho de aprender muitas "dicas" sobre técnica instrumental. Porém minha técnica pessoal foi puramente autodidata, uma vez que não existiam professores de bandolim.
A cidade do Rio de Janeiro constituiu-se o cenário para onde migraram vários músicos
do Choro de várias partes do Brasil. Assim como vieram músicos do sul do país, músicos
76 Disponível em http://www.choromusic.com.br/compositores_jb_entrevista_izaias.htm, acesso em 20/03/2011 às 19h: 05mn.
77
provenientes do norte chegaram ao Rio e deixaram suas contribuições para a prática do Choro
e do bandolim. Constituíram-se exemplos diversos nomes como Meira (Jaime Florence, 1909-
1982), Luiz Americano (natural de Sergipe, 1900-1960), Ratinho77 (Severino Rangel de
Carvalho, 1896-1972), o bandolinista pernambucano Luperce Miranda (1904 - 1977) e seus
irmãos João Miranda (bandolim, 19? - 19?), Nelson Miranda (cavaquinho e bandolim, 19? –
19?), Romualdo Miranda (violão, 1887-1930), sendo estes integrantes dos Turunas da
Mauricéia, ligada à denominação local de onde vinha o grupo, que tocava exibindo uma
indumentária típica (CAZES, 1998).
O grupo vocal e instrumental Turunas da Mauricéia78 foi formado na cidade do
Recife-PE, em 1926 e era integrado pelos irmãos Luperce Miranda e João Miranda, ambos no
bandolim, Romualdo Miranda, Manoel de Lima e João Frazão nos violões e Augusto
Calheiros (1891 – 1956) nos vocais. O grupo chegou ao Rio de Janeiro em 1927, sem Luperce
Miranda que iria reunir-se ao grupo meses depois. Segundo informações contidas no
Dicionário da Música Popular brasileira de Ricardo Cravo Albin, o grupo assim foi descrito:
Cantavam emboladas, cocos e sambas nordestinos, ritmos até então desconhecidos na cidade, e trajavam roupas sertanejas, com chapéus de abas largas erguidas na frente, onde podiam ser lidos: "Guajurema", "Riachão", "Periquito" e "Patativa do Norte". Estrearam com sucesso no Teatro Lírico, em festival patrocinado pelo "Correio da Manhã" intitulado "O que é nosso", nome de um samba de Caninha, vencedor do concurso e gravado depois pelo grupo.
As gravações do grupo aconteceram no mesmo ano de sua chegada no Rio de Janeiro.
Assim, dez discos foram produzidos com vocais de Augusto Calheiros e o destaque à
embolada, embora indicada no selo do disco como samba, como foi o caso de “Pinião” e “O
pequeno Tururu”, ambas de autoria da dupla Augusto Calheiros e Luperce Miranda. Além das
gravações, os Turunas da Mauricéia e sua música sertaneja exerceram influências na música
carioca. Noel Rosa (1910-1937) e Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908-1980)
iniciaram suas carreiras compondo peças ao estilo deste grupo. O grupo gravou 18 discos pela
77 “Ratinho”, Severino Rangel de Carvalho (1896-1972) foi o nome adotado para a dupla caipira com “Jararaca”, José Luis Rodrigues Calazans (1896- 1977). Informações disponíveis no Dicionário da Música Popular Brasileira em http://www.dicionariompb.com.br/jararaca-e-ratinho, acesso em 02/06/2011, às 16h : 00min. 78 Disponível no Dicionário da Música Popular Brasileira em http://www.dicionariompb.com.br/turunas-da-mauriceia/dados-artisticos, acesso em 01/06/2011.
78
Odeon com 36 músicas, a maioria sambas e valsas. Após o fim do grupo em 1930, alguns
integrantes voltaram para o Recife, enquanto Augusto Calheiros e Luperce Miranda seguiram
suas trajetórias artísticas.
Em 1936, a presença do bandolinista Luperce Miranda foi registrada no primeiro livro
escrito sobre o Choro de autoria de Alexandre Gonçalves Pinto. Nesta publicação de título
Choro: Reminiscências dos Chorões, o autor carteiro e violonista de choro, narra suas
memórias e faz menções informais a diversos músicos do choro carioca na virada do século
XIX para o XX. Apesar de suas limitações como escritor, sua obra forneceu dados
significativos sobre o Choro e seus representantes. Além de Luperce, nesta publicação, temos
citados alguns bandolinistas brasileiros que viveram no Rio de Janeiro: João Soares (1870 –
1930), Nadinho, Ernesto Cardoso, João Martins (realizou gravações na Victor em 1929), Tuti,
Francisco Neto, Aristides Júlio de Oliveira (18? - 1938), conhecido como Moleque Diabo e
Beto bandolim (1896-1969) (SÁ, 1999).
Dentre os grupos musicais de inspiração, indumentária nordestina, e codinomes
sertanejos, em 1912, o violonista João Pernambuco (1883-1947) organizou o Grupo
Caxangá79.
Em sua primeira formação, o grupo reunia João Pernambuco (Guajurema), Caninha
(Mané Riachão), Raul Palmieri, Jacó Palmieri (Zeca Lima), Pixinguinha (Chico Dunga),
Henrique Manoel de Souza (Mané Francisco), Manoel da Costa (Zé Porteira), Osmundo Pinto
(Inácio da Catingueira), Donga, Bonfíglio de Oliveira, Quincas Laranjeiras, Zé Fragoso, Lulu
Cavaquinho, Nelson Alves, José Correia Mesquita, Vidraça e Borboleta.
Em 1916, João Pernambuco organizou apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro e
Porto Alegre, especialmente nos carnavais dos anos 1917 a 1919. Posteriormente, a maioria
dos integrantes do “Grupo Caxangá” foi requisitada por Pixinguinha para a formação do
conjunto “Os oito batutas”.
79 Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/joao-pernambuco/dados-artisticos, acesso em 01/06/2011, às 12h: 50 min.
79
Em 1922, o “Oito Batutas” foi o primeiro grupo brasileiro a se apresentar na França. O
novo grupo foi integrado inicialmente por Alfredo da Rocha Viana Junior (Pixinguinha, 1897
- 1973), flauta; Ernesto dos Santos (Donga, 1890 - 1974), violão; Jacó Palmieri, pandeiro;
José Alves de Lima, bandolim; Luiz Pinto da Silva (bandola e reco-reco); Nelson dos Santos
Alves (1895 – 1960), cavaquinho; Otávio da Rocha Viana (China, 1888 - 1927), violão e voz.
Constatou-se uma das mais importantes participações da música popular brasileira no exterior
com a presença de bandolinistas.
O período marcado pela ida dos Oito Batutas a Paris e o papel da Semana de Arte
Moderna foi enfocado por Livingston e Garcia (2005) assim como suas referências na
produção artística e música clássica. Nesta época, artistas e escritores discutiram e
formularam o desenvolvimento de uma cultura nacional pós-colonial, que declarava sua
independência da cultura européia. Os sentimentos expressados na Semana confrontaram as
tendências racistas das classes da elite sobre a viagem de Pixinguinha (com o grupo “os Oito
Batutas”) a Paris. A elite social dominante rejeitava a definição a qual apontava a cultura
brasileira como sendo mais “negra” do que “branca” (LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
Figura 34 - Primeira formação do Grupo Caxangá em 1912. In: www.chiquinhagonzaga.com/nazareth/joao_pernambuco.pdf
80
Figura 35 - Grupo “Os Oito Batutas”, data estimada a partir de 1919. In: www.chiquinhagonzaga.com/nazareth/joao_pernambuco.pdf
A participação de bandolinistas no grupo Oito Batutas foi comprovada pela
participação de José Alves de Lima, em viagem à França. Em viagem deste grupo à
Argentina, o registro de embarque em navio registrou um nome de um outro bandolinista em
substituição a José Alves de Lima. Em seu lugar constou o nome do bandolinista Aristides
Julio de Oliveira (18? – 1938), de apelido artístico “Moleque Diabo”, que era compositor, e
também tocava banjo e violão80. Segundo Sá (1999, apud EFEGÊ, 1980, p. 145)81, Moleque
Diabo trabalhou nos Telégrafos como servente, após ter dado baixa no Corpo de Fuzileiros
Navais, onde tinha sido soldado. Tendo sido um dos mais destacados bandolinistas de sua
época, teria se suicidado ao ingerir formicida, por causa de uma mulher portuguesa. Pinto
(1936, p. 170) refere-se a Moleque Diabo como um dos maiores bandolinistas de sua época,
pois “suas proezas neste instrumento eram fantásticas.” Este instrumentista também teria
80 Disponível no Dicionário da música popular brasileira: http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=J.+Thomaz&tabela=T_FORM_A&qdetalhe=art, consultado em 13/08/2009.
81 EFEGÊ, Jota. Figuras e Coisas da Música Popular brasileira. Rio de Janeiro, Funarte, v.2, 1980.
81
influenciado o cavaquinista Waldyr Azevedo conforme registrado na recente Coleção de Cd’s
“Folha Raízes”82 sobre sua biografia:
Com Waldir Azevedo o cavaquinho deixou o papel de coadjuvante para ganhar a importância de um instrumento de solo. Nascido em 27 de janeiro de 1923, no bairro da Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro, seu gosto pela música data ainda da infância, quando se interessou pelos sons da flauta de um vizinho. Nessa mesma época conheceu de perto a atuação de Aristides Júlio de Oliveira, mais conhecido como "Moleque Diabo", que tocava, como poucos, violão, banjo, bandolim e cavaquinho.
Pixinguinha expôs as tensões entre os proponentes de uma cultura nacional xenófoba e
aqueles que defendiam os ideais de uma cultura cosmopolita. Quando ele retornou de Paris e
formou uma “Jazz Band” baseada nas bandas que havia ouvido, foi acusado de ter traído a
cultura nacional brasileira. Esta política foi difundida na era Vargas e intensificada nos anos
seguintes. Durante o período do presidente Getúlio Vargas, o Choro figurou como
representante da música popular brasileira, freqüentemente usada para propósitos
nacionalistas no intuito de forjar uma identidade brasileira unificada. O Choro e o Samba
foram os emblemas da cultura brasileira. A música popular se apresentava em dois tipos: a
nacional e a estrangeira. Esta divisão foi refletida nos shows em programas de rádio e na
prática do conjunto regional para a música popular brasileira, separada da orquestra destinada
para números de música dita “estrangeira” (LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
A presença estrangeira no contexto brasileiro inicialmente foi identificada nos
instrumentos ancestrais do bandolim provenientes da Europa. Seus indícios nas pinturas de
Debret e Rugendas nos indicam sua existência de cordófonos de fundo de caixa abombado no
contexto do Rio de Janeiro do século XIX. Suas vendas e construtores de bandolim no Brasil
foram identificadas no periódico anual Almanack Laemmert, publicado de 1844 a 1916, que
fornecia informações variadas sobre a sociedade carioca e de outro centros urbanos
brasileiros.
82 Menção da Coleção de Cd’s “Folha raízes” sobre a biografia de Waldyr Azevedo, Disponível em
http://raizesmpb.folha.com.br/vol-24.shtml , acesso em 20/03/2011 às 18:32.
82
Com a identificação dos cordófonos relacionados com o bandolim brasileiro, buscou-
se uma análise de como se processou sua prática no Brasil. O surgimento e consolidação do
Choro foi analisado por abranger esta atividade musical e suas formas de difusão.
3 A CONSOLIDAÇÃO DA PRÁTICA DO BANDOLIM BRASILEIRO
3.1 O APOGEU DO RÁDIO NO BRASIL E A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
No início do século XX, políticas e ações eram empreendidas no sentido de coibir e
impedir manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras e mestiças no país. Segundo
Hermano Vianna (1995), ao mesmo tempo existiram grupos de intelectuais e artistas que as
defendiam, sob o argumento de que eram autenticamente brasileiras. Além deste fato, estes
grupos possuíam um projeto nacionalista onde não eram aceitas as influências da cultura
européia e norte-americana no contexto cultural e social brasileiro. Como confirmação desse
projeto e como forma de afirmação da capacidade do povo brasileiro de produzir sua própria
cultura, dois gêneros musicais populares simbolizavam esta questão: o samba e o choro
(FILHO, 2009 apud VIANNA, 1995). Por serem mestiços e populares estes gêneros foram o
centro de um projeto nacionalista; em 1922, a Semana de Arte Moderna, enfatizou a
valorização e o desenvolvimento de uma cultura brasileira autêntica. Realizada cem anos após
a independência formal do Brasil, de acordo com Vianna (2009), ela buscou uma “invenção”
da tradição nacional-popular brasileira, e a música possuía papel de fundamental importância.
Após a Semana de Arte Moderna, significativos grupos da elite brasileira passaram a
apoiar e incentivar o Choro, e os ideais nacionalistas induziram mudanças neste gênero. Este
ambiente proporcionou a emergência dos ditos conjuntos regionais, que até a década de 1920,
apesar dos chorões serem exímios instrumentistas, sua maioria era constituída por músicos
amadores. A necessidade dos músicos de garantir sustento familiar por meio da música os
levou a apresentar-se em vários locais, como, por exemplo, o cinema mudo. A
profissionalização destes músicos encontrou nas gravações uma nova forma de subsistência,
divulgação e promoção da arte musical do Choro. A partir da década de 1920, estes novos
contextos e necessidades contribuíram para uma nova formação para os conjuntos de Choro
com o acréscimo de dois instrumentos: o pandeiro e o violão de sete cordas (FILHO, 2009).
83
Assim, boa parte das apresentações atendeu a novas exigências e foi ampliada a possibilidade
profissional para o músico de Choro.
O surgimento da indústria fonográfica e a programação ao vivo dos shows promovidos
nas rádios foram dois fatores significantes na profissionalização do Choro no Brasil. Desde a
introdução das gravações no Brasil, em 1902, a música popular foi difundida pela nascente
indústria de consumo desenvolvida juntamente com as novas tecnologias de comunicação. O
nascimento e proliferação do rádio nas décadas seguintes impactaram o curso da música
popular. Estas novas tecnologias não somente mudaram a imagem da música popular, como
também permitiram a presença de músicas americanas e européias no Brasil, resultando em
aumento na diversidade de estilos.
A participação dos conjuntos regionais nas primeiras programações da rádio possuía
destaque. Eles eram os ”carros-chefe” da indústria do rádio, entre os anos 1930 e 1940. Sua
formação era constituída pelo terno (violão, cavaquinho e instrumento melódico) acrescido
pelo violão de sete cordas e o pandeiro. O conjunto era responsável pelo acompanhamento de
cantores e instrumentistas em uma ampla variedade de estilos e gêneros. A difusão deste
trabalho com a participação de músicos de Choro foi feita através da rádio, onde o som dos
regionais atingiu partes remotas do país.
A denominação destes conjuntos provém de um período anterior ao da consagração do
samba como preferido do carnaval brasileiro. Esta festividade possuía a participação de
conjuntos de choro e é provável que tenham sido denominados como regionais no início do
século XX. Em 1910, era moda a fantasia carnavalesca de grupos musicais, que se vestiam à
maneira de nordestinos e assumiam nomes típicos. Foram exemplos de grupos de choro que
utilizavam fantasias e nomes nordestinos os “Turunas da Mauricéia” (grupo pernambucano no
qual participou o bandolinista Luperce Miranda) e o “Grupo Caxangá”, do qual participava
Pixinguinha e João Pernambuco. Estes grupos passaram a evocar a região nordeste, embora
tocassem em estilo carioca, e fossem todos do Rio de Janeiro. Por isso, ficaram conhecidos
como grupos regionais. Ao longo do tempo, apesar destas associações terem saído de moda, o
nome conjunto regional serviu para denominar os conjuntos profissionais da rádio com sua
formação específica definida por violões, cavaquinho, pandeiro e instrumento solista, e o
84
repertório composto por gêneros dançantes populares e Choros. O repertório83 executado na
rádio requisitava uma maior habilidade musical dos músicos de Choro, pois exigia
versatilidade dos regionais em execução em estilos e qualidade no desempenho. Foram
compostos novos choros com uma nova linguagem para serem tocados em velocidade e linha
melódica contendo ornamentação no intuito de destacar os solistas destes regionais
(LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
As atividades dos conjuntos regionais na rádio incluíam o acompanhamento de várias
modalidades de canções, sambas, modinhas ou seu equivalente moderno na forma de canções
nacionais ou americanas. Na maioria das vezes, para a execução musical era fornecida uma
introdução improvisada antecipando a entrada do cantor, acompanhado pelo conjunto de
choro. Estas introduções eram feitas em sambas e tocadas pela flauta, bandolim ou outro
instrumento melódico, com o acompanhamento do cantor a cargo de violões, cavaquinho e
pandeiro. Devido ao samba e o choro terem surgido em ambientes sociais semelhantes,
compartilhavam várias características estilísticas. O processo pelo qual foi construída a
tradição na organologia dos instrumentos no conjunto de Choro foi indicado pelos autores
Livingston & Garcia (2005) da seguinte forma:
“Ainda hoje o violão, pandeiro e o cavaquinho são vistos como parte da tradição do samba, uma visão que foi fortemente moldada pelo conjunto regional da rádio.”
Entre os anos 1930 e 1940, as mais proeminentes estações de rádio e seus respectivos
regionais foram: Rádio Guanabara: Gente do Morro e Jacob e Sua Gente, Rádio
Transmissora: O Regional de Claudionor Cruz, Rádio Clube: Waldir Azevedo e seu Regional,
Rádio Tupi: Regional de Benedito Lacerda e Regional de Rogério Guimarães, Rádio Mayrink
83 Esses conjuntos acompanhavam todo o tipo de música, incluindo sambas, modinhas e músicas norte-
americanas. Normalmente, faziam uma introdução improvisada, para que o cantor começasse sua performance.
Nos sambas, a introdução era feita pelo bandolim, flauta ou outro instrumento melódico. Esses instrumentos
também improvisavam contrapontos à melodia ao longo da música. As baixarias do violão de sete cordas
também eram improvisadas. Em geral, horas antes do Regional entrar no ar, os músicos se encontravam e
decidiam o quê iriam tocar, os tons, e outros detalhes musicais; apesar disso, a performance era repleta de
improvisos, não só dos violões e dos instrumentos melódicos, pois o pandeiro e o cavaquinho criavam também
variações no ritmo e no centro (FILHO, 2009).
85
Veiga: Regional de Canhoto, Rádio Nacional: Regional de César Moreno e o Regional de
Dante Santoro, Rádio Mauá: Jacob e seu regional, Regional de Darly do Pandeiro e Regional
de Pernambuco do Pandeiro (FILHO, 2009 apud LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
A participação de bandolinistas no contexto da rádio influenciou a difusão e promoção
de uma forma de tocar este instrumento. A biografia do bandolinista Luperce Miranda, escrita
pela autora Marília Trindade Barboza (2004) fez referência aos dezenove anos deste artista no
Rio de Janeiro e sua participação profissional na rádio e em gravações. Sua trajetória musical
se destacou não somente como músico solista, mas também como acompanhante. Suas
atuações no acompanhamento dos grandes astros da época como Francisco Alves, Carmen
Miranda, Sílvio Caldas e Orlando Silva fixaram o bandolim na posição de participante na
organologia musical da música popular brasileira (BARBOZA, 2004). O ouvinte habituou-se
ao timbre do bandolim e este fato favoreceu o aparecimento de novos bandolinistas.
3.2 LUPERCE MIRANDA (1904-1977)
Nascido em Recife-PE em 1904, Luperce Bezerra Pessoa de Miranda estudou
bandolim com seu pai João Henrique Pessoa de Miranda, executante de bandolim, violão e
piano (BARBOZA, 2004). Em sua família, quase todos eram músicos. Ele possuía irmãos
também instrumentistas com os quais tocavam e participavam de programas de rádio e
gravações: Nelson Miranda (18?-19?) cavaquinho, João Miranda (19?-19?) bandolim e
Romualdo Miranda (1897-1930) violão.
Em 1919, Luperce elabora sua primeira composição, um frevo84. Apesar de tocar
vários instrumentos musicais, o bandolim era o seu preferido. Aos 15 anos de idade conheceu
Pixinguinha, que estava de passagem em Recife (SÁ, 1999). Na ocasião, Pixinguinha quis
levá-lo com o grupo Oito Batutas à Europa, mas seu pai não deixou por ser ainda muito
jovem. Em 1926, passou a integrar o conjunto Turunas da Mauricéia, acima citado. Em 1927,
os Turunas chegaram ao Rio de Janeiro e Luperce veio unir-se ao grupo meses depois. No
final de 1927, gravaram 20 músicas para a Odeon, sendo três de sua autoria e Augusto
84 Dados disponíveis no dicionário de música popular brasileira, http://www.dicionariompb.com.br/luperce-
miranda , acesso dia 14.06.2011.
86
Calheiros: os sambas "Pinião" e "O pequeno Tururu" e a canção "Belezas do Sertão". Embora
"Pinião" fosse uma embolada, foi lançada como sendo samba. Nesse mesmo ano, animado
com o sucesso dos Turunas, organizou em Recife um novo conjunto: “Voz do Sertão”, no
qual tocava bandolim e era integrado pelo violonista Meira (Jaime Florence, 1909-1982), José
Ferreira (cavaquinho), Robson Florence e o cantor de emboladas Minona Carneiro e, pouco
depois, seu irmão Romualdo.
Figura 36 - Fotografia dos Turunas da Mauricéia contida no catálogo de artistas da Casa Edison (FRANCESCHI, 2002).
Em 1928, com 24 anos de idade, transferiu-se para o Rio de Janeiro85. Nesta época, se
processava a grande transformação que faria do rádio e do disco os veículos ideais de
divulgação da música popular e de seus intérpretes, o que os tornava grandes ídolos populares
(BARBOZA, 2004). Conheceu o violonista Tute (Artur de Souza Nascimento, 1886-1957), de
quem seu conjunto gravou "Pra frente é que se anda" e "Alma e Coração", valsa que obteve
grande sucesso, tendo sido regravada posteriormente. Ainda em 1928, o grupo Voz do Sertão
85 Informação contida em ensaio “Os Vários Jacobs”, de autoria do cavaquinista e pesquisador Sérgio Prata,
cedido para publicação no projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da
Lei Rouanet e disponível em www.musicosdobrasil.com.br .
87
lançou pela Odeon seis composições de sua autoria: o fox "Primoroso", a valsa-choro
"Lindete", os sambas "Sacode a saia morena", "Samba da meia-noite" e "Sertão do Surubim"
e a embolada "Minas Gerais", as quatro últimas com Minona Carneiro. Nesse mesmo ano,
outras composições suas como a valsa "Alma do sertão", a marcha "Lúcia" e o choro "A farra
o Olegário" foram gravadas pelo grupo Voz do Sertão. Também nesse ano, fez suas primeiras
gravações solo: ao bandolim o choro "Lá vai madeira" e o fox-trot "Barulhento" e ao
cavaquinho o fox-trot "Moto contínuo" e os choros "O caboclo alegre" e "Rigoroso", todas de
sua autoria.
Realizou apresentações em rádios no Brasil e no exterior. Em 1931, apresentou-se com
Carmen Miranda, Mário Reis, Francisco Alves, Tute, entre outros, na Rádio El Mundo de
Buenos Aires. A partir de 1936, passou a atuar na Rádio Mayrink Veiga. Nesse ano, gravou
ao bandolim o choro "Pra quem gosta de nós" e a valsa "Foi um sonho", de sua autoria. Por
essa época, quando os integrantes do conjunto Alma do Norte voltaram a Recife, constituiu
seu próprio regional. Como integrante de regional, acompanhou os grandes artistas da época,
em diversas gravações na Odeon.
O primeiro livro escrito sobre o Choro faz referência a Luperce (PINTO, 1936): “Julgo
e sou capaz de apostar que no Brasil inteiro não terá outro igual... Luperce é como um cometa
que passa de mil em mil anos...” Segundo Barboza (2004), os conjuntos instrumentais dos
ranchos carnavalescos tinham sempre bandolinistas entre os seus figurantes e os Oito batutas
possuía o bandolinista José Alves de Lima. Neste período, os bandolinistas utilizavam pouco
o bandolim em acompanhamentos e menos ainda como solista. João Miranda, Chico Neto,
Jorge Bandolim, Amador Pinho, Aristides Júlio de oliveira (Moleque Diabo) e Peri Cunha
foram bandolinistas da década de 1930 e pouco participaram das gravações. Assim, é possível
afirmar que Luperce Miranda foi o fixador da presença do bandolim como acompanhante e
como solista na música popular brasileira (BARBOZA, 2004).
Em 1945, transferiu-se para a Rádio Nacional. No mesmo ano, gravou na Continental
a valsa "Eu te amo", de sua autoria. No ano seguinte, voltou a Recife onde permaneceu até
1955, ano em que reintegrou o elenco da Rádio Nacional do Rio de Janeiro da qual se
aposentou em 1973.
88
Suas composições focavam gêneros musicais nordestinos em uma forma “cabocla” de
tocar emboladas, frevos, marcha pernambucana e o Choro com um sotaque musical
nordestino. Influenciou bandolinistas no período das primeiras gravações, destacando-se deles
em habilidades técnicas e participações em gravações. Dentre suas gravações como solista,
em seu LP “Ritmos Brasileiros” com o acompanhamento do Regional de Canhoto, foram
gravadas composições de sua autoria e interpretação. Neste disco, gravou a valsa – concerto
“Quando me Lembro”, de sua autoria, demonstrando uma técnica de bandolim muito próxima
à uma linguagem musical italiana. Seu estilo caracterizava um virtuosismo único para sua
época na forma de trêmolos, arpejos em tercinas e frases intercaladas em andamentos
diversos. Os bandolinistas não arriscavam tocar suas músicas pela dificuldade técnica. Além
deste fato, sua proximidade ao estilo italiano de bandolim requeria uma técnica específica
para esta finalidade. Uma vez que Luperce havia aprendido bandolim com seu pai, não foi
esclarecido como consolidou seu estilo musical em seu início na cidade de Recife - PE.
Embora tenha se destacado por sua técnica e virtuosismo, não obteve um retorno financeiro à
altura de seu talento. É provável que o período de seu afastamento do Rio de Janeiro tenha
prejudicado sua carreira musical juntamente com sua vida familiar conturbada.
Sobre o período o qual Luperce Miranda esteve afastado do Rio de Janeiro, Barboza
(2004) constatou um afastamento do meio artístico e de seu público:
O período em que Luperce Miranda ficou afastado do então Distrito Federal (1947-1955) afrouxou ou, em certos casos, rompeu as ligações que o grande virtuose do bandolim havia estabelecido com o meio artístico e com o público, dois segmentos muito pouco fiéis. Deixou um espaço vazio, logo ocupado por outros instrumentistas, de modo que, ao regressar, encontrou pelo menos dois músicos bem instalados na vaga aberta pela sua ausência: um jovem, também bandolinista, chamado Jacob Bittencourt, e um cavaquinista sem igual, Waldyr Azevedo.
Segundo Barboza (2004) Luperce era um “remanescente puro” dos conjuntos de
Callado e Anacleto de Medeiros. Em seu retorno ao Rio de Janeiro, encontrou-se perdido
entre as guitarras elétricas de uma dita “aldeia global”. Enquanto Jacob do Bandolim e o
cavaquinista Waldyr Azevedo alcançavam o sucesso e situação financeira equilibrada,
Luperce enfrentava dificuldades. Jacob havia vendido cerca de cem mil cópias do choro
“Flamengo”, composto por Bonfiglio de Oliveira, enquanto que Waldyr foi eleito o “Rei do
disco”, com a vendagem de quatrocentas mil cópias do choro “Brasileirinho”, de sua
89
autoria86. Como solista, estava ausente das gravadoras desde 1936, afastado do mercado dos
discos a vinte anos e a dez anos dos meios musicais da capital política e cultural brasileira na
época (BARBOZA, 2004).
Outros fatores afetaram seu desempenho artístico. Ele fora casado diversas vezes e
possuía uma família numerosa, sendo pai de 18 filhos. Apesar de não ter conhecimento da
teoria musical, sendo apenas semi-alfabetizado, conseguiu desenvolver uma técnica apurada,
sendo conhecido como virtuose no bandolim. Desse modo, conseguiu estruturar sua carreira
em revelia às condições adversas de pobreza, problemas familiares, carências e preconceitos
de toda ordem. Assim, mesmo sem saber teoria musical, encontrou uma saída para sua
subsistência: a criação de uma academia de música. A academia tinha caráter prático e formou
diversos músicos que fundamentavam seu aprendizado na música popular brasileira
instrumental como solista e também no ensino do acompanhamento. Dentre seus alunos,
alguns alcançaram fama e importância no panorama da prática do bandolim brasileiro como o
bandolinista Deo Rian (Déo Cesário Botelho) e Evandro do Bandolim (Josevandro Pires de
Carvalho, 1932-1994) (BARBOZA, 2004).
Deixou mais de 500 composições e participou como acompanhador de cerca de 700
gravações. Suas composições, na sua maioria foram escritas para bandolim e constituíram-se
estudos, sendo alguns de dificuldade técnica em sua execução. Segundo Barboza (2004), a
difícil execução de suas composições, reflexo de seu domínio do instrumento, foi um fator no
qual suas músicas foram pouco executadas no repertório do choro. Na maioria das músicas
executadas como solista por Luperce, eram de sua autoria, o que inibiu outros bandolinistas
de as executarem sob o risco de uma comparação. Além da dificuldade técnica, estas músicas
possuíam andamento rápido, o que dificultava ainda mais a interpretação.
86 Informações contidas no encarte “A Música de Porto Alegre”, sobre o Choro, por José Ramos Tinhorão,
Unidade Editorial Porto Alegre/SMC, 1995, pág. 08. Nesta publicação, temos referência à atuações de
bandolinistas na cidade de Porto Alegre-RS, aproximadamente no início do século XX. A partir do trabalho de
Otávio Dutra como professor, surgiram os bandolinistas Antonio Del Bagno, Marino Santos Cotta (compositor e
executante de bandola), o multi-instrumentista Paulinho Mathias.
90
Na biografia “Luperce Miranda, o Paganini do bandolim”, Barboza (2004) realizou
uma comparação geral entre o estilo dos dois mais famosos bandolinistas brasileiros: “...
Luperce enchia sua emoção de notas, enquanto Jacob enchia suas notas de emoção”.
Figura 37 - Luperce Miranda
(foto da capa do LP Luperce Miranda, 1971).
3.3 DECLÍNIO DAS RÁDIOS E A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA
O declínio da utilização de conjuntos regionais nas rádios se deu no final da década de
1940. Em 1945, com a saída de Getúlio Vargas do poder, houve diminuição na política
nacionalista do Estado brasileiro, que protegia a cultura nacional contra a entrada de culturas
estrangeiras. A influência norte-americana já se fazia presente em diversos países (FILHO,
2009 apud LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
Após a saída de Vargas do poder, as rádios passaram a obedecer as forças do mercado.
O controle do governo não mais existia e assim foram incluídos na programação das rádios
elementos antes proibidos. A influência americana ampliou sua ação reduzindo o espaço
destinado a execução dos gêneros brasileiros. As bandas e orquestras de jazz substituíram os
91
conjuntos regionais. Em pouco tempo, a presença cara e desgastante de conjuntos musicais foi
sendo substituída pelas gravações, reduzindo assim os programas ao vivo (FILHO, 2009).
Os chorões enfrentaram o desemprego e alguns deles buscaram tocar em bandas de
Jazz e outras manifestações da cultura norte-americana. Outros músicos desapareceram da
cena da música profissional. Em 1947, o retorno de Luperce à cidade de Recife
provavelmente tenha sido um reflexo destas transformações. Enquanto manteve seu estilo
durante sua carreira artística, outros músicos buscavam não andar contra as transformações de
sua época. Paralelamente a este contexto, o Choro era executado em orquestras e surgiram
novos músicos nesta especialidade, alguns alcançaram fama internacional. Dentre estes
músicos, destacou-se Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955), o Garoto, que sendo da escola
do choro, assimilou nos EUA outras linguagens, sem fugir de suas raízes nacionais. Assim,
foi compositor de peças hoje resgatadas pelos violonistas de formação clássica além de ter
influenciado gerações de músicos no Brasil e no exterior. Sua influência musical, assim como
a de Luperce, se verificou em Jacob do Bandolim. As composições de Garoto constituíam
uma nova linguagem com aproximação do Jazz. Como violonista, seu trabalho influenciou
um gênero que estaria para surgir: a Bossa Nova.
3.4 O CHORO E DOIS BANDOLINISTAS BRASILEIROS NOS ESTADOS
UNIDOS: ZÉ CARIOCA E GAROTO
Dois instrumentistas naturais da cidade de São Paulo levaram a música popular
brasileira aos Estados Unidos, na qualidade de multi-instrumentistas, alcançando destaque no
cenário do Choro. José do Patrocínio de Oliveira (1904-1987) 87, também conhecido como
“Zé Carioca” e Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955), de nome artístico “Garoto” foram
contemporâneos e realizaram gravações no bandolim, violão, cavaquinho, além de
executarem banjo, guitarra havaiana e violão tenor. Garoto viajou aos Estados Unidos em
1938, e no ano seguinte José do Patrocínio, que passou a residir em Los Angeles a partir de
1940. Tendo tocado juntos em diversas ocasiões, Garoto considerava José do Patrocínio, além
de seu ídolo e mestre, uma espécie de incentivador da sua carreira musical de sucesso. Garoto
87 Informações fornecidas pelo músico cavaquinista e pesquisador carioca Sérgio Prata, em e-mail de 11 de fevereiro de 2010, onde indicou dados biográficos de José do Patrocínio de Oliveira (1904-1987) levantados por Jorge Carvalho de Mello, que podem ser encontrados na Agenda do Samba e Choro: http://www.samba-choro.com.br/artistas/zecarioca, acesso em 01/06/2011.
92
declarou em uma entrevista: “devo meu progresso ao Zezinho, pois queria tocar sempre
melhor do que ele...” (MELLO, 2010).
Tendo absorvido uma tradição musical como freqüentador de rodas onde figuravam
Américo Jacomino (Canhoto, 1889-1928), João Sampaio e Armando Neves (1902-1976), José
do Patrocínio passa a ser chamado de Zezinho e conhecido por sua habilidade na execução de
diversos instrumentos. Em 1928, o violonista Canhoto organizou uma Orquestra Típica de
instrumentos de cordas, constituída pelos mais destacados músicos de São Paulo. Além de
Canhoto, participaram Zezinho, Mota, Armandinho Neves, João Sampaio e Garoto, nessa
época um menino de apenas doze anos, que empunhava o banjo.
No período entre 1929 e 1931, Zezinho participou de cerca de cento e vinte
gravações pela gravadora Columbia Recordas tento tocado com músicos tais como João
Pernambuco, Jararaca e Dircinha Batista. Além de ter acompanhado ao violão boa parte dos
registros da obra de João Pernambuco como “Interrogando”, “Reboliço” e “Sonho de Magia”,
também gravou acompanhando diversas composições de Amélia Brandão Nery, conhecida
anos depois como Tia Amélia (1897 – 1983).
A participação de Zezinho foi registrada por Ary Vasconcelos em seu “História e
inventário do choro”, onde menciona a participação do músico na Orquestra Colbaz, sob a
direção do maestro Gaó, que gravou na Columbia entre 1930 e 1932. Esta Orquestra tinha a
participação de Gaó (Odmar Amaral Gurgel, 1909 – 19? ) ao piano; Atílio Grany na flauta;
Petit (Hudson Gaia) ao violão; Jonas Aragão no sax alto e Zezinho no bandolim.
Chegando ao Rio em 1933, Zezinho passou a integrar o famoso regional da rádio
Mayrink, trazido pelo radialista César Ladeira, que trazia à capital da república novos valores
da música paulistana. Em 1936, César Ladeira trouxe músicos que construíram carreira
brilhante e alguns de fama internacional: Aimoré, Garoto, Nestor Amaral e Laurindo
Almeida. Sobre o encontro entre estes músicos e Zezinho e a primeira viagem internacional,
Mello (2011) assim descreveu:
Estes três últimos (Garoto, Nestor Amaral e Laurindo Almeida) participaram junto a Zezinho de uma grande aventura: uma viagem a Europa a bordo no navio Cuiabá. Fizeram escala nos estados mais importantes do nordeste brasileiro antes de partir rumo a Lisboa, Porto, Amsterdam, Berlim e Paris onde por três meses divulgaram a
93
nossa música. Em Paris não puderam desembarcar com os instrumentos musicais devido a alguma lei protecionista. Assistiram então extasiados a uma apresentação do diabólico duo Stephan Grapelli (violino) e Django Reinhart (violão). Algo novo estava acontecendo ali em termos musicais e eles jamais seriam os mesmos após esta experiência, especialmente Garoto, que acabou por incorporar o fraseado de Django! Voltam a Mayrink e depois de um breve retorno a São Paulo onde atua junto a Armandinho Neves e Antonio Rago no Regional da Record, Zezinho passa a integrar a Orquestra de Romeu Silva (muito bem reportado por Daniella Thompson) partindo então para os Estados Unidos em 1939 onde iriam se apresentar por seis meses na Feira Internacional de Nova Iorque. Zezinho reencontra seu amigo Garoto quando este, já famoso com seu violão tenor (foi inclusive chamado de “homem dos dedos de ouro”), lá esteve com Carmen Miranda e o Bando da Lua (MELLO, 2010).
Após integrar a Orquestra de Romeu Silva, em 1939, viajou para os Estados Unidos
para realizar apresentações por seis meses na Feira Internacional de Nova Iorque. Nesta
ocasião, Zezinho reencontra seu amigo Garoto, que havia alcançado fama internacional com
seu violão tenor e trabalhava com a cantora Carmen Miranda e o Bando da Lua.
O nome artístico de Zezinho seria mudado após sua ida aos Estados Unidos em 1940.
Após ter fixado residência em Los Angeles, permaneceu até sua morte em 22/12/1987. Em
1941, Walt Disney realizou viagem pela América latina em virtude de um período
caracterizado pela política da “boa vizinhança” e da criação de novos personagens para seus
desenhos e produções cinematográficas. O personagem de Disney “Zé Carioca” necessitava
de dublagem e, em 1943, Zezinho aceitou o convite adotando este novo nome artístico a partir
de então. Sua voz tomou parte em diversos filmes como “Alô amigos” e “Você já foi à
Bahia?”, o que rendeu uma fortuna considerável ao músico. Zezinho também se manteve
ligado à atividade musical como integrante do Bando da Lua e em seu próprio grupo. Após
este fato, Mello (2011) refere-se a uma estigmatização do artista por conta de sua ligação com
Disney, pela “política da boa vizinhança”, e com a cantora Carmen Miranda.
Assim como Zezinho, em 1939, Garoto também viajou aos Estados Unidos para
acompanhar a cantora Carmen Miranda e o Bando da Lua. Dentre as características comuns
(multi-instrumentistas, naturais de São Paulo e com atividades musicais nos Estados Unidos)
os dois artistas constituíram dupla com o violonista Laurindo de Almeida (1917-1995), que
também migrou aos Estados Unidos em 1940.
94
Figura 38 - Recorte de matéria de jornal sobre a dupla Zezinho e Laurindo de Almeida
(MELLO, 2011).
Tendo começado ainda criança a demonstrar seu talento musical, Garoto era filho de
imigrantes portugueses, sendo o primeiro de sua família a nascer no Brasil. O pai tocava
guitarra portuguesa e violão, enquanto seu irmão Batista, violonista e cantor, possuía diversos
instrumentos em casa: violão, flauta, sax, bandola, bandolim e guitarra portuguesa. Segundo
os escritos deixados pelo próprio Garoto, que tinha por hábito registrar minuciosamente suas
atividades musicais, aos 5 anos de idade, já brincava “tirando sons” destes instrumentos, sem
que a família o visse (JUNQUEIRA, 2010). Seu primeiro instrumento, um banjo, lhe foi dado
por seu irmão Batista e aos 11 anos de idade começou a trabalhar como ajudante em uma loja
de instrumentos. Ao longo de sua carreira estudou música com Atílio Bernardini, composição
com João Sepe e matérias afins com o maestro Radamés Gnattali (1906-1988), que além de
amigo, anos depois lhe dedicaria um concerto para violão e orquestra de cordas (MELLO,
2011).
95
Conhecido como “Moleque do banjo”, em 1926, Garoto iniciou sua carreira musical
no conjunto regional Irmãos Armani. Em 1927, ao sair do regional passou a tocar no
Conjunto dos Sócios, de seu irmão Inocêncio. Em 1929, atuou na exposição do Palácio das
Indústrias tocando em um grande conjunto ao lado de Canhoto, Mota e Zezinho. No mesmo
ano, integrou o conjunto “Chorões Sertanejos”, com o qual gravou pela etiqueta Parlophon.
Estreou em disco solo em 1930, a convite do maestro Francisco Mignone, diretor
artístico da Parlophon. Na ocasião, ao lado do violonista Serelepe, foram gravadas duas
composições de sua autoria: o maxixe-choro “Bichinho de Queijo” e o maxixe “Driblando”,
ambas em duo de banjo e violão. Em 1931, após ter participado de programas na Rádio
Record, atuou na Rádio Educadora Paulista tocando cavaquinho e bandolim. Assim, passou a
substituir Zezinho, quando este havia se transferido para a Rádio Cruzeiro do Sul.
Em 1935, passa a fazer dupla com o violonista Aymoré tendo acompanhado o cantor
Carlos Gardel em temporada na Argentina. No retorno da dupla a São Paulo, receberam
convite do cantor Sílvio Caldas para uma temporada em Santos, na qual Garoto obteve
sucesso tocando o violão tenor, um instrumento fabricado pela fábrica paulista Del Vechio.
Passou a atuar ao lado de Carmen Miranda e Laurindo de Almeida a partir de 1938.
Com este violonista passaria a formar a “Dupla do ritmo sincopado” e o conjunto Cordas
quentes, tendo a gravado na Victor em 1939. Em outubro do mesmo ano, recebeu convite para
acompanhar Carmen Miranda em substituição a Ivo Astolfi, integrante do conjunto Bando da
Lua. Sua participação constituiu-se uma atração à parte e também foi convidado a participar
da Feira Mundial de Nova Iorque ao lado de outros artistas brasileiros como Romeu Silva e
sua Orquestra e Zezinho (Zé Carioca). Com Carmen, participou do filme “Down Argentine
Way”, rodado em 1940 pela Fox e estreado no Brasil sob o título de “Serenata Tropical”. Em
março de 1940, apresentou-se com Carmen Miranda para o presidente Roosevelt na Casa
Branca, na comemoração da passagem de seu sétimo ano de Presidência. Após oito meses de
permanência no exterior, retornou ao Brasil e retomou suas atividades na Rádio Mayrink
Veiga formando o conjunto Garoto e seus Garotos, integrado por Valdemar Reis, Poli e
Almeida aos violões e Russo do pandeiro (MELLO, 2011).
96
Figura 39 - Fotografia da cantora Carmem Miranda com o bando da Lua tendo Garoto ao violão (o segundo da esquerda para direita).
In: http://jorgecarvalhodemello.blogspot.com/search?q=anibal+augusto+sardinha.
Garoto transferiu-se para a Rádio Nacional em 1942 e atuou na orquestra da rádio
regida por Radamés Gnattali. Dentre suas gravações ao bandolim destacaram-se os Choros
“1x0” (Pixinguinha/Benedito Lacerda) em 1949, e no ano seguinte: “Arranca Toco” (Jaime
Florence), “Dinorá” (Benedito Lacerda), a valsa “Desvairada” de sua autoria e “Beira Mar”
(Atílio Bernardini). Em 1951, realizou gravações ao violão elétrico e ao bandolim os choros
“Triste Alegria” (Bonfiglio de Oliveira), “Famoso” e “Perigoso”, ambas de Ernesto Nazareth.
Neste mesmo ano, formou dupla com o também multi-instrumentista cearense José Menezes
participando dos programas “Nada além de dois minutos”, “Ao som do violão” e “Um milhão
de melodias”, em que eram solistas da Rádio Nacional (MELLO, 2011).
O estilo musical apresentado nas gravações de Garoto ao bandolim foi caracterizado
por sua forma pessoal de interpretação musical e suas idéias musicais inovadoras. Esta
inovação decorria de sua forma de tocar e compor com a junção de uma diversidade de
elementos como os do Jazz americano, a música de Debussy88 e as idéias harmônicas no
Choro. Sua busca por novos gêneros musicais e por formas musicais influenciou suas
88 Claude-Achille Debussy (Saint-Germain-en-Laye, 22 de Agosto de 1862 — Paris, 25 de Março de 1918) foi um músico e compositor francês.
97
composições. Apesar de ter sido influenciado pelo Jazz, buscou não descaracterizar o Choro
em suas gravações ao bandolim. Em “1x0” (Pixinguinha e Benedito Lacerda), demonstrou seu
domínio no instrumento em improvisações e utilização de acordes de sétima maior e menor,
ainda pouco utilizados pelo Choro tradicional da época. Em comum com Jacob, Garoto
apresentou uma linguagem musical baseada na diversidade da execução de vários
instrumentos, gêneros e a abordagem do clássico e popular (Radamés Gnattali lhe dedicou um
concerto para violão e orquestra). Enquanto Luperce mantinha a forma tradicional de seu
estilo, Garoto abordou novas linguagens e promoveu uma junção de elementos do Jazz com o
Choro, tendo inclusive influenciado a bossa nova. Estas inserções estilísticas buscaram evitar
uma descaracterização do choro.
Dentre as composições de Garoto, o dobrado “São Paulo Quatrocentão”, em parceria
com o acordeonista gaúcho Chiquinho (Romeu Seibel, 1928 – 1993) atingiu o sucesso e a
vendagem de 700 mil cópias. Assim, este fato constituiu-se um record na história do disco
brasileiro (MELLO, 2011). Obteve sucesso com as parcerias com Luis Bittencourt em
“Amoroso”, “Estranho amor”, com David Nasser e “Gente humilde”, com letra escrita após
sua morte por Vinícius de Moraes e Chico Buarque.
Figura 40 - Fotografia de capa da biogafia de Garoto com o bandolim. (ANTONIO; IRATI, 1982)
98
A dissertação de mestrado “A obra de Garoto para violão: o resultado de um processo
de mediação cultural”, de Humberto Junqueira (2010), analisou o papel deste músico em
diferentes contextos culturais, os resultados desta mediação e as interações entre as tradições
musicais populares. O contato de Garoto com o maestro Radamés Gnattali, com a cultura do
Jazz norte americano, sua ida aos Estados Unidos, suas composições e influências ao Choro e
à Bossa Nova trouxeram novas informações e mudanças na configuração estética musical
brasileira. Sua trajetória influenciou vários músicos brasileiros, sendo decisiva a sua atuação
na indústria da rádio e do disco.
3.5 PRESERVAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO:
ALMIRANTE E JACOB DO BANDOLIM
A invasão da música norte-americana não se deu sem resistência por parte de uma
defensiva brasileira. O panorama da música brasileira da época indicou a influência
estrangeira como sendo um fluxo interminável que fez surgir a Bossa Nova. Surgiram
também artistas que se posicionaram como “advogados de defesa” do Choro diante da
diminuição de sua popularidade no final dos anos 1950 e 1960. Com a aceitação da música
americana pelo público brasileiro, alguns movimentos visaram preservar a música brasileira e
evitar sua descaracterização. A música americana foi exposta pelas rádios e meios de
comunicação da época como uma ameaça à identidade nacional brasileira. Dois personagens
se dedicaram a educar o público sobre sua herança musical e formação de um discurso sobre a
preservação do choro: o radialista e cantor Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908-
1980) e o bandolinista Jacob do Bandolim (Jacob Pick Bittencourt, 1918 – 1969). Ambos
eram associados à rádio, a mais poderosa divulgação da música popular dos anos 1930 a 1950
(LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
A carreira musical de Almirante como cantor de sambas e gêneros da música popular
brasileira se deu entre os anos 1920 e 1930. Foi amigo da cantora Carmen Miranda e a partir
de 1940, passou a dedicar-se ao rádio e à produção de programas. Seus programas na rádio
traziam a música brasileira para o público e um de seus mais importantes programas foi “O
Pessoal da Velha Guarda”. Esta sua produção foi realizada em uma série de 20 programas
dedicados a educar o público e disseminar composições escritas pela dita velha guarda da
música popular brasileira. Dentre os autores foram homenageados Chiquinha Gonzaga, Irineu
99
de Almeida, Nelson Alves e Eduardo Neves (LIVINGSTON & GARCIA, 2005). Segundo
Napolitano (2007)89, a programação exaltava uma época passada, enquanto as peças musicais
eram dirigidas pela banda da casa a cargo de Pixinguinha. Os comentários históricos sobre os
compositores e gêneros musicais eram feitos intercalados entre apresentações instrumentais
ou cantadas. A atividade de pesquisa de Almirante o fez constituir um arquivo pessoal com
materiais referentes à música popular brasileira.
A tradição na música popular brasileira era defendida por Almirante em face às
influências estrangeiras, que poderiam destruí-la ou corrompê-la. Sua visão do Choro era uma
conseqüência da política Vargas na década de 1930. O Choro havia se tornado música
nacional a partir de seu contexto original com sua forma de tradição dinâmica e a referida
campanha o tornava uma entidade estática a ser defendida e preservada. Neste contexto,
Almirante usou termos “autêntico” e “brasileiro” na descrição musical e dos shows sob a
direção de Pixinguinha. Seu conceito de autenticidade era relacionado ao sentimento nacional
e à sonoridade do conjunto regional disseminado na era Vargas. Esta percepção sobre o Choro
não foi contestada e afetou não somente a ouvintes, mas também a músicos, que eram
alertados quanto ao dito perigo de sua erradicação como gênero musical. 90
O trabalho de Almirante pela preservação e promoção da música popular brasileira
contribuiu para a valorização dos músicos de Choro. Os programas de rádio promoviam a
conexão de artistas com o público e permitiram o retorno deles à cena musical. Seus
programas de rádio foram preservados pelo Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro.
Assim como Almirante, Jacob do Bandolim buscou uma preservação do choro através
da transmissão de rádio e televisão. Como um famoso intérprete de sua geração, suas
gravações e performances, a partir da década de 1950, fizeram o bandolim se firmar como um
89 NAPOLITANO, Marcos. A síncope das idéias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2007.
90 Segundo Livingston & Garcia (2005), Almirante externava a posição em defesa da música brasileira contra a adoção da música americana e assim se dirigia a seus ouvintes: “Homens e mulheres cantores da música popular, a melhor coisa que vocês podem fazer é cantar samba como samba, marcha como marcha, valsa como valsa, e não saiam por aí imitando esses Bing Crosbys e Frank Sinatras. Os efeitos que eles introduzem em seus foxtrots são bons para foxtrots, mas não para nossa música.”
100
instrumento popular no choro. Como nacionalista, declarou publicamente seu desagrado pelas
modernas harmonias estrangeiras. Apesar deste fato, incorporou certas harmonias e deu a suas
obras uma sonoridade que a distingue daquela utilizada nos choros das décadas anteriores.
Suas composições e atuações proporcionaram enriquecimento no repertório do choro e uma
nova forma de se tocar o bandolim no Brasil.
3.6 JACOB DO BANDOLIM (1918 – 1969)
Filho de Sara Raquel Pick91, polonesa de origem judaica e Francisco Gomes
Bittencourt, farmacêutico e capixaba de Itapemirim, Jacob Pick Bittencourt nasceu no Rio de
Janeiro em 14 de fevereiro de 1918.
Sua mãe lhe deu um violino quando tinha 12 anos, o qual tentou tocá-lo palhetando as
cordas com grampos de cabelo. Logo em seguida, ela lhe deu um bandolim, instrumento de
mesma afinação do violino e tocado com o uso de uma palheta, o qual aprendeu sozinho a
tocar. O pesquisador e cavaquinista Sérgio Prata (2010) 92 citou detalhes sobre a participação
de sua mãe na formação cultural e musical de Jacob:
Raquel Pick deu o violino a Jacob. Ela adorava o filho, e além de iniciá-lo na música, fez questão de lhe dar uma boa educação, Jacob estudou no Colégio Cruzeiro e na British American School, instituições de ensino dentre as melhores do Rio de Janeiro, à época. É bem verdade, que o pai era quem pagava o colégio e ajudava na sua manutenção, fato que Jacob só veio saber bem mais tarde (PRATA, 2010).
Jacob desenvolveu a música paralelamente tendo exercido diversas profissões. Em
1933, aos 15 anos de idade, estreou na Rádio Guanabara e aos 19 anos, formou-se em
Contabilidade (MELLO, 2010). Nesta rádio, estreou com grupo musical formado por amigos:
o Conjunto Sereno, interpretando o choro Agüenta, Calunga do flautista Atílio Grany
91 Sara Raquel Pick nasceu em Lodz, Polônia, em 1883 ou 1884. Os dados sobre a data de nascimento de Jacob foram retirados do Livro de Informações e Partos de 1904 a 1919, folhas 98 e 99, da maternidade citada. O número do registro é 12.801 (PAZ, 1997). 92 “Os Vários Jacobs”, por Sérgio Prata. Ensaio cedido para publicação no projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet e disponível em www.musicosdobrasil.com.br, acesso em 28.06.2011, às 14h: 45 min.
101
(CORTES, 2006). Nesse mesmo período, também tocava violão e cavaquinho recebeu convite
de Antonio Rodrigues, intérprete de guitarra portuguesa, para acompanhá-lo como violonista.
A pesquisa realizada por Cortes (2006, apud PAZ, 1997, p. 32) menciona as atividades de
Jacob na música portuguesa:
Apresentou-se em 05 de maio de 1934 na Rádio Educadora no programa Horas Luso-brasileiras e no Clube Ginástico Português numa audição de fados, onde acompanhou Antonio Rodrigues e os cantores de fado Ramiro D' Oliveira e Esmeralda Ferreira. Acompanhou outros intérpretes lusitanos em cinemas e teatros e conheceu famosos artistas como a cantora Severa e o guitarrista Armandinho (CORTES, 2006).
A música portuguesa influenciaria sua forma de tocar o bandolim. Anos mais tarde,
em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1967,
declarou que sua atuação como violonista na música portuguesa, quase o fez desistir do
bandolim. Esta influência também é visível em seu próprio instrumento, construído em
formato de uma mini-guitarra portuguesa, conforme figura 19.
Estas influências foram citadas por SÁ (1999, p. 52 e 2005) em depoimentos de alguns bandolinistas brasileiros de renome como Joel Nascimento e Marco de Pinna. Segundo Joel, no tempo de Jacob, os bandolinistas quase não usavam ornamentos. Marco de Pinna citou o portamento, ornamento melódico utilizado freqüentemente na execução da guitarra portuguesa, utilizado por Jacob como forma de imitação deste instrumento. Segundo entrevista de Paz (1997) a bandolinistas brasileiros, foi indicado que sua interpretação ou execução no bandolim teria se aproximado àquelas realizadas pelos guitarristas do fado português (CORTES, 2006 apud PAZ, 1997).
Apesar de suas referências na música portuguesa em sua forma de tocar, sua fase
inicial de aprendizado no bandolim se deu em um modelo napolitano. Conforme seu
depoimento ao Museu da Imagem e do Som, ele não teria se adaptado a este modelo de
bandolim. Assim, dedicou-se à utilização de um modelo de caixa e, segundo Sá (2010) 93,
teria buscado uma transformação em seu formato, no intuito de obter um timbre e volume de
som que melhor se adaptasse à música brasileira. Sua ligação com o fado e com a guitarra
portuguesa também teria colaborado para esta decisão.
93Ensaio sobre “Choro e bandolim Brasileiro - Parte I”, por Paulo Henrique Loureiro de Sá, disponível em http://www.bandolim.net/node/52 , acesso em 28/06/2011 às 14: 25.
102
Estas características iriam definir o estilo de Jacob. A menção a este período, sua
gravação em guitarra portuguesa e influências lusitanas em seu bandolim foram citados por
Cortes (2006):
Em sua discografia (PAZ, 1997, p. 130) consta uma única gravação realizada com uma guitarra portuguesa, a música Elza (A. F. Conceição – Xavier Pinheiro). É fato que Jacob apesar de ter iniciado o aprendizado94 num bandolim de “cuia” 95, posteriormente adotou um bandolim com fundo chato, mais próximo do formato da guitarra portuguesa. No entanto, as informações obtidas sobre esta fase são muito vagas, apenas o bandolinista Joel Nascimento (2006) exemplificou que alguns mordentes que Jacob realizava, utilizando a combinação de cordas presas e cordas soltas, seriam advindos da música portuguesa (CORTES, 2006).
A idéia de um bandolim brasileiro, segundo Sá (2005) se fundamenta em três aspectos
fundamentais: “o formato (definido por uma mistura de bandolim e guitarra portuguesa), a
maneira como é tocado” e a sonoridade96. Apesar da escassez de informações sobre como se
processou a mudança físico-sonora do modelo de bandolim adotado no Brasil, Sá (2010) 97
fixa a contribuição de Jacob como decisiva para a padronização, fixação e divulgação do
chamado “bandolim brasileiro.” Sua análise destacou o conceito de “bandolim brasileiro”
como sendo resultado de um processo de hibridismo, derivado dos modelos de bandolim
napolitano e bandolim português. O principal papel de propagador no desenvolvimento deste
conceito foi exercido por Jacob.
A partir da década de 30, sua intensa atividade musical nas estações de rádio consistia
no acompanhamento de cantores, atuação como solista e como locutor na apresentação de
programas. Em 1934, sua carreira na rádio se destacou com a conquista do primeiro lugar no
Programa dos Novos promovido pela rádio Guanabara. Na ocasião, foi contratado por esta
rádio e acompanhou os mais renomados artistas da época como Noel Rosa, Augusto
94 Segundo Mello (2010), Jacob comprou um bandolim napolitano por 80 mil réis na loja Guitarra de Prata e nele estudou sozinho, sem métodos nem professores, tendo sido sempre um autodidata, aprendendo a ler música por sua própria conta em 1949 (informações colhidas de uma autobiografia datilografada pelo próprio Jacob).
95 Bandolim de modelo napolitano. 96 O terceiro item “sonoridade” foi acrescido à esta dissertação de mestrado conforme sugerido pelo Prof. Paulo
Sá, em 10.10.2011. 97 Ensaio sobre “Choro e bandolim Brasileiro - Parte II”, por Paulo Henrique Loureiro de Sá, disponível em http://www.bandolim.net/node/52 , acesso em 28/06/2011 às 14: 25.
103
Calheiros, Ataulfo Alves, Carlos Galhardo e Lamartine Babo. Em 1937, formou o regional
“Jacob e sua gente” no qual aperfeiçoou seu talento (CORTES, 2006).
Durante sua vida, Jacob foi amigo de Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos, 1890
– 1974), que o ajudou durante os períodos de dificuldade financeira. Anos mais tarde, Jacob
ajudaria Pixinguinha de forma semelhante (LIVINGSTON & GARCIA, 2005). Segundo
depoimento de seu filho Sérgio Bittencourt 98, jornalista e compositor, Donga o teria
convencido a prestar concurso público para a Justiça. Na década de 40, prestou concurso
público sendo nomeado Escrevente Juramentado da Justiça do Rio de Janeiro. Em paralelo
com os cachês que recebia das atividades como músico, havia exercido diversas profissões99.
Seu intuito era alcançar uma estabilidade que lhe permitisse liberdade sem a obrigação de
acompanhar cantores, calouros e ceder a pressões de gravadoras. Além deste fato, estava
casado com Adylia Freitas e tinha dois filhos. Como alternativa de subsistência, optou por
seguir uma tradição seguida por vários outros chorões: a de ser funcionário público e músico.
Esta tradição se comprovou no primeiro livro escrito sobre o Choro onde Pinto (1936)
realizou uma descrição de chorões no início do século XX. Dentre um total de trezentos e
sessenta e cinco chorões citados neste livro, cento e vinte dois eram funcionários públicos 100
(CLÍMACO, 2008 apud PINTO, 1936). Jacob optou por seguir uma tradição de chorão
funcionário público e desse modo, não se considerava um músico profissional.
98 Depoimento de Sérgio Bittencourt, filho de Jacob, pela ocasião do dia em que o bandolinista estaria completando 60 anos, em atendimento ao pedido do jornalista Jésus Rocha, do Última Hora, editor do Segundo Caderno: “Filho que retrata o Pai”, disponível no site http://www.jacobdobandolim.com.br/jacob/, acesso em 21.06.2011, às 14h: 30 min.
99 Jacob também exerceu as profissões de prático de farmácia, vendedor ambulante, agente de seguros, vendedor pracista, vendedor de material elétrico, de parafusos, de sabão a granel e de materiais de papelaria, dono de um laboratório e de duas farmácias sucessivamente (MELLO, 2010).
100 As profissões dos músicos de choro se constituíam por militares componentes de bandas militares ou de corporações locais, e civis empregados em repartições federais e municipais (CLÍMACO, 2008).
104
Figura 41 - Jacob e Pixinguinha, na sua festa de aniversário de 70 anos, no Teatro Municipal em 15.08.1968. In: http://www.jacobdobandolim.com.br/jacob/index.html
Em seu depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (1967),
Jacob abordou seu posicionamento sobre sua atividade musical:
É que eu não faço da música um meio de viver, se eu fizesse, eu obedeceria às mesmas regras de jogo dos profissionais, evidentemente eu não conseguiria ser exceção (JACOB DO BANDOLIM, 1967).
Apesar de ter declarado não ser um músico profissional, Jacob participou de forma
intensa em gravações durante sua carreira. Em 1941, gravou com o cantor e compositor
Ataulfo Alves em Leva meu Samba assim como Ai, que Saudades da Amélia (Ataulfo Alves e
Mário Lago). Em 1947, participou da gravação de Marina de Dorival Caymmi acompanhando
o cantor Nelson Gonçalves. No mesmo ano, realizou sua primeira gravação como solista
tocando duas peças: “Treme-treme” (de sua autoria) e “Glória” (de Bonfiglio de Oliveira) pela
gravadora Continental.
Em 1949, mudou para a gravadora RCA-Victor onde gravou o restante de sua
discografia: cinqüenta e dois discos em 78 rpm101, 12 LPs e participações em diversos discos
de outros artistas e coletâneas (CORTES, 2006). De 1951 a 1960 foi acompanhado pelo
101 Rotações por minuto.
105
Regional do Canhoto e em algumas gravações foi acompanhado por orquestras (CORTES,
2006 apud PRATA, 2005) 102. De 1955 a 1959, foi contratado pela Rádio Nacional e
apresentava-se com o Regional de César Moreno. Na mesma rádio, posteriormente
apresentaria o programa Jacob e seus Discos de Ouro, onde apresentava discos raros de seu
acervo particular com comentários sobre fatos ligados a cada intérprete, compositores ou
informações sobre o gênero musical em questão (CORTES, 2006).
Jacob se tornou conhecido rapidamente por seu alto padrão qualitativo e por ser um
estudioso em sua especialidade. As rodas de choro em sua residência em Jacarepaguá também
se tornaram conhecidas entre os chorões. Estes encontros eram freqüentados somente por
meio de convite, e atraíram talentos locais e convidados internacionais. Nestas reuniões, todos
estavam sujeitos a rigorosas regras de silêncio durante a execução musical, estabelecidas pelo
bandolinista. Os artistas provinham de diversas localidades, como os violonistas Canhoto da
Paraíba, Dona Ceça, Zé do Carmo e o bandolinista Rossini Ferreira, que vieram da cidade de
Recife-PE e foram hospedados por Jacob em sua residência. Dentre os artistas internacionais
veio a receber também Maria Luisa Anido, Sergei Dorenski e Oscar Cáceres (CORTES,
2006).
Em março de 1960, após a gravação do LP Na Roda de Choro Jacob resolveu criar seu
próprio grupo formado por Dino 7 cordas, César Faria e Carlos Leite (violões), Jonas Silva
(cavaquinho) e Gilberto D’Ávila (pandeiro). Com este grupo gravou dois LPs com nomes
diferentes: Chorinhos e Chorões (1961), com “Jacob e seu Regional” e Primas e Bordões
(1962) com “Jacob e seus Chorões”. Em 1966, mudou o nome do grupo definitivamente para
“Época de Ouro” e gravou o LP “Vibrações” (1967) com a participação do músico e atual
produtor do grupo Jorge José da Silva, o Jorginho do pandeiro. Em 1968, foi realizado o show
do grupo com a cantora Elizeth Cardoso e o Zimbo Trio, no Teatro João Caetano, lançado
posteriormente em LP.
102 Disponível em <www.ijb.org.br>. Acesso em 20 fev. 2011.
106
Figura 42 - Jacob do bandolim com Regional do Canhoto. In: http://www.jacobdobandolim.com.br/jacob/index.html
A atratividade das pessoas era provocada por sua forma diferente de tocar. A
característica de “tocar de forma diferente” foi analisada por Cortes (2006) no intuito de uma
compreensão em termos musicais. Assim, foram selecionadas três variações existentes no
estilo musical de Jacob: mudanças no ritmo, mudanças de oitava e finalizações das frases e
uso de ornamentos como trêmulo, apojatura e mordente. Nesta pesquisa, Carlinhos Leite,
músico entrevistado que acompanhou e gravou com Jacob, comentou que cada vez que Jacob
repetia a mesma música, a tocava de forma diferente.
Ele tocava uma música a primeira vez, conforme manda a pauta, já na segunda vez ele já tocava diferente, na terceira vez ele tocava diferente, cada vez ele interpretava diferente (LEITE, 2006).
Com relação ao desempenho da atividade musical, dois tipos conceituais de chorões
foram mencionados por Jacob em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som (1967): o
“autêntico chorão” e o “chorão de estante”. Declarando sua aversão ao “chorão de estante”, o
definiu como sendo aquele que se utiliza da estante de música para tocar choro, perdendo sua
característica principal que é a improvisação. O “autêntico chorão” é aquele que pode decorar
107
a música do papel e depois dar-lhe sua própria leitura musical. Este tipo de músico foi
conceituado por Jacob como sendo “verdadeiro” e “honesto” chorão.
Neste mesmo depoimento, quando indagado sobre sua técnica e estilo, Jacob assim
definiu sua forma de tocar (CORTES, 2006):
Não me preocupei, graças a Deus, em imitar ninguém! Nunca eu tive essa preocupação, eu tocava pra mim! Eu queria arrancar do instrumento um som que me agradasse. Isso pode parecer um pouco de egoísmo, mas seja um defeito ou não, o fato é que resultou num êxito. [...] O som do bandolim não é diferente quem é diferente sou eu. [...] Não, isso nasceu comigo, eu não estudei isso, eu não... ah! já criou um estilo, eu não criei nada. Não sei se é certo ou errado por que eu sou autodidata, eu não sou, eu não aprendi com ninguém, eu não sei se é certo ou errado, eu toquei assim, me aprovo tocar assim, achei que tava tocando, que tocava me satisfazia tocando assim, continuei tocando assim, agora se é certo ou errado não sei, agora o fato é que hoje, pode-se afirmar: noventa por cento dos estudiosos aprendizes de bandolim empregam a minha palhetada, procuram imitar a minha palhetada, isto sim. Agora o resto é inflexão da mão esquerda, por que os impulsos que me vem de dentro, só podem ser diferentes dos impulsos que vem de dentro de outro instrumentista, isso cria um estilo, isso cria uma sensibilidade, cria uma maneira de tocar que pode agradar a uns e pode não agradar. Eu me preocupo muito em agradar a mim primeiro (JACOB DO BANDOLIM, 1967).
A técnica e o estilo de Jacob eram resultados de sua experiência musical, onde como
conhecedor e pesquisador das tradições musicais populares brasileiras, as buscou de forma
autodidata. Naquela ocasião, dois anos antes de seu falecimento, deixou transparecer que seu
estilo e técnica já eram imitados pela maioria dos bandolinistas brasileiros. Esta maneira de
tocar foi assimilada pela prática musical no contexto do choro e difundida pelo mercado
fonográfico e radiofônico.
Sobre o estilo de Jacob, seu depoimento (1967) revela informações que diferenciam
sua forma de tocar daquela do bandolinista Luperce Miranda (1904-1977). Considerado pelos
bandolinistas como outra vertente do bandolim brasileiro, Luperce possuía um estilo de tocar
mais aproximado ao bandolim napolitano (CORTES apud PAZ, 1997, p. 61). Segundo Cortes
(2006), os quesitos técnica e expressão foram utilizados para melhor caracterizar o estilo
interpretativo de Jacob. Assim, Luperce foi definido pela técnica e Jacob pela expressão. O
estilo de Luperce estaria associado à uma maior desenvoltura técnica no bandolim em
andamentos de velocidade. A preocupação maior de Jacob era com a expressão interpretativa,
108
com os valores estéticos e interpretação de forma minuciosa. Quanto às gravações, a pesquisa
destacou o maior cuidado com o timbre do bandolim nas gravações realizadas por Jacob.
O repertório musical de composições de Jacob do Bandolim tornou-se característico
nas rodas de Choro e no estilo de tocar o bandolim brasileiro. As composições de Luperce
Miranda não tiveram a mesma receptividade e divulgação. Assim, o estilo de Jacob tornou-se
um modelo ou “canon” artístico influenciando músicos por sua obra, enquanto que as
composições de Luperce não se configuraram no repertório da maioria dos bandolinistas.
Os depoimentos dos bandolinistas Déo Rian e Joel Nascimento a Cortes (2006)
referenciaram duas “escolas de bandolim” no Brasil. Estes bandolinistas divulgam o bandolim
como instrumento solista e, no caso de Rian e Nascimento, a partir de um período após a
morte de Jacob, em 1969. O bandolinista Pedro Amorim compara Jacob ao violonista Andrés
Segóvia 103.
“O Jacob foi um intérprete fabuloso né?[...] Ele criou uma escola de bandolim, entendeu? O Luperce uma escola e o Jacob outra. [...] Essa escola que o Jacob criou foi uma escola mais, mais assim sentimental, uma escola com uma sonoridade, se preocupando muito com o som, entendeu? Do instrumento, entende? Com os detalhes do instrumento, entendeu? Com os detalhes de ornamentos [...] Essa que é a escola do Jacob, agora a escola do Luperce não, a escola do Luperce era velocidade” (RIAN, 2005). “Jacob era um autêntico chorão, tinha uma...um fraseado bonito,foi um inovador né? aquela maneira dele tocar o bandolim, o estilo brasileiro de tocar bandolim foi Jacob que criou, ele foi referência pra todos nós né? [...] Eu acho que ele foi referência realmente. O estágio que ele atingiu como músico, não é um exímio bandolinista, mas o que ele fazia ele cativava as pessoas e ganhava as pessoas” (NASCIMENTO, 2006). “Jacob do bandolim tem a mesma importância de Segóvia para o violão” (AMORIM, 2010). 104 “Todos nós somos da escola dele” (NASCIMENTO, 2010).
103 Andrés Segóvia (1893-1987) violonista espanhol, considerado “pai do violão erudito moderno” por vários dos
estudiosos de música. A partir da carreira musical de Segóvia, o violão não foi mais visto estritamente como um
instrumento popular, mas sim como um instrumento apto para tocar música erudita. 104 Os depoimentos dos bandolinistas Pedro Amorim e Joel Nascimento foram publicados em encarte de CD
dedicado a Jacob do Bandolim na Coleção “Folha Raízes” do Jornal Folha de São Paulo (2010).
109
Além das diferenças na forma de tocar entre Luperce e Jacob, eles possuíam
rivalidades pessoais. O segundo depoimento de Jacob ao MIS - Museu de Imagem e do Som
do Rio de Janeiro em 10 de março de 1967 comprovou este fato. O motivo se deu pelo fato de
Luperce ter declarado em seu depoimento ao MIS, que teria sido professor de Jacob. Além de
ter negado esta declaração, Jacob entra em detalhes na forma que este o teria influenciado.
Assim, montou sua defesa com a apresentação de uma seleção contendo trechos de gravações
dele e de Luperce, onde buscou diferenciar as características entre os dois intérpretes. Jacob
afirmou que apesar de considerá-lo “paradigma” dos bandolinistas, ele o teria proibido de
tocar suas composições. Devido à esta proibição, Jacob declarou que foi compelido a criar um
estilo de bandolim. Tocar transcrições de outros instrumentos para o bandolim foi uma das
condições para montar seu repertório musical. A partir de então, ele procurou aprender
músicas escritas para outros instrumentos como, por exemplo, “Saxofone, porque choras” (do
saxofonista Severino Rangel, o Ratinho), “Despertar da Montanha” (do pianista Eduardo
Souto), tendo inclusive alcançado sucesso na vendagem de discos. Sua defesa apresentada ao
MIS apresentou características com trechos de gravações dos dois bandolinistas. Expondo a
gravação de uma música (não identificada) da autoria e execução de Luperce mencionou suas
características específicas. Em seguida, expôs sua gravação de seu choro “Falta-me Você”,
em andamento lento, de caráter romântico a sua expressividade de seu estilo. Enquanto Jacob
buscava andamentos lentos, explorar sua expressão detalhista em ornamentos, dinâmica e
sutilezas de interpretação, Luperce preferia demonstrar sua habilidade técnica com repertório
em andamento rápido e de difícil execução para a maioria dos bandolinistas de sua geração.
Como compositor, Jacob deixou uma obra composta por 103 composições. Em sua
trajetória musical, conseguiu “inovar dentro de uma tradição” (CORTES, 2006). Suas
composições definiram um novo padrão para as composições de choro e que muitos outros
seguidores continuaram a dedicar-se. Como exemplo para esta afirmação, foi citado o estilo
de harmonia de uma de suas mais famosas composições “Noites Cariocas”, composta em
1957. Parte integrante do repertório de choro, nesta composição o uso de tríades diminutas e
acordes de sétima foram apresentados com uma nova forma melódica. Suas composições
foram influenciadas não somente pelos músicos do passado, dentre eles Pixinguinha, mas
também com o vocabulário da nova harmonia do Jazz americano e de músicos brasileiros
nesta vertente como foi o caso de Garoto (LIVINGSTON & GARCIA, 2005).
110
Dentre os principais bandolinistas citados por Jacob, Clímaco (2008) e Cazes (1998)
indicaram o carioca Cincinato Simões dos Santos (1923 - 2007)105. Nascido no Morro da
Saúde, no Rio de Janeiro, onde conheceu o Choro e os mais destacados músicos que
desenvolveram este gênero. Transferiu-se para Brasília no ano de 1970. Segundo Neto &
Oliveira (1997)106, chegou a ter aulas com Heitor Villa-Lobos na Escola XV de Novembro,
em um programa direcionado para crianças carentes (CLÍMACO, 2008 apud NETO, 1997).
Ao deixar a referida escola, aos quatorze anos de idade, dedicou-se ao estudo do cavaquinho e
bandolim, instrumento que aprendeu sozinho. Atuou como músico ao lado de nomes como
Pixinguinha e Ari Barroso e, apesar de pouco conhecido, Cincinato teve amizade pessoal com
Jacob quando ambos eram jovens. Segundo Cazes (1998), Cincinato constituiu-se uma das
três maiores referências de Jacob, contribuindo para a sedimentação do estilo deste. As outras
inspirações seriam as de Benedito Lacerda, Luís Americano e seu contato com músicos
portugueses. Após ter conhecido Cincinato, Cazes (1998) comentou suas impressões
(CLÍMACO, 2008 apud CAZES, 1998):
Músico habilidoso, excelente compositor, Cincinato tocou primeiro cavaquinho afinado como bandolim e só mais tarde passou ao bandolim de fato. [...] Ao conhecê-lo já septuagenário, em casa do cavaquinista Sérgio Prata em 1996, fiquei impressionado com suas composições e com o quanto Cincinato é citado por Jacob. Músicas como “Pérolas”, “Vôo da Mosca” e outras, trazem trechos inteiros das músicas de Cincinato (CAZES, 1998).
O bandolinista Joel Nascimento (2011) fez referências a sua convivência com
Cincinato e a admiração de Jacob pelo mesmo em e-mail107. A menção à transferência de
Cincinato à cidade de Brasília também foi caracterizada da seguinte forma:
105 Segundo o pesquisador Nirez (Miguel Ângelo de Azevedo), Cincinato nasceu em 21.04.1923, conforme informado por e-mail de 04.12.11, às 19:38 hs. A data de seu falecimento em Brasília-DF (depois de longa enfermidade decorrente de um derrame) foi informada pelo cavaquinista e pesquisador Sérgio Prata em e-mail de 05.12.2011, às 11:16 hs. 106 NETO, Hamilton de Holanda Vasconcelos & OLIVEIRA, Heitor. Catálogo e Álbum dos choros de Brasília. Trabalho de PIBIC/UNB, CNPQ, sob a orientação do professor Ricardo Freire, Brasília: Departamento de Música da Universidade de Brasília – UNB, 1997.
107 E-mail enviado ao autor em 05.12.2011, às 17h14min.
111
Oi, professor! O Cincinato morou durante muitos anos na Penha e através dele aprendi muitas coisas relacionados aos instrumentos de cordas. Era inicialmente um gênio tocando cavaquinho. Foi através dele que ouvi, antes de Jacob gravar, o Vôo da Mosca. Jacob o venerava e tem em algumas de suas músicas um pouco de Cincinato. Tinha um carinho muito grande por mim e meu irmão, o violonista Joyr Nascimento que o acompanhou durante muito tempo. Lembro-me quando da sua ida para Brasília ele chorou muito aqui em minha casa. Tudo era incerteza para ele. Ele confiava muito na minha mão através da grande espiritualidade que ela possuía e pedia muita proteção na nova caminhada que o esperava. Foi muito confortado pelos caminhos da espiritualidade. Cincinato, ao contrário do que muita gente pensa, era uma pessoa muito legal, tendo um coração muito grande e emotivo demais. Era muito respeitado tanto como músico e como homem decidido. Com ele não haviam meias palavras. Me lembro nas reuniões de choro quando ele executava as suas composições ao ouvir a harmonia certa ele se mantinha junto ao pessoal que tocava. Quando sentia que estava tudo errado ele sai andando pelo quintal da casa em direção ao portão, sem parar de tocar até a harmonia voltar a lhe agradar. Todos o respeitavam diante da sua conduta. Uma pessoa muito dura e dócil ao mesmo tempo. Foi o único chorão que conheci na época que gostava da Suíte Retratos. Em 1973, após eu pedir a Radamés a partitura da Suíte, algum tempo depois, eu estive em Brasília e levei uma cópia da parte do bandolim para ele. Foi uma alegria! Até hoje sinto saudades dos grandes momentos que convivi com ele. Um abraço, meu amigo (NASCIMENTO, 2011).
As composições de Jacob têm sido publicadas nos últimos anos em formato de
caderno de partituras, gravações originais e playbacks dos LP’s em CD. Estes lançamentos
também inserem conjuntamente partituras transpostas para instrumentos de sopro em outras
claves. “Tocando com Jacob – Partituras & Playbacks” (2006)108 e “Clássicos do Choro
Brasileiro: Você é o Solista – Jacob do Bandolim; Volume I e II” (2008) 109 são exemplos de
lançamentos que divulgam a obra de Jacob. Além da biografia do artista, constam
depoimentos de bandolinistas e músicos sobre a importância de sua obra para o choro e o
bandolim brasileiro.
108 Tocando com Jacob – Partituras & Playbacks. Produzido pelo Instituto Jacob do Bandolim com o patrocínio da Petrobrás. Rio de Janeiro: Editora Irmãos Vitale, 2006.
109 Clássicos do Choro Brasileiro: Você é o Solista – Jacob do Bandolim; Volume I. São Paulo: Global Choro Music, 2008.
112
Déo Rian, bandolinista que conviveu com Jacob de 1961 a 1969, mencionou a forma
com a qual Jacob buscou modernizar o choro sem descaracterizá-lo:
Jacob foi um marco na música brasileira. Criou um estilo de tocar e defendeu o choro até seu falecimento, procurando modernizar o choro sem descaracterizá-lo, preservando sua maneira tradicional de ser tocado sem abrir concessões para as pressões do mercado (RIAN, 2008).
O bandolinista Izaías de Almeida, intérprete e amigo de Jacob abordou o seu poder de
difusão do bandolim brasileiro:
Jacob é de suma importância para a música brasileira por sua pura brasilidade e pelo poder de difusão das características bandolinistas jamais alcançadas pelos mais modernos instrumentistas (ALMEIDA, 2008).
A interpretação musical de Jacob foi descrita por seu violonista Carlinhos Leite da
seguinte forma (CORTES, 2006):
Essas emoções nos são confirmadas por Carlinhos Leite (2005): “Ele gostava de fazer aquilo! [...] Um cara emotivo, chorava às vezes, ele tocando chorava [...] Ele solava e chorava no meio da música (LEITE, 2006).
Sérgio Prata, cavaquinista e Diretor de Pesquisa do Instituto Jacob do Bandolim assim
definiu Jacob e sua obra:
Hoje são raras as rodas de choro nas quais não se ouvem as cordas de um bandolim, são raros os bandolinistas que não têm em Jacob sua referência musical e, principalmente, é raro o país que teve o privilégio de ter tido um Jacob do Bandolim (PRATA, 2008).
Jacob do Bandolim acreditava que o Choro estaria morrendo. Observamos que apesar
do risco das tradições serem alteradas ou extintas, o Choro se transformou. A relevância do
trabalho de Jacob como músico, compositor e pesquisador da música brasileira promoveu o
bandolim e estimulou a consciência crítica do bandolinista brasileiro. Após seu falecimento, a
partir dos anos 1970, a presença de Jacob no imaginário dos bandolinistas brasileiros é
característico desta prática.
113
Na última década, é possível constatar a utilização do Bandolim de 10 cordas
juntamente com a do bandolim de 8 cordas (utilizado pela maioria dos bandolinistas
brasileiros) e a prática solista acompanhado por outras formações musicais além do
tradicional “conjunto regional” 110 (Violões, cavaquinho e pandeiro). O acompanhamento de
baixo, bateria e arranjos com diversas influências como as do rock, pop, Jazz e Blues tem
apresentado outros compositores além do gênero Choro. Alguns músicos deste gênero têm
buscado novas linguagens experimentais no sentido de uma busca por “modernidade”, talvez
pelo desejo de rompimento com o passado ou fuga de um possível rótulo de “antiquado”
pelos meios de divulgação. É possível constatar que em alguns casos, somente se altera a
forma de se apresentar, permanecendo o conteúdo musical seguindo a mesma tradição do
Choro com um novo “rótulo”. Percebe-se em alguns casos, certo conflito e confusão de
conceitos no que diz respeito a uma consciência de passado e futuro, pela “busca de uma
modernidade” na forma de se apresentar e “romper” com o passado, ou até mesmo renomeá-
lo para que se possa entrar na “guerra” da concorrência e se afirmar como profissional
bandolinista.
A internet tem sido instrumento e espaço de reflexão, divulgação, promoção, e
discussão da atividade do bandolinista brasileiro. Um exemplo tem sido o site
www.bandolim.net 111 e sua lista de discussão “bandolinistas” a mais de uma década. Um de
seus idealizadores, o bandolinista capixaba Fernando Duarte expôs em seu artigo
“Bandolim.net – Bandolim e novas mídias no Brasil” (2011) temas como: o Bandolim e o
Choro e a existência de duas escolas representadas pelos bandolinistas Jacob do Bandolim e
Luperce Miranda, assim como o que denominou de “estagnação: o cenário pós-Jacob”. Sua
reflexão é concluída sob o título “uma década de mudanças”, onde se refere a acontecimentos
como: a consolidação do trabalho do bandolinista Hamilton de Holanda e o surgimento da
Escola Portátil de Choro no Rio de Janeiro, em 2000. Em 2010, o artigo também referenciou a
criação do primeiro curso superior de Bandolim na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O
110 Grifo nosso. 111 O Bandolim.net é um sítio direcionado a bandolinistas e funciona como um ponto de convergência para
assuntos relacionados ao bandolim. Desde seu início em 21 de janeiro de 2000, ajudou a catalisar uma série de
mudanças na forma de circulação da informação, auxiliando o processo de renovação do instrumento (DUARTE,
2011).
114
curso alia o ensino do erudito e do Choro, praticando ambos os repertórios. Houve ainda a
publicação de vários trabalhos acadêmicos sobre o bandolim, sobre o estilo brasileiro, sobre
Jacob do Bandolim e sobre o ensino do instrumento, além de escritos biográficos
relacionados.
Conforme acima citado, dentre os identificadores do bandolim brasileiro, três aspectos
se destacaram. Inicialmente, pela forma de tocar, que apesar de ter sido influenciada por Jacob
do Bandolim, não seria totalmente seu estilo interpretativo. É possível observar técnicas
diversas assim como diversas outras influências musicais acrescidas às trajetórias dos
bandolinistas brasileiros. O segundo aspecto constituído pelo formato tem sido alterado na
busca da utilização de modelos com um maior número de cordas, como no caso do bandolim
de 10 cordas. Um terceiro aspecto é a sonoridade do Bandolim brasileiro, única no Brasil e
consolidada pela forma oral. Torna-se necessário um estudo aprofundado sobre como se
processaram estes estilos, também denominados como “escolas” por bandolinistas brasileiros.
Sob este aspecto, a “escola do bandolim brasileiro” é um conjunto de contribuições onde se
notabilizam todos os músicos citados nesta pesquisa.
Sobre o desenvolvimento de métodos de ensino da técnica do Choro no que diz
respeito ao estilo como sendo “inseparável” do domínio técnico do instrumento, Braga (1998)
assim se posicionou:
[...] creio que o desenvolvimento de métodos de ensino da técnica do Choro no que diz respeito ao estilo, baseado no material que temos, seria de grande contribuição para o desenvolvimento em bases mais consistentes da música do Choro, o que viria a contribuir para a valorização do instrumentista do gênero, um verdadeiro especialista.” (Braga, 1998: 79-80).
Segundo Sá (2005), os aspectos estilísticos e as diversas contribuições técnicas dadas
por bandolinistas brasileiros poderão ser compreendidos com a seguinte reflexão:
“Aspectos estilísticos de Luperce a Jacob, ou Garoto a Joel Nascimento, podem ser entendidos e praticados com maior clareza através do desenvolvimento de uma técnica capaz de absorver “estilos” diversos.”
115
A contextualização e trajetória estilística do Choro foram abordadas na pesquisa de
Borges (2008) com uma análise direcionada ao violão de 7 cordas e a questão do idiomatismo
(ver glossário). Neste estudo, observou-se uma dicotomia dos estilos tradicional e o não-
tradicional do Choro. Constatou-se dificuldade na delimitação das características estilísticas
pelos diversos fundamentos para a afirmação de tais aspectos. Isso ocorre pelo fato de ambos
os estilos coexistirem por meio do repertório e de utilização de instrumentos compartilhados
como cavaquinho, pandeiro, bandolim e instrumentos amplamente difundidos no Choro. Na
delimitação do objeto de estudo da referida pesquisa, o conceito de “não-tradicional” foi
relacionado a modernização (inovações que podem se manifestar em vários aspectos
estilísticos) de um dado estilo ou gênero musical. Optou-se pela nomenclatura “não-
tradicional” para não se incorrer em equívocos terminológicos. Na delimitação das
características de um estilo considerado tradicional, Borges (2008 apud CANCLINI, 2003)
considerou conceitos provenientes das ciências sociais, os quais são aplicáveis à música:
O tradicionalismo é hoje uma tendência em amplas camadas hegemônicas e pode combinar-se com o moderno, quase sem conflitos, quando a exaltação das tradições limita à cultura enquanto a modernização se especializa nos setores social e econômico (CANCLINI, 2003, p.206).
A coexistência de uma pluralidade de tradições assim foi referenciada por Junqueira
(2010):
“se a cultura brasileira é heterogênea e nela podemos notar a coexistência (harmoniosa ou não) de uma pluralidade de tradições (étnicas, religiosas, musicais, etc.), fica evidente a existência de indivíduos que agem como facilitadores para que essa coexistência de fato ocorra. (JUNQUEIRA, 2010 apud VIANNA, 2007, p.41).
O apogeu do rádio no Brasil e a indústria fonográfica (1902), contribuíram para a
profissionalização do músicos de Choro no Brasil. Nestas atividades, os bandolinistas
difundiram seus solos e acompanhamentos por meio das novas tecnologias de comunicação.
Estas tecnologias permitiram a presença de músicas estrangeiras no Brasil assim como um
aumento na diversidade de estilos. Dentre os bandolinistas atuantes Luperce Miranda, Garoto
e Jacob do Bandolim destacaram-se pela contribuição às novas gerações por meio da rádio e
do disco. A diversidade de estilos destes músicos indicou que estilos tradicionais e não-
tradicionais convivem sem conflitos. A linguagem musical “Jacobiana” foi decisiva para uma
caracterização do bandolim brasileiro pelas possibilidades idiomáticas apresentadas. O Choro,
seus compositores, suas regras, muitas delas tácitas e com diversas referências musicais teve
116
em Jacob e os “outros”112 bandolinistas, os músicos responsáveis por ampliar as
possibilidades melódicas do bandolim à luz do idiomatismo. As inovações de ordem técnica,
harmônica e organológica ampliaram as possibilidades estéticas do Choro com seus gêneros e
estilos (BORGES, 2005). Assim como no caso do violão de 7 cordas, o idiomatismo do
bandolim absorvido por Jacob, associado a seu trabalho como pesquisador da música popular
brasileira, seus compositores e gêneros musicais foi determinante para que sua contribuição
fosse relevante. Assim, Jacob é considerado uma das grandes referências para o Choro e o
bandolim brasileiro, por sua contribuição nesta prática, significativos registros fonográficos e
seu estilo.
112 Grifo nosso.
117
CONCLUSÃO
A relevância da prática musical de instrumentistas como Jacob do Bandolim foi
determinante para consolidação de uma “Prática do Bandolim Brasileiro”. Sua carreira
musical teve atuação de 1933 a 1969, período referente ao apogeu do rádio no Brasil e do
desenvolvimento da indústria fonográfica. Seu trabalho como solista, acompanhador,
compositor, pesquisador influenciou os aspectos histórico-sociais, técnicos e estéticos da
forma de tocar o bandolim brasileiro. O bandolim brasileiro, predominantemente se situa,
desde sua origem no contexto do Choro carioca. Nesse aspecto, a pesquisa de Jacob
estabeleceu o formato de seu bandolim, que serviu de inspiração para a maioria dos
bandolinistas brasileiros. Sua paixão pela música portuguesa o fez adotar um modelo de
bandolim em forma de uma menor guitarra portuguesa. O estilo de Jacob foi difundido pela
rádio e por suas gravações, que serviram de fonte de aprendizado para a maioria dos
bandolinistas brasileiros. Estes músicos tiveram no gênero Choro uma espécie de guia, onde a
tradição oral é um componente relevante para o seu aprendizado e desempenho.
As composições de Jacob fazem parte do repertório do Choro e constituem fonte de
estudo de várias gerações de bandolinistas no Brasil e no exterior. Conforme indicado em
entrevistas de músicos, pesquisadores e bandolinistas, o estilo do bandolim de Jacob buscou
“inovar sem descaracterizar o Choro”, preservando assim as tradições deste gênero (PAZ,
1997 & RIAN, 2008). Em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, (1967) apresentou
o choro como um gênero estruturado e com “regras” específicas para sua caracterização
(CORTES, 2006).
A pesquisa musical realizada por Jacob fez com que ele, além de criar um arquivo, se tornasse um defensor das tradições do Choro, como um “advogado de defesa” (Livingston & Garcia, 2005). Na mesma época, o cantor e radialista Almirante também defendeu, da mesma forma, a música popular brasileira no contexto da rádio. Assim, Jacob exerceu o papel de educador cultural, utilizando a rádio como veículo, onde comentava e apresentava as gravações e raridades musicais de seu arquivo. Seus programas de rádio “Jacob e seus discos” foram apresentados até sua morte. Atualmente, seu arquivo constitui-se fonte de pesquisa para as novas gerações de músicos e bandolinistas (PRATA, 2008).
118
A preocupação de Jacob pela defesa do Choro fazia parte de seu receio de que este
gênero desaparecesse definitivamente. A alteração nas “regras” formais do choro, citadas por
Jacob em seu depoimento (1967) constituía sua descaracterização. As alterações no Choro
advindas de imposições do mercado fonográfico foram um dos motivos que o levou a seguir
duas profissões. Desse modo, optou pela profissão de Escrevente Juramentado da Justiça do
Rio de Janeiro, desde a década de 40 após ser aprovado em concurso público. Esta decisão foi
estimulada por Donga e seguida pela maioria dos chorões, conforme indicado no primeiro
livro escrito sobre o Choro (PINTO, 1936). Apesar de desempenhar significativo trabalho
artístico na música, não se declarava um profissional neste segmento (PRATA, 2008).
Preferiu defender sua própria visão cultural em sua música.
Seu estilo é imitado pela maioria dos bandolinistas brasileiros, o que foi constatado e
declarado por ele mesmo em seu depoimento ao MIS, em 1967 (PAZ, 1997). Embora os
bandolinistas que o antecederam tenham sido referência para ele, como foi o caso de Luperce
Miranda e Cincinato, buscou seguir seu estilo, reflexo de sua personalidade marcante e
perfeccionismo artístico. Como compositor, sua obra sofreu influências do Jazz americano
assim como da música Clássica (Livingston & Garcia, 2005). Seu estilo de improvisação
colocava o bandolim como ornamentação de uma idéia principal estabelecida pelo
compositor. Não seguiu os mesmos princípios da improvisação do Jazz, e buscava realçar a
melodia principal na maioria de suas gravações. Sua abordagem interpretativa buscou
fidelidade às suas convicções de defesa, promoção e documentação da música popular
brasileira instrumental, seus músicos e compositores. Com relação aos bandolinistas que o
antecederam, sua participação no mercado fonográfico chegou a atingir grande vendagem.
Sua atividade de pesquisador o fazia resgatar do anonimato músicos de choro por meio de
suas gravações. Um exemplo foi sua gravação do choro “Flamengo” de Bonfiglio de Oliveira,
que atingiu a vendagem de cem mil cópias contribuindo assim para o repertório do choro.
Também atuou como acompanhante de diversos cantores famosos como Nelson Gonçalves,
Orlando Silva e Luiz Gonzaga. Dentre as cantoras com quem acompanhou e realizou
gravações, lançou Elisete Cardoso em 1936 (CABRAL, 1994).
Seu perfeccionismo o fazia acompanhar-se de músicos de choro de qualidade, como é
possível comprovar em suas gravações. Seus acompanhadores servem, até hoje, de padrão
qualitativo na execução musical, como foi o caso do famoso trio Dino, violão de sete cordas,
119
Meira, violão e Canhoto, cavaquinho. Estes músicos pertenceram ao Conjunto regional do
flautista Benedito Lacerda, uma das referências musicais de Jacob. Sua atuação em vários
regionais de choro o fez uma espécie de “organizador” da formação instrumental do Choro,
seguida por vários outros grupos musicais nesta especialidade. Segundo Cortes (2006), Jacob
contribuiu para um novo estilo com um “tratamento camerístico ao choro pelo uso da
dinâmica”, com elementos de ornamentação melódica e restruturação da relação
acompanhamento e solo:
“Todos esses elementos, apesar de já existirem na teoria musical, sendo encontrados principalmente dentro da tradição da música de concerto européia (conhecida também como música erudita), ao serem introduzidos por Jacob no Choro (um idioma diferente daquele de onde vieram), ganham pelas mãos do bandolinista características próprias e um novo significado, tanto no que tange à execução dos próprios elementos, quanto ao que eles representam hoje para a interpretação do choro e para o aprendizado do bandolim. (CORTES, 2006)”.
A contribuição de Jacob para o bandolim brasileiro é ampla no sentido em que se
refere também ao desenvolvimento e organização do choro como gênero musical. Esta
contribuição buscou a preservação de tradições e foi utilizada pela maioria dos bandolinistas
no Brasil. O interesse no aprendizado da forma de tocar o bandolim brasileiro tem levado à
publicação de materiais, gravação de discos e sua difusão no exterior.
Os aspectos musicais das obras de Luperce e Garoto influenciaram a atividade de
bandolinistas brasileiros e principalmente a de Jacob do Bandolim. Apesar da diversidade de
suas trajetórias musicais e estilos musicais, eles difundiram o bandolim por meio da rádio e
das gravações no cenário nacional e no exterior. A participação de Luperce em gravações com
o bandolim se deu em maior quantidade que aquelas realizadas por Garoto, que gravou com
vários instrumentos como cavaquinho, violão tenor, violão e bandolim. Apesar deste fato,
suas composições foram incorporadas ao repertório de bandolinistas brasileiros e inseridas às
rodas de Choro. Quanto à forma de tocar, Luperce difundiu uma maneira pessoal de tocar
bandolim e apesar de ter suas composições pouco executadas, foi participante de um primeiro
momento do bandolim. A forma de tocar de Garoto foi também absorvida por Jacob, que
buscou difundir por meio de suas gravações em seu estilo pessoal e expressividade. Esta
forma de tocar foi copiada pela maioria dos bandolinistas brasileiros e denominada escola do
Bandolim Brasileiro.
120
A presente pesquisa buscou abrir caminho para a exploração dos cordófonos que
derivaram o bandolim no Brasil. A análise de fontes históricas e o aprofundamento dos
caminhos escolhidos poderão revelar ainda descobertas sobre o bandolim e outros
instrumentos. A organologia, linha condutora deste trabalho, constituiu-se relevante
contribuição para a análise e compreensão de uma prática de forte representação da música
brasileira.
A comunidade dos bandolinistas brasileiros é respeitada internacionalmente nos meios
acadêmicos e extra-acadêmicos por conta de sua musicalidade. Assim, esta análise também
buscou subsídios que possam contribuir com o ensino musical brasileiro de bandolim e
incentivar a inclusão desse instrumento nas universidades brasileiras.
121
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126
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127
ANEXOS
128
ANEXO A - GLOSSÁRIO
Alaúde – (Arab. ‘ūd; Fr. luth; Ger. Laute; It. lauto, leuto, liuto; Sp. laúd) cordófono composto
que possui “um suporte de cordas e um ressonador organicamente unidos que não podem ser
separados sem destruir o instrumento” e cujo plano das cordas corre em paralelo ao tampo.
Apojatura – nota musical de enfeite que precede a nota real com um intervalo de segunda e
que se representa em caracteres menores.
Tanbur – também conhecido como Saz, é um instrumento musical de cordas popular na
Turquia, Irã, Azerbaijão, Armênia, Curdistão e nos Balcãs. O nome Saz é Persa. Na Turquia,
o mesmo é conhecido por Bağlama (do termo bağlamak, "amarrar"). O modelo mais comum,
o turco, possui sete cordas,divididas em duas duplas e um trio.
Bandolim Brasileiro – instrumento cordófono composto de cordas dedilhadas, formato
posterior do ressonador plano, formato frontal da caixa arredondado (ou pêra, piriforme),
pertencente à família do alaúde. Possui 4 cordas duplas totalizando 8 com afinação partindo
do grave sol – re – lá – mi e postas em vibração por uma palheta.
Bandolim Napolitano - instrumento cordófono composto de cordas dedilhadas, formato
posterior do ressonador abombado, formato frontal da caixa arredondado (ou pêra, piriforme),
pertencente à família do alaúde. Possui 4 cordas duplas totalizando 8 com afinação partindo
do grave sol – re – lá – mi e postas em vibração por uma palheta.
Bandolim Milanês ou Lombardo - instrumento cordófono composto de cordas dedilhadas,
formato posterior do ressonador abombado, formato frontal da caixa arredondado (ou pêra,
piriforme), pertencente à família do alaúde. Possui 6 cordas duplas totalizando 12 com
afinação partindo do grave sol – si – mi – lá – ré - sol e postas em vibração por uma palheta
ou tocado com os dedos.
Bandurria – cordófono de cordas dedilhadas derivado do alaúde e possui cinco variações de
tamanhos sob as denominações: soprano, contralto, tenor, baixo e contrabaixo. A bandurria
tenor também é denominada como alaúde. Apesar de possuir modelos de 3, 4 e 5 cordas, sua
129
versão em seis cordas duplas foi a mais adotada no contexto hispano-americano. Executada
com o uso de palheta, as afinações mais utilizadas para 6 pares de cordas duplas (partindo do
grave) são: Sol�, Dó�, Fá�, Si, Lá e Sol, Si, Mi, Lá, Ré, Sol 113.
Belle Epoque brasileira - também conhecida como Belle Époque Tropical, foi um período
artístico, cultural e político do Brasil, que começou com a derrocada do Império e a
Proclamação da República em seguida. Esta "Belle Époque" teve início no mandato do
primeiro presidente do país, Deodoro da Fonseca, no final de 1889, e acabou em 1922.
Bossa Nova – é um subgênero musical derivado do samba e com forte influência do jazz
estadunidense, surgido no final da década de 1950 no Rio de Janeiro.
Cavalete - Ponte móvel colocado sobre o tampo superior da Cítola, asssim como no bandolim
de modelos napolitano e no brasileiro (ver ilustração em anexo sobre as partes constituintes
do bandolim).
Cantabile italiano - é um termo musical que significa literalmente "cantável" ou "como uma
canção" em italiano. Tem distintos significados de acordo com o contexto. Na música
instrumental, indica um particular estilo de tocar imitando a voz humana. Para os
compositores do século XVIII, o termo é usado muitas vezes como "cantando", e indica um
tempo moderado e flexível, uma execução legato. Para compositores posteriores,
particularmente de música para piano, cantabile indica a ênfase de uma linha musical em
particular frente ao acompanhamento.
Colascione – ou Calascione, alaúde com braço longo de uso predominantemente popular,
origem oriental e difuso nos séculos XVI e XVII na Itália meridional. Sua caixa se assemelha
com a do Mandolino e seu número de cordas variava de 3 a 6.
Conjunto Regional – O conjunto regional é geralmente formado por um ou mais
instrumentos de solo, como flauta, bandolim e cavaquinho, que executam a melodia, o
113 Afinação utilizada também no Mandolino Lombardo ou Milanês.
130
cavaquinho faz o centro do ritmo e um ou mais violões e o violão de 7 cordas formam a base
do conjunto, além do pandeiro como marcador de ritmo.
Cordófono – instrumento musical cuja sonoridade é produzido pela vibração sonora de uma
corda presa entre dois pontos fixos. Se distinguem em simples com “suporte de corda único
ou de suporte com um ressonador que pode ser removido sem destruir o aparato produtor do
som” e compostos, que possuem “um suporte de cordas e um ressonador organicamente
unidos que não podem ser separados sem destruir o instrumento”.
Cori – é o termo em italiano utilizado para designar grupo de cordas do bandolim de mesma
afinação.
Cítola – Instrumento do final do século XII, constituiu-se um dos primeiros exemplares a
apresentar construção de fundo plano. As fontes iconográficas indicam seu formato de corpo
em forma de “taça”, com braço e cabeça, construídos a partir de um único bloco de madeira.
Sobre a caixa era fixado o tampo superior plano com uma roseta talhada diretamente no
tampo ou feita separadamente e colada no mesmo. Possuía tampo superior e fundo de caixa
planos, braço longo e possuía cordas em metal simples ou duplas. O instrumento é
representado com quatro cordas, cavalete e uma caixa com desenho frontal com pequenas
asas. Conforme suas fontes iconográficas, o cavalete poderia ser móvel ou colado no tampo
superior como no caso do alaúde. Seu número de cori e de cordas em 4x2, 6x2 e 7x2 possuía
dois tipos de afinação: si sol re mi / re fá si sol ré mi. A distância da extensão de sua corda
vibrante media 34 cm.
Cítara - (Fr. cistre; Ger. Cither, Cythar, Zister, Zitter; It. cetra, cetera, cetara; Sp. citara,
cithara, citola). Cordófono composto conhecido a partir do período do Renascimento, com
quatro jogos de cordas (simples, duplas ou triplas), formato piriforme e fundo de caixa plano.
Charango- (ou quirquincho, do Quechua kirkinchu, tatu) é um pequeno instrumento de
cordas Sul-americano da família do alaúde, que tem aproximadamente 66 cm de
comprimento, tradicionalmente feito com a carapaça das costas de um tatu. Possui cinco pares
de cordas, tipicamente afinados em mi – lá – mi – dó – Sol. Esta afinação, independentemente
das oitavas, é similar à típica afinação em dó do Ukulele ou do Cuatro venezuelano, com a
131
adição de um segundo par de Mis. Diferente da maior parte dos intrumentos de cordas, todas
as dez cordas são afinadas dentro de uma oitava. Os cinco pares ficam elevados da seguinte
forma (do quinto par ao primeiro): ee aa ee cc gg.
Corda vibrante – medida da corda do instrumento compreendida entre o cavalete e a
pestana.
Cuatro- cordófono derivado da guitarra, utilizado na América Latina e destacou-se em grupos
musicais de países como Venezuela e Porto Rico, tomando parte em danças e canções
folclóricas. Os Cuatros porto-riquenhos se assemelham a seu antecessor, o Alaúde, este ao ser
utilizado nas Ilhas Canárias se derivou no Timple, que foi exportado à América do Sul.
Chanson- é uma palavra de origem francesa, que significa "Canção". É usado para designar
qualquer canção com letras em francês. Mais claramente, a palavra chanson se refere ao estilo
musical surgido na França no período renascentista, basicamente vocal. Denomina-se
chansonnier o cantor especializado neste estilo. Usava as formas fixas (balada, virelai,
rondó). Combina elementos populares, aristocráticos e contrapontísticos.
Chorão – nome dado aos grupos de instrumentistas populares que tocavam Choro, se
apresentavam em aniversários, festas populares, casamentos e batizados, nos arranca-rabos de
“cabeça de porco”, nas estalagens iluminadas à lamparina de querosene, mas também nos
salões da elite imperial brasileira.
Chorão autêntico – termo utilizado pelos músicos de Choro para designar o músico que
possui sua prática influenciada por este gênero musical. A denominação também se refere ao
músico que executa o Choro sem leitura musical, com improviso e domínio da linguagem
deste gênero musical.
Chorão de estante – termo utilizado para denominar o músico que executa o Choro somente
pela leitura musical, sem o domínio do improviso e linguagem deste gênero musical.
Choromela - A choromela, instrumento similar a clarineta e oboé era um instrumento de
sopro popular na Europa, e, trazido ao Brasil, era tocado em Minas Gerais. Na década de
132
1830, muitos choromeleiros se mudaram para o Rio de Janeiro, e esse instrumento tornou-se
comum na cidade, e passou a fazer parte de sua vida cultural.
Choromeleiro - o termo originou-se de choromeleiro, o tocador de choromela. Aos conjuntos
instrumentais que possuíam a choromela, dava-se o nome de choromelos, e de choromeleiros
a todos os que dele faziam parte (sendo ou não tocadores de choromela). Quando a choromela
foi substituída pela flauta, o nome foi mantido como designação desses conjuntos
instrumentais.
Dobrado – no Brasil, a palavra dobrado é usada para indicar um subgênero das marchas
militares muito popular entre as bandas de música do país. Surgiu também no Brasil o
chamado "Dobrado Sinfônico", um tipo de peça escrita para bandas de música e bandas
sinfônicas com contrapontos e um plano dinâmico bem mais trabalhados que os dobrados
comuns.
Embolada - Coco de embolada, Coco-de-improviso ou Coco de repente é uma espécie de arte
surgida no nordeste, onde é especialmente popular. Consiste em uma dupla de "cantadores"
que, ao som enérgico e "batucante" do pandeiro, montam versos bastante métricos, rápidos e
improvisados onde um tenta denegrir a imagem do que lhe faz dupla com versos ofensivos,
famosos pelos palavrões e insultos utilizados. O ofendido deve improvisar uma resposta
rápida e ao mesmo tempo bem bolada. Caso não consiga, seu par é coroado triunfante. Não
deve ser confundido com cantoria onde a música e a resposta são lentas, melodiosas e o tema
principal é a vida cotidiana.
Estudiantina – também conhecida por Tuna, é um grupo de estudantes, geralmente
universitários, que formam uma banda e seguem pelas ruas tocando vários instrumentos e
cantando.
Facão – denominação do início do século XX utilizada para designar o músico que tocava
mal e não possuía o domínio de seu instrumento. Em 1913, Octavio Dutra criou o grupo de
Choro “Terror dos Facões”, que pela qualidade dos músicos integrantes em suas
apresentações e gravações, faziam os demais músicos ouvintes se retirarem envergonhados.
133
Fado – é um estilo musical português geralmente cantado por uma só pessoa (fadista) e
acompanhado por guitarra clássica (nos meios fadistas denominada viola) e guitarra
portuguesa.
Frevo - é um ritmo musical e uma dança brasileiros com origens no final do século XIX, no
estado de Pernambuco, misturando marcha, maxixe e elementos da capoeira.
Fox-trot – dança popular norte-americana surgida em 1912, com as primeiras bandas de Jazz
e sua coreografia fazia alusão às danças negras que imitavam os passos de animais, que
inspiraram os primeiros dançarinos.
Gênero musical – categoria que contêm sons musicais que compartilham elementos em
comum. Os gêneros definem e classificam músicas em suas qualidades, e entre os diversos
elementos que concorrem para a definição dos géneros pode-se apontar: instrumentação,
texto, função, estrutura e contextualização.
Gittern – cordófono que se consolidou na tradição do alaúde assumindo formato frontal
piriforme e fundo abombado. Apresentou variações quanto ao número de cori e de cordas em
3x2, 4x2 e 5x2. Suas afinações se apresentam de quatro formas: sol do sol do / la re sol do /
sol do mi la/sol re fa# si / si mi la re. Seu tampo superior era plano, suas cordas eram de tripa
e seu cavalete era fixo.
Giga – é uma dança folclórica de provável origem inglesa em que um ou dois dançarinos
executam passos rápidos, saltos e música em ritmo nos compassos 6/8, 12/8, 3/8 e 9/8. Além
de possuir raízes na tradição irlandesa, as gigas eram populares na Escócia e Inglaterra entre
os séculos XVI e XVII.
Hibridismo - processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam
de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.
Iconografia – (do grego "Eikon", imagem, e "graphia", descrição, escrita) é uma forma de
linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema. A iconografia
estuda a origem e a formação das imagens.
134
Idiomatismo - O idiomatismo consiste nas características singulares que cada instrumento
possui, ou seja, é um conjunto de técnicas e potencialidades sonoras peculiares, ínsitas a cada
instrumento (BORGES, 2008).
Instrumento Idiófono - é o tipo de instrumento musical em que o som é provocado pela sua
vibração. É o próprio corpo do instrumento que vibra para produzir o som, sem a necessidade
de nenhuma tensão. Esta categoria compreende a maior parte dos instrumentos executados
por atrito (como o reco-reco e o guiro), por agitação (como o chocalho, caxixi e ganzá), assim
como muitos instrumentos de percussão melódica, como os xilofones. Os blocos sonoros,
claves e pratos são exemplos de idiofones percutidos sem intenção melódica.
Instrumento Membranófono – é a modalidade de instrumentos de percussão, que produzem
som através da vibração de membranas distendidas. Os membranofones podem ser
classificados em Tambores percutidos, Tambores pinçados, Tambores friccionados e
Membranas cantantes.
Instrumento Cordófono – Instrumento de cordas cuja fonte primária de som é a vibração de
uma corda tensionada quando beliscada, percutida ou friccionada.
Instrumento Aerófono - um aerofone ou aerófono é qualquer instrumento musical em que o
som é produzido principalmente pela vibração do ar sem a necessidade de membranas e
cordas e sem que a própria vibração do corpo do instrumento influencie significativamente no
som produzido. O termo foi usado pela primeira vez na classificação de Victor Mahillon e
posteriormente foi incluído na classificação Hornbostel-Sachs. Nesta, os aerofones formam
uma das grandes divisões - identificada pelo código 4.
Instrumento Eletrófono – Electrofone (português europeu) ou eletrofone (português
brasileiro) é um instrumento musical que utiliza a corrente eléctrica. A classificação
eletrofones começou a surgir nas primeiras décadas do século XX para indicar as primeiras
experiências com instrumentos elétricos (por exemplo, o teremim). A partir dessa altura, foi-
se integrando nesta classe qualquer instrumento onde interviesse a energia eléctrica. A revisão
do sistema de classificação Hornbostel–Sachs, em 1940, incluiu esta classe com com
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numerações que começam pelo algarismo 5. Esta nova classe já é universalmente aceita e
mereceu o seu lugar por direito próprio, sobretudo devido à crescente importância (e crescente
uso) dos novos instrumentos eletrônicos.
Lied - (no plural Lieder) é uma palavra da língua alemã, de gênero neutro, que significa
"canção". É um termo tipicamente usado para classificar arranjos musicais para piano e cantor
solo, com letras geralmente em alemão. Na Alemanha, esta forma musical é chamada de
Kunstlied. Lied também pode ser usada no sentido de Lider (alguém que coordena alguma
coisa). Na Música, esta palavra surgiu no período Romântico, século XIX, no sentido de
partitura.
Lyra – Lira, instrumento de cordas dedilhadas que possui um corpo e dois braços em forma
de U. O corpo constitui a caixa de ressonância e os braços são duas astes, unidas na parte
superior por uma barra transversal. Descrita pela primeira vez na arte suméria, por volta de
3.000 a.C. foi amplamente usada no Egito e na Grécia. Os antigos gregos atribuíam a origem
deste instrumento a Apolo ou a Orfeu. A lira era tangida com os dedos ou com um plectro
(palheta). O número primitivo de cordas era três, feitas de tripa ou linho. Esse número
aumentou progressivamente, chegando a doze. Instrumentos semelhantes estiveram em uso na
Europa Medieval, alguns dos quais eram tocados com um arco. Vários tipos de lira
sobrevivem na África, sendo mais comum a lira etiópica. Há ainda outros tipos como a lira da
braccio e a lira da gamba ou lyrone.
Lundu - ou lundum é um gênero musical contemporâneo e uma dança brasileira de natureza
híbrida, criada a partir dos batuques dos escravos bantos trazidos ao Brasil de Angola e de
ritmos portugueses. Da África, o lundu herdou a base rítmica, uma certa malemolência e seu
aspecto lascivo, evidenciado pela umbigada, os rebolados e outros gestos que imitam o ato
sexual. Da Europa, o lundu, que é considerado por muitos o primeiro ritmo afro-brasileiro,
aproveitou características de danças ibéricas, como o estalar dos dedos, e a melodia e a
harmonia, além do acompanhamento instrumental do bandolim.
Luthier - lutier é um profissional especializado na construção e no reparo de instrumentos de
corda com caixa de ressonância, mas não daqueles dotados de teclado. Isto inclui violinos,
violas, violoncelos, contrabaixos, violas da gamba e todo tipo de guitarras (acústica, elétrica,
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clássica), alaúdes, archilaúdes, tiorbas, e bandolins. A palavra luthier é francesa e deriva de
luth ("alaúde"). O termo luteria (do francês lutherie) ou luteraria designa a arte da construção
de instrumentos de cordas ou, por metonímia, o ateliê ou loja desses instrumentos.
Machete – (cavaquinho, machetinho, machim, machinho, mochinho) instrumento de origem
portuguesa, maior que o cavaquinho e menor que a viola, com quatro ou cinco cordas duplas e
dedilháveis, afinadas em quintas (no Brasil, é bastante utilizado no cururu rural).
Marcha pernambucana – gênero originado do dobrado entoado pelas bandas militares em
Pernambuco. Assim, a marcha dobrado originou o frevo. As bandas das corporações militares
acompanhavam as agremiações carnavalescas e os clubes pedestres, que posteriormente foram
chamados clubes de rua. À frente das agremiações, estava a figura do brabo, adestrado pelos
capoeiras que, ao longo do tempo, foram desenvolvendo com o ritmo das marchas os passos
do frevo. Para acompanhar o passo do capoeira, o regente da banda começou a acelerar a
batida, tornando a música mais agitada. A caixa do frevo é como se acompanhasse um
dobrado com variações e improvisos.
Mandore – foi derivada do alaúde com menores proporções, com quatro, cinco ou seis jogos
de cordas simples de tripa e mencionada em livros de música francesa como instrumento
musical na década de 1580.
Maxixe – também conhecido como Tango brasileiro, é um tipo de dança de salão brasileira de
influências afro-brasileiras e que esteve em moda entre o fim do século XIX e o início do
século XX. Dançava-se acompanhada da forma musical do mesmo nome, contemporânea da
polca e dos princípios do choro e que contou com compositores como Ernesto Nazareth e
Chiquinha Gonzaga.
Mazurca – é uma dança tradicional de origem polaca, feita por pares formando figuras e
desenhos diferentes, em compasso de 3/4 e tempo vivo. Característico é o ritmo pontuado,
com acento típico no 2º e 3º tempo do compasso. A mazurca é semelhante à oberca, que é
uma variante muito rápida. A mazurca foi utilizada pelos compositores poloneses da era
romântica, como Chopin, Moniuszko ou Wieniawski.
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Métrica – é a divisão de uma linha musical em compassos marcados por tempos fortes e
fracos, representada na notação musical ocidental por um símbolo chamado de fórmula de
compasso. Apropriadamente, métrica descreve o inteiro conceito de medição de unidades
rítmicas, mas pode ser usado como um descritor específico de uma obra individual, conforme
representado pela fórmula do compasso: "esta música está num compasso 4/4" equivale a
dizer que "esta música está em andamento 4/4" ou "esta música é em 4/4".
Modinha – é considerada um gênero de composição portuguesa, provavelmente surgida das
elites governantes no Brasil Colônia. Por volta do século XVII, já se ouvia pelas ruas da
Bahia uma música tocada na viola com marcação em staccato que tinha letra de caráter
pagão.
Monodia - (do gr. monodía, pelo lat. monodia), em Música, é o canto a uma só voz, sem
acompanhamento ou, no Século XVI, é o canto a uma só voz, com acompanhamento de
alaúde ou de baixo contínuo.
Mordente – ou mordento é um ornamento que indica que uma nota deve ser tocada em uma
rápida alternância com a nota superior ou inferior. Como no Trinado, o mordente pode ser
executado tanto cromaticamente, alternando em meio-tom, como pode ser executado
diatonicamente, seguindo a distância de um tom, ou seguindo regras harmônicas, usando por
exemplo a harmonia modal. Este ornamento aparece com freqüência na música para piano
(como no repertório de Frédéric Chopin) e na música barroca. O termo vem do latim mordere,
que significa "morder".
Morfose – Ato de formar ou dar forma. Fato de tomar forma.
Morfologia - Morfológico vem de morfologiia, em português é a estrutura e forma das
palavras, em biologia é a forma de um organismo ou parte dele.
Palheta – (Fr. médiator, plectre; Ger. Dorn, Kiel, Plektrum, Schlagfeder; It. Plettro, Inglês:
pick, flat-pick ) termo geral utilizado para designar o artefato com o qual se tocam as cordas
de um cordófono.
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Palhetada – ato ou efeito de utilizar a palheta.
Pestana - Peça em osso ou madeira fixada no final da escala do instrumento (Citara,
mandolino napoletano ou bandolim com modelo de caixa, utilizado no caso brasileiro) onde
se apóiam as cordas no braço do instrumento e se dirigem à sua fixação nas tarraxas.
Pianeiros – surgiram no Brasil a partir da segunda metade do século XIX e foram
representantes de uma nova geração de pianistas que se profissionalizaram e se
desenvolveram para atender às necessidades de entretenimento das diversas classes sociais da
época em detrimento de um efetivo crescimento econômico e urbano. Além de pianistas
profissionais, foram também responsáveis pelo desenvolvimento de elementos fundamentais
para uma nova concepção de música popular urbana, participando da formação e fixação dos
gêneros musicais populares da época e incorporando-os ao piano.
Polifonia – em música, é uma técnica compositiva que produz uma textura sonora específica,
onde duas ou mais vozes se desenvolvem preservando um caráter melódico e rítmico
individualizado.
Polka – é um estilo musical e de dança, de compasso binário, com uma figuração rítmica
característica no acompanhamento. Originou-se na região da Boêmia (Império Austríaco), no
início do século XIX, com difusão posterior por toda a Europa e parte da América.
Portamento - (plural: portamenti, literalmente "carregou") é uma expressão musical
originada principalmente do italiano que denota um deslize vocal entre os dois arremessos e
sua emulação de instrumentos como o violino, e é por vezes utilizado alternadamente com
antecipação. Também é aplicado a um tipo de glissando, bem como para o "slide" ou "dobrar"
funções de sintetizadores.
Rabeca - foi usada durante a idade média para designar um Rebab, instrumento importado do
Norte da África. Há pesquisadores que apontam sua origem na cultura árabe, assim como o
alaúde e outros instrumentos de corda. Posteriormente, passou a designar qualquer
instrumento folclórico parecido com o violino de cultura popular. De tom mais baixo que o do
violino, tem um timbre fanhoso e percebido, geralmente, como tristonho. Existem rabecas de
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três, quatro, e mais raramente de cinco cordas. Podem ser de tripa ou aproveitadas de outros
instrumentos como o cavaquinho, bandolin ou violão. Suas afinações variam de acordo com o
rabequeiro. Podem ser afinadas em quartas (ré, sol, do, fá -D,G,C,F) ou afinadas, por quintas,
em sol-ré-lá-mi, como o violino e o bandolim.
Requinto - é o nome genérico para uma série de instrumentos de cordas como a guitarra,
embora menores, cujas características variam de acordo com a região.
Rondó – é uma forma de composição musical seccionada, estruturada a partir de um tema
principal e vários temas secundários (normalmente dois ou três), sempre intercalados pela
repetição do tema principal. Surgida na Idade Média, foi largamente adotada a partir do
Classicismo no último movimento das sonatas e das sinfonias.
Saltério – Instrumento de cordas pinçadas com os dedos ou com plectros, da família das
cítaras de mesa, cuja caixa de ressonância tem formato retangular, trapezoidal ou triangular. A
palavra tem origem no grego psallo, pinçar uma corda, mas o instrumento é originário do
canún árabe. Em Portugal foi conhecido também como salteiro. O mesmo que psalterio.
Semana de Arte Moderna - foi um evento cultural realizado na cidade de São Paulo entre 11
e 18 de fevereiro de 1922. É considerado o ponto de partida do movimento conhecido como
Modernismo no Brasil.
Seresta - foi um nome surgido no século XX, no Brasil, para rebatizar a mais antiga tradição
de cantoria popular das cidades: a serenata. Ato de cantar canções de caráter sentimental a
noite, pelas ruas, com parada obrigatória diante das casas das namoradas, a serenata já
apareceria descrita em 1505 em Portugal por Gil Vicente na farsa Quem tem farelos?. No
Brasil, o costume das serenatas seria referido pelo viajante francês Le Gentil de la Barbinais,
de passagem por Salvador em 1717, ao contar em seu livro Nouveau voyage autour du monde
que “à noite só se ouviam os tristes acordes das violas”, tocadas por portugueses (espadas
escondidas sob os camisolões) a passear “debaixo dos balcões de suas amadas” cantando, de
instrumento em punho, com “voz ridiculamente terna”.
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Schottish – gênero musical que difundiu-se no Brasil a partir de 1850, também foi conhecido
como xote ou chótis. O nome da dança (é palavra alemã que significa escocesa) é enganoso,
pois conforme o Grove’s Dictionary of Music and Musicians (5ª edição, 1985): “O ponto de
vista moderno é que esta dança nada tem a ver com a Escócia. Trata-se de uma dança francesa
derivada do que os franceses imaginavam que fosse uma dança escocessa”. O compasso da
Schottisch é binário ou quaternário e o andamento rápido. O ritmo de acompanhamento
apresenta um certo parentesco com o da Polca; o andamento, seguindo os autores, seria,
porém, um pouco mais lento do que o da Polca.
Síncope – é qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal. Nosso sistema rítmico
baseia-se no agrupamento de pulsações iguais em grupos de 2 ou 3, com um acento regular
recorrente na primeira pulsação de cada grupo. Qualquer desvio em relação a este esquema é
sentida como uma perturbação ou contradição entre o pulso subjacente (normal) e o ritmo real
(anormal) (SANDRONI, 2001 apud Harvard Dictionary of Music, 1944).
Tradição – termo derivado do latim: traditio, do verbo tradere (italiano), que significa a ação
de transmitir, entregar. Proveniente do direito romano, a expressão denotava originalmente a
idéia de transmissão material como, por exemplo, na frase: "per manus traditae glaebae"
(glebas passadas de mãos em mãos) ou a transmissão de um poder ou um direito a outrem,
como em “imperium navium legato populi Romani ademisti, Syracusano tradidisti" (você
tirou um legado do povo romano, o comando dos navios, e o entregou a um siracusano). Mas
além da acepção jurídica, o vocábulo traditio sigificava, já na Antigüidade, a transmissão de
idéias, ensinamentos, práticas, normas e valores, podendo designar tanto a ação de transmitir,
como na frase "pugnae memoriam posteris tradere" (transmitir à posteridade a lembrança de
um combate), quanto o conteúdo transmitido: "ita nobis majores nostri tradiderunt" (tal é a
tradição que vem dos nossos ancestrais) (COUTINHO, 1999).
Taxa - plural de TAXÓN, unidade taxonômica nomeada (p.ex. Homo sapiens, Hominidae ou
Mammalia), à qual indivíduos ou conjuntos de espécies são assinalados.
Theorba - instrumento cordófono, espécie de predecessor do alaúde, ou seja, o grande alaúde,
criado na Itália, no fim do século XVI. No século XVII, a evolução da teorba seguiu dois
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caminhos: a teorba romana, ainda chamada de chitarrone e a Teorba de Pádua. Os
executantes de Teorba são chamados de teorbistas.
Tremolo ou Trêmulo - é uma repetição rápida de uma nota ou uma alternância rápida entre
duas ou mais notas. É indicado através de traços que cortam a haste das notas. Se o trêmulo
ocorre entre duas ou mais notas, os traços são desenhados entre elas.
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ANEXO B – NOMENCLATURA DAS PARTES DO BANDOLIM
Nomenclatura das partes do Bandolim (Foto do luthier Pedro Santos, 2009)
Legenda
1. Cabeça 8. Boca 2. Braço 9. Roseta 3. Ilharga 10. Tampo Superior 4. Tarracha 11. Cavalete 5. Pestana 12. Cordal 6. Trasto 7. Casa
4
5
6
8
1
7
9
10
11
12
3
2