Trabalhos de campo na disciplina de Geologia Introdutória

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Adalberto Scortegagna Departamento de Geografia da Faculdade de CiŒncias Humanas e Sociais de Curitiba FACIAUSO e Centro de Estudos e Pesquisas (CEP), ColØgio Bom Jesus [email protected] Oscar Braz Mendonza Negrªo Departamento de GeociŒncias Aplicadas ao Ensino Instituto de GeociŒncias UNICAMP [email protected] Trabalhos de campo na disciplina de Geologia Introdutória: a saída autônoma e seu papel didÆtico RESUMO Sªo relatados diversos tipos de trabalhos de campo e seus papØis didÆticos, relacionando-os com a disciplina de Geologia Introdutória aplicada ao curso de Geografia. Os tipos de trabalhos de campo relatados sªo: as saídas de campo Ilustrativa, Indutiva, Motivadora, Treinadora e Investigativa. Sugere-se uma nova proposta de trabalho de campo, a saída de campo Autônoma, na qual os alunos reali- zam trabalhos sem a presença do professor em campo. Esta nova proposta de trabalho favorece atividades investigativas constantes ao longo da disciplina, pois a partir dos temas que vªo sendo abordados em sala de aula, os alunos tŒm a possibilidade de fazer a inter-relaçªo entre a teoria e sua aplicaçªo no cotidiano. Outro aspecto importante refere-se ao fato de permitir a participaçªo total da turma, pois os horÆrios de ida ao campo sªo agendados pelos próprios grupos de estudo, em especial turmas do período noturno, que tradicionalmente participam menos de saídas de campo realizadas em finais de semana. ABSTRACT The article describes diverse types of field works and its didactic roles, relating them with a discipline of applied Introductory Geology for the course of Geography. The types of fieldworks are: the Illustrative, Inductive field, Motivator, Trainer and Investigative. It is here suggested types a new proposal of fieldwork, the Authonomous field activity, when pupils carry through works without the presence of the professor in the field. This new work proposal favors to continuous investigative activities a long the disciplines, therefore from the subjects that are approached on classroom, pupils have the possibility of make relationships between the theory and its application in the daily one. Another important aspect is to allow the total participation of the group, therefore the schedules of field trips are set by appointments from the proper study groups. This is of a special interest for groups of the nocturnal period, that shows less participation in fieldwork on weekends. TERR˘ DIDATICA 1(1):36-43, 2005 ARTIGO * Este documento deve ser referido como segue: Scortegagna, A.; Negrªo, O.B.M. 2005. Trabalhos de campo na disciplina de Geologia Introdutória: a saída autônoma e seu papel didÆtico.Terræ Didatica, 1(1):36-43. <http:// www.ige.unicamp.br/ terraedidatica/>

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Adalberto ScortegagnaDepartamento de Geografia da Faculdade deCiências Humanas e Sociais de Curitiba � FACIAUSO eCentro de Estudos e Pesquisas (CEP), Colégio Bom [email protected]

Oscar Braz Mendonza NegrãoDepartamento de Geociências Aplicadas ao EnsinoInstituto de Geociências � [email protected]

Trabalhos de campo na disciplinade Geologia Introdutória: a saídaautônoma e seu papel didático

RESUMO São relatados diversos tipos de trabalhos de campo e seuspapéis didáticos, relacionando-os com a disciplina de Geologia Introdutória aplicada aocurso de Geografia. Os tipos de trabalhos de campo relatados são: as saídas de campoIlustrativa, Indutiva, Motivadora, Treinadora e Investigativa. Sugere-se uma novaproposta de trabalho de campo, a saída de campo Autônoma, na qual os alunos reali-zam trabalhos sem a presença do professor em campo. Esta nova proposta de trabalhofavorece atividades investigativas constantes ao longo da disciplina, pois a partir dostemas que vão sendo abordados em sala de aula, os alunos têm a possibilidade de fazera inter-relação entre a teoria e sua aplicação no cotidiano. Outro aspecto importanterefere-se ao fato de permitir a participação total da turma, pois os horários de ida aocampo são agendados pelos próprios grupos de estudo, em especial turmas do períodonoturno, que tradicionalmente participam menos de saídas de campo realizadas emfinais de semana.

ABSTRACT The article describes diverse types of field works and its didacticroles, relating them with a discipline of applied Introductory Geology for the course ofGeography. The types of fieldworks are: the Illustrative, Inductive field, Motivator,Trainer and Investigative. It is here suggested types a new proposal of fieldwork, theAuthonomous field activity, when pupils carry through works without the presence ofthe professor in the field. This new work proposal favors to continuous investigativeactivities a long the disciplines, therefore from the subjects that are approached onclassroom, pupils have the possibility of make relationships between the theory and itsapplication in the daily one. Another important aspect is to allow the total participationof the group, therefore the schedules of field trips are set by appointments from the properstudy groups. This is of a special interest for groups of the nocturnal period, that showsless participation in fieldwork on weekends.

TERRÆ DIDATICA 1(1):36-43, 2005

ARTIGO

* Este documento deve serreferido como segue:Scortegagna, A.; Negrão,O.B.M. 2005. Trabalhos decampo na disciplina deGeologia Introdutória: asaída autônoma e seupapel didático.TerræDidatica, 1(1):36-43.<http://www.ige.unicamp.br/terraedidatica/>

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Introdução

Os trabalhos de campo são de fundamental im-portância no aprendizado de Geologia e Geogra-fia. É no campo que o aluno poderá perceber e apre-ender os vários aspectos que envolvem o seu estu-do, tanto naturais quanto sociais.

Vários autores desenvolveram trabalhos valo-rizando as atividades de campo no aprendizado doaluno, destacando-se Brañas et al (1981), Anguita& Ancochea (1981), Paschoale (1984), Spencer(1990), Compiani (1991), Brusi (1992), Compiani& Carneiro (1993), Morcillo et al. (1998), Fantinel(2000), entre outros.

�As atividades de campo, eminentemente práticas einvestigativas, devem direcionar o aluno para a aqui-sição de uma metodologia de campo, que propicie umconhecimento globalizado de uma área de estudo eaquisição de uma visão abrangente da Geologia, nãodevendo consistir em uma mera exposição de proces-sos e fenômenos geológicos�. Compiani (1991:4)

Morcillo et al. (1998) acredita que os trabalhosde campo são especiais no ensino das ciências na-turais, algo aparentemente impossível de suprircom atividades em sala de aula e no laboratório.

Paschoale (1984) destaca o campo como �ce-nário de geração, problematização e crítica do co-nhecimento, onde o conflito entre o real e as idéi-as ocorre com toda a intensidade�. Sem dúvida, ostrabalhos de campo em Geografia e Geologia sãoimprescindíveis, pois permitem ao aluno seposicionar perante o saber teórico e a realidade vi-gente, desmitificando a ciência e construindo umsaber mais próximo do seu cotidiano.

Particularmente em Geografia, as práticas decampo apresentam infinitas possibilidades de pes-quisa e investigação, pois é na ciência geográficaque aspectos físicos e humanos se tornam objetosde estudo concomitantes.

Os trabalhos de campo são fundamentais parao aluno observar e interpretar a região onde vive etrabalha, produzindo seu próprio conhecimento,adquirindo competência para tornar-se um agentetransformador em seu meio. Compiani (1991) des-taca que, por meio das observações e interpreta-ções da região, o aluno mostra-se capaz de formu-lar noções da geologia local, suas interações com omeio ambiente e problemas sociais. O aluno passaa ser um investigador e, no futuro, poderá estimu-lar seus próprios alunos à prática da investigação.

Classificação de trabalhos de campo

Compiani & Carneiro (1993:90) classificam asexcursões geológicas1 , de acordo com seu papeldidático. Os autores definem os papéis didáticoscomo �funções que determinada atividade assumedentro do processo de ensino-aprendizagem, de-cididas de maneira deliberada ou não, que exer-cem algum significado para o alcance de objetivosdidáticos�.

Os parâmetros utilizados pelos autores para essaclassificação são os seguintes:

l objetivos pretendidosl visão de ensino presente no processo didático;l emprego/questionamento dos modelos cien-

tíficos existentes;l método de ensino, e relação docente-aluno;l lógica predominante no processo de apren-

dizagem.

Esses parâmetros são por eles definidos con-forme segue:

l Objetivos pretendidos: O pequeno diagra-ma explicativo na Figura 1 (Objetivo das Ati-vidades) busca sintetizar os principais objeti-vos das práticas de campo. Apresenta os objeti-vos gerais dessas atividades, focalizando a par-ticipação e o desempenho específico dos alu-nos. Nas excursões, tais objetivos podem serexplicitados conforme segue:

l Aproveitar os conhecimentos geológicos pré-vios de cada um.

l Adquirir representações e/ou exemplificarfeições ou fenômenos da natureza.

l Sugerir problemas e permitir uma primeiraelaboração de dúvidas e questões.

l Desenvolver e exercitar habilidades.l Estruturar hipóteses, resolver problemas e

elaborar sínteses.l Desenvolver novas atitudes e valores.

A influência exercida pelos objetivos, nos dife-rentes tipos de excursão, pode ser analisada segun-do as categorias �ausente�, �fraca�, �forte� e �mui-to forte�, compondo as associações gerais assinala-das na Figura 1.

1 Compiani & Carneiro usam a expressão excursões geológicas(EG), neste artigo substituído por trabalhos, atividades ousaídas de campo, sem prejuízo do significado proposto portais autores.

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l Visão de ensino: Em geral, qualquer discussãosobre a produção de conhecimento, vista sobperspectiva educacional, pode ser estruturadaa partir de dois enfoques: o informativo e o for-mativo. O ensino tradicional, de modo geral, émecânico e pouco eficiente quanto a propor-cionar uma reflexão independente e autôno-ma dos alunos na aprendizagem; predominaum trabalho informativo, ou seja, que priorizaa aquisição e memorização dos dados e infor-mações. Em contrapartida, o ensino formativoé interativo e crítico, propiciando uma partici-pação ativa do aluno na aprendizagem. EmGeologia, o ensino informativo, mais tradicio-nal, busca oferecer um repertório de informa-ções sobre conceitos (minerais, rochas, fósseis,estruturas, etc.), descrições e explicações sobreprocessos, além de pretender treinar habilida-des e técnicas importantes para a prática cientí-fica do geólogo. O segundo, formativo, preocu-pa-se com o método de produção científica his-toricamente contextualizada; o repertório cien-tífico é visto como algo em permanente cons-trução a partir da interação sujeito/meio (obje-to de investigação).

l Emprego e/ou questionamento de mode-los científicos: O questionamento ou a pre-servação dos modelos científicos existentes àépoca em que os trabalhos de campo são reali-zados é um critério importante, embora mui-tas vezes a organização de uma excursão nãoleve isso em conta, talvez pelo limitado alcan-ce dos objetivos das atividades.

Para uma excursão, a sua independência face aosmodelos existentes significa que estes não interfe-rem no processo didático pretendido. Outras excur-sões limitam-se a recuperá-los, transmiti-los e valo-rizá-los, de modo que estes são aceitos e preservados,em graus variáveis. Finalmente, existem excursõesem que os modelos são aceitos, mas questionadosdurante o processo de aprendizagem, à medida quesurgem problemas e dúvidas que remetem para no-vas e novas investigações bibliográficas, de campoou de laboratório. O resultado final do processo po-de ser tanto a reformulação como a própria aceitaçãodos conteúdos em foco, porém num outro nívelde compreensão das teorias e modelos existentes.

l Método de ensino e relação docente-alu-no: Para cada tipo de excursão, os métodos deensino e a interdependência professor-aluno

(P/A) devem ser analisados. Assim, os méto-dos de ensino são caracterizados como dirigi-dos, semidirigidos e não-dirigidos (Brusi 1992)e a relação P/A pode ser centrada no professor,centrada no aluno ou de equilíbrio. A condi-ção de equilíbrio entre o docente e o aluno,embora desejável em alguns casos, sofre deslo-camentos para um lado ou outro, dependendodos objetivos didáticos pré-estabelecidos. Acentralização do processo de ensino-aprendi-zagem, desse modo, compõe uma forma váli-da de classificar as excursões geológicas.

Em uma excursão dirigida, o protagonista cen-tral é o professor: tudo se desenrola segundo as idéiasdeste e os alunos desempenham um papel orienta-do, no sentido de redescobrir paulatinamente os con-ceitos e fatos que o professor pretendia enfatizardesde o início. Seu contraponto é a atividade não-dirigida, na qual os alunos são estimulados a umainvestigação autônoma: são desconhecidos, a priori,os resultados que podem ser atingidos. Na condi-ção de equilíbrio, o aluno é protagonista da redesco-berta, orientado pelo professor, mas este não definepreviamente as conclusões que devam ser obtidas.

l Lógica predominante no processo: O títu-lo genérico de lógica da ciência engloba referen-ciais de conteúdo e esquemas de raciocínio,inclusive operações mentais complexas, que sefazem presentes no chamado método científico.Normalmente predominam operações imbuí-das da lógica científica, nas excursões que bus-cam enfatizar aspectos teóricos, habilitar o estu-dante ao uso de certas técnicas, transmitir con-ceitos ou simplesmente ilustrar feições citadasem salas de aula.

A lógica do aprendiz pode se constituir em algomuito diverso, já que tem origem na postura natu-ral do estudante frente a situações inéditas. É admi-tida a aplicação de uma forma de raciocínio pró-pria, sem censurar eventuais imperfeições que a ló-gica científica poderia identificar. Nesse caso, ou-tros fatores interferem na elaboração do conheci-mento, e o alcance das metas didáticas dependeráda influência dos demais fatores acima referidos.

A partir destes parâmetros, Compiani & Car-neiro (1993) classificam as excursões geológicas deacordo com seu papel didático em atividades decampo Ilustrativas, Indutivas, Motivadoras, Trei-nadoras e Investigativas. Os autores definem emdetalhe cada uma delas.

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Figura 1 � Objetivos de ensino/aprendizagem nas excursões geológicas

Fonte: Com

piani & C

arneiro (1993) com acréscim

os do autor

Ilustrativa

Indutiva

Motivadora

Treinadora

Investigativa

Autônoma

Informativa

FormativaSão aceitos, mas

questionados

São aceitos e

preservados

São aceitos e

preservados, em

grau variável

São aceitos e

preservados

São aceitos e

preservados

Professor

é o centro

Ensino dirigidoDa ciência

Aluno é o centro

Ensino dirigido/

semi-dirigido

Da ciência e

do aprendiz

Do aprendiz

Da ciência e

às vezes

do aprendiz

Da ciência e

do aprendiz

Da ciência e

do aprendiz

Aluno é o centro

Ensino

não-dirigido

Aluno é o centro

Ensino

não-dirigido

Aluno é o centro

Ensino

não-dirigido

Equilíbrio

Ensino

semi-dirigido

São aceitos, mas

questionadosFormativa

Formativa

Formativa/

Informativa

Formativa/

Informativa

VISÃO DEENSINO

CATEGORIAPAPEL

OBJETIVO DASATIVIDADES

RELAÇÃODE ENSINO/

APRENDIZAGEM

LÓGICAPREDOMINANTE

MODELOSCIENTÍFICOSEXISTENTES

VISÃO DEENSINO

CATEGORIAPAPEL

OBJETIVO DASATIVIDADES

RELAÇÃODE ENSINO/

APRENDIZAGEM

LÓGICAPREDOMINANTE

MODELOSCIENTÍFICOSEXISTENTES

OBJETIVOS DAS ATIVIDADESOBJETIVOS DAS ATIVIDADES INFLUÊNCIADOS OBJETIVOS

INFLUÊNCIADOS OBJETIVOS

Ausente

Fraca

Forte

MuitoForte

Elaborar dúvidase questões

Estruturar hipóteses/sínteses e criarconhecimento

Aproveitar osconhecimentos

geológicos prévios

Desenvolveratitudes e

valores

Reconhecer feiçõese fenômenosda natureza

Desenvolver eexercitar

habilidades

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l Atividade de Campo Ilustrativa: é conside-rada a mais tradicional das saídas de campo, poisreafirma o conhecimento como produto acaba-do. Serve para mostrar ou reforçar os concei-tos já vistos em sala de aula. É centrada no pro-fessor que se utiliza da lógica da ciência para re-forçar o conteúdo no campo. O aluno faz o pa-pel do espectador com a caderneta de camporepleta de anotações repassadas pelo professor.

l Atividade de Campo Indutiva: este tipo desaída de campo visa �guiar seqüencialmente osprocessos de observação e interpretação, paraque os alunos resolvam um problema dado�.O papel do professor é de conduzir os alunosou fazer com que eles sigam um determinadoroteiro de atividades, geralmente acompanha-do por questionário envolvendo questões teó-ricas com conceitos previamente estabelecidos.O ensino é dirigido, podendo chegar a semidi-rigido, mas é delimitado pelo professor quedefine o ritmo dos trabalhos. Segundo os au-tores �o processo de aprendizagem valoriza osmétodos científicos e o raciocínio lógico dosalunos, sem preocupar-se com os conhecimen-tos geológicos prévios�.

l Atividade de Campo Motivadora: Este tipode saída de campo tem como objetivo desper-tar o interesse dos alunos para um dado pro-blema ou aspecto a ser estudado. Este tipo detrabalho é, geralmente, realizado com alunosdesprovidos de conhecimentos geológicos an-teriores, porque valorizam-se aspectos mais ge-néricos, como a paisagem, o senso comum e aafetividade com o meio. O objetivo é despertara curiosidade e o interesse do aluno para a disci-plina ou curso. A saída de campo é centrada noaluno, valorizando a experiência de cada um eos seus questionamentos.

l Atividade de Campo Treinadora: Este tipode saída de campo visa treinar habilidades, ge-ralmente com o uso de aparelhos, instrumen-tos ou aparatos científicos. Exige conhecimen-tos prévios por parte do aluno que fará anota-ções, medições ou coleta de amostras. As ativi-dades são direcionadas pelo professor, caben-do ao aluno seguir as recomendações e treinara técnica ou procedimento.

l Atividade de Campo Investigativa: Esse ti-po de saída de campo propicia ao aluno resol-ver determinados problemas no campo. Os alu-nos podem elaborar hipóteses a ser pesquisadas;

estruturar a seqüência de observação e interpre-tação; decidir as estratégias para validá-las, inclu-sive avaliando a necessidade de recorrer à litera-tura; discutir entre si as reflexões e conclusões.Na atividade de campo investigativa o papel do

professor é o de um orientador que resolve as dú-vidas dos alunos quando solicitado, além de incen-tivá-los, dando o suporte necessário para que osmesmos não se dispersem no assunto a ser traba-lhado. O professor pode propor um problema paraser solucionado o que direciona a atenção dos alu-nos para o conteúdo. A saída é centrada no aluno evaloriza seus conhecimentos prévios, não se im-portando muito com a lógica da ciência, pois aquio professor considera o aluno capaz de desenvol-ver habilidades no campo teórico.

Newerla (1997) concebe a saída �Treinadora�como uma variante do trabalho de campo Indutivo,ao assinalar que são raras as atividades de campodedicadas exclusivamente ao treino e ao exercíciode habilidades. Não obstante, nos cursos de Geo-grafia há algumas saídas exclusivamente treinado-ras, como por exemplo nas disciplinas de Carto-grafia e Topografia, em que os alunos dirigem-seao campo exclusivamente para coletar dados a se-rem, posteriormente, trabalhados em sala de aula.

Morcillo et al. (1998) levanta questões sobre ascaracterísticas distintivas do trabalho de campo, noensino das ciências naturais, e sobre a importânciae necessidade do campo. Afirma que essas ques-tões são pouco discutidas e que as propostas de tra-balho de campo dos professores estão muito liga-das à sua própria experiência autodidata.

Propõe-se aqui outro tipo de trabalho de cam-po, a saída de campo autônoma.

Antes de descrever a saída autônoma, cabe res-saltar um tipo de atividade de campo comum noscursos de Geografia, não incluída na classificaçãoporque não apresenta objetivos educacionais cla-ros. São excursões cujo principal objetivo é conhe-cer uma determinada região, possivelmente aindanão visitada pela maioria dos alunos e professores.Não há o comprometimento dos professores emacompanhar os alunos, sendo, muitas vezes, optativaa participação destes. O trabalho de campo, nestecaso, fica em segundo plano. Este tipo de saída apre-senta um aspecto motivador, que não é, porém, oprincipal objetivo do professor, uma vez que taisexcursões realizam-se geralmente no final do anoletivo, tendo caráter finalístico. Scortegagna (2001)constatou este tipo de saída de campo em uma ins-tituição de ensino no Estado do Paraná.

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Saída de campo autônomaEsta saída objetiva despertar no aluno o seu es-

pírito investigativo e prepará-lo para a sua realida-de profissional futura. É realizada, preferencialmen-te, na região onde os alunos se encontram, em áreasescolhidas por eles e sem a presença do professor.A investigação é constante, cabendo ao professor opapel de orientador. Os alunos retornam ao cam-po quantas vezes forem necessárias. A relação pro-fessor-aluno e aluno-aluno é ampliada pelas con-tínuas discussões e trocas de experiências.

Compiani (1991:14) considera que o campopode ser um fio condutor para uma disciplina, pro-piciando, a partir de uma área de estudo, o enten-dimento dos principais processos e conceitos destae o melhor desenvolvimento das peculiaridades daprática científica geológica, e dos respectivos pro-cedimentos mentais. O autor considera que �ocampo pode ser gerador de problemas, isto é, umaótima situação de ensino problematizadora e, tam-bém, pode ser agente integrador da Geologia e ou-tras Ciências na construção de uma visão abran-gente de natureza�.

Como exemplo desse processo gerador de pro-blemas, pode-se relatar uma das atividades de cam-po autônomas realizadas por um dos autores na disci-plina de Geologia Introdutória, em que atua comodocente2 . O trabalho é realizado no curso de Geo-grafia, no 1o. ano de Licenciatura Plena. Os alunossão divididos em grupos, cabendo a cada grupo oestudo de um bem mineral em processo de explo-tação na região metropolitana de Curitiba3 . Esseestudo exige a realização de trabalhos de campo,durante os quais os alunos percebem vários aspec-tos, desde os ligados exclusivamente ao bem mine-ral escolhido até aqueles relacionados ao impactoambiental, bem como a influência sobre as popu-lações circunvizinhas. Um exemplo desta ativida-de refere-se à equipe que, em 1999, pesquisou ex-tração de areia.

Ao visitar alguns locais de extração, a equipeobservou que, após a exaustão de alguns depósitos,estes eram abandonados pelas empresas concessi-onárias e, posteriormente, ocupados por grupos de

indigentes que os utilizavam para edificar suas mo-radias, gerando grave problema urbano. Além dis-so, provocavam sério problema ambiental, pois es-tes locais são áreas de proteção aos mananciais, oque evidenciou, também, falha do poder público.

Em nenhum momento houve hesitação dos alu-nos em analisar tanto o bem mineral em explota-ção quanto a ação antrópica e suas conseqüências.Percebeu-se que a análise, não só do bem mineralestudado, mas também do local de extração e aobservação dos problemas ambientais gerados é quepermitiram aos alunos a realização de um trabalhoenriquecedor. Assim, a saída ao campo e a pesquisade um recurso mineral constituíram o fio condu-tor do trabalho.

Seguindo os parâmetros adotados por Com-piani & Carneiro (1993) e buscando-se enquadrá-la nesta classificação, observa-se que a saída de cam-po autônoma, de acordo com os objetivos pretendi-dos, apresenta como características marcantes oaproveitamento dos conhecimentos geológicosprévios do aluno; a elaboração de dúvidas e ques-tões; a estruturação de hipóteses e criação de co-nhecimento; reconhecimento de feições e fenôme-nos da natureza, além de desenvolvimento e exercí-cio de habilidades.

A visão de ensino observada é a formativa, poispermite ao aluno interagir com o meio e vislum-brar a possibilidade de aquisição de novos conheci-mentos. Com referência ao emprego e/ou questiona-mento de modelos científicos, percebe-se que estes nãointerferem no processo didático pretendido, poisnão há controle por parte do professor; assim osalunos podem seguí-los ou questioná-los. O méto-do de ensino pode ser caracterizado como não-diri-gido, sendo o aluno o centro do processo, pois équem irá resolver problemas, definindo, ele mes-mo, os passos da investigação.

O professor poderá orientá-lo ao longo do pro-cesso, quando há retorno ao campo, ou no final,em sala de aula, quando o aluno perceberá os errose acertos de seu trabalho, sob a ótica científica.

Quanto à lógica predominante no processo, perce-be-se o predomínio da lógica do aprendiz, pois�tem origem na postura natural do estudante fren-te a situações inéditas� Compiani & Carneiro(1993:94).

A saída de campo autônoma destaca-se pelo fatodo aluno ir ao campo sem a presença do professor,trazendo suas anotações, amostras e imagens queserão trabalhadas em sala de aula. Além disso, apre-

2 Adalberto Scortegagna3 Esta proposta de atividade teve início em 1998 no curso de

Especialização em Ensino de Geociências no Instituto degeociências da UNICAMP. Desde então este trabalho é reali-zado com os alunos da disciplina de Geologia Introdutória,no curso de Geografia da FACIAUSO.

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senta, em relação à saída do tipo investigativa, maiorinfluência na elaboração de dúvidas e questões e no de-senvolvimento e exercício de habilidades4 .

A partir do conjunto de informações trazidaspelos alunos, as discussões se tornam enriquecidase eles percebem que o seu conhecimento prévio,valorizado pelo professor, é utilizado na constru-ção da própria prática científica.

�[...] é fundamental para o estudante essa noção deconhecimento como um construto da prática científica,do ir e vir à fonte de informações, de testar, reformular,elaborar e adquirir a noção dos limites da produçãocientífica; tudo isso contribui para desmitificar o co-nhecimento científico e o cientista�. (Compiani1991:13)

A saída de campo autônoma não pode servircomo pretexto para o professor se ausentar do cam-po. Os trabalhos de campo com a presença e ori-entação do professor são importantes, pois o con-tato direto com o objeto a ser investigado e os de-safios que surgem, ao longo do trabalho, são enri-quecidos com sua presença.

A saída autônoma tem por objetivo promoverconstante investigação ao longo do curso, permitin-do que os alunos, a partir dos temas que vão sendoabordados em sala de aula, tenham a possibilidadede fazer a inter-relação entre a teoria e sua aplica-ção no cotidiano de forma mais independente.

A participação de turmas do período noturno,constituídas usualmente por alunos que trabalhamdurante o dia, fica facilitada nesse tipo de trabalhoporque os horários de pesquisa são escolhidos pe-los próprios alunos.

Com o acréscimo da nova categoria propostaobtém-se a classificação dos trabalhos de campoapresentada na Figura 1.

Considerações finais

As possibilidades de o professor realizar ativi-dades de campo são várias, cada qual com suas ca-racterísticas didáticas e metodológicas. Os váriostipos de atividades apresentadas neste artigo apre-sentam alguns aspectos didáticos distintos entre si.Cabe ao professor, a partir das características en-contradas em seus alunos e instituição onde atua,

definir qual atividade de campo melhor se adaptaas suas condições. Observa-se, porém, a necessi-dade de repensar o papel do professor e do alunonas atividades práticas. Scortegagna (2001) cons-tatou a preocupação dos professores da disciplinade Geologia Introdutória, nos cursos de Geografiano Estado do Paraná, em preservar o aluno do im-pacto do novo, mediante distribuição prévia de ro-teiros de campo detalhados. O autor observou tam-bém que a maioria dos professores entrevistadospreocupava-se em reproduzir no campo o conteú-do visto em sala de aula, limitando assim as pos-sibilidades dos alunos construírem seus própriosconhecimentos.

A categoria de campo autônoma proposta nesteartigo teve origem em várias experiências, entre elaso trabalho realizado pelos autores no Curso de Es-pecialização em Ensino de Geociências da Uni-camp em 1998, além da necessidade de criar alter-nativas de campo para turmas noturnas, com gran-des dificuldades em acompanhar as saídas nos fi-nais de semana. Em acréscimo a um trabalhoinvestigativo, esta atividade permite aos alunos ela-borar dúvidas e questões, conferindo-lhes maiorindependência no campo.

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4 Elaboração de dúvidas e questões e desenvolvimento eexercício de habilidades estão entre os seis objetivos dasatividades na classificação de Compiani & Carneiro. (1993).

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Submetido em dezembro de 2002Aceito em janeiro de 2003